SOS RIO PARAÍBA - Extração de areia sem regulamentação ameaça sustentabilidade do rio

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Ci­da­des Paraíba

PREVISÃO DO TEMPO LITORAL Nublado com pancadas de chuva e trovoadas isoladas

AGRESTE/BREJO Nublado com pancadas de chuva e trovoadas isoladas

SERTÃO Nublado com pancadas de chuva e trovoadas isoladas

B1

Domingo, 13 de abril de 2014

TEMPERATURA

Máx. 34ºC Min. 19ºC Ventos fracos/moderados c/rajadas

MARÉS

FASES DA LUA

ALTA

03:06 15:21

2.3m 2.3m

CRESCENTE 07 de abril

MINGUANTE 22 de abril

BAIXA

09:06 21:24

0.4m 0.3m

CHEIA 15 de abril

NOVA 29 de abril

Fonte: Marinha do Brasil

NALVA FIGUEIREDO

SOS RIO PARAíbA

Extração de areia está sem controle, causa erosão e faz secar reserva de água do lençol freático

Márcia DEMEntshuk a extração de areia no rio Paraíba está sem controle e causando um impacto ambiental que poderá ser irreversível. Fomentada pela construção civil, a retirada acontece em um esquema que começa na calada da noite, segue durante o dia e o minério pode estar sendo exportado até para o exterior. a erosão está secando o lençol freático da região e os óleos das dragas poluem a segunda maior bacia hidrográfica do Estado (a Bacia do rio Paraíba), onde 85 municípios estão inseridos e que drena quase 40% do território paraibano. Em são Miguel de taipu, o leito do rio já rebaixou mais de 3 metros em alguns trechos: uma draga explora areia no local há mais de cinco anos, provocando a erosão. O cacimbão que abastecia a cidade (com 6.696 mil habitantes, iBGE/2010) secou há 3 anos. além disso, quatro fazendas de camarão vizinhas ao Paraíba estão jogando água contaminada no seu curso. E mais: a draga também polui a água com óleo, que chega às torneiras das casas sem tratamento. O Ministério Público Estadual está investigando o esquema de extração, que estaria exportando a areia e ‘matando’ o rio Paraíba. continua até a pág. B-3


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Paraíba

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Rota seria pelo Porto de Suape Fórum do Rio Paraíba e Apan denunciam que areia extraída é vendida em PE e exportada para Europa A degrAdAção do rio pArAíbA

EROSÃO

EROSÃO Evaporação

AREIA São Miguel de Taipu

Evaporação

A

Óleo

AÍB

Captação de Água

Sta. Rita

PAR

Integrantes do Fórum de Preservação do Rio Paraíba e a Apan denunciam que a areia extraída do rio é vendida na Paraíba, em Pernambuco e até enviada para a Europa. “Quando os caminhões carregados partem à noite com maior frequência, um após o outro, temos informações que eles saem diretamente para o Porto de Suape, em Pernambuco, para carregar algum contêiner”, afirma João Batista da Silva, representante da Apan. O dono da draga alocada no rio em São Miguel de Taipu, Abel Vidal, informou que sua produção é vendida na Paraíba e em Pernambuco. Ele mora em Recife (PE) e exerce a atividade na Paraíba. “Daqui saem 15 caminhões por dia, mais ou menos (de 15 toneladas cada)”, informou. A carga é vendida por um valor que varia entre R$ 60 ou R$ 100, segundo ele. Há cinco anos, Abel Vidal explora o local assegurado por duas licenças concedidas via liminar judicial à Fazernda Oiteiro Ltda. com a característica de “Operação de Pesquisa” e cada uma autoriza a atividade em uma área de 49 hectares cúbicos. O dragueiro trabalha de forma independente. Em contrapartida, ele cede três carradas de

LENÇOL FREÁTICO

RIO

Márcia DeMentshuk

AREIA eNTeNdA o probLeMA Dejetos com produtos químicos

Pilar

Dejetos

escoam de fazendas de camarão e, somando-se ao óleo da draga, poluem o rio. Perto dali, abaixo, a Prefeitura capta a água que é distribuída aos moradores, em São Miguel de Taipu.

A areia funciona como uma ‘esponja’, que protege as águas subterrâneas. Com a retirada da areia, elas ficam susceptíves à evaporação.

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areia por dia para a Prefeitura de São Miguel de Taipu. No local, o tratorista afirmou que a areia está sendo usada em obra pública, para calçamento no Bairro do Açude. “É a ajuda de custo que damos para a prefeitura”, disse o dragueiro. areia é sugada O agricultor Ivanildo Alves do Nascimento, que mora às margens do rio, garante que a partir da meia-noite o barulho da draga começa, passa a noite trabalhando, até o dia seguinte, após o meio-dia. “Eles não têm descanso, é direto a areia sendo sugada”, assegura.

Denúncias de extração em seis municípios As denúncias da população e dos ambientalistas sobre a extração de areia são feitas aos órgãos competentes desde 2001. De acordo com o integrante da Apan, João Batista da Silva, em 2013 foram feitas seis denúncias formais à Sudema, ao Ministério Público Estadual e à Polícia Ambiental: duas referentes ao município de Itabaiana, duas a Salgado de São Félix, uma a São Miguel de Taipu e uma em Cruz do Espírito Santo. Em 9 de fevereiro deste ano, a Apan solicitou por escrito um pe-

dido de cancelamento da licença de Antônio Ferreira de Araújo, um dos empresários que mantinha dragas no rio na região de Itabaiana. A renovação dessa licença à Sudema foi solicitada via liminar omitindo a existência da Lei Municipal de Itabaiana 673/2012, que proíbe a atividade nos limites do município. Por causa do uso de má fé do empresário, a juíza Higyna de Almeida, da 1ª Vara Judicial de Itabaiana, tornou o mandado sem efeito. Na última quinta-feira, o ambientalista João Batista esteve na Sudema

acompanhando o processo e constatou que o mesmo tramita na assessoria jurídica e a licença ainda não foi cancelada. Questionado pela reportagem, o empresário afirmou que está com as máquinas paradas. Ele explicou apenas: “estou com problemas judiciais”. Segundo o chefe de fiscalização da Sudema, major Luiz Tibério, em 2012 e 2013, foram efetivados 20 autos de infração por extração irregular de areia – sem a licença ou em desacordo com a licença obtida – nos municípios de Cruz do Espírito Santo,

Santa Rita, São Miguel de Taipu, Ubuzeiro, Itabaiana, Salgado são Félix. Foram apreendidos 16 caminhões (14 eram de Pernambuco) e uma retroescavadeira e aplicadas multas no total de R$ 50 mil (2012) e R$ 63.500 (2013). Bruno Faro Eloy Dunda, superintendente do Ibama na Paraíba, informou que o órgão faz fiscalização rotineira. Em reunião com o Ministério Público no dia 24 de março, o diretor técnico da Sudema, Ieure Rolim, admitiu fragilidade do órgão no acompanhamento da atividade.


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Bomba capta água para abastecer S. Miguel de Taipu onde draga derrama óleo e há dejetos

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Jacinto Sales mostra rocha de 3m de altura descoberta com a erosão do Rio Paraíba

Moradores silenciam por medo Líder comunitário já sofreu intimidação para não combater a retirada de areia do Rio Paraíba MáRcia DeMenTShuk Mesmo sofrendo as consequências da extração de areia, a população de São Miguel de Taipu prefere não abordar o assunto. Um morador do conjunto Antonio Mariz, próximo ao local onde está a draga, disse que é briga de “peixe grande” e não quer se meter. Luiz Afonso da Silva, líder da

comunidade Maravalha, um minério, tem valor. um antigo assentamento Imagina que você está rural na região, conver- numa luta e de repente sou com a reportagem acontece o pior... É quesporque tem o apoio da tão de vida mesmo”. comunidade: Pisando no minério “Em 2010 meus disputado, a areia úmiamigos pediram que eu da e fofa, próximo ao fio me prevenisse porque es- de água permanente do tavam ouvindo ameaças Rio Paraíba, Luiz Afonque vêm de rumores. Eu so aponta a “parede” ouvi rumoque ficou res de que depois que “Peixe grande” estariam me o barran‘marcando’ co desabou Líder de comunidade e que eu me por causa diz que extração enafastasse volve gente grande: “É da erosão. dessa luta. “Ali (a 100 questão de vida mesmo” metros rio Isso aqui é

abaixo), a draga está retirando areia e formando um poço profundo. Quando o rio enche, leva a areia daqui para o poço. O fundo fica em falso, o barranco desaba e o leito do rio vai afundando”, demonstra o líder comunitário no local. “Esta draga está aqui há cinco anos, mas antes tinham outras duas. Elas ficam nesse trecho do rio, mudando de local de tempos em tempos. Olha pra isso, não posso ceder a intimidações”, disse Luiz Afonso.

Alerta sobre risco de perder reserva de água Segundo Francisco Jácome Sarmento, com a extração excessiva de areia rio perde o material que constituí seu próprio leito. “A retirada descontrolada de areia expõe à evaporação a corrente líquida de água que corre subterraneamente (os lençóis freáticos), sem falar na destruição das margens pelo maquinário que acessa o leito, a conversão da paisagem em algo parecido com a superfície lunar, morta e repleta de crateras. Igualmente é destruída a mata ciliar, agravando igualmente os processos erosivos e de solapamento das margens”, expõe o hidrólogo. Em São Miguel de Taipu o cenário comprova as colocações do especialista Francisco Sarmento. Um cano sai da draga até o fundo do rio sugando a areia. Com a areia vêm também os alevinos e os pequenos peixes. No local fica uma cratera, perigosa para qualquer pessoa ou animal que se aproximar dela. No outro lado da draga outro cano despeja a areia formandos os montes. Em seguida o trator começa a abastecer um caminhão que acabou de chegar e logo

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ivanildo: “agora minha casa está no alto de um morro” sai carregado. Enquanto a reportagem esteve no local, durante duas horas, três caminhões, de 15 toneladas cada um, saíram carregados, além de três tratores com um reboque pequeno, da prefeitura. Cerca de 100 metros dali, rio acima, o suplente de vereador de São Miguel de Taipu, Jacinto Sales, integrante do Fórum,

subiu em um rochedo com mais de três metros de altura que ficava submerso há cerca de três anos. “Nós não enxergávamos esse rochedo. Mas é tanta areia que tiram que agora ele está desta altura”, denunciou. O agricultor Ivanildo Alves do Nascimento nasceu e foi criado em um sítio às margens do rio e lembra quando tudo

era plano. “Agora a minha casa está no alto de um morro, mas não era assim. A ribanceira era baixinha”, lembra-se. O ambientalista da Apan, João Batista da Silva, mencionou um estudo feito pela Universidade Federal da Paraíba feito no Baixo Rio Paraíba pelo que comprovada a relação direta entre a retirada de areia e a evaporação das águas subterrâneas. “A areia funciona como uma esponja, protegendo a água subterrânea não permitindo que ela evapore. E ainda, conforme o terreno vai desnivelando com a erosão, as águas subterrâneas se deslocam. Pode ser uma explicação para o cacimbão de São Miguel ter secado”, analisa João Batista. “A implantação de planos de recuperação dessas áreas degradadas precisam sair do papel. Porém, mais importante é a prevenção, princípio basilar do direito ambiental. Danos causados ao ambiente natural podem não ser recuperáveis e a operacionalização de mecanismos de controle ambiental mais eficientes vem a ser altamente recomendável”, alerta Francisco Sarmento.

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Goreti: “Às vezes abrimos a torneira e tem cheiro de óleo”

“Óleo nas torneiras” Outro dano provocado pela draga no rio é a poluição por óleo de motor. A cerca de 20 metros da draga de São Miguel de Taipu, rio acima, escoa um riacho onde são lançadas águas de fazendas de camarão. Jacinto Sales explica que para se endurecer a casca do camarão mais rapidamente é colocado um produto químico na água e esse dejeto é lançado sem tratamento no rio. O pior é que rio abaixo, depois da draga, a prefeitura municipal instalou uma bomba de onde capta

água distribuída para a população. “Ás vezes abrimos a torneira e tem cheiro de óleo. Não dá para cozinhar ou tomar banho com essa água. A gente faz o tratamento com cloro aqui em casa e depois usa”, relatam Dykynson Kleber Martins e sua esposa Maria Gorete Martins, moradores do Centro de São Miguel de Taipu. O prefeito de São Miguel de Taipu, Clodoaldo Beltrão, foi procurado pela reportagem durante duas semanas e não foi encontrado. Na prefeitura, ninguém atendeu ao telefone.

Licenças estão suspensas

A superintendente (DNPM). Segundo Ieure da Sudema, Laura Fa- Amaral, é obrigatório a rias, informou que atual- apresentação de relatório mente as licenças estão de controle ambiental e suspensas e as empresas plano de controle ambique estão atuando obti- ental. veram autorização judiOs municípios pocialmente, por liminar. dem exercer o poder le“Temos seis licenças em gislatório em suas devigor hoje no órgão por- limitações geográficas que somos obrigados a estipulando as regras cumprir ordem da Justi- para a extração mecanizaça. Suspenda de areia. Ordem judicial demos as Das cidades licenças em que mar“Temos 6 licenças em função dos geiam o curvigor no órgão porque questionaso principal somos obrigados a mentos da do Baixo sociedade”, cumprir ordem da Justiça” Rio Paraídeclarou ba somente a superintendente. De duas têm leis referentes. acordo com o diretor Téc- Em Salgado de São Félix nico do órgão, Ieure Ama- a atividade está proibiral, “existe entre 10 a 15 da desde 2001, por meio empreendimentos de de um decreto que traz areia ao longo do rio”. amplas resoluções amSegundo a legisla- bientais. Em Itabaiana ção brasileira (Constitui- a retirada mecanizada é ção Federal, Conama e permitida apenas para decretos) o licenciamento suprimento a obras púpara o funcionamento de blicas do município em atividades que utilizam lei publicada dia 5 de recursos ambientais ca- dezembro de 2012. Em pazes de causar degrada- São Miguel de Taipu, enção depende de licencia- tretanto, a lei que proibia mento por órgão estadual a atividade desde 2003 competente. Na Paraíba foi revogada no final de as licenças são concedi- 2013. E segundo infordas pela Sudema, depois mações dos moradores, de obterem pareceres do mesmo quando a lei vigoDepartamento Nacio- rava, a extração ocorria nal de Produção Mineral nos limites municipais.


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