REVISTA BANDIERAS POSITHIIVAS 1

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TRATAMENTO

medicamento O coquetel mudou a cara da aids no País. Garantir o acesso ao tratamento é resultado de um esforço conjunto que deu os primeiros passos no Estado de São Paulo

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djane mora há 20 anos em São Paulo, mas não deixou para trás o marcado sotaque paraibano. Quase pelo mesmo período, há 19 anos, ela é responsável pela distribuição de medicamentos às pessoas com aids e ainda guarda as fichas de controle dos primeiros pacientes do Estado. Edjane Maria Vasconcelos Falcão é uma farmacêutica que, no final de 1989, trabalhava na Comissão de Medicamentos Básicos da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. Foi seu rigor com a organização que a colocou em contato com a aids e com a primeira grade de medicamentos do Estado: 1.380 frascos de Pentamidina, para pneumonia, e outros mil de Ganciclovir, para tratar a citomegalovirose, ambos enviados pelo Ministério da Saúde. Também era pouca a informação sobre a doença. Medo e preconceito andavam de mãos dadas. Edjane, como os outros colegas de trabalho, sentiram medo. Ela não se esquece do primeiro paciente que

chegou à repartição para pegar o pacote de remédios que duraria um mês: “Ele vinha acompanhado da mãe, o rosto muito magro, cadavérico. Todo mundo se assustou ao ver aquele rapaz. Ninguém sabia que doença era aquela. Será que passava pelo ar? Pelas mãos? Ninguém sabia dizer. Eu também tive medo”, confessa, para logo em seguida esclarecer que tudo isso acabou quando ela começou a entender melhor do que se tratava. “Conhecia cada um dos pacientes. Era muito triste. As pessoas morriam rápido”. Em 1989, o recém-criado Centro de Referência e Treinamento em Aids (CRT-A) comprou as primeiras doses da droga que mostrava resultados animadores no tratamento: o AZT. Três mil compridos. Essa primeira compra foi uma experiência. No ano seguinte, a Secretaria de Saúde fez a primeira compra para todo o Estado de São Paulo. Coube a Edjane cuidar da distribuição do medicamento entre os pacientes. Em 1991, o Ministério da Saúde mandou

Bandeiras PositHIVas - Uma publicação do CRT DST/Aids-SP

a primeira remessa de AZT comprada com recursos federais. No ano seguinte chegava o AZT oral, para crianças. Em 93, mais uma droga entrava no Brasil e surgia o esquema duplo de tratamento com a Didanosina, o DDI. TUDO AO MESMO TEMPO, AGORA O ano de 1996 foi movimentado. Um dos marcos é a 11a Conferência Internacional de Aids que aconteceu na primeira semana de julho daquele ano, em Vancouver, no Canadá. Lá, o virologista David Ho divulgaria para o mundo os resultados da terapia combinada, o Coquetel. O otimismo tomou conta. No Brasil, a imprensa já apostava no dia da cura. A notícia que correu o mundo naquela semana já era conhecida desde o ano anterior por quem estava mais próximo à epidemia. E foi essa informação que ditou o ritmo dos acontecimentos no Estado de São Paulo e no restante do País. No início de 1996, o Programa de Aids do Estado de São Paulo abre o processo de compra dos novos medicamentos. Ao todo, cem tratamentos compostos pelos novíssimos anti-retrovirais: saquinavir, ritonavir e indinavir. Pela primeira vez no País, a rede pública de saúde distribuiria o coquetel. Os medicamentos chegaram aos pacientes no mês de julho. Enquanto corre o processo de aquisição dos medicamentos no Estado, uma decisão tomada na cidade de Santos ganha as manchetes dos jornais. A cidade compra algumas doses dos novíssimos inibidores de protease: o Saquinavir e o Ritonavir. Eram poucas doses, mas a novidade repercutiu em todo o País. “Essa foi uma decisão que acelerou o processo de compra pelo Ministério da Saúde”. A

CONHECIA CADA UM DOS PACIENTES. ERA MUITO TRISTE. AS PESSOAS MORRIAM RÁPIDO (EDJANE MARIA FALCÃO)

a receita: o direito ao

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avaliação é do primeiro coordenador do Programa de DST e Aids de Santos, Arnaldo Edzel. Mesmo em terapia dupla, os pacientes de Santos foram os primeiros a ter acesso aos anti-retrovirais. Para ele, uma pessoa foi fundamental: o prefeito da cidade à época, o médico sanitarista David Capistrano. Edzel se lembra que Capistrano sabia dos altos custos dos medicamentos, e tinha ciência de que os gastos seriam um sacrifício para o orçamento do município. Pare ele, a iniciativa mexeu com os brios dos gestores públicos de saúde: “Era complicado uma prefeitura comprar os medicamentos e o Ministério da Saúde não fornecer para ninguém. Em Santos, foi uma questão de decisão política, de


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