Ciência para todos - Ed 10

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CIÊNCIA PARA TODOS Março de 2013. nº. 10, ano 5 (Distribuição gratuita)

CEGUEIRA DOS RIOS

doença ainda faz vítimas entre indígenas no Amazonas

ENTREVISTA

Presidente da SBPC, Helena Nader, fala sobre as perspectivas e avanços na relação entre ciência e sociedade brasileira TECNOLOGIA E INOVAÇÃO

Tecnologias sociais: Inpa, juntamente com outras instituições, apresentam pesquisas à comunidades do Amazonas

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conheça nosso catálogo completo http://editora.inpa.gov.br

Reserva Ducke - A Biodiversidade Amazônica Através de Uma Grade Márcio L. Oliveira, Frabício B. Baccaro, Ricardo Braga-Neto, Willian E. Magnusson Editora INPA, 2011. ISBN: 978-85211-0076-8. Páginas: 166

R$ 35,00

Observando borboletas uma experiencia para o monitoramento de fauna em unidades de conservação Rosemary S. Vieira, Catarina Motta, Daniela Brito Agra Editora INPA, 2011. ISBN 978-85211-0058-4. Formato 12x22cm Páginas 40. Ilustrado colorido.

R$ 10,00

Frutos Nativos da Amazônia: comercializados nas feiras de Manaus Afonso Rabelo Editora INPA, 2011. ISBN 978-85211-0073-7. Formato 16x23cm Páginas 390. Ilustrado colorido.

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Manual de Criação de Matrinxã (Brycon amazonicus) em Canais de Igarapés Jorge Daniel Indrusiak Fim, Sérgio Fonseca Guimarães, Atílio Storti Filho, Avemar Gonçalves Bobote, Gabriel da Rocha Nobre Filho INPA, 2009. ISBN: 978-85-2110055-3. Formato: 24x17 Páginas: 48

R$ 15,00

Manual de árvores de várzea da Amazônia Central: taxonomia, ecologia e uso Manual of trees from Central Amazonian varzea floodplains: taxonomy, ecology and use Florian Wittmann, Jochen Schöngart, Joneide M. De Brito, Astrid de Oliveira Wittmann, Maria Teresa Fernandez Piedade, Pia Parolin, Wolfgang J. Junk & Jean-Louis Guillaumet (Organizadores) Editora Inpa, 2010. ISBN: 978-85211-0067-6. Formato: 21x29,7cm.

Guia de Samambaias e Licófitas da REBIO Uatumã Amazônia Central Gabriela Zuquim, Flávia R. C. Costa, Jefferson Prado, Hanna Tuomisto Editora INPA, 2012. Páginas: 316

R$ 60,00

Páginas:286

Noções Básicas de Nutrição e Higiene Lucia K. O Yuyama, Lílian Pantoja Editora INPA, 2011. ISBN 978-85211-0071-3. Formato 20x20cm Páginas 48. Ilustrado colorido.

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Grupo de Estudos Estratégicos Amazônicos

Peixes comerciais de Manaus

Adalberto Luis Val, Geraldo M. dos Santos Editora INPA, Formato: 16x23cm.

Geraldo Santos, Efrem Ferreira, Jansen Zuanon Editora INPA, 2006. ISBN 85-7300211-5. Formato 27x21cm Páginas 144. Ilustrado colorido.

R$: 20,00 un.

R$ 60,00

Av. André Araújo - 2936 - Aleixo. Manaus-AM, Brasil. Cx. Postal 2223 - CEP 69080-971 Fone 92 3643 3223, Fax 92 3642 3438. site http://acta.inpa.gov.br. E-mail editora@inpa.gov.br

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R$:125,00


EDITORIAL

EXPEDIENTE

É indispensável que a pesquisa alcance todos os níveis da sociedade. Principalmente na aplicação dos resultados obtidos, de forma a beneficiar a população. Para a concretização dessas ações, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI) desenvolve trabalhos em comunidades amazônicas agregando o conhecimento e visando envolver a sociedade no processo de compreensão e importância do meio ambiente e tudo que o compõe. Mesmo depois de anos de pesquisas na região amazônica há ainda muito a entender, por exemplo, o conhecimento sobre seus primeiros habitantes: os índios. E nesta edição, trazemos informações de estudos de doenças como a oncocercose, a “cegueira dos rios”, que afeta, principalmente, as populações indígenas da região sudeste do Amazonas (AM).

Adalberto Luis Val Diretor do Inpa Estevão Monteiro de Paula Diretor Substituto do Inpa Sérgio Fonseca Guimarães Chefe de Gabinete Estevão Monteiro de Paula Coordenador de Ações Estratégicas – COAE Beatriz Ronchi Teles Coordenadora de Capacitação – COCP Hilândia Brandão da Cunha Coordenador de Pesquisas e Acompanhamento das

Nesse elo entre sociedade e ciência, a percepção dos envolvidos é um processo importante na composição e avanço da pesquisa. Por isso, moradores da região do Rio Trombetas, juntamente com pesquisadores envolvidos na reprodução de quelônios neste local, desenvolvem obras audiovisuais em que registram suas visões sobre o mundo, o que ajuda ainda a entender como é o convívio “homem e natureza” e traça vertentes para novas pesquisas como o estudo da comunicação entre os quelônios. Já na sessão infantil, trazemos informações sobre os hábitos de outro curioso animal: o boto-vermelho, popularmente conhecido como boto cor-de-rosa.

Atividades Finalísticas – CPAF Carlos Roberto Bueno Coordenador de Extensão – COEX Daniel Jordano da Silva Miranda Assessor de Comunicação SRTE (518/AM) Josiane Santos Editora- chefe Fernanda Farias Josiane dos Santos

E nesse processo de educação ambiental, requer-se ensinar à sociedade a necessidade de apropriação da floresta de forma consciente para que possam evitar ou amenizar eventos climáticos ocasionados pela ação humana, como no caso da cheia recorde ocorrida em 2012, bem como conhecer o levantamento de dados feito pelo Inpa que busca definir padrões químicos para as águas da Região Hidrográfica Amazônica.

Redação Juan Matheus Costa Gil Wallace Abreu Séfora Antela Colaboradores Acervo CEQUA Juan Matheus

Dessa forma, publicar resultados e divulgar os estudos é prestar contas sobre o que vem sendo desenvolvido e, para isso, Ciência para Todos traz na sua décima edição mudanças em seu visual, proposta baseada nas quatro linhas de ações do Inpa para os próximos anos: tecnologia e inovação; biodiversidade; dinâmica ambiental; sociedade, ambiente e saúde.

Camila Ferrara Ascom/SBPC Acervo CDAM Eduardo Gomes Wallace Abreu Fotografias Aline Cardoso Clarissa Bacellar Josiane Santos Revisão Juliana Lima

NOSSA CAPA:

Projeto Gráfico

CIÊNCIA PARA TODOS Março de 2013. nº. 10, ano 5 (Distribuição gratuita)

Cegueira dos rios: doença ainda faz vítimas entre indígenas no Amazonas

CEGUEIRA DOS RIOS

doença ainda faz vítimas entre indígenas no Amazonas

Juliana Lima Kleiton Renzo http://r3nzo.com Editoração Eletrônica Ampa Fernando Neto Artes e Ilustrações

ENTREVISTA

Presidente da SBPC, Helena Nader, fala sobre as perspectivas e avanços na relação entre ciência e sociedade brasileira TECNOLOGIA E INOVAÇÃO

Tecnologias sociais: Inpa, juntamente com outras instituições, apresentam pesquisas à comunidades do Amazonas

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BIODIVERSIDADE

SUMÁRIO

Projeto desenvolve práticas cinematográficas em comunidades remanescentes de quilombos no Alto Rio Trombetas, no Pará.

Projetos do Inpa, juntamente com parceiros, promovem tecnologias sociais em comunidades do Amazonas.

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SOCIEDADE

TECNOLOGIA E INOVAÇÃO

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Bioacústica: Pesquisa revela que tartarugas se comunicam mesmo antes da eclosão dos ovos no ninho.

Cheias cada vez mais severas causam diversos transtornos nas cidades.

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SOCIEDADE

“Doença dos rios” ou “cegueira dos rios” a simples picada de um mosquito pode levar à cegueira irreversível.

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ENREVISTA

Presidenta da SBPC fala sobre a ciência na Amazônia e no Brasil.

SEÇÃO INFANTIL

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Conheça a história do boto-vermelho, o sedutor ameaçado.

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ARTIGO

Amazônia nos debates mundiais sobre ciência.

FIQUE CIENTE

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Ciência, tecnologia e inovação em foco.

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ILUSTRAÇÕES: JULIANA LIMA

TECNOLOGIA E INOVAÇÃO

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A FLORESTA PARA DESENVOLVER NOVAS TECNOLOGIAS SOCIAIS POR JUAN MATTHEUS

Desenvolvimento sustentável significa obter crescimento econômico necessário para garantir a conservação do meio ambiente e o desenvolvimento social, para que nas próximas décadas não venhamos a sofrer calamidades e colapsos tão severos como especulam alguns especialistas

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FOTOS: JUAN MATTHEUS

Pesquisadores do Inpa e de Instituições parceiras visitaram a Comunidade de Santa Helena do Inglês onde realizaram atividades educacionais e minicursos

A

Amazônia possui intensa variedade de recursos naturais visados pelo mundo todo. Diversos pesquisadores de universidades e centros de pesquisas estrangeiros visitam, todo ano, a região para colher dados, realizar experimentos e acrescentar descobertas científicas importantes aos seus currículos, que inegavelmente trazem bons resultados. Mas, e os pesquisadores da própria Amazônia?  A floresta é rica. O povo que vive nela tem

A COORDENAÇÃO O Inpa, cumprindo sua missão de desenvolver tecnologias sociais relevantes para a sociedade amazônica ao promover inclusão social e desenvolvimento sustentável, criou a Coordenação de Tecnologia Social em 2011. Dentro do conjunto de tecnologias sociais que o Inpa desenvolve estão envolvidas as áreas de: produção e processamento alimentos; produção de energia alternativa; acesso à água; prevenção de agravos à saúde; processos e materiais verdes para habitação; materiais e processos educativos inclusivos; capacitação para o trabalho e geração de renda; recuperação ambiental; metodologias de gestão e processos grupais.

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o conhecimento que aprenderam convivendo com os primeiros moradores dessa terra. Experimente fazer isso: chegue à casa de um caboclo, ribeirinho ou pergunte a um indígena o que eles aconselhariam para curar ou aliviar certa enfermidade. Com certeza eles indicariam alguma erva ou planta medicinal. Outro ponto que chama a atenção é a utilização que essas pessoas fazem de todos os elementos que a natureza amazônica tem para oferecer. E é nisso que muitos estão interessados: As tecnologias que podem ser desenvolvidas usando o potencial natural dos elementos encontrados na região amazônica.    O desenvolvimento sustentável para as comunidades é essencial, pois utilizando o conhecimento, em parceria com o trabalho científico, é possível chegar a outro patamar na evolução tecnológica, científica e cultural.  O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI) é um dos órgãos federais que há mais de meio século vem trabalhando na pesquisa e desenvolvimento da Região Norte e de todo seu potencial. São projetos que vão desde a conservação da fauna e da flora ao manejo controlado e exploração de áreas produtivas da floresta.  Uma das parceiras é a Fundação Amazônia Sustentável (FAS), que realiza trabalhos de


promoção do desenvolvimento sustentável, conservação ambiental e melhoria da qualidade de vida das comunidades moradoras e usuárias das unidades de conservação no Estado do Amazonas.  Essa parceira viabilizou projetos importantes para o desenvolvimento de tecnologias sociais para serem aplicadas nas comunidades ribeirinhas. No começo do mês de agosto de 2012, - Inpa e FAS - realizaram visitas a algumas comunidades da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do rio Negro, a 52 km de Manaus. Entre as comunidades visitadas estão Santa Helena do Inglês, Saracá e a comunidade do Tumbiras.  O grupo composto de pesquisadores e visitantes se dirigiram à Comunidade Santa Helena do Inglês, onde foram realizadas várias atividades educacionais como exposição de artesanatos locais; minicursos oferecidos pelo Mesa Brasil e Economia Doméstica do Serviço Social do Comércio (Sesc); ação de combate à malária, que contou com orientações sobre a doença e como evitá-la; gincanas e premiações; e o 2º Campeonato de Futebol da RDS Rio Negro, onde os times de todas as comunidades da reserva disputaram o título.

A tecnologia social é todo produto, processo ou metodologia desenvolvida ou reaplicada de modo interativo com comunidades que produza maior saúde, qualidade de vida, melhor educação e bem estar, podendo ser aplicada na alimentação, educação, acesso à água, energia, habitação, renda, saúde e ambiente.

Tecnologias Sociais  Aproveitando o fluxo de pessoas de outras comunidades, o Inpa apresentou a primeira Feira de Inovação, Ciência e Tecnologias Sociais, onde foram expostos diversos trabalhos desenvolvidos pelos pesquisadores do Instituto, como: briquetes da Amazônia, meliponicultura e soluções de controle do mosquito da dengue como cravo-da-índia e cal e cloro.  Um dos trabalhos de destaque é de autoria do pesquisador do Inpa, Jadir de Souza Rocha, que utiliza técnicas de manuseio dos galhos do buritizeiro para o desenvolvimento de compensados para a utilização como forros, divisórias e artefatos. Durante o evento foi realizada uma experiência com os galhos da árvore do Inajá como meio de substituição aos galhos da árvore do buriti, por ser abundante

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FOTOS: JUAN MATTHEUS

na região, seria de fácil manuseio para os moradores da comunidade amazônicas.  Um dos integrantes da equipe da FAS, Marcelo Castro, falou da importância da divulgação dos trabalhos do Inpa. “É necessário para para alavancar e dar importância às comunidades. A ideia é levar a exposição para comunidades mais afastadas em forma de exibição de filmes, devido à alta taxa de analfabetismo”, comentou.

Nós temos a matéria-prima, que produz e aumenta a capacidade de renda melhorando a qualidade de vida da sociedade e, sobretudo melhorando o desenvolvimento do município como um todo

(Jair Souto)

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Projetos com a FAS  Para o superintendente geral da FAS, Virgílio Viana, é muito importante fazer com que os grandes avanços do Inpa, em novas tecnologias relacionadas ao desenvolvimento sustentável na Amazônia, cheguem às comunidades ribeirinhas do Amazonas. “Essa parceria entre o Inpa e a FAS é uma forma de aproveitar a organização e a mobilização das comunidades e com isso trazer benefícios como a melhoria de vida e de renda e a conservação ambiental, pois é em torno disso que a Fundação se mobiliza”, enfatizou.  Viana também explanou sobre a possibilidade de fazer com que os investimentos da FAS incluam o apoio à implantação de novas tecnologias que foram desenvolvidas pelo Inpa e que as comunidades as identifiquem como prioritárias. “Não será a FAS que fará a escolha. Esse processo de escolha das tecnologias que serão utilizadas será liderado pelas comunidades e a FAS apenas viabiliza o investimento”, explicou o superintendente.  Ao final, o grupo do Inpa se dirigiu às instalações do Núcleo de Conservação e Sustentabilidade Agnello Bittencourt, na


comunidade Tumbiras, onde conheceram as dependências do local, que conta com escola, posto de saúde e acesso à Internet. Além disso, um dos grandes projetos em desenvolvimento está a construção da Faculdade de Gestão do Meio Ambiente. Projeto Manaquiri  Outra visita realizada pelo Instituto foi ao município de Manaquiri, interior do Amazonas, para conhecer as instalações e os projetos científicos e sociais, desenvolvidos a partir da extração de matéria-prima natural para a confecção de diversos produtos.  O projeto desenvolvido pelo pesquisador do Inpa, Juan Revilla, tem como base a capacitação de produtores rurais para desenvolver ideias em diferentes áreas como: fruticultura, plantas medicinais, plantas para cosméticos, corantes e plantas para o reflorestamento.  Há poucos quilômetros da entrada da cidade funciona a primeira agroindústria do município,

CENTROS DE TREINAMENTO Para

a melhor capacitação dos produtores rurais da região, foi

criado um centro de treinamento desenvolvido pela prefeitura, que fornece a estrutura necessária para o aprendizado de manuseio e extração de produtos na natureza.

O Centro

de

Educação

Tecnológica do Amazonas (Cetam) também está presente na cidade e oferece cursos técnicos nas áreas relacionadas ao projeto. Na época, o então presidente da Associação Amazonense de Municípios (AAM), Jair Souto, afirmou que o grande desafio do município atualmente é produzir conhecimento para ribeiros. “Antes o produtor rural produzia somente para a sobrevivência. É preciso

Primeiro é preciso informar que a mata é rica e se pode ganhar dinheiro com ela, basta saber como. Outro ponto é conhecer quanto se pode ganhar e possuir um comprador que irá garantir esse trabalho. A outra finalidade é o reflorestamento, com o extrativismo

(Juan Revilla)

desenvolvida pelo projeto. Lá são realizadas extrações industriais de óleos da andiroba, tucumã e babaçu. Para Jair Souto, na época presidente da Associação Amazonense de Municípios (AAM), a criação de uma agroindústria no município fecha uma cadeia. “Nós temos a matéria-prima, que produz e aumenta a capacidade de renda melhorando a qualidade de vida da sociedade e, sobretudo melhorando o desenvolvimento do município como um todo”, afirmou Souto.  Para Juan Revilla, o conhecimento é fundamental por parte dos ribeirinhos, caboclos e pessoas que utilizam meios naturais para sobreviver. “Primeiro é preciso informar que a mata é rica e se pode ganhar dinheiro com ela, basta saber como. Outro ponto é conhecer quanto se pode ganhar e possuir um comprador que irá garantir esse trabalho. A outra finalidade é o reflorestamento, com o extrativismo”, explicou o pesquisador Revilla.

fazercom que ele dê o próximo passo e crie uma visão empreendedora na nova geração”, explicou.

Unidades Demonstrativas  Para melhorar o crescimento e gerar visibilidade para o projeto, está em desenvolvimento em todo o município de 11


Manaquiri unidades demonstrativas, que se baseiam na ideia de um sistema de produção integrado, onde são realizadas visitas, exposições, aulas e demonstrações do processo produtivo com o objetivo de replicação do modelo.  Atualmente, a matéria-prima produzida pelo projeto Manaquiri é utilizada pela empresa Gotas da Amazônia, que atende o mercado de Manaus (AM), Brasília (DF), São Paulo (SP), Fortaleza (CE) e Recife (PE).

FOTO: JUAN MATTHEUS

Workshop de Tecnologias Sociais  Foi realizado ainda, o 1º Workshop de Tecnologias Sociais do Inpa com o tema “Ciência e Inovação em Diálogos com Comunidades da Amazônia”, que contou com a presença de diversos pesquisadores que apresentaram os resultados de seus projetos desenvolvidos nas comunidades amazônicas.

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O objetivo era disseminar soluções para problemas práticos ligados às necessidades concretas das pessoas. Vários pesquisadores do Instituto apresentaram e debateram pesquisas que envolvem comunidades regionais.  Segundo a coordenadora de Tecnologia Social do Inpa (COTS), Denise Gutierrez, o evento visou promover um diálogo interativo entre os conhecimentos científico e popular. “A tecnologia social parte de problemas sociais, exige organização e sistematização das ações e potencializa inovação na comunidade. Seu método de desenvolvimento é sempre dialógico e interativo e, portanto, ouve e deixa falar dentro do jogo democrático, permitindo que conhecimento científico se encontre com o conhecimento popular. Dessa maneira inclui e dá voz a todos os participantes, reconhecendo seus saberes e gerando autonomia.

Pesquisador do Inpa trocou experiência com moradores sobre a possibilidade de utilizar galhos da árvore do Inajá como meio de substituição aos galhos de buriti na confecção de compensados


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TECNOLOGIA E INOVAÇÃO

ESTUDO ANALISA A COMUNICAÇÃO ACÚSTICA ENTRE TARTARUGAS-DAAMAZÔNIA POR WALLACE ABREU

FOTO: ACERVO CEQUA

Estudo do Inpa descreveu o repertório vocal da tartaruga-da-amazônia e o associou ao comportamento durante o período da desova

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FOTO: CAMILA FERRARA


I

ntitulada “Comunicação acústica de tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa (Schweigger, 1812), Testudines: Podocnemididae) na Reserva Biológica do Rio Trombetas, Pará, Brasil”, a pesquisa realizada por Camila Rudge Ferrara durante o doutorado, orientada por Richard Carl Vogt do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI) e coorientada por Renata SousaLima da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), apresentou resultados relevantes sobre a comunicação acústica de Podocnemis expansa.  O estudo desenvolvido pelo Programa de Pós-Graduação em Biologia de Água Doce e Pesca Interior (BADPI), do Inpa, descreveu o repertório vocal da tartaruga-da-amazônia e o associou ao comportamento durante o período da desova, que vai desde a migração das fêmeas para os tabuleiros - praias utilizadas pelas tartarugas para desova -, até o nascimento dos filhotes e migração para o igapó - tipo de vegetação característico da floresta amazônica, situada em terrenos baixos, próximos a rios e que são frequentemente inundados-. Além disso, o estudo também acompanhou o desenvolvimento vocal dos filhotes no seu primeiro ano de vida.  Segundo Ferrara, apesar da existência de vários projetos de conservação e manejo, e do avanço das pesquisas científicas, algumas perguntas sobre a espécie ainda não puderam ser respondidas, devido à falta de transparência das águas nos rios amazônicos, o que dificulta a visibilidade a olho nu, uma vez que seus rios de águas escuras e barrentas dificultam a aplicação de métodos tradicionais de pesquisa, baseadas na observação direta do comportamento.  “A bioacústica constitui numa importante

ferramenta alternativa para a análise indireta das populações de quelônios em ambiente natural. A descrição das características dos sons produzidos pelos quelônios e sua associação à morfologia do ouvido intensificam o conhecimento das espécies do grupo e das relações que se estabelecem entre os seus indivíduos e o ambiente”, ressalta Ferrara.  A pesquisadora explicou que estudos anteriores sobre a comunicação de quelônios indicavam os sinais visuais e olfativos como os meios de comunicação mais importantes entre estes animais, principalmente durante a corte e a cópula (ato sexual). A comunicação sonora foi pouco estudada, provavelmente por que durante muito tempo acreditou-se que os quelônios não tinham sensibilidade auditiva e que os sons produzidos eram simples “barulhos” durante a cópula e a desova. Porém, hoje estudos vêm demostrando que os sinais sonoros possuem um importante papel no comportamento social do grupo, onde já se tem registro cerca de 41 espécies que emitem sinais sonoros em diferentes contextos.  “A escolha da P. expansa para este estudo

ocorreu por esta ser entre os quelônios, uma das espécies com comportamento mais social do mundo, e por isso, ter maior chance da comunicação acústica exercer um importante papel nas atividades sociais do grupo”, avaliou Ferrara. Dinâmica e resultados  Durante as gravações dos sons foi utilizado: um gravador, que dependendo do contexto de gravação - água e ar (ovo, ninho e superfície)-, foi ligado a um hidrofone ou a um microfone. Para a análise espectral do som gravado, utilizado o software Raven Pro 1.3. E para verificar uma possível interação social entre 17


FOTO: CAMILA FERRARA

fêmeas e filhotes após a eclosão, estudos com bioacústica foram realizados entre fêmeas adultas e filhotes. Além disso, em dezembro de 2010, aleatoriamente doze filhotes recémnascidos e três fêmeas adultas receberam rádios transmissores UHF para serem acompanhados durante a migração à floresta alagada.  Após 420 horas de gravação na natureza e no cativeiro de adultos, subadultos e filhotes de P. expansa, Ferrara encontrou 2253 sinais que, com base em características aurais e espectrais, os sinais foram classificados em 11 tipos de sons que ocorreram nos diferentes contextos de gravação.  Ferrara concluiu que a tartaruga-daamazônia vocaliza em todas as fases do seu

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Hoje se sabe que os quelônios possuem sensibilidade auditiva e que a audição é um importante sentido para a comunicação destes, uma vez que os sinais sonoros começam a ser utilizados pelo grupo ainda dentro do ovo

(Camila Ferrara)


classes de vertebrados.  Ferrara explicou que durante o período de desova, a categoria de comportamento apresentou o som mais agudo em relação às outras categorias de comportamento (migração, assoalhamento, noite sem desova e espera dos filhotes), sugerindo que frequências mais altas auxiliam na coesão e orientação do grupo (frequências mais altas e, consequentemente, com ondas mais curtas aumentam as chances do receptor localizar a fonte sonora).  Um dos pontos mais importantes da pesquisa, apontado por Ferrara, foram os resultados associados dos estudos de bioacústica com rádio telemetria entre fêmeas adultas e filhotes, que revelaram a primeira evidência de cuidado

FOTO: ACERVO CEQUA

desenvolvimento, desde os últimos dias do estágio embrionário (ainda dentro do ovo) até a fase adulta, e que possui um complexo repertório vocal constituído por 11 tipos de som que ocorrem tanto dentro como fora da água, apontando que a comunicação acústica possui um importante papel na troca de informação entre indivíduos da mesma espécie.  O som utilizado pelos filhotes é mais agudo do que nos subadultos e adultos e a partir de três parâmetros do comportamento vocal (frequência de vocalização, repertório vocal e contexto de vocalização) verificou-se que no primeiro ano de vida, a Podocnemis expansa sofre uma mudança no seu comportamento vocal, assim como foi observado em outras

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FOTO: ACERVO CEQUA

FOTO: CAMILA FERRARA

parental em quelônios pós-eclosão.  Ferrara espera que após este estudo outros trabalhos com comunicação sonora de quelônios surjam para que inúmeras questões do comportamento deste grupo possam ser

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respondidas. Como as tartarugas se reúnem durante a migração; ou como sincronizam a saída da água durante as arribadas (desova em grupo); ou ainda como fêmeas adultas reconhecem seus filhotes por meio do som.


Na natureza os sons foram gravados na Reserva Biológica do Rio Trombetas – Rebio Trombetas, cuja área total é de 385 mil hectares e está localiza na margem esquerda do rio Trombetas, um afluente (tributário) do rio Amazonas, localizaado no município de Oriximiná (PA).

FASES DA PESQUISA Ferrara explicou ainda que o estudo foi divido em duas fases de gravação e ocorreram durante a seca de 2008, 2009 e 2010: a Fase I: Cativeiro, onde se buscou ajustar o equipamento de gravação e estabelecer o repertório vocal de P. expansa. Fase II: Natureza, teve como objetivo encontrar possíveis diferenças na emissão do som conforme a classe etária (adultos e filhotes), contexto (ar e água) e categoria de comportamento (migração, assoalhamento, desova, noite sem desova, espera dos filhotes, possível interação social entre fêmeas e filhotes).

O primeiro registro de som em Podocnemis expansa, ocorreu em dezembro de 2006, com gravações preliminares no cativeiro e na natureza. Estas gravações revelaram que adultos vocalizam, e um som diferente foi encontrado na natureza durante a soltura de 4 mil filhotes. A partir destes resultados preliminares, foram gravadas novas amostras de som, em que buscou-se descrever o repertório vocal de P. expansa e verificar como a espécie utiliza a comunicação acústica durante o período da desova até o nascimento dos filhotes.

TARTARUGA-DA-AMAZÔNIA A espécie Podocnemis expansa, popularmente conhecida como tartaruga-daamazônia, é a maior espécie do gênero Podocnemis, chegando a medir 90 cm de comprimento e a pesar 51 kg. Ocorre em quase todos os afluentes (tributários) do rio Amazonas, desde o leste dos Andes até a bacia do Rio Orinoco. Possui uma coloração marrom, cinza ou verde oliva e sua carapaça é achatada e mais larga na região posterior. Os filhotes e jovens apresentam manchas amarelas na cabeça e fêmeas adultas têm uma variação ontogenética no colorido amarelo da cabeça que se torna marrom escuro com o avançar da idade. Apesar dos machos possuírem uma cauda proporcionalmente mais comprida e espessa do que das fêmeas, seu comprimento corporal é menor. Os adultos são herbívoros, alimentando-se de frutas, raízes, sementes, gramíneas e folhas de plantas silvestres de várzeas. 21


ACTA AMAZONICA Acta Amazonica é uma revista científica multidisciplinar, criada em 1971, pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA. De acesso livre, publica artigos científicos em português, espanhol e inglês, sobre temas relacionados diretamente a assuntos amazônicos. Os artigos publicados a partir de 1971 estão disponíveis em http://acta.inpa.gov.br. Artigos publicados a partir de 2004 estão disponíveis em http://www.scielo.br/aa

Submissão de artigos em

http://www.scielo.br/aa

REALIZAÇÃO

APOIO

Av. André Araújo - 2936 - Aleixo. Manaus-AM, Brasil. CP 478 - CEP 69060-001. Fone 92 3643 3030. Site http://acta.inpa.gov.br. E-mail acta@inpa.gov.br 22


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FOTO: EDUARDO GOMES

SOCIEDADE

Terminal central da cidade de Manaus foi tomado por água interditando parcialmente o tráfego de veículos

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O RECORDE DAS ÁGUAS POR JUAN MATTHEUS

Lugares onde antes se viam camelôs, vendedores ambulantes, barracas de alimentos, de repente estavam todos inundados. No terminal de ônibus central de Manaus, os veículos passavam por entre as ruas alagadas e criavam banzeiros (espécie de onda de rio).

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FOTO: EDUARDO GOMES

A subida das águas alterou a rotina do comércio em Manaus (AM) obrigando algumas lojas à fecharem

P

vias urbanas alagadas, balneários surgindo na beira das estradas onde antes não havia nada, municípios inteiros ficaram embaixo d’água. Estas foram algumas das inúmeras consequências trazidas pela maior cheia já registrada na história do Estado do Amazonas. A cheia de 2012 superou a de 2009, a segunda maior cheia registrada.  A marca do nível do rio chegou a quase 30 metros. O cenário urbano do centro histórico da cidade de Manaus se transformou, e lugares onde antes haviam vendedores ambulantes e barracas de alimentos, de repente estavam tudo alagados. No terminal de ônibus central, os veículos passavam por entre as ruas alagadas e criavam banzeiros – ondas de rio – dando a sensação de se estar navegando. Isso atraiu a atenção, além rincipais

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dos próprios moradores da cidade, de muitos turistas que constantemente eram vistos com suas câmeras fotográficas registrando a situação em que a cidade se encontrava.  Um dos locais mais afetados da capital amazonense foi a Feira Coronel Jorge Teixeira, a ‘Manaus Moderna’, localizada no centro da capital. Comerciantes, vendedores, açougueiros e peixeiros tiveram suas atividades praticamente interrompidas por conta da alagação que invadiu toda a área onde antes os produtos eram expostos.  Uma feira provisória foi construída em uma área ao lado da Manaus Moderna para abrigar os vendedores. Foi o que aconteceu com o açougueiro Luís Eduardo Carvalho, 39, que precisou deixar o espaço onde trabalhava, pois o mesmo se encontrava em condições precárias. À medida que o rio baixava, os proprietários


29,97m 29,77m

El Niño: fenômeno atmosférico-oceânico caracterizado por um aquecimento anormal das águas superficiais no oceano Pacífico Tropical. Isso pode afetar o clima regional e global, mudar os padrões de vento a nível mundial, e afetar os regimes de chuva em regiões tropicais e de latitudes médias.

La Niña: fenômeno oceânico-atmosférico com características opostas ao El Niño que se caracteriza por um esfriamento anormal nas águas superficiais do Oceano Pacífico Tropical. Alguns dos impactos de La Niña tendem a ser opostos aos de El Niño, mas nem sempre uma região afetada pelo El Niño apresenta impactos significativos no tempo e clima devido à La Niña. Nível registrado das últimas maiores cheias do AM tentavam retornar aos seus lugares, entretanto, com as condições em que se encontravam, foi preciso uma nova reforma da área. Segundo Luís Carvalho, todos os trabalhadores da área de açougue e peixe do mercado municipal tiveram perdas de aproximadamente 70% em seus faturamentos. “Nós fomos transferidos para essa feira provisória, porém estamos muito insatisfeitos com a queda das vendas”, afirmou.  Ao se caminhar por entre a feira provisória, era possível perceber o fraco movimento de clientes. A falta de espaço, segurança e estacionamento precário eram os fatores que afastaram a maioria das pessoas que antes tinham o costume de fazer suas compras no mercado.  Quem também passou por essa situação e pode relatar muito bem a experiência é a única

mulher proprietária desses espaços na Feira da Manaus Moderna, a açougueira Joelma Mello Cumaru, que criticou as condições precárias em que o mercado se encontrava mesmo antes das alagações. “Nós fomos obrigados a sair da Feira da Manaus Moderna e fomos colocados aqui em frente à Feira Municipal da Banana, (também localizada na área central de Manaus), em um lugar muito quente. Essa cheia prejudicou tanto os feirantes quanto os ribeirinhos que fornecem produtos para a venda aqui também”, disse.  De um jeito espontâneo e bastante irreverente, a açougueira, que também é professora por formação, explicou que sustenta sua família com a renda obtida pela venda dos cortes de carne. Na época antes da cheia, ela faturava o suficiente para manter a casa e pagar escola para seus dois netos. 27


FOTO: EDUARDO GOMES

Em ruas do centro da cidade só foi possível o tráfego de pessoas por conta da construção de pontes.

Com os problemas advindos da cheia, sua perda foi de quase 70%. “Havia dias em que faturávamos quase dois mil reais. Com a cheia, nossa renda diária caiu para 20 reais. A venda diminuiu muito. Tinha gente que nem vinha mais vender e abandonou seus pontos”, relatou.  Nos meses mais intensos de chuva na região – abril e maio -, vários prejuízos foram causados na cidade, vias importantes para a circulação de carros e pessoas foram totalmente alteradas devido à alta das águas. As linhas de ônibus tiveram seus itinerários mudados devido ao fechamento do terminal central, que retomou suas operações normais, mesmo com problemas no solo e rachaduras das ruas após a enchente.  Outro ponto que marcou a enchente histórica foi o sofrimento das diversas famílias que residem às margens dos rios e igarapés que cortam a cidade de Manaus. Os níveis 28

Quando as pessoas dizem que não jogam lixo nos rios, em parte é verdade. No entanto, existem pessoas que o fazem e negam. Muitas vezes, de modo inconsciente, elas jogam lixo no igarapé e pensam que a água irá levar embora, o que não acontece

(Domitila Pascoaloto)

das águas subiram e foi preciso suspender o assoalho das habitações - chamado de “marombas” – para que esses moradores não perdessem seus móveis.  A moradora de uma das áreas alagadas, Geny Araújo, 63, conta as dificuldades que passou enquanto a sua casa estava inundada


“A pior coisa eram os bichos. Ratos e baratas por todo canto e ainda odor horrível que não saía. Quanto aos nossos móveis, muitos não conseguimos salvar”, ressalta.  Segundo Domitila Pascoaloto, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI), da área de recursos hídricos, a enchente é um processo natural que ocorre em áreas urbanas e naturais. No ambiente natural, a cheia ocorre normalmente: o rio enche, alaga as terras e o solo absorve parte dessa água, que no período da seca é evaporada. No ambiente urbano, devido às áreas pavimentadas, o processo de absorção da água é dificultado.

fluxo do rio é unidirecional, ou seja, corre em uma única direção. Todo o resíduo lançado na parte alta ou na parte média da

FOTO: EDUARDO GOMES

O

bacia acabará indo para a parte mais baixa. “Quando as pessoas dizem que não jogam lixo nos rios, em parte é verdade. No entanto, existem pessoas que o fazem e negam. Muitas vezes, de modo inconsciente, elas jogam lixo no igarapé e pensam que a água irá levar embora, o que não acontece”, afirma a pesquisadora.  Domitila Pascoaloto explica ainda que, nesta cheia recorde, alguns igarapés que não eram tão próximos ao rio ficaram com água parada e forte mau cheiro. “Quando a água do Rio Negro está mais baixa que a dos igarapés urbanos, o Rio Negro recebe a água desses igarapés. Quando o rio Solimões empurrou a água do Rio Negro, consequentemente a água dos igarapés que cortam Manaus foi empurrada também. Com isso, todo aquele

As águas ultrapassaram a marcação da régua de medição do nível do Rio Negro no Porto de Manaus (AM)

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lixo que ia direto para o Rio Negro, pelos leitos dos igarapés, ficou represado causando todos os problemas que foram vistos este ano”, explica.

FOTO: EDUARDO GOMES

Fatores do clima  Há períodos em que as chuvas se intensificam ou diminuem e estão associadas às estações do ano. Segundo o pesquisador em estudos climáticos do Inpa, Antonio Manzi, a maior influência das chuvas na Amazônia são os oceanos Pacífico e Atlântico. “Neste período, considerando os últimos dois anos, o fenômeno La Niña estava ocorrendo no oceano Pacífico. Esse fenômeno costuma trazer para a Amazônia um aumento nas chuvas anuais”, explica.  De 2010, ano onde ocorreu uma das vazantes mais extremas, até a cheia de 2012, foi observado um recorde no aumento dos níveis do rio em aproximadamente 15 metros, tendo a La Niña como uma influência significativa. Deste período em diante o fenômeno continuou e até alguns meses atrás estava atuando e mudando a circulação atmosférica, fazendo com que continuasse a chover em grandes quantidades. As principais regiões afetadas foram a Central e Oeste da Amazônia, em localidades que cobrem as áreas da bacia do Rio Negro e do Rio Solimões, os dois rios que determinam a cota das cheias em Manaus.  Ultimamente, o período entre cheias e vazantes na Região Hidrográfica Amazônica

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Centro Comercial de Manaus durante a cheia de 2012

está ocorrendo em intervalos cada vez menores. De acordo com Manzi, é difícil afirmar categoricamente qual a real causa de duas grandes cheias recordes, como a de 2009 e de 2012. Também houve uma grande seca em 2005 e uma recorde em 2010.  Segundo Manzi, esse intervalo de tempo também pode ser observado nos anos de 1997 e 1998, onde houve, também, cheias e vazantes recordes, respectivamente. “Quando analisamos a série histórica que começa no final de 1902, notamos que nos últimos 25 anos há uma tendência de que as cheias sejam sempre um pouco maiores, e as vazantes cada vez mais intensas. Isso se atribui à variabilidade natural do clima, pois nosso clima está sujeito à escalas de oscilações climáticas de períodos muito diferentes”, explana.  As alagações são inevitáveis, entretanto a educação ambiental é essencial para minimizar as consequências. Ao passearmos próximo aos igarapés que cortam a capital, é possível observar claramente dezenas de garrafas plásticas, sandálias, geladeiras, embalagens e outros objetos despejados todos os dias nos leitos. Programas de conscientização surgem aos milhares juntamente com ações do governo para a limpeza e manutenção dessas áreas. O problema é inserir no pensamento da população, principalmente daqueles que residem às margens dos igarapés, que uma simples ação, não descartar o lixo nos igarapés evitaria não todos, mas muitos problemas.


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ILUSTRAÇÕES: FERNANDO NETO

SOCIEDADE

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Cegueira dos rios: doença ainda faz vítimas entre indígenas na Amazônia POR WALLACE ABREU

A oncocercose causa cegueira em indígenas da etnia yanomami e yekuana, no Amazonas (AM) e Roraima (RR)

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Popularmente conhecida como “cegueira dos rios” ou “mal do garimpeiro”, a enfermidade chama-se oncocercose. Trata-se de uma doença parasitária, causada pelo verme Onchocerca volvulus, que se aloja no sistema linfático humano após a picada do simulídeo. O mosquito transmissor é conhecido na região amazônica como pium. Em outras regiões do país é chamado de borrachudo.

A

simples picada de um mosquito pode levar à cegueira irreversível. Nas últimas décadas, seis países enfrentam a proliferação desta doença. No Brasil, o problema atinge áreas indígenas yanomami e yekuana nos estados do Amazonas (AM) e Roraima (RR). O pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI), Victor PyDaniel, se dedica a estudos da oncocercose desde 1991. De acordo com o especialista, por meio da picada do pium, as formas adultas do verme parasitam no ser humano, alojando-se em nódulos por baixo da pele. “No local, eles se reproduzem sexualmente. Nos 15 anos que sucedem a picada, são geradas inúmeras larvas minúsculas, chamadas de microfilárias, invisíveis a olho nu”, disse.  Caso o verme se aloje no globo ocular, a cegueira no indivíduo infectado é inevitável. O Onchocerca volvulus destrói os tecidos da

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A doença normalmente atinge pessoas mais velhas, mas casos em crianças e jovens também foram registrado

(Victor Py-Daniel)


IVERMECTINA

visão gradativamente. A doença passou a ser chamada popularmente de “doença dos rios”, porque o pium, mosquito transmissor, se reproduz nas águas dos rios, principalmente em regiões tropicais.  Por baixo da pele, as microfilárias se espalham pelo corpo humano. Após aproximadamente um ano, surgem os primeiros sintomas. “O alojamento debaixo da pele gera nódulos palpáveis, com alguns centímetros de diâmetro”, explicou.  Py-Daniel chamou a atenção para outros sintomas menos comuns, como coceiras, o

enrugamento da pele, e até casos de febres constantes.  Quando a microfilária se aloja em vasos da retina, os degenera aos poucos, causando lesões. O globo ocular gradativamente tornase branco até a perda total da visão. Segundo o pesquisador, normalmente a doença atinge pessoas mais velhas, mas casos em crianças e jovens também foram registrados.  A epidemia da doença começou em 1991 quando os Ministérios da Saúde da Colômbia, Brasil, Venezuela, México, Guatemala e Equador assinaram um tratado para o combate 35


efetivo da doença. Da iniciativa, resultou o  Programa de Eliminação da Oncocercose para as Américas (OEPA). No final de 2011, a organização divulgou as últimas informações sobre a infestação nos países em questão. Os dados constatam a presença de casos de onconcercose apenas na Venezuela e no Brasil, revelando que após 20 anos, entre os 14 focos espalhados pela América Central e do Sul, somente os dois países ainda não eliminaram o problema. Diagnóstico e Tratamento  Os nódulos de parasitas adultos são identificados por técnicas de imagiologia (tomografia computadorizada) ou por análise microscópica de amostra de biópsia. As microfilárias também são detectadas em biópsias da pele, ou vistas diretamente pela observação do fundo do olho com um oftalmoscópio.  Feito à base de ivermectina, o tratamento contra a doença dura 15 anos. A dosagem é única, com periodicidade semestral ou anual. Py-Daniel explicou que já surgiram outros remédios para o combate à doença, porém eram muito nocivos à saúde humana. “A

pessoa sentia mais problemas com o remédio do que apenas com a oncocercose”, frisou.  Conforme o pesquisador, os remédios disponíveis no mercado não matam o verme adulto. Há medicamentos, em fase experimental, que são efetivos. “Assim teríamos um tratamento para acabar com a doença e não somente fazer um controle como acontece hoje”, disse. A doença fora das áreas indígenas  De acordo com Py-Daniel, no final da década de 80, havia quase 50 mil garimpeiros em áreas yanomami do Amazonas, Roraima e Venezuela. “Durante o Governo Sarney estes foram tirados das áreas indígenas, pois atuavam de maneira irregular nas terras yanomami. Na época, alertamos que quando os garimpeiros fossem retirados, fosse realizado o exame da oncocercose, pois estavam em áreas endêmicas. Os exames não foram feitos e os garimpeiros saíram para diversas áreas do Brasil e até mesmo para outros países da América do Sul, o que ocasionou uma proliferação da doença, que já foi controlada”, comentou o pesquisador.

Saiba mais A onconcercose se infiltrou nas Américas com a chegada dos escravos africanos, no início do século passado. Dados do Programa de Eliminação da Oncocercose para as Américas (OEPA) destacam que há, pelo menos, 18 milhões de indivíduos infectados no mundo, a maioria (99%) em países africanos. Esta é a segunda doença que mais causa cegueira no mundo, atrás apenas do glaucoma. Nas primeiras décadas de proliferação da doença em países africanos, mais de 50% da população ficava cega antes dos 50 anos, por conta

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da infecção. Segundo a OEPA, em gerações passadas as crianças do continente africano eram educadas a considerar o fato com uma etapa normal do futuro.


DE EXCELÊNCIA Podemos olhar para frente com a convicção de que esse é apenas o começo de uma trajetória que continuará criando inúmeras oportunidades para o desenvolvimento do Estado do Amazonas e de sua população, confiando sempre que inovar é acreditar no poder da mudança.

e estamos apenas começando. FAPEAM, DEZ ANOS DE EXCELÊNCIA NO AMPARO À PESQUISA NO ESTADO DO AMAZONAS www.fapeam.am.gov.br twitter.com/fapeam www.facebook.com/fapeamazonas contesuahistoria.fapeam.am.gov.br 37


BIODIVERSIDADE

QUILOMBOLAS EM CENA POR WALLACE ABREU

FOTO: WALLACE ABREU

Projeto realiza registro da cultura quilombola em comunidades do Alto Rio Trombetas, no estado do Parรก

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I

dealizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI), pesquisadores e equipe de educação ambiental do Projeto Tartarugas da Amazônia – Conservando Para o Futuro, patrocinado pela Petrobras, por meio do Programa Petrobras, e Banco da Amazônia (Basa), o projeto “Quilombolas em Cena: Integrando Ciência e Tradição na Conservação de Quelônios” foi desenvolvido durante o segundo semestre de 2012 nas comunidades remanescentes de quilombos, localizadas na Reserva Biológica do Rio Trombetas (Rebio Trombetas), em Oriximiná (PA). A área concentra o maior número de comunidades quilombolas na Amazônia.  A área de execução do projeto foi selecionada devido ao trabalho de conservação de quelônios desenvolvido na Rebio, um trabalho

feito com os quilombolas, em parceria com o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) e a Mineradora Rio do Norte (MRN). Durante o desenvolvimento do projeto, práticas cinematográficas foram aplicadas junto aos comunitários, com a finalidade de produzir pequenos curtas sobre a cultura quilombola, suas lendas, práticas culturais, religiosas e econômicas, além de fazer um registro sobre o trabalho dos quilombolas nos tabuleiros (praias de desova das tartarugas).  Nos meses de setembro e outubro de 2012, a equipe de filmagem acompanhou a equipe de educação ambiental do projeto à Rebio Trombetas. Este período foi escolhido, pois são os meses nos quais ocorre a desova de quelônios na Amazônia.  É nesta época também que os comunitários estão mais envolvidos com as atividades

FOTO: WALLACE ABREU

Para contar a história da exploração de quelônios na região, foi aplicada a técnica cinematográfica Stop Motion, com a criação de bonecos de massa de modelar

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FOTO: MICHELE SOUZA

Comunitários quilombolas reunidos durante a oficina de elaboração de roteiros, realizada na Base Santa Rosa da Rebio Trombetas

de voluntariado para a proteção dos sítios de desova de quelônios. Assim, foram priorizadas a participação das famílias que já estão envolvidas nas atividades de conservação dos quelônios.  Após reunião realizada com a comunidade e a exposição da razão da realização das filmagens, os comunitários foram convidados a participar da elaboração dos vídeos mostrando o seu ponto de vista sobre a conservação dos quelônios e sobre suas próprias práticas culturais.  As comunidades quilombolas no Alto Trombetas, no Município de Oriximiná no estado do Pará (PA), estão em um local onde o acesso à tecnologia (computadores, filmadoras, máquinas fotográficas) ainda é raro. Diante do tal fato, um minicurso sobre conceitos básicos de como operar os equipamentos de filmagem foi realizado, buscando interferir o mínimo possível na estética natural dos quilombolas e consequentemente, no resultado final dos

AIHA O Projeto Tartarugas da Amazônia é administrado pela Associação de Ictiólogos e Herpetólogos da Amazônia (AIHA), criada em 2002, com o objetivo de promover o estudo com anfíbios e répteis na Amazônia, assim como a interação cultural e científica entre os seus membros e a comunidade em geral, visando à conservação da natureza. Em 2012, a AIHA comemorou seus dez anos de atuação na Amazônia, com a realização e desenvolvimento de diferentes atividades de pesquisa e educação ambiental.

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FOTO: MICHELE SOUZA

Comunitária durante as gravações dos curtas, ao lado da educadora ambiental Fernanda Rodrigues

filmes. Etnodocumentário  Inicialmente foi pensada a estruturação de um esboço dos roteiros dos vídeos que seriam produzidos, escritos pela equipe do projeto juntamente com os produtores dos vídeos contratados com os recursos do edital de apoio financeiro do Basa.  No entanto, durante o desenvolvimento das atividades, sentiu-se a necessidade de abertura para os próprios quilombolas criarem os roteiros, a partir de suas impressões pessoais. Com esta proposta, uma nova oficina foi oferecida ensinando técnicas de criação e a elaboração de roteiros.  Para a produção dos curtas, os comunitários 42

Estes pequenos filmes estarão devidamente problematizados, com um forte potencial educativo associado aos propósitos didáticos, voltados principalmente para a formação de gerações futuras

(Fernanda Rodrigues)


FOTOS: MICHELE SOUZA

PROJETO DE LEI Um projeto de lei que está tramitando na Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam), de autoria do deputado estadual Abdala Fraxe (PTN), propõe obrigatoriedade, em todas as sessões de cinemas ocorridas no estado do Amazonas, a exibição de filmes publicitários sobre as consequências do aquecimento global e a importância da defesa do meio ambiente. Desta forma, seria uma ferramenta a mais para alcançar maior abrangência para os curtas produzidos durante o ‘Quilombolas em Cena’, pelo Tartarugas da Amazônia.

Quilombolas do Alto Trombetas mostram suas práticas artesanais durante as gravações foram divididos em diferentes grupos. Cada grupo recebeu uma filmadora para a captação das imagens. Segundo a equipe de Educação Ambiental do projeto, coordenada pelas biólogas Fernanda Rodrigues e Adriana Terra, as informações levantadas durante a semana de gravação dentro das comunidades, servirão de análise sobre a construção dos valores deste povo, e vão demonstrar a potencialidade da fonte de informação escolhida, seus hábitos e sua cultura.  Com isso, o objetivo é que as atividades reflitam diretamente no comportamento de cidadania dos membros participantes e envolvidos indiretamente dentro do conteúdo de cada filme, para que consigam se enxergar dentro da sua realidade, além de seu importante 43


FOTO: MICHELE SOUZA

papel na conservação dos quelônios dentro da Rebio.  Para a bióloga Fernanda Rodrigues, a simples proteção das áreas de desova não é suficiente para garantir a manutenção das populações de quelônios, se o grande consumo destas espécies continuar existindo fora dos limites da unidade de conservação.  De acordo com a equipe de Educação Ambiental do projeto, com a realização do ‘Quilombolas em Cena’ e a produção dos curtas, será possível levar a mensagem de conservação para diferentes regiões da Amazônia, por meio da exibição dos filmes, buscando a sensibilização sobre a conservação destas espécies.  Rodrigues explicou que importante no projeto

Os curtas farão parte dos instrumentos de sensibilização utilizados pela equipe de educação ambiental do Projeto Tartarugas da Amazônia, ficarão disponíveis na página do projeto na internet (www.tartarugasdaamazonia.org.br), além de serem distribuídos em formato de DVD para diferentes centros de ensino, órgãos

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é incentivar um aumento na sensibilização dos homens e mulheres. “Estes pequenos filmes vão estar devidamente problematizado, com um forte potencial educativo associado aos propósitos didáticos, voltados principalmente para a formação de gerações futuras”, ressaltou.  Ao realizar uma atividade em conjunto com as comunidades quilombolas, com o objetivo de valorizar e registrar a sua cultura, ao mesmo tempo em que se discute a conservação de um dos seus mais importantes recursos, os quelônios, espera-se contribuir para a modificação da visão que a sociedade tem deles, bem como promover por meio dos curtas a valorização da cultura quilombola na Amazônia.

públicos municipais, estaduais e federais de educação e cultura. Os filmes serão ainda exibidos diariamente a turistas e visitantes no Centro de Estudos dos Quelônios da Amazônia (CEQUA), localizado no Lago Amazônico – Bosque da Ciência (Av. Otávio Cabral – Petrópolis em Manaus (AM).


Amazônia nos debates mundiais sobre ciência

ARTIGO

A

ciência, a tecnologia e a inovação na Amazônia tem papel fundamental no alinhamento do desenvolvimento com a manutenção da floresta em pé, da geração de renda com sustentabilidade responsável e da inclusão social simétrica.     O discurso, embora bastante trabalhado nos últimos anos, precisa ser consolidado e de fato entendido pela sociedade. Em 2012, o Amazonas e a Amazônia foram inseridos de maneira mais intensa nos debates científicos que estão a ocorrer cada vez de forma mais intensa no mundo.   Um exemplo foi o 3° Encontro Preparatório para o Fórum Mundial de Ciência que ocorre no Rio de Janeiro este ano. Com o apoio da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti-AM), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira de Ciência (ABC), o encontro preparatório realizado em novembro na sede do Inpa em Manaus (AM), proporcionou um ambiente especial para que os pesquisadores apresentassem propostas e discutissem os principais problemas e desafios para se fazer ciência na região amazônica. O momento foi rico também quanto as propostas para uso da informação.

ADALBERTO LUIS VAL

Entre os diversos desafios, foram apontados como fatores centrais a necessidade de maior fixação de pesquisadores e formação de mão-de-obra qualificada bem como a melhoria na qualidade da educação básica, como pontos decisivos para o avanço na produção científica na região. Se de fato queremos uma economia verde, devemos envidar todos os esforços para que seja uma economia inclusiva.  Outro evento importante foi a Reunião do Observatório Regional Amazônico, que contou com a presença de representantes dos países membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) – Brasil, Colômbia, Venezuela, Peru, Guiana, Suriname, Bolívia e Equador. A Amazônia passou de região coadjuvante a protagonista no cenário científico regional e mundial.   Estar inserido nos debates científicos representa ao Amazonas e a Amazônia garantir ações que possam fazer com que as pesquisas feitas nas bancadas dos laboratórios cheguem à sociedade e possam de fato contribuir para a mudança na qualidade de vida das pessoas. Estamos em um processo de transição das relações do homem com o meio ambiente, por isso é

preciso estabelecer uma economia em que esses valores sejam integralmente considerados. Os avanços científicos vêm mostrando que a ciência tem todas as ferramentas ou pode desenvolvê-las para que a conservação ambiental esteja integrada nos processos de desenvolvimento.   Portanto, a descentralização dos debates permitem socializar informações, integrar ações e definir agendas para as diversas demandas Amazônias, agendas essas que não podem ser copiadas de outros lugares, dadas as singularidades da região. Participar dos debates é de fundamental importância, pois permite novas percepções, mais amplas e mais robustas. Permite também, contribuir para evidenciar novos produtos e processos e para desenhar ações de conservação da região, vulnerável às ações predatórias.   Fazer ciência na e para a Amazônia está longe de ser uma tarefa fácil, como se tem evidenciado nos debates que se multiplicam na região, debates esses que têm revelado, também, que o que está escondido na floresta pode dar novos contornos para a própria ciência. Adalberto Luis Val: Diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI)

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FOTO: ASCOM/SBPC

ENTREVISTA

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“Não podemos continuar pensando a Amazônia como um potencial, ela precisa ser uma realidade” (Helena Nader) POR FERNANDA FARIAS

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FOTO: ASCOM/SBPC

A

afirmação é da presidenta da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, à revista Ciência para Todos ao fazer o balanço da 64ª da Reunião Anual da SBPC que ocorreu em São Luis (MA). A entidade promove uma reunião com o objetivo de envolver a sociedade nos debates dos rumos da ciência no país. A 64ª reunião ocorrida em 2012, trouxe o tema “Ciência, Cultura e Saberes Tradicionais para Enfrentar a Pobreza”. Após o encontro, Nader fez um balanço das ações científicas no Brasil e na Amazônia. Dentre os principais pontos destacados pela presidenta da SBPC está a fixação de mão-de-obra qualificada na Amazônia e melhorias na educação básica. Ciência para Todos: Na sua opinião, o que falta para a sociedade brasileira se interessar mais por assuntos sobre meio ambiente? Helena Nader: O que falta na sociedade brasileira brasileira é acreditar que é ela é quem vai mudar as coisas (e não o governo, e lá no Rio de Janeiro, eu vi um exemplo, um trabalho que começou na Rio 92, e 20 anos depois eles estavam apresentando resultados incríveis na mata atlântica, mostrando que as diferentes técnicas e saberes tradicionais 48

estão restaurando a floresta.  Na nossa cultura, estamos acostumados a esperar o governo fazer pela gente, isso vem de anos atrás, até os cidadãos mais letrados se comportam dessa forma. Precisamos ter outra atitude em relação à vida, acreditar que dá pra fazer tal coisa. CT: Os que não têm acesso à ciência no Brasil podem ter um futuro promissor? HN: Eu vejo um grande futuro, primeiro porque mesmo sem a escolaridade necessária, a inteligência do nosso povo é muito grande. Onde você ver pessoas sem nenhuma escolaridade formal, o número de atividades que eles conseguem desempenhar é grande, isso porque temos uma genética e um saber tradicional que o qualifica de forma impecável.  A ciência, hoje, tem que ser multidisciplinar e transdisciplinar. É preciso ter um conjunto que se autossuporta, e não indivíduos dispersos. CT: Como visualiza a falta de recursos humanos num bioma tão grande como a Amazônia? HN: Acredito que a região amazônica é um potencial gigantesco, mas não podemos continuar pensando na Amazônia como um potencial, ela precisa ser uma realidade, e para isso temos que deixar de fazer aquele


velho discurso, porque para onde você vai as pessoas falam, o governo fala. Nós pesquisadores falamos sobre a biodiversidade que é inimaginável, que nós temos 25% de toda biodiversidade, enfim. Não adianta nada, ter e não conhecer. Para conhecer temos que trabalhar, para trabalhar temos que ter pessoas especializadas. A SBPC e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) estão de acordo que é necessário um programa do estado brasileiro, pois se for programa de governo, assim que um governo acabar, o próximo não dará continuidade, pois criará o programa dele, do governo dele.  Então, a solução seria o estado brasileiro formular projeto de dez a 15 anos para ser aplicado na Amazônia, e daí trazer pessoas qualificadas de onde for necessário para trabalhar, e entender nossa biodiversidade.  Agora estamos formando muitos doutores, é impressionante o número, mas não estamos dando conta porque a demanda é muito grande, então temos que ser criativos. E não

precisam ser apenas doutores, mas também em nível tecnólogo. Lembro sempre do que o Adalberto Val (diretor do Inpa) diz sobre a perda do indivíduo que faz realmente a sistemática (classificação dos seres vivos segundo um sistema) e esse pessoal é fundamental para conhecermos de fato a região amazônica. CT: Em sua opinião, como atrair cientistas para trabalhar na Amazônia? HN: Um grande atrativo seria o salário, tem que colocar um bom salário, porque para quem está no sul, sudeste e centro-oeste, mudar para a Amazônia não é trivial, pois sejamos francos, os custos são altos, e as condições não são triviais. Pude conhecer melhor a região norte quando fui para SBPC em Manaus, e os acho verdadeiros heróis, falo isso sempre, porque a região possui uma internet que funciona a manivela, o calor e a umidade não são triviais. Por isso, os programas têm que oferecer bônus para os indivíduos, você não vai querer que ele tenha apenas ônus.

FOTO: ASCOM/SBPC

Helena Bonciani Nader A presidente da SBPC, Helena Nader, e professora titular da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Tem experiência na área de bioquímica, com ênfase em química de macromoléculas, atuando principalmente nos seguintes temas: antitrombótico, glicosaminoglicanos, heparina, Hunter/Hurler, mucopolissacaridose e heparitinases. Possui graduação em biologia pela Universidade de São Paulo (USP) em 1971, graduação em ciências biológicas modalidade médica pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em 1970 e doutorado em ciências biológicas (biologia molecular) pela mesma em 1974 e pós-doutorado pela Universidade do Sul da Califórnia (1977), nos Estados Unidos. Nader é membro titular da Academia de Ciências de São Paulo e da Academia Brasileira de Ciências (ABC), classes comendador e GrãCruz da Ordem Nacional do Mérito Científico, e professora honoris causa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

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O que falta na sociedade brasileira é acreditar que ela é quem vai mudar as coisas

CT: De que maneira o tema da 64° SBPC, “Ciência, Cultura e Saberes Tradicionais para Enfrentar a Pobreza”, coube ao Estado do Maranhão? HN: O título da reunião envolve “ciência”, pois claro, somos a sociedade para o progresso da ciência; “cultura”, como você colocou, esse estado é muito rico em sua cultura; e “saberes tradicionais” para enfrentar a pobreza. São assuntos vastos que poderiam ser discutidos durante o ano todo no Maranhão. E realmente gostaria de ver acontecer para que pudéssemos aprofundar algumas discussões, gerar alguns documentos e levar isso para nossa diretoria como uma proposta para o Estado. Os diferentes biomas que existem nesse Estado são impressionantes. No maranhão você pode abordar, problemas de águas, águas inundadas ou manguezais, todos os problemas costeiros comuns a este país, características da Amazônia, Cerrado, e também o problema da urbanização que é comum em todo nosso país. CT: “Saberes tradicionais” estão muito presentes na cultura do Maranhão. A SBPC 50

sempre se preocupou em abordar este assunto? HN : Sim, claro. “Saberes tradicionais” sempre foi um assunto presente na SBPC, não com esse título, mas grupos da antropologia que vinham trazendo essas discussões nas outras reuniões, e também pesquisadores da área biológica, por meio do enfoque da biodiversidade. Mas nesta reunião, em várias das sessões, além dos cientistas, pesquisadores e professores que estudam os temas trouxeram informações valiosas para os participantes.  Nós temos que preservar os saberes tradicionais, e temos que proteger, é o que tenho insistido nas entrevistas. O saber tradicional é patrimônio cultural brasileiro, além do cultural, é um patrimônio que pode, em algumas situações, gerar algum tipo de riqueza econômica, e se você não protege isso, vai se perdendo no tempo, de geração a geração. CT: Já é possível fazer um balanço do Programa Ciência sem Fronteira? HT: A demanda do Programa Ciência sem Fronteira foi impressionante, o números de estudantes que se inscreveram foi fantástico. Mas hoje, nós temos um gargalo na nossa escolaridade, nossos estudantes não têm domínio de outra língua, e a segunda língua hoje no mundo científico é o inglês, então isso foi um alerta para os estudantes interessados.    Os que foram estão se saindo bem, mas o que queremos é que esse estudante consiga passar as informações valiosas que aprendeu no exterior. Nós da SBPC, somos totalmente a favor de qualquer programa que propague a educação. Queremos dar condições necessárias para esses jovens transferirem


CT: Qual sua avaliação sobre a Rio +20? HN: Pra mim a Rio +20 foi uma grande decepção, mas pode ser que eu esteja errada. Vou deixar claro que quem esta falando é a Helena, cidadã brasileira, e não a presidente da SBPC. O que eu vi de positivo foi uma discussão na Pontifícia Universidade Católica (PUC) , que ocorreu dias antes do evento oficial “Ciência para desenvolvimento sustentável Global”, foi uma discussão interessante, cientistas colocaram suas propostas, umas antigas outras mais modernas. Foi uma conversa entre nós cientistas e não dos gestores. Então, entre nós tivemos troca de informações sobre as mudanças climáticas e outros assuntos relevantes, mas isto é um congresso científico, isso não é Rio +20. CT: Qual foi o ponto mais relevante da Rio +20? HN: Para mim o que realmente valeu à pena foi a popularização da ciência. O armazém do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), onde nós da SBPC trabalhamos junto

Na nossa cultura, estamos acostumados a esperar o governo fazer pela gente, isso vem de anos atrás, até os cidadãos mais letrados se comportam dessa forma (Helena Nader)

FOTO: ASCOM/SBPC

tudo o que eles aprenderam e devolvam ao seu país a educação que lhe foi proporcionada.

tivemos uma série de atividades com crianças envolvendo ciência, uma série de palestras e um dos destaques foi o parque os atletas. CT: O que o governo brasileiro poderia fazer para efetivar o desenvolvimento da região amazônica? HN: O Brasil poderia seguir o exemplo de alguns dos países de primeiro mundo, que têm uma política de Estado de verdade, pois quando você vê o financiamento do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, percebe que ele só cresce, ele não tem baixas porque os americanos cobram dos seus legisladores.  O Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, em meio à crise, aumentou os investimentos no que era necessário. A China também aumentou seus investimentos. Então, ou o Brasil segue esse exemplo, dos países de primeiro mundo, ou vamos ter que ver a Amazônia ser estudada por estrangeiros, e é o que está acontecendo. Agora eles não podem dizer, que nós cientistas e professores, não alertamos.

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FIQUE CIENTE

1 Incubadora

A nova instalação da Incubadora de Empresa do Inpa foi inaugurada ainda no primeiro semestre de 2013. A incubadora constitui-se como uma forma de traduzir o conhecimento gerado nas pesquisas em desenvolvimento econômico e criação de riqueza. Serve como incentivo à formação de empreendedores de base tecnológica e dos setores tradicionais em áreas compatíveis com as atividades regionais.

Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - Inpa/MCTI

@Ascom_Inpa

digital.inpa@gmail.com

2 Produtos no mercado

Quatro processos desenvolvidos no Inpa estarão nos próximos anos no mercado consumidor. A farinha de pupunha integral, o processo de obtenção de Zerumbona isolada dos óleos essenciais das raízes de zingiber l. Smith, a composição farmacêutica compreendendo extrato de zingiber zerumbet (gengibre amargo) e purificador de água.

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3 R$ 65 mil para o Inventário Florestal da Amazônia

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) irá investir R$ 65 milhões para o Fundo Amazônia com o objetivo da implementação do Inventário Florestal Nacional (IFN) no Bioma Amazônia. O inventário possibilitará o monitoramento e o aprimoramento da gestão dos recursos florestais. A conclusão do inventário será de 4 anos. O Inpa, por meio do Laboratório de Manejo Florestal (LMF), desenvolve desde 2004 o Inventário Florestal Contínuo (IFC) do Amazonas.

4 Patentes

Segundo dados divulgados pelo Instituto de Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), os pedidos de patentes entre os anos de 2011 e 2012 houve um crescimento de 6%, incluindo pedidos nacionais e estrangeiros. O Inpi aponta como principal fator o aumento da produção e inovação no Brasil realizado por centros de pesquisas, universidades e institutos de pesquisas. Só no Inpa, o pedido de patentes teve nos últimos seis anos um incremento médio de 20% ao ano, representando um total de 74 pedidos. De acordo com o ranking publicado pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual e pelo Instituto Insead, o Brasil está na 58ª posição no ranking de países inovadores.

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Agilidade

Para estimular ainda mais o crescimento dos pedidos de patentes nacionais, o Inpi lançou a plataforma online para o depósito de patentes e registro de marcas, o e-patentes/depósitos. O novo sistema promete tornar as solicitações mais simples, podendo o pedido de patente e o acompanhamento ser feito via internet. 53


ILUSTRAÇÕES: FERNANDO NETO

SESSÃO INFANTIL

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Era uma vez... Um sedutor ameaรงado, o botovermelho! POR Sร FORA ANTELA

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O

lá! Estou aqui para me apresentar e contar a minha história. Espero que ao final dela você possa se tornar meu amiguinho e me ajudar a viver feliz pelos rios da Amazônia.  Eu me chamo boto-vermelho. Também sou conhecido como boto cor-de-rosa, mas os cientistas preferem me chamar de Inia geoffrensis. Há muitos anos, os indígenas que moravam na região amazônica às margens do Rio Negro chamavam-me de Piraia-guará. Pira significa peixe; iara, mãe d’água, e guará é vermelho. Eles pensavam que eu era um peixe, porque vivo na água, mas eu não sou. Eu sou um mamífero aquático. Meu corpo é rosado e quando a luz do sol bate na água escura do Rio Negro, eu pareço avermelhado, por isso que fiquei conhecido como “boto-vermelho”.  Quem escreveu sobre mim pela primeira vez foi um estudioso baiano chamado Alexandre

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Rodrigues Ferreira. Esse moço era muito inteligente, por isso ele ajudou muito a ciência na época em que o Brasil ainda era colônia de Portugal. Ele fez muitas viagens para a Amazônia e escreveu cartas contando tudo que via. Numa delas, ele escreveu, assim:  “Parece peixe, sendo que realmente não é, segundo os caracteres que tem muito alheios aos daquela classe...”  Eu sou o maior golfinho de água doce do mundo. Um boto adulto macho, igual a mim, pode chegar até dois metros e meio de comprimento e pesar mais de 180 quilos. As fêmeas são menores. Elas atingem pouco mais de dois metros e pesam 150 quilos.  Eu sou diferente de todos os outros golfinhos. Meu corpo é flexível, por isso, eu sou capaz de me dobrar e me contorcer. Por eu ser assim, consigo nadar com facilidade pela floresta alagada. É o meu lugar favorito para fazer um lanchinho.


Eu sou um excelente nadador. Sou muito veloz e esperto. Minhas nadadeiras peitorais (braços) são grandes, largas, na forma de um remo. Eu consigo até fazer movimentos circulares com ela. Isso me permite manobrar entre as árvores que estão debaixo d’água a procura de peixe para eu me alimentar.  Também enxergo muito bem, apesar de meus olhos serem bem pequenos. Mas o meu forte é a ecolocalização. E-CO-LO-CA-LI-ZA-ÇÃO? Você deve ter se perguntado. É isso mesmo! Ecolocalização é um som que eu faço quando estou nadando. Esse som me permite perceber tudo o que está ao meu redor.  Eu vou te explicar melhor como isso acontece:  Você percebeu que eu tenho uma cabeça engraçada? Parece que eu carrego um melão na testa, né? É por causa desse “melão” que eu emito esses sons. O som, ao “tocar” em alguma coisa, como um cardume, por exemplo, ou apenas um peixe, um galho ou uma árvore

da floresta alagada - o igapó -, retorna para mim em forma de eco. Você já gritou em um ambiente fechado e ouviu sua própria voz? Como se você estivesse falando com você mesmo? É mais ou menos assim que acontece. O mais interessante de tudo é que, por causa desses ecos, eu consigo saber o tamanho, distância e a textura dos objetos. Hã? Isso é mesmo possível? Tenho certeza que você se perguntou. Sim, é sim. Parece coisa de superherói, não é?  Ah! Eu já te contei que eu mudo de cor, conforme eu vou crescendo? Não? Então vamos lá. Quando eu nasci, eu era bem cinza, conforme eu fui crescendo, fui ficando rosa. Nós, machos, somos mais rosados que as fêmeas na fase adulta.  Mas as fêmeas não deixam de ser lindas porque são menores e menos rosadas. Eu sou até suspeito pra falar porque adoro namorálas. Quando eu olho para uma fêmea e me

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interesso por ela, ofereço flores. Isso me faz um galanteador. Eu sou romântico. Assumo. Afinal, as fêmeas precisam ser tratadas com carinho porque são elas que carregam e amamentam nossos filhotes.  Uma fêmea está pronta para ser mãe quando completa sete anos de idade. Ela carrega o bebê boto na barriga por 11 meses. Dois meses a mais do que sua mãe carregou você na barriga dela. A fêmea só tem um filhote por vez. Até hoje, ninguém viu uma mãe boto grávida de gêmeos. A minha mãe me amamentou por dois anos e eu só fui ter um irmãozinho quando fiz três anos.  Geralmente, eu gosto de ficar só, mas de vez em quando me encontro com alguns amigos para pescar uns peixinhos. Sou muito curioso, gosto de saber de tudo o que está acontecendo ao meu redor, por isso, já falaram tanta coisa sobre mim. Acredita que já disseram que eu me transformo em homem nas noites em que se comemoram o aniversário de Santo Antônio e saio por aí namorando as moças da festa? 58

É verdade que eu sou um romântico. Eu realmente sou namorador. Que tenho poderes quase que de super-heróis também, mas estou longe de virar homem para namorar belas mulheres. Eu gosto mesmo é da botinha. Por ela, eu até brigo com outros machos. Posso até ficar todo machucado, mas para conquistá-la sou capaz de tudo.  Essa história de virar homem faz parte do folclore caboclo. É uma lenda criada há muitos anos. Existem outras muitas lendas sobre mim. Dizem que eu salvo as mulheres que estão se afogando, dizem que eu viro a canoa dos pescadores. Mas isso tudo não passa de “história para boi dormir”.  Eu até ficava chateado com esse monte de coisas que diziam sobre mim, mas por outro lado era até bom. Você deve estar achando que eu sou maluco de achar legal que falem mal de mim, certo? Pode até parecer estranho, mas ninguém mexia comigo. As pessoas tinham medo de mim. Me respeitavam. Só que agora isso não acontece mais. Essas lendas foram


perdendo força e as pessoas passaram a não mais acreditar que eu pudesse ser ou fazer tudo isso. Por conta disso estou sofrendo muito. Muitos amigos meus morreram. E não foi porque ficaram velhos, foi porque eles foram caçados.  Isso é muito triste, eu sei. Já perdi minha mãe, meu pai e meus irmãos. Tudo porque os caçadores usam a nossa carne para pescar um peixe horroroso chamado de “piracatinga”. Até o nome dele é feio. Esse peixe come carne de animais mortos, acredita? Como nós somos grandes, alguns até gordinhos e temos um cheiro bem forte, que atrai a piracatinga, somos a isca ideal, segundo os pescadores, para capturar esse peixe.  Um amigo meu que mora lá na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, perto do município de Tefé, aqui mesmo no Amazonas, disse para mim que ele participa de um projeto muito legal chamado Projeto Boto, desenvolvido por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, o (Inpa/ MCTI), junto com a Associação Amigos do

Peixe-boi, a Ampa.  Nesse projeto, uma pesquisadora chamada Vera da Silva, amiga desse meu amigo, descobriu que os botos que moram nessa reserva estão desaparecendo. Muitos botos foram mortos para serem iscas para pescar essa tal piracatinga. Eu estou tão assustado. Fiquei com tanto medo de também morrer, como aconteceu com a minha família e amigos.  Nós somos animais muito importantes. Comemos peixes que não estão muito bem de saúde, assim vocês, seres humanos, não vão comer peixes doentes e ficar doentes também. Você deve pensar que se a minha espécie desaparecer, os peixes vão ficar muito felizes, afinal, eles são caçados por mim. Na verdade, não é bem assim que funciona. Se eu morrer, vai haver um desequilíbrio muito grande na natureza. Tudo vai virar uma bagunça e todos vão sofrer com isso. Eu moro na Bacia Amazônica. Todos da minha espécie só moram aqui, em mais nenhum outro lugar, por isso dizem que somos endêmicos da região. 59


Agora você já sabe tudo sobre mim. Sabe que eu sou um bom nadador, sabe que eu sou romântico, porque me chamo “boto-vermelho”, que tenho uma grande importância no meio ambiente, porque sou um animal topo da cadeia alimentar, sabe que no lugar onde eu moro tem muitos peixes e por minha causa o ambiente é saudável. Por isso, quero pedir a sua ajuda.  Sem ela posso desaparecer do planeta. Eu sou constantemente ameaçado pelas ações do homem. As principais delas são: a caça; a destruição do habitat, que é o lugar onde moramos; capturas acidentais em redes de pesca; hidrelétricas que atuam como barreiras e isolam populações, empobrecendo geneticamente a minha espécie; e atualmente, como eu já te contei, eu tenho sido morto propositalmente por pescadores que utilizam a

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minha carne para a pesca da piracatinga, que no supermercado é vendida com o nome de douradinha.  Para se tornar meu amiguinho, basta fazer algumas coisas simples, como: jogar o seu lixo no lixo, quando possível até reciclar latas, garrafas e papeis; não desperdiçar água, fechando a torneira enquanto escovar os dentes; não criar animais silvestres como bichos de estimação; não comer piracatinga (ou douradinha) porque ela pode ter sido pescada com pedaços de boto; e viver em harmonia com o Planeta Terra.  Conte essa história para todos os seus amigos e seus familiares, assim todas essas pessoas podem também se tornar meus amigos e me ajudar a salvar a minha espécie. Conto com a sua ajuda, amiguinho!


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Vamos recortar e montar um boto-vermelho? Atenção: Peça ajuda de alguém mais velho, como a mamãe ou o papai, para recortar o boto e não correr o risco de se machucar.

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CONHEÇA O INPA

FOTO: EDUARDO GOMES

ILUSTRAÇÃO: JULIANA LIMA

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TABAJARA MORENO

HÁ MAIS DE MEIO SÉCULO GERANDO E DISSEMINANDO CONHECIMENTOS E TECNOLOGIAS PARA A REGIÃO AMAZÔNICA


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