Teorias da Comunicação (Mauro Wolf)

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Neste quadro, a ligação entre características da organização do trabalho nos órgãos de comunicação de massa e elementos da cultura profissional, é absolutamente estreita e vinculativa, o que define, precisamente, o conjunto de características que os acontecimentos devem possuir (ou apresentar aos olhos dos jornalistas) para poderem ser transformados em notícias, isto é, para conseguirem cumprir as três obrigações atrás citadas. A noticiabilidade é constituída pelo conjunto de requisitos que se exigem dos acontecimentos - do ponto de vista da estrutura do trabalho nos órgãos de informação e do ponto de vista do profissionalismo dos jornalistas - para adquirirem a existência pública de notícias. Tudo o que não corresponde a esses requisitos é «excluído», por não ser adequado às rotinas produtivas e aos cânones da cultura profissional. Não adquirindo o estatuto de notícia, permanece simplesmente um acontecimento que se perde entre a «matéria-prima» que o órgão de informação não consegue transformar e que, por conseguinte, não irá fazer parte dos conhecimentos do mundo adquiridos pelo público através das comunicações de massa. Pode também dizer-se que a noticiabilidade corresponde ao conjunto de critérios, operações e instrumentos com os quais os órgãos de informação enfrentam a tarefa de escolher, quotidianamente, de entre um número imprevisível e indefinido de factos, uma quantidade finita e tendencialmente estável de notícias. Quer dizer, a noticiabilidade está estreitamente relacionada com os processos de rotinização e de estandardização das práticas produtivas: equivale a introduzir práticas produtivas estáveis, numa «matériaprima» (os factos que ocorrem no mundo) que é, por natureza, extremamente variável e impossível de predizer. «Sem uma certa rotina de que podem servir-se para fazer frente aos factos imprevistos, as organizações jornalísticas, como empresas racionais, falhariam» (Tuchman, 1973, 160). A definição de noticiabilidade liga-se ao conceito de perspectiva-da-notícia (newspaerspective; Altheide, 1976) e que é a resposta que o órgão de informação dá à questão que domina a actividade dos jornalistas: quais os factos quotidianos que são importantes? «As notícias são aquilo que os jornalistas definem como tal. Este assunto raramente é explicitado, visto que parte do modus operandi dos jornalistas é que as coisas acontecem "lá fora" e eles limitam-se simplesmente a relatá-las. Afirmar que fazem ou seleccionam arbitrariamente as notícias seria contrário à sua posição epistemológica, uma teoria do conhecimento implícita, construída a partir de procedimentos práticos para resolver exigências organizativas» (Altheide, 1976, 113). Segundo esta perspectiva, «faz notícia» aquilo que, depois de tornado pertinente pela cultura profissional dos jornalistas, é susceptível de ser «trabalhado» pelo órgão informativo sem demasiadas alterações e subversões do ciclo produtivo normal. É óbvio que, no caso de acontecimentos excepcionais, o órgão de informação tem a flexibilidade necessária para adaptar os seus procedimentos à contingência da situação. Todavia, a noticiabilidade de um facto é, em geral, avaliada quanto ao grau de integração que ele apresenta em relação ao curso, normal e rotineiro, das fases de produção. «A notícia é o produto de um processo organizado que implica uma perspectiva prática dos acontecimentos, perspectiva essa que tem por objectivo reuni-los, fornecer avaliações, simples e directas, acerca das suas relações, e fazê-lo de modo a entreter os espectadores» (Altheide, 1976, 112). A definição e a escolha daquilo que é noticiável - em relação àquilo que, pelo contrário, não o é - são sempre orientadas pragmaticamente, isto é, em primeiro lugar, para a «factibilidade» de produto informativo a realizar em tempos e com recursos limitados. Essa «factibilidade» contribui para «descontextualizar ou para remover um acontecimento do contexto em que se verificou, para o poder recontextualizar dentro das dimensões do noticiário» (Altheide, 1976, 179). 3.3. 1. Fragmentação da informação e noticiabilidade O discurso sobre a «noticiabilidade» pode parecer, à primeira vista, um ataque «aos fundamentos constitucionais da instituição jornalística» (Garbarino, 1982, 9). De facto, a reacção dos profissionais da informação a este tipo de pesquisa - por outro lado, pouco conhecido, pelo menos em Itália - é, em geral, de cepticismo. A gama dos argumentos que se contrapõem a ela é vasta: vai da ideia de que a notícia é tão impossível de predizer como o acontecimento e, por isso, não pode ser encerrada em esquemas analíticos, dado que é fruto de capacidades exclusivamente subjectivas (o «faro» para a notícia; «nasce-se jornalista», etc.), até à observação de que um analista não é capaz de compreender a lógica da produção de notícias, visto ser estranho ao ofício e, por conseguinte, não poder captar os seus elementos significativos. Para além da escassa familiaridade existente entre os dois mundos, o que existe, no fundo, é que «aquilo que o sociólogo descreve como uma consequência inevitável da organização produtiva, entende-o o jornalista como uma acusação de manipulação ou de incompetência» (Golding - Elliott, 1979, 9). Abstraindo destas «incompreensões», pode observar-se como esta abordagem permite explicar uma das características unanimemente atribuídas à informação de massa, e em particular à informação televisiva (o «prato forte» da «dieta» informativa de uma boa parte do público).


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