Ciência para todos - Nº. 02

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INPA Revista de divulgação científica do

Ciência para todos Nº 02 - ano 1 (distribuição gratuita) ISSN 19847653

Há 55 anos valorizando o homem e revelando os mistérios da Amazônia Vidas dedicadas à pesquisa

Reaproveitamento de recursos finitos

Inpa se integra à comunidade



EDITORIAL

Que venham mais 55 anos

C

onsolidação da presença na Amazônia. É desta forma que o Instituto de Pesquisa da Amazônia (Inpa) pode resumir sua caminhada nos últimos 55 anos. Implantado em um terreno de mata alta com uma única trilha de barro, o Instituto contava, apenas, com a vontade de homens e mulheres de coragem que viram naquele cenário o quadro perfeito para iniciar uma trajetória de pesquisas que desvendariam os mistérios por trás de uma área equivalente a 60% do território brasileiro, invejada por sua biodiversidade infinita. Hoje, a principal unidade do Inpa, localizada na estrada do Aleixo, é referência em pesquisa e preservação de meio ambiente. É possível encontrar em seus mais de 379 mil metros quadrados, espécies típicas da fauna e flora amazônica que convivem harmoniosamente com mais de 200 pesquisadores. E para mostrar que a pesquisa não tem fronteiras, o Inpa já instalou núcleos nos estados de Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Maranhão, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. A infra-estrutura do Instituto é composta, além da sede principal, de três campus (Aleixo I, Aleixo II e V-8); reservas Adolpho Ducke, Walter Egler, Ouro Preto d´Oeste (RO), Biológica da Campina, Biológica do Cuieiras; quatro estações experimentais (Silvicultura Tropical, Fruticultura, Hortaliças e Agricultura de Várzea); duas bases flutuantes de pesquisa (Catalão, no Encontro das Águas, e Tarumã, no Rio Negro); o laboratório flutuante Herald Sioli, na Ilha da Manchanteria e o barco de pesquisas Amanaí II. Por tudo isso, nada mais justo que dedicar essa edição às pessoas e às descobertas que fazem desse

Instituto fonte inesgotável para jornalistas, turistas, pesquisadores, estudantes ou apenas, curiosos da Amazônia. E para abrir nossa revista trazemos uma entrevista exclusiva com o diretor do Inpa, Adalberto Luis Val, que aponta a importância do Instituto como resposta para muitas das dúvidas da sociedade. Importância essa referendada pelos parceiros do Inpa, que fizeram questão de deixar seu testemunho. A potencialidade dos frutos típicos da região também é abordada em duas reportagens: uma sobre a pupunha e o buriti, que pode ser usado na produção de cosméticos naturais; e, outra enfocando açaí e camu-camu, entre outros, indispensáveis ao bom desenvolvimento de diferentes segmentos populacionais, em particular pré-escolares, gestantes e nutrizes. Não podemos esquecer de informar sobre os projetos do Inpa para auxiliar a floresta a preservar seus recursos, como é o caso do projeto de manejo florestal e do uso consciente dos resíduos da madeira. Também destacamos alguns dos personagens que brilham quando o assunto é pesquisa, como é o caso do pesquisador Mário Cohn-Haft, especialista em canto de pássaros, da pesquisadora Ilse Walker, que vem dedicando a vida ao estudo da Amazônia, e do arquiteto Mário Severiano Porto, responsável pela estrutura física do Instituto. Sabemos que o espaço é pouco para tanta informação produzida por este instituto, mas acreditamos que alcançamos nosso objetivo de divulgar os mistérios da Amazônia, baseados em conhecimento científico e não em mitos. E que venham mais 55 anos!

EXPEDIENTE Luís Inácio Lula da Silva Presidência da República Sérgio Machado Rezende Ministro da Ciência e Tecnologia Adalberto Luis Val Diretor do INPA Wanderli Pedro Tadei Vice-diretor do INPA Sérgio Fonseca Guimarães Chefe de Gabinete Estevão Monteiro de Paula Coordenador de Ações Estratégicas - COAE

Beatriz Ronchi Teles Coordenadora de Capacitação - COCP Lucia Yuyama Coordenadora de Pesquisas e Projetos - COPE Carlos Roberto Bueno Coordenador de Extensão COXT Tatiana Lima da Silva (MTB 4214/MG) Coordenação de Comunicação Leila Ronize (MTB 179/AM) Jornalista Responsável

Redação Daniel Jordano Eduardo Gomes Hemanuel Jhosé Larissa Veloso Leila Ronize Lisângela Costa Mário Bentes Romulo Araújo Tabajara Moreno Tharcila Martins Projeto Gráfico Leila Ronize Rildo Carneiro Diagramação Rildo Carneiro (MTB-004/AM) Editor de arte Márcio Alexandre

Fotos da capa: Anselmo D’Affonseca, Eduardo Gomes, Mário Bentes e Tabajara Moreno

3 Av. André Araújo, 2936 - Aleixo, CX P.478, CEP 69060-001 - Fone: 02 3643-3100 Fone/fax: 92 3643-3104, Manaus - Amazonas - Brasil Site: inpa.gov.br, e-mail: ascom@inpa.gov.br


Não mate a mata Pesquisa realizada como tese de mestrado pela engenheira florestal Cristina Galvão Alves, quando se especializava em Ciências de Florestas Tropicais pelo Programa de PósGraduação do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em 2000, constatou – a partir do estudo de caso de uma das maiores madeireiras da região, localizada em Itacoatiara (a 175 quilômetros de Manaus em linha reta) – que apenas 30% da madeira retirada das florestas da região é plenamente utilizada no beneficiamento de mercado. Todo o restante é simplesmente jogado fora e pior: ainda vira poluição na natureza, já que boa parte do que não é aproveitado é queimado a céu aberto.

Sumário

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Os frutos da Saúde

Pesquisadora Lúcia Yuyama vem desenvolvendo estudos na linha de diagnóstico das condições de saúde e nutrição envolvendo diferentes segmentos populacionais, em particular pré-escolares, gestantes e nutrizes. Na linha de frente dos frutos que tem viabilidade nutricional está o Camu-camu (Myrciaria Dubia H.B.K McVaugh), considerado o mais rico em vitamina C do mundo. A pupunha, o tucumã, o buriti e o umari são fontes de provitamina A, energia, fibra alimentar e elementos minerais. Já o açaí tem fibra alimentar e antocianina (antioxidante natural).

Aproveitamento da madeira O laboratório de Engenharia de Artefatos de Madeira (LEAM) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), tem como missão incentivar a busca de novas tecnologias para aproveitar ao máximo um recurso finito. O projeto de reaproveitamento de madeira (neste caso madeira certificada), serve também como alternativa econômica para quem participa dos projetos. Agendas, peças decorativas, brinquedos, portas retratos, escrivaninhas e mesas, tudo produzido com resíduos seguindo a máxima de Lavoisier (e por que não dizer da floresta) onde nada se perde, tudo se transforma.

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MÁRIO BENTES

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Equipamento movido à energia solar é aliado das comunidades amazônidas

Pupunha e buriti são matéria-prima de biocosméticos

Representantes de institutos referendam importância do Inpa para a região

Herbário do Inpa tem mais de 200 mil exemplares catalogados

Bosque da Ciência integra Inpa com comunidade 5


A pesquisa a

Amazônia N essas cinco décadas e meia o Inpa conquistou status no cenário científico a partir de um conjunto de contribuições, entre as quais as primeiras descrições sobre o ambiente amazônico, sua riqueza biológica e sua dinamicidade. Hoje, focado na Biodiversidade, Sociedade & Ambiente, Tecnologia & Inovação e Dinâmica Ambiental, os estudos desenvolvidos pelo Instituto têm permitido intervenções mais seguras na região, bem como as bases para alternativas de inclusão social e geração de renda, sempre tendo como objetivo manter a floresta em pé. Em entrevista exclusiva para a Revista do Inpa, à repórter Leila Ronize, o diretor doutor Adalberto Luis Val traça um panorama sobre a importância do órgão para a região e explica quais as ações desenvolvidas para levar à sociedade informações que garantam seu desenvolvimento.

Educação Ambiental

Raio X

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No cargo de diretor desde maio de 2006, Adalberto Val é pesquisador do Instituo desde 1981 e autor de mais de 100 trabalhos em periódicos nacionais e estrangeiros; mais de 20 capítulos de livros. É associado a várias sociedades científicas nacionais e estrangeiras, no âmbito das quais organizou 13 eventos, sendo nove internacionais. Tem participado de várias comissões de trabalho no Brasil e no Exterior. Orientou mais de 60 alunos de Iniciação Científica e mais de 50 profissionais em nível de mestrado, doutorado e pós-doutorado. Em 2000, na Inglaterra, foi incluído na Legião de Honra da Sociedade Americana Revista do INPA: São 55 anos de pesquisas a favor da Amazônia. Podemos enumerar os maiores avanços do Inpa nessa área? Adalberto Luis Val: A favor da Amazônia, do Brasil e do mundo. A Amazônia desempenha papel fundamental no contexto ambiental mundial e, portanto, estudar a Amazônia, com o nível de robustez realizado pelo Inpa, representa uma contribuição fundamental. Após 55 anos de contínua

de Pesca, Seção de Fisiologia; em 2002, recebeu a Comenda da Ordem Nacional do Mérito Científico e, em 2004, recebeu o “Prêmio Excelência” da mesma Sociedade Americana de Pesca em decorrência de sua contribuição científica na área de fisiologia e bioquímica de peixes. É bolsista de produtividade do CNPq. Em 2005 foi eleito membro titular da Academia Brasileira de Ciências. Em 2007 foi eleito Conselheiro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e Vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências para a Região Norte. Em 2008 recebeu a Grande Ordem do Mérito Legislativo do Estado do Amazonas. atuação, há um conjunto de legados que impõem ao Inpa mais e mais responsabilidades. Cada pesquisador que passou pelos laboratórios do Inpadeixou contribuições marcantes para esse conjunto que incluem desde os estudos básicos sobre a fisiografia ambiental, os diferentes tipos de habitats, a dinâmica desses ambientes e sua diversidade biológica, a biologia dos animais, das plantas e dos microrganismos, a interação desses organis-


a serviço da mos entre si e com seus ambientes, as doenças tropicais, o efeito das modificações climáticas sobre o ambiente, o homem da região, os impactos antrópicos sobre os delicados ambientes, novas tecnologias que proporcionam alternativas para melhorar os processos de inclusão social e geração de renda, fontes nutricionais alternativas, entre outros. Contudo, um dos mais importantes legados, desde os seus primeiros dias, é a capacitação de pessoal em todos os níveis para as tarefas amazônicas. Há, sem dúvida, na mesma dimensão amazônica, um conjunto de desafios a vencer e, entre eles, a popularização da informação, de todos os tipos e para todas as instâncias sociais.

estados: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Maranhão, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. O volume de especificidades dos ambientes nesses diferentes estados não encontra similaridade nos demais ecossistemas equivalentes do mundo. A rigor, a Amazônia é comparável a poucas outras formações, como é a Antártida e o Fundo do Mar. O Inpa é um dos maiores Institutos do Ministério da Ciência e Tecnologia e, na Amazônia, com o caráter de Instituto Nacional e da Amazônia, precisa procurar atender a demanda por informações relacionadas a todo o Bioma. É uma tarefa impossível, mas o INPA tem procurado expandir e consolidar estruturas por meio das quais pode ampliar as ações nos diferentes ambientes. Os três núcleos têm um papel fundamental para as ações do Instituto. Na atual administração temos procurado, com o decisivo apoio do MCT por meio da subsecretaria das Unidades de Pesquisas, consolidar esse papel, bem como expandi-lo para outras áreas da Amazônia, como é o caso do escritório em Santarém e do Projeto Fronteiras em São Gabriel da Cachoeira.

Revista do Inpa: Atualmente, o Inpa é referência mundial em Biologia Tropical. Que tipo de contribuiçãooInstitutoofereceuàsociedadenessaárea? ALV: O Inpa conquistou esse status a partir de um conjunto de contribuições pretéritas, entre as quais as primeiras descrições sobre o am“A pesquisa biente amazônico, sua riqueza biológica e sua dinamicidade. Revista do Inpa: Do ponto científica permite Nos tempos idos da década de de vista da pesquisa ciena consolidação da 1950 sabíamos muito pouco tífica, como podemos estisoberania. Só um sobre as macro-características mar o local que esta ocupa da região. Comparativamente, no Brasil e no Amazonas? país que se conhece sabíamos tanto sobre esses ALV: O Brasil ocupa hoje uma é soberano” aspectos amazônicos quanto posição invejável no cenário sabemos hoje sobre o que vai internacional no que se refere à escondido no nível molecular produção científica. Ocupamos do mundo particular dos orgaa décima terceira posição, à nismos vivos existentes na Amazônia. Naquele mofrente de diversos competidores tradicionais. Essa mento o Inpa ofereceu às sociedades amazônicas, produção é compatível com a representatividade da americanas e mundial as informações básicas que riqueza de nosso país. Contudo, esse momento só permitiram o desenho dos projetos de pesquisas refoi possível graças aos crescentes investimentos. volucionários em desenvolvimento a partir daquele É preciso, entretanto, ter em consideração que há momento, e que têm possibilitado demonstrar de uma clara percepção de que as decisões precisam forma inequívoca a importância da Amazônia para estar calcadas em informações robustas, informao mundo, não só por sua diversidade, que vai muições essas que só a Ciência pode prover. Essa perto além das cores e das formas, mas pelo papel cepção, antecipada no seio da sociedade que proque a floresta tem para redução dos efeitos amduz as informações, é encampada pelas instâncias bientais causados pela vida do homem moderno. responsáveis pela área de C&T do governo federal que passa a desenhar várias ações para estimular Revista do Inpa: O Inpa possui três núo avanço da ciência no país, incluindo nessas, a cleos de pesquisas localizados nos Estacapacitação de pessoal em nível de pós-graduação. dos do Acre, Roraima e Rondônia. PodeO Brasil passa a capacitar cerca de 10 mil doutores mos explicar o papel destes núcleos e a por ano e a incrementar de forma significativa a relação deles com o Instituto, em Manaus? produção científica veiculada nos principais periALV: A Amazônia ocupa uma área equivalente ódicos científicos do mundo. Simultaneamente, os a cerca de 60% do território brasileiro. São nove governos estaduais perceberam o poder da infor-

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mação. O exemplo da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) se difunde. No caso do Amazonas, há a implantação do Sistema Estadual de Ciência e Tecnologia que desempenha papel vital: cria as bases para a consolidação de um processo soberano para produção da informação necessária ao desenvolvimento, inclusão social e geração de renda em nosso Estado. Além disso, está servindo de exemplo a outros Estados da região que caminham a passos largos para implantação de seus sistemas estaduais de C&T e suas fundações de amparo à pesquisa. Assim, mais importante que a ampliação da participação do Estado do Amazonas na produção científica nacional, é a clara demonstração que é possível fazer Ciência de alto nível na Amazônia a partir de ações locais.

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ministração do Instituto. Além disso, os pesquisadores do Instituto, considerando a demanda por informações sobre a Amazônia, apresentaram projetos robustos junto aos muitos editais abertos pelo governo brasileiro. Também, o Instituto ampliou a cooperação nacional e internacional, como exemplos vitoriosos, tanto no que refere à aquisição de novo instrumental, como à ampliação da capacidade de processar e veicular a informação produzida. Contudo, há evidentemente ações que precisam ser desenvolvidas para que possamos melhorar ainda mais essa infra-estrutura ou acesso a ela. Entre essas ações estão aquelas relacionadas ao fortalecimento do quadro de pessoal que outrora forte e compatível com a demanda por informações sobre a região, é hoje frágil e tímido perante os enormes desafios para produzir as informações necessárias para intervenções seguras na região.

Revista do Inpa: A falta de recursos ainda é um dos maiores obstáculos para o avanço da pesquisa no Brasil? Revista do Inpa: Quais as ações que o Inpa ALV: Nos últimos anos avantem desenvolvido para amçamos de forma significativa pliar o processo de divulgação com relação ao financiamento da ciência para a sociedade? público da Ciência e Tecnologia ALV: O processo de divulgação “A Amazônia é no Brasil. Novos agentes, além de informações científicas não das tradicionais Agências feé um processo trivial se feito comparável a poucas derais (CNPq, CAPES e FINEP), de forma adequada. Os diversos outras formações, preocupados com a ampliação processos de difusão precisam como é a Antártida do financiamento da pesquisa ser respeitados integralmenlançam editais ou chamadas te para que se tenha sucesso. e o Fundo do Mar. O específicos. Também, vários os Um amplo atendimento requer INPA precisa procurar estados estruturaram seus sisformas diversas e diferenciadas temas estaduais de Ciência e de veiculação das informações. atender a demanda Tecnologia, tendo como braço Isso demanda igualmente propor informações operacional uma Fundação de cessos diversos para a decodifirelacionadas a todo Amparo à Pesquisa, como é o cação da informação científica, caso da Fapeam (Fundação de elaborada, primariamente, por o Bioma” Amparo à Pesquisa no Amacientistas valendo-se da linzonas). Contudo, ainda temos guagem regular de comunicaum longo caminho até que ção com seus pares, linguagem nos alinhemos com os prinessa quase sempre hermética cipais países do mundo e reduzamos os imensos e codificada relativamente às diferentes áreas do desequilíbrios entre as diferentes regiões do nosconhecimento. Assim, o processo de decodificaso país. Aliás, enquanto regiões como a Amazônia ção requer a interação de profissionais experientes não tiverem condições adequadas para se conhepara acessar a informação, reorganizá-la e codificácer cientificamente e, portanto, se mantiverem la de acordo com o público alvo. Assim, divulgar vulneráveis, será necessário expandir os invesciência, uma atividade vital no mundo moderno, timentos. Nessa região, além dos recursos finanrequer conhecer-se de antemão a quem se destina ceiros para infra-estrutura e custeio, há necessio material que se vai divulgar. E não basta ter apedade de pessoal qualificado que se fixe na região. nas uma informação superficial sobre esse público alvo. São necessárias informações sobre aspectos Revista do Inpa: E como o Inpa vem reculturais, escolaridade média, interesses gerais e solvendo o problema de falta de recursos específicos, ambientes sociais, nível de informação para a pesquisa que, por ventura, aparece? sobre os assuntos que serão divulgados, entre ouALV: Nos últimos anos o Inpa foi significativatros. É a partir desse conjunto de informações que mente bem-sucedido na busca de apoio para meo nível da interlocução é calibrado. Dessa forma, lhorar e consolidar a infra-estrutura institucional. quando bem dimensionada, informações de todos Um amplo conjunto de ações para a recuperação os tipos interessam e podem ser divulgadas para de estruturas importantes para o trabalho de pesa sociedade. A partir dessas premissas o Inpa tem quisa foi colocado em prática, graças aos recursos procurado divulgar os resultados de seus trabalhos obtidos por meio de projetos elaborados pela adde pesquisas por meio de muitas ações que incluem


desde visitas a setores da Instituição, como é o Bosque da Ciência, o Jardim Botânico, participação em programas televisivos, rádio, palestras, cursos, transferëncia de tecnologias, oficinas, seminários até, mais recentemente, o lançamento da Revista de Divulgação Científica do Inpa.

profunda discussão para escolher caminhos, definir interesses e metas para selecionar as melhores propostas para viabilizar os produtos. É uma evolução contínua, fazendo cada dia diferente, sem monotonia. Contudo, o fazer científico é uma atividade social e, portanto, é salutar reunir os profissionais e colocá-los frente a frente com os desafios pensados por cada um para que, sem abdicar do livre pensar, possamos alinhar os fazeres com as metas institucionais e com as demandas da sociedade. A Amazônia ocupa, como disse, uma posição de destaque no cenário mundial. Qualquer intervenção segura requer informações diversas cuja produção requer ações coordenadas e interações entre os diferentes grupos de pesquisas.

Revista do Inpa: Quando se fala em floresta, os olhos do mundo se voltam para a Amazônia e logo as pessoas começam a imaginar que aqui há a resposta para todos os males. Do ponto de vista científico, o que podemos apontar como solução que vem da floresta? ALV: Os 55 anos de pesquisas do Inpa indicam claramente que sabemos muito pouco sobre a floresta e as intermináveis delicadas interações orgânicas abrigadas em seu seio. Não há dúvidas que Revista do Inpa: Ao completar 55 anos o Inpa ao longo do processo evolutivo essas interações está focado em quatro pautas: tecnologias, foram sendo moldadas para permitir a vida em sua biodiversidade, a relação saúde-homem-meio integralidade a despeito das enormes pressões amambiente e, estudos relacionados aos serviços bientais e biológicas reinantes no ambiente amaambientais e a problemática das mudanças climázônico. Essa característica associada a uma diverticas. De que forma o Instituto vem trabalhando sidade biológica sem paralelo no planeta permite nessas grandes áreas e qual a importância desse digressões de que as saídas trabalho para a sociedade? para todas as mazelas da huALV: Permita-me assinalar manidade estão escondidas na os quatro focos institucionais: floresta amazônica. Com base Biodiversidade, Sociedade & “Há uma clara no conhecimento que acumuAmbiente, Tecnologia & Inodemonstração de lamos, podemos dizer que o vação e Dinâmica Ambiental. A que sabemos sobre a floresta definição deles está se dando que é possível fazer não permite nem dizer que esnum momento especial de nosCiência de alto nível sas digressões são verdadeiras sa instituição e busca reduzir as nem que são falsas. Também distâncias entre setores instituna Amazônia a partir como base nesse conhecimencionais que lidam com aspectos de ações locais” to, temos certeza que a florelacionados ou co-relacionaresta pode contribuir de forma dos, mas que não apresentam espetacular com os processos uma interlocução efetiva. Aprode geração de renda e incluximando esses setores buscasão social, sem necessidade de dizimá-la. Invesmos explorar interfaces e melhorar a produção de tir nos processos de produção de conhecimento informações sobre a Amazônia, permitindo aproveipara poder estruturar de forma efetiva as cadeias tar melhor os esforços. Ao longo de seus 55 anos produtivas é um dos caminhos. Também, as noo Inpa estruturou e consolidou diversos grupos de vas tecnologias, falo da biotecnologia e da nanopesquisas, hoje cadastrados no banco de grupos de tecnologia, terão muito a contribuir no caso da pesquisas do CNPq, que estudam diversos aspectos Amazônia, pois poderão ajudar a estruturar novas relacionados a esses focos. Os estudos pretéritos e alternativas para geração de renda. A diminuição presentes desenvolvidos por esses grupos têm perdos conflitos com relação a dicotomia: manter a mitido intervenções mais seguras na região, bem floresta em pé e gerar renda, só será possível com como as bases para alternativas de inclusão social a geração dessas alternativas. A Ciência e a Edue geração de renda com a manutenção da floresta cação são os únicos caminhos possíveis para isso. em pé, tendo em vista que o atual estágio de desenvolvimento das sociedades impõe uma pressão Revista do Inpa: Atualmente, o Inpa vem passem precedentes sobre os recursos naturais, em sando por um processo de reavaliação e reorparticular aqueles existentes nos países em desenganização. Quais resultados podemos esperar? volvimento. Contudo, é vital expandir a capacidade ALV: O fazer científico é uma atividade dinâmide produção de tais informações, em particular por ca. Por um lado impõe ao cientista um olhar semmeio da fixação de pessoal qualificado na região. pre a frente de seu tempo e alinhado com as mais recentes tecnologias e, em alguns casos, com as Revista do Inpa: Qual a importântecnologias que serão utilizadas amanhã. Por outro cia do incentivo à pesquisa para um país? lado, impõe às instituições um contínuo repensar ALV: A pesquisa científica permite a consolidação e reorganizar e às agências de financiamento, uma da soberania. Só um país que se conhece é soberano.

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Pesquisa Social

A solução que vem do

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> Por Tabajara Moreno

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m equipamento portátil, movido a energia solar e capaz de desinfectar por hora até mil litros de água poluída, sem gerar nenhum resíduo nocivo ao meio ambiente, pode ser um forte aliado na geração de água potável para comunidades Amazônicas. Em muitas delas, a ausência de saneamento básico, energia elétrica e a inexistência de um sistema público de saúde que atenda as condições mínimas da população, acaba criando um cenário tenebroso para os moradores. O equipamento, que foi batizado de Água Box,

funciona de maneira simples, a partir dos mesmos princípios usados há mais de 60 anos em outros equipamentos que fazem purificação de água por meio da radiação ultravioleta (UVC). O processo é o mais antigo e natural que existe. Dentro do equipamente a água contaminada é submetida à purificação pela UVC gerada artificialmente por uma lâmpada de vapor de mercúrio. Os raios UVC penetram o corpo dos microorganismos maléficos, presentes na água, atacando e destruindo a estrutura do DNA destes. Depois da ação, a água fica livre de germes e bactérias e boa para o consumo humano.


A adição da energia solar a esse processo foi uma inovação do pesquisador do Laboratório de Energia Solar Renovável do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Roland Ernst Vetter. Mas o idealizador do Água Box não pensava em criar o equipamento até um breve contato com o pastor evangélico Walter Sass, que presta assistência aos índios Deni, da comunidade Morada Nova, localizada no município de Itamarati, distante 1500 km de Manaus em linha reta. Na conversa, que aconteceu no fim de 2007, Vetter perguntou ao pastor se a comunidade teria interesse em receber uma máquina de seca-

fotos: Acervo/Laboratório de Energia Solar

éu

O equipamento consegue tratar 400 litros de água a cada hora, mas com reatores de potência mais elevada, será possível desinfectar até mil litros por hora

gem solar de madeira desenvolvida pelo Inpa, mas Sass contou que a maior dificuldade enfrentada na comunidade era o acesso à água potável. O problema pode ter sido responsável por uma tragédia ocorrida no início de 2004. Naquele ano, onze índios, dentre eles cinco crianças, morreram vítimas de vômito e diarréia. Vetter assumiu o desafio de idealizar um equipamento que pudesse, sem muitos recursos, gerar água potável em condições extremamente remotas. Mas engana-se quem pensa que o processo foi fácil. O pesquisador conta que

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Equipamento garantirá água potável aos índios Deni na comunidade Morada Nova, localizada no município de Itamarati

demorou mais ou menos um ano para chegar ao Água Box. “Aperfeiçoamos o projeto durante um ano até levarmos à comunidade”, conta.

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em uma mala. Essa estação é composta por uma mangueira que leva a água até a caixa, uma bomba de sucção ligada a dois painéis solares de 80W cada, uma bateria de 12 volts para armazenagem da energia solar, uma lâmpada de 11w – que emite a luz ultravioleta, o filtro para reter as partículas grandes, o reator Purion 500 e um painel solar com 50W de potência.

Antes instalar o primeiro protótipo do Água Box na comunidade Morada Nova, em dezembro de 2008, o pesquisador fez um teste, um mês antes, no lago amazônico do Bosque da Ciência do Inpa para verificar se a água saída do apareNessas condições, o equipamento consegue lho era realmente potável. Altamente contamitratar 400 litros de água a cada hora. Mas com nada por excrementos de peixe-boi, tartarugas, reatores de potência mais peixes, pássaros e outros elevada, o pesquisador afiranimais, a água do lago foi ma que é possível desinfecbombeada até a caixa d’água Sem deixar resíduos tar até mil litros por hora. da estação experimental de no meio ambiente, o “Ao criar o equipamento, purificação do Água Box para nosso foco era fazer algo verificar se o equipamento era equipamento compacto que pudesse ser capaz de desinfectar a água. desinfecta, através da aplicado, sem grandes dienergia solar, até mil ficuldades na comunidade O pesquisador conta que dos Deni, mas existem reacoletou três amostras dislitros de água tores com capacidade mais tintas de água para verifipor hora elevada. Já prevemos, com car o nível de contaminação uma firma na Alemanha, microbacteriana. Uma das um sistema que filtra mil amostras foi coletada diretalitros por hora. Como trabalhamos com enermente do lago, a outra da água filtrada e, por gia solar de 12 volts, não podemos exagerar. último, uma amostra da água saída do Água Com energia comum, o sistema quase não tem Box. O resultado foi animador. “Submetemos as limite de desinfecção”, fala o pesquisador. três amostras a meios de cultura pré-bacteriana para comprovar o grau de limpeza ou poluição. Para ele, além de ser útil às comunidades peA combinação mostrou que a água tratada no quenas, a atual formatação do Água Box pode ser Água Box é totalmente limpa”, relata Vetter. usada pelo Exército Brasileiro nas operações de Praticidade selva, por grupos que realizam excursões na região amazônica, como também pode ser utilizado A estação de tratamento é compacta, cabe pelas embarcações de pequeno e grande porte.


A expectativa do pesquisador é de que a máquina chegue logo ao mercado produtivo. “Estamos procurando uma empresa para produzir. Entramos em contato com uma empresa alemã. Em julho ou agosto vamos montar uma caixa pronta para que o equipamento possa ser produzido e comercializado”, fala Vetter. A máquina, juntamente com a

placa de energia solar e o sistema de bombeamento de água, custa, aproximadamente, R$ 8 mil. O pesquisador estima ser ainda mais baixo, o custo para a manutenção do equipamento, algo em torno de R$ 200, o equivalente a troca semestral da lâmpada e do filtro de água.

A estação é composta por uma mangueira, uma bomba de sucção ligada a dois painéis solares de 80W cada, uma bateria de 12 volts, uma lâmpada de 11w, filtro para reter as partículas grandes, reator Purion 500 e painel solar com 50W de potência

Pesquisa indica que 80% das águas dos igarapés de Manaus estão comprometidas De acordo com uma pesquisa desenvolvida na Coordenação de Clima e Recursos Hídricos do Inpa, entre abril de 2004 e setembro de 2006, 80% das águas dos igarapés que entrecortam a cidade de Manaus estão comprometidas pela poluição do esgoto urbano despejado diretamente no leito dos igarapés. Os outros 20% representam as nascentes das três bacias que ainda estão preservadas. O tipo de sistema de desinfecção de água, usado pelo Água Box, pode ser aperfeiçoado para o tratamento do esgoto antes dele ser despejado nos igarapés. Para que isso ocorra, o pesquisador Roland Ernst Vetter conta que basta a água ser filtrada e as partículas sólidas retiradas antes de entrar no aparelho, pois a luz ultravioleta não consegue agir se a água for turva. Com 80% de transparência, a luz UVC já consegue agir de maneira eficaz.

“Investir em equipamentos que tratam o esgoto, antes dele ser introduzido no meio ambiente, é uma forma de economizar verba pública”, afirma Vetter. A recuperação do Tietê, em São Paulo, já custou mais de US$ 2,6 bilhões aos cofres públicos. Com algumas adaptações, o Água Box pode reduzir os impactos ambientais e financeiro, já que um equipamento capaz de filtrar até mil litros de água por hora custa em torno de R$ 8 mil, e R$ 200 para manutenção. O experimento de Vetter vem solucionar uma prática pouco consciente: não basta ao homem tratar apenas a água que ele consome e não se preocupar com o destino e a qualidade da água que ele despeja no meio ambiente. Essa prática egoísta é a maior responsável pela poluição dos recursos hídricos.

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No Inpa nada se perde tudo se

transforma

fotos: tabajara moreno

Manejo Florestal

Os projetos desenvolvidos pelo laboratório de Engenharia de Artefatos e Madeira de missão de aproveitar, ao máximo, os recursos finitos

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> Por Daniel Jordano

T

udo começa com um barulho alto, que geralmente pode ser ouvido de longe na mata. Depois vem outro barulho, o das correntes pontadas da motosserra cortando o tronco e logo a árvore vem abaixo. Serra, derruba, serra de novo, transporta, mede e depois vende. Em poucas palavras é esse o processo que a madeira sofre para ser beneficiada, mas nessa engrenagem, assim como em todo o sistema capitalista, há falhas no que podemos chamar de “linha de produção” florestal, e esses “equívocos” refletem diretamente na questão ambiental, principalmente na Amazônia. O comércio da madeira tem duas faces: uma legal, onde ela é manejada e há toda uma preo-

cupação com o meio ambiente e a outra que estampa as páginas dos jornais do mundo todo, o desmatamento. Quando falamos na segunda face, estamos falando também de uma prática econômica devastadora, seja ela feita tanto por pequenos produtores, quanto por grandes latifundiários, incluindo muitos políticos. E é justamente na missão de incentivar a busca de novas tecnologias para aproveitar ao máximo um recurso extremamente finito, que entram os projetos desenvolvidos pelo laboratório de Engenharia de Artefatos de Madeira (LEAM) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), coordenado pela doutora Claudete Catanhede. Em 2000, com aprovação do projeto “Características tecnológicas de árvores tropicais


por método destrutivo e não destrutivo”, e em 2002 com o projeto “Aproveitamento de Resíduos Madeireiros para fabricação de Produtos Aplicando o Princípio da Modularidade”, foi possível verificar se realmente seria possível concretizar as idéias, através da aquisição de equipamentos necessários para a implementação.

mento Científico e Tecnológico (CNPq), no mesmo segmento da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). No sentido de aplicação dos conhecimentos vieram outros dois de inclusão social: dos instrumentos musicais realizado no bairro Armando Mendes e outro financiado pela Fapeam em Novo Airão”.

Novas tecnologias embasadas no conhecimento científico servem como alternativa econômica para quem participa dos projetos do INPA, que utilizam resíduos de madeiras certificadas na produção de agendas, peças decorativas, brinquedos, portas retratos, escrivaninhas e mesas

De acordo com a pesquisadora, por cada tora de madeira extraída, cerca de 70% do material são perdidos durante o processo que vai do corte até a serraria. “Não levam em consideração a qualidade da madeira, se ela é oca por dentro o que é característica de algumas espécies e grande parte dessa madeira é perdida no corte. Todo resíduo, se transformado e reaproveitado, gera em torno de R$ 2,5 mil, tudo isso desperdiçado por falta de conhecimento técnico’’, afirma a pesquisadora. Além de divulgar novas tecnologias embasadas no conhecimento científico, o projeto de reaproveitamento de madeira (neste caso madeira certificada), serve também como alternativa econômica para quem participa dos projetos. Agendas, peças decorativas, brinquedos, porta-retratos, escrivaninhas e mesas, tudo produzido com resíduos seguindo a máxima de Lavoisier (e por que não dizer da floresta) onde nada se perde, tudo se transforma.

A criação

O trabalho de transformar simples pedaços de madeira em artigos decorativos, agendas e até móveis, envolve além das técnicas um pouco da personalidade do marceneiro, ou porque não dizer do artesão. Neste trabalho, que vai da seleção ao acabamento, há todo um processo artístico a ser desenvolvido por Ednelson Martins, que trabalha no Laboratório de Tecnologia da Madeira do Inpa. “A gente vai fazendo, aproveitando a madeira que antes não tinha valor”. Em um processo convencional do beneficiamento da madeira não é possível confeccionar, por exemplo, uma porta com mais de oito tipos diversos de madeira. As diversas peças produzidas pelo laboratório são únicas, segundo Claudete Catanhede. “O bolsista idealizou aqui com arte e um detalhe inovador”, disse.

Neste novo processo, o que antes era desperdiçado, como grande parte das chamadas madeiras brancas, quando “misturadas” com outros tipos de madeira torna-se um material de alta qualidade. “Hoje tem uma empresa de pisos no Puraquequara que já utiliza algumas técnicas”. A partir dos estudos feitos, pode ser analisada a qualidade e a toxidade do material, além de verificar a aplicação da matéria-prima envolvida. O Inpa desenvolve de forma pioneira os projetos de tecnologia da madeira. De acordo com Claudete Catanhede, os projetos desenvolvidos também atingem a área social. “O primeiro projeto começou pelo Conselho Nacional de Desenvolvi-

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Para ampliar o alcance da difusão dos conhecimentos gerados, comunidades do interior do Estado devem receber treinamento para melhorar o reaproveitamento da madeira. Para Jaime Batista, que também trabalha no laboratório, os cursos funcionam como forma de conscientização ambiental. “Espero que a comunidade desenvolva um bom trabalho, o objetivo é esse. O que acontece é que eles usam os resíduos para transformar em carvão, jogar nas ruas, e o nosso projeto é reaproveitar tudo”, disse o artesão. Na maioria das comunidades, já existe alguma atividade econômica ligada à madeira, o projeto deve agregar valor à produção local de forma a aumentar a renda e, ao mesmo tempo, diminuir os impactos ambientais, ou seja, ensinar o uso racional de um recurso que, apesar do tamanho da Amazônia, está cada vez mais finito.

16 Claudete Catanhede (a esquerda) lembra que o reaproveitamento da madeira serve como altenativa economica para que participa dos projetos


O som que vem da madeira amazônica Quem nunca um dia, quando criança ou até mesmo adulto, admirou o som produzido pelo violão? O instrumento, que há séculos desperta o interesse de muitos e, de certa forma, é adaptado a cada localidade do planeta, é indispensável em vários arranjos musicais e muitos talentos da música fazem dele um ícone. O instrumento é geralmente caro, pois para produzi-lo é preciso ter cuidado desde a escolha até o corte da madeira, uma vez que ela interfere diretamente no som. Para muitos o preço impede a compra de um violão profissional, ou seja, aquele de madeira tradicional que pode custar de R$ 2 mil a US$ 80 mil. Dentre os projetos realizados pelo Inpa, por meio do laboratório de Engenharia de Artefatos de Madeira, há um que ocupa posição de destaque no quesito social e vai trabalhar justamente com o violão.

qualidade e assim conquista o mercado. “O violão é confeccionado com várias madeiras e cada uma tem sua densidade. Saber disso ajuda a organizar a produção, diminuindo o tempo e confeccionando instrumentos viáveis”, comenta. Após as dificuldades na criação, a pequena empresa (que também trabalha com peças decorativas) atende pedidos sob encomenda. De acordo com Jean Dantas, que trabalha no local, o conhecimento científico permitiu a viabilidade do negócio. “Em alguns produtos como a madeira, você tem que conhecer sua estrutura, para poder trabalhar, o Inpa e esse projeto viabilizaram isso”. Os violões amazônicos têm chamado a atenção pelo preço menor e pela qualidade. Apesar disso,

A partir do Projeto Artefatos com madeiras certificadas da Amazônia Empreendedorismo e Comercialização, um grupo de pessoas começou a produzir em uma oficina no bairro Armando Mendes, zona Leste de Manaus, violões profissionais feitos de madeira manejada. Os instrumentos são confeccionados com madeira de esOs violões amazônicos têm chamado a atenção pelo preço menor e pela qualidade do produto pécies da região, o que dá uma característica própria, um violão com som da Amazônia. ainda há uma certa barreira devido ao costume dos músicos em usar o instrumento feito de madeira traA Lutheria, ou seja, a arte de produzir instrumendicional. Barreira essa que será transposta quando tos, é desenvolvida por Edson Silva e uma equipe músicos da orquestra de violão do Amazonas fizer uso de trabalhadores que aprenderam a aliar conhecidos instrumentos regionais. “A última palavra é do mento técnico ao científico para produzir violões músico, quando ele toca e sente o violão, descobre de excelente qualidade a um preço acessível. “Nós que é bom e não deixa a desejar para nenhum outro participamos do curso lá no Inpa e de lá nós traviolão de madeira tradicional”, declarou Dantas. balhamos como bolsistas do CNPq e, posterior a isso, montamos uma micro empresa e nos inscreUm livro falando sobre a arte de confeccionar vemos no projeto, e aí começou o trabalho”, disse. violões na Amazônia com madeira manejada e seus desafios deve ser laçado em breve. Este trabalho Saber que tipo de madeira usar, como e onde envolve ainda a transferência de tecnologia, em usar, foi fundamental para criar o novo negóque o grupo realiza ações em uma comunidade de cio. Segundo Silva, entender questões como Presidente Figueiredo, interior do Amazonas, fedensidade da madeira, por exemplo, garante chando assim o ciclo entre ciência e comunidade.

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Pedro Viana / Acervo Geoma

Biodiversidade 18

Cohn-Haft durante uma expedição em busca de um tipo muito raro de ave noturna, o urutaude-asa-branca (Nyctibius leucopterus)


Mostre-me como tu cantas... e eu te direi o que és > Por Hemanuel Jhosé

A

o todo são conhecidas hoje cerca de 1.300 espécies de pássaros na região amazônica, o bioma com a maior biodiversidade do mundo. O biólogo Mário Cohn-Haft consegue diferenciar a maioria ouvindo-as cantar. Há mais de 20 anos, o norte-americano saiu da cidadezinha de Williamsburg e veio para Manaus para conhecer os pássaros da floresta tropical. Atualmente Cohn-Haft é pesquisador da Coordenação de Pesquisas em Ecologia e curador da Coleção de Aves do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). A carreira do homem que gosta de ouvir os pássaros começou no mesmo Instituto, como estagiário. Ou talvez antes disso, nas florestas típicas da região dos Estados Unidos chamada ‘Nova Inglaterra’.

balhasse com canto de passarinhos. Eu ficava chateado, achava que era uma brincadeira de mal gosto”, relembra. Mal sabia Cohn-Haft o quanto o ouvido musical lhe seria útil, ajudando a apreciar e discernir o canto dos pássaros. Enquanto não se decidia, o então graduando se dedicava à observação de aves na reserva florestal do College, chegando a ser o guia de excursões que constavam no calendário acadêmico, uma lembrança revelada de forma nostálgica.

O ambiente dentro da floresta é tão específico e singular que as espécies que habitam nele são especialmente vulneráveis ao desmatamento, por não terem como se adaptar a outras condições

Em nosso primeiro contato, pelo telefone, cheguei a duvidar que estava falando com o pesquisador certo, pois a voz do outro lado da linha apresentava um português perfeito. A sensação passou quando, durante a entrevista, o pesquisador falou sobre a infância nas florestas de Massachusetts. “Bom, desde pequeno eu tinha o hobby de observar pássaros, mas não tinha certeza se eu iria trabalhar com isso”, revela.

Outra paixão que também esteve presente desde sua infância foi a música. Tanto é que o curso de biologia no Darmouth College foi iniciado junto com o de música na mesma Instituição. A dúvida entre as opções de graduação era grande. “Meus amigos brincavam muito que eu podia ser um biólogo que tra-

Cohn-Haft escreveu um livro sobre a avifauna da região para observadores de pássaros leigos, pesquisadores e pessoas que trabalhavam na reserva. O material não serviu como trabalho de conclusão do curso (que não é obrigatório nas graduações norte-americanas) por não testar nenhuma teoria científica, mas foi publicado pela universidade para celebrar a biodiversidade da floresta e encorajar seu uso para algum fim que não fosse a exploração madeireira. Nesse primeiro estudo o biólogo já uniu as linhas de pesquisa às quais se dedicaria pelo resto da vida: a ecologia de aves e a apreciação da natureza como forma de conservação.

Conhecendo a Amazônia Habituado à biodiversidade do local onde nasceu, o primeiro contato de Cohn-Haft com a floresta tropical foi durante a faculdade, numa disciplina chamada Ecologia Tropical. “Essa matéria era ministrada na Costa Rica e no Panamá, mas por professores do Darmouth College. Eu me apaixonei pelo assunto”, relembra.

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Anselmo d’Affonseca

O chorozinho-de-costas-manchadas (Herpsilochmus dorsimaculatus) só vive na copa das árvores

Mario Cohn-Haft/Coleção de Aves-INPA

A oportunidade de conhecer a Amazônia só surgiu após a faculdade, por meio de uma vaga de estágio como anilhador de pássaros, que nada mais é do que a pessoa que marca os pássaros com anilhas para acompanhar seus movimentos e medir sua longevidade, pelo Projeto Dinâmicas Biológicas de Fragmentos Florestais (PDBFF) do Inpa. O estágio era apenas de seis meses, mas o interesse de Mário e a proposta de cumprir funções que até então ninguém tinha feito dentro da equipe prolongaram esse período como estagiário para três anos.

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E que época para participar de pesquisas no Inpa! Muitos dos contemporâneos de estágio do americano tornaram-se, como ele, pesquisadores no instituto: Paulo Mauricio A l e n castro, Niwton Leal Filho e Rita Mesquita (que mais tarde casou-se com CohnHaft) hoje trabalham na Coordenação de Pesquisas em Ecologia. José Luis Camargo é o atual coordenador científico do PDBFF. Wilson Roberto Spironello está na Coordenação de Pesquisas em Silvicultura Tropical e Carlos Franciscon é

O papa-formiga-barrado (Cymbilaimus lineatus) também é uma ave do interior da floresta

atualmente curador do Herbário do instituto. Outros desses estagiários não permaneceram no Inpa, mas continuam atuando na área, como Eduardo Venticinque, colaborador do instituto e ecólogo da Wildlife Conservation Society, Sérgio Borges que hoje é pesquisador na Fundação Vitória Amazônica, Andrew Whittaker, que dirige uma empresa de turismo de observação de aves em Manaus e Leandro Valle Ferreira colaborador do Museu Paraense Emílio Goeldi. Enquanto permaneceu no estágio, Cohn-Haft conheceu melhor as aves da Amazônia e sonhava com o dia em que se tornaria guia turístico. “Eu pensava que seria o emprego ideal: seria bem pago para conhecer novos lugares e ouvir canto dos pássaros!”, recorda. Mas ao longo desses três anos o biólogo se interessou em definitivo pela pesquisa e a partir dali manteve-se como colaborador do Inpa, seja como pesquisador da casa ou visitante. Segundo o pesquisador, um dos seus grandes estímulos para prosseguir nos estudos eram algumas idéias equivocadas da literatura científica sobre a fauna amazônica. “Naquela época os autores tratavam a Amazônia como uma mera extensão da floresta tropical encontrada na América Central. Até hoje, por exemplo, autores de outras regiões escrevem que as aves da flores-


ta tropical se reproduzem no começo das chuvas, quando na Amazônia é na época seca”, reclama o pesquisador. No mestrado o orientador de Cohn-Haft foi Thomas Sherry, que já havia lhe dado aula na graduação. O programa de pós-graduação em Ecology Evolution And Organismal Biology da Tulane University, foi um retorno aos livros e estudos. Sob tutela de um orientador que também já tinha vindo à floresta tropical, foi fácil para o biólogo trabalhar os conhecimentos adquiridos da experiência como estagiário. “Eu senti um estímulo muito grande, pois ele acreditava que eu tinha como contribuir”, afirma. O trabalho falou sobre a especialização de dieta de aves da floresta tropical, uma idéia sugerida pelo orientador. “A idéia é que o estilo de vida de aves que habitam o interior da floresta é muito diferente das espécies que ocupam as copas das árvores. Enquanto as aves da copa lidam com alterações de clima e muito sol, as do interior sempre têm um ambiente estável, úmido e escuro”, explica Cohn-Haft.

Com o fim da pesquisa, Cohn-Haft chegou a conclusão que os pássaros que cantavam diferente eram na realidade de espécies diferentes, apesar de fisicamente idênticos. “Ou seja, se a Amazônia já é o bioma com maior diversidade que nós conhecemos, o resultado da minha tese indica que nós subestimamos muito a quantidade de espécies existentes na floresta”, afirma.

A missão de quem entende a floresta Para o biólogo as implicações da comprovação de sua tese tornam mais incompreensível o desinteresse da população local pela floresta. “As pessoas parecem não entender a singularidade da Amazônia! É como se alguém que gostasse de futebol tivesse descoberto um jovem com muito potencial para o esporte, mas não consegue fazer com Thiago Orsi que as outras pessoas vejam isso, inclusive as que mais têm o que ganhar com esse potencial”, compara.

Segundo ele, os pesquisadores têm a missão de fazer com que o mundo veja a importância da floresta. “Se o Inpa tem uma Segundo o pesquisador, missão maior, é a de o ambiente dentro da flofazer com que o munresta é tão específico e do todo veja como singular que as espécies essa região é rica. Faque habitam nele são es- Uma das espécies estudadas no doutorado do pesquisador zer as pessoas entenpecialmente vulneráveis Mario Cohn-Haft foi a maria-sebinha (Hemitriccus minor) derem que um ano de ao desmatamento, por sucesso de uma plantação de soja não se comnão terem como se adaptar a outras condições. para à riqueza em biodiversidade que demorou milhares de anos para se constituir”, pondera. A idéia para uma tese de doutorado surgiu durante a pesquisa de campo do mestrado, baAo ser questionado sobre a atuação da Insseada numa curiosidade do pesquisador. “Eu tituição na qual começou a trabalhar como escomecei a perceber como o canto de algumas tagiário, Cohn-Haft afirma que é muito estraespécies conhecidas mudava de acordo com o tégico ter o Inpa no meio da Amazônia, mas lado dos grandes rios aonde eu as escutava”, explica que ainda há muito o que fazer. “Nós relembra. Cohn-Haft tinha lido sobre o padrão estamos falando de uma área de tamanho contide dispersão das espécies amazônicas e da nental com apenas dois institutos de pesquisa: importância dos grandes rios que separam eso Inpa e o Goeldi. É muito pouco. Por isso é sas. Mas nunca tinha ouvido falar que o canque tentamos ao máximo atingir o público leigo to da espécie mudava de acordo com a região. da região. Somente assim o meu grupo, meus colegas e o nosso instituto, o Inpa, conseguire“O mais impressionante é que em alguns casos mos influenciar o futuro da Amazônia”, afirma. os espécimes eram iguais, mas não cantavam igual, algo que não é perceptível aos olhos”, obAo final da entrevista a paixão do pesquisador servou. O fato inquietou Cohn-Haft, pois o can‘gringo’ pela Amazônia é visível. “Fora as formato de uma espécie é fruto de muitas gerações de lidades, eu me sinto um manauense. Manaus é a isolamento reprodutivo. “Eu escolhi estudar esúnica cidade brasileira que eu já vivi. Daqui a uns pécies de ampla dispersão pela Floresta Amazôdois anos eu já vou ter passado metade da minha nica onde eu já sabia discernir de ouvido de que vida aqui e não tenho nenhuma vontade de morar região vinha. Provavelmente ninguém percebeu em outra cidade ou lugar”, declara o americano. antes que os cantos eram diferentes”, explica.

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Site disponibilizará informações de pássaros da Amazônia O biólogo revelou que está participando da elaboração de um site junto com Rolf de By, do International Institute for Geo-Information Science and Earth Observation (Holanda), Catherine Bechtoldt, ex-bolsista da Rede Geoma no Inpa, Laurindo Campos e Kleberson Serique, ambos do Núcleo de Biogeoinformatica do Inpa. O site vai se chamar O Ornitólogo Automático, e disponibilizará informações de pássaros de toda região amazônica.

Eduardo Wiensk / Acervo Geoma

“A navegação será realizada através de mapas, nos quais os usuários poderão acessar listas de espécies de aves de qualquer região clicada”, explica Mario Cohn-Haft. O projeto conta com financiamento do Programa de Pesquisa em Biodiversidade e da Rede Geoma. Para os interessados em ouvir pássaros cantando, o pesquisador indica o Xeno-Canto (www.xeno-canto.org), um site que já está em funcionamento com registros de aves de toda América e o WikiAves (www.wikiaves.com. br) para ver fotos fantásticas de aves brasileiras. Outra indicação para os interessados em pássaros é a coletânea Vozes da Amazônia, que reúne cantos de 340 espécies de pássaros da região ao norte de Manaus. O material foi elaborado por uma equipe composta por CohnHaft, Luciano Naka, Philip Stouffer, Curtis Marantz, Andrew Whittaker e Rob Bierregaard. A coletânea foi produzida pela Editora Inpa, com design gráfico de Tito Fernandes. A primeira tiragem foi custeada na íntegra pela ONG Conservação Internacional – Brasil e vinha acompanhada de um encarte de 40 páginas bilíngüe.

O pesquisador no trabalho de campo em uma área de campina no interflúvio Madeira-Purus, área de influencia da BR-319, em 2007

Interflúvio Madeira-Purus, 2007, gravando observações de manhã cedo no campo

22 Marion Adeney / Acervo Geoma



Igarapés

se transformam em esgotos a céu aberto

Educação Ambiental

caroline ribeiro

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O igarapé de São Raimundo tem acumulando lixo desde o início da cheia. Ele foi objeto de estudo da CPCR, do Inpa Por Lisangela Costa

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oi-se o tempo em que os igarapés de Manaus eram considerados cartões-postais da cidade. Se há décadas esses locais eram bastante procurados seja para o lazer nos fins de semana, para a prática da pesca como forma de garantir o sustento das famílias (ou mesmo por pura diversão), seja como fonte de água limpa para a lavagem de roupas, o cenário atual é completamente adverso. Estudos recentes sobre a qualidade da água de igarapés da área urbana e rural da capital amazonense realizados por membros da Coordenação de Pesquisas em Clima e Recursos Hídricos (CPCR), do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), dão conta de uma triste realidade: os igarapés de Manaus estão se transformando em verdadeiros esgotos a céu aberto.

Durante os trabalhos em campo, foi constatado alto nível de poluição de segmentos de igarapés situados na área urbana da cidade. A micro bacia hidrográfica do Tarumã-açu, situada na zona Oeste de Manaus, é um exemplo dos efeitos da urbanização sobre os recursos hídricos. Formada por uma rede de drenagem de corpos d’água de diferentes magnitudes, a micro bacia estende-se desde a zona rural até a urbana, com a água apresentando diferentes níveis de qualidade ao longo dessa trajetória. A pesquisa constatou que os segmentos de igarapés que compõem a micro bacia hidrográfica e estão localizados na área rural possuem características naturais, ou seja, índice de poluição praticamente zero, enquanto aqueles situados em áreas urbanizadas, como é o caso do igarapé da ponte da Bolívia, onde fica localizado o balneário de


mesmo nome, transformaram-se em depositários de poluentes, inclusive substâncias orgânicas.

Pesquisa constatou que igarapés localizados na área rural possuem poluição zero, enquanto os da área urbana são depositários de poluentes

Mesmo com a degradação avançada desses locais, ainda é possível estagnar esse processo. De acordo com a doutora em Energia Nuclear na Agricultura e coordenadora da CPCR, Hillândia Brandão, é preciso obedecer as leis ambientais que regulamentam toda e qualquer atividade ao longo de rios e igarapés. A pesquisadora comenta sobre a necessidade de evitar o lançamento de efluentes domésticos e/ou industriais nos leitos de rios e igarapés e de implantar estações de tratamento de água.

de 30 igarapés da área urbana e rural da cidade de Manaus e arredores, incluindo a investigação de organismos aquáticos. Os resultados podem servir para subsidiar ações de planejamento para a classificação das águas amazônicas em adequadas ou inadequadas quanto ao seu uso para o consumo humano, em atividades econômicas, como agricultura, agropecuária e pesca, e ainda visando ao lazer. Também podem ser utilizados como indicadores de ocupação do solo. Fotos: tabajara moreno

Outro passo importante para evitar a total degradação da rede hidrográfica é trabalhar na recomposição da mata ciliar (formação vegetal localizada nas margens dos corpos d’água, ou seja,nascentes, córregos, rios e lagos) mediante a dragagem e retirada do sedimento comprometido do igarapé. Por último, segundo a coordenadora, é necessário investir na educação ambiental e sensibilizar as pessoas para o fato de que a água é fonte natural de vida e que por isso, deve ser preservada. “É preciso reeducar o modo de pensar das pessoas sobre o meio em que vivem, chamando a atenção para o fato de que elas (as pessoas) fazem parte do meio, mas o ambiente não lhe pertence”, afirma Hillândia Brandão, ressaltando também que defende a retirada da população ao longo das margens de rios e igarapés. O estudo integrou a série de pesquisas com o objetivo de caracterizar a qualidade da água de mais

Estudos servem para subsidiar ações de planejamento para a classificação das águas amazônicas

Outros focos de pesquisa O grupo de pesquisadores que integra a CPCR atua em outras áreas, com relevantes contribuições para o avanço do conhecimento. No âmbito da Micrometeorologia/Climatologia, destaque para a formação de banco de dados de mais de 40 anos sobre as variáveis climáticas em floresta de terra firme e caracterização da arquitetura da floresta natural, utilizando-se de perfis de radiação solar no interior da vegetação. Conforme Hillândia Brandão, esses resultados podem ser usados por órgãos governamentais e outras entidades da sociedade civil como indicadores de desmatamento - os grandes responsáveis pelas mudanças nos padrões climáticos em nível regional -, bem como para “alimentar” modelos de previsão de mudanças climáticas globais. Na área da Hidrologia, estudos revelam que

o desmatamento está afetando o armazenamento de água no solo, alterando a ciclagem aquática na região e tornando essas áreas sujeitas à erosão, lixiviação (lavagem das rochas e solos pelas águas das fortes chuvas, decompondo as rochas em nutrientes e tornando o solo mais pobre) e causando a degradação do solo. A coordenação também conta com uma base sólida de informações sobre a Hidroquímica da região, com ressalva para pesquisas sobre a caracterização química das águas do rio SolimõesAmazonas, desde o município de Tabatinga (na fronteira com a Colômbia e Peru) até a cidade de Óbidos, no estado vizinho do Pará, onde o rio Amazonas tem sua menor largura e maior profundidade, totalizando mais de 150 rios e 45 lagos da bacia Amazônica.

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locais

estudados nas 4 bacias hidrografica de Manaus Pontos de coleta na Bacia do Educandos 1. Igarapé do Quarenta no parque Sauim Castanheira (Nascente) 2. Igarapé do Quarenta próximo a Multiplast 3. Igarapé do Quarenta próximo a Varilux * 4. Igarapé do Quarenta próximo a SEDUC 5. Igarapé do quarenta próximo ao Studio 5 6. Igarapé da Cachoeirinha próximo a Av. Costa e Silva 7. Igarapé do Educandos próximo a ponte de Educandos Pontos de coleta na Bacia do São Raimundo 8. Igarapé do Mindu próximo ao SESI (Nascente) 9. Igarapé do Mindu no Conjunto Petro 10. Igarapé do Mindu no Parque do Mindu 11. Igarapé de São Jorge 12. Igarapé dos Franceses 13. Igarapé do Bindá 14. Igarapé do Franco 15. Igarapé do São Raimundo Pontos de coleta na Bacia do Tarumã 16. Igarapé do Barro Branco 17. Igarapé do Acará no balneario Douradinho 18. Igarapé do Mariano 19. igarapé Bolívia 20. Igarapé da Cachoeira alta 21. Igarapé da Cacheira das almas 22. Igarapé do Tarumã-Mirim Pontos de coleta na Bacia do Puraquequara 23. Rio Puraquequara 24. Iguarapé Água Branca Pontos de coleta na Orla da Cidade de Manaus 25. Rio Negro na praia da Ponta Negra 26. Rio Negro no Bairro da compensa próximo a captação de água 27. Rio Negro na praia do Amarelinho em Educandos 28. Rio Negro no Porto da Ceasa

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Pontos de coleta nos Lagos 29. Lago Amazônico no INPA 30. Lago do Japiim 31. Lago do Aquariquara


Gerando conhecimento sobre o ambiente amazônico A Coordenação de Pesquisas em Clima e Recursos Hídricos (CPCR) iniciou as suas atividades na década de 1960, a partir de um convênio entre o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e o Instituto Max-Planck da Alemanha Ocidental. As primeiras pesquisas realizadas tinham como foco principal as variáveis climáticas (temperatura, umidade, radiação solar, etc.) e limnológicas (lagoas, rios, riachos, reservatórios e águas subterrâneas) na Amazônia Central. Pouco depois, estudos sobre coberturas vegetais passaram a receber tratamento privilegiado. Na evolução natural das necessidades de conhecimento científico, estudos hidrológicos na escala de pequenas bacias hidrográficas tornaram-se viáveis e foram incorporados ao conjunto de temas já pesquisados. Dessa forma, foram conquistados no âmbito da Coordenação os primeiros resultados de investigações sobre evapotranspiração, análise do processo de interceptação

de chuva pela floresta, desenvolvimento de relações precipitação-escoamento e fenômeno de infiltração de água no solo. Já na década de 80, em um contexto de abertura para a cooperação internacional, o grupo de pesquisadores do CPCR deu grande impulso aos estudos relacionados às transferências de massa e de energia de coberturas naturais para a atmosfera, assim como aos modelos para simular os processos de evaporação, interceptação de chuva pela floresta e para o regime de radiação solar no interior da vegetação. Atualmente, as atividades de pesquisa da Coordenação de Pesquisas em Clima e Recursos Hídricos têm como objetivo gerar conhecimento sobre o ambiente físico e químico dos sistemas amazônicos, enfocando o clima regional e seus efeitos sobre os recursos hídricos da região.

Equipamento ajuda a verificar qualidade das águas dos igarapés

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Inpa estuda cosméticos

pupunha e buriti > Por Larissa Veloso

Cosméticos naturais

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capazes de hidratar e rejuvenescer a pele apenas com substâncias extraídas de produtos naturais.

constante busca por produtos que prometem retardar as marcas do tempo Além disso, a produção de vem provocando uma corrida biocosméticos contribui basdesenfreada de consumidores tante para a preservação do ávidos pelos últimos lançamenmeio-ambiente, uma vez que tos do mercado. Mas, nem tudo são usadas apenas madeiras cero que “reluz é ouro” e, muitas tificadas da Amazônia. Contudo, vezes, a garantia de fonte da juveno processo de extração, que dura tude esconde a manipulação de subsem média dois dias, pode ser trabatâncias criadas em laboratório. Uma pesquisa lhoso e requer muito cuidado. Se uma etapa em biocosméticos da Amazônia, também conhecidos for esquecida, os nutrientes da palmeira podem como fitocosméticos, comandada por uma equimodificar-se e todas as propriedades de biocospe de seis pessoas, do Instituto mético terão sido perdidas. É Nacional de Pesquisas da Amazôcomo um suco de beterraba que, nia (Inpa) vem revolucionar este ao perder seus nutrientes, tem Buriti e Pupunha segmento. Iniciado em 2005, o validade apenas pelo sabor. – Ambas são ricas estudo utiliza produtos da flora Convidados pelos então acadêamazônica, sem agredir o meiomicos de farmácia da Universiem carotenóides, ambiente, para beneficiar a saúdade Nilton Lins, Bruno Olímpio substâncias ricas de. Tendo como base a extração Galaxe e Jonathas Wellington de óleos a partir de palmeiras Alves de Sá, para participar da em betacaroteno, o da região, ele foi concluído em pesquisa, tema de seu Trabalho pigmento 2006 e agora chega à sociedade. de Conclusão de Curso, os mesamarelado que dá tres Sônia Maria Patricio Braga O resultado dessa pesquisa são dos Santos – orientadora do tracor à pele e é quatro produtos à base de óleo das balho – e Paulo Roberto Castro antioxidante, palmeiras de pupunha e de buriti. da Costa e as doutoras Helyde AlAmbas são ricas em carotenóides, buquerque Marinho e Maria Rosa ajudando no substâncias ricas em betacaroteLozano Borrás aceitaram prontacombate aos no, o pigmento amarelado que dá mente a proposta da pesquisa. radicais livres cor à pele e é antioxidante, ajudando no combate aos radicais Como essa foi a primeira livres. O que isso tudo significa? pesquisa relacionada a cosméOra, são os radicais livres que daticos desenvolvida no Inpa, nificam as células de todo o corpo. Por isso subsnão havia no Instituto um laboratório específitâncias antioxidantes são tão benéficas à nossa co, o que levou os pesquisadores a utilizar saúde, deixando-nos com aparência mais vários laboratórios ao mesmo tempo, jovem, de dentro para fora do corcriando a necessidade do transpo, principalmente se os produtos porte constante de materiais. para a pele forem combinados A patente com alimentos ricos em carotenóides. Para entender melhor Por não saberem da nebasta saber que os cosméticos cessidade de uma licença do comuns vendidos no mercado Instituto Brasileiro de Meio utilizam substâncias químicas Ambiente e dos Recursos Nacriadas e manipuladas em laturais (Ibama) para trabalhar boratório. Os biocosméticos são


Larissa Veloso

à base de

Helyde Albuquerque ressalta que a produção de biocosméticos contribui bastante para a preservação do meio-ambiente

com as palmeiras, os pesquisadores tiveram que patentear e proteger a pesquisa nos Estados Unidos, situação enfrentada pelo grupo como a maior dificuldade de todo o processo da pesquisa e que, inclusive, impossibilitou acordos com empresas de cosméticos que tiveram interesse na fabricação dos produtos. “Nós não sabíamos que era preciso ter a licença. Duas empresas chegaram a se interessar pelos produtos, mas como a patente estava defendida, não pudemos fazer acordo. Agora a pesquisa está concluída, mas como ainda não pudemos divulgar, nenhuma outra empresa se pronunciou”, ressalta a doutora Helyde Albuquerque.

Economia e mercado A produção de biocosméticos traz para a Amazônia vantagens econômicas em ambos os sentidos da palavra. Além de auxiliar no desenvolvimento econômico da região, uma vez que os produtos podem ser comercializados no próprio Estado de origem e exportados para outros estados e países, seu preço acessível permite que alcance um maior número de consumidores. Enquanto a pesquisa era iniciada no Inpa, a Natura também interessou-se pelo assunto e desenvolveu estudos em biocosméticos, lançando no mesmo ano produtos a base de óleo de buriti da linha Ekos, que já trazia em 2000 o óleo trifásico de buriti. Verificando a crescente expansão deste mercado, a Avon lançou, em janeiro deste ano, biocosméticos nas linhas Liiv e Naturals. Ambas são as maiores e mais populares fabricantes de cosméticos atuantes no Brasil. É importante verificar que nem todos os produtos feitos a base de plantas medicinais são considerados bio ou fitocosméticos, uma vez que a produção destes envolve processos específicos para extração dos nutrientes. Apenas produtos naturais que contêm estes ativos podem ter efeitos medicinais.

OS PRODUTOS Sabonete sólido a base de óleo de pupunha e buriti Óleo dos frutos de pupunha e buriti foi utilizado neste sabonete sólido que, além de limpar e hidratar a pele, evitando ressecamento, ajuda na regeneração da camada lipídica, deixando-a com aspecto aveludado e suave. Sabonete líquido a base de óleo de pupunha e buriti O produto penetra rapidamente na pele, hidratando-a sem deixar aparência oleosa. Aumenta a elasticidade, combate as ações dos radicais livres e evita alergias cutâneas. O processo de produção tem grande economia quando comparado à produção clássica de cosméticos da Amazônia. Emulsão evanescente a base de óleo de pupunha e buriti Para uso na área do rosto, mãos e braços, a emulsão evanescente hidrata a pele, garantindo maior elasticidade e proteção contra as ações dos radicais livres. Creme antioxidante a base de óleo de pupunha Ideal para uso no rosto e nas mãos, o creme antioxidante tem aspecto consistente e brilhoso e confere à pele hidratação e proteção, além de auxiliar no rejuvenescimento desta.

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Amaz么nia das 谩rvores ou das

Sustentabilidade

vassouras?

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> Por Mário Bentes

mário bentes

E

m 1955, quando produziu o episódio nº 60 da aclamada série que no Brasil ficou mais conhecida como O Show do Pica-Pau (Woody Woodpecker), o desenhista e produtor Walter Lantz talvez não imaginasse que a estória de uma bruxa feiosa e de uma fábrica de vassouras chamada “A Vassoura Durável” pudesse ser usada como analogia quase perfeita da atual indústria madeireira da região amazônica. Não pela mitologia das bruxas que voam em vassouras, evidentemente, mas por uma sequência inacreditável em que o Pica-Pau, único funcionário da tal fábrica, é mostrado em plena atividade de uma absurda linha de montagem. Em um grande aparato maquinário, o famoso passarinho de topete vermelho insere um tronco enorme de uma árvore que na vida real fatalmente seria uma sumaúma (Ceiba Pentranda) e depois a retira pelo outro lado da mesma linha. Detalhe: quando finalmente aparece, a árvore já está na forma finíssima de um singelo cabo de vassoura, pronta para ser vendida a bagatela de R$ 0,50. Em meio à atmosfera irônica da cena, vem a pergunta: e o resto de toda aquela madeira? Exageros à parte, este questionamento cabe perfeitamente nos dias atuais. O desperdício de madeira em atividades comerciais em todo planeta é notável. Na Malásia, um dos grandes exportadores internacionais do produto, o aproveitamento de tudo o que é derrubado das florestas daquela região chega a 50%. O índice é baixo, mas em países como o Brasil – e na região amazônica, mais especificamente – o número é ainda menor. Pesquisa realizada como tese de mestrado pela engenheira florestal Cristina Galvão Alves, quando se especializava em Ciências de Florestas Tropicais pelo Programa de Pós-Graduação do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em 2000, constatou – a partir do estudo de caso de uma das maiores madeireiras da região, localizada em Itacoatiara (a 175 quilômetros de Manaus em linha reta) – que apenas 30% da madeira retirada das florestas da região é plenamente utilizada no beneficiamento de mercado. Todo o restante é simplesmente jogado fora e pior: ainda vira poluição na natureza, já que boa parte do que não é aproveitado é queimado a céu aberto.

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Higuchi calcula que o Amazonas conta com aproximadamente 150 milhĂľes de hectares de florestas primĂĄrias


Manejo florestal: missão impossível? Diante de tal realidade, alguns especialistas são enfáticos ao afirmar que qualquer iniciativa de manejo florestal sustentável na Amazônia seria incapaz de sair do papel. Um desses especialistas, o engenheiro florestal Niro Higuchi, pesquisador da Coordenação de Pesquisas em Silvicultura Tropical do Inpa e autor de vários trabalhos sobre o assunto, vai além das críticas. Para ele, otimizar a produção de madeira é uma questão de agir contra o desmatamento. “Se nós conseguirmos criar novas possibilidades de aproveitamento e redução do desperdício, seremos capazes de reverter essa razão em que exploração e desmatamento acabam caminhando juntos”, explica, ressaltando que uma possível melhoria das condições de beneficiamento para a indústria vai diminuir a pressão nas florestas primárias – aquelas intocadas pelo homem.

Luz no fim do túnel Segundo Niro Higuchi, a pressão atual do desmatamento se concentra na região Sul do Pará, no Norte do Mato Grosso, Rondônia e Acre, mas vem se aproximando rapidamente do Amazonas. “A gente já vê sinais claros de devastação no sul do Amazonas, na região da Transamazônica e no município de Lábrea (distante 610 quilômetros de Manaus). Na região da Boca do Acre já há uma grande pressão por conta da exploração de madeira e por conta também da atividade agropecuária”, relata.

E foi pensando em trabalhar para conter o avanço do desmatamento na região que o pesquisador se juntou a outros 55 especialistas em manejo florestal e tecnologia da madeira do Brasil para reformular, em 2008, um antigo projeto de pesquisa dos anos 70. Hoje conhecido como INCT Madeiras da Amazônia, o projeto – um dos cinco aprovados ano passado pelo Conselho Nacional de DeSegundo Higuchi, o Amazonas conta até o senvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no momento com aproximadaâmbito dos Institutos Nacionais mente 150 milhões de hecde Ciência e Tecnologia (INCT’s), tares de florestas primárias, do Ministério da Ciência e TecProjeto do Inpa contra três milhões desmatanologia (MCT) – quer criar meios dos ou explorados de forma para conter o desmatamento quer estudar meios não sustentável. O número é através da redução do desperpara otimizar muito bom se comparado com dício de madeira em atividaa realidade de outras regiões des de exploração comercial. beneficiamento do país, mas se engana quem da madeira e pensa que a preservação das “A madeira é um produto de aumentar florestas do Amazonas (ainda) primeira necessidade e a indúsacontece em razão de um sistria atua para atender a demanatual taxa de tema rígido de controle ou de da de mercado mundial, que é apenas 30% de fiscalização por parte dos órmuito grande. Entretanto, como aproveitamento gãos públicos. Para Niro, o atuboa parte da madeira não é al cenário – um dos melhores aproveitada, acaba-se criando entre todos os estados da reum ciclo desenfreado de explogião Norte – se dá de modo inração, o que resulta em desmadireto, mais em razão de medidas administratamento”, afirma o pesquisador, ressaltando que tivas cujas metas principais não contemplam do modo em que é feita, a atividade de exploranecessariamente aspectos preservacionistas, ção de madeira, além de possivelmente por fim à mas acabam dando resultado nesse sentido. floresta, ainda acaba por não contribuir em nada no desenvolvimento do país. “Enquanto tivermos “Claro que medidas administrativas têm sua essa relação entre madeira e desmatamento, não parcela de contribuição. O Pólo Industrial de vamos gerar formação de riqueza na região nem Manaus (PIM) é uma medida política que ajuproporcionar maior distribuição de renda”, analisa. dou indiretamente na preservação ao favorecer Aproveitamento máximo a emigração de populações do interior do Amazonas para a capital”, afirma o pesquisador. Para Com orçamento aprovado em R$ 4,8 milhões, o ele, ações políticas como o PIM e o isolamento projeto abrange uma série de atividades de pesquilogístico de Manaus em relação a outras áreas sa voltadas ao desenvolvimento de novas técnicas do país têm como resultado essa maior proteção. ou o aprimoramento de outras já existentes que Apesar disso, o pesquisador faz um alerta: “Espossam auxiliar na otimização do aproveitamento sas medidas foram importantes na formulação do produto. Um dos modos citados pelo pesquisado atual cenário, mas isto 20, 30 anos atrás. Só dor como importante para otimizar a exploração de essa duas coisas já não vão mais sozinhas supormadeira é a técnica da marchetaria, que pode contar a pressão pelos produtos madeireiros. Essa tribuir para acabar com um dos grandes problemas pressão vai chegar ao Amazonas e ele não vai existentes na atividade de exploração: o resíduo. resistir, do mesmo modo que o Pará não resistiu”.

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“Embora não seja nenhuma novidade, a marchetaria pode ser muito útil para combater o despejo de resíduos de madeira. Na marchetaria, não existe resíduo pequeno. Você usa tudo, tanto para móveis como para os pequenos objetos de madeira”, explica Niro, lembrando que o despejo inadequado de resíduos pode ser nocivo ao meio ambiente. “Os resíduos de madeira geralmente são trazidos para a cidade e isso acaba virando lixo. Boa parte dos casos de fechamentos de aeroportos no sul do Pará, no Norte do Mato Grosso e Rondônia são causados pela queima de pó de serra, que é algo constante nessas regiões”, relata. O pesquisador diz, no entanto, que o resíduo pode ser usado positivamente, desde que seu despejo seja adequado. Segundo ele, essa é outra meta do projeto: estudar meios para destinar de forma sustentável esses resíduos. “Na floresta, esse resíduo poderia ser transformado em nutrientes para as plantas ou poderia ainda ser usado na área científica, como matéria-prima para a criação de fungos comestíveis”, explica.

vimento de experimentos de exploração florestal e tecnologia da madeira, intercâmbio técnico-científico, treinamento de pessoal e, ainda, favorecer a transferência de tecnologia”, explica Niro Higuchi. Ao longo do projeto, o Inpa vai trabalhar de modo associado com laboratórios da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Universidade Federal do Paraná (UFPr) e Universidade de Brasília (UnB). “Nossa meta é inverter a razão de aproveitamento para 70% de aproveitamento contra 30% de desperdício. Mesmo se conseguíssemos ampliar a taxa atual de aproveitamento para 40 ou 50% isso já seria fantástico, embora acredite que possamos superar essa cota”, garante. Mário bentes

Para que o projeto obtenha sucesso, serão implementadas várias mudanças estruturais no Inpa. Uma delas é a construção de um centro de treinamento na estação experimental do Instituto, localizada quilômetro 45 da BR-174 (Manaus a Boa Vista). Segundo o pesquisador, o centro vai funcionar como espaço de capacitação de pessoal em nível de pós-graduação e graduação. “A ideia é que o centro seja local para desenvolvimento de dissertações e teses que poderão ser úteis não apenas para o projeto, mas para todas as instituições envolvidas”, explica Niro, citando as universidades federais do Amazonas (UFAM), de Brasília (UnB) e do Paraná (UFPR), além da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Outra medida é a recuperação da infraestrutura de laboratórios de tecnologia da madeira. “Vamos permitir ainda o desenvol-

Para o pesquisador Niro Higuchi otimizar a produção de madeira é agir contra o desmatamento

Nadando contra a correnteza

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Sobre a situação hipotética do projeto acabar criando um novo circuito de exploração e, consequentemente, de desmatamento – já que a madeira, beneficiada, poderia ficar ainda mais valorizada –, o pesquisador pondera. “É um risco. Só que neste caso vai ter muito mais visibilidade. Hoje é difícil organizar um setor que não contribui em nada com a formação da riqueza. Enquanto houver um setor completamente desvalorizado, ninguém presta atenção nele”, diz o pesquisador Niro Higuchi, fazendo uma ressalva: “É importante deixar claro que a verdadeira riqueza da Amazônia não

é a madeira. Ela é atualmente o produto com maior liquidez no Brasil, junto com o peixe. Mas a verdadeira riqueza da região é a biodiversidade, que é resguardada pela floresta”, avalia. O engenheiro florestal admite a dificuldade de trabalhar para inverter a lógica do mercado, sobretudo a curto ou médio prazo. Um dos grandes obstáculos, segundo ele, é fazer com que os responsáveis pelo mercado de exploração compreendam o termo biodiversidade. “Fazer da biodiversidade a riqueza de fato, transformar isso em benefício da sociedade é complicado. É difícil ter


isso de forma concreta na cabeça. Então o que estamos fazendo é criar todos esses mecanismos para viabilizar o manejo florestal na Amazônia porque acreditamos que é a única alternativa para segurar a floresta em pé”, salienta, ressaltando que segurando a floresta em pé, você garante todas as funções e serviços ambientais. Uma das formas que poderiam ajudar nesse sentido é a criação de novos valores comerciais menos abstratos para a maior parte da população. Niro cita como exemplo um dos serviços ambientais mais divulgados pela imprensa mundial atualmente: o sequestro de carbono. “Assim como a madeira, a questão do sequestro de carbono começa a fazer parte do mercado. Apesar de não ser algo tangível, concreto, esse serviço passa a ser uma commodity que está sendo comercializada”, explica, ressaltando que esse novo item vai começar a agregar mais valor à floresta manejada em detrimento da floresta derrubada. “É desse modo, agregando valores comerciais à floresta, que vamos criar um sistema em que a lógica comercial não afete o equilíbrio ambiental”, acredita.

Extensão dos benefícios Niro Higuchi acredita também que o INCT Madeiras da Amazônia pode ainda ser positivo do ponto de vista econômico para as populações do interior do Amazonas. A expectativa é que o projeto crie um fluxo comercial em que empresas de pequeno, médio e grande porte instaladas nas cidades possam trabalhar nos possíveis nichos de mercado vindos com os resultados das pesquisas. “Não adianta muito pensar em um projeto apenas por um lado. Temos que levar em consideração o aspecto sócio-econômico da região. Não adianta manter a natureza mantendo também a pobreza”, salienta. Com o andamento do projeto do INCT Madeiras da Amazônia, do Inpa, será possível saber se a região amazônica vai ter seu potencial explorado de modo sustentável e, consequentemente, gerando riquezas, ou se no fim tudo será reduzido a meia-dúzia de singelas vassouras vendidas na esquina mais próxima, à bagatela de R$ 0,50, como no desenho do pica-pau.

Desperdício da madeira - Aproveitamento de tudo o que é derrubado na Malásia:

50%

- Aproveitamento de tudo o que é derrubado no Brasil, mais especificamente na região amazônica:

30%

- Recursos para o Projeto INCT Madeiras da Amazônia: R$ 4,8 milhões, o projeto abrange uma série de atividades de pesquisa voltadas ao desenvolvimento de novas técnicas ou o aprimoramento de outras já existentes que possam auxiliar na otimização do aproveitamento do produto. - A meta do Inpa é inverter a razão de aproveitamento para 70% de aproveitamento contra 30% de desperdício. 35


Prance acredita que o Inpa personifica a ciência na Amazônia

tabajara moreno

Botânica:

primeiro passo para o desenvolvimento da Amazônia

> Por Rômulo Araújo

conhecimento

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alar, hoje, de pesquisas na Amazônia, tanto da fauna quanto da flora é associá-las com acompanhamento da melhoria de vida da sociedade, atendendo às suas demandas e ampliando os conhecimentos existentes. É assim, que os cursos de Pós-Graduação do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em parceria com a Universidade Federal do Amazonas (UFAM) vem, desde a década de 70, capacitando recursos humanos para o estudo de nossa biodiversidade. E se tratando de pesquisadores, como referência nesses trabalhos, é impossível não lembrar um dos maiores na área de botânica no mundo: Ghillean Tolmie Prance, que esteve em Manaus para ministrar um curso e aproveitou para dizer o que pensa sobre o atual papel da pesquisa para o mundo. Desde a criação do curso de Pós-Graduação em Botânica, até o momento, os pesquisadores acreditam que a conquista mais importante foi a formação de recursos humanos, especializados não só para a região amazônica, mas para todo o país. Atualmente existem ex-alunos que foram titulados no Inpa, lecionando e atuando em Universidades e órgãos

como a Universidade de Brasília (UNB), a Universidade de São Paulo (USP) e outras de todas as regiões do sul do Brasil. Aqui na Amazônia estão a maioria. Esses alunos, hoje doutores, formam novos grupos de pesquisa, e cada um titulado vai formar novos grupos, possibilitando a ampliação, considerável, no número de especialistas e professores de Pós-Graduação, atuantes na região e fora dela. A coordenadora do programa, Maria Lúcia Absy, ressalta que a criação do curso foi fundamental para a região, pois hoje ela é discutida no mundo todo. Dentre os desafios e metas que devem ser cumpridos na região Amazônica, o principal, ainda é a formação de novos pesquisadores, levando-se em consideração que a cada pesquisa científica concluída, há também a necessidade de se estudar novos caminhos encontrados para o seu desenvolvimento. Prance afirma que ainda existe muito a se conhecer na Amazônia, devido a sua grande variedade de espécies de plantas, animais e insetos. “O mais importante é saber o tipo de pesquisa que vai ajudar no uso sustentável da região amazônica”, diz ele, orientando também qual deve ser o papel do


novo pesquisador para a continuação desse avanço na região: “Acredito que o mais importante é usar muito do seu tempo em pesquisas, pois ainda há muito a se fazer. Por exemplo, a biologia molecular e as ciências sobre mudanças climáticas, que até agora pouco foi desenvolvido aqui”.

anselmo d’affonseca

Outro desafio é a busca pela melhoria do nível do Curso. A meta agora é ter uma melhor avaliação pelos pesquisadores renomados vindos do exterior para contribuir, ministrando cursos e orientando alunos. “No momento estamos encaminhando a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) um projeto As pesquisas que devem continuar sendo feitas para uma parceria com um dos maiores institupelos novos pesquisadores precisam contribuir, tos de Botânica no mundo, o Kew Gardens, da principalmente, para o desenvolvimento da AmazôInglaterra, de onde vem inúmeros especialistas nia. A coordenadora do programa de plantas tropicais, que vão de Pós-Graduação em Botânica contribuir não só na orientação diz que é preciso ter bastante esministrando aulas, mas tamtímulo para o estudo das plantas. bém identificando novas planDesde a criação “Especialmente aquelas que vão tas”, afirma Maria Lúcia Absy. do curso de ser utilizadas pelas comunidaPós-Graduação em des aqui da Amazônia, por que Após a implantação do prograalém de estudar e terem bons ma, as pesquisas aumentaram Botânica, a formaresultados, eles estarão contrimuito e em diversos campos. ção de pesquisabuindo com a parte social na reIsso se deve graças aos profisgião”, ressalta Maria Lúcia Absy. sionais egressos dos cursos de dores especialistas Pós-Graduação que possibilitam contribui para o O estudante do Programa de a continuação dessas pesquisas, desenvolvimento Pós-Graduação em Botânica, de modo geral. Existem muitos em nível de mestrado, André estudos científicos sendo feitos e da região Rodrigo Rech, diz que é granpublicados, principalmente para de o desafio dar continuidade a melhoria de vida da população. a esse trabalho. “Quem se propõe a ser pesquisador deve estar muito preocuNa visão de Prance, o Inpa é uma personificapado com a utilização racional dos recursos para ção da ciência na Amazônia, que transmite com transformar a condição de vida das pessoas. Acho segurança o resultado de seus estudos. “O Instiesse compromisso fundamental, pois vai determituto, falando de seus estudos, é muito impornar o futuro dos nossos filhos, e tem que permear tante, pois a voz do Inpa é baseada em conhea formação de qualquer pós-graduando”, diz ele. cimento científico e não em mitos”, afirma ele.

37 Estudo de plantas utilizadas pelas comunidades amazônidas contribue com a parte social na região


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Para Maria Lúcia Absy não adianta falar em biodiversidade e não conscientizar as pessoas

Mudanças Climáticas e SBPC Uma preocupação extremamente ligada à ciência da pesquisa na Amazônia é o tema mudanças climáticas. O assunto é mais do que simples abordagem na mídia, é mais que mito, é realidade. O mais importante é conservar a biodiversidade da região e pensar na conseqüência do desmatamento. “A realidade é que o clima está mudando e tem duas razões: todo o carvão e petróleo que estamos usando e o desmatamento no mundo. Temos que caminhar para as outras fontes de energia que não prejudicam a atmosfera, plantar mais árvores e não tirá-las”, alerta Doutor Prance.

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E para conscientizar as pessoas sobre sua colaboração para manter a floresta preservada é necessário que cada pesquisador tenha esse pensamento e repasse adiante. A principal causa dos problemas climáticos do mundo é in-

discutivelmente o desmatamento. “Não adianta falar o tempo todo em biodiversidade e não conscientizar pessoas que a floresta deve ser preservada, e só assim o mundo terá uma continuidade.”, declara Doutora Maria Lúcia Absy. Doutor Prance aproveitou a oportunidade para falar da importância da realização da 61ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que vai debater Ciência e Cultura na Amazônia, em Manaus. Para ele esse debate deve chamar a atenção, principalmente, das autoridades. “É bom por ser Ciência e Cultura e é o ano certo para esse debate, principalmente por ser em Manaus, pois deve chamar a atenção para o futuro da região Amazônica. Espero, também, que tenha assistência dos políticos, pois são eles que precisam ficar atentos para as opiniões da reunião.


Fique por dentro

Biografia, Doutor Prance foi criado o programa de formação de recursos humanos, tutelado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), denominado PIATAM – Programa Intensivo de Adestramento na Amazônia. Criado e desenvolvido em 1971 e 1972, o PIATAM recebeu esse nome por seu significado em língua TUPI: aquele que é bravo, forte, guerreiro. Em 1973, ainda sob o comando do professor Paulo de Almeida Machado, o Inpa reuniu especialistas em Botânica e criou o Curso de Botânica Tropical sob a direção do Doutor Ghillean Tolmie Prance. Estava dado o primeiro passo. As primeiras turmas de Botânica Tropical foram formadas por alunos que se tornaram profissionais atuantes nas instituições da Amazônia.

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Ghillean Tolmie Prance foi o diretor e fundador do curso de Pós-Graduação no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), onde criou programas em Botânica, Ecologia, Entomologia e Ictiologia. Foi treinado como um taxonomista de plantas e dedicou-se durante oito anos em pesquisa de exploração em botânica na Amazônia. Iniciou sua carreira no Jardim Botânico de Nova York, em 1963, como assistente de pesquisa, passando por curador, diretor e em seguida vice-presidente. É autor de 19 livros e editor de mais de 16, tendo publicado mais de 510 trabalhos de interesse científico. Seu interesse é em nível mundial para o desenvolvimento sustentável da floresta e a conservação de ecossistemas em geral. Recebeu vários prêmios e medalhas de reconhecimento por seus trabalhos, incluindo o título de “Sir”, em julho de 1995. É atualmente diretor científico do projeto de investigação e conservação do Eden, na reserva da Biosfera Yaboti, em Missiones, na Argentina. Prance é casado e é pai de duas filhas. O nome do pesquisador batizou 34 espécies de plantas na Amazönia.

História A criação do curso de Pós-Graduação em Botânica, em 1973, foi o primeiro dos muitos passos dados pelo Inpa para a qualificação de pesquisadores que estudassem a Amazônia. A origem da criação do curso foi possível devido à carência de profissionais para tal tarefa, onde o então diretor do Inpa, Doutor Paulo Almeida Machado, em 1971, em parceria com diretores do Museu Paraense Emílio Goeldi, viram-se inquietos diante do fato de se ter apenas um doutor no instituto, o pesquisador Herbert Otto Roger Schubart. A partir daí

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Entre suas contribuições para a pesquisa estão as publicações sobre as ecologias do igarapé e seu livro que aborda a teoria de evolução

Eduardo gomes

Uma aventura pelo

Amazonas

Assim, a menina filha de pastor teve uma educação rígida e uma liberdade invejável - o estudo om jeito simples e uma voz serena, ainda carem troca de poder escolher seu próprio caminho. regada pelo sotaque suíço, a pesquisadora E dessa criação já poderia se imaginar o futuro dado Instituto Nacional de Pesquisas da Amaquela criança que logo ganhou asas e iniciou suas zônia (Inpa), doutora Ilse Walker, relata uma escolhas. Aos 16 anos foi estudar em Zurick, para verdadeira história de garra concluir o Ensino Médio e, de lá, e coragem. Esse será um denunca mais voltou para aquele senho de uma vida definida vilarejo que, em sua memória, “O Inpa era na por ela como “aventureira”. ficou como o marco principal mata alta, só de sua escolha pela pesquisa. Criada em um vilarejo, mutinha uma trilha de nicípio de Zurick, na Suíça, “Isso dirigia a minha vida”, diz barro, mas foi ali levando uma vida de caboclos, a pesquisadora sobre a infância cresceu em meio a floresta e na floresta e nos igarapés. A paique me encontrei” os braços de rio que passaxão pela natureza e as coisas que vam pelo quintal de sua casa. dela nasciam, surgiu bem cedo. Walker conta que quando crianIlze já previa seu destino, só não ça estudava de segunda a sábado mas, após o imaginava que fosse tão longe. Fez mestrado, doualmoço, seu compromisso era com o verde que torado e pós-doutorado, todos na área de zoologia. brotava atrás de sua casa, além dos incansáveis banhos de igarapés com amigos e irmãos. SegunA pesquisadora viajou por muitos lugares, do ela, seus pais só impunham uma condição: aprendendo e passando conhecimentos. Consàs seis da tarde todos deveriam estar de volta. truiu em suas caminhadas, amizades que a dis> Por tharcila martins

Biografia

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tância fortaleceu e outras que o tempo deixou apenas na memória. Foi em uma dessas viagens que Ilse conheceu o então diretor do Inpa, na década de 70, doutor Warwick Kerr, e daí iniciou uma caminhada que a levaria para o Amazonas.

tou uma carona foi há dois anos, quando estava caminhando pela Ponta Negra e um casal a abordou alertando-a do perigo de andar a noite pela área. “Foi quando aceitei a carona e entrei no carro do simpático casal que me ajudou”, relata.

Ilse chegou a Manaus em 1976. Com ela também vieram sonhos e uma imensa vontade de descobrir os segredos da Amazônia. Segundo ela, na época, ninguém queria vir para o Amazonas, pois achavam que a região era o terceiro mundo, mas ela pensava diferente.

Com uma vida de aventuras, encontros e desencontros, Ilse tem a certeza de suas contribuições para os trabalhos no Inpa e desenvolvimento científico na área estudada. Ela destaca com grande orgulho as publicações sobre as ecologias do igarapé e seu livro que aborda a teoria de evolução. Ilse Walker, dona de uma história de conquistas, de paixões pelo Amazonas e dedicação a pesquisa.

A jovem de Zurick viria apenas passar uns anos em Manaus, pois havia pedido licença do seu trabalho em Londres, mas após encerrar seu prazo, ela teve que escolher seu caminho. Assim, ela arriscou e decidiu navegar pelos igarapés e andar pela mata, sempre em busca de algo novo e fascinante para nortear sua vida.

Primeiros dias no Amazonas O choque cultural foi bem marcante, mas não impediu a permanência de Ilse no Amazonas. Segundo ela, logo que chegou havia muita dificuldade com água e luz. “O Inpa era na mata alta, só tinha uma trilha de barro. O Coroado só tinha uns barracos de madeira. Mas foi ali que eu me encontrei”, afirma. Aos poucos ela foi se adequando aos moldes de sobrevivência do amazonense e descobrindo como e por onde começar um trabalho que só ganhou destaque após seu desenvolvimento. No Inpa, Ilse começou pesquisando insetos do igapó e do igarapé, na mata. Segundo ela, já navegou muito de canoa, pelo flutuante do Instituto, desenvolvendo seus trabalhos. Essa foi a vida que escolheu, uma decisão que, segundo ela, foi a mais correta. Atualmente, Ilse parou de coletar materiais de igarapé e da mata para finalizar pesquisas que vem colhendo ao longo dos anos. Em sua sala, está rodeada de livros, muitos com textos dela e outros que servem para auxiliar sua fundamentação. Ela vive para a pesquisa, prova disso é que ao ser questionada sobre aposentadoria, ela não reluta em responder que ainda quer trabalhar muito.

Família “A distância da família nunca foi problema. Meus pais, desde cedo, me deram oportunidade de estudar, o que me tornou uma mulher decidida e certa de meus ideais”, declara Ilse, completando: “Percebi que esse era meu destino há muitos anos, quando eu ainda tinha 25 anos. Descobri que eu não queria ter filhos, nem me vincular a família. Todo relacionamento que eu tinha, crescia um pouco da certeza que hoje tenho”. A pesquisadora sempre foi uma mulher reservada e conta, com risos, que a primeira vez que acei-

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De mãos dadas com o Inpa, o orgulho da > Por eduardo gomes

O

significado da palavra parceria é considerado como a reunião de pessoas para um fim de interesse comum, ou seja, o ato de agrupar determinadas pessoas ou empresas que busquem aliar-se para conquistar objetivos interligados. Com entendimento e aceitação de diversos aspectos, grandes parceiros se ajudam com o objetivo de conseguir o sucesso desejado. Assim acontece com o Inpa, que ao longo de uma evolutiva caminhada, aliou-se a empresas que enfatizam e mostram preocupação Marcelo José Dutra Secretário Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade (SEMMA)

parceria

eduardo gomes

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“O Inpa tem dois momentos, o primeiro é quando durante muito tempo ele pesquisou, resgatou, encontrou e buscou caminhos dentro da realidade amazônica, dentro desse mundo chamado Amazônia. O segundo momento é quando tudo isso começou a ser transformado em soluções ambientais, solução para indústrias, para a gestão pública, onde os governos começam a encontrar a parceria e o subsidio. Hoje o Inpa é um órgão indispensável para a gestão sustentável de qualquer governo, seja ele local, regional ou nacional. O Inpa é uma fonte de consulta de parceria, de apoio tecnológico para qualquer gestão. Nós temos orgulho de termos o Inpa e de termos nos seus anais soluções ambientais , sustentabilidade e conhecimento tecnocientífico para poder identificar quem somos nós e para onde podemos ir”.

com ações que induzem a uma conscientização voltada para a educação ambiental. Quando se está em parceria, em busca de um mesmo ideal, a energia que provêm desta união se fortalece e se entrelaça procurando alcançar o sucesso, o bem estar e, conseqüentemente, a felicidade, para posteriormente obter os resultados possibilitados pela iniciativa. A seguir, alguns de nossos parceiros aceitaram o convite para falar sobre a importância do Inpa para a consolidação da pesquisa em nível nacional e local, durante esses 55 anos. Flávia Grosso Superintendente da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA) DIVULGAÇÃO/suframa

“Instituição reconhecida em âmbito nacional e internacional devido à multiplicidade de estudos científicos desenvolvidos sobre a Região Amazônica, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) é ator fundamental no processo de estruturação de um pólo de bioindústria na Amazônia brasileira, que oferece um imenso leque de alternativas ao desenvolvimento socioeconômico da região. Seu papel é de grande relevância nessa cadeia produtiva, pois é um repositório importante do conhecimento científico relacionado aos recursos naturais da floresta amazônica. As pesquisas realizadas pelo Instituto podem servir de base para os trabalhos realizados pelo Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA) que, na condição de centro de inovação tecnológica, tem a missão de promover ambiente favorável à inovação, ao desenvolvimento e à difusão de produtos e processos a partir da matéria-prima originária da nossa biodiversidade, na direção do mercado”.


Amazônia Marilene Corrêa

Maria do Rosário Lobato Rodrigues

“Entre outras instituições nacionais de ciência e tecnologia do Brasil, o Inpa firmou-se na região amazônica como uma organização cientifica ímpar, cuja trajetória identitária foi reforçada pelas escolhas disciplinares que definiram sua vida institucional. O INPA foi capaz de articular o conhecimento da natureza biótica com olhar científico sobre sociedades, biomas, ecossistemas, tecnologias apropriadas, populações humanas, formas de adaptabilidade de seres vivos ao Trópico Úmido. Este perfil do INPA permitiu caracterizar seu lugar na pesquisa científica brasileira e mundial e na concentração de esforços para dar aos campos disciplinares das ciências da natureza as bases de um projeto de investigação para a Amazônia. Este projeto ganhou vários contornos ao longo do tempo, mas manteve a identidade inicial, tal seja, o conhecimento da natureza e as transformações que possa receber das pressões do ambiente social, da economia predatória, da evolução e, consequência, dos impactos da sobrevivência humana na região. Ao conciliar organização, projeto científico, intervenções de pesquisa prioritárias assim como campos disciplinares privilegiados, o Inpa deu ao Brasil e ao mundo a possibilidade de o conhecimento desvendar a vida natural dos Trópicos, sua interdependência e influência em outras dimensões da vida no planeta. Dimensão importante da evolução do Inpa na Amazônia tem sido a sua disposição intelectual de interagir com outras instituições de pesquisa do mundo. Esta atitude lhe qualificou como parceiro institucional de projetos pioneiros e de grande envergadura, como é o caso das pesquisas de mudança climática, onde a UEAUniversidade do Estado do Amazonas tem o privilegio de compartilhar os Programas de Mestrado e Doutorado em Clima e Ambiente, entre outras iniciativas importantes”.

Chefe-Geral da Embrapa Amazônia Ocidental

“Na sua obra O Complexo da Amazônia, o pesquisador Djalma Batista diz que somente com conhecimento em Ciência e Tecnologia se poderá desenvolver essa região. Recentemente a Professora Bertha Becker reafirma ser este o caminho para o desenvolvimento da Amazônia, adicionando o termo educação. Um dos fundadores e diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), entre os anos de 1959 e 1968, Batista era um visionário e se vivo estivesse teria orgulho de participar do aniversário de 55 anos dessa importante instituição. Ao longo de sua existência, o INPA vem assumindo a responsabilidade crescente na tarefa de produzir conhecimento, estabelecendo um compromisso com o desenvolvimento sustentável, a defesa do meio ambiente e de seus ecossistemas, expandindo os estudos sobre a biodiversidade, a sociodiversidade, os recursos florestais e hídricos, constituindo-se em referência mundial em Biologia Tropical. É hoje um dos mais importantes parceiros da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) nas diferentes áreas de pesquisa na Amazônia. Ambas as instituições têm como desafio desenvolver e divulgar formas sustentáveis do uso dos recursos naturais da Amazônia, realizando estudos científicos do meio biofísico e das condições de vida das populações da região amazônica. O desafio de conciliar o desenvolvimento com a preservação ambiental é a meta que une as instituições. Neste momento de jubilo por 55 anos de árduo e profícuo trabalho congratulamos ao Inpa pelo desafio aceito e brilhantes resultados alcançados nos seus 55 anos de existência”.

DIVULGAÇÃO/embrapa

DIVULGAÇÃO/uea

Reitora da Universidade do Estado do Amazonas (UEA)

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Governador do Estado do Amazonas

divulgação/AGECOM

“O Inpa não é apenas importante para o Amazonas mas, principalmente, para a Amazônia, e para a releitura de uma nova

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relação entre o homem e a natureza. Ciência, tecnologia e pesquisa são fundamentais se quisermos valorizar a floresta, e vencer um desafio do mundo moderno de desenvolvimento sustentável. Portanto, quero parabenizar o Inpa nesse aniversário de 55 anos, por ser essa importante instituição que tanto tem contribuído para o esclarecimento dos mistérios da Amazônia, e agradecer principalmente às pessoas, afinal grandes instituições são feitas por pessoas e muitas pessoas extraordinárias passaram pelo Inpa. Eu, por exemplo, usei a biblioteca do Inpa durante a época em que fui estudante universitário para estudar, e também me beneficiei do bandejão do refeitório. Quero parabenizar e agradecer ao Inpa, e dizer que se vamos chegar mais forte à Copenhagen é porque nós aprendemos mais sobre a natureza e sobre a floresta amazônica graças ao trabalho de instituições como o Inpa”.

Luiz Castro

Diretor–Presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM)

Deputado Estadual e Presidente da Comissão do Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do Amazonas (ALE)

“Impossível falar sobre ciência na Amazônia sem lembrar o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. A Amazônia, sabe-se, concentra um número de pesquisadores absolutamente desproporcional em relação a sua magnitude e a sua propalada função estratégica para o país e para o mundo. Sabe-se, por outro lado, que essa grandiosidade do território se traduz numa extraordinária e diversificada biodiversidade sobre a qual há muito conhecimento a ser gerado. O Inpa tem desafiado esse descompasso com enorme ousadia, valendo-se da competência e da competitividade de seus pesquisadores, o que é claramente demonstrado pelo volume de recursos federais e estaduais captados, inclusive numa sólida parceria com a Fapeam. Não há dúvida de que, nesses 55 anos, a Amazônia acumulou uma dívida impagável com o Inpa, por tudo o que ele representou e representa para o avanço científico sobre a região.”

DIVULGAÇÃO/fapeam

Odenildo Sena

“Falar sobre o Inpa é reverenciar o valioso trabalho científico desenvolvido por pesquisadores deste instituto, pioneiro no estudo do complexo ecossistema amazônico e dos povos da região. Ao longo dos anos o Inpa vem se notabilizando na pesquisa através da interação homem/natureza, com o compromisso de promover o conhecimento científico e tecnológico da Amazônia. Missão esta, sempre cumprida de olhos voltados para a conservação do meio ambiente e para o desenvolvimento sustentável da região, em favor das populações indígenas, dos nossos caboclos e ribeirinhos. Hoje, apesar das dificuldades, o Instituto toma para si o desafio de buscar um novo modelo de gestão do conhecimento, com o objetivo de atender as demandas por novos conhecimentos e pesquisas. Parabéns à direção do Inpa, aos pesquisadores e servidores administrativos, pelos 55 anos do instituto”.

eduardo gomes

Eduardo Braga


José Aldemir de Oliveira Secretário de Estado de Ciência e Tecnologia (SECT)

Heitor Vieira Dourado tabajara moreno

Presidente da Fundação Djalma Batista (FDB)

JUiz titular da Vara do Meio Ambiente de Questões Agrárias (VEMAQA)

“O Inpa em mais de meio século obteve credibilidade mundial pela relevância de suas pesquisas em desvendar as potencialidades deste que é o mais importante tesouro ambiental do novo milênio, a Amazônia. Em meio às importantes atribuições dos cientistas no âmbito da fauna, flora, recursos hídricos, um aspecto aproximou o Inpa do Poder Judiciário em uma parceria extremamente profícua que já dura mais de uma década. Durante esse período o Instituto tem recebido em suas dependências infratores ecológicos cujo perfil diferenciado permite a participação em um projeto de ressocialização de características únicas e que principiou quando da instalação da Vara do Meio Ambiente de Questões Agrárias. Assim a visão do Bosque da Ciência traz a essa delinquência ecológica grandes possibilidades de reinserção social, algo que dificilmente ocorreria nos moldes punitivos tradicionais. A própria Lei de Crimes Ambientais denota a importância de que tais medidas sejam cumpridas em unidades de conservação, jardins etc. Acredito que o Inpa, que já é patrimônio dos amazônidas, tem na au-

“O Inpa é com certeza uma das instituições mais importantes da região amazônica, primeiro por possuir uma atividade multiplacetaria, ligando ciências humanas a agronômicas, e agora com algumas áreas em nanoteclogia, sendo que o Inpa manteve durante muitos anos a divulgação de suas pesquisas manifestada para a comunidade cientifica e não para a comunidade de uma maneira geral, o que está sendo revertido. As pesquisas desenvolvidas no Inpa são orientadas para beneficiar as atividades do homem. O instituto é um berço de conhecimento, e a partir de agora possui uma série de recursos e ampliações sobre suas atividades. Sempre brigamos contra o colonialismo, e a Amazônia por muito tempo viveu subjugada com o conhecimento cientifico desenvolvido para fora da Amazônia. É extremamente fundamental a atitude do Inpa nesses 55 anos”.

DIVULGAÇÃO

Adalberto Carim

tabajara moreno

“Em primeiro lugar é necessário compreendermos qual o papel de uma instituição de pesquisa. Um instituto de pesquisas, assim como em uma universidade, não necessariamente todos os conhecimentos que vai se produzindo irão se transformar em produtos e processos, daí a necessidade de termos uma instituição pública republicana como o Inpa que gera conhecimento que podem contribuir para o nosso desenvolvimento, mas sobretudo gerar conhecimento fundamental como um compromisso ético com as futuras gerações. Temos que conhecer não apenas para transformar em produtos e processos, mas a finalidade é gerar conhecimento com um compromisso ético com as futuras gerações. A importância é significativa para o Amazonas, para a Amazônia e para a humanidade por que gera um conhecimento em uma área muito importante como a Amazônia, que é o futuro da humanidade. Ter um instituto como o Inpa que pesquisa a biodiversidade, a natureza da Amazônia é fundamental”.

rora do novo centênio um papel preponderante no sentido de alavancar com sustentabilidade essa região para o patamar de desenvolvimento e qualidade de vida, servindo de exemplo a todo o planeta”.

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Severiano Po U

ma arquitetura ímpar que utiliza a natureza como o material mais importante na construção de uma obra. Um conceito como esse não poderia passar despercebido, principalmente, quando uma delas está comemorando 55 anos. Mais que prédios ou arranha-céus, esse arquiteto da natureza está erguendo história. Por tudo isso, nessa edição, abrimos espaço para fazer uma justa homenagem ao arquiteto Severiano Mário Porto, responsável pela estrutura do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).

homenagem

Falar sobre Severiano não é difícil, principalmente, quando este é objeto de estudo de monografias ou recebe um lugar de destaque em sites de arquitetura. O site Vitruvius (www.vitruviu.com.br) lembra que, para fazer uma casa, Severiano Porto só precisava de algumas toras de madeira, pranchas e sarrafos. Os projetos eram pensados de acordo com o clima, as técnicas e materiais locais.

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Em entrevista ao site, Severiano, que viveu durante 36 anos em Manaus, conta que se transferiu para a capital do Amazonas em 1965, mas conheceu a cidade dois anos antes quando fora de férias, “com passagem aérea de cortesia”. Profundamente tocado pela natureza quase primitiva que cercava a cidade de então 250 mil habitantes, ele recordou a beleza e a suntuosidade da Amazônia, onde o silêncio só é comparável às suas proporções, “torna o homem muito pequeno”. Com tantos materiais e técnicas à disposição, Severiano disse, na entrevista, que o homem sempre tirou da mata o que necessitava, de maneira inteligente, com ferramentas muito simples. No Encontro Regional de Tropicologia, ocorrido no Recife em 1985, o arquiteto afirmava que seu aprendizado partiu da observação da integração do homem com o rio, com a casa e o barco mas mantinha soluções estéticas ligadas à funcionalidade, como a construção de varanda e outros detalhes. “Quando o rio sobe, o caboclo constrói um assoalho mais alto, quando o rio desce, ele des-

faz o assoalho, adaptando a casa ao movimento das águas”. No interior da floresta, a casa é feita de palha, com aberturas para sair o ar quente e a própria palha agindo como elemento isolante. A Universidade do Amazonas, projetada em 1973, menção honrosa do IAB/RJ (1987), constitui referência importante de conciliação de conceitos regionais e universais. Situada em uma área de 6,7 milhões de metros quadrados nas bordas da floresta, é conformada por pequenos módulos espalhados mas interligados, para melhor aproveitamento dos ventos. Protegidos por dupla cobertura isolante, são servidos por muito espaço aberto para a livre circulação do ar. O conjunto integra-se à natureza, cria condições naturais de conforto ambiental e se acomoda ao terreno, evitando movimentação de terra e desmatamento.

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A preocupação de Severiano na Amazônia centrava-se não somente no emprego dos materiais, mas no aproveitamento dos ventos, na proteção máxima contra o sol e nas condições topográficas. Em concreto e com adaptações ao clima, ele projetou o ambulatório médico do Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Amazonas (Ipasea), com brises na fachada e pé-direito alto para ventilação livre, agências de bancos, a Assembléia Legislativa, o estádio Vivaldo Lima, reservatórios de água de Manaus, cujo projeto, fruto de concurso, repetiu-se inúmeras vezes em outros pontos do Estado. Na sede da Suframa – Superintendência da Zona Franca de Manaus – o arquiteto elaborou uma série de módulos de concreto em forma de tronco de pirâmide oca que funcionam como coifas para tiragem do ar quente. No Inpa não poderia ser diferente. “Todo projeto que fazemos, nós vivemos o cliente. Pensamos nas necessidades e no que pode ou não ser feito. Logo que começamos, ele estava nascendo. Foi o início das descobertas científicas e da construção de um Instituto forte que hoje ele é. O Inpa é muito importante para a região amazônica, pois possui pesquisas muito relevantes. Quando pensamos na estrutura do


Porto

O arquiteto da natureza

local, nos preocupamos em não mexer muito, pois nos preocupamos com o clima, região e topografia. Tudo isso contribuiu para que pudéssemos fazer um bom trabalho. Fico feliz em ainda estar na terra e saber que ele completa 55 anos de existência”, relata. Em um artigo para o mestrado, a então mestranda Letícia de Oliveira Neves, aponta Severiano Porto como um dos arquitetos brasileiros pioneiros a atuar na região amazônica, conhecido nacional e internacionalmente. Em seu ensaio Letícia lembra que a questão ambiental, desde o início, foi prioritária em seu trabalho, por se tratar de intervenções em um ambiente extremamente delicado.

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Severiano Mário Porto é mineiro nascido em Uberlândia, no ano de 1928. Formou-se arquiteto pela Universidade do Brasil, Rio de Janeiro, em 1954. Na década de 60 se estabeleceu em Manaus, onde passou a desenvolver uma arquitetura pertinente à realidade local, incorporando materiais e técnicas regionais a sua arquitetura. Em sociedade com Mário Emílio Ribeiro, projetou e construiu uma numerosa obra, que se consagrou como “arquitetura amazônica”. Dentre suas principais obras, destacam-se a Sede da Petrobrás, 1969, a Sede da Superintendência da Zona Franca, 1971, o Campus da Universidade do Amazonas, 1973, e o Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia.

fotos: vitruviu.com.br

tabajara moreno

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4 Entre as principais obras de Severiano Porto (1) estão o estádio Vivaldo Lima (2), a Superintendência da Zona Franca de Manaus (3), o Instituto Nacional de Pesquisa (4) e a Universidade Federal do Amazonas (5). Nesses lugares, como ninguém, ele soube utilizar o meio ambiente como o elemento mais importante do local

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Lúcia Yuyama confirma que a consequência de uma boa alimentação não poderia ser outra: bom desempenho e estado adequado de saúde e nutrição

Frutos

Potencialidade

da floresta para a mesa do brasileiro

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da Amazônia: > Por leila ronize

E

m uma região tão rica em diferentes espécies de frutos é difícil entender como existem pessoas com quadro de desnutrição no estado. Afinal, o que fazer mediante a riqueza da mega biodiversidade amazônica para amenizar esse cenário? Foi o que se propôs a responder a nutricionista de formação e pesquisadora de paixão, Lúcia Yuyama, que, em julho de 1997, iniciou as atividades na linha de diagnóstico das condições de saúde e nutrição envolvendo diferentes segmentos populacionais, em particular pré-escolares, gestantes e nutrizes. Na linha de frente dos frutos que têm viabilidade nutricional está o camu-camu (Myrciaria Dubia H.B.K McVaugh), considerado o mais rico em vitamina C do mundo. Parece exagero? Não, depois de ouvir a explicação da pesquisadora: “A mega biodiversidade amazônica, de fato, não encontra paralelo no planeta, em particular os alimentos oriundos das espécies vegetais e pescados. No caso do camu-camu podemos afirmar que apenas um fruto de tamanho médio, satisfaz as necessidades em termos de vitamina C, tendo como referência um homem adulto”, conta.

riqueza recém descoberta deve ser incentivada como fonte nutricional não só de vitamina C mas como alimento funcional. Aquele que além da nutrição tem efeito benéfico à saúde, prevenindo doença”, alerta Yuyama.

A revelação até poderia trazer um certo desânimo, não fosse outros resultados alçados pela pesquisadora durante seu estudo que reafirma teorias e desfaz mitos. Por exemplo, a pupunha, o tucumã, o buriti e o umari são fontes de provitamina A, energia, fibra alimentar e elementos minerais. E tem mais: o açaí, tão apreciado pelos amazonenses, também está no rol dos melhores, pois tem fibra alimentar e antocianina (antioxidante natural), mas, Pupunha, tucumã, ao contrário do que se pensa não cura anemia. “O teor de buriti e umari ferro no açaí é ínfimo, como são fontes uma variação na ordem de 0,5 de provitamina A, a 1,2mg em 100g do suco e não cura a anemia”, confirma. energia, fibra

alimentar e elementos minerais; já o açaí, tão apreciado pelos amazonenses, também está no rol dos melhores, pois tem fibra alimentar e antocianina (antioxidante natural)

Mas, o que parecia ser a resposta para todos os males, esbarra em obstáculos. O problema é que, apesar de a descoberta e divulgação da alta concentração de vitamina C no camu-camu, e sua adaptabilidade em terra-firme, este fruto ainda não compõe o hábito alimentar da população em geral e, ainda, é baixa a demanda pelas agroindústrias. Um dos fatores que contribuem para a restrição do seu consumo é o sabor muito ácido da polpa e o amargor da casca, levando à necessidade de pesquisas para o melhor aproveitamento do fruto. O que falta? Tecnologia adequada quando do processamento da polpa e agregação de valor. “Essa

Já a castanha da Amazônia é tida como a maior fonte de selênio. Com apenas uma amêndoa as necessidades de selênio (em um homem adulto) são plenamente contempladas. Porém, sugerese não consumir mais que três amêndoas diariamente, pelo efeito tóxico. Tem, ainda, a sapota e abricó como fonte de provitamina A e o cubiu, fonte de fibra alimentar, em particular pectina.

Mas, nem tudo que está ao alcance das mãos pode ser ingerido in natura. “Os frutos oriundos da floresta amazônica, primam pela acidez, o que determina seu consumo na forma de néctar, refrescos, doces, tortas, sorvetes, preparações salgadas e farinhas. Para tanto há necessidade dos cuidados básicos quanto a higiene que vai desde a coleta até o consumo”, declara. O mesmo cuidado deve ser redobrado, quando dessa alimentação, depende o desempenho de crianças em idade escolar. Para Lúcia Yuyama socializar os conhecimentos, em par-

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ticular a um grupo seleto que são os pré-escolares e escolares, na forma de alimentação saudável e variada é um desafio sob todos os aspectos. “O desempenho dos alunos em sala de aula depende de uma série de fatores, como a alimentação saudável e variada, uma vez que muitos nutrientes essenciais advém de alimentos de origem animal e vegetal e que devem ser consumidos em quantidades adequadas, de acordo com as recomendações nutricionais em função do estágio de vida, gênero, atividade física e estado fisiológico. Partindo do pressuposto do consumo de toda a merenda oferecida, certamente o desempenho dos escolares será melhor”.

to colorido. “A garantia da saúde, nutrição e qualidade de vida passa pelo incentivo à alimentação saudável e variada por meio da valorização de alimentos autóctones com consumo regular de uma variedade de frutas, legumes e verduras, juntamente com alimentos ricos em carboidratos pouco processados”. E, quem pensa que a missão da pesquisadora terminou, está enganado, Yuyama ainda tem muito que estudar. “Em particular a interface homem, sociocultural, ambiente e segurança alimentar e nutricional”, conclui. fotos: tabajara moreno

A receita vem de um órgão que há 55 anos se dispôs a acumular conhecimento para o bem das populações amazônidas. “Compete ao Inpa, por meio das atividades de pesquisas, disponibilizar um banco de dados, completo, quanto aos constituintes nutricionais, que se traduz em Tabela de Composição Química de Alimentos da região Amazônica; sugerir cardápios regionais por meio de agregação de valor, devidamente avaliado, e que atenda as exigências nutricionais (15%) das recomendações diárias; avaliar a vida de prateleira das farinhas com valor agregado e o impacto da utilização na redução e/ou recuperação de processos carências”. A consequência de uma boa alimentação não poderia ser outra: bom desempenho e estado adequado de saúde e nutrição, uma vez que hoje uma das grandes preocupações é a desnutrição pela falta de consumo de alimentos fontes de energia e micronutrientes, e a desnutrição, causada pelo excesso redundando em sobrepeso e obesidade e doenças crônicas não transmissíveis (diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares e certos tipos de cânceres), baseado em consumo de alimentos ricos em energia e que pouco contribui em termos de micronutrientes como (refrigerantes, alimentos industrializados, frituras e alimentos com alta densidade energética). Yayama recomenda consumir um pouco de tudo e que seja mui-

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Pesquisadora revela que compete ao Inpa disponibilizar um banco de dados , que se traduz em Tabela de Composição Química de Alimentos da região Amazônica



Um lugar onde as

plantas contam histórias fotos: Eduardo gomes

A coleção do Herbário Inpa começou a ser criada em 1954, quando o Instituto se instalou em Manaus

> Por Eduardo Gomes

coleção

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ual o melhor lugar para se encontrar plantas dos mais diversos tipos: em um jardim? bosque? reserva florestal? Ou até mesmo no quintal de sua casa? Talvez você nem imagine, mas existe uma “biblioteca” que no lugar de livros, reúne plantas em suas prateleiras. Ela é conhecida como Herbário. Isso mesmo, os Herbários são coleções de onde se retiram e adicionam informações sobre cada uma das conhecidas e novas espécies de plantas. Eles agrupam grande quantidade de informação e dados sobre a diversidade vegetal de determinada região. As espécies são coletadas, cuidadosamente pressionadas e coladas em papel pesado, e quando conservadas corretamente, podem durar centenas de anos. As amostras encontramse catalogadas e identificadas com informações

sobre as plantas e o local onde foram colhidas. Geralmente os herbários são mantidos por instituições de pesquisa e ensino, que se responsabilizam pela conservação, organização e utilização de suas coleções. O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) possui a maior referência em biodiversidade, representada, principalmente, através de suas coleções científicas. Exemplo disso é o Herbário Inpa,considerado como a maior coleção de plantas da Amazônia e o quinto maior do Brasil, que comemora seus 55 anos de existência juntamente com o Instituto. Esta coleção começou a ser criada em julho de 1954, na mesma época em que o Instituto se instalou oficialmente na cidade de Manaus. Provisoriamente o Herbário ocupou uma pequena sala do prédio, que serviu de sede inicial


para o Instituto, localizado na rua Simão Bolívar 203, próximo à Praça da Saudade. No princípio, as plantas eram secas à luz do sol, devido à crise de energia elétrica generalizada na cidade, e depois de secas eram guardadas em esA primeira tantes improvisadas de madeira. Este período de dificuldades durou até o momento em que a coleção foi transferida para sua segunda sede, localizada no décimo andar do edifício IAPETC (hoje INPS), Dom Pedro II, onde as condições para a instalação e conservação de um Herbário eram bem melhores, que as que se encontravam. A primeira amostra herborizada, foi uma Ambelania Tenuiflora, conhecida popularmente como pepino-do-mato, colhida nos arredores de Manaus, no dia 30 de agosto de 1955, pelo auxiliar de campo, Joaquim Chagas de Almeida, que, alguns anos antes, havia participado de expedições com o botânico Adolfo Ducke, pelas proximidades de Manaus.

tivo de guardar e preservar as coleções botânicas, que na época contava com 28.403 amostras. Só em 1973 se conseguiu erguer a atual estrutura do Herbário Inpa, todo feito em madeira.

coleção científica a ser criada no Inpa, comemora seus 55 anos juntamente com o instituto. O Herbário Inpa pertence à categoria de herbário regional, e tem 90% de seu acervo composto por representantes da flora Amazônica e de outros países da bacia Amazônica

A mudança para um prédio próprio, localizado no Campus do Inpa, estrada do Aleixo, Km 3, só aconteceu em 1971, com o obje-

Para se ter idéia do grande número de coletas, que incrementou o processo evolutivo de criação do Herbário, basta citar que inicialmente ele levou cerca de 21 anos para atingir a marca de 50 mil exemplares catalogados (1975), e apenas seis anos para dobrar esse número (1981). Atualmente existem mais de 200 mil espécies catalogadas. Um dos principais fatores que contribuíram para o rápido desenvolvimento da coleção, foi o funcionamento do curso de pós-graduação em botânica no Inpa, a partir de 1973, com o objetivo básico de intensificar o levantamento dos recursos naturais nativos e o estudo da vegetação e das condições ecológicas de cada ecossistema.

De acordo com o curador do Herbário, Carlos Franciscon, para que uma planta possa dar entrada no Herbário, são necessárias outras informações a respeito da amostra cole-

53 O Herbário Inpa levou 21 anos para atingir a marca de 50 mil exemplares coletados e apenas 6 anos para dobrar esse número


tada, como por exemplo: tamanho, textura, cor, local onde foi coletada, data de coleta e qualquer detalhe que possa ser útil na identificação. “Essas informações compõem a ficha da planta. É como se fosse a ficha catalográfica de um livro, contendo informações sobre o autor, título, editora e assuntos desenvolvidos. São informações que se não forem registradas no momento da coleta podem ser perdidas, o que impossibilita a planta ser uma amostra científica”. Essa coleção de plantas intitulada “Herbário Inpa” desenvolve um intercâmbio entre coleções nacionais e estrangeiras, enviando e recebendo material para estudos, na intenção de obter dados diversificados sobre as plantas ou também identificar espécies. O Herbário vem ao longo dos 55 anos de trajetória, prestando serviços relevantes como fonte de consulta de profissionais que necessitam de dados básicos disponíveis como, por exemplo, taxonomistas, fitogeógrafos, ecologistas e dos demais estudiosos de outras disciplinas do campo científico.

de aumento no número de agressões cometidas direta e indiretamente ao meio ambiente. No entanto, nota-se a tamanha importância em guardar informações de espécies que daqui a alguns séculos poderão não mais existir. Hoje o Herbário Inpa desperta bastante curiosidade em pesquisadores e estudiosos de vários lugares do mundo, não somente por agrupar um grande fluxo de informações sobre plantas de outros lugares do país e do mundo, mas especialmente sobre as espécies da região amazônica, d o s

No momento da coleta são identificadas informações de tamanho, textura, cor e local da espécie

O início deste processo nomeclatural deu-se a partir do momento em que o sueco Carl Von Linné, estabeleceu o sistema de dar nome aos organismos, com a intenção de identificar cada espécie e suas subdivisões. Conhecido normalmente como Lineu, ele foi botânico, zoólogo e médico, criador da nomenclatura binominal e da classificação científica, sendo considerado ‘pai da taxonomia moderna’.

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O seu procedimento de nomenclatura foi explorado e aplicado nos livros “Fundamentação Botânica” e “Classes Plantarum”, além de outras publicações, em que ele fez referência à aproximadamente 7.700 espécies de plantas e 4.400 espécies de animais. Calcula-se que aproximadamente 420 mil espécies de plantas diferentes habitam no planeta terra, mas apenas cerca de 80% foram descobertas e têm nome. Esse período de identificação e armazenamento pode ser ainda mais complexo devido ao gran-

mais d i versos tipos, cores e tamanhos. Ele possui duas coleções associadas: a carpoteca (coleção de frutos) e a xiloteca (coleção de madeiras). Todas as plantas possuem uma amostra correspondente em cada uma das coleções. Plantas férteis, com flores e frutos são as mais importantes para as coleções, afinal a divisão entre frutos, folhas e madeira poderá ser feita entre as coleções interligadas, para registro de novas espécies.


Tire suas dúvidas Coleções associadas Carpoteca

Uma biblioteca carregada de frutos e curiosidades, assim é conhecida a coleção de frutos do Inpa, estando associada ao Herbário. Pode parecer diferente, mas os frutos não estão presentes apenas na feira, no pomar, ou em sua mesa de café da manhã. Muitas espécies d e

sobre cada espécie coletada e registrada.

Xiloteca

Uma coleção de madeira é de grande relevância para conhecer o valor científico e econômico das madeiras existentes no Brasil e no mundo. Ao mesmo tempo, seus exemplares servem como fonte de estudo, analisando as propriedades físicas, durabilidade e conservação da madeira. Cada uma das espécies registradas é como um sumário ou uma dissertação que engloba vasta informação, representando grande importância em museus, escolas e universidades, por seu valor didático e docente. A coleção de madeira ou xiloteca foi inserida ao Projeto Centro de Excelência, como um dos componentes do Programa Piloto do Governo Brasileiro

O que são plantas?

Só para refrescar a memória: plantas são seres vivos que pertencem ao reino plantae, e que na maioria das classificações, é qualquer um dos vegetais vivos verdes que contém clorofila. Geralmente a maioria dos alimentos que comemos provêm das plantas.

Cuidados de colecionador

frut o s existentes no ecossistema são coletadas e registradas como amostras para fins de estudos científicos. Para saber detalhes sobre cada um dos frutos, é necessário acessar um programa de computador que agrega informações

Para manter um Herbário em perfeito estado de conservação é preciso muita atenção e cuidado. Quem imagina que pela facilidade de encontrar plantas na região, a manutenção de um herbário funcionando é barato, está enganado. O curador informou que é necessário anualmente no mínimo R$ 80 mil para manter a coleção aberta para visitação e consulta dos estudantes. Os recursos são utilizados para conservar a coleção, principalmente em infra-estrutura e para furmigações, ou seja, aplicação de um conjunto de gases. Esta composição, ajuda no extermínio fungos e pragas que atacam as amostras. Cada aplicação de gás Toxin custa R$ 8 mil, sendo preciso duas aplicações por ano. “ Caso uma aplicação não seja feita nós podemos prejudicar toda a coleção”, destacou Franciscon.

Endereço do Herbário

Avenida André Araújo, 2.936 – Aleixo Funciona de 8h as 18h, para consulta

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Um enxame de

alimentos

acervo ascom

cadeia alimentar

De acordo com o pesquisador Márcio Oliveira existem cerca de 500 espécies de abelhas no Amazonas

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> por tharcila martins

Q

75% dos seres vivos do planeta sejam insetos.

ual seu conhecimento sobre abelhas? O que todo mundo sabe, que fabricam mel, atacam os alimentos, ferroam as pessoas... Até aí tudo bem. Mas, quase ninguém sabe a real importância desses animais. Eles são responsáveis por 35% da produção mundial de alimentos, 60% das 1.500 plantas utilizadas para consumo do homem e por, aproximadamente, 150 bilhões de lucro ao ano para o país.

O primeiro contato que o pesquisador teve com o Inpa foi quando fez seu mestrado em 1989. Ele conta que foi uma oportunidade muito boa estudar em um Instituto renomado e com tantos recursos para ajudar na sua pesquisa. Após o mestrado, Oliveira, que é de Minas Gerais, voltou para sua cidade e só em 2002 retornou para Manaus. A partir daí, iniciou suas pesquisas no Instituto sobre as abelhas.

Quem faz essa afirmação é o pesquisador doutor Márcio Oliveira, coordenador de pesquisas entomológicas, que trabalha há sete anos no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Ele relata a importância da abelha e suas contribuições para o desenvolvimento sustentável do mundo. Segundo ele, calcula-se que

Seu trabalho consiste em conhecer as espécies de abelhas que têm na Amazônia - segundo ele existem cerca de 500 espécies do Amazonas - isso inclui os nove estados da Amazônia brasileira, mapear as áreas onde as abelhas estão, conhecer as plantas que elas polinizam, além de proteger as áreas onde vivem.


A atual atividade realizada por Oliveira é com delas. Algumas pessoas não sabem como se abelhas africanizadas, resultado do cruzamento defender e ao invés de afastá-las, fazem com de abelhas africanas trazidas para o Brasil na que elas se aproximem mais. O ponto positidécada de 1950, com abelhas européias trazivo dessas abelhas é a produção de mel, o que das pelos imigrantes no século 19. “É uma abenão é possível no Amazonas, pois seria precilha que não nos pertencia e foi trazida para a so desmatar áreas para a criação dessa abelha. região”, afirma. Apesar de estar na Amazônia, Desmatamento o inseto não está dentro da floresta, que era uma preocuO desmatamento é uma granpação existente pelo pesquisaO desaparecimento de ameaça para as abelhas. Pois dor, pois elas poderiam acabar das abelhas é as abelhas da Amazônia vivem com as espécies que lá vivem. na floresta e se alimentam de preocupação da muitos frutos que tem lá. Se A abelha africanizada foi traONU, pois esses a floresta for desmatada as zida para o Amazonas para fazer insetos são abelhas vão desaparecer, pois parte de um experimento para suas colônias serão destruídas. a produção de mel, mas depois importantes para houve uma perda de controle e a produção de Se isso acontecer, muitos elas fugiram. Para Oliveira, essa alimentos frutos polinizados por esses espécie não é abundante em animais vão desaparecer junto Manaus, pois elas precisam de com eles. Segundo Oliveira, o lugares desmatados e abertos possível desaparecimento das para sobreviver. “Ela só fica nas abelhas é uma preocupação das Organizações áreas desmatadas. Não adianta fazer a atividade das Nações Unidas (ONU), pois esses insetos são de apicultura com essas abelhas, pois se elas não muito importantes para a produção de alimenusam a floresta e não teriam como viver aqui, diz. tos. “Tem uma frase atribuída ao Einsten que diz, ‘Se as abelhas desaparecerem, o mundo não Atualmente, a única preocupação com as vive mais que quatro anos’, afirma o pesquisador. abelhas africanizadas é em relação ao ataque

Afinal, para que servem as abelhas? fotos: eduardo gomes

As abelhas são os principais agentes polinizadores dos vegetais. Grande parte das frutas consumidas, como por exemplo, abacate, abóbora, algodão, café, caju, cebola, laranja, limão, feijão, melancia, melão, entre outros, é polinizado por elas. Funciona assim, as cores e cheiros das flores atraem os animais. Assim, as abelhas chegam mais rápido e tocam as flores, uma a uma, deixando pelo caminho uma nova fruta. Eles servem para levar o pólen de uma flor para outra da mesma espécie, por isso são tão importantes no processo de produção dos alimentos. No Amazonas, por exemplo, elas polinizam frutas importantes da região. É o caso do cupuaçu, que precisa da abelha para levar o pólen de uma flor para a outra, para só depois haver a formação do fruto. Além do cupuaçu, outras frutas como pupunha e castanheira também são polinizadas pelas abelhas.

Para Oliveira as abelhas (no detalhe) são importantes para o desenvolvimento sutentável do mundo

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integração 58

De portas abertas para a

comunidade


> Por Tabajara Moreno

U

m domingo ensolarado de junho de 1992 marcou o início de um processo de abertura dos “portões” do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) para a comunidade. Uma atividade especial, o “Inpa de portas abertas”, levou mais de três mil pessoas ao campus do Instituto. Os visitantes conheceram animais amazônicos, participaram de palestras sobre as pesquisas desenvolvidas no Inpa e conheceram as instalações e o campus do centro de pesquisas. Embrião do que é hoje o Bosque da Ciência, a programação do “Inpa de portas abertas” foi feita para atender a um chamado da população de Manaus. À época, apesar de já ser reconhecido internacionalmente como gerador de conhecimentos sobre a Amazônia, o Inpa ainda era uma incógnita para muitos manauaras. O entendimento da necessidade de criar um elo com a comunidade através da difusão científica se fortaleceu em um momento de crise. No início da década de 1990, Manaus sofreu um boom de invasões de terras. Nesse período, aproximadamente 15 metros do terreno do INPA foi tomado por moradores da comunidade do entorno. Inicialmente, para controlar a situação, a direção do Instituto construiu uma cerca de arame farpado, mas foi em vão. Foi quando os muros deixaram de ser barreira, que a comunidade começou a respeitar e valorizar o INPA.

Juan Revilla, acreditou, desde o início, que a criação de um parque zoobotânico dentro de Manaus seria bom para o Inpa, que teria uma nova frente de ação com a comunidade, e para os moradores que, a partir daquele momento, ganhariam uma nova opção de lazer, educação científica e cultura. Quando ajudou a idealizar o Bosque da Ciência, Revilla trouxe na bagagem a experiência adquirida pelo trabalho no Jardim Botânico da Universidade Nacional Maior de São Marco, em Lima, Peru, sua cidade natal. Hoje o Bosque da Ciência está consolidado, mas no início, as dificuldades foram muitas. “Nosso principal empecilho no início era de caráter financeiro. Não tínhamos recursos para implantar o projeto. Ele só vingou porque o diretor José Seixas Lourenço estava certo de que o Bosque da Ciência era um projeto estratégico para o Inpa”, relembra.

Além de auxiliar na socialização do conhecimento científico produzido nos laboratórios do Inpa, o Bosque da Ciência também se fixou como Criado para mostrar uma opção de lazer. Os participantes podiam ter acesso aos as atividades animais que vivem nas matas do desenvolvidas pelo Bosque, como cotias, macacos, Inpa e conter jacarés, peixes-boi, ariranhas, araras e outras aves, às infora invasão às mações e visitas guiadas com os terras do instituto, Pequenos Guias e as exposições artísticas do Paiol da Cultura. o Bosque da

Ciência acabou incentivando a elaboração de outros projetos de difusão científica

Quem não se comunica? Apenas o diálogo com a comunidade acadêmica, através dos artigos científicos da revista Acta Amazônica, já não bastava. Era preciso continuar mantendo essa relação estreita com os intelectuais, construída desde 1971, mas também estabelecer formas mais populares de socialização da produção científica. A iminente invasão às terras do Inpa trouxe perdas, mas acarretou um ganho maior. Ajudou a desengavetar o projeto do Bosque da Ciência. Três anos depois das atividades especiais do “Inpa de portas abertas”, em 1 de abril de 1995, o Bosque começou a funcionar como parte da comemoração pelos 40 anos do Instituto. Naquele momento, a produção científica passou a ser difundida por meio de uma linguagem mais simples. Um dos idealizadores do projeto, o botânico

Nas palavras de um dos coordenadores do Bosque da Ciência, Jorge Lobato, a consolidação do trabalho desenvolvido a partir da iniciativa pode ser observada nas atividades realizadas fora do Bosque. “O Bosque estabeleceu no roteiro turístico de Manaus um espaço de visitação científica. Tanto para a população local, quanto para os turistas. Além disso, desenvolvemos uma série de programas de difusão científica nas escolas, universidades e empresas”, enfatiza. Além disso, a partir do sucesso do Bosque da Ciência, o Inpa passou a investir em outros projetos de difusão científica. “Além de ser referência em educação ambiental e difusão científica, a iniciativa do Inpa foi tão bem sucedida que acabou inspirando a criação de outros projetos com a mesma proposta de socialização do conhecimento científico”, conta Lobato. Atualmente, o Bosque da Ciência passa por uma reforma que, dentre outras coisas, vai revitalizar as instalações dos prédios que compõem o complexo, além de cimentar as trilhas que levam o visitante a passear por dentro da mata do Bosque.

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Eduardo Gomes

Participantes têm acesso aos animais que vivem nas matas do Bosque, às informações, visitas guiadas e exposições do Paiol da Cultura

Uma explosão de arte regional O local onde atualmente funciona o Paiol da Cultura do Inpa, antes era um depósito de produtos inflamáveis. Lá se guardava combustíveis e produtos químicos utilizados nos experimentos laboratoriais. Com o Bosque da Ciência em pleno vapor, o depósito foi reformado dando lugar a exposições artísticas. Da inauguração, em 1995, até julho de 2009, mais de 1700 exposições já passaram pelo Paiol. Todas, selecionadas pelo coordenador do Paiol da Cultura, Ney Amazonas. Radialista e funcionário do Inpa desde 1978, Ney passou a integrar a equipe do Bosque da Ciência um ano após a inauguração do espaço.

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Apresentador oficial dos eventos do Inpa, Ney traz no currículo uma larga experiência artística. Além de apresentar por mais de 20 anos o programa radiofônico “Um Toque de Bar”, que começou na rádio Amazonas FM e percorreu outras emissoras como as rádios Tarumã, A Crítica e Novidade FM, ele também participou de

espetáculos teatrais e apresentou, durante as décadas de 1980 e 1990, o Festival Folclórico do bairro Parque 10 e o bloco das Piranhas, tradicional evento carnavalesco de Manaus. Com a atual reforma, Ney diz estar ansioso para colocar em prática um antigo sonho: fazer com que além das exposições artísticas, o Paiol da Cultura se transforme em palco de espetáculos de teatro, dança, recitais, apresentação de cantores, lançamento de livros e eventos de cunho científico. Para ele, a instalação de um espaço de promoção artística dentro de um parque zoobotânico é extremamente importante, pois estimula o prestígio às obras de arte. “O amazonense não tem hábito de prestigiar os artistas locais, principalmente, os artistas plásticos. Ter, em um local como o Bosque da Ciência, onde o fluxo de pessoas é muito grande, um espaço destinado aos artistas é uma contribuição única que o Inpa dá para a sociedade”, defende.


Multiplicando ciência A década de 1990 não marca apenas a criação do Bosque da Ciência no Inpa, mas também o surgimento de diversos outros projetos de educação ambiental e socialização da pesquisa científica. Todas as iniciativas convergem na mesma proposta: formar criticamente crianças e adolescentes para que elas multipliquem as informações científicas agindo em prol do meio ambiente. O projeto “Pequenos Guias” investe na formação ambiental crítica de crianças na faixa etária de 10 anos que moram nos bairros vizinhos ao Inpa. Conforme a coordenadora do Laboratório de Psicologia e Educação Ambiental (LAPSEA/Inpa), Maria Inês Higuchi, além de dados sobre o Bosque da Ciência, “a formação dos ‘Pequenos Guias’ contempla ainda uma postura crítica dos estudantes sobre os problemas ecológicos mundiais”. Depois de um período de seis meses de for-

mação com pesquisadores, técnicos e funcionários do Inpa, os “Pequenos Guias” passam a acompanhar os visitantes do Bosque da Ciência, prestando informações técnicas sobre animais e plantas estudadas pelas pesquisas do Inpa. O projeto “Pequenos Guias” é organizado pelo Grupo de Pesquisas em Educação Ambiental (GPEA) e surgiu em 1994 sendo que mais de 800 crianças já fizeram parte dele. Outra iniciativa do Inpa voltada à difusão científica é o projeto “Circuito da Ciência”. Realizado pela Coordenação de Extensão do Inpa, o “Circuito” está completando dez anos em 2009. Todo o último sábado de cada mês crianças da educação infantil participam de uma programação especial de socialização do conhecimento científico de forma lúdica. Ao longo dessa década de existência, o “Circuito da Ciência” já foi acompanhado por mais de 25 mil crianças.

Visitantes podem ter acesso aos animais que vivem nas matas do Bosque, como cotias, macacos, jacarés, peixes-boi, ariranhas, araras, entre outors

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O curioso caso de

Chelus fimbriatus > Por Mário Bentes

R

egião Amazônica, década de 40 do Século XVI. Um homem de mais ou menos 50 anos de idade caminha com certa dificuldade por entre a densa relva. Munido de folhas de papel, ele eventualmente faz algumas paradas para observar o movimento das árvores. Quase não venta. “Enfer!” (Inferno!) – resmunga o homem, em francês, referindo-se ao calor insuportável daquela selva Tropical.

Quelônio Amazônico

Em meio ao material que ele carrega consigo, existem alguns rascunhos de desenhos de pássaros. Ele não é artista, porém. Trata-se de um médico francês que também ganha a vida como naturalista. Após algumas horas de caminhadas, já exausto, o homem chega às margens de um lago e se agacha para beber das águas calmas. É nesse momento que o naturalista vê, pela primeira vez, uma criatura esquisita e assustadora logo abaixo do espelho d’água, a poucos metros de si; algo que mais parecia um monstro Pré-Histórico. “Quic’est ça!?” – exclamou assustado (O que é isso!?). O monstro em questão tinha a cabeça plana, longa, triangular e repleta de marcas semelhantes a espinhos, antecedida por um longo pescoço, também cheio de dobras de pele similares a folhas secas. Seus olhos eram tão pequenos que eram quase imperceptíveis em relação a todo o resto. Uma carapaça escura e de textura cheia de projeções pontiagudas era predominante em seu corpo, que não era muito grande – tinha cerca de 50 centímetros de uma ponta a outra da carapaça. Os dedos das patas – quatro nas traseiras e cinco nas dianteiras – eram divididos por membranas finas, e cada um deles possuía longas GRAVURA DE R A Lydekker - DO The Royal Natural History Matamata

garras nas pontas. Tão logo viu a criatura, o francês pôs-se de pé, apanhou os papéis e deu o pontapé inicial para a História científica do mais estranho dos quelônios amazônicos: o Matamatá (ou Matá-matá).

“Patinho feio” A detalhada reconstituição histórico-dramática narrada acima é fictícia, mas não seria de se surpreender se a reação do médico e naturalista francês Pierre Barrère (1690-1755), em idos de 1740, tivesse sido bem parecida. Dadas às suas particularidades estéticas únicas, o Matamatá provavelmente carrega o título de menos simpático dos quelônios amazônicos. Tudo bem, sejamos honestos, ele é feio – pelo menos para a maioria dos que o vêem. Uma rápida busca na Internet pode trazer, além de informações científicas, algumas descrições no mínimo curiosas. Um bom exemplo foi o caso do cientista Benjamin Davidson que, em 2001, em um artigo publicado pela University of Michigan Museum of Zoology, fez a seguinte declaração sobre o indivíduo em questão: “(...) Chelus fimbriatus (nome científico do dito cujo) é quase surrealista na aparência, e, à primeira vista pode assemelhar uma pilha de escombros”. Exagerado, mas criativo. Mais de quatro décadas depois da primeira descrição do réptil feita por Barrère, o também naturalista Johann Gottlob Schneider (1750-1822) fez a primeira classificação científica do Matamatá. A graça Chelus fimbriatus, apontado em 1783 por Schneider, pode não ser tão bela quanto o visual despojado desta tartaruga, mas certamente não é tão estranha como Chelus Fimbriatus

62 O matamatá, cuja a primeira descrição foi feita há mais de quatro décadas, gosta de viver em águas superficiais, ao longo da margem de lagos e em áreas de florestas inundadas. Seus fígado e músculos concentram elevados índices de mercúrio, metal perigoso quando ingerido pelo homem


os outros nomes dados ao animal em outras partes, como bachala (Colômbia), caripatúa (Colômbia e Venezuela), ope hara (índios Guaribo) e hedionda (Colômbia) – este sim, um nome muito adequado.

Herbívoro, eu?

mentar de matamatás – o consumo de seus parentes, como jabutis e tracajás, é comum na região amazônica –, um aviso importante: assim como em todo o mundo animal, aparências estranhas e cores fortes geralmente são bons indicadores para que ninguém se aproxime. E com o Chelus fimbriatus não é diferente. Mas isso não se trata apenas de mera especulação. O consumo de matamatás realmente não é aconselhado.

Encontrado em boa parte dos países que compõem a Amazônia Sul-Americana – Brasil, Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, nordeste da Bolívia, Suriname e Guiana Francesa – o matamatá gosta de viver em Prova disso é o resultado uma pesquisa publiáguas superficiais, ao longo da margem de lagos e cada no fim do ano passado por Richard Vogt e em áreas de florestas inundadas. Apesar da aparenoutros três pesquisadores. O trabalho concluiu que te tranquilidade e sutileza dos gestos, este quelônio o fígado e os músculos de espécies carnívoras de é um dos poucos de hábitos alimentares quase que tartarugas que habitam a região – entre eles o macompletamente carnívoros. Portanto, se por algum tamatá – concentram elevados índices de mercúmomento você comparou o matamatá a aquele seu rio, um metal usado principalmente em áreas de jabutizinho fofo criado dentro de um balde d’água mineração e que é perigoso quando ingerido pelo e vivendo de alface, tire o cavalinho da chuva: ele homem. “(...) o músculo de C. Fimbriatus pode renão é muito fã de verduras. Quem afirma é o pespresentar um risco à saúde das populações ribeiriquisador especialista em répteis e quelônios, Rinhas. Tais espécies com um nível trófico (de nutrichard C. Vogt, professor titular ção) alto poderiam ser melhores no Instituto Nacional de Pesquibioindicadores de exposição e sas da Amazônia (Inpa) – onde efeitos”, conclui a pesquisa. Descrito pela ocupa ainda cargo de curador da Coleção de Anfíbios e Répteis. O pesquisador, no entanto, primeira vez em relata em seu livro que algumas 1741 e batizado No livro “Tartarugas da Amazôtribos indígenas costumam se quatro décadas nia” (Gráfica Biblos, 2008), Vogt alimentar de matamatás, mas é explica os hábitos alimentares da enfático ao se referir à opinião depois, o quelônio tartaruga e as táticas de guerridos ribeirinhos sobre a iguaria: amazônico chama lha por ela adotada para apanhar “(...) algumas tribos indígenas suas presas. “Quando um peixe se o consomem quando o encona atenção pelo aventura pelas adjacências, essa tram, mas a maioria dos ribeivisual desprovido tartaruga lança sua cabeça para rinhos no Brasil rejeita esta dos tradicionais frente em um súbito movimento, tartaruga devido à sua aparênatacando rapidamente como uma cia peculiar bem como seu odor padrões de beleza cobra, abrindo a boca simultanealmíscar”. Ou seja, além de ser amente e expandindo os ossos feio, ter mercúrio no sangue hióides bem desenvolvidos na cae nos músculos, o mata-matá beça, sugando o peixe e a água para dentro da boca ainda consegue feder. Ponto para ele, que, fora como um poderoso limpador a vácuo, engolindo o o caso de alguém descobrir que sua carapaça ou peixe inteiro”, explica o pesquisador, no capítulo 6 outra parte do corpo possa ter algum valor codo livro, dedicado ao guloso matamatá (página 55). mercial notável, vai continuar fora da lista de espécies ameaçadas. E ponto para a natureza, que Mas o longo pescoço do Chelus não é usado apenas se mantém com sua diversidade em equilíbrio. para o ataque, segundo Richard Vogt, mas atua também como um importante recurso defensivo: “QuanMas caso alguém ainda tiver dúvidas quanto a do segurado, uma mata-matá recém capturado irá ter o mata-matá em seu almoço, apesar do vodebater a cabeça e o pescoço para trás em direção à lume de informações dizendo exatamente o concarapaça e vomitar conteúdos estomacais sobre quem trário, siga o conselho do pesquisador Richard C. o estiver segurando. Essa tartaruga parece ter a mesVogt, que é quem entende do assunto: “Além do ma força para exalar e arremessar uma sopa de peixe seu ‘delicioso’ conteúdo estomacal, eles também rançosa, como faz para sugar o peixe inicialmente”. exalam ar para produzirem um som alto alarmanA tática pode ser até nojenta, mas certamente deve te. Tal som pode ser efetivo para alarmar e reser eficaz contra seus inimigos – salvo a exceção de pugnar alguns predadores mamíferos pequenos algum deles gostar de sopa de peixe de segunda mão. bem como humanos, prevenindo-os de serem comidos – Eu certamente não teria dúvidas de que Não ouse me comer não comeria!”. Bem pensado, Vogt. Bem pensado. Antes que algum mal-informado tente se ali-

*Colaborou: Carolina Nunes

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