Belém 400 anos

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Diário do Pará

QUINTA-FEIRA Belém-PA,07/02/2013

AIS POST VEIS CIONÁ COLE

NTEM O M É BEL HOJE E

Um convite à

memória

Conheça a Capela Pombo, santuário de mais de 200 anos em meio à moderna Belém dos 400. PÁG. 4 e 5


2 EDITORIAL O primeiro número da revista Belém 400 vem a público, oportunamente, após o aniversário de 397 anos dessa cidade que povoa o imaginário não só de seus habitantes, mas também de muitos que a visitam. O ano de 2016 é o marco do quarto centenário, mas a proposta da Belém 400 é mostrar as histórias oficiais e oficiosas antes, durante e depois dessa data emblemática, buscando sempre novos olhares, novas vozes e novas cores sobre assuntos pouco ou muito conhecidos. No primeiro número, você conhece um pouquinho de Belém antes de ser Belém, passeia por suas ruas e descobre uma arquitetura peculiar. Você também pode se amedrontar com os contos macabros do Palácio do Rádio e se emocionar com histórias reais, ainda mais macabras. Mas, com certeza, vai se deleitar com a profusão cultural da capital paraense, a eterna princesinha do Norte e a imortalizada Cidade das Mangueiras. Aproveite! Dilermando Gadelha e Luena Barros – editores responsáveis

dilermandogadelha@gmail.com, luenamitie@yahoo.com.br

Expediente Este é um projeto da Escola Diário de Jornalismo Edição: Dilermando Gadelha e Luena Barros Produção e reportagem: Dilermando Gadelha, Isis Cordovil, Lilian Campelo e Luena Barros Fotos: Bruno Carachesti, Daniel Pinto, Edvaldo Pereira, Lilian Campelo, Luena Barros, Marcelo Lelis e Thiago Gomes Ilustrações: Italo Gadelha e Wilson Levy Projeto gráfico e diagramação: D’Angelo Valente Revisão: Ana Lídia Campos Diário do Pará: Diretor Presidente Jader Barbalho Filho / Diretor de Redação Gerson Nogueira / Coordenação da Escola Diário de Jornalismo Lázaro Magalhães / Diretora Geral Jandira Lúcia Melo dos Santos / Gerente Comercial Nilton Lobato / Gerente de Circulaçao Hamilton Pinheiro Júnior / Conselho Editorial: Jader Barbalho Filho, Gerson Nogueira, Mauro Bonna, Fernando de Castro Jr. e Guilherme Augusto Souza

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Dançar carimbó ao som da guitarra e do trompete Experimentações sonoras dão nova cara ao carimbó e inserem o ritmo popular no cenário midiatizado e global

Procurando um grande amor, viajei nesse meu Brasil inteiro juro que não encontrei o amor maravilhoso que sonhei...

O

Lilian campelo

trecho é da música “Amor Brejeiro”, de Dona Onete, conhecida cantora de carimbó no Pará. O ritmo, que mescla a batida forte e intensa do hip hop, o trompete e o estilo vocal chamegado da artista são resultado de uma experimentação sonora que também deu origem à “Paixão Cabocla”, esta adaptada ao estilo underground da banda Coletivo Rádio Cipó, cuja vertente musical é o rock. O último álbum da banda, “Formigando na Calçada do Brasil”, foi lançado em 2005, no Teatro Waldemar Henrique. Uma das características da obra é a produção caseira, o que personaliza a identidade do grupo como uma banda alternativa. Borbulhinho cultural

O Coletivo Rádio Cipó existe há 12 anos e já participou de diversos festivais de música no cenário nacional e internacional. Em 2010, a banda tocou no Rio de Janeiro, no projeto Oi Futuro Som. E, em terras de rainhas e princesas, eles participaram do festival de música experimental londrino London International Festival of Exploratory Music (LIFEM), realizado em 2009. O vocalista Ruy Montalvão – mais conhecido como Rato Boy – explica que o Coletivo é um núcleo de produção de mídias digitais que alia tecnologia digital “caseira” na produção de pesquisas sonoras, vídeos experimentais e artes integradas. O grupo possui influências de expressões artísticas culturais e estilos musicais como os ritmos eletrônicos, o groove funk, o samba rock e nuances


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Descobrimento do Brasil

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1616 Fundação de Belém

FOTOS: marcelo lelis

dub do mundo do músico e produtor jamaicano Lee Perry. Todo esse mix de ritmos caracteriza o estilo do coletivo, denominado como eletrofunkdub. A banda é composta por MC Rato Boy e MC Jamant nos vocais, pelo guitarrista Renato Chalu, o percussionista Luís Bolla, o guitarrista e baixista Jarede das Arabias, além de Carlinhos Vas, Mestre Laurentino, Mestre Bereco e Dona Onete. A participação de personagens populares no grupo mostra um pouco do processo de transformação da cultura popular paraense ao longo do tempo. É a simbiose musical de ritmos populares com traços da contemporaneidade – batidas eletrônicas ao som do hip hop. Ruy Monltavão afirma que o diferencial do grupo é inserir os grandes mestres da cultura popular na batida eletrônica da banda. “Não tentamos interpretar as canções dos grandes mestres. Tentamos inseri-

Dona Onete e Coletivo Rádo Cipó

chamegado hip hop

Não tentamos interpretar as canções dos grandes mestres. Tentamos inserilos dentro do nosso contexto, pegar a voz do velho, a voz da velha, o banjo do carimbó do Bereco e colocar no nosso molho

Ruy Montalvão, vocalista

-los dentro do nosso contexto, pegar a voz do velho, a voz da velha, o banjo do carimbó do Bereco e colocar no nosso molho”.

Mas o que é o carimbó chamegado? Dona Onete canta para explicar: “Que carimbó é esse de toque maneiro, gostoso brejeiro, donde é que tu vens? Vim do baixo Tocantins, pra cantar aqui em Belém... Sou carimbó da água doce, muito diferenciado, porque tenho um toque maneiro, meu swing é chamegado”. A música chamegada tem um som leve e denota um ar sensual, percebido nas letras e no ritmo. Dona Onete conta que o carimbó chamegado nasceu na localidade do Baixo Tocantins. Por isso, também é conhecido como carimbó de águas doces e se diferencia do carimbó da Zona do Salgado, originário das cidades de Marapanim, Curuçá e Algodoal. A artista explica que a nova versão do ritmo é uma junção de outras culturas como o lundu, banguê, carimbó, siriá, tambor de nagô e toadas de boi bumbá. A dança também é diferente. “Você pode dançar até agarrado o ca-

rimbó, que você dança”, explica. Aliar o estilo chamegado à batida eletrônica, entretanto, não foi assim tão simples para Dona Onete. Ela afirma que estranhou a nova sonoridade da música logo que iniciou as gravações do álbum do coletivo. “Eu me senti perdida nos primeiro dias, aquele baque. Eu cantando ela chamegada. Mas tinha gente de primeira grandeza que estava tocando, como o Delatuche, tocando trompete”. MAIS DIVA POP Ouça um trecho da entrevista com Dona Onete e o carimbó chamegado.


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Capela Pombo Após anos resistindo no bairro do Comércio, a construção histórica projetada por Antônio Landi será restaurada

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Dilermando Gadelha

história é digna de um dos grandes mitos religiosos da nossa época. Em uma das viagens do português Ambrósio Henriques ao Brasil, uma tempestade abateu o mar e ameaçou destruir a embarcação em que ele e a família se encontravam. Então, o senhor de engenhos fez uma promessa a Bom Jesus dos Passos. Se os salvasse do perigo, Ambrósio iria construir uma igreja, capela ou ermida em homenagem ao Cristo. Nos finais do século XVIII, ele cumpriu a promessa e construiu a Capela Pombo, um pequeno santuário localizado na travessa Campos Sales, no bairro do Comércio. Apesar de existir há mais de 200 anos, a ação do tempo quase esconde a fachada da construção creditada a Antônio Landi. O estado interno da capela também é preocupante. Infiltrações nas paredes laterais, plantas crescendo dentro do espaço, goteiras e forro ruindo levaram o atual proprietário e parente longínquo de Ambrósio, Augusto Pombo, 75 anos, a colocá-la à venda em 2010. Augusto virou proprietário do espaço em 1974, quando a capela já estava em mau estado. Segundo ele, uma reparação emergencial na capela custaria em torno de R$ 300 mil, quantia que não poderia pagar. Por isso resolveu vender a propriedade. “A capela é minha história e da minha família, mas eu não tenho

senhores de engenho no Brasil era condições de reformar e mantê-la”. comum por causa da distância entre Em 2012, a Universidade Federal as propriedades, muitas vezes rurais, do Pará (UFPA), por meio do Fórum e as igrejas da cidade. Landi, em parceria com o Instituto Augusto Pombo conta que, durante do Patrimônio Histórico e Artístico muito tempo, a capela era uma das paNacional (Iphan) anunciou a compra radas obrigatórias da procissão de Bom da capela. De acordo com o coordeJesus dos Passos. Devido ao desgaste e nador do Fórum Landi, Flávio Nasà retirada dos sansar, as negociações já tos e objetos, hoje foram consumadas a procissão não e há disponibilidade passa mais por lá. orçamentária da “Outra coisa que UFPA, responsável muito pouca genpela aquisição do te lembra é que, prédio. antes de a rua ser A restauração chamada de será custeada pelo Campos Sales, ela Iphan e ainda não era conhecida tem data marcada. como Rua do PasPara Flávio Nassar, sinho, por causa o objetivo não é que da capela”, revela. o processo seja rápiA Capela do, mas que a resPombo não irá tauração funcione perder sua funcomo meio de ção devocional. aprendizado e de Flávio Nassar, Após a restauraconhecimento da coordenador do Fórum Landi ção, ela será reaprópria história da berta para os fiéis. cidade para os habiO acesso ao interior da capela estava tantes de Belém. “Pretendemos fazer impedido por uma grade e, há mais um canteiro aberto, o qual, em alguns ou menos seis meses, ela foi compleperíodos, as pessoas possam visitar e tamente fechada. Segundo Augusto conhecer o processo de restauração”. Pombo, a intenção era impedir a entrada de mendigos e ladrões. HISTÓRIA O espaço também será aproveitado O objetivo da construção da capara o resgate de outro pedaço da histópela, além de homenagear o Senhor ria de Belém: o Canto Gregoriano, espédos Passos, era criar um local de cie de cântico religioso fundado por São culto para a família, amigos e escraGregório. O cântico foi tradicional em vos de Ambrósio Henriques. À époBelém no século XVIII, quando chegou a ca, a construção de pequenos santuexistir um coro composto por indígenas. ários e capelas nas propriedades dos

Lá podemos encontrar todos os elementos que são característicos dos trabalhos de Landi. Só não há a assinatura, mas a capela tem o DNA de Landi

ANTÔNIO LANDI

Apesar de não existir nenhum documento que revele o nome do criador, Flávio Nassar afirma que a construção é um ‘pequeno dicionário da arquitetura de Landi’. “Lá podemos encontrar todos os elementos que são característicos dos trabalhos de Landi. Só não há a assinatura, mas a capela tem o DNA de Landi.” O arquiteto Antônio José Landi nasceu na cidade de Bolonha, na Itália, em 1713. O pouco reconhecimento que teve no país natal fez com que, em 1754, aceitasse o convite da Coroa Portuguesa para vir ao Brasil como desenhista de cartas geográficas. A Belém, chegou em 1755 e pouco depois tornou-se o arquiteto oficial da Administração Portuguesa no Pará, o que explica a grande quantidade de construções creditadas a ele no Centro Histórico, como as Igrejas de Santo Alexandre e das Mercês e a finalização da construção da Catedral de Belém. MAIS Por dentro Veja na galeria de fotos detalhes do interior da Capela Pombo


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Criação da Casa de Haver o Peso

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1793 Primeiro Círio oficial

5 bruno carachesti

Infiltrações na parede e um altar vazio marcam a Capela Pombo


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DANIEL pinto

PERFIL

Nome de

peso

Concorrendo com supermercados, dono da Casa Cuia Verde mantém comércio com cem anos de história no centro de Belém

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luena barros

s primeiros clientes do dia chegavam do interior nos barcos que aportavam no Ver-o-Peso, ainda de madrugada. Homens e mulheres, muitos sem tomar café da manhã, pa-

ravam no estabelecimento para tomar mingau na cuia preta e cachaça na cuia verde. Ou talvez fosse mingau na cuia verde e cachaça na preta. Álvaro Gouveia, 47, atual proprietário da Casa Cuia Verde, já não recorda ao certo a história que o pai contava sobre os primórdios do negócio da fa-

mília, no início do século XX, mas o mantém, com sucesso, há 25 anos. Álvaro lembra da infância atrás do balcão da loja no Mercado Bolonha. As férias escolares eram o período de trabalho - e de se fartar com os refrigerantes de garrafa. Foi ele, o caçula dos três filhos do português Álvaro Gouveia, que seguiu os caminhos do pai no que ele chama de ‘a Universidade do Ver-o-Peso’. Com o passar do tempo, Álvaro cresceu e a cidade mudou. O que era um ‘jardim’ à beira do rio transformou-se em feira livre. A família, que desde meados de 1940 mantinha a loja no Mercado Bolonha, teve de se mudar em 2007 devido à reforma do prédio. Outro ponto comercial foi criado na travessa Oriental, ao lado do mercado, reaberto em 2011. “Sobrevivemos a todos os planos [econômicos]. Cuia Verde é do tempo dos réis”, conta. Mas não sem sofrer alterações. Quando surgiram as grandes redes de supermercado na década de 1980, a loja teve que se readequar ao mercado. “Agora nós só vendemos o milho para fazer mingau”, brinca Álvaro. Os cereais e salgados em geral, pesados nas antigas balanças inglesas que ele mostra com orgulho, cederam lugar aos artigos industrializados de confeitaria, chocolates e alumínios que pessoas de fora de Belém e do Pará vêm comprar porque só os encontram no estabelecimento. A história dos Gouveia acompanha também a história da clientela. A todo momento, o dono aponta para os clientes que chegam à loja: “Esse aqui vinha de cueca para cá, acompanhando as compras da mãe”, e todos recordam, dando risadas. Alguém chega a dizer: “Eu vinha aqui quando criança. Teu pai me dava rosquinha”. O costume é mantido pelo filho, que agrada as crianças com bombons e chocolates. Todos os confeiteiros, salgadeiras, pipoqueiros e trabalhadores informais lhe conhecem. E quando não conhece, ele já sabe: “O nome pesa muito. Quando falo da Cuia Verde para alguém que não conheço, a pessoa já me conhece há não sei quantos anos”. Ele reclama do trabalho cansativo que o mantém em pé das 7h ao final da tarde. Mas a reclamação não dura muito. Logo ele remenda: “O trabalho é uma delícia. Saio cansado com o maior prazer.”


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Adesão do Pará à Independência

Na Belém subterrânea,

a história dos povos antigos

Acima do chão, Belém comemorou 397 anos. Centímetros abaixo, a pré-história da região permanece escondida

A

luena barros

área sobre a qual se assenta o Centro Histórico de Belém não conta apenas a história da cidade. Enterrados em uma ‘mancha’ de solo escuro, rico em fósforo, cálcio e magnésio, pesquisadores encontraram cerca de 40.000 indícios de povos que viviam aqui antes da chegada dos colonizadores. São fragmentos de cerâmica, artefatos em pedra e objetos inteiros, como vasilhas, pratos e panelas, encontrados a uma profundidade de 60 centímetros a um metro, em escavações pontuais feitas no Largo do Carmo, Feliz Lusitânia e Estação das Docas. De acordo com o arqueólogo

Fernando Marques, os artefatos são, possivelmente, resquício dos índios Tupinambá. Os objetos são decorados com linhas e pontos, que formam desenhos geométricos característicos do grupo indígena Tupi-Guarani. “A cerâmica não é exclusiva da região. O grupo estava espalhado pela costa brasileira e foi ‘migrando e deixando rastros’”, explica o pesquisador. À época da colonização, eles somavam mais de um milhão de habitantes ao longo da costa e a prática do ritual antropofágico – a ingestão da carne de guerreiros indígenas vencidos em batalhas – estarreceu os colonizadores. Atualmente, parte do material está em exposição no Museu do Encontro, no Forte do Castelo. ‘O material indígena foi importantís-

simo até na formatação do Museu, que mostra o encontro do português com o nativo. Antes, o objeto principal era a fortificação. Com as escavações, a proposta museográfica se modificou para contemplar os dois lados: a fortificação portuguesa e a presença dos índios”, relata o arqueólogo. No museu também é possível observar a janela arqueológica – uma abertura no solo em que se notam as camadas de ocupação da terra e vestígios arqueológicos na posição original em que foram encontrados. Retirar as construções de hoje para realizar escavações arqueológicas seria absurdo. Mas, ao se realizarem grandes reformas, é preciso ter consciência de que no solo também está registrada a nossa história. ‘O acompanhamento de

Precisamos atentar para a antiguidade que comporta o solo no Centro Histórico e salvaguardar as informações. É por meio destes objetos que vamos estudar as pessoas daquela época” Fernando Marques, arqueólogo

arqueólogos é essencial. Precisamos atentar para a antiguidade que comporta o solo no Centro Histórico e salvaguardar as informações. É por meio destes objetos que vamos estudar as pessoas daquela época, observando os ‘restos’ que elas deixaram”, explica o arqueólogo.

edvaldo pereira

O Centro Histórico guarda vestígios dos tupinambás


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Pelas ruas de Belém: um percurso de quase 400 anos Ruas, avenidas e rodovias representam as várias fases de expansão que a metrópole passou LUENA BARROS

E

streitas ou amplas, pacatas ou movimentadas, no centro ou na periferia. De asfalto ou pedras, com ou sem sinalização. Sem se dar conta, os moradores passam todos os dias por trechos da história de Belém. As ruas revelam as várias fases pelas quais a cidade passou e mostram que ela não só envelheceu, como também cresceu, ao longo de quase 400 anos. No início, eram apenas quatro ruas e quatro travessas, um forte militar, uma igreja e algumas casas de taipa. Hoje, a cidade ocupa uma área de 1.059,406 quilômetros quadrados, incluindo os distritos de Icoaraci, Outeiro e Mosqueiro e 39 ilhas distribuídas na Baía do Guajará e no rio Guamá. Mesmo sem ter mais para onde crescer, a metrópole continua expandindo e influenciando outras cidades da região por meio do poder econômico. Nas ruas, essa importância se traduz em tráfego intenso, grande circulação de pessoas e aumento na oferta de serviços. Em meio ao cenário caótico, o geó-

grafo Márcio Amaral explica que é possível perceber períodos anteriores, quando o núcleo da cidade era menor. “O padrão de urbanização de Belém resulta de diferentes momentos de formação da própria cidade”, esclarece. PRIMEIROS ANOS De um lado, o Forte do Castelo. Do outro, o Largo do Carmo. A Siqueira Mendes, antiga Rua do Norte, na Cidade Velha, é o retrato do período de fundação da cidade, no século XVII, e liga duas faces da colonização: a presença dos militares portugueses para impedir a entrada de invasores no território e a atuação de missionários religiosos na catequização da população nativa. Apesar de estreita para os padrões de hoje, foi primeiro por ali que passaram soldados, religiosos e indígenas. Com o passar do tempo e a povoação da cidade, a quantidade de ruas aumentou. “Toda a dinâmica da cidade estava ligada aos dois principais cursos fluviais, a Baía de Guajará e o Rio Guamá. Então, a cidade se estendia mais ou menos de onde é a Igreja dos Mercedários até o outro lado, próximo à entrada do Mangal das Garças, no sentido do próprio rio, contornando os cursos fluviais”, explica o geógrafo. Até hoje a presença de portos, trapiches e lojas de equipamentos náuticos prevalecem na Siqueira Mendes. Jocimar Furtado trabalha como gerente operacional do Porto Arapari há 15 anos e afirma que a rua quase não tem moradores e é tranquila. “O movimento aqui é maior no rio”. Nos portos, o movimento de pessoas é grande, principalmente nos períodos festivos, quando a procura por cidades do interior se intensifica. Mais acostumado com o vaivém dos barcos, Jocimar, que trabalha das 5h30 às 19h, se espanta com a rua deserta quando sai do porto. “Eu costumo dizer que, depois das 18h, todos se refugiam nos seus lares. Isso aqui fica triste”, conta. >>


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1835 Revolta da Cabanagem

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Siqueira Mendes, a primeira rua da cidade


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FOTOS: LILIAN CAMPELO

CIDADE PLANEJADA Entre 1897 e 1911, o governo de Antônio Lemos colhia os lucros do período áureo da borracha. A tão falada Belle Époque rendeu à cidade um projeto de urbanização aos moldes franceses. A avenida XV de Agosto, ampla, rodeada de árvores e com opções de lazer e comércio, era o ponto central da Belém moderna. Ainda hoje, a avenida Presidente Vargas, no bairro da Campina, é uma das ruas mais movimentadas da capital. “O acúmulo de recursos de grupos que atuam diretamente com a borracha vai permitir um maior potencial de consumo. Muitas casas comerciais são criadas para atender o consumo das elites”, explica Márcio Amaral. Além da construção de praças e quiosques, calçamento e iluminação das vias públicas, arborização e tantas outras ações para embelezar a cidade, surgiram comércios, bares, cinemas, teatros e cafés para atender as demandas dos ricos. A Presidente Vargas carrega as marcas deste período, como o Cinema Olímpia, o Theatro da Paz, o Bar do Parque, a Praça da República e o corredor de mangueiras. Até o tamanho é um indício de que ela pertenceu ao período e foi inspirada nos famosos bulevares franceses. Atualmente, a rua concentra uma grande quantidade de pontos de venda informal e lojas, que tomaram o lugar dos prédios históricos. Entre a travessa Riachuelo e a

Aristides Lobo, uma pequena entrada resiste ao avanço das grandes marcas. O relojoeiro Otávio Melo trabalha no local há 38 anos e lamenta a alteração ou retirada de prédios antigos. “Eu preservaria esses locais. Eles fazem parte da história, senão você perde aquela coisa do passado, aquela coisa boa.” Segundo Otávio, as mudanças não foram apenas nas construções. “Há alguns anos, tinha mais ‘pivetes’. Agora, à noite, já tem marginais com coisas mais pesadas, drogas.” Apesar de reclamar da falta de segurança, ele persiste no local. “Pelo tempo que eu estou aqui, eu até gosto. Tem muitos comerciantes que ainda conheço.”

O acúmulo de recursos de grupos que atuam diretamente com a borracha vai permitir um maior potencial de consumo. Muitas casas comerciais são criadas para atender o consumo das elites Márcio Amaral, geógrafo

METRÓPOLE A partir da década de 1950, a cidade ultrapassou o marco da 1ª Légua Patrimonial, cujo monumento ainda está fincado na avenida Almirante Barroso, em frente ao Bosque Rodrigues Alves. O motivo foi a abertura das grandes rodovias na Amazônia, como a Transamazônica e a Belém-Brasília. O que isso tem a ver com Belém? O pesquisador explica: “Belém tem que ser entendida em relação ao país e à região. O crescimento da metrópole está diretamente ligado com o que acontece na Amazônia”. Com a integração viária ao resto do país, muitos imigrantes vieram para a região em busca de terras e emprego. Eles acabaram se fixando na capital, mais precisamente ao longo das rodovias recém-abertas, como a Augusto Montenegro. Atualmente, a rodovia que liga o Entroncamento a Icoaraci continua perdendo as áreas de mata e dando lugar às ‘invasões’, conjuntos residenciais e condomínios fechados. Com o inchaço no centro, as classes média e alta também passaram a procurar lugares mais afastados. O desenvolvimento é tão intenso na área que ela é chamada de ‘Nova Belém’. Desde que nasceu, há 26 anos, o tecnólogo de

redes Álvaro Masayoshi mora no Conjunto Panorama XXI e sente os impactos do crescimento acelerado. “Quando eu era menor, tinha o costume de brincar na rua. Hoje, meus sobrinhos não podem fazer isso. É muito fácil encontrar ladrões armados”, relata. Álvaro conta que, às margens da rodovia, o ambiente era ‘familiar’. Hoje, muitas casas se transformaram em pontos comerciais. Mas ele reconhece: “Antigamente, tinha o problema de se deslocar para o centro. Agora, não. Eu noto que não ‘tá’ mais crescendo para o centro, e sim para cá”. >>

Quando eu era menor, tinha o costume de brincar na rua. Hoje, meus sobrinhos não podem fazer isso. É muito fácil encontrar ladrões armados Álvaro Masayoshi, morador


1860

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1880

Inicia ciclo da borracha no Pará

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1897 Belle Époque em Belém

ALÉM DAS FRONTEIRAS Belém cresce não apenas dentro dos limites territoriais, mas adensa as relações com os municípios próximos. Até 1995, por exemplo, somente Ananindeua fazia parte da Região Metropolitana. De lá para cá, Benevides, Marituba, Santa Bárbara, Santa Izabel

e, recentemente, Castanhal foram incluídos na lista. Segundo o pesquisador Márcio Amaral, a tendência é que haja mais investimentos em espaços de lazer e turismo na capital, além do remanejamento de algumas atividades a ou-

tros municípios. Ele cita o exemplo da Plataforma do Guamá: o fluxo de mercadorias será concentrado em Inhangapi, próximo a Castanhal, e deixará de ser feito pelos portos localizados na avenida Arthur Bernardes. “Belém hoje é a acumulação de

diferentes tempos, embora o tempo dominante seja a tendência da metrópole informacional. Em Belém, existem outras ‘Beléns’. Ela é a síntese desses vários momentos de produção do espaço amazônico”, finaliza o geógrafo.

ATRAVÉS DO TEMPO 165O

NÚCLEO INICIAL O ponto central de Belém era o Forte do Castelo, de onde saíram as primeiras ruas;

1940

PRIMEIRA LÉGUA PATRIMONIAL - A cidade se estendia até parte do que é hoje a avenida Almirante Barroso; - Limites dos bairros planejados: Marco e Pedreira;

ANANINDEUA

PÂNTANO DO PIRY

CIDADE VELHA

DE

CAMPINA

GU AJA RÁ

ATUALMENTE - A cidade cresce em direção à rodovia Augusto Montenegro e BR-316, na fronteira com Ananindeua; - O fluxo de pessoas, transportes e mercadorias entre Belém e os municípios próximos é intenso; - Nova mancha urbana vai até Castanhal.

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BA IA

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BELÉM

FORTE DO PRESÉPIO CATEDRAL DE BELÉM IGREJA DE SANTO ALEXANDRE IGREJA DO CARMO RUA DO NORTE RUA DO ESPÍRITO SANTO RUA DOS CAVALEIROS RUA DE SÃO JOÃO

RIO

MÁ A GU EDITORIA DE ARTE: ITALO GADELHA


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A história

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com alma feminina e coração de estudante

A militante Hecilda Fontelles Veiga fala sobre a situação das mulheres durante a ditadura militar

E

u acho que meu coração ainda é de estudante, como diz a música de Milton Nascimento.” Assim Hecilda Fontelles começa a narrar a experiência que viveu durante o período da ditatura militar. Antes, tira da bolsa um lenço branco decorado nas bordas com pequenas flores coloridas. Põe em seu colo, lugar mais acessível às mãos, que livres poderá usá-lo caso precise. O narrar da história se faz a partir da construção de fatos. É um desenrolar de lembranças de homens, mulheres e crianças que fazem parte desse enredo, mas o que se observa é que o protagonista da memória oficial, ao longo de muito tempo, teve um narrador, a figura masculina. elAS não são de atenas “Mirem-se no exemplo / Daquelas mulheres de Atenas / Vivem pros seus maridos / Orgulho e raça de Atenas”. A música de Chico Buarque, em tom irônico, demonstra como a sociedade define o papel da mulher. Ao longo dos tempos, elas foram relegadas ao anonimato e ao esquecimento, o que se observa em um dos episódios mais recentes e brutais da história brasileira. Mulheres militantes que transgrediram a ordem e o progresso ditado pelo governo foram brutalmente torturadas. Por serem mulheres, as torturas tinham o objetivo de degradar a alma feminina. O corpo nu ficou à mercê do torturador, as humilhações, a violência psicológica e sexual não pouparam mães, freiras, jovens, nem mesmo grávidas. Sim, grávidas. Foi o caso da paraense Hecilda Fontelles Veiga. “Quando fui presa, minha barriguinha de cinco meses de gravidez já estava bem visível. Fui levada à Delegacia da Polícia Federal, onde, diante da minha recusa em dar informações a respeito de meu marido, Paulo Fontelles, comecei a ouvir, sob so-

Luena barros

Lilian Campelo


1900

1910

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1930 Governo de Magalhães Barata

cos e pontapés: ‘Filho dessa raça não deve nascer’.” O testemunho está no livro “Luta, substantivo feminino”. A obra faz parte do relatório “Direito à memória e à verdade”, realizado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos e de Políticas para Mulheres. Nele, há histórias de vida e morte de 45 mulheres brasileiras que lutaram contra a ditatura militar e o testemunho de 27 sobreviventes que narram com coragem os horrores que passaram nos porões da ditatura. Hecilda Fontelles Veiga lutou contra o regime juntamente com seu esposo Paulo Fontelles, assassinado em 11 de junho de 1987, a mando da União Democrática Ruralista (UDR). Paulo, nessa época, advogava as causas camponesas e estava à disposição da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no sul do Pará.

A sensação que eu tenho até hoje é essa, de que eu estou correndo contra o tempo (...) E, apesar disso, eu ainda posso dizer ‘ah, eu sobrevivi’, mas quantos outros não sobreviveram? Hecilda Fontelles

Marido e mulher eram militantes na Ação Popular Marxista-Leninista (APML). O casal foi para Brasília, onde ficaria mais próximo dos acontecimentos políticos. Mas, em outubro de 1971, foram presos. Neste ano, começou a história de coragem e luta pela dignidade humana não só de Hecilda, mas de muitas Marias, Anas, Lúcias, Teresas... Lenço Branco Contar o que foi 68 faz parte da memória coletiva. Enfrentar o passado é o primeiro passo para que a sociedade entenda os fatos ocorridos e, assim, não permita que crimes contra a humanidade voltem a acontecer, como relata Hecilda. “Eu tinha certa dificuldade de falar sobre isso, mas já passou aquela fase

mais difícil dos primeiros tempos, de lembrar. Mas eu acho que é preciso que a gente conte tudo isso para que não se repita mais. Poxa, quantas vidas interrompidas! A vida de uma geração. Até hoje fico muito comovida quando ouço a música 'Coração de estudante': ‘Podaram seus momentos, desfiaram seus destinos’. A sensação que eu tenho até hoje é essa, de que eu estou correndo contra o tempo, por que eu tive a minha vida acadêmica interrompida. Eu concluí meu curso depois de 15 anos. E, apesar disso, eu ainda posso dizer ‘ah, eu sobrevivi’, mas quantos outros não sobreviveram?” Hecilda venceu os horrores da repressão e hoje é professora de Ciência Política na UFPA, local em que, por coincidência ou não, iniciou a carreira de militante antes de ir a Brasília. Como ela, muitas mulheres lutaram e buscaram, com coragem, um país mais justo para todos os brasileiros, especialmente para as mulheres. Hoje, ela conta sua história. Outras tiveram destinos parecidos, como Inês Etienne Romeu, a única sobrevivente da “Casa da Morte”, em Petrópolis. E, ainda, outras tiveram suas vidas interrompidas durante um dos momentos mais obscuros da história brasileira, como a sindicalista rural Margarida Maria Alves, morta em 1983 na Paraíba por pistoleiros, a mando de fazendeiros da região. O que tiramos de tudo isso? Que os direitos das mulheres no Brasil foram conquistados em meio à luta, à dor e resistência e, em muitos casos, sob julgo e morte. O que moveu essas mulheres? O espírito de transformação, da indignação ante a barbárie e a injustiça. E de todas essas histórias ficará o ensinamento da professora Hecilda: é preciso contar sempre, para que episódios como esses nunca mais se repitam. Ao final, a professora devolveu o lenço à bolsa. Não precisou usá-lo. MAIS Depoimento Hecilda Fontelles Veiga conta detalhes do que passou durante a ditadura na entrevista em vídeo.

ARTIGO ROGÉRIO ALMEIDA

Resistir é o primeiro passo Boletim Resistência faz 30 anos

“R

esistir é o primeiro passo”. Sob tal palavra de ordem, circulou em Belém, capital do Pará, o Jornal Resistência. A Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) serviu-lhe de ventre para que viesse ao mundo num sombrio 1978. A SDDH somava apenas um ano de vida. Na vizinhança latina, a esquadra Argentina levantava o troféu de campeã de futebol do Mundo. Cinco anos antes, Allende era assassinado no Chile e Pinochet chefiava a ditadura no país. No Brasil, respirava-se o ocaso do milagre econômico. Uma tal de integração da Amazônia ao resto do país regia a vida na taba. Com a proteção do guarda-chuva do Estado, o capital adentrou a selva sem quase nenhum desconforto. O Resistência configura-se, na história recente da sociedade paraense, como importante registro do avanço do capital sobre a fronteira da Amazônia. O jornal é uma fonte inestimável sobre o abuso do poder econômico e político, que engendrou no Pará - tendo o Estado como indutor - mazelas como o massacre de camponeses, destruição da floresta, grilagens de terras, hipertrofia do poder político e econômico de um segmento da sociedade. Além do Resistência no Pará, merecem registro na área de impressos os boletins Lamparina, produzido em Santarém, oeste do Estado, e o Grito da PA-150, editado na região de Marabá, a sudeste. Nele também podem ser encontrados inúmeros momentos de organização dos trabalhadores do campo e da cidade, mobilizações contrárias aos grandes projetos, como o Grande Carajás. E, na cena urbana de Belém, a luta pela meia-passagem. Em uma das capas, o Resistência enfoca o Tribunal da Terra, realizado em 1986, uma forma simbólica de pressionar o Estado contra as mortes de dirigentes sindicais do campo. Não são raros questionamentos sobre o cenário político da cidade, que aborda atuações de Alacid Nunes e Aloysio Chaves e mesmo apoio ao candidato a governo Jader Barbalho. No cenário do que ficou conhecido como jornalismo alternativo no Brasil, em particular no regime de exceção (1964-1985), o Resistência rivaliza em importância na Amazônia com o boletim produzido no Acre, o Varadouro.

Rogério Almeida é colaborador da rede www.forumcarajás.org.br é articulista do IBASE e Ecodebate. http://rogerioalmeidafuro.blogspot.com/


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Diário do Pará

QUINTA-FEIRA Belém-PA,07/02/2013

As mangueiras de Belém

@

Na Rede Jaqueline Brandão

És linda, morena trigueira e abrasiva/E tranquilizadora/ Em tuas veias corre açaí,/Em teu peito um coração feito de “EMES”/Mangueiras, Mandiocas, Mangues, Misérias,/Mas resistes brava e fortemente,/Com alegria caboclamente indígena.

Ai! Cidade das Mangueiras! Quem te vê e não te ama? O rio se curva e te oferta um branco buquê de espuma. A noite deita nos becos e a cuia da lua derrama. Ai! Cidade das Mangueiras! Quem te vê e não te ama? Ruas de anjos com asas de verde beleza arcana. Ai! Mangueiras da Cidade, que o sol esculpiu na sombra, por vós o poeta implora, por vós a poesia clama… Ai! Cidade das Mangueiras! Quem te vê e não te ama?

Sheyla Moraes

Princesa da Amazônia como não te amar. Tuas mangueiras me alimentam, tuas chuvas matam minha sede. Te amo Belém do Pará.

Márcio Crux

O banger que vai pro carimbó/A paty que vai pro reggae/A Catuaba e a Sapupara/O Guaraná da Amazônia/Cerveja ao alvorecer no Veropa/ Tapioquinha nas esquinas/ Patchuli na roupa da vó/ Morenas únicas/Sem Jacaré nas ruas/Manga City é tucupi.

Por que vagam na cidade assassinos de mangueiras, matando-as por querer ou matando de encomenda, matando à sombra da lei, essa lei sem lei, sem lenda? Essa triste lei da morte que tem na morte sua vida. Não deixem que passe impune esse crime, essa desdita. Fotografem, multipliquem vosso “não” pela internet, pelos blogs, no youtube, nos orkuts, nos e-mails, nas asas dos passarinhos que estão perdendo seus ninhos, no peito dos que se amam, nos muros e nos caminhos… Quem pode lavar a mão olhando esse arvorecídio? Que frutos hão de brotar nos galhos da solidão? Que é feito do coração desses que sem piedade arrancam pela raiz as raízes seculares da alma desta cidade?

Ilustração: Levy

EM PROSA E VERSO

Fábio Fonseca de Castro

Paes Loureiro nasceu em Abaetetuba, em 1939. Hoje é professor aposentado da UFPA. Foi secretário de Educação, Cultura, Desporto e Turismo; superintendente da Fundação Cultural Tancredo Neves e presidente do Instituto de Artes do Pará (IAP). Paralelamente, sagrou-se como um dos principais escritores paraenses. Publicou mais de 25 livros, entre poemas, romances, ensaios e obras acadêmicas. Temas recorrentes na obra do autor, premiado nacional e internacionalmente, são a cultura e a realidade amazônicas, como no trecho do poema que segue, no qual o artista homenageia a cidade e faz um pedido aos moradores.

A Belém que completa 396 anos está quebrada, esgotada e humilhada. A prefeitura que termina, reconhecida pela opinião pública – de esquerda à direita, do PSol e do PT mais crítico aos tucanos mais cínicos e peemedebistas mais egoístas – como a pior de toda a história da cidade. A prefeitura que começa o faz sob maus augúrios e passos tortos, com as velhas práticas de nepotismo. Um Plano Belém 400 anos é urgente.


1940

1950

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2016

2000

400 anos de Belém

Assombro!

“M Isis Cordovil

Reais ou não, contos macabros fazem parte da história do Palácio do Rádio Ilustração: Levy

as por onde você quer que eu comece?” É assim que o porteiro Marivaldo Corrêa, que trabalha há 22 anos no Palácio do Rádio, aponta a grande quantidade de histórias que viu e ouviu ao longo dessas mais de duas décadas no prédio. Construído em 1954, o edifício ganhou esse nome por abrigar, até a década de 80, a Rádio Clube do Pará. No clima de euforia e confiança do pós-guerra, o prédio foi um dos primeiros arranha-céus, em uma das principais ruas da Belém dos anos 50, a XV de Agosto, atual avenida Presidente Vargas. O prédio é recheado de histórias curiosas e assombrosas. Barulhos inexplicáveis em apartamentos vazios, sombras e vultos que surgem repentinamente e somem com a mesma velocidade. Situações reais ou fantásticas marcam o local. As histórias, que podem apavorar alguns, fazem parte da rotina de Marivaldo. “Eu já trabalhei de madrugada e aconteceu de chamarem o meu nome e, quando eu vejo, não tem ninguém”. Mas não é apenas o ‘oculto’ e o ‘além’ que acompanham o porteiro. PAIXÃO ASSASSINA

Um dos fatos marcantes que Marivaldo acompanhou foi a tragédia do décimo andar: o homem que matou a esposa e o filho. “Talvez esteja fazendo 12 anos. O pai matou engasgada a esposa, a socos o filho e depois se enforcou”, conta. Os assassinatos aconteceram em uma sexta-feira e o suicídio, no domingo. Os corpos só foram descobertos na segunda-feira à noite, com a chegada da polícia e dos bombeiros, após o mau cheiro se espalhar pelo andar. “Depois que arrebentaram a porta, o cheiro exalou. Encontraram a criança na cama com a boca ‘arrebentada’ e ela [a mulher] estava inchada, na cama. Ele ainda estava pendurado. Eu segurei o corpo, mas o bombeiro disse que não tinha mais jeito”, descreve tranquilamente. O funcionário acredita que o crime foi motivado por ciúme. “Ela era

nova, tinha 30 anos, e ele, 75”. Desde o ocorrido, ninguém se atreveu a morar no local, que atualmente serve como depósito de uma empresa. À época, um morador do apartamento vizinho, após saber do fato, saiu de casa e nunca mais voltou. Um mês depois, a mãe retirou os pertences do filho. DÉCIMO TERCEIRO ANDAR

Outro caso inusitado é o da mulher que se jogou do décimo terceiro andar, há cerca de cinco anos. “Ela se mudou daqui, mas mesmo assim ainda vinha visitar os amigos. [No dia] ela falou comigo, disse que estava com pressa e subiu. Eu achei que ia pra casa de alguém”. Pouco tempo depois, o porteiro e a síndica ouviram um barulho estranho. “A síndica me pediu para ver o que era e, quando um colega e eu chegamos ao local do barulho, era um corpo de mulher”. Marivaldo só reconheceu a ex-moradora depois que a perícia chegou. Ela foi encontrada debruçada sobre a laje com os braços quebrados e um ferimento na testa. Logo após o ocorrido, o porteiro descobriu que, há poucas horas, ela havia discutido com o marido. Era o aniversário dela. SEM MEDO

Em meio aos barulhos estranhos e casos trágicos, Marivaldo trabalha 12 horas por dia e quatro vezes na semana, sempre com bom humor. Medo não é a palavra que define o porteiro. “Se me dessem o apartamento do ‘cara’ que se matou, eu moraria ali. Medo eu não tenho”. Essas são apenas algumas das muitas histórias que povoam o imaginário dos prédios históricos da cidade. Você moraria lá? MAIS TERROR Ouça uma das histórias arrepiantes do Palácio do Rádio, contada por Marivaldo.


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Diário do Pará

QUINTA-FEIRA Belém-PA,07/02/2013

Contando

com formas e cores MAU GOSTO?

O Raio Que o Parta surgiu na década de erá que existe ordem na desorga- 50, em Belém, como uma tentativa de trazer nização? No caso do Raio Que o características modernistas para algumas Parta, sim! A aparente profusão casas da cidade. A professora Cybelle Salvade cores, formas e figuras presen- dor, da Faculdade de Arquitetura da UFPA, tes em algumas casas de Belém confluem conta que, possivelmente, os mosaicos e a para um único fim: tornar as fachadas mais profusão de cores que caracterizam esse esbonitas, com baixos custos. Pelo menos essa é tilo teriam surgido do reaproveitamento de a hipótese dos estudiosos que pesquisam so- cacos de azulejos que sobravam de obras. bre o Raio Que o Parta, uma expressão arquiA expressão arquitetônica - que pode tetônica tipicamente paraense, que surgiu ser encontrada em casas nos bairros como nos tempos do modernismo. Cremação, Guamá, São Brás, Reduto e Teodora Costa, 74, mora há mais de 40 Umarizal, e em outras localidades do Pará, anos numa casa com o como em Cametá e no MaRaio Que o Parta e conta rajó – consiste na aplicaque a decoração causava ção dos restos de azulejos estranheza nos amigos e nas fachadas das casas. conhecidos. “As pessoas Desenhos de animais, formas geométricas e raios que vinham aqui perguntavam por que a casa eram aplicados nas platiera toda decorada e cobandas, espécie de placas lorida”. Ela explica que retangulares que ficam na já comprou o imóvel parte superior das casas, dessa maneira, mas que escondendo o telhado. nunca pensou em muA professora Cybelle dar e que nem ligava afirma ainda que os desemuito para as lajotinhas nhos não eram feitos por coloridas. arquitetos, mas por engeTeodora Costa, moradora A primeira reforma nheiros projetistas. “A atuação desses engenheiros aconteceu quando precisou acrescentar uma garagem à frente passou a ser vista com descrédito por alguns da casa de dois andares. Então, as lajotas arquitetos. Essa manifestação era atribuída a do primeiro piso, que emolduravam toda um modismo e à falta de informação dos ena fachada da construção, ficaram escondi- genheiros quanto ao contexto geral da arquidas por cimento e grades. Nessa época, tetura”, explica. dona Teodora nem sabia que aquelas peMau gosto ou não, o fato é que o traçado e ças eram especiais. “Só fui conhecer o as formas desses azulejos multicolores conRaio Que o Parta quando professores e tam um pouco da história de Belém e chaalunos vieram aqui em casa me perguntar mam muita atenção, como conta dona Teosobre o assunto. Eu precisava fazer a gara- dora. “Quando eu pegava um táxi e dizia o gem, por isso tive que tirar as lajotas da endereço, os motoristas perguntavam logo: parte da frente”, revela. ‘É aquela casa toda decorada?’.”

thiago gomes

S

Dilermando Gadelha

Estilo ‘Raio que o Parta’ retrata um pouco da história do modernismo em Belém

Quando eu pegava um táxi e ia dizer o endereço, os motoristas perguntavam logo: ‘É aquela casa toda decorada?’

A casa de Teodora Costa é uma das mais famosas no estilo


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