REVISTA BANDIERAS POSITHIIVAS 1

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MOVIMENTO GAY

FOTO: FRANCISCO SOUSA

FOTO: ADRIANA VICHI

FOTO: DIVULGAÇÃO

EDWARD MACRAE

JEAN-CLAUDE BERNARDET

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m 1983, um grupo de ativistas do movimento homossexual buscou a Secretaria de Estado da Saúde para cobrar uma resposta do governo: o crítico de cinema Jean-Claude Bernardet, o antropólogo Edward Macrae, o escritor João Silvério Trevisan e o pintor Darcy Penteado. Edward e Trevisan foram integrantes da primeira ONG gay brasileira, o SOMOS. Darcy morreu em 1987, vítima da aids. Edward é professor da Universidade Federal da Bahia, Jean Claude está aposentado e Trevisan mantém seu ofício de escritor. BP – O que motivou a cobrança por uma resposta à aids? JST – Quando surgiram as primeiras notícias do Sarcoma de Kaposi, fiquei assustado. Começava-se a falar em “peste

JOÃO SILVÉRIO TREVISAN

gay”. Entre as notícias alarmistas, li uma entrevista de raro equilíbrio e respeito aos homossexuais, concedida pelo Dr. Humberto Torloni. Fui procurá-lo e tivemos uma conversa extraordinária, pelo grau de doçura e iluminação que vi nas palavras daquele homem. No final, ele disse: “A coisa é feia, meu filho. Vocês precisam se organizar para enfrentar o tranco, como já está fazendo a comunidade homossexual americana”. JCB – Na Secretaria de Saúde, a reunião foi absolutamente extraordinária. Eles foram muito amáveis e queriam entender o que acontecia. Coube a Darcy explicar o que acontecia nas saunas. Tudo isso, com muita sobriedade. Uma pessoa me perguntou se eu era o crítico de cinema. Disse que sim. Ele me perguntou o que eu tinha a ver com aids. Respondi: “sou gay”.

Bandeiras PositHIVas - Uma publicação do CRT DST/Aids-SP

BP - O que falta ser feito? JCB - Eu pertenço a uma classe social que tem certas vantagens, mas nem todo mundo tem a mesma condição. Vejo pessoas que precisam ficar na fila do hospital, outras que têm consulta marcada para daqui a dois meses, chegam para a consulta e o médico marcou férias. Exames que demoram a ser pedidos e resultados que não chegam. BP – E a participação da sociedade civil? JCB - Participei de duas ou três reuniões que foram organizadas pelo Paulo Teixeira [primeiro coordenador do programa]. Ele fazia reuniões com o pessoal de saúde e com a sociedade civil. Foi a partir daí que Edward, eu e muitos outros criamos o GAPA. EM - O movimento de aids se ampliou para a sociedade em geral. Deixou de dar atenção para a epidemia entre os homossexuais, onde continua a maior incidência. A redução de danos também foi colocada de lado. BP – E o movimento homossexual? JST – De um modo ou de outro, a luta contra a aids foi deflagrada por grupos de

homossexuais. Trata-se de uma importante contribuição legada à organização da saúde pública em geral. As ONGs/ Aids ainda se encontram muito vinculadas à comunidade homossexual. Não acho isso ruim. Mas acho importante que sejam diferenciadas a luta anti-aids e a luta pelos direitos homossexuais. Por um lado, considero um risco continuar acoplando os direitos homossexuais à luta anti-aids, pela dependência criada entre um movimento social e a estrutura governamental, que dita as regras e dá financiamentos. EM – No início dos anos 80, o ativismo gay via os médicos como inimigos. Lutávamos contra o rótulo de doença previsto no CID. O movimento gay era mais contestador, mas estava se esfacelando. Com a epidemia, as pessoas voltam a se reunir e o movimento torna-se parceiro do Programa. Depois o Ministério da Saúde acabou fomentando o ressurgimento do movimento. Injetou dinheiro, injetou ânimo. Hoje, há quem diga, que o movimento é subserviente.

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UMA PESSOA ME PERGUNTOU SE EU ERA O CRÍTICO DE CINEMA. DISSE QUE SIM. ELE ME PERGUNTOU O QUE EU TINHA A VER COM AIDS. RESPONDI: SOU GAY

o catalisador: A SOCIEDADE CIVIL

BP- A resposta governamental para enfrentar a epidemia foi adequada? JST – Foi imediata e surpreendente, considerando o nível de desmobilização em que se encontrava o movimento homossexual. EM – Na época, a gente não sabia o que era aids, mas sabia que algo precisava ser feito, e que não fosse o fechamento de saunas e boates. É preciso reconhecer que se buscou uma abordagem respeitosa.

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(JEAN-CLAUDE BERNARDET)


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