Digestão anaeróbia: fonte de biogás

Page 1

dossier biomassa

digestão anaeróbia: fonte de biogås A degradação biológica da matÊria orgânica na ausência de oxigÊnio permite transformar a matÊria orgânica em biogås e ainda, em alguns casos, em biofertilizante. O biogås Ê formado

e pode ser usado para a geração de energia tÊrmica e elÊtrica ser injetado na rede de gås natural.

Os factos históricos indicam que este Ê um dos mais antigos processos tecnológicos, tendo sido durante muito tempo utilizado de forma empírica pela comunidade agrícola na produção de fertilizantes a partir de estrume de gado. Alguns registos da utilização do biogås para aquecimento de ågua na região de Assíria remontam para 1000 a.C., mas só no sÊculo XVII van Hel a partir da decomposição de matÊria orgânica. Um sÊculo depois, Alessandro Volta anunciou uma correlação direta entre a quantidade de matÊria orgânica decomposta e a quantidade de gases produzida. Finalmente, em 1808, Sir Humphry Davy demonstrou a presença de metano nos gases emergentes da digestão anaeróbia. No entanto, a industrialização da digestão anaeróbia só terå começado em 1859 com a primeira estação de tratamento anaeróbio em Bombaim, �ndia. A partir de 1895, o biogås produzido numa ETAR em Exeter, Inglaterra, foi recolhido e utilizado como combustível na iluminação pública. Nos anos 30, Buswell e outros autores conduzi e documentaram as bactÊrias anaeróbias e as

26

condiçþes ambientais que promovem este processo biolĂłgico. Em Portugal e em junho de 2011, o contributo do biogĂĄs para a produção de energia elĂŠtrica representava 120 GWh, apresentando uma taxa de crescimento de 61%. No entanto, o peso do biogĂĄs no total da produção de energia renovĂĄvel era apenas de 0,5%, pois a potĂŞncia total instalada ĂŠ ainda de 37,4 MW (DGEG, EstatĂ­sticas RĂĄpidas n.Âş 76 de junho de 2011). Atualmente a tecnologia da digestĂŁo anaerĂłbia e domĂŠsticos, resĂ­duos de animais e resĂ­duos sĂłli ! desta tecnologia a estes setores contribui para a diminuição das emissĂľes de gases de efeito de estufa, aumenta a produção de energia a partir de fontes renovĂĄveis, permite a valorização dos resĂ­duos orgânicos, diminui a dependĂŞncia energĂŠtica, reduz a poluição dos solos e meios hĂ­dricos e reduz a deposição de resĂ­duos orgânicos em aterros sanitĂĄrios. PorĂŠm, os parâmetros a controlar para que o processo de biodigestĂŁo seja bem-sucedido sĂŁo inĂşmeros e, desta forma, muitas vezes os resul operação das instalaçþes de biodigestĂŁo. É um processo microbiolĂłgico complexo pelo facto da degradação se dar atravĂŠs de diferentes grupos de microrganismos que devem interagir de forma equilibrada e coordenada. O desenvolvimento de modelos matemĂĄticos capazes de reproduzir o processo de digestĂŁo anaerĂłbia tem-se mostrado uma ferramenta cada vez mais importante para projetar e contro " fĂ­cios potenciais obtidos com o uso de modelos matemĂĄticos, o principal ĂŠ a redução dos esforços

Amadeu Silva Borges, Nuno Afonso Moreira, Adriana Machado, Escola de CiĂŞncias e Tecnologia, UTAD amadeub@utad.pt

laboratoriais à escala piloto na avaliação do comportamento de um determinado processo para # combinados com estratÊgias adequadas de monitorização e controlo, os modelos permitem otimizar o desempenho, a produtividade, a redução dos custos operacionais, os procedimentos de arranque e estabilidade do processo. Por exemplo, no Departamento de Engenharia da Universidade de Trås-os-Montes e Alto Douro têm sido desenvolvidas ferramentas numÊricas de previsão em função das condiçþes de operação dos sistemas de digestão anaeróbia. Modelos matemåticos como o modelo padrão, o modelo triangular e o modelo baseado na equação de Scholl e Canyon, têm sido aplicados a aterros sanitårios com bastante sucesso. Com igual sucesso, os modelos numÊricos AM1 e ADM1 têm sido usados na previsão da produção de biogås em ETARs e exploraçþes agropecuårias. Estes resultados numÊricos têm sido acompanhados por uma vasta campanha de validação experimental.

Etapas de Degradação Anaeróbia O processo da digestão anaeróbia pode ser descrito por uma sequência de quatro fases principais de degradação: hidrólise, acidogÊnese, acetogÊnese e a metanogÊnese, como esquematizado na Figura 1. A hidrólise, a primeira etapa do processo de digestão anaeróbia, Ê responsåvel pela transformação de polímeros complexos (proteínas, hidratos de carbono e lípidos) nos seus monómeros (açucares, aminoåcidos e åcidos gordos de cadeia longa), sendo estes utilizados por microrganismos anaeróbios facultativos e anaeróbios estritos na etapa seguinte do processo.


dossier biomassa DIGESTĂƒO ANAERĂ“BIA: FONTE DE BIOGĂ S

Os modelos indiano, chinês e batelada são constituídos essencialmente por um corpo cilíndrico, podendo ser construído em alvenaria ou ! & ' & e construído em aço e as respetivas caixas de entrada e de saída (Figura 3). Os digestores contínuos de manta de PVC (imagem de abertura), ou tambÊm designados de modelo canadense ou da marinha são constituídos na sua totalidade por manta em laminado de PVC, tanto o digestor como o gasómetro são formados por PVC. Normalmente, este tipo de digestor Ê embutido no solo, necessitando assim da abertura prÊvia de um fosso, sobre o qual Ê aplicado o manto de PVC. Figura 2 Esquema de um digestor a) UASB e b) CSTR (adaptado de [2]).

anaerĂłbios de acordo com o tipo de retenção de biomassa que ĂŠ promovida nas diferentes tecnologias, podem considerar-se processos com biomassa em suspensĂŁo, em que o tempo de retenção de sĂłlidos (TRS) ĂŠ igual ao tempo de retenção hidrĂĄulico (TRH) e processos com retenção de biomassa, em que o TRS ĂŠ superior ao TRH. Estes sĂŁo os processos mais importantes e com vasta aplicação no tratamento de Os digestores anaerĂłbios com retenção de biomassa caraterizam-se por nĂŁo ter partes mĂłveis no seu interior, uma vez que a mistura ĂŠ realizada por recirculação da biomassa atravĂŠs de uma bomba. O aquecimento deste tipo de digestores pode ser realizado aquando da recirculação da biomassa fazendo-a passar num permutador de calor, ou atravĂŠs do aquecimento das paredes do diges O digestor anaerĂłbio mais comum que se baseia na formação de grânulos ĂŠ o digestor anaerĂłbio de manto de lamas (UASB – Anaerobic Sludge Blanket). Este tipo de digestor ! de destilarias, unidades processuais de alimentos e estaçþes de tratamento de ĂĄguas residuais.

A maior vantagem desta tecnologia de digestores comparativamente Ă s restantes existentes no mercado ĂŠ o seu baixo investimento. Como desvantagens, apresenta longos tempos de arranque e necessidade de elevada quantidade de grânulos para um arranque rĂĄpido. Nos digestores de mistura completa (CSTR – Continuously Stirred Tank Reactors) nĂŁo hĂĄ retenção de biomassa, sendo o TRH igual ao TRS. Este tipo de digestor estĂĄ destinado fundamentalmente Ă digestĂŁo anaerĂłbia de lamas de ETARs e de resĂ­duos animais. SĂŁo amplamente usadas na Alemanha e Dinamarca em instalaçþes agro! " # O armazenamento do biogĂĄs pode ser feito no interior do digestor (topo do digestor) ou externamente num reservatĂłrio de gĂĄs (gasĂłmetro). AlĂŠm dos modelos anteriores, os modelos rurais indiano, chinĂŞs, batelada e de manta de PVC sĂŁo digestores com uma ampla utilização mundial. Estes digestores apresentam um baixo custo, uma vez que sĂŁo construĂ­dos com materiais rudimen $ $ % cada para a sua construção. Normalmente, este tipo de digestores nĂŁo possui aquecimento nem sistema de mistura o que resulta num baixo rendimento do processo de digestĂŁo anaerĂłbia.

O biogås pode ser usado para a geração de energia tÊrmica (calor/vapor), de energia elÊtrica, ou geração combinada de vapor e eletricidade (cogeração) e como combustível para veículos. Pode ainda ser injetado na rede de gås natural e usado como combustível para as cÊlulas de combustível. Para a geração de energia elÊtrica e energia tÊrmica serå necessårio o fornecimento de biogås a motores de combustão e caldeiras. Posto isto, a qualidade do biogås Ê crucial para se obter o måximo rendimento da instalação e durabilidade dos equipamentos. Para aumentar a qualidade do biogås serå necessårio efetuar a sua limpeza e ! * ! ! o espaço ocupado no armazenamento, e cumprir as normas de qualidade caso seja para injetar na rede de gås natural. + ! 012, com %4 ! & 52S, para evitar a corrosão dos equipamentos, a ågua (H2O), para evitar a formação de condensados potencialmente corrosivos nas tubagens e equipamentos e a NH3, para evitar a corrosão e a libertação de NOx. Umas das principais vantagens da recuperação e utilização do biogås Ê, sem dúvida, o efeito ambiental, na medida em que o biogås Ê constituído principalmente por CH4 e CO2, dois dos principais gases causadores do efeito estufa.

[1] Gerardi, M. H. (2003). The Microbiology of Anaerobic Digesters. John Wiley & Sons, Inc., 5 % 9 & : ; < => [2] Skiadas, I.V., Gavala, H. N., Schmidt, J.E, Ahring, B.K. (2003) Anaerobic Granular Sludge and ? * ? @ L Q ? @ =&X Y#& !! Z[$\\> [3] Paulo Ferreira, Biodigestores - Energia, fertilidade e saneamento para a zona rural, 2.ÂŞ Ed. Cone Editora. Figura 3 Digestores rurais (adaptado de [3]).

28


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.