Carbono Donna #03

Page 1

LAURA NEIVA

A atriz, em sua versão mais leve e pura, fala sobre família, maternidade e amor AQUI desde arte e poesia até menopausa precoce e vício em viver ELAS Daniela Falcão, Fernanda Garay, Helena Montanarini, Ilana Casoy, Isabel Teixeira, Maria Clara Gueiros, Raquel Davidowicz e outras mulheres essenciais

Nº 03
Nº 03R$ 35,00
CARBONO
Camila Queiroz
intimissimi.com.br | @intimissimibrasiloficial
CALZEDONIA.COM.BR
fasanoemporio.com.br emporiofasano

MUITO PRAZER NO CORAÇÃO DOS JARDINS

Na Bela Cintra 2245, você vai encontrar o Emporio Fasano. São três andares com mais de 3 mil produtos selecionados pela curadoria Fasano.

Uma adega com mil rótulos de vinhos e centenas de destilados.

Uma salumeria com os melhores embutidos e queijos e um Caffè com terraço no último andar para pequenas refeições ou um drink no fnal do dia.

E se for um domingo, não deixe de fazer uma reserva para o nosso brunch.

Venha nos conhecer. Teremos muito prazer em te receber. R.

| Jardins | São Paulo
Bela Cintra, 2245
OSTRAS NO VAPOR E CAVIAR Ostras de Santa Catarina cozidas no vapor, creme de nata e limão cravo, caviar Mujjol e cebolete.
CONHEÇA O RESTAURANTE VISTA , ONDE A MODA E A GASTRONOMIA BRASILEIRA SE ENCONTRAM NO JARDINS. SHOPS JARDINS| RUA HADDOCK LOBO, 1626 - 3 O PISO JARDINS - SÃO PAULO @VISTAJARDINS | VISTAJARDINS.COM.BR

Excorporados

A ruptura é ardida. No cordão, um corte.

À mãe, a vida.

À grávida, a morte.

Dois corpos que se repelem E, em arrependimento, Logo se unem.

Unem as peles. Se repelam.

O grande corpo está sem norte. À mãe, a vida.

À grávida, a morte.

O pequeno corpo está no mundo. No mundo imundo. No mundo e-mundo.

O velho corpo está só.

Por dentro era paz. Por fora é solidão.

O susto da concha

E sua pérola

Que um dia escapa

A navegar.

A gema Que da clara escoa Tornando-se jamais

Outra vez um.

Outra vez dois...

A grávida é banida.

A mãe é forte.

A mãe à lida.

À grávida, ...

Uma vez na vida,

Outra vez na Sorte.

*Um texto sobre o medo de ver o pequeno corpo que geramos vivendo por si mesmo, não mais “incorporado” a nós. Um texto sobre mães. E filhos. Um texto sobre amor.

LILI CARNEIRO PUBLISHER

Acredite na vida: seja parceiro de Médicos Sem Fronteiras

Sua empresa pode fazer a diferença, e ajudar

Médicos Sem Fronteiras a salvar vidas

Assim como pessoas físicas, empresas também podem realizar doações financeiras em benefício de MSF, seja por meio de planos de doação regular ou ocasional. Esta é uma excelente forma de ajudar a organização a manter seu trabalho independente, e a agir rapidamente em situações de emergência pelo mundo. Toda ajuda é mais do que necessária. Colabore!

Outra forma possível de suporte ao trabalho de MSF é o Marketing Relacionada à Causa , uma excelente oportunidade de mostrar aos clientes e demais públicos que a marca tem propósitos, é responsável, engajada, e está disposta a investir em um mundo melhor para todos!

Acesse empresas.msf.org.br, conheça os nossos programas de parceria e engaje clientes e colaboradores em iniciativas que salvam vidas.

Acredite na vida: juntos podemos fazer ainda mais.

Lviv, Ucrânia. Trem adaptado para atender a emergências médicas
© MSF
informacao.msf.org.br MSF_brasil MedicosSemFronteiras empresa@msf.org.br

REDAÇÃO EDITORA CARBONO

PUBLISHER

Lili Carneiro lili@editoracarbono.com.br

DIRETOR EXECUTIVO E DE LIFESTYLE Fábio Justos fabio.justos@editoracarbono.com.br

DIRETORA DE ARTE

Mona Sung

EDITORA CONVIDADA

Adriana Nazarian

PRODUÇÃO EXECUTIVA Bianca Nunes revistas@editoracarbono.com.br

REVISÃO DE TEXTOS

Paulo Vinicio de Brito

TRATAMENTO DE IMAGENS

Cláudia Fidelis

COMERCIAL E BACK OFFICE

DIREÇÃO DE COMUNICAÇÃO E NEGÓCIOS publicidade@editoracarbono.com.br

EXECUTIVO DE CONTAS comercial@editoracarbono.com.br

FINANCEIRO

Valquiria Vilela financeiro@editoracarbono.com.br

ADMINISTRATIVO atendimento@editoracarbono.com.br

Expediente

COLABORADORES

Adriel Lucas

Alessandro Gruetzmacher

Angelo Pastorello

Aninha Gonzalez

Audrey Donadoni

Bea Correa

Bel Motta

Bruna Guerra

Camila Gama

Camila Leite

Camilla Dias

Carla Julien Stagni

Carol Celico

Coletivo Usufruto

Daniela Arrais

Daniela Falcão

Douglas Daniel

Elke Manuelle Oliveira

Erik Almeida

Flavia Haddad

Fran Parente

Gabriel Nehemy

Gabriel Wickbold

Gaspar Nóbrega

Guilhermo Lima

Helder Rodrigues

Humberto Maruchel

Igor Kalinouski

Isabel Teixeira

Iude Richele

Izadora Padilha

João Bertholini

Jorge Bispo

Leka Mendes

Leonardo Freire

Lucas Kendi

Luisa Alcantara e Silva

Malu Lucatelli

Manuela Stelzer

Maria Beatriz Machado

Maria Clara Gueiros

Marília Levy

Mario Mele

Mona Conectada

Natália Albertoni

Paula Brandão

Pedro Arieta

Rafael Renzo

Raquel Davidowicz

Raquel Fortuna

Rebeca Martinez

Renata Freitas

Rodrigo Grilo

Thiago Biagi Vitor Jardim

EDITORA CARBONO

Av. Rebouças, 3575 Jardim Paulistano 05401-400, São Paulo, SP

CTP, IMPRESSÃO E ACABAMENTO Stilgraf

CIRCULAÇÃO Nacional

DISTRIBUIÇÃO, BANCAS E MAILING Black and White, Dinap e SMLog distribuicao@editoracarbono.com.br

INSTAGRAM @carbonoeditora
CONCEPÇÃO EDITORIAL Nº 03 • 2024 CAPA FOTOGRAFIA Pedro Arieta DIREÇÃO CRIATIVA Mona Conectada EDIÇÃO DE MODA Thiago Biagi BEAUTY Helder Rodrigues LAURA NEIVA USA Alaïa e Bulgari AGRADECIMENTOS Hotel Fasano Carbono Donna é uma publicação da Editora Carbono. CNPJ 46.719.006/0001-14 A Editora Carbono não se responsabiliza pelos conceitos emitidos nos artigos assinados. As pessoas que não constam do expediente da revista não têm autorização para falar em nome da Carbono Donna ou retirar qualquer tipo de material para produção de editorial caso não tenham em seu poder uma carta atualizada e datada, em papel timbrado, assinada por um integrante que conste do expediente.
023 28. CURTAS Notas e notinhas 40. PERFIL Laura Neiva 62. MÚSICA Isabel Teixeira 64. COLEÇÃO Raquel Davidowicz 68. PRIMEIRA VEZ Maria Clara Gueiros 72. ENTREVISTA Fernanda Garay 85. AMADOS ACHADOS Daniela Falcão 88. ARTE Banca dos Bichos
SELECT Time to shop 96. ENTREVISTA Ilana Casoy
UM DIA COM Aninha Gonzalez 110. MAKERS Glaucia Rosas 114. ECONOMIA Especiarias Nº 03 • 2024 MINDS 76. Helena Velloso
Juliana Sacchi — 106. Taciana Abreu
ESTILO
Helena Montanarini — 108. Carol Baum A SEGUIR:
CONSUMO Leilões
CULTURA Egito
VIAGEM Roma
BEM-ESTAR Retiros
LITERATURA Paris
SAÚDE FEMININA Menopausa Precoce
PENSATA Daniela Arrais Fotos Pedro Arieta, Rafael Renzo e divulgação
94.
100.
90.
MEU
80.
118.
124.
126.
130.
132.
138.
142.
Sete Quedas II,
Paraty, 2023, Alessandro Gruetzmacher

no 03

A série fotográfica Unseen World, de ALESSANDRO GRUETZMACHER , parece saída de um conto de fadas! Inspirada na estética do Aerochrome, um filme púrpura desenvolvido pela Kodak em 1943 para fins militares, com intuito de revelar posições inimigas por meio do infravermelho, apresenta uma beleza absolutamente singular. Além dos contrastes e variações tonais de rosa e magenta, as imagens são capturadas em longa exposição, com o objetivo de ressignificar o espaço de tempo, “comprimindo, assim, minutos e segundos em uma única fotografia, levando o espectador a desacelerar o ritmo e apreciar a obra de maneira única”, revela o artista.

Natural de Santa Catarina, Alessandro Gruetzmacher é formado em publicidade, mas desde a época da faculdade já trabalhava com fotografia. Em 2010, após especializações na arte de fotografar, desenvolveu seu primeiro projeto com longas exposições, o que acabou por tornar-se sua marca registrada. Hoje vive e trabalha em São Paulo onde apresenta sua premiada obra em diversas exposições. | @_gruetzmacher

CURTAS

Um pouco de tudo que a gente adora: boas-novas, moda, drinks, bem-estar, arte, décor, hot spots e mais!

Por Carbono Donna

JOGO SEM TÉDIO

“Eu queria construir uma marca que fosse capaz de proporcionar interação entre as pessoas e que, ao mesmo tempo, trouxesse vida e alegria ao lar de quem a consumisse.” É assim que Luciana Camará explica de onde surgiu a ideia da Kazaxeya, trocadilho com a expressão baiana “Casa Cheia”, utilizada para descrever pessoas alegres. E então nasceu a marca dos jogos artesanais mais vibrantes e inusitados já vistos por aí. De estética maximalista, as peças são feitas de acrílico e marchetaria ultracolorida. Além dos tabuleiros, há também vasos, caixas e bandejas que passam longe do lugar-comum. @kazaxeya

28
CURTAS | Carbono Donna

CHAMA ACESA

As irmãs Roberta e Flávia Jafet A. Carneiro são os nomes por trás da Fiamma, o atelier mais buscado por quem procura velas artesanais únicas e personalizadas. A cada temporada novos itens – feitos à mão, de maneira sustentável – são lançados para deleite dos colecionadores. Carbono Donna amou a nova linha inspirada na Páscoa com velas ovais coloridas e potes com estampas exclusivas. Para aquele momentinho aromático especial! @fiammavelas

QUEREMOS...

ÓYEME COMO QUIEN OYE LLOVER, NI ATENTA NI DISTRAÍDA

Octavio Paz

...o mais recente lançamento da Botti para o verão 2024! A sandália Helô, cria da designer de sapatos Bruna Botti, chega com uma roupagem mais minimalista e delicada. São duas tiras trançadas de couro colorido ou metalizado nas versões flat e minissalto de 5cm. O formato curvilíneo do calçado e a combinação de cores proposta por Bruna fazem do modelo o próximo candidato a ícone da estação. @bottisaopaulo

BRILHO AUTORAL

Carol Keutenedjian, fundadora da marca de joias Epiphanie apresenta a nova coleção Gaia. Com quatro linhas – Air, Earth, Fire e Metal –, a coleção é composta de múltiplas peças de design leve e inovador, inspirado na arquitetura. São joias ergonômicas feitas com ouro e pedras preciosas de origens certificadas e éticas – a Epiphanie é parceira de mineradoras responsáveis que aplicam boas práticas sociais e ambientais, como a Brazil Paraiba Mine e a Belmont Emeralds. “São criações arquitetônicas usáveis e atemporais, que se conectam à natureza”, revela Carol. @epiphanieofficial

29 Fotos Audrey Donadoni, Douglas Daniel, Maria Beatriz Machado, Vitor Jardim e divulgação

DE ROUPA NOVA

Novo design, mas o mesmo conteúdo que a gente ama. Os rótulos da Moët & Chandon ganharam um update em seus designs e embalagens, a começar pelo icônico

Moët Imperial Brut. O retrofit é mais uma ação em torno dos 280 anos da maison de champagnes - celebrados no ano passado -, e deve chegar ao mercado brasileiro ainda neste semestre. Tim-tim! @moetchandon

POESIA DE VESTIR

O Coletivo Lírico, marca de t-shirts autorais da artista e escritora Helô Gomes, é, além de superfun, totalmente sustentável. As camisetas feitas à mão e pra lá de divertidas são produzidas com zero uso de água, sem emissão de carbono e as estampas são pintadas com tinta biodegradável. Por lá não existe estoque. “Produzimos somente aquilo que cada cliente encomenda. Tudo é feito sob medida, desde a escolha da cor, do desenho e do tamanho. Uma moda sem sobras, que gera muito menos impacto ambiental”, conta a jornalista. Carbono Donna adora o modelo Van Gone! @coletivolirico

MUST-HAVE

As empresárias Marina Prado e Vicki Song se conheceram em Nova York, quando ambas faziam curso na Parsons School of Design. Lá, falavam sobre a criação de uma marca que exaltasse a feminilidade sem deixar de ser elegante. De volta ao Brasil, o sonho saiu do papel e assim nasceu a P.S.Dress. Pense em lindos vestidos e macacões de caimento e corte perfeitos. A fofura fica por conta da linha mães e filhas, com conjuntos de vestidos estampados em todos os tamanhos. @psdressbrand

CURTAS | Carbono Donna 30

MANUSEIO MILENAR

A angolana Paula Sousa é a ceramista por trás de muitas peças que certamente você já admirou por aí. Panelas e rechauds da Confeitaria Dama, xícaras e bowls do Emporio Fasano e os objetos da seção mesa posta da Tidelli são todos feitos pelas mãos da artista radicada no Brasil. Com um atelier em Avaré e uma loja studio em Pinheiros – a charmosa Casa Olin –, Paula ministra workshops e apresenta suas coleções autorais compostas de louças, vasos e até alguns modelos feitos em impressora 3D. “A argila tem o mérito de ser um material muito versátil. É capaz de ser de alta tecnologia em termos de adaptabilidade e possibilidades, mas também de baixa tecnologia na percepção de sua beleza autêntica”, conclui. @paulasousa_atelie | @casa_olin | @paulasousa_studio

DNA DE ATITUDE

Para quem gosta de peças de impacto que fazem toda a diferença no visual, a pedida certa é a Bitti. A marca, fundada pela designer Melanie Bittencourt, apresenta acessórios icônicos de alta exuberância feitos com materiais inusitados como cerâmica pintada à mão, pedra- sabão, madeira e coral. O hit são os colares-obra de arte, mas do portfolio da brand já pipocam anéis e pulseiras desejo absoluto, todos em tiragens exclusivas e limitadas. @bitticolares

TABULEIRO POP

Carbono Donna já era fã dos projetos de interiores assinados pela arquiteta Ana Weege, agora, com o lançamento da sua linha de mobiliário, viramos ainda mais! Das pranchetas da sua marca, a AWÉS, surgem lindos móveis, tapetes e objetos de decoração, como espelhos e mesas laterais, de estilos inconfundíveis. Elegemos a mesa de centro Chess, com estrutura de madeira maciça jequitibá e tampo de mármore apoiado em uma enorme esfera quadriculada, que provoca os sentidos ao brincar com simetrias e distorções. @anaweege

31 Fotos
Fran Parente, Rafael Renzo e divulgação

CAIU NA REDE

A Louis Vuitton lançou uma série no YouTube que explora os dez anos de Nicolas Ghesquière como diretor artístico das linhas femininas da maison. A temporada Nicolas Ghesquière: Shaping Fashion aborda temas como moda, música e cinema em conversas descontraídas com amigos e colaboradores. Os dois primeiros episódios trazem as embaixadoras da marca, as atrizes Emma Stone e Jennifer Connelly. @louisvuitton

OM… E AU, AU!

Hora de uma notícia que tem agradado os fãs de pets. O Puppy Yoga é um projeto do Rebel Yoga, que combina aulas de yoga com adoção de cachorros. Sim, as práticas têm a companhia de doguinhos fofíssimos e em busca de um lar. Parte da renda obtida com as vendas ainda é doada para ONGs parceiras. As atividades têm acontecido em estúdios, lojas e até clínicas veterinárias e já viraram febre. @rebelyogabr

CURTAS | Carbono Donna
32

FERVEU!

A gente adora bons motivos para passar a noite no Centro de São Paulo. O eleito da vez é o recém-inaugurado Ephigenia. Instalado na cobertura de um prédio e com uma vista incrível da cidade, esse mix de bar e pista tem recebido noites animadas e ecléticas – do indie aos clássicos, passando pelo samba. São dois andares, um dedicado a um palco mais intimista e outro voltado às festas mais fervidas. Só vai! @ephigeniasp

TUDO O QUE RELUZ

Sabato De Sarno, novo diretor criativo da Gucci que substituiu Alessandro Michele, assina a linha de fashion jewerly Marina Chain. São brincos, pulseiras e colares em versões máxi que remetem à icônica trama náutica já usada como referência nos primórdios da maison.

@gucci

ARTE SOB MEDIDA

Foram dez anos trabalhando como curador de arte independente, agente de artistas e sócio-diretor da Galeria Lume, o que proporcionou a Felipe Hegg uma profunda compreensão das complexidades do mundo das artes. “Durante minha trajetória, deparei-me com desafios que percebi serem comuns entre colecionadores e amantes da arte. Como a falta de transparência nos preços, a dificuldade de acesso a informações imparciais e questões de autenticidade. Como, mesmo eu que estava dentro daquele universo, tinha dificuldade de encontrar algumas respostas?” E foi justamente essa pergunta que motivou o consultor a vender sua participação na galeria, estudar por quatro anos nos EUA e, de volta ao Brasil, montar uma consultoria. A ideia da Felipe Hegg Art Advisory é auxiliar entusiastas e investidores na compra de seus acervos. “Em tempos de tantas feiras, propagandas on-line e “obras instagramáveis” é muito fácil se encantar, investir e logo se arrepender. Meu foco é oferecer um serviço taylor made, garantindo que cada coleção seja única e que meus clientes desfrutem de uma jornada educativa, segura e gratificante”, elucida Felipe. @felipehegg10

33
Fotos Camilla Dias, Gabriel Wickbold e divulgação

MAMÃE, EU QUERO CRIAR

Quem é mãe com certeza já usou alguma dica de Shirley Hilgert. Fundadora da plataforma digital Macetes de Mãe, a autora do livro Grávida e Prática é uma sumidade no assunto maternidade. Mas, recentemente, descobriu-se expert também em outra seara: na cerâmica. “Comecei de forma despretensiosa, como um hobby”, conta a artista, que hoje já é formada em cursos no Fika Open Art Studio e no Ateliê Cerâmica & Cia. Ela montou um atelier próprio e produz peças belíssimas que fazem sucesso na internet. “Minhas inspirações vêm da natureza: da mata, de plantas, de suculentas e de corais. E gosto muito de objetos multifuncionais, como, por exemplo, um centro de mesa que possa ser usado como fruteira, bowl ou saladeira”, diz Shirley, que complementa: “meu estilo criativo é orgânico e não planejado”. Em breve, isto sim superplanejado, ela irá lançar sua marca de cerâmicas! @shirleyhilgertceramicas

ARTE FAZ PARTE

Mãe de três filhos, formada em Comunicação e Audiovisual, Ana Brant sempre trabalhou com arte contemporânea. Mas foi depois que os pequenos nasceram que ela voltou seu olhar para o universo infantil e desenvolveu o projeto de arte-educação Culture Kids. Com a missão de despertar a curiosidade, formar e informar a nova geração sobre o mundo das artes e sua vasta produção, a plataforma organiza visitas guiadas a exposições e ateliers, oficinas, palestras e experiências culturais, sempre de forma lúdica e criativa. “Muitas pessoas acham que na arte não tem espaço para crianças e se intimidam. Mas existem maneiras incríveis de estimulá-las a conhecer e, principalmente, a curtir esse lugar”, diz a idealizadora. @culturekids_brasil

34

VOCÊ PRECISA SABER DA PISCINA, DA MARGARINA, DA CAROLINA, DA GASOLINA.

VOCÊ PRECISA SABER DE MIM

Canção Baby, de Gal Costa

E.T. PHONE HOME

A Samsung Electronics apresentou uma nova versão do Ballie, seu robô doméstico com Inteligência Artificial. Agora, o assistente pessoal pode atender a chamadas, tocar música, projetar vídeos e até enviar updates de seu pet enquanto você estiver fora de casa. @samsungbrasil

TIME TO PACK

A novíssima Coollab, das sócias Paula Drumond Setubal e Renata Goldfarb, que já selou parcerias com a marca de moda praia infantil Mandarina e com a loja de acessórios de design By Gabs, agora lança seu primeiro produto próprio. A Mochila Cogumelo, que Donna amou! Para fazer conjuntinho tem também o nécessaire combinando, nas versões caramelo e azul-jeans. @coollab_ | @mandarinakids_fun

PANTONE

A linha de artigos de couro da Montblanc apresenta novidades na paleta. Novas cores, inspiradas na natureza, são adicionadas à cartela da maison e colorem bolsas, carteiras, malas e mochilas. Os tons argila, estanho, aço e variações suaves de verde, amarelo e azul são as apostas da Montblanc Leather Collections para 2024. @montblanc

35 CURTAS | Carbono Donna
Fotos divulgação

SUPERAÇÃO

Há Vida Após o Luto, escrito por Vanessa Botacini, é uma leitura profunda e tocante. Ao viver uma árdua experiência de reconstrução, após uma perda, a autora quis compartilhar sua história, dicas e conselhos que a ajudaram nesse processo. “Neste livro, busco oferecer esperança e orientação. Apesar da dor, é possível encontrar uma nova maneira de viver”, diz Vanessa. À venda na Amazon. @vanessabotacini

BELEZA REAL

Estamos de olho na nova campanha da Miu Miu, Endless Summer, que colocou um elenco de peso –May Andersen, Emma Corrin, Angel Haze, Lexie Liu, Demi Singleton e Cailee Spaeny – em retratos despretensiosos, mas cheios de vida. As imagens, bem iluminadas, foram clicadas em Los Angeles e dão um gostinho do mood que promete tomar conta da próxima estação. @miumiu

2 EM 1

Mais um motivo para querer colecionar a Mini Origami, bolsa da Fendi inspirada na técnica japonesa de dobradura – o modelo tem uma construção complexa e pode ser transformado em uma bucket bag quadradinha ou em uma shopper em formato de trapézio. A novidade é um pingente de trevo de quatro folhas que lembra um come-come, a brincadeira de perguntas e respostas feita de origami. Fofo! @fendi

PAPO DE MÃE

As criadoras de conteúdo Mamá Maluf, Ingrid Folkerts e Isabela Tacaki apresentam o ótimo podcast Pod das Mamis. São papos leves e divertidos com médicos, especialistas em maternidade e mães do showbizz. “Para mulheres que, assim como nós, são mães multifacetadas que fazem o próprio rebolado para dar conta do recado”, diz o trio.

Toda segunda, às 19h. @poddasmamis

36

PROSA, MODA E CAFÉ COADO

Foi quando virou mãe de Caetano que a designer de interiores Maria di Pace, casada com José Eduardo de Souza Aranha, cofundador da marca de moda masculina Zapälla, começou a focar em alimentação saudável e bem-estar. Então vieram Mariano e Chico e, com os dois pequenos, “uma vontade ainda maior de trazer qualidade de vida para a família, tanto no quesito saúde quanto de estilo de vida slow, local, perto de casa, sem trânsito, com o marido mais próximo”, explica Maria. Foi aí que houve um estalo: “Mudamos o showroom da Zapälla, que precisava de um espaço maior, para um imóvel nosso que estava ocioso, no bairro Jardim Guedala, e combinei de ficar com a parte da frente da casa para realizar o sonho de montar um restaurante acolhedor e que oferecesse uma experiência gastronômica leve e saudável”. Assim nasceu a Casa Mazé, um charmosíssimo coffee shop no melhor estilo bairrista, que acolhe amigos e moradores da região para café da manhã, brunch e almoço. São bowls, wraps, toasts e sucos, além dos itens do empório, como pães, chás e granolas. “Queríamos trazer um presente especial para o nosso bairro, apoiando os incríveis fornecedores locais em um ambiente cheio de vida, onde nossas famílias pudessem viver se sentindo parte dali!”, finaliza Maria. @casa_maze

37
Fotos divulgação CURTAS | Carbono Donna

CAMILA LEITE vive e trabalha em São Paulo e aprendeu a bordar ainda pequena, tendo sua avó como professora. A prática, migrada para o âmbito profissional – e já mostrada em diversas exposições coletivas na cidade –, consiste em sobrepor diferentes tecidos – alguns deles seriam descartados – conferindo aos materiais um novo significado. Muitos desses itens são pinçados dos arquivos das mulheres da família da artista, “reforço, assim, nossos laços e reafirmo a força da linhagem feminina”, diz Camila, que completa: “meus trabalhos remetem a fases da vida e suas trajetórias”. @camilaleitebastos

ARBUSTO Linha de algodão e lã e pedraria bordada sobre tecido, 20cmx26cm, 2023

FLORESTA Linha de algodão e lã e miçangas bordadas sobre tecido, 42cmx55cm, 2023

FASES I Linha bordada sobre tecido, 32cmx42cm, 2023

TORMENTA Linha bordada sobre tecido, 55cmx70cm, 2023

— Este é um momento? Pergunta em voz bem alta. Não, já não é mais. E este? Já agora também não. Só se tem o momento que vem. O presente já é passado.

UM OUTRO ALGUÉM Linha de algodão e lã e pedraria bordada sobre tecido, 22cmx32cm, 2023

CLARICE LISPECTOR , no conto O Delírio, na coletânea A Bela e a Fera

LAURA

A atriz Laura Neiva apresenta uma proposta P&B – abrilhantada por acessórios clássicos –que vai do casual ao festivo. O contraste da paleta se dá por seu olhar cor de avelã

Fotos Pedro Arieta

Direção criativa Mona Conectada

Edição de moda Thiago Biagi Beauty Helder Rodrigues

Agradecimentos Hotel Fasano

CASACO NUÉ NA CJ MARES • BLUSA GOLA ALTA MISSONI JOIAS FRATTINA • RELÓGIO MONTBLANC Moda | LAURA NEIVA

NESTA PÁGINA

CASACO CHANEL • BABY LOOK PANTERA BY MONA

CALÇA REINALDO LOURENÇO • JOIAS TIFFANY & CO.

NA PÁGINA AO LADO

VESTIDO STELLA MCCARTNEY NA CJ MARES • SAPATOS CHRISTIAN DIOR

RELÓGIO MONTBLANC • JOIAS ARA VARTANIAN

43
VESTIDO
ROCHA • BRINCO VIVARA BRACELETE,
E ANEL TIFFANY & CO.
HELÔ
COLAR

NESTA PÁGINA

VESTIDO ALAÏA NA NK STORE • JOIAS BULGARI

NA PÁGINA ANTERIOR

VESTIDO HELÔ ROCHA • BRINCO VIVARA

BRACELETE, COLAR E ANEL TIFFANY & CO.

SANDÁLIAS SALVATORE FERRAGAMO

CASACO E SAIA NUÉ NA CJ MARES • BLUSA GOLA ALTA MISSONI JOIAS FRATTINA • SAPATO DOLCE & GABBANA
51 VESTIDO HELÔ ROCHA • BRINCOS FRATTINA • BOLSA LOUIS VUITTON SANDÁLIA ALEXANDRE BIRMAN • ÓCULOS MR. LEIGHT NA ÓTICA SELLA
52
TOP E SAIA CHRISTIAN DIOR • COLAR E PULSEIRA FRATTINA BRINCOS JACK VARTANIAN • RELÓGIO ROLEX
PRODUÇÃO EXECUTIVA: REBECA MARTINEZ; ASSISTENTE DE FOTOGRAFIA: IGOR KALINOUSKI; PRODUÇÃO DE MODA: GUILHERMO LIMA E MALU LUCATELLI; ASSISTENTE DE BEAUTY : ADRIEL LUCAS; ASSISTENTE DE CAMARIM: ELKE MANUELLE OLIVEIRA 54 NESTA PÁGINA VESTIDO LOUIS VUITTON • JOIAS CARTIER NA PÁGINA AO LADO VESTIDO HELÔ ROCH A • BRINCOS FRATTINA ÓCULOS MR. LEIGHT NA ÓTICA SELLA
VESTIDO CRIS BARROS JOIAS TIFFANY & CO. SAPATOS CHRISTIAN DIOR

PARA VIVER

Aquela garota que chamou a atenção no cinema quando ainda era uma adolescente em descoberta chegou, enfim, aos 30. E já conta 15 anos de carreira, um casamento maduro, dois filhos, uma casa, oito cachorros e alguns planos para além das telas. Parece que passou voando? Para Laura Neiva o tempo é só um detalhe…

57
BLAZER DOLCE & GABBANA • JOIAS TIFFANY & CO. Por
Raquel Fortuna Entrevista |
LAURA NEIVA
“Tem gente que acha cafona hoje em dia ficar casado, ser fiel e ter filho. No meu caso, sinto essa necessidade. Amo ser casada”

Em uma manhã atípica de verão, na qual a brisa pede roupas menos calorentas, recebemos Laura Neiva, em uma suíte do Hotel Fasano Jardins, em São Paulo. Calça jeans, sapato croco, malha leve, cabelo preso e óculos de grau, a atriz chega cumprimentando um a um da equipe: “Prazer, Laura”, diz, o que causa graça em quem ouve e está acostumado à sua figura pública desde o filme À Deriva, quando ela estreou, aos 15 anos de idade.

Logo de início, a conversa nos bastidores gira em torno de um assunto: filhos. Laura conta que estava separando roupinhas de sua primogênita, Maria, de quatro anos, fruto do casamento com o ator e cantor Chay Suede, 31, com quem também tem José, de dois anos, para uma amiga que estava prestes a se tornar avó. “Minhas melhores amigas são sempre bem mais velhas do que eu. Essa é uma amiga da minha mãe, que virou uma das minhas melhores amigas. Tenho outra melhor amiga que tem 50 anos, minha ex-empresária, Ana Luiza”, conta.

Do alto de seus 30 anos –comemorados no ano passado com uma festa de debutante, diga-se de passagem –, Laura confessa ser “uma pessoa um pouco senhora mesmo”. Caseira, com preguiça de Carnaval e que prefere assistir a filmes a ir a uma festa badalada. Apesar disso, garante que nunca quis acelerar o relógio, e sempre vivenciou cada idade de forma coerente. “Devo isso à minha mãe, que sempre me preservou. Apesar de ter começado a carreira cedo, ela fez questão que eu estudasse e não pulasse etapas “, revela.

Em alguns minutos de conversa, fica claro que a relação com a mãe, Michele Franca, é muito forte. Quem conhece a história sabe que a atriz nasceu quando Michele tinha 15 anos, e que Laura cresceu sem contato com o pai biológico. “Como a minha mãe me teve jovem, mudei bastante de casa,

cidade e escola. Quando ela começou a fazer faculdade, fui morar com a minha avó em uma cidade pequena chamada Frutal, em Minas Gerais, aos dois, três anos. Em algum lugar, eu entendia porque estava lá e sabia que era importante para a minha mãe estudar. Acabei criando um amadurecimento muito cedo. Nunca culpei ninguém. Não sei como, mas eu tive essa maturidade. Acho que tem a ver com o fato de as duas conversarem o tempo todo comigo. Elas sempre foram minhas ‘ídolas’ e minha família foi muito presente”, conta.

Laura lembra que se alguém não pudesse “dar tudo em algum momento, teria outro ali dando tudo de si”. Por isso sentia que, se algo acontecesse, estaria amparada em muitos lugares. “Acho que isso reflete na forma como lidei com as minhas amizades e na vontade de estar em casa, sempre em família”, explica.

E é exatamente esse o momento que Laura vive: em pausa na carreira artística, está curtindo a casa, uma charmosa morada no bairro Alto de Pinheiros, em São Paulo, com oito cachorros, e dedicando-se à família e à maternidade, com planos – para bem breve, a gente acredita – de um terceiro filho. “Tem quem ache cafona hoje em dia ficar casado, ser fiel e ter filho. Acho que depende do que você quer. No meu caso, sinto essa necessidade. Amo ser casada, ter meus filhos e viver esse momento dentro da minha casa. Não quis voltar logo ao trabalho e não tenho problema nenhum em esperar. Mas também eu pude fazer essa escolha”, reforça, ciente de seus privilégios.

DIY

Vivenciar a casa e a família também despertou a vontade de se dedicar a outra paixão, a decoração de interiores. Ela, que já flertava com o handmade, chegou a abrir uma empresa de decoração de festas com a mãe, com quem costuma organizar

os aniversários das crianças da família. Em sua casa nunca faltam papelão, lantejoula e toda e qualquer quinquilharia para inventar cenários.

Apesar de não ter dado continuidade ao negócio, ficou plantada ali uma semente. “Um dia chamei o Chay e falei: ‘tenho uma coisa muito importante para te contar. Quero trabalhar com decoração de interiores!’ E ele disse: ‘óbvio que você quer isso. Todo mundo sabe. Estava só esperando você me dizer’ (risos). Na minha cabeça, não sabia como conciliar duas profissões. Era como se tivesse que abandonar uma carreira [a de atriz], uma oportunidade que a vida me deu. E agora estou entendendo que quero e posso fazer tudo.”

Esse entendimento, segundo ela, tem muito a ver com o processo que vivenciou em seu maternar. “Passei por coisas difíceis, como uma cesárea [da primeira filha] que me trouxe reações, dificuldades com a amamentação, aquela confusão de se enxergar como uma nova mulher, mas uma coisa definitiva que a maternidade me trouxe foi descobrir quem eu sou, do que gosto e do que não gosto.”

Maria nasceu em 2019 e José, em 2021, tempo de isolamento social que permitiu acompanhar os primeiros anos das crianças de perto, com as delícias e desafios intrínsecos. “Aos poucos, você põe na balança o que é tempo de qualidade, o que é viagem da sua cabeça, quanto está colocando energia em um lugar que não precisa”, pondera. Das curiosidades do destino: Laura dividiu com a mãe, ao mesmo tempo, a dupla maternidade, já que Michele deu à luz Teresa, primeira irmã da atriz, em 2018, um ano antes do nascimento de Maria, e depois Salvador, em 2020, que precedeu a chegada de José. “Brinco que a gente foi intercalando. E é muito engraçado porque eles [as crianças] convivem, são superamigos e se chamam de tio, sobrinho”, diz Laura.

58
Entrevista | LAURA NEIVA

Em um dos intervalos deste ensaio, a atriz busca saber notícias dos filhos pelo celular. Também se diverte com uma mensagem do marido, com quem construiu uma parceria afinada, resultado de alguns ajustes de rota no relacionamento prestes a completar dez anos, entre idas e vindas. “Eu e Chay nos separamos duas vezes, em 2016 e 2018. Em ambas, a gente se amava muito, mas não estávamos sabendo lidar com certas situações. Fala-se muito sobre os problemas do casamento, mas pouco sobre como fica um relacionamento depois de uma crise. Geralmente, muda para melhor. Hoje, a gente se entende muito bem, sabe ler um ao outro, cumpre as necessidades dos dois, respeita o tempo de cada um e a individualidade. Somos unidos, mas achamos legal cada um se divertir com seus amigos. E também temos clareza de que em alguns momentos somos as nossas melhores companhias”, revela.

Ela é virginiana, prática, do tipo que demonstra afeto por ações. Já ele, canceriano, sensível e emotivo, se expressa fazendo música das coisas mais cotidianas, seja para embalar o sono das crianças ou narrar um acontecimento marcante. “Quando esse dia terminar direi ‘não vou deixar passar’. A vida pareceu tão frágil que me fez chorar e eu só quero beijar”, diz o trecho de uma canção que Chay criou inspirado em um episódio difícil, quando Laura sofreu uma convulsão pela primeira vez em sua frente. A atriz foi diagnosticada com epilepsia congênita há 12 anos e, desde então, remédios e exames fazem parte de seu dia a dia.

Se no passado o assunto gerava incômodo, hoje ela fala sobre ele com mais tranquilidade. “Convulsão não é bonito de se ver, as pessoas têm vergonha de falar e eu também já passei por isso. Quando a gente volta da crise, além da confusão que dá, fica uma sensação ruim de nos verem de maneira

tão suscetível, de ser tão dependente. Em todas as relações que eu tenho hoje preciso falar que sou epiléptica porque a pessoa necessita saber o que fazer caso aconteça um episódio. Mas foi um processo me acostumar. Nunca escondi de ninguém, mas também não via muita necessidade de verbalizar. E depois que falei pela primeira vez sobre isso na imprensa, em 2019, percebi o tanto de dúvidas que as pessoas têm, incluindo mulheres, por exemplo, achando que não poderiam engravidar. Fiz um vídeo que viralizou e acabou virando utilidade pública. Dá para ter uma vida normal. É só fazer alguns ajustes”, diz.

E o normal da rotina de Laura é o típico equilíbrio de pratos: entre trabalhos, os cuidados com a família e a casa, ela inclui terapia, prática de exercícios e massagem, quando dá. Assume que não é o tipo de pessoa que encontra prazer no esporte e nem consegue enxergar resultados rápidos no corpo, mas constatou que se sentia melhor e com mais disposição depois de movimentar o corpo. Assim, aderiu ao funcional, com incentivo de Chay,

que, ao contrário da companheira, é aficionado a atividades físicas. E na esteira veio a melhora da alimentação –ela já era vegetariana – e a descoberta da importância do autocuidado. “Comecei a fazer terapia grávida do José, o que me ajudou a enxergar várias coisas. Brinco que é um pequeno passo para o homem e um grande salto para a humanidade (risos). O esporte veio no segundo momento. Não sinto aquele prazer imediato e, como o meu corpo nunca foi prioridade, fica mais difícil. Mas, quando me exercito, acabo me alimentando melhor, o sono muda, e também sei que tudo isso é exemplo para as crianças… Além disso, percebo que é um tempo que tiro para mim”, conta.

A propósito, questionada sobre sua relação com o tempo, a atriz se mostra pensativa. E conclui, em um mundo que funciona à base de pressa, que anda bem em paz com ele e tudo o que isso carrega. “Eu não tenho problemas com o tempo. Sempre estive muito confortável com cada fase da minha vida. Vivo realmente o momento”, finaliza.

COLAR TIFFANY & CO.
59

O azul

atravessou a paisagem

Dominando meus braços de sorrisos

Sem pressa, assumiu o cenário sem angústias por outra cor

A cor é azul.

Poema do COLETIVO USUFRUTO , que apresenta pequenas narrativas de Ana Berganton, Fabiano Al Makul e Mauro Fernandes @coletivousufruto

Série Contra o Tempo, de GABRIEL NEHEMY , composta de seis telas. Resina pigmentada sobre painel de madeira revestido com veludo, 60cmX60cm @gabrielnehemy.art

Gabriel Nehemy nasceu em São Paulo, onde vive e trabalha. Formado em Publicidade e Propaganda, firmou-se como artista visual durante uma trajetória de orientações artísticas com Bruno Dunley, Rodolpho Parigi, Regina Parra, Nino Cais e Carla Chaim, entre outros nomes. Já participou de coletivas e individuais no Brasil e fora e é um dos destaques da feira SP-Arte. Atualmente está com uma exposição individual na Galeria de Arte Kovak & Vieira (@kovakevieira), com texto de Luisa Testa.

62 Música
PICAPE Isabel Teixeira com Retratos Jorge
Bispo

Isabel Teixeira tem uma fita com a primeira batida de seu coração – seu pai, o músico Renato Teixeira, gravou na maternidade. Para a atriz, a música “é o ritmo, o compasso, o conforto, a cura, a certeza de que não estamos sozinhas”. Confira os trechos que estão sempre em sua playlist

“Benditas coisas que eu não sei Os lugares onde não fui

Os gostos que não provei Meus verdes ainda não maduros

Os espaços que ainda procuro

Os amores que eu nunca encontrei Benditas coisas que não sejam benditas”

Benditas ZÉLIA DUNCAN E MART’NÁLIA (2006)

“Quero passar por aí, de noite Ao longo do dia, passe um café

Vou levar meu coração

Untado por sofreguidão, que é pra ver se dá Alguma coisa nossa”

Ralador de Pia LINIKER E TULIPA RUIZ (2016)

“I guess I should’ve known By the way you parked your car sideways

That it wouldn’t last”

Little Red Corvette PRINCE (1999)

para fluir as letras playlist (para ver com os ouvidos) música de cinema

“Tous les matins quand j’sors du lit

Je mets un disque de Count Basie

Il ne m’en faut pas d’avantage

Pour m’enlever tous mes soucis

Juste un p’tit disque de Count Basie”

Li’l Darlin’ NEAL HEFTI com Henri Salvador cantando (1957)

“Que bom, que bom, que nunca vai haver talvez Pra quem tudo na vida sentiu, disse e fez

Prefiro ficar só com minha ilusão Que matar a esperança de amar no meu coração”

Não há Cabeça ANGELA RO RO (1979)

“São as águas de março fechando o verão É a promessa de vida no teu coração”

Águas de Março TOM JOBIM (1972)

“Quem depois voltou

Ao amor, ao sorriso e à flor

Então tudo encontrou

Pois a própria dor

Revelou o caminho do amor

E a tristeza acabou”

Meditação JOÃO GILBERTO (1960)

PRELUDE AND ROOFTOP POR BERNARD HERRMANN ( FILME VERTIGO) –BLOW-UP POR HERBIE HANCOCK ( FILME BLOW-UP) – JUNGLE BOOGIE POR KOOL & THE GANG ( FILME PULP FICTION) – MAIN TITLE POR BERNARD HERRMANN ( FILME TAXI DRIVER) –JOANA FRANCESA POR CHICO BUARQUE ( FILME JOANA, A FRANCESA) –PRELUDE POR BERNARD HERRMANN ( FILME PSYCHO) – LAST TANGO IN PARIS POR GATO BARBIERI ( FILME LAST TANGO IN PARIS) – TWIN PEAKS THEME POR ANGELO BADALAMENTI ( SÉRIE TWIN PEAKS) – ‘S WONDERFUL POR GEORGE GERSHWIN ( FILME AMERICAN IN PARIS) – GÉNÉRIQUE POR MILES DAVIS ( FILME ASCENSEUR POUR L’ÉCHAFAUD) – MAMBEMBE POR CHICO BUARQUE ( FILME QUANDO O CARNAVAL CHEGAR)

63 ISABEL TEIXEIRA

a louca

UMA OBSESSÃO DE

raquel davidowicz

Monalisa, punk, roqueiro, fashionista, alemão, novaiorquino: assim são os patos decorativos da coleção da estilista Raquel Davidowicz, uma mistura divertida de versões garimpadas do bichinho mundo afora

Coleção | RAQUEL DAVIDOWICZ
64
Por Raquel Fortuna Fotos João Bertholini

dos patinhos

(noun)
65
ma.ni.ac
an obsessive enthusiast
66 Coleção | RAQUEL DAVIDOWICZ

É quase irresistível entrar no lavabo da casa da estilista Raquel Davidowicz, uma charmosa morada de referências modernistas no bairro Sumaré, em São Paulo, e não falar em alto e bom som: “Uaaau!” O motivo? Uma imensa e variada coleção de patos decorativos – estilo yellow ducks , em sua maioria – recebe quem entra ali. Todos organizadinhos, espalhados entre as prateleiras de vidro e a bancada da pia. Tem pato Monalisa, pato Andy Warhol, pato Trump – que costuma arrancar risadas de quem vê –, pato roqueiro, pato punk, pato de Berlim, de Paris, de Estocolmo, de Nova York, pato fashionista customizado, pato vibrador, pato aqui, pato acolá… “Gosto sempre de colocar em uma ordem, por cor e tema”, explica Raquel.

A paixão pelos patos começou há 20 anos em uma viagem ao Canadá. Na época, a estilista havia viajado para buscar a filha Vanessa, hoje com 30 anos, que terminava um intercâmbio. “Era uma cidade muito pequena, chamada Victoria. Não tinha quase nada lá. E aí encontrei uma loja que vendia patos antigos. A coisa mais incrível do planeta. A ideia era só comprar alguns para colocar no lavabo de casa. Mas virou essa coisa supercoletiva (risos)”, diz. Isso porque, desde então, todo

mundo que vai viajar e vê um pato lembra de Raquel e traz uma novidade. Família, amigos, filhos e até amigos dos filhos. “Já ganhei chaveiro, gloss, livro e meu filho (Tomas, de 29 anos) me trouxe um chinelo”, conta ela, que soma hoje cerca de 500 itens do tema.

Durante este bate-papo, Raquel descobre uma das simbologias do animal: por transitar entre terra e água, ele é considerado um ser em constante transição. “Gente, eu sou exatamente essa pessoa!”, surpreende-se. E relembra sua trajetória. “Fiz odontologia, atuei um ano na área. Conheci o Roberto (seu marido) quando ele tinha uma confecção e comecei a trabalhar no departamento de criação da marca. Casei cedo, com 23 anos, me formei em moda e a gente resolveu abrir a nossa marca, a UMA, que já tem 25 anos.” Agora, a estilista se prepara para navegar por outros… Lagos. Em breve, vai começar um curso de psicanálise. “Eu poderia estudar história da arte ou artes plásticas, por serem assuntos bem próximos da minha área. Mas acho que, quando você procura se aprofundar em coisas que não têm a ver com o seu trabalho, de alguma forma não só melhora o que você faz como alcança uma transformação. Estou sempre em transição”, finaliza.

67

the last time i did something for the first time

MARIA CLARA GUEIROS

Prestes a subir mais uma vez nos palcos, agora com uma peça de Fabio Porchat, a atriz reflete sobre estreias que têm trazido um novo olhar para a sua vida COMO ESQUECER?

68
Retrato Iude Richele

Escrevi Minhas Reflexões

De uns anos para cá me dei a abertura interna de escrever – ainda que secretamente – anotações e pensamentos sobre coisas que foram importantes na minha vida. Sempre achei que meu ponto forte era pegar algo pronto e criar em cima, mas dei uma folga para a minha autocrítica e resolvi escrever. A autocrítica permanece, a ponto de ainda não ter mostrado esse material para ninguém, mas quero poder transformar isso em algo relacionado à arte. Um monólogo, um livro, quem sabe…

Tirei Férias Mais Longas

Tenho me dedicado cada vez mais ao universo da língua francesa. Não comecei a fazer aula porque sou sem-vergonha, com meu próprio método, mas resolvi me jogar porque o tema entrou na minha vida. Meu marido (Edgar Duvivier) tem dupla cidadania e temos ido bastante para a França – no futuro, pensamos em morar lá. Um dos meus filhos está vivendo em Paris e falando bem, então mergulhei. Uma vez por semana, eu e o Edgar temos o compromisso de ver um filme em francês e, de vez em quando, escutamos aulas de filosofia. Não é algo fácil, sempre falei muito bem em inglês, mas estou mergulhada.

Com a minha saída da Globo, em 2021, comecei a me permitir escolher as minhas férias. Quando era contratada, estava sempre à disposição. Agora virei dona das minhas férias –e responsável por elas! No ano passado, passei mais de um mês com o meu marido na França e, por isso, recusei quatro trabalhos. É algo que não faria se estivesse com a cabeça de antigamente, de formiguinha, de ter que estar sempre sendo produtiva e vista. Não é simples, nem faço isso com o pé nas costas, mas é um amadurecimento.

Investi nos Musicais Passei a Respeitar Meus Limites e Opinões

Eu sempre cantei, mas nunca tinha me dado o direito de me chamar de atriz de musical. Entrei timidamente nesse universo e botei minha cara no palco. Chega uma hora que precisamos aceitar que podemos fazer bem outra coisa.

Dediquei-me ao Francês Fiz Crochê

Sempre gostei de crochê e, na pandemia, comecei a assistir a tutoriais no YouTube para aprender a fazer. Fiz uma cobertura para o meu teclado, comecei a fazer bolsas. Já pensei em vender, mas sou péssima vendedora, então presenteio os amigos. Gosto de coisas assim, que dão resultados rápidos. É como uma higiene mental, trabalha a cabeça.

Me via muito presa no sentido de que uma pessoa que é mãe, mulher, ou atriz tem que fazer tal coisa que está nos manuais daquela profissão. Profissão mãe, profissão atriz, profissão mulher. E assim seguimos comportamentos que nos deixam insatisfeitos. Com a minha idade, os filhos criados e com uma relação estável e duradoura, tenho mais segurança em ser quem eu sou. Passei a não ter problema em dizer o que eu quero ou não. Às vezes desejo estar fora até dos refletores da mídia e não entrar muito na ciranda que é o mundo artístico. Tenho muito claro na minha cabeça que minha profissão é meu ofício, muito mais do que as lateralidades de aparecer, estar nas festas, por exemplo. Hoje, com redes sociais e todos aparecendo a qualquer custo, é algo difícil de fazer.

69
First time | MARIA CLARA GUEIROS

ENTRE FORMAS E CORES

“A arte é uma maneira de me conectar com Deus”

Conhecida por sua atuação no mercado da moda – ela faz parte do time de criação e marketing da Mixed e Mixed Kids e é diretora criativa da New Match, marca jovem do grupo –, CICCY HALPERN , formada em Artes Plásticas, sempre teve uma ligação muito forte com o universo das artes. “Sinto-me impactada por Monet e Matisse desde criança”, revela a estilista. Mas foi somente durante a pandemia, grávida da caçula Glória, que ela conseguiu focar nessa paixão, que acabou por virar um estilo de vida, “foi quando ressurgiu o desejo de me conectar com essas formas e movimentos artísticos”, diz. A cor, a potência da fé e a relação com a religiosidade são elementos centrais de seu trabalho. Sua primeira série artística, entre tantas outras, foi nomeada Glórias Vindouras e continua em constante expansão, sempre ganhando novos integrantes com sentidos estéticos e espirituais renovados. Suas pinturas fazem sucesso entre os entusiastas e já se transformaram em quadros digitalizados, bordados e até em estampas para toalhas e belos vestidos. “Por meio da minha obra quero elevar nosso espírito, emanando o bem e a paz. São ventos de amor e luz”, conclui Ciccy.

“Acredito que as cores têm uma energia e uma potência impressionantes, uma capacidade enorme de transformar a vida.

São pulsações e captam os movimentos e transformações”

Obra Bem Aventuranças

@ciccyhalpern

70

CICCY HALPERN

Retrato João Bertholini
72
Fernanda Garay

PARA SEMPRE PÓS-ATLETA

FernandaGaray

Fora das quadras, mas não do esporte, a medalhista olímpica Fernanda Garay fala sobre disciplina, frustrações e a carreira na televisão – ela se prepara para cobrir as Olimpíadas 2024

Ela entra na videochamada com um sorriso no rosto, mas se desculpando – diz que não é do seu feitio se atrasar para os compromissos. Logo ela que, durante o papo que você lê a seguir, provaria sua absoluta disciplina e seu comprometimento em tudo o que faz. Teve que atender a uma ligação urgente. Por isso o atraso, explica. Fernanda Garay é uma lenda no esporte, um ídolo para muita gente. Mas a verdade é que só é possível ser uma grande atleta se por trás houver uma grande pessoa. E bastam poucos minutos de conversa para entender que é exatamente esse o caso de Garay.

Aos 37 anos, ela escolheu estar distante das quadras. Em 2021, anunciou uma pausa na carreira para fazer o que faz de melhor: se dedicar. Dessa vez, no entanto, o foco não era o esporte, mas o desejo de ser mãe.

Carbono Donna

Como tem sido se aventurar em outras áreas? Você usa as lições que o esporte lhe deu?

Fernanda Garay

Com certeza. Porque o esporte define quem eu sou e me trouxe ferramentas que espero nunca perder. A psicóloga Kátia Rubel, que trabalha com esportistas, tem uma fala interessante: ela não os chama de ex-atletas, e sim de pós-atletas. Porque existe uma carreira depois da quadra, ao mesmo tempo que o esportista nunca perde o posto. É um novo olhar para esse atleta que não está atuando, mas ainda tem esse DNA, essa memória. Eu me vejo

Nesse processo, teve que lidar com a frustração de ver que essa vontade não depende só dela, mas descobriu também o gosto por outras atividades – do estudo de francês à prática de yoga, passando por terapias diferentes. E, acima de tudo, descobriu a alegria de, depois de muitos e muitos anos, ter o domínio da sua própria agenda.

Mesmo que em uma nova fase da vida, Garay é e será sempre uma “pós-atleta”, como se define. Mantém o esporte vivo no seu DNA e leva com orgulho muitas das lições que o voleibol lhe ensinou. A diferença é que aproveita toda essa bagagem para outros desafios, incluindo a arte de falar sobre esporte na televisão. A seguir, uma conversa com essa mulher realizadora, que coleciona medalhas olímpicas, além de eventos como o Campeonato Mundial, o Pan-americano, o Grandprix e outros.

muito nesse lugar. Fiz essa pausa na carreira pelo desejo de ser mãe. Isso ainda não aconteceu, mas eu não gastei minha energia questionando sobre voltar ou não porque sou muito focada. Nesse momento eu quero realizar essa vontade. E o fato de não ter acontecido é uma grande lição para alguém como eu, uma mulher realizadora, que conquistou muita coisa. Ser mãe não depende só de mim. Tenho total consciência de que, quanto mais tempo longe das quadras, mais difícil é voltar. Mas nunca prometi nada. Eu sabia que poderiam ser meus últimos momentos ali e isso me deu liberdade para me experimentar em lugares onde nunca estive.

Entrevista | FERNANDA GARAY
73
Por Manuela Stelzer Retrato Izadora Padilha
“Nunca prometi nada e isso me deu liberdade para me experimentar em lugares onde nunca estive”

Carbono Donna

E como anda a preparação para ser apresentadora?

Fernanda Garay

Eu comecei como repórter. E o curioso é que eu não gostava de dar entrevistas. Não curtia ficar analisando a minha performance, sabendo que aquilo era passado e o time já estava pensando no próximo jogo. Tentava fugir, mas os jornalistas sempre comentavam que eu falava bem e, quem sabe, pudesse olhar para esse lado. Não era o meu foco naquela hora. Quando anunciei minha pausa, recebi convites para ser comentarista, mas a ideia não me animou. Queria um tempo sem precisar acompanhar vôlei. Fiz curso de vinhos, retomei as minhas aulas de francês, pratiquei yoga, conheci um monte de terapias e dietas. Comecei a me experimentar em lugares que não poderia enquanto atleta porque era preciso manter aquela rotina. E aí, em 2022, veio a oportunidade de fazer os episódios nas finais da Superliga na Globo. Foi incrível estar naquele ambiente ao qual eu não mais pertencia, mas ainda me sentia muito dentro. Depois, tive a chance de ir ao Pan-americano em Santiago, com o COB, e inclusive comentar esportes como boxe – eu nunca tinha assistido a uma luta! Foi desafiador e muito legal. E agora recebi o convite para cobrir as Olimpíadas, aqui do Brasil, ao lado do gigante Tadeu Schmidt. Não tinha como negar.

Carbono Donna

Você acha que a sua disciplina vem muito do esporte?

Fernanda Garay

É uma característica minha, mas que foi reforçada pelo esporte. É impossível atuar em alta performance se não tiver o mínimo de disciplina e de comprometimento. Então é algo meu mesmo, que acabou dan-

do um match com a profissão e o estilo de vida que escolhi. Para você ter uma ideia, de tão certinha que sou, não tinha tempo para nada quando parei o vôlei. Meu marido falava: Pelo amor de Deus, você nem joga mais. Por que tem agenda? [risos]. A diferença é que agora sou dona do meu tempo. Por mais de 20 anos eu vivi sem saber o dia de amanhã, de folgas, feriados. Ter o poder da minha agenda é algo incrível.

Carbono Donna

Lembrando da seleção, você exerceu um papel importante na renovação da equipe em 2018. Como foi isso?

Fernanda Garay

Foi o fim de um ciclo, de fato. Porque, mesmo se eu voltar a jogar amanhã, vai ser outra história, outra Fernanda. Quando eu saí da seleção, em 2017, para me casar, não tinha certeza se retornaria. Fiquei pensando se daria conta de olhar um pouco mais para minha vida pessoal e estar na seleção. Em 2018, o Zé Roberto me chamou. Foi quando descobri uma nova forma de estar na seleção. Ser uma influência positiva, esse link entre gerações. Entendi como uma maneira de me reinventar. Se não vou ser a melhor passadora ou atacante, como posso ser importante para o grupo? A gente não teve um resultado bom e não foi das minhas melhores atuações, mas o meu compromisso era diferente. Já em 2021, eu estava no auge da minha forma física e minha maturidade. O grupo era formado por três remanescentes e nove estreantes e houve uma grande troca. Estar lá pela terceira vez e ver a emoção de quem está chegando foi espetacular.

Carbono Donna

Há os reconhecimentos e méritos, mas também a tensão e a cobrança. Como você lida com isso?

Fernanda Garay

Costumo dizer o seguinte: a gente não chega às Olimpíadas do nada. Tem toda uma construção e acredito muito nessa preparação. Hoje se fala muito em saúde mental, humanizamos mais o atleta, que por muito tempo esteve nesse lugar de herói. Se você parar numa final olímpica e pensar que o mundo está cobrando aquele resultado, o foco se perde. Sempre busquei focar naquilo que me favorecia. Pode sacar em mim porque eu vou dar o passe na mão, sim. Ou seja, eu acreditava que estava muito bem preparada. O que eu posso controlar é o meu comportamento e a minha performance. Sempre busquei entregar o meu melhor. Se o adversário nos supera – e é essa a lembrança que eu tenho, por

Entrevista | FERNANDA GARAY 74

exemplo, da final olímpica contra os Estados Unidos, em Tóquio –, eu não sinto que a gente perdeu. Elas ganharam, jogaram voleibol de altíssimo nível, impecável. Fizemos o nosso melhor e não conseguimos. Faz parte. Tem muito valor a medalha de prata, mesmo que o brasileiro culturalmente não ache. Sobre essa pressão, existem duas possibilidades: olhar o copo meio cheio ou meio vazio. E acho que essa cobrança é consequência de o voleibol ser tão querido no Brasil, ter muitos espectadores e torcedores. O brasileiro ama.

Carbono Donna

Como você vê a relevância do esporte nas escolas e instituições?

Fernanda Garay

O esporte é uma ferramenta de educação e transformação social. Eu, inclusive, sou fruto disso. Venho de uma família simples do Rio Grande do Sul, de pessoas negras, e eu tive acesso a escolas particulares em decorrência do esporte, que me fez viajar o mundo, conhecer pessoas. Eu não teria a mesma possibilidade de cruzar essa linha social, nem o acesso à educação, outra ferramenta de transformação. Hoje, posso proporcionar muita coisa para minha família. Ajudei todos os meus irmãos a fazerem faculdade. Então, precisamos, sim, de mais incentivo. A Ana Moser já trabalhou bastante com isso e costuma falar sobre trazer o olhar para o esporte não só como performance, mas como saúde. O esporte ainda dá a possibilidade de trabalhar valores com as crianças, a autoestima, abre horizontes e oportunidades. Em um mundo cada vez mais tecnológico e com menos brincadeiras, o esporte é fundamental. E precisamos incentivar desde a base. Assim, quem quiser, segue a alta performance. Não é todo mundo que quer ser atleta, mas que legal seria se todos pudessem experimentar.

Carbono Donna

E como foi começar no vôlei desde a base, sendo uma mulher negra? Já sentiu falta de uma referência no esporte que via na televisão?

Fernanda Garay

Essa pergunta é um calcanhar de Aquiles para mim. Porque o meu pai jogou basquete e eu tinha essa referência. Então, meu maior ídolo, meu maior amor, sempre foi Michael Jordan. Obviamente eu assistia a vôlei, mas não tinha uma relação tão forte, aquele olhar de “quero ser assim”. Nem fui muito incentivada pelos meus pais a jogar vôlei, eu só cheguei e joguei.

Fui para fazer um teste numa escolinha e amei. Hoje, mais politizada e consciente, poderia dizer que não havia negras que eu enxergasse como referência. Mas acho que tinha e era meu olhar que não estava atento. No fim do dia, eu estava mergulhada na minha própria luta, que era bastante difícil. Por minha posição social e cor de pele, entrar num clube de elite em Porto Alegre era muita coisa. Essa consciência estava em mim, mas não havia tanto espaço para racionalizar tudo isso porque a experiência, por si só, já era dura. Precisei ser muito resiliente e forte. E não falo isso de um lugar de vitimismo, é a realidade. Hoje eu imagino que seja diferente, mas me arrisco a dizer que as mudanças foram poucas. Ainda falta muito.

Carbono Donna

Qual foi o jogo mais memorável da sua carreira?

Fernanda Garay

Brasil e Rússia, nas quartas de final de Londres, em 2012. Acho que esse jogo ficou marcado para muita gente, não só para mim. Foi espetacular de várias maneiras, porque a trajetória daquelas Olimpíadas foi muito inesperada. O Brasil era o atual campeão, chegava como favorito e fez uma campanha desastrosa. Aquele foi o jogo da virada, que separou as meninas das mulheres. Foi a nossa primeira final, porque, a partir das quartas, quem perde vai embora. Então dificilmente as pessoas lembram da final contra os EUA, ou da semifinal contra o Japão. Com toda emoção e dramaticidade da virada, o que fica são as quartas de final. Foi mesmo inesquecível.

75 Fotos Gaspar Nóbrega
Carbono Minds
Helena Velloso
“Aprendi que para mudar o mundo você precisa entender a dor das pessoas e seus desafios do dia a dia”

Da educação à sustentabilidade, Helena Velloso desenhou uma carreira em que pensar sobre o futuro fosse premissa básica

Por Raquel Fortuna

Quando era criança, Helena Velloso, 38 anos, lembra-se de ter escutado do pai, que o maior problema do futuro seria a falta de água. “Aquilo me deixou desesperada”, conta. A frase serviu como uma sementinha para que, anos mais tarde, ela seguisse sua vocação: trabalhar pela transformação no mundo. “Eu tinha o sonho de ir para a área pública, por ser o vetor da transformação”, explica. Para isso cursou administração pública na Fundação Getúlio Vargas (FGV). Mas foi a experiência no mundo corporativo, “onde as coisas costumam acontecer de forma mais rápida do que na área pública”, que abriu seus horizontes. “No Instituto Votorantim pude entender como a iniciativa privada estava fazendo esse drive de transformação. Foi onde eu achei que me encaixava melhor”, conta. A organização da empresa Votorantim tem como foco impulsionar negócios voltados à construção de um futuro sustentável.

Estudiosa e inquieta, Helena ainda passou por uma consultoria externa especializada em sustentabilidade e, aos 30 anos e recém-casada, decidiu aplicar para a Universidade de Stanford, na Califórnia, em busca de um MBA – e ainda incentivou o marido a fazer o mesmo. Os dois foram aprovados e a passagem pelo universo acadêmico foi marcante, com a possibilidade de escolher aulas de disciplinas diferentes, métodos de avaliação e feedback inovadores e até um summer job na Ambev.

Mas nada parece ter sido tão impactante para Helena quanto a imersão que fez em uma viagem de inovação social à Índia, onde conviveu com uma família que vivia na linha da pobreza. Um capítulo que contribuiu para que ela encontrasse sua verdadeira paixão e desse o próximo passo na carreira: dedicar-se à educação.

Na volta ao Brasil, ingressou na Fundação Lemann, que tem como foco o desenvolvimento da educação pública no País e a formação e o apoio a líderes e instituições comprometidos com a transformação social. Durante cinco anos atuou em new ventures e investimentos em tecnologia e startups. Entre os projetos dos quais participou está a parceria com uma startup de Washington, que desenvolve

objetivos de aprendizado para crianças da escola pública – Helena foi a responsável por trazer o método ao Brasil.

Em sua bagagem profissional constam ainda atuações como conselheira em assuntos ligados à educação dentro de empresas, incluindo o Instituto Votorantim, além de passagem como gerente executiva de inovação e P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) na Auren, empresa de comercialização de energia renovável da Votorantim. Entre as iniciativas implantadas nesse cargo, está a parceria com uma startup do setor para o desenvolvimento de produtos de inteligência artificial (IA). “Quando se pensa em energia renovável o Brasil tem uma grande vantagem porque consegue fazer um bom balanço entre chuva, vento e sol. Em breve as pessoas vão poder escolher onde comprar a sua energia. O mercado tende a ser bem competitivo”, aposta. Este ano Helena resolveu topar um novo desafio: ela é a nova CFO da Altre, plataforma de investimentos imobiliários da Votorantim.

E, entre tantas reflexões sobre o futuro, Helena acredita que a mais desafiadora delas acontece dentro de casa. “Nada é mais difícil do que educar um filho”, diz a mãe de Olivia, 2 anos, e Lucas, 1 ano. Entre aprendizados e descobertas, sua preocupação é trilhar uma jornada com significado. “Quero que meus filhos saibam o que é relevante, vejam transformação no mundo e, principalmente, tragam mais gente junto para concretizar mais sonhos”, conclui.

PANORAMA GERAL “Na consultoria especializada em sustentabilidade, tive a oportunidade de passar por áreas diversas. Trabalhei com asset de banco, longo prazo, petróleo… E foi aí que veio a vontade de fazer um MBA. Resolvi me dedicar, sou estudiosa, da turma dos esforçados mesmo.”

ADEUS, ZONA DE CONFORTO “Costumo dizer que Stanford foi um turning point de experiência de vida. Vivemos um constante estímulo: de coisas, situações, pessoas e ideias. Aprendi a me desafiar, a não aceitar o que é dado. E percebi que preciso dessa fricção.”

43 HELENA VELLOSO
Retrato divulgação
“A educação é a base para a mudança no Brasil. É investimento de longo prazo. Não adianta falar em país do futuro se tem gente saindo do Ensino Médio sem aprendizagem básica”

BEABÁ “Meus cinco anos na Fundação Lemann foram fundamentais para entender como a educação é a base para a mudança no Brasil. E que não tem bala de prata, nem “pronto, acabou”. É algo que sempre vai para o próximo estágio. Educação é investimento, é longo prazo. Não adianta falar em país do futuro se tem gente saindo do Ensino Médio sem aprendizagem básica. Não adianta falar em desenvolvimento da economia se ninguém sabe o nome do Ministro da Educação.”

ESPELHO MEU “Orgulho-me muito da parceria que fizemos com a startup de Washington quando estive na Fundação Lemann. Nossa missão foi fazer a base curricular comum brasileira e transformar isso em planos de aula para os professores com o intuito de melhorar o conteúdo em sala.”

MERITOCRACIA “É a distância entre dois pontos: de onde você saiu e aonde você chegou. E, enquanto houver desigualdade neste país, as pessoas deveriam ter vergonha de falar essa palavra. A cura do câncer pode estar, por exemplo, nas mãos de uma criança que não teve oportunidades.”

PALANQUE “Sempre fui uma pessoa muito direta, tenho dificuldade em florear e acabava sendo vista como agressiva – um homem na minha posição não seria considerado assim. Mas eu fui aprendendo que você gera um impacto nas pessoas, mesmo não tendo essa intenção, e falar abertamente sobre isso ajudou demais, inclusive com meu time. Meu maior desafio enquanto mulher no papel de liderança é ajudar a eliminar estereótipos como esse. Quando a conversa é colocada com transparência, a gente evolui. Para mim, liderança é você conseguir se colocar vulnerável para que as conversas possam acontecer com respeito.”

NO MEU DIVÃ “Sou ansiosa e foi preciso muita terapia para entender que eu poderia transformar isso em produtividade. Quando li a biografia de Frida Khalo, fiquei imaginando a artista e o marido, o pintor mexicano Diego Rivera, trocando cartas, algo que demorava semanas. E hoje nos acostumamos com os cinco segundos do WhatsApp! A terapia é esse tempo de escrever cartas, de colocar tudo em uma ordem que faça sentido para você.”

A PELE QUE HABITO “Quando fiz a imersão na Índia, ajudei a cuidar das crianças de uma família que vivia na linha de pobreza. Tinha uma menina muito, muito esperta, daquelas que dão um nó em todo mundo. Ficava pensando no potencial dela, mas olhava para a sua situação de vida e isso me deixava com o coração partido. Foi quando pensei: ‘Preciso fazer algo para mudar esse tipo de coisa’.”

VIDA ALÉM DO HORIZONTE “Aprendi que para mudar o mundo você precisa entender a dor das pessoas e os desafios do seu dia a dia. Não posso dizer se entendi, mas vivenciei de perto a dor de viver com menos de um dólar por dia e ter que alimentar uma família inteira.”

VALE QUANTO PESA “Quando se trata dos nossos filhos, aquela ideia de que basta fazer as coisas com carinho e boas intenções para dar certo não funciona na prática. Hoje me preocupo menos com o que quero conquistar e mais em trilhar uma jornada com significado. Quero ter filhos saudáveis e com gerência sobre a própria vida. Que saibam o que é relevante, vejam transformação no mundo e, principalmente, tragam mais gente junto para concretizar mais sonhos.”

43 HELENA VELLOSO

Plante uma semente para ofuturo

Uma pequena parte de sua herança pode nos ajudar a salvar vidas.

Acesse msf.org.br/herancas ou ligue 0800 941 0808 para saber mais.
Jeanne Machado Doadora de Médicos Sem Fronteiras

1

CARTILHA

“As pessoas dizem que sou chique. Tenho um armário compacto, não sou consumista, compro exatamente o que preciso. Gosto de qualidade e também de misturar roupas de luxo com outras da Uniqlo ou da Zara. Tenho peças curingas, como um smoking preto, uma coleção de camisas brancas e camisetas básicas de algodão Pima. O toque fica por conta dos acessórios.”

2 NONNA

“Minha ligação com a Itália é muito forte, vem do trabalho e da minha família materna. Sempre tive em casa um exemplo de elegância e vaidade.”

3

VALE OURO!

“Tenho um anel de prata (não uso dourado), que comprei em Nova York no ano 2000, e, até hoje, é como se fosse uma espécie de amuleto. Gosto também de uma pulseira indígena e colares de microconchinhas da tribo Marubo: trouxe de uma viagem que fiz para o Vale do Javari, no Amazonas.”

4

DEBAIXO DOS CARACÓIS

“A minha marca registrada é o meu cabelo natural, cacheado e com mechas irregulares. E é preciso muito cuidado para que os cachos fiquem bonitos e obedientes. Eu uso um modelador da marca TIGI, da linha Catwalk Curls Rock Amplifier, o único que funciona para mim!”

80
MEU ESTILO
HELENA MONTANARINI CURADORA, PUBLISHER E CERAMISTA Retrato João Bertholini

HANDMADE

“Faço cerâmica desde 2019. Criei uma coleção chamada Vestígios, inspirada nas minhas viagens pelo Amazonas: são as formas e impressões dos formigueiros e vespeiros que encontrei na floresta. É um trabalho que faço paralelamente ao jornal aQuadra. A arte permeia minha vida desde a adolescência.”

5 BIBLIOFILIA

“Eu coleciono livros e li todos que estão na minha biblioteca. Mas existem dois que me ajudaram muito no meu trabalho de autoconhecimento: Mulheres que Andam com os Lobos e As Brumas de Avalon.”

ACONCHEGO

6

RADAR

“Trabalhei como Buyer durante 20 anos para a Daslu e outras marcas. Então sempre viajava para ver as tendências. Quando as coleções apareciam nas lojas, tinha um deja vu. Isso reforçou meu guarda-roupa básico e minimal.”

“A poltrona dos Irmãos Campana que tenho em casa é muito importante na minha vida. Sento-me nela quando preciso pensar, criar e encontrar uma resposta. Chamo-a de cadeira da carência porque os ursos me abraçam.”

7

MANGIA CHE

TI FA BENE

“Amo cozinhar para família e amigos. Uma mesa grande para acolher a todos. Minha mãe foi chef da Casa Europa e até hoje me dá dicas incríveis, além de seus livros.”

81 81 Fotos João Bertholini

Essas imagens fazem parte da série Retratos de uma Cidade, de ANGELO PASTORELLO , exposta em Cuba e no Brasil. A mostra virou um livro homônimo recheado com flagrantes clicados por Angelo pelas ruas de Havana. @angelopastorello

O fotógrafo paulistano Angelo Pastorello, com mais de 20 exposições no Brasil e fora, é reconhecido por seu trabalho autoral e marcante. São três décadas clicando campanhas e editoriais, mas sua grande paixão é pelo processo manual de revelação e ampliação de seus projetos criativos. Angelo ministra workshops de moda e iluminação em escolas de fotografia e plataformas on-line, além de publicar livros visuais, como Expressões e Histórias, com 100 portraits de personagens de diferentes áreas, em prol da ONG I Know My Rights, que cuida de crianças refugiadas no Brasil.

82
83
“No meio do caminho tinha...”

À frente da @nordestesse_, plataforma que reúne moda, design, arte e gastronomia regionais, Daniela Falcão é mestra em descobrir e valorizar talentos brasileiríssimos. Pedimos um mix do que tem alimentado seus sentidos e ela trouxe: de vestidos de crochê a designer de móveis.

Ainda tem leitura dos loucos anos 1920 em Paris e podcast para refletir

Amados Achados
POR DANIELA FALCÃO 85 Retrato Bruna
Guerra

FABIO MELO DESIGN AFETIVO

@fabiomelodesign

As memórias da infância em Caruaru, no agreste pernambucano, são fonte de inspiração para este designer. Ele mistura referências regionais, sob influência das estéticas do cangaço e do Movimento Armorial, com traços contemporâneos e minimalistas, que lembram o design escandinavo. A cadeira Avoar, por exemplo, foi feita em parceria com Seu Caboclo, artesão conhecido na Ilha do Ferro, em Alagoas, pela habilidade de construir gaiolas a partir de finos gravetos. Uma viagem a um Nordeste pouco conhecido, que vai além da seca e da fome, e que conta a história da formação da própria identidade brasileira.

ELIS CARDIM LUXURY HANDMADE @eliscardim_official

Os vestidos de crochê da baiana Elis Cardim são das coisas mais impressionantes que descobri nos últimos anos. Ao contrário da maioria das peças desse gênero, suas criações usam fios de seda natural. E o melhor é que são sustentáveis, já que utilizam casulos que seriam descartados pela exigente indústria da seda. O processo de tingimento é natural: leva apenas água, calor, sal, vinagre e vegetais que dão a tonalidade, como cascas de cebola (para as peças mais ocre) ou folhas da erva-mate (para as verde-musgo).

CASA RIO DA BARRA PIAUÍ

@casariopiaui

Marthinha Ribeiro nasceu em São Paulo, é neta de cearense e apaixonada pelo Nordeste. Velejadora de kitesurfe há mais de 25 anos, em 2014 resolveu procurar um cantinho no Nordeste e se apaixonou por Barrinha, um vilarejo no litoral do Piauí com apenas 200 casas. Entre idas e vindas, decidiu se mudar definitivamente na pandemia e hoje dirige a Casa Rio da Barra Piauí, que recebe amigos e famílias que queiram vivenciar o lugar. A casa é original reformada, de frente para a laguna do Santana, um braço de mar muito especial que fica cheio conforme as marés. Não deixe de fazer os passeios locais, sempre com participação de nativos.

Amados Achados | DANIELA FALCÃO
Fotos Stella Zaborowsky e divulgação; ilustração Mona Sung
86

FOZ MODA E ARTESANATO

A marca Foz nasceu depois de uma viagem ao longo do São Francisco feita pelo estilista Antônio Castro, que decidiu resgatar os saberes artesanais ancestrais de Alagoas, trazendo as narrativas das comunidades ribeirinhas. Bordados, tricôs, fuxicos, rendas e bolsas de palha de ouricuri aparecem em todas as coleções de forma autoral e zero caricata. Destaque no SPFW, a Foz é conhecida por criar looks sofisticados e contemporâneos com bordados como filé, um Patrimônio Imaterial de Alagoas, boa-noite e rendendê típicos da Ilha do Ferro e Entremontes.

LIVRO

A Livreira de Paris

@intrinseca

A leitura do ano conta a história de Sylvia Beach, fundadora do bookshop Shakespeare and Company, e de seus amigos, além de oferecer um relato delicioso de uma Paris loucamente fascinante. Afinal, não há período na história contemporânea que tenha reunido tantos gênios quanto a Paris dos anos 1920. Entre o pósguerra e a Grande Depressão, a Cidade-Luz era o lugar ideal para intelectuais, boêmios e artistas. Liberal e libertina, abrigava escritores americanos fugidos da onda de puritanismo que tomara conta dos EUA. E é nesse contexto que a trama acontece.

RESET PODCAST @reset_pod

“O sonho é que leva a gente para frente. Se a gente for seguir a razão, fica aquietado, acomodado”

Ariano Suassuna

O Reset Podcast é fundamental para quem se questiona se é possível consumir moda de maneira consciente e agregadora. Comandado por Alexandra Farah e por Jonathan Marques da Fonseca, fala de sustentabilidade de uma maneira zero politicamente correta e vale muito pelas tiradas da Ale. Uma das mais importantes jornalistas de moda de sua geração, ela trocou São Paulo pelo interior de Minas justamente por não compactuar com a cultura de excessos dos grandes centros. É vegana “xiita”, mas divertidíssima. E os papos com lendas da moda como Glória Kalil e Alexandre Herchcovitch são imperdíveis.

MEU PETI SCO PREDILETO Manga

@mangarestaurante

Oreo crocante de cebola caramelizada recheada com vermelho defumado, creme de dil e cebola crua. Os pratos do Manga, restaurante de Salvador, são daqueles que você come com os olhos e depois com a boca. O cuidado, a originalidade e o talento do casal Dante e Kafe Bassi impressionam. Kafe é alemã e responsável pelos deliciosos pães e sobremesas. Dante é baiano e pilota o fogão. Os dois se conheceram quando trabalhavam no D.O.M., de Alex Atala. As releituras sofisticadas de pratos típicos, como a carne de fumeiro, fizeram a fama do local, mas o que amo mesmo são as entradas de ingredientes locais, como o Oreo.

87
@foz___
Fotos Leonardo Freire e divulgação

ARTE É O BICHO!

Os amigos Leka Mendes e Marcelo Brasiliense transformaram uma banca de jornal vazia em uma plataforma expositiva que apresenta uma coletânea de artistas com obras diversas. Fez tanto sucesso que, todos os meses, é preciso dar espaço a novos expositores interessados

Por Lili Carneiro Fotos Leka Mendes

Andar nas ruas de São Paulo e se deparar com bancas de jornal que vendem de tudo (quase que menos jornal!) virou rotina desde 2013, quando foi aprovada pela Câmara uma lei que autorizava os jornaleiros a ampliarem seus leques de produtos. Desde então, revistas e impressos disputam espaço com artigos de papelaria, brinquedos, bonés, gadgets, jogos, algumas guloseimas e outras necessidades, como guarda-chuvas, carregadores de celular e fones de ouvido. Mas alguém já tinha visto uma banca que comercializasse obras de arte?! Pois é, nós encontramos uma!

Tudo começou quando a fotógrafa e artista plástica Leka Mendes fazia um trajeto a pé em Pinheiros, mais precisamente na esquina das ruas Mourato Coelho e Teodoro Sampaio. “Eu vi uma banca vazia, sem absolutamente nada nas prateleiras, só uma senhora lá

dentro fazendo o jogo do bicho. Falei para ela que queria realizar uma exposição ali e ela me disse que um menino tinha passado um dia antes e falado exatamente a mesma coisa. Na hora, eu já sabia que era o (também artista) Marcelo Brasiliense! Um amigo que tem atelier ali perto e sempre falou em ter uma banca de arte”, conta ela. Força do destino ou não, Leka não demorou a ligar para Marcelo, logo concluindo que estava certa: de fato, era ele o outro interessado! “No mesmo dia voltamos lá e fechamos o aluguel em conjunto.” Veio então a ideia de convidarem outros artistas a apresentarem suas obras no inusitado centro expositivo. Mais 15 se juntaram a eles. E assim nasceu a Banca dos Bichos, em homenagem ao jogo polêmico antes ali vendido por Iracy. No primeiro mês, nomes como Alice Ricci, Ding Musa, Luciana Kater, Luisa Callegari, Marcelo Amorim, Nino Cais, Silvia Jabali

Arte | TENDÊNCIA 88

e Thais Stoklos já estavam com seus acervos brilhando no local. “Todos os meses o projeto se renova. O aluguel é compartilhado com os artistas participantes e Iracy tem uma porcentagem das vendas.”

Iracy Buenos, aliás, transformou-se em figurinha carimbada do bairro. A carismática “galerista da banca”, como é conhecida por ali, arma, junto com os artistas, tardes mensais de happy hour, com direito a rifas que valem obras. Recentemente, instalou por lá uma maquininha de Gashapon, aqueles totens automáticos, que entregam uma bolinha em troca de uma moeda. Este, no caso, troca 80 reais por um vale-trabalho-surpresa de algum dos agenciados, também chamados de bichanos. Dá para passar uma tarde inteira desbravando o acervo composto de diversos tipos de obras, como desenhos, telas, gravuras, colagens, livros, cartões, objetos, camisetas, calendários, serigrafias, adesivos, carimbos, chaveiros e carteiras. Todos assinados por expoentes do universo artístico. E, no final do dia, ainda é possível tomar um pingado com Iracy na padaria vizinha.

@bancadosbichos | @lekamendes | @mbrasiliense

Detalhes do projeto artsy e, mais abaixo, Iracy Buenos, conhecida como a galerista da banca
Carbono Minds
Juliana Sacchi
“O que mais me orgulha é ter tido coragem de mudar e ter acreditado em mim.”

A trajetória da advogada Juliana Sacchi, fundadora do Retail Hub, foi marcada por recomeços e reinvenções fundamentais para que hoje seu negócio fosse referência no setor tecnológico

Por Humberto Maruchel Retrato Lucas Kendi

Coragem para recomeçar nunca faltou à caminhada profissional de Juliana Sacchi. Paulista, atleta e advogada, ela migrou do Direito para a área comercial e, anos depois, para a Tecnologia. Em 2018, fundou a Retail Hub, uma plataforma de criação de sites voltada para o varejo.

A vocação para o empreendedorismo parece ter uma origem genética. Sua mãe comandava o negócio da família, a Tabacaria Caruso, e era uma referência de liderança. Seu pai, Roberto, já falecido, foi um grande executivo, mas acabou indo à falência. “Ele teve uma carreira brilhante, mas perdeu tudo. Isso nos impactou e moldou meu futuro. Minha mãe precisou trabalhar muito para nos sustentar.”

Dessa experiência, ela herdou outra característica: o gosto pelo trabalho. Começou cedo para conquistar a própria independência e viveu em diferentes cidades. Na temporada em Florianópolis, por exemplo, não sobrava tempo para ir à praia. “Tornei-me diretora comercial de três shoppings, batemos metas que ninguém atingia havia dez anos e virei diretora comercial do grupo. Tive um ótimo retorno financeiro, mas trabalhava feito doida.” A dedicação à carreira segue presente, mas hoje Juliana a equilibra com a vida pessoal: em 2022, ela se casou com Flávio Dias, investidor e conselheiro profissional. A migração para a área tecnológica veio de forma inovadora. Quando a Inteligência Artificial ainda era desconhecida por aqui, ela e um dos sócios, Jack, tentaram um empreendimento focado em soluções tecnológicas. Apesar de não ter dado certo, Juliana decidiu visitar Israel para conhecer recursos mais disruptivos. Daí nasceu a Retail Hub como uma consultoria, que na pandemia migrou do varejo físico para o digital. Até que Juliana decidiu transformar novamente o negócio, permitindo a criação de lojas virtuais, onde os varejistas e donos de e-commerce têm mais autonomia para mudar seus sites. A seguir, a fundadora da Retail Hub reflete sobre sua visão de negócios.

RUPTURA “A falência do meu pai acompanhou minha história. Ele adoeceu e eu testemunhei sua luta. A experiência moldou a intensidade que eu colocava em tudo o que fazia para buscar excelência e independência financeira. Sempre priorizei minha carreira.”

EQUILIBRISTA “Acredito que vivemos ciclos. No ano passado, dediquei-me intensamente para realizar essa transição de serviço para produto. Visitei o Vale do Silício duas vezes, participei de um curso de inteligência artificial em Stanford e busquei todo o conhecimento em tecnologia para pivotar o negócio. Acho válido passar por uma fase de priorizar o trabalho. No entanto, é crucial conhecer a si mesma, entender seus limites e discernir quando é necessário equilibrar um pouco mais.”

VISÃO CERTA, TEMPO ERRADO “Enfrentamos uma grande barreira temporal. Aprendi uma lição valiosa: uma visão correta no momento inadequado pode ser prejudicial. Fui visionária ao perceber que a inteligência artificial transformaria todo o setor de varejo. No entanto, no Brasil, a resposta que recebia era que ‘ainda não havia equipes com conhecimento para lidar com essa área’.”

DONO DE SI “Quem possui uma loja física e deseja alterar qualquer produto faz isso facilmente. No entanto, ao migrar para o e-commerce, você depende de desenvolvedores. Ao entrar numa fila, é necessário pagar por esse serviço. Após três ou quatro semanas, ainda será coerente efetuar a alteração? Isso sempre me incomodou. Como a gestão não estava nas mãos do varejista? Criei um produto capaz de devolver esse comando para o cliente que tem um e-commerce. Uma plataforma sem código, que permite fazer alterações sem depender de uma agência.”

OS ACERTOS DO CAMINHO “O que mais me orgulha é ter tido coragem de mudar e ter acreditado em mim. Muitas pessoas enfrentam dificuldades ao reconhecer aquilo que precisam aprimorar, mas tenho facilidade em identificar oportunidades em cada desafio. Minha trajetória profissional foi bem-sucedida porque tive coragem.”

ASAS PARA VOAR “É importante contar com um parceiro que te apoie e te incentive. Já estive com pessoas que não compreendiam o motivo de eu trabalhar tanto. Não hesitei em terminar. Ter alguém ao seu lado faz toda a diferença.”

43 JULIANA SACCHI

PRASI

Helena Sicupira, fundadora, ao lado de Mariana Prates, da joalheria Prasi é o retrato perfeito do mix que dá certo. Nascida no Arpoador, no Rio de Janeiro, e moradora de São Paulo desde os 12 anos, carrega a alma solar dos cariocas e o espírito vívido dos paulistanos. Formada em Design Industrial e graduada em Moda no Studio Berçot de Paris, é apaixonada pela arquitetura e pelo design modernistas brasileiros. O que fica claro quando vemos as joias da Prasi: peças curvilíneas de linhas limpas e geometria arrojada, no melhor estilo setentista. Usados por estrelas como Rihanna e Gwyneth Paltrow, os produtos são daqueles atemporais, que seguem na moda a vida toda.

Demos a Helena a missão de apontar sua criação favorita e ela não hesitou ao levar a corrente de elos para o pódio. “Foi nossa primeira peça. Desenvolvemos na Itália, pela tradição e qualidade, mas principalmente por ainda produzirem os elos à mão, e não à máquina. Isso faz toda a diferença para que a corrente contorne perfeitamente o pescoço”, diz ela, com seu sorriso sempre largo e elegante.

92
93 POR
HELENA SICUPIRA
Fotos João Bertholini
Correntes Prasi Fatto a Mano de ouro amarelo e branco e na versão cravejada de diamantes | @prasiofficial

SELECT

Uma seleção de peças-desejo – da moda ao mobiliário –, que têm povoado o nosso imaginário

Carbono Donna | SELECT MESAS DA COLEÇÃO PISCINAS ALVA DESIGN @ ALVA DESIGN — PULSEIRA DE OURO E CITRINO FRATTINA @ FRATTINA — BOLSA GO - 14 LOUIS VUITTON @ LOUISVUITTON
94
Carbono Donna | SELECT PALETA DE SOMBRAS DIORSHOW 5 COULEURS DIOR @ DIORBEAUTY — SAPATOS SIGNORIA GUCCI @ GUCCI — RELÓGIO OYSTER PERPETUAL DAY - DATE COM MOSTRADOR CORNALINA ROLEX @ ROLEX — CHAPÉU BATUCADA DE BAMBA CÁSSIA CIPRIANO @ CASSIACIPRIANO CHAPELARIA — ROBE DE CETIM INTIMISSIMI @ INTIMISSIMIBRASILOFICIAL — BOLSA MENSAGEIRO 4810 MONTBLANC @ MONTBLANC — BANCO MODULAR GIRO TRULLI ATELIER @ TRULLIATELIER 95
96 Ilana Casoy

Serial writer

Especialista em desvendar mentes diabólicas por trás de crimes raros e perversos – na ficção, mas principalmente fora das telas –, a escritora e criminóloga Ilana Casoy fala sobre seu trabalho na TV e na Polícia Civil e também sobre um episódio de abuso que sofreu

“Uma Família Feliz”, uma Ilana feliz. Assim a escritora Ilana Casoy comemorou, nas redes sociais, seu primeiro roteiro criado para o audiovisual. Escrito com o parceiro Raphael Montes – a dupla também assina a criação de Bom Dia, Verônica, primeira ficção policial brasileira a ganhar uma produção original no streaming, na Netflix –, o filme Uma Família Feliz estreou nos cinemas em abril e é protagonizado por Reynaldo Gianecchini e Grazi Massafera. Aos 64 anos, ela, que é formada em administração de empresas e pós-graduada em criminologia, estuda crimes violentos e assassinatos em série há mais de duas décadas. Além de assinar uma extensa bibliografia, percorre o Brasil com a Polícia Civil entrevistando, cara a cara

e desarmada, serial killers como Pedrinho Matador e Chico Picadinho a fim de entender suas mentes demoníacas. “A vida real é de verdade, assassinos estão soltos, pais estão chorando a morte de filhos. Uma vida que eu salvo, como versa a cabala, salvei o mundo inteiro!” São de Ilana os roteiros de A Menina que Matou os Pais e O Menino que Matou Meus Pais, filmes baseados no assassinato de Manfred e Marísia Von Richthofen. Sobrinha de Boris Casoy e prima de Serginho Groisman, foi a única civil presente na reconstituição desse acontecimento que chocou o País, em 2002. A seguir, a escritora paulistana comenta esses e outros crimes escabrosos e revela, pela primeira vez, uma tentativa de abuso que sofreu na escola.

Carbono Donna

O seu trabalho está muito ligado ao true crime. Como foi experimentar a ficção com o filme Uma Família Feliz?

Ilana Casoy

No true crime eu tenho de me ater à verdade do processo, não posso incluir, nem retirar algo. A ficção me permite a possibilidade de utilizar o meu conhecimento de uma forma livre de pensamentos. Eu tenho como voltar no tempo, por exemplo. Algumas pessoas me dizem que a Verônica (da série Bom Dia, Verônica) tem muito de mim. De fato. São mulheres que moram aqui dentro, melhores, piores.

CD Como é estar sob os holofotes depois de anos auxiliando polícias e ministérios públicos em crimes emblemáticos?

IC Primeiramente, fiquei um pouco assustada. Esforço-me para ter bons conteúdos nas redes. O X é uma rede difícil. O nível de raiva e cancelamento é muito maior. Ontem, opinei sobre quem deveria sair do Big Brother. Nossa! Parecia que eu tinha iniciado uma revolução. Eu sou polêmica, eu sei. A minha opinião não é a da maioria. Não gosto de ficar nesse lugar idealizado.

CD Quando foi seu primeiro contato com esse universo violento que permeia o seu trabalho?

IC Eu tinha três anos quando o Boris (Casoy, seu tio) entrou na casa da minha avó acelerado e disse para o meu pai: “Assassinaram o Kennedy!” Eu não sabia o que era assassinato e nem quem era Kennedy. O Boris tinha mania de se deitar no chão e me colocar sentada no peito dele. E fazia uma sequência de perguntas. “Quem inventou o telefone?” E eu, uma menininha, respondia, “Alexander Graham Bell”. “E a luz elétrica?” Aos 15 anos, meu pai já havia lido toda a literatura russa, que, hoje, está na minha casa. Eu venho de um lar onde se lia e discutia muito. Criança, eu fui absorvendo as questões. E a minha tia mais velha, Rosita, deixou o filho de seis meses para estudar nos Estados Unidos. Veja que coragem! E não se esqueça de que sou judia. Na adolescência, só lia sobre o nazismo. A nossa ancestralidade traz o assunto. Ninguém foi sinhozinho. Todos vieram escapando da morte.

CD Qual foi o roteiro da vida real que fez você enveredar na escrita de crimes perversos?

Entrevista | ILANA CASOY
97
Por Rodrigo Grilo Retrato Erik Almeida
“Entendi que finalmente minha voz seria ouvida. Esse crime (o abuso) não deveria prescrever.
É o prazo do coração que dirá se estamos prontas para falar sobre isso”

IC Eu estudei em um colégio bem tradicional de São Paulo e passei por uma seríssima tentativa de abuso, aos 15 anos, por parte de um professor. Eu havia ganhado um almejado estágio para ser monitora da matéria dele. Aí permaneci na escola à tarde para isso. Eu voltava para casa de ônibus e, certo dia, o professor ofereceu uma carona. Na hora de sair da escola, ele falou: “Aqui é tudo muito careta. Você se incomoda de me esperar na esquina?” Claro que não, eu disse. No caminho, comecei a achar estranha a conversa dele e fiquei desconfortável. Perto da minha casa, ele entrou em uma rua erma, parou o carro e, quando se movimentou para vir para cima de mim, eu, que já estava com a mão no trinco da porta, abri, caí no chão e saí correndo. Cheguei em casa chorando e meu pai perguntou o que havia acontecido.

CD E você contou, certo?

IC Sim. E a primeira reação do meu pai foi pegar a arma. Mas parou e disse: “Se eu matar esse cara, mato o seu sorriso. E você irá sempre perguntar o que fez para ele vir para cima de você. Irá achar que a sua saia era curta, que foi muito simpática. Eu não quero isso. Quero lhe provar que esse cara é doente. E se ele foi para cima de você, há outras vítimas. Não fale nada, vá para a escola e vamos investigar. Foi a minha primeira investigação.

CD O que descobriu?

IC Eu tinha 15 anos e comecei a descobrir um mundo subterrâneo. Esse cara havia assediado dezenas de meninas e muitas delas sequer haviam contado aos pais. Eu tive o privilégio de poder falar com os meus. Estive acompanhada quando relatei tudo na diretoria. O apoio deles foi fundamental. Porque entendi que eu não tive culpa e o problema era do cara.

CD Como isso influenciou no seu trabalho de hoje?

IC Eu trago essa história comigo até hoje. Ela me deu o entendimento sobre o crime em série e a importância simbólica da vítima para aquele indivíduo, que uso como base ao estudar crimes em série. Mais ainda: me fez ver que o agressor muitas vezes não tem “cara de bandido”. Aquele professor era uma sumidade. O fato marcou profundamente a minha adolescência. É a primeira vez que conto isso em uma entrevista.

CD Por que nunca falou sobre esse crime?

IC Naquela época, quando a mulher era assediada, não era considerada uma vítima. Dentro daquela estrutura misógina e machista, ela era a culpada. E com isso aprendemos a esconder o fato. O tempo passou e entendi que não estava mais sozinha e que, finalmente, minha voz seria ouvida. Hoje, estou mais madura para revelar essa história sem ter medo de ser julgada. Esse crime não deveria prescrever. É o prazo do coração que dirá se estamos prontas para falar sobre isso.

CD Como você despontou para a Polícia Civil como uma aliada que poderia contribuir em algumas investigações?

IC Em 2003, depois de lançar meu primeiro livro (Serial Killer: Louco ou Cruel?), fui entender como funcionava a polícia Brasil afora. Em janeiro de 2006, uma força-tarefa que investigava o caso dos Meninos Emasculados do Maranhão me procurou. Fui contratada para auxiliá-los. Imagina: contratar uma escritora para contribuir com uma investigação. Entrei no caso. Ali começou o meu trabalho com assassinos dessa espécie na vida real. O Francisco das Chagas Rodrigues de Brito negava a autoria dos crimes. No fim, confessou 42.

CD Qual investigação te deu mais medo?

IC A do Adilson do Espírito Santo, que matou três crianças. No meio de uma entrevista, na Bahia, ele passa a esfregar uma das mãos na cabeça e, com a outra, soca a mesa. “A senhora está me irritando”, dizia. E ele estava sem algemas, já que sempre peço isso nas minhas entrevistas com os assassinos. Quase fiz xixi na calça.

CD E como você administra o medo?

IC Eu sinto medo depois, e não na hora em que estou com o assassino. Eu não realizo muito o que faço. Quando me dou conta, percebo que não bato bem. Certa vez, discuti com o meu filho Fernando porque ele queria comprar uma moto. Eu dizia que era muito perigoso. Bom, um dia ele foi comigo ao manicômio judiciário do Rio de Janeiro deixar um material. Ao sair, me disse: “Mãe, você enxerga onde estava? Não admito que você me diga que moto é perigoso. Perigoso é o que você faz”!

98
Entrevista | ILANA CASOY

CD É verdade que o serial killer Pedrinho Matador escalou um amigo para achá-la?

IC Sim. O Pedrinho achou um absurdo eu escrever o livro Serial Killer Made in Brazil sem falar com ele, que havia assassinado mais de 100 pessoas. Depois de 34 anos preso, ele foi solto e passou a viver isolado. Ele gostava de dizer que nunca matou alguém que prestasse. “Quem eu matei a mãe não chora”. Sua ética particular de certo e errado. E cumpriu esse código até ser morto, ano passado, aos 68 anos. No nosso papo, certa hora, o Pedrinho estava com um pacote de balas e esticou o braço para colocar uma na minha boca e disse: “Quer, doutora”? Fiquei brava e segurei o braço dele. E disse que não havia dado essa liberdade a ele, que começou a sorrir. E eu também, porque estava segurando o braço de um assassino que matou mais de 100 pessoas! Foram seis sessões dessas entrevistas com Pedrinho, um showman do terror.

CD Há estatística de mulheres serial killers?

IC Cerca de 10% desse universo são mulheres. Tem viúvas negras que mataram vários maridos. Mas me impressionei com a mulher do Marcos Antunes Trigueiro, o Maníaco de Contagem (MG), que estuprou e matou cinco mulheres. Ela dizia que o amava porque dentro de casa ele não era um serial killer. Eu entrevistei também o Chico Picadinho, um homem literato, boêmio. Leu toda a literatura russa e trocava comigo indicações de livros. E está preso, em Taubaté. Realizava asfixia erótica. Assim o fez em 12 mulheres. Matou duas.

CD Como é, hoje, a vida da Suzane von Richthofen?

IC Eu sei muito da Suzane de 2002 a 2006. Quem sabe quem é a Suzane, hoje? Estamos em 2024 e já faz 22 anos do crime. Ela está em uma progressão de regime prisional. É uma mulher que passou por cárcere, homossexualidade emocional ou não, que ficou confinada. Não conheço mais quem ela é. Tudo o que falasse aqui seria sobre uma pessoa que ficou para trás. A única coisa que soube, e me fez sorrir, foi que o filho dela nasceu no dia do aniversário do Daniel Cravinhos. A vida é uma ironia, né?

CD Como você e o Raphael Montes, seu parceiro em Bom Dia, Verônica, se conheceram?

IC No Festival Literário de Extrema, em 2015. Ele, que já estava na Globo há cinco anos como roteirista, me propôs escrever ficção. Eu nem pensava nisso. Ele tinha prospectado alguns de seus livros com pessoas da Netflix. E foi com

o Bom Dia, Verônica que o streaming, pela primeira vez, fez contrato direto com o escritor. Quem vê eu e o Raphael discutindo se assusta e acredita que não iremos nunca mais olhar na cara um do outro.

CD Você faz análise?

IC Porra, desde os 13 anos! Para lidar com um assunto pesado como o nosso a gente tem de levar uma vida real feliz. A pessoa tem de ter para onde voltar. Quando saio do manicômio, depois de entrevistar um assassino, para onde acha que eu vou? Se for para outro inferno, eu não aguento. Tenho de estar ao lado do meu amor, que irá dizer: “Deixa que eu faço o jantar porque o dia foi pesado para você”. É de um abraço que a gente precisa.

CD Você foi assistente do seu filho, Marcelo Feller, advogado que defendeu o publicitário e ex-seminarista Gil Rugai, condenado por assassinar o pai e a madrasta. Como foi isso?

IC Infelizmente, a gente chegou atrasado para defendê-lo. Um caso ocorrido em 2004, que foi julgado em 2013. E que veio na esteira dos Richthofen. Logo no início se forma a tese de que o filho seria o assassino. O pai era um cineasta moderno, popular. E o Gil era diferente, esquisito. Em 2011, começo a ler o inquérito para auxiliar na defesa dele e fico desconfortável. In dubio pro reo. Ou seja, se há dúvida, absolve. Mas, além de isso não ser aplicado, Gil não estava no local do crime quando tudo aconteceu. Estava em seu escritório, na presença de uma faxineira. Na época, pedimos a filipeta da conta de telefone dos vizinhos, que mostraria o horário em que eles ligaram para o vigia ao escutarem os tiros. Saberíamos o momento exato dos disparos, o que inocentaria Gil. O juiz negou. Resultado: 33 anos e nove meses de prisão.

CD E aí?

IC O tempo passou e, quando conseguimos a liberação, a Telefônica não tinha mais o registro da ligação. Não devemos acreditar em tudo o que vemos no ritmo veloz que a mídia trabalha. A gente compra a narrativa do momento. Eu fico muito triste com o caso. E por isso tenho dificuldade de escrever o livro sobre essa história. Escrevi metade, mas parei. É muito mais fácil contar um sucesso do que um fracasso. Essa é uma história que nós da defesa não conseguimos provar a inocência do Gil. E eu fico brava, porque não me conformo. A minha cura para esse caso é a escrita. Quando eu colocar o ponto-final no livro, isso tudo termina de vez.

99
Entrevista | ILANA CASOY

um dia com Aninha Gonzalez

Como banqueteira, artista plástica ou mãe, Aninha Gonzalez tem um jeito gostoso de levar a rotina, que parece acrescentar pitadas – necessárias – de poesia à correria paulistana. Para inspirar, acompanhamos suas andanças durante um dia e descobrimos bons endereços para os entusiastas de Pinheiros e seus arredores

100
Por Adriana Nazarian Fotos João Bertholini

Acompanhar um dia na vida de Aninha Gonzalez é garantia de um período, no mínimo, solar. Sempre com um sorriso, ela tem um jeito leve e descontraído de conduzir cada momento da rotina, desde as manhãs no atelier – como artista plástica, ela assina

Ana Berganton –, até os momentos à frente do buffet que leva seu nome e do restaurante/deli Fome de Quê. “Morei dez anos em um vilarejo de praia no Espírito Santo e esse espírito despretensioso, tão presente nessa fase, até hoje se reflete no meu jeito de levar a vida, nas minhas pinturas, minhas comidas”, explica.

“Esse espírito despretensioso se reflete muito no meu jeito de levar a vida, nas minhas pinturas, minhas comidas”
ANINHA GONZALEZ

Para Aninha, rotina tem a ver com vivenciar o seu próprio bairro e, se possível, a pé – ela mora no Jardim América, trabalha em Pinheiros e está sempre transitando entre as duas regiões paulistanas. “As pessoas tendem a complicar seus trajetos, mas eu prefiro manter tudo por perto e aproveitar esse cotidiano local”, conta. Costureira, pilates, dentista, padaria e até a galeria que a representa, estão todos a poucos passos de distância. Ao final da tarde, hora de viver bons momentos com o marido e os filhos em casa, outro lugar que faz questão de manter com ares de refúgio para lembrar os tempos mais próximos à natureza. “Escolhi um terreno com verde e passarinho para me sentir bem. À noite, principalmente às sextas, tento manter o hábito de ficarmos reunidos: um cozinha, o outro toca violão, joga cartas, e por aí vai.” A seguir, um pouco mais do seu cotidiano solar.

101 TODO DIA ELA NÃO FAZ TUDO SEMPRE IGUAL
Um Dia Com | ANINHA GONZALEZ

QUADRILÁTERO

“No dia a dia, resolvo tudo o que posso no meu bairro e nos seus arredores.

Faço pilates no Global Pilates, corto o cabelo com a Joy da Cabelaria, uso a Cabide Mágico como costureira e adoro o suco de acerola da AJ.”

TIC-TAC

“O horário em que mais gosto – e consigo –de pintar é bem cedinho. Por isso trouxe o atelier para dentro de casa. O telefone não toca, as mensagens se silenciam. Fico ali, sozinha, no silêncio. Aos finais de semana, quando não tem evento do meu buffet, pinto à noite também.”

EXISTE AMOR EM SP

“Depois do atelier, sigo para o escritório do buffet e do restaurante. Gosto de ir a pé, observando o bairro. Sou uma pessoa que repara nos detalhes. Quando preciso, paro em algum lugar no caminho, como na Casa Amarela, galeria que me representa.”

BANQUETE

“Aproveito que estou no Fome de Quê para almoçar e checar todos os detalhes da operação. Depois de muitos anos com o buffet, decidi abrir essa porta para a rua, com nossos pratos mais famosos. Um pouco dessa ideia do que é sofisticação para mim: algo simples, sem ser over; comida bonita, gostosa e sincera. Hoje, é um lugar de encontro: as pessoas almoçam, encomendam pratos, podem fazer um evento. Vez ou outra, tem até aula de pintura com a Pinky Wainer.”

Um Dia Com | ANINHA GONZALEZ

SELVA URBANA

“Sou muito ligada à natureza e voltar para casa é um escape porque a cidade, às vezes, me deixa aflita. Adoro ficar horas na varanda da sala, mas também na do meu quarto. Tem tanta planta que a gente quase não vê a piscina ali embaixo.”

OLHOS DE LINCE

“À tarde, sigo minhas caminhadas na região e aproveito para resolver pendências. Adoro a curadoria da loja Diária e é lá que vou quando preciso dar um presente para alguém. Outro lugar que costumo frequentar para procurar itens de cozinha para o buffet e o restaurante é a loja Il Casalingo (no alto).”

ENCONTROS

“À noite, sempre que possível, gostamos de jantar em família. Eu amo cozinhar, claro, e minha filha, Olívia, também já está interessada no assunto. O prato que mais curto fazer é frango assado, aquele bem caseiro mesmo. Já quando os amigos vêm – a gente adora receber –, opto por algo como frutos do mar, risoto, massa. O importante é conseguir organizar esses encontros.”

103
Um Dia Com | ANINHA GONZALEZ

A TRAMA QUE A GENTE AMA

Quem analisa o currículo da empresária Lolita Hannud, há 15 anos no mercado da moda, presente em multimarcas em 13 estados brasileiros, com uma fábrica e três lojas próprias, mais de uma centena de colaboradores e vencedora de prêmios como Empreendedora do Ano pela Cia. De Talentos, Designer do Ano pelo Glamour Awards e Garota de Ouro da Vogue, estranha tantas conquistas para uma menina tão jovem. Tudo se explica quando descobrimos que, aos 15 anos, ela estava em Boston estudando moda no Amherst College, e mais, aos 12 já esboçava croquis na fábrica de tricôs de sua mãe. “Sempre gostei de me vestir e enxergava isso como uma forma de expressão direta. Na busca por peças mais exclusivas, que não encontrava no mercado, comecei, ainda criança, a criar meus próprios looks”, revela a estilista, que conta aqui de onde vêm suas inspirações.

XODÓ

O tricô é um verdadeiro laboratório. Tudo começa com a escolha do fio e esse fio vai dar origem a múltiplas possibilidades de construções. É isso que torna cada peça tão exclusiva.

INTUIÇÃO

Minha criação é muito livre. Tudo me inspira. Desde uma viagem, um sonho, uma série, até um momento ocioso, que é capaz de produzir mil e uma ideias. Me organizo criando painéis a partir dessas referências pessoais. Então, apresento para a equipe de estilo e daí evoluímos juntos, sempre buscando criar algo novo e autoral e trazer autoestima para minha cliente.

LEGADO

Minhas duas avós me inspiram muito com sua garra, otimismo e força feminina. Minha bisavó Lolita é a responsável pela minha paixão pela moda. Foi ela quem ensinou minha mãe a costurar. Venho de uma tradição da costura, do tricô, do guipure. Não há nada mais incrível do que ver o fio se transformando em algo único.

PLAYLIST

Tenho uma tendência a escutar músicas alto-astral, que me dão ânimo para o dia a dia. Mas acredito ter nascido na época errada. Para mim, não existe música como a que se fazia nos anos 1970 e 1980!

BOAS-NOVAS

Acabo de lançar uma linha chamada NUD, com 40 peças práticas e funcionais, como leggings, jeans e regatas de tecidos 100% naturais. Uma moda jovem e confiante, para a mulher que trabalha, estuda, faz esporte, tudo no mesmo dia, mas preza pelo estilo.

“As linhas do tecido se encarregarão De interagir com meu destino Tecido pelas minhas mãos”

trecho da música Tecido, de Ferdi

Retrato divulgação
@lohannud | @lolitta | @nudlolitta
Abreu Carbono Minds
Taciana
“Considero um privilégio assumir uma cadeira de liderança. Temos que acelerar a pauta de equidade, diversidade e inclusão.”

Desde criança, Taciana Abreu sente uma inquietação diante das desigualdades sociais e ambientais. E foi esse sentimento que moveu – e segue inspirando – a carreira da Head de Sustentabilidade e Comunicação Corporativa do Grupo SOMA

Taciana Abreu ainda se lembra do que sentiu ao assistir, pela televisão, à repercussão da Eco-92, que aconteceu na sua cidade natal, Rio de Janeiro. Com apenas 10 anos na época, viu nascer em si mesma uma centelha de inquietação sobre as desigualdades ambientais e sociais, que mais tarde guiaria sua busca por um mundo mais sustentável.

Formada em desenho industrial na PUC-Rio, Taciana trilhou uma carreira e tanto no mundo corporativo, passando por marcas como Coca-Cola, L’Oréal e telecoms. Fez uma formação focada em ESG no Gaia Education, alinhado ao Pacto Global da ONU e Leading Sustainable Organizations da Oxford Saïd, sempre em busca de aplacar a angústia que a acompanhava desde menina. Hoje, aos 42 anos e mãe de uma adolescente de 13, é head de Sustentabilidade e Comunicação Corporativa do Grupo SOMA, conglomerado de moda que engloba 15 marcas e acaba de anunciar uma associação com a Arezzo&Co.

Para dar conta de tamanho desafio, Taciana procura unir criatividade, comunicação e a construção de uma ética consistente. Sua meta é levar o grupo a uma das 100 melhores empresas para se trabalhar. Como? Pensando em lideranças que desempenhem um papel fundamental na formação de seus times e de suas práticas e valorizando a diversidade e o cuidado com o meio ambiente. A seguir, ela divide um pouco mais de sua visão de mundo – profissional e pessoal.

ESG RELOADED “Estamos amadurecendo a visão do que é sustentabilidade. Do que é valor compartilhado, responsabilidade social, responsabilidade ambiental e a importância da governança ética. A questão do compliance é fundamental em um país como o Brasil, que tem impasses com a corrupção. Então, o amadurecimento desta agenda é central. Nos anos 1970 começaram as primeiras conferências sobre ESG, e meu olhar sempre foi voltado para isso.”

CARTILHA “Assistimos aos efeitos das mudanças climáticas e à maneira como as pessoas conversam sobre o tema. Tudo isso é reflexo de como consumimos os recursos naturais, especialmente no Brasil. Com a quantidade de informação circulando, é inevitável que a indústria melhore suas práticas e que o consumidor busque produtos sustentáveis.”

POR UM MUNDO MELHOR “O olhar questionador do designer, pós-Revolução Industrial, abriu a possibilidade de desenhar soluções para o mundo. Criar produtos com menos impacto, processos menos prejudiciais e desenvolver um olhar muito forte de biomimética – que é o aprender com as soluções da natureza – guiam esse trabalho.”

DIVERSIDADE “Considero um privilégio assumir uma cadeira de liderança. Meus times sempre foram os mais diversos das empresas nas quais trabalhei. Nós temos que acelerar a pauta de equidade, diversidade e inclusão. A reflexão deve ser como facilitar esse processo de crescimento, desenvolvimento e ascensão dos bons talentos – sejam mulheres, pessoas pretas, pardas, com deficiência. A minha posição executiva me permite acelerar isso na empresa inteira. Existem desafios, mas é um compromisso.”

MULHERES NA LIDERANÇA “O nosso conselho hoje tem duas mulheres entre os cinco membros, o que não é comum no Brasil, infelizmente. Ainda existe o desafio de sermos reconhecidas por nossa competência, nosso talento e nosso profissionalismo, independentemente do gênero. Os homens em posições de poder precisam entender que as mulheres conseguem ser mães e boas profissionais. Ainda restam dúvidas sobre a nossa capacidade de entregar.”

MEU TRABALHO, MINHA VIDA “Uma das nossas metas é estar entre as 100 melhores empresas para se trabalhar. Medimos isso pela pesquisa de GPTW, com diversos indicativos. Um deles é o índice de segurança psicológica. Cuidamos muito no preparo das nossas lideranças. O líder é fundamental, o exemplo, e monta times que refletem sua própria personalidade e sua cultura de trabalho.”

PASSO A PASSO “Sempre fui ‘ecochata’ com a gestão de resíduos. Não sou tão cuidadosa com a alimentação, mas faço opções naturais em relação à beleza. São pequenas escolhas que fazem a diferença. O 100% sustentável não existe, por isso acredito na força das atitudes menores para ter consistência. Não precisamos tirar dez em tudo, mas se chegarmos ao sete já contribuiremos muito com o planeta.”

43 TACIANA ABREU
107 Retrato divulgação

1

DRESS CODE

“Adoro usar roupas clássicas e acessórios exuberantes. Tento não me definir para não ter que me enquadrar num estilo. Quando era adolescente, me vestia como uma adulta e, quando saí do Sul e vim trabalhar em São Paulo, usava muita roupa de brechó com peças de novos designers. Aí conheci a Gloria Coelho e virei minimalista. Hoje, sou uma mistura de tudo isso e mais alguma coisa.”

2

BALANGANDÃ

“Eu não vivo sem pulseiras, muitas e dos materiais mais variados. Uma roupa sozinha é só uma roupa, mas com acessórios é um look.”

CAROL BAUM

DESIGNER DE MODA E EXECUTIVA DO VAREJO

4

AVANT-GARDE

“Gosto do estilo da Tarsila do Amaral, com aquele Manteau Rouge e os brincos enormes dos autorretratos de 1923 e 1924. Uma mulher que não tinha vergonha de expressar sua exuberância. Também adoro as combinações abusadas do Miles Davis, que arriscava nas roupas como na música, tipo um free jazz prêt-à-porter.”

PONTE AÉREA

“Sempre que vou para o Rio de Janeiro, passo na Eliete, uma cabeleireira incrível. Além de cortar, ela lava com uma água de alecrim e deixa meu cabelo de um jeito que nunca consegui em São Paulo.”

108
MEU ESTILO
Retrato Leka Mendes

5 FONTE

“Minhas criações vêm dos mais variados lugares e pessoas. Pode ser um brinco de coração que vi na academia em Santa Cecília, as meninas carregando duas bolsas em Seul ou a molecada toda de capuz num dia de sol no Primavera Sound de Barcelona. Recentemente, me inspirei nos tons de azul das geleiras da Patagônia; no livro Ideias para Adiar o Fim do Mundo, de Ailton Krenak; no sorvete de seriguela da Cangote; no desfile do bloco Ilu Obá de Min; e muito mais.”

6 INFLUÊNCIA

“Eu tenho muitas referências no design, mas, para falar de um só, fico com Burle Marx, que enxergou nas plantas, telas, pranchetas e até joias um Brasil moderno e original. E descobri no final do ano passado a AAKS, uma marca de Gana que usa ráfia, sabedorias regionais e mão de obra local para fazer bolsas incríveis.”

PORTAL

“Eu me desconecto fazendo diversas coisas: com os pés descalços no jardim aqui de casa para pisar nas pedrinhas de quartzo-rosa; ao apertar meu gato Yves; na aula de dança funcional – me sinto uma Jane Fonda, só faltam as polainas.”

7 PATUÁ

“Sou mais espiritual que mística. Fui batizada primeiro no terreiro de Umbanda dos meus padrinhos e só mais tarde na Igreja Católica. Até hoje tenho em casa o São Jorge que ganhei na ocasião. Acredito no fluxo das coisas e os rituais me ajudam a organizar a vida.”

8 REBENTO

“Minha marca Baum&Haut começou com uma provocação da Costanza Pascolato. Fiz uma bolsa para ela, que disse: ‘Você desenha para tantas marcas. Quero ver o que seria só seu’. A Baum&Haut foi pioneira em slow fashion aqui, estava conectada com o mundo de hoje, mas respeitava o tempo de uma produção artesanal.”

109 109 Fotos Leka Mendes

under construction

Glaucia Rosas

Com vasta experiência na área de tecnologia educacional, a empresária criou um centro de desenvolvimento complementar à escola e aliado às habilidades do século 21

Lá consegui criar projetos maravilhosos envolvendo todos os departamentos”, relembra. Sete anos depois, foi convidada a integrar a equipe da renomada escola britânica St. Paul’s como Head of Digital Learning. “Em três anos, implementamos um projeto de transformação digital. Viajava muito para fora buscando o que tinha de mais moderno em educação e percebi que o Brasil ainda estava muito atrás dos métodos usados na Inglaterra e nos Estados Unidos.” Com anos de experiência, a empresária entendeu que, diante de um mundo cada vez mais globalizado, em que crianças e adolescentes são preparados para se tornarem profissionais de sucesso, muitas escolas precisavam se reinventar. E foi assim que decidiu criar, ao lado de Susan Bishop, a Co.Learning Hub, em 2022. A ideia era ajudar as escolas a integrar a tecnologia e apoiar os alunos no desenvolvimento de habilidades e competências bem-vindas para uma futura carreira. “Foi a realização de um sonho que cultivei por décadas. Descobri que, na verdade, não queria ter uma escola convencional. Foram muitos anos de estudos, pesquisas e conexões para chegar a esse formato e apresentar minha ideia para os professores (que chamo de facilitadores),

laucia Rosas cursou administração e finanças na Suffolk University, nos Estados Unidos, e chegou a trabalhar no mercado financeiro, mas foi o interesse genuíno pela educação que marcou sua trajetória. E, mais do que isso, a tornou uma empresária importante na área, com repertório suficiente para explorar “fora da caixa”. Glaucia é cofundadora e diretora de duas organizações que visam transformar a educação: a Co.Learning, um centro de desenvolvimento e cultura bilíngue complementar à escola, e a The EduTec Alliance, uma organização colaborativa de educadores, líderes e empresas de tecnologia educacional que compartilha ferramentas e orientações para melhorar a experiência de ensino. Quando decidiu que trabalhar com educação era seu grande sonho, Glaucia se formou em pedagogia na Anhembi Morumbi, encarou um mestrado na Johns Hopkins University em Digital Age Learning and Education Technology e se especializou em Gestão Escolar e Liderança na Harvard Business School. “Larguei o mercado financeiro para trabalhar em uma escola em São Paulo, a Playpen. Tornei-me professora de tecnologia e coordenadora de tecnologia educacional. Makers

Por Carla Julien Stagni

| GLAUCIA ROSAS

Na página anterior, a empresária Glaucia Rosas. Nos detalhes abaixo, alguns dos espaço do Co.Learning, como a sala de artes e o laboratório de tecnologia

“Não queria ter uma escola convencional. Foram anos de pesquisas, estudos e conexões para chegar a esse formato”

é preciso ter repertório”, sinaliza ela. E é justamente nesse gap que Glaucia e a sócia pretendem atuar com mais intensidade.

“Já oferecemos pontualmente o Education Advisory, uma consultoria educacional para que seja tomada a decisão acertada. Com o conhecimento que temos das escolas e universidades podemos encontrar qual local tem mais a ver com os desejos e talentos de cada aluno”, explica. E os motivos para comemorar já começam a aparecer. A dupla acaba de firmar uma parceria com a Carfax Education, uma das empresas mais renomadas do mundo quando se pensa em planejamento universitário e de carreira.

alunos (os aprendizes) e suas famílias.” Hoje, a Co.Learning trabalha com o desenvolvimento de bebês e crianças de 4 a 12 anos, em cursos voltados para “habilidades do século 21”, como criatividade, comunicação, inovação, pensamento crítico, colaboração, resiliência, foco, resolução de problemas, flexibilidade e liderança. O espaço, que fica em um agradável casarão da década de 1950, nos Jardins, em São Paulo, oferece suporte de aprendizagem e vários cursos livres, como marcenaria, culinária, robótica e artes, todos com o objetivo de desenvolver o bem-estar físico e mental dos aprendizes. Lá, o foco está nas habilidades e no crescimento pessoal, e não nos conteúdos curriculares. “Damos suporte para as necessidades de cada aluno. Aplicamos testes de personalidade e definimos objetivos de desenvolvimento, com a supervisão de psicólogos e pedagogos. Tudo individualizado e com acompanhamento dos pais. Também acolhemos neurodivergentes. Crianças com TDAH, por exemplo, têm uma resposta muito boa ao nosso método.” Em menos de dois anos, a Co.Learning viu o número de alunos dobrar. Não à toa, a empresária –e mãe de gêmeos de sete anos –é uma workaholic assumida. “Mesmo quando tiro férias, gosto de conhecer escolas e novos métodos.”

E os projetos não param. Agora que as crianças estão bem assistidas, suas atenções têm se voltado para os adolescentes, justamente a fase em que começamos a pensar no que queremos ser quando adultos. “O problema é que os jovens não têm uma orientação mais cuidadosa para entender quais são seus reais talentos. Com a digitalização da vida e o aumento da competição nas universidades e no mercado de trabalho,

Fotos divulgação

UM POUCO DE DOCE, UM POUCO DE SALADA

“Se na vida você tiver pepinos, corte e faça uma bela salada”

À frente da gestão da confeitaria Sucrier há 15 anos, Daniela Halbreich compensa o agito da vida paulistana com escapadas para um refúgio particular na costa das Alagoas. É em uma das casas do empreendimento de seu marido, Daniel, o Reserva Pituba, que a empresária se conecta com seu lifestyle saudável. “Lá a natureza é intocada, a praia é deserta e a mata é virgem.” Adepta da alimentação leve e prazerosa, Daniela elencou para Carbono Donna uma curadoria única de saladas balanceadas e deliciosas. “Cada prato indicado foi selecionado por sua capacidade de unir saúde, sabor e sofsticação, proporcionando uma experiência gastronômica fora do convencional. Essa lista eu enxergo como uma celebração ao meu estilo de vida, marcado pelo equilíbrio e pelo bem-estar”, conta. Afnal, antes de uma divina sobremesa Sucrier, nada mais equilibrado que uma refeição fresca e cheia de verdes! @sucrier

Retratos João Bertholini
112
Kamila Paizante

SALADA MAR DEL PLATA

@CRISTALPIZZA

A minha primeira escolha me remete a uma memória afetiva, quando ia com os meus avós, aos domingos, comer esse prato, sempre fresco, com carpaccio fininho. Adorava fechar o fim de semana assim.

SALADA CHÈVRE CHAUD

@ICI_BISTRO

O queijo de cabra quentinho transforma essa salada em uma opção muito saborosa de almoço. Vale a pena experimentar!

SALADA JULIANA

@RODEIORESTAURANTE

Simples e deliciosa, com folhas, palmito cortado, tomate e cenoura ralada, essa salada é servida no couvert junto com os pães. Tudo temperado e incrível. Não dá para parar de comer!

SALADA DE CÍTRICOS

@PASTASHIHOMA

Mistura de ingredientes original e surpreendente. Além dos cítricos, essa salada leva queijo Feta, tâmaras e avelãs. É muito apetitosa!

SALADA DE AGRIÃO

@MAKOTOBRASIL

O agrião dá o tom dessa salada impecável, supertemperada e crocante, com flocos de tempura. O vinagrete de wasabi e o chikuwa (bolinho de peixe japonês) conferem o toque final. Amo!

SALADA DE CAMARÕES

@RESTAURANTESPOT

Gosto dessa opção, um pouco mais substanciosa. Leva camarões, avocado, couve-flor assada, avelãs caramelizadas, romã e agrião.

Entre as saladas escolhidas, uma criação especial: uma receita autoral, desenvolvida pelo marido Daniel, inspirada na Sardegna. “É um prato que simboliza nosso compromisso com a alimentação gostosa e balanceada.”

INGREDIENTES DO MOLHO • 200g de ricota fresca • 3 colheres de sopa de balsâmico • 1 colher de chá de mel de Corbezzolo (se necessário, substituir por 1/2 colher de chá de mel comum) • 4,5 colheres de sopa de azeite de oliva • Sal a gosto • Pimenta-do-reino moída na hora a gosto • Um toque de suco de limão (opcional, para equilibrar a doçura)

INGREDIENTES DA SALADA • 2 xícaras de folhas mistas picadas (rúcula, alface romana, manjericão, etc.) • 1 pepino cortado em cubos • 2 cenouras em julienne • 1 xícara de tomates cereja cortados ao meio e salgados (substituir por Pomodorini di Sardegna, se disponível) • Azeite de oliva extra e vinagre balsâmico para regar

PASSO A PASSO • 1. Prepare a base do molho: em uma saladeira muito grande, espalhe delicadamente a ricota fresca como a primeira camada. Por cima dela, regue com o vinagre balsâmico e o mel de Corbezzolo (ou mel comum, se estiver substituindo). Despeje o azeite de oliva sobre a mistura, assegurando-se de que seja cerca de 1,5 vez a quantidade do vinagre para um molho equilibrado. Tempere com sal e, se o molho estiver muito doce, adicione um toque de suco de limão para introduzir uma acidez sutil. 2. Monte a salada: comece adicionando as folhas mistas sobre a base do molho de ricota. Misture bem para garantir que as folhas fiquem bem cobertas. Prossiga com o pepino e cenouras adicionando cada camada e misturando para distribuir o molho uniformemente. 3. Tempere os tomates: tempere os tomates cereja cortados ao meio com um pouco de sal e deixe-os repousar por alguns minutos. 4. Toques finais: incorpore delicadamente os tomates temperados à salada, tendo cuidado para não amassá-los. Dê à salada uma última misturada completa. Finalize com pimenta-do-reino moída na hora e um fio extra de um bom azeite de oliva para realçar os sabores. 5. Sirva: sirva imediatamente, permitindo que os sabores se fundam, oferecendo uma salada refrescante e robusta, que “explode” com os sabores da Sardegna. 6. Coma e repita!

113

Especiarias Especialíssimas

Mais de 500 anos depois de as Grandes Navegações moldarem o mundo com novos aromas e sabores trazidos de Ásia, África e América, uma nova busca por produtos naturais e saudáveis tem feito escala no Brasil. A baunilha é um dos destaques do “cardápio”

Economia | ESPECIARIAS

Carla Pernambuco começa a preparar uma receita de Curry de Frango lembrando que é preciso dissolver o pó de curry em alguma gordura, como manteiga ou azeite. “O curry é um tempero indiano em que são misturadas entre 12 e 15 especiarias”, explica. Na Índia, é tradição cada família ter seu próprio “pó mágico”, que se diferencia um do outro pela quantidade adicionada de cada especiaria. Para Carla, 64, o “tempero de família” também não é um assunto novo. À frente do Carlota, um conhecido bistrô de São Paulo, ela se inspira nas especiarias há quase três décadas para criar seus pratos e sobremesas. “Desde o início da minha carreira, estudo culinária multicultural – Marrocos, Tailândia, China, Japão, França, Itália –, na qual esse tipo de ingrediente é a estrela das cozinhas. Essa é a culinária do Carlota”, diz.

De uns anos para cá, restaurantes renomados e premiados como o Carlota têm ajudado a propagar os benefícios das especiarias, cuja popularidade cresceu entre os “chefs do lar”. Até nisso a pandemia tem

sua parcela de culpa. Na quarentena, mais pessoas começaram a se aventurar na cozinha, buscando por superalimentos e novos sabores. Cozinhar bem se tornou um dos “novos normais”. Segundo pesquisa feita pela L.E.K. Consulting, 74% dos brasileiros passaram a consumir alimentos mais saudáveis, e o que não faltou foram buscas por receitas em canais do YouTube e em programas de culinária.

Novos produtos se popularizaram, as especiarias saíram das zonas cerealistas e ganharam as gôndolas dos supermercados. O cardamomo, um ingrediente indiano muito usado no preparo do Chai, já pode ser encontrado na feira do seu bairro. É provável também que você já tenha ouvido falar, ou até tomado, o Golden Milk, uma bebida preparada com cúrcuma, gengibre e pimenta-preta, que promete a sensação diária de bem-estar devido ao aumento dos níveis de dopamina e serotonina. O “Leite Dourado” passou a ser produzido por diversas empresas, ganhou versões veganas e entrou na rotina zen de pessoas que miram

Economia | ESPECIARIAS
Processo de colheita da baunilha, cada vez mais presente em receitas mundo afora
No auge da pandemia, os brasileiros aumentaram em quase 80% seus gastos com temperos e especiarias

o estilo de vida saudável. Também não seria espantoso se você já fizesse uso do feno grego, uma leguminosa encontrada na Ásia e na Europa, cujas sementes são fontes de proteínas, vitaminas e minerais. Essa especiaria passou a integrar a composição de alguns dos melhores curries feitos no Brasil.

Nada, no entanto, que soe mais familiar – aos ouvidos, ao paladar e ao olfato – do que a “baunilha”. Sim, a baunilha também é uma especiaria. Originalmente obtida de orquídeas nativas do México, ela é largamente utilizada como aromatizante em chocolates, sorvetes, doces e bebidas. Quem não se lembra daquele cheiro adocicado das sorveterias?

FAVA DE OURO

A baunilha faz mais parte da nossa rotina do que costumamos imaginar. Além de ser figura carimbada na indústria de alimentos, ela também está na de cosméticos, emprestando seu perfume a cremes hidratantes e fixando a fragrância de perfumes de grifes como Yves Saint Laurent, Giorgio Armani e Paco Rabanne.

Na confeitaria, então, ela já virou uma espécie de celebridade. É um dos ingredientes da receita de Ovos Nevados com Creme Inglês assinada por Carla Pernambuco, a chef citada no começo desta reportagem. É que quando as confeitarias artesanais descobriram que a baunilha é rica em antioxidantes e que faz bem ao coração e à pele, entre outros benefícios, substituíram aquelas essências e extratos industrializados à venda em supermercados pelas favas naturais, agregando sabor e valor às suas criações. “Comparado com a França, onde a baunilha está na lista de compras do mês, o Brasil ainda engatinha nesse consumo”, diz Fabio Bastos, responsável pelo departamento comercial da Espírito Santo

Especiarias, marca que há sete anos produz baunilha em uma fazenda localizada em São Mateus, cidade no Norte do Espírito Santo.

Até pouco tempo a baunilha utilizada no País tinha que ser importada e, além disso, era difícil encontrá-la em seu estado natural. Um cenário de escassez que tem sido mudado graças a produtores como a Espírito Santo Especiarias, que colheu sua primeiríssima safra do ingrediente em 2021.

A baunilha é uma orquídea trepadeira que precisa de “sombra e água fresca” para florescer e crescer. O clima quente e úmido do Brasil é perfeito, mas ainda assim ela demanda cuidados especiais. A planta tem que ser polinizada manualmente, leva até cinco anos para chegar à idade adulta e, quando as favas estão prontas para a colheita, passam por um processo de cura e secagem que demora aproximadamente nove meses. Só a partir daí é que estarão prontas para o uso comercial.

O esforço tem valido a pena. Uma pesquisa realizada pela indústria de alimentos Cepêra revelou que, em 2020, no auge da pandemia, os brasileiros passaram a gastar em média R$ 85 em temperos e especiarias a cada compra, um aumento de quase 80% em relação ao ano anterior. Para suprir a procura, produtores como a Espírito Santo Especiarias se programam para aumentar a oferta. Segundo Fabio Bastos, a ideia é expandir a plantação de 1,5 para 7 hectares da fazenda até 2026 – um crescimento de mais de 300% – garantindo uma colheita de aproximadamente 750 kg de fava verde de baunilha por safra.

MUITO ALÉM DO PALADAR

Em pleno século 21, as especiarias continuam atravessando mares e continentes pelo mesmo motivo:

116
Economia | ESPECIARIAS

causar novas experiências sensoriais. E, assim como na época das Grandes Navegações, a “Nova Rota das Especiarias” é uma atividade bastante lucrativa. Em 2022, só os países da União Europeia importaram 397 mil toneladas de alimentos do gênero, sendo a China o principal mercado fornecedor, com uma fatia de 38%, segundo a Eurostat, a organização estatística da UE. Índia, Indonésia, Rússia e Egito também se mostraram excelentes produtores, exportando itens como gengibre, páprica e pimenta em larga escala.

No Brasil, o futuro é promissor. Atualmente, o Espírito Santo, além de dar nome a uma das marcas que apostam na baunilha natural, é o estado que mais exporta especiarias no País, com destaque para a pimenta-rosa e a pimenta-do-reino. Em 2016, para promover as boas práticas de produção, um grupo de empresários criou a Acepe (Associação Capixaba de Exportadores de Pimentas e Especiarias), órgão que

até hoje organiza diretrizes para padronizar e melhorar a qualidade dessas culturas no estado.

A baunilha segue o mesmo modelo. “O estado tem condições tão perfeitas para a baunilha que há espécies nativas dentro de propriedades em que os donos nem se dão conta”, revela Pedro Yoshinaga, biólogo da ES Especiarias e especialista no cultivo desse famoso ingrediente. “Se o próprio solo fértil dessas matas já oferece os nutrientes necessários para o plantio da baunilha, com algumas árvores dando suporte e sombra para que ela se desenvolva, imagina então se otimizarmos as plantações. Tenho certeza de que podemos nos tornar grandes produtores mundiais”, acredita Yoshinaga.

Mais de 500 anos depois de as Grandes Navegações revelarem ao mundo o paladar e o valor comercial das especiarias, quem imaginaria que os pomares “tipo exportação” do Brasil ganhariam novos aromas, não é mesmo?

117
Fotos divulgação
Colheita de pimenta-do-reino, uma das especiarias mais exportadas pelo Brasil

Dou-lhe uma…

Móveis de época, livros raros, itens esportivos, peças com história e muito mais. Impulsionado pela pandemia, o universo dos leilões on-line cresce e reúne cada vez mais pessoas interessadas em bons achados. A seguir, histórias curiosas e dicas para quem deseja se aventurar na área

Por Luisa Alcantara e Silva

OLHAR TREINADO

Não é de hoje que Ana Kaufmann, 70 anos, circula no universo dos leilões. Frequentadores assíduos de antiquários, ela e o marido, Jorge, acabaram se encantando também por essa área – já são mais de 100 participações. “Acho muito instigante e tenho prazer em pesquisar peças de leilão”, diz. Ana já comprou desde revistas até tapetes nesse esquema, mas sua especialidade é mobiliário brasileiro do século 20 e objetos europeus da mesma época.

E, depois de muito visitar leilões presencialmente, hoje prefere os virtuais, desde que sejam de casas de sua confiança. Ainda assim, já caiu em ciladas, ou, em suas palavras, “situações engraçadas”. Certa vez, comprou um vaso holandês e, quando a peça chegou, descobriu que tinha apenas 12 centímetros de altura. “Foi um erro meu; eu que não li”, diz ela, que hoje faz questão de acompanhar os eventos no computador – e não no celular – para que nenhum detalhe passe batido.

Outra tática é colocar um valor teto nos lances, a não ser que queira aquilo de qualquer maneira. “É possível encontrar aquele livro raro que sempre quis e, nesse caso, o preço depende da importância que o objeto tem para você”, afirma a especialista.

Ana também gosta de participar desses encontros como curiosa, para acompanhar o movimento, e já chegou a fazer um leilão só com suas peças. Móveis, fotografias, pinturas e itens de cerâmica saíram para dar espaço às… novas aquisições feitas em leilões, claro.

118
Consumo | LEILÕES

GARIMPEIRA PROFISSIONAL

Basta seguir a jornalista e criadora de conteúdo Lucila Zahran Turqueto, 41, dona do perfil @casadevalentina, para perceber que ela gosta – e entende – de leilão. A especialista em arquitetura e decoração costuma mostrar objetos e móveis comprados dessa forma, como uma chaise longue Djinn, do designer francês Olivier Mourgue.

O hábito ganhou força na pandemia, quando ela, que sempre gostou de garimpar peças diferentonas em feirinhas, passou a participar de leilões on-line para decorar sua fazenda. “Eu tinha tempo, não queria gastar muito e buscava móveis com cara de fazenda mesmo, de madeira maciça, que são mais caros. Então, essa foi a alternativa que encontrei”, lembra Lucila.

Entre suas dicas está a atenção ao frete. “Você acha que está fazendo um bom negócio, mas, se tiver que pagar o frete de um sofá, por exemplo, do Rio de Janeiro para São Paulo, talvez não vá valer”, diz ela.

Para Lucila, a graça do leilão está em fazer descobertas, e não comprar peças da moda. Por isso a jornalista também gosta de adquirir itens que não são obras de designers conhecidos. E, aqui, vale seu alerta para não cair em golpes: “Ouso dizer que é impossível comprar algo assinado por um décimo do valor”.

Ela mesma já foi enganada. Certa vez, arrematou um tapete como sendo da artista tapeceira portuguesa naturalizada brasileira Concessa Colaço, mas, quando a peça chegou, a história era outra. Lucila poderia ter devolvido o tapete, mas, como havia gostado, acabou ficando com ele. O desafio da vez? Montar um faqueiro completo apenas com talheres avulsos, todos de leilões.

119 Consumo | LEILÕES

BOA TACADA

Era o início dos anos 1990 quando o empresário e hoje consultor imobiliário André Cunha Lima inaugurou a primeira unidade da lanchonete Joe & Leo’s, em Itaipava, no Rio de Janeiro. As casas – depois foram abertas filiais – tinham temática esportiva, com objetos de beisebol, basquete e golfe espalhados nas paredes.

Para criar um ambiente ainda mais autêntico, ele começou a participar de leilões de artigos de esportes nos Estados Unidos, onde ocorriam com frequência. Um dos primeiros itens que comprou foi uma luva de beisebol. “Eu participava não só de leilões, mas de garage sales, muito comuns por lá”, lembra André, que era conhecido como o garimpeiro do hambúrguer. “A decoração dos restaurantes era tão rigorosa que acabavam se tornando museus de esporte, com memorabilia”, diz ele.

E foi assim, participando desse tipo de leilão, que André pulou para a área das artes e passou a adquirir também quadros para sua casa. Seja qual for o assunto de interesse, sua tática é comprar com emoção, mas não com orgulho – para não ter arrependimento depois só porque quis ser o vencedor daquele lance.

PEÇA RARA

O consultor e comerciante de arte Luiz Fernando Dannemann, 68, e sua família mantêm uma biblioteca com mais de três mil títulos em sua galeria no Rio de Janeiro, a Dom Quixote. “Não é poesia. Não é romance. São livros de arte”, ressalta, no começo desta entrevista. E, como ele explica, essas obras costumam ter edições pequenas, tornando-se, muitas vezes, raras. Por isso Luiz participa de leilões voltados para esses títulos.

Foi em um deles que comprou o catálogo da Semana de Arte Moderna de 1922 há cerca de dez anos. Atualmente, prefere acompanhar os leilões on-line, dando lances prévios, anteriores ao evento.

De um dos artistas que mais se destaca na biblioteca, Cândido Portinari, ele tem 400 títulos, a maioria adquirida em leilão. “Cada livro tem seu preço”, diz. “O valor se estabelece muito pela raridade daquela edição e costumo dizer que o preço se faz a partir de duas pessoas querendo muito o mesmo artigo”, afirma ele, que já perdeu a conta de quantos eventos do gênero já participou.

120
Consumo | LEILÕES Fotos Renata Freitas e divulgação

Vendido!

Dados, fatos e rumores sobre o universo leiloeiro

DUAS DAS MAIORES CASAS DE LEILÕES DO MUNDO, CHRISTIE’S E SOTHEBY’S, BATERAM RECORDES DE VENDA EM 2022. A PRIMEIRA ALCANÇOU A MARCA DE US$ 8,4 BILHÕES –O MAIOR VALOR ANUAL DA HISTÓRIA DO MERCADO DE ARTE – E A SEGUNDA, SOMANDO OBRAS DE ARTE E LUXO, CARROS E IMÓVEIS, ATINGIU UM TOTAL DE US$ 8 BILHÕES.

A obra mais valiosa já arrematada em um leilão é a pintura Salvator Mundi, atribuída a Leonardo da Vinci. A tela, que retrata Jesus Cristo, foi negociada pela Christie’s por US$ 450 milhões, em 2017. Foram mais de 53 ofertas até o lance final, que teria partido do príncipe da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman. O quadro, segundo dizem, iria decorar o seu iate!

UM COLECIONADOR ANÔNIMO É O DONO DA JOIA MAIS CARA LEILOADA EM 2023. UM RARO DIAMANTE AZUL BLEU ROYAL DE 17,61 QUILATES, QUE FOI COMERCIALIZADO POR US$ 44 MILHÕES.

Ano passado, um terço de uma vaca foi vendido por R$ 7 milhões em um leilão em São Paulo. O animal completo, de excepcional qualidade genética, equivale a R$ 21 milhões, o valor mais alto da história.

Apesar de imóveis, joias, antiguidades e obras de arte serem os itens mais comuns dos catálogos de leilões, existem inúmeras excentricidades nesse universo. Como, por exemplo, um pedaço do bolo de casamento (foto) da rainha Elizabeth II com o príncipe Phillip, celebrado em 1947 (arrematado pelo equivalente a R$ 3.700), e uma mecha loira da cantora Britney Spears, da época em que ela raspou os cabelos, em 2007 (o cabeleireiro responsável pelo corte definiu o valor de US$ 1 milhão como lance inicial, porém não obteve sucesso).

121

Imagem capturada por CAMILA GAMA com um drone, no interior de São Paulo. “Esta foto é especial porque o ipê só floresce em uma determinada época do ano e sua florada é muito curta. Além disso, não há garantia de que a floração seguinte será mais ou menos poderosa. E, nesse dia, ela estava bastante frondosa! Essa árvore vive em um pasto onde se cria gado, por isso o rastro do trator. O traçado do veículo formou um caminho que compõe um eixo diagonal, conferindo o diferencial da imagem”, conta Camila Gama.

Figurinha carimbada de várias edições da SP-Foto, Camila Gama descobriu sua paixão pelas artes quando ainda cursava o colégio interno St. Edmund’s, no Reino Unido. “Lembro-me que nos intervalos das aulas corria para galerias e museus ingleses e passava horas admirando suas paredes repletas de grandes nomes”, conta a fotógrafa. De volta ao Brasil, formou-se em Artes Plásticas e Fotografia, Arquitetura e Urbanismo e de quebra viajou de novo para cursar Art and Design na Parsons, em Nova York. Fã das artes em todas as suas vertentes, costuma contemplar em seus cliques belos contrastes entre elementos de cena. Caso da linda fotografia desta dupla. | @camilagamafoto

ESTAVA ESCRITO NO

EGITO

A civilização egípcia conta mais de 2 mil anos de história e é considerada a mais longa experiência humana de continuidade. Um universo que sempre fascinou Flavia Haddad, engenheira que decidiu estudar o tema há duas décadas. À Donna, a egiptóloga fala sobre o que essa sociedade antiga, que ainda desperta tanta curiosidade, tem a nos ensinar

Em depoimento a Raquel Fortuna

Flavia Haddad é engenheira de formação. Trabalhou no mundo corporativo por um tempo, e, como diz a canção de Rita Lee, “um belo dia resolveu mudar”. Pediu demissão para ir para a França fazer um curso de… Egiptologia - ciência que estuda a antiga civilização egípcia -, na Sorbonne. Sim, pode parecer curioso, mas era para ser e é a própria Flavia quem tenta esclarecer a inexplicável fixação pelo tema. “Sempre tive interesse pela história. Era mais forte do que eu. Então, no começo dos anos 2000, fui com a cara e a coragem morar em Paris para isso. Nem francês eu falava”, conta.

E deu certo. Flavia tornou-se egiptóloga [especialista em cultura egípcia], já perdeu as contas de quantas vezes

foi ao Egito, publicou um livro em francês, Shaana, la Fille du Pharaon, um romance que conta a história da filha de um grande faraó, e voltou para o Brasil para desenvolver a ciência por aqui. Hoje, além de ajudar a montar e a administrar roteiros e grupos de viagens para o Egito, ela dá aulas sobre o tema, particulares e na pós-graduação da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP). Atua ainda em empresas, ministrando palestras em que traz paralelos e analogias sobre a história da antiga civilização egípcia e os dias de hoje. A seguir, Flavia faz uma reflexão sobre lições que podemos aprender com os egípcios a respeito de assuntos que estão no radar contemporâneo.

124
Fotos
divulgação; Ilustrações Mona Conectada
Cultura | EGITO

DIGA ME COM QUEM ANDAS….

“Existia uma filosofia na civilização antiga egípcia chamada Maat. Representava o equilíbrio cósmico, o afastamento do caos e era baseada em três pilares: ordem, justiça e verdade. Essa era não só a missão do soberano como também a missão pessoal de cada egípcio e permeava as condutas e ações da sociedade. Como o soberano governava sobre tais bases, as pessoas tinham confiança e respeito por ele. Isso contribuía para o andamento da economia, dos investimentos e para que o cidadão trabalhasse direito. Ou seja, a credibilidade conquistada a partir de Maat gerava desenvolvimento. Exatamente o que não vemos hoje. O desencontro de ideias entre governo e população gera um ambiente de desconfiança e insegurança. No antigo Egito, a partir do momento que o faraó vive sob esses valores, a população se sente respaldada. Vai ter orgulho e consciência, lutar pelo seu país e contra quem não estiver dentro da ordem, da justiça e da verdade, porque sabe que a lei funciona e não existe a impunidade.”

TUDO É POSSÍVEL

“É por meio das necessidades que evoluímos e os antigos egípcios nos mostram sua coragem e perseverança durante momentos difíceis com as mudanças climáticas. Se analisarmos, o país é um grande deserto cortado por um rio e, mesmo assim, o Egito foi o celeiro do mundo antigo. Para crescerem economicamente, os egípcios desenvolveram dutos de irrigação e processos de armazenamento de água, entre outras coisas, afim de aumentar sua produção. Eles evoluíram economicamente porque transformaram um terreno árido e sem vida em área fértil para a agricultura e a criação de animais.”

TODOS POR UM

“Se você vem de uma estrutura na qual sente que tem suporte, as adversidades são encaradas com resiliência porque você sabe que não está sozinho. Entendo que a vitória só acontece em grupo e acredito que o sucesso da civilização antiga egípcia tenha se dado 50% em razão do soberano e 50% por conta de cada pessoa, – homem ou mulher – comprometida com Maat que compunha aquela sociedade. Desde o seu nascimento os egípcios mostram que nenhum país vai para a frente sem união política e cultural Hoje enfrentamos essa polarização, que não é só política. Não existe meio termo. Para mim, a crise que vivemos já se tornou humanitária.”

ENTRE REIS E RAINHAS

“Por que Ramsés II era considerado um grande empreendedor? Como Cleópatra se manteve no comando por tanto tempo? Nossos líderes poderiam revisitar a história para entender como essas figuras conseguiram lidar com crises parecidas com as atuais ou manter a sua credibilidade mesmo quando parecia impossível. Por que eles se tornaram lendários? A meu ver existia atitude e comprometimento por parte dos soberanos. Imagine uma mulher conseguir se impor naqueles tempos! Nem falo só de Cleópatra, mas existem outras rainhas com percurso grandioso no Egito, que driblaram momentos difíceis sendo as soberanas. Algumas tiveram um papel essencial como esposas dos faraós, ajudando em grandes decisões referentes às diretrizes do país.”

EI, FARAÓ Gostou do tema? Flavia Haddad indica um autor para quem deseja mergulhar ainda mais nesse assunto

Nicolas Grimal é um dos ícones da egiptologia mundial e autor de dezenas de livros referentes à antiga civilização egípcia. De 1989 a 1999, chefiou o Instituto Francês de Arqueologia Oriental no Cairo. Desde 1990, é diretor científico do Centro franco-egípcio para o estudo dos Templos de Karnak (Luxor, Egito). Em 2000, passou a ocupar a cadeira de egiptologia no Collège de France e, desde 2014, o cargo de secretário-geral da Comissão Consultiva para Escavações Francesas no Exterior do Ministério das Relações Exteriores. Vale prestar atenção!

125 Cultura | EGITO

Neta de italianos, Carol Celico tem um verdadeiro caso de amor com Roma desde que era criança. Aqui, ela faz uma declaração à cidade e ainda elege restaurantes para fugir da rota turística e se sentir como um local

126
Viagem | ITÁLIA

ParliamoD'Amore

Roma é a cidade eterna. Como neta de italianos e filha de um pai apaixonado pelo destino – e eu por ele –, Roma se tornou um marco na minha vida e, consequentemente, na da minha família.

Ainda era muito criança quando fui a primeira vez e não me lembro claramente do que vi, mas me recordo de ter sido tomada por um sentimento maravilhoso, como aquele que temos quando chegamos à nossa casa. E, além de me sentir conectada ao destino por causa de minha origem italiana, também acho que muito de sua importância vem da vibração de todas as coisas tão importantes que já aconteceram por ali: são sete cidades abaixo de Roma, que foram sendo construídas em diferentes épocas!

Tento voltar para lá ao menos uma vez ao ano, mesmo que seja uma passagem rápida – posso até esticar uma escala, se necessário. Na primavera e no outono, então, quando acontecem as chamadas meias-estações, o clima fica perfeito para aproveitar qualquer programação!

E não importa o motivo ou a duração da viagem: a primeira coisa que

faço em Roma é tomar um bom gelato! E aqui vale uma dica: apesar de a cidade ter diversas gelaterias clássicas, como Fatamorgana, Caffe Ciampini, Gelateria del Teatro e Gelateria La Romana, são os sorvetes comercializados nos carrinhos de rua que oferecem uma experiência perfeita para quem quer se sentir como um romano – há vários desses perto do centro.

Mesmo conhecendo a cidade muito bem, eu amo embarcar em algum tour – nesses casos, minha dica é pegar um bom guia para realmente despertar o amor pela cidade eterna.

É sempre uma boa chance de viver algo novo, ouvir uma história que ainda não sabia e até relembrar algo. Meu pai, por exemplo, sempre falava que seu lugar favorito era o Fórum Romano. Lembro-me da primeira vez que fomos com o meu irmão. Ele devia ter uns três anos e ficou admirando aquele monumento maravilhoso, falando que não queria ir embora.

Em sentido horário, a partir do alto: a visão do Arco de Constantino a partir do Coliseu; Carol, na Igreja Trinità dei Monti; a família em dois momentos, na Piazza di San Pietro. Na página anterior, Carol no Hotel Locarno

127

Dolce Vita

Foi um marco: ele não sabia de sua importância para o meu pai, mas já sentia esse valor.

Para mim, um dia perfeito em Roma inclui um passeio tranquilo de manhã, sem pressa, nem tantos compromissos, com tempo para olhar as ruas, as lojas e tomar um café. Depois de ir a um restaurante delicioso, gosto de conferir alguma atração que esteja em cartaz e, por fim, jantar em um

restaurante que tenha uma carta de vinhos feitos na Itália. Tente comer em lugares aos quais os italianos vão, não os turistas. Trilussa, Felice e Al Moro são meus favoritos nesse sentido – minha lista completa está na página ao lado. Todos apresentam um cardápio bem clássico e farão você se sentir como um nativo.

Roma também é uma cidade com programas para todos, inclusive crianças – e nenhuma delas reclama de se sentar em um restaurante italiano e comer uma boa pasta! Uma dica essencial é sempre visitar as praças locais para provar lanches na região, tomar gelato, aproveitar shows de rua e outros momentos simples, mas inesquecíveis.

Carol, Eduardo, Luca e Isabella, e o Arco de Constantino; a empresária e os filhos, no Museu do Vaticano; e Carol curtindo a gastronomia local, em dois momentos: na cama do Hotel Eden e nas esquinas do bairro Trastevere

E por falar nos nativos, outro ponto alto de Roma é o estilo descontraído dos romanos, que tem certa similaridade com o nosso calor brasileiro. Adoro o costume deles de se sentarem à mesa e ficar horas ali conversando. Eles são amigáveis, acolhedores e fazem qualquer jantar cotidiano se tornar uma festa.

As memórias que tenho do meu pai, os bons restaurantes e o clima caloroso dos romanos farão com que eu queira sempre voltar para Roma, um destino que representa a conexão com as minhas raízes. É uma visita não só à história do mundo, mas à trajetória dos que vieram antes de mim.

128

PerMangiare

VA BENE

Minha lista de restaurantes favoritos para conhecer o que há de melhor nas gastronomias romana e italiana

1. TAVERNA TRILUSSA

Um dos meus preferidos há anos! Com mais de um século de história, traz ótimo ambiente e atendimento impecável, além de uma carta de vinhos perfeita para os mais variados gostos.

2. AL MORO

O ambiente é bem aconchegante e intimista e os pratos são deliciosos, incluindo o Spaghetti alla Moro, uma versão autoral do carbonara.

3. AL CEPPO

Para quem procura um italiano clássico e tradicional, o Al Ceppo é uma das melhores escolhas!

Com serviço de qualidade e pratos bem sofisticados, a excelência do restaurante é perceptível logo que você cruza a porta de entrada.

4. PIERLUIGI

É uma das melhores opções para um jantar especial em Roma. O restaurante fica de frente para uma das praças mais charmosas da cidade e conta com uma área externa. A gente se sente em um filme!

5. DAL BOLOGNESE

Destaque em culinária tradicional, o Dal Bolognese tem um ambiente lindo, perfeito para jantares românticos ao lado de alguém especial.

6. CASINA VALADIER

Com arquitetura e decoração neoclássicas, o Casina Valadier fica no alto dos jardins Pincio. É um ambiente super-romântico, onde acontecem muitos pedidos e jantares de casamento. Então fica a dica para os apaixonados!

129
1. 2. 3. 5. 4. 6. Fotos
e divulgação
Carol Celico

VIAGENS PARA DENTRO

Depois de embarcar em uma jornada de autoconhecimento por meio de imersões de bem-estar e retiros espirituais, a jornalista Bel Mota compartilha seu processo e elege seus achados para quem deseja fazer o mesmo

Por Bel Mota

Viajar para dentro foi um desejo genuíno que aflorou em um momento de caos, quando me vi perdida na minha própria história. Ao longo da minha carreira como modelo e apresentadora, estive imersa em um mundo de muitos aprendizados e oportunidades e caí na armadilha de não questionar alguns condicionamentos. Priorizei a fama, a beleza, o dinheiro e as vaidades do ego. Acreditava que essa era a fórmula exata para o sucesso.

Com o passar dos anos, percebi que estava iludida por uma projeção, uma imagem distorcida que me afastava cada vez mais de quem eu era. Foi aquela famosa “virada de chave”, que revelou: era hora de me libertar dos velhos pesos. Eu já não sabia mais qual era o meu propósito e como usar os meus talentos e habilidades.

Aos 46 anos, vendi tudo o que eu tinha e fui morar na casa da minha mãe com a minha filha de 14 anos. Foi então que eu decidi “viajar para dentro” e me entregar a uma jornada profunda de autoconhecimento. À medida que ia mergulhando no meu interior, sentia um desejo profundo de registrar todo o processo com o meu olhar de comunicadora. Como jornalista curiosa que sou, me permiti vivenciar todas as experiências que atravessavam o meu caminho. Foram jornadas incríveis e uma busca interna transformadora! Eu estava me curando por meio de viagens de bem-estar e retiros espirituais com práticas ancestrais indígenas, medicinas da floresta, kundalini yoga, tantra, constelação familiar e gostaria que todos soubessem. A seguir, compartilho a lista de quatro experiências que vivi.

CENTRO DE MEDITAÇÃO KADAMPA BRASIL

Cabreúva, SP @cmkbrasil

Visitar o templo Kadampa é uma oportunidade de explorar os ensinamentos budistas e seus saberes sobre a natureza da mente, a impermanência da vida e o caminho para a libertação do sofrimento. Foi uma experiência valiosa, e ainda era meu aniversário e Páscoa. A programação é intensa e inclui três práticas de meditação por dia, ensinamentos com o monge e serviço social voluntário. A sensação é de estar em algum lugar remoto do mundo. Você pode se hospedar em quartos compartilhados ou individuais e ainda tem a opção de voluntariado – para isso você cumpre seis horas de serviços por dia e o templo oferece acomodação e alimentação gratuitas durante o período.

Bem-Estar | RETIROS
130

VILLAREJO POUSADA E EXPERIÊNCIA

Sorocabucu - Ibiúna, SP

@villarejo_pousada

Definitivamente, essa pousada é um pequeno paraíso localizado em Ibiúna, a 53 km de São Paulo. Foi cuidadosamente projetada para incorporar os princípios do xamanismo e os elementos da natureza –da arquitetura à decoração. Foi a minha primeira experiência dormindo em uma tenda estilo glamping ! Vivenciei retiros de tantra e yoga kundalini, juntamente com rituais como o temazcal, uma prática ancestral de purificações física, mental e espiritual, que envolve cerimônias de cura e purificação conduzidas por um guia experiente.

CASA AKUERAN

Alto da Boa Vista, SP @xamanismoseteraios

Uma oportunidade única para quem quer mergulhar em práticas de bem-estar e espiritualidade sem sair de São Paulo. São diversas experiências para relaxar, reduzir o stress e cultivar as consciências corporal, mental e espiritual. Entre elas, roda de cacau para mulheres e homens, terapias com sound healing, tantra, reiki, estudos sobre culturas ancestrais e atendimentos individuais personalizados. Foi onde iniciei minha viagem para dentro e, com certeza, é o meu lugar favorito na cidade!

HOTEL PONTO DE LUZ

Joanópolis, SP

@hotelpontodeluz

Cercado pela natureza da Serra da Mantiqueira, no município de Joanópolis, o Ponto de Luz é um lugar mágico. E basta chegar ao hotel para sentir uma energia diferente. Foi lá que comecei a ter consciência sobre a importância da nossa vibração, dos nossos pensamentos, por meio de programas de limpeza energética, terapias, meditação e yoga. Incrivelmente curativo e restaurador.

O hotel oferece uma alimentação detox e vegetariana, um cardápio de terapias holísticas variadas e massagem para relaxar corpo, mente e espírito. Praticamente um reset!

131

NÓS SEMPRE TEREMOSParis

Apaixonada por literatura, a jornalista Natália Albertoni convida os leitores a refazerem os passos de Hemingway, Fitzgerald e companhia, a chamada geração perdida de intelectuais estadunidenses que fizeram da Cidade Luz uma grande festa nos anos 1920. Allons-y!

“A Geração Perdida odiaria a Paris de 2024”, diz o registro no meu bloco de notas. Minha anotação foi feita enquanto intercalava a leitura sobre uma França construída para a eternidade com passos um pouco mais determinados do que um flâneur. Seguia para a Rive Gauche, por volta das 9 horas de uma terça-feira, para refazer um roteiro que testei quando estava no fim da faculdade de jornalismo. Não por acaso, foi o livro E Foram Todos Para Paris (Sérgio Augusto), e não o filme Meia-noite em Paris (Woody Allen), que me levou à primeira incursão nostálgica na Paris de Hemingway, Fitzgerald e companhia.

Entre suspiros de admiração ao porte majestoso da Notre-Dame ou à atmosfera repleta de devaneios e inspirações até o limite, sobravam nas páginas elogios à Cidade Luz dos anos 1920. Qualquer um com o mínimo apreço pela literatura ficaria ansioso para reviver as sensações daquele passado sensível e fervilhante. Prestes a descer as escadas do metrô, uma fachada imponente levantada em uma encruzilhada cortou minha imaginação. Cercado por um toldo vermelho velho, o estabelecimento

sustentava o letreiro: KFC Restaurant.

Parte do encantamento dos americanos do norte pela capital francesa no início do século passado se dava justamente pela contraposição de cenário e estilo de vida que podiam encontrar em casa. Enquanto viver nos Estados Unidos era possuir um carro agradável e máquinas funcionais capazes de substituir empregados, as margens do Sena ofereciam uma verdadeira arte de viver. “Os franceses parecem usufruir do cotidiano tal qual como este se apresenta, deleitando-se com a simplicidade e sem cerimônia, não pedindo nada além de estar juntos, de conversar uns com os outros, de beber bons vinhos, de comprazer-se com seu saboroso idioma”, escreveu Henry Miller, em Lettres à Emil

Além do autor de Trópico de Câncer, “todo mundo” estava em Paris nos anos 1920, incluindo um grupo especial de escritores, editores e poetas americanos que renegavam o país de origem e sua modernidade desalmada. Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald e Gertrude Stein ficaram com a fama de residentes. Mas a cidade também foi casa de muitos outros personagens

Viagem | PARIS LITERÁRIA 132
Por Natália Albertoni

importantes para a literatura. Uma delas foi Sylvia Beach, dona da livraria Shakespeare & Company, que cismou até vencer a epopeia de editar e lançar Ulysses, de James Joyce – nome que também passou por lá. Outra habitué foi Anaïs Nin, autora dos contos eróticos Pequenos Pássaros, que recentemente virou série na Starzplay.

A capital da cultura seduzia quem procurava novos horizontes. Mas o início da “invasão” dos americanos se deu entre 1917 e 1918, quando o escritor John Dos Passos e o poeta E.E.Cummings chegam à cidade após servirem como motoristas nas frentes de batalha. Aos poucos, os novos moradores foram retribuindo a hospitalidade multiplicando a produção de poemas, romances, peças de teatro, ensaios… Fizeram isso experimentando a cidade, em alguns casos tomando vantagem do câmbio valioso, desequilibrado em razão da guerra. No Boulevard du Montparnasse, nos entornos da estação Vavin, estão muitos dos cafés, brasseries e restaurantes famosos no

início do século passado e que, ainda hoje, guardam elementos originais da época.

Desta vez, o Le Dôme foi a minha primeira parada. Do lado de dentro, as paredes de madeira sustentam luminárias, espelhos com as bordas arredondadas e também retratos em preto e branco identificados com plaquinhas dos frequentadores mais assíduos: Modigliani, Giacometti, Matisse… Tomei meu café acompanhada de um croissant crocante e do livro Montparnasse: Quand Paris Éclairait le Monde (Mathyeu Le Bal), um catatau de capa dura que repousava como uma Bíblia no balcão do bar decorado com vitrais de 1900. Nem com um dia inteiro seria possível vencer o tomo. Mas, passeando entre as fotografias, era possível compreender porque uma leva de jovens com seus 20 e poucos anos decidiu fazer morada naquela cidade transbordante. “Os artistas que chegam aqui devem querer ficar para, de alguma forma, absorver o talento dos outros por osmose”, assinala minha última nota.

LEITURAS PARA ACOMPANHAR

O SOL TAMBÉM SE LEVANTA | Ernest Hemingway

SUAVE É A NOITE | F. Scott Fitzgerald

TRÓPICO DE CÂNCER | Henry Miller

O MUNDO É REDONDO | Gertrude Stein

DELTA DE VÊNUS | Anaïs Nin

NO BOSQUE DA NOITE | Djuna Barnes

ULYSSES | James Joyce (editado por Sylvia Beach, da Shakespeare & Co.)

Viagem | PARIS LITERÁRIA 133

PARA PASSEAR

COMECE O DIA NO MUSÉE D’ORSAY para se inspirar com as telas de Paul Cézanne, como fazia Hemingway no início das suas caminhadas.

SIGA PARA O JARDIN DU LUXEMBOURG

para renovar os ares e observar as pessoas, muitas delas artistas com seus cadernos de pintura.

DALI, VOCÊ ESTARÁ PERTINHO do prédio onde a escritora Gertrude Stein morou com Alice B. Toklas (27, Rue de Fleurus). Era estrelado o elenco de visitantes que passava pelo apartamento dessa que foi uma das figuras mais influentes do século 20. Entre eles, Matisse, Picasso, Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald e Ezra Pound, para citar alguns.

APÓS CRUZAR A PONT DE ARTS, finalize a jornada na Shakespeare & Company (37, Rue de la Bûcherie, 75005), livraria criada por Sylvia Beach, importantíssima para a Geração Perdida.

Nas fotos abaixo, o interior da livraria Shakespeare & Co. e o livro Montparnasse: Quand Paris Éclairait le Monde, de Mathyeu Le Bal, encontrado no restaurante Le Dôme

PARA DESCANSAR

HOTEL LUTETIA

hotellutetia.com

45, Boulevard Raspail

O local foi uma das residências do poeta (e também médico) Williams Carlos Williams.

HOTEL RITZ

ritzparis.com/fr

15 Pl. Vendôme

Era lá que estavam muitas das anotações para a criação de Paris é uma Festa (Hemingway).

134
Fotos Natália
divulgação
Albertoni e

CAFÉS E APERITIFS

LE DÔME

@ledomemontparnasse

Frutos do mar são a especialidade da casa. Mas vale muito para entrar no clima, observando os personagens que figuraram no salão.

LE SELECT

@leselectmontparnasse

Simpático, porém menos imponente, serve ótimas sobremesas. Prove a tartelette au sésames noirs & framboises

LA COUPOLE

@la_coupole_paris

Desde 1927, a brasserie art déco funciona como refúgio de artistas. No salão enorme, pontuado por colunas ilustradas, são servidos pratos tradicionais da cozinha francesa.

LA CLOSERIE DES LILAS

@lacloseriedeslilas

Você pode escolher as mesas por escritores, ou melhor, pelas plaquinhas que indicam onde eles costumavam se sentar. Eu fiquei com a do Fitzgerald, famoso pelos bafões após noites de drinques. Aliás, uma boa opção para experimentar é o Royal Closerie, que leva Champagne, Armagnac, Mandarine Napoléon e Coulis de fruits rouges.

MAIS SUGESTÕES

BRASSERIE LIPP

brasserielipp.fr

151, Boulevard Saint-Germain

CAFÉ DE FLORE

cafedeflore.fr

172, Boulevard Saint-Germain

LES DEUX MAGOTS

lesdeuxmagots.fr

6, Place Saint-Germain des Prés

CAFÉ DE LA PAIX

cafedelapaix.fr/fr

5, Place de l’Opéra

À esquerda, de cima para baixo: Natália na livraria de Sylvia Beach; salão interior do Le Dôme com fotos dos frequentadores mais assíduos; o Jardin du Luxembourg e a área externa do Les Deux Magots

135

Fotografias de PAULA BRANDÃO , extraídas de seu livro Efêmera , publicado pelo selo Rios-Greco em parceria com a Editora Origem. @paulabrandaofoto

Na obra, a fotógrafa revela, por meio de imagens dos primeiros sete anos de seu maternar, sua interpretação da maternidade e da matrescência. O prefácio fotográfico, composto dessas duas cenas em tons amarelos “gritantes e ardentes, assim como a sensação que antecede o nascimento de um bebê”, anuncia a seguinte leitura de Paula: “somos muitos e únicos em nossa condição humana, como as estrelas no céu, e cada um de nós veio a este mundo do ventre de uma mulher”.

137

DE REPENTE,

138
Saúde feminina | MENOPAUSA PRECOCE

TUDO PAROU.

Quando acontece antes dos 40 anos, a menopausa é considerada uma patologia. É raro, mas evidencia a importância da informação: quanto mais a gente sabe sobre esse período da vida de toda mulher, melhor

Difícil acreditar que uma mulher no auge dos 30 anos, ainda amamentando a primeira filha e, na teoria, com muita vida reprodutiva pela frente, simplesmente pare de menstruar logo após o parto. Mas foi o que aconteceu com a servidora pública Louise Pereira, oito anos atrás. Na época, seu médico assegurou que os ciclos retornariam quando a bebê parasse de mamar. Quatro anos depois, Louise ainda não menstruava.

Desconfiada, ela procurou outro profissional. Foi encaminhada para fazer exames e, ao chegarem os resultados, o espanto: não havia sobrado um único óvulo em seus ovários. “Saí do consultório arrasada. Por sorte, eu já sabia que não queria mais filhos. Mas uma coisa é não querer, a outra é não poder.”

Um dos principais efeitos da menopausa, definida como o último ciclo menstrual da mulher, é o declínio da reserva ovariana – e, com ela, a possibilidade de engravidar de forma natural. E o ideal é que ela aconteça sempre depois dos 40, como explica a professora associada da disciplina de Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP, Isabel Cristina Sorpreso. Antes disso, a medicina a considera como uma condição patológica, tanto que há nome e sobrenome para ela previstos na CID (Classificação

Internacional de Doenças): insuficiência ovariana prematura. Por aqui, dados do Estudo Brasileiro de Menopausa, realizado em 2022 com mais de 1500 brasileiras, afirmam que a idade média é aos 48. Mas a faixa de normalidade é ampla: menopausar entre 40 e 56 é, segundo Sorpreso, “fisiológico e próprio da idade”, e a variação acontece por diferentes motivos. “É importante destacar a distinção: por mais que alguns autores considerem como precoce a menopausa aos 40 e poucos, ela é diferente da insuficiência ovariana prematura, que é uma patologia e requer diagnóstico e tratamento.”

AS PRIMEIRAS SUSPEITAS

Como Louise não tinha sintomas e seus exames não atestavam grandes deficiências na taxa de hormônios, os médicos não receitaram reposição. Mas, no ano seguinte ao diagnóstico, ela passou de zero ao pacote completo de sinais da menopausa: “Comecei a sentir dificuldade de emagrecer, concentrei uma gordura na área abdominal, que nunca tive. A memória falhava, o cabelo caía, tinha alterações de humor. Eu me sentia muito mal, achava que estava com depressão”, conta à

Por Manuela Stelzer Ilustração Mona Conectada
139

Donna. “Antes da reposição hormonal, chegaram a me diagnosticar com uma doença autoimune.” Os suores repentinos, às vezes, começavam no meio do expediente no trabalho, e ela “tinha vergonha de dizer que era pela menopausa. Como você fala isso com 30 e poucos?”

Para a administradora Lucila Ferraz, o climatério (veja mais sobre esse e outros termos no glossário da pág. ao lado) começou com os fogachos, mas, como ela tinha apenas 35 anos, não associou com o climatério. “Achava que era uma disfunção hormonal qualquer.” Aos 36, começou as tentativas de engravidar. Por procedimentos médicos anteriores, sabia que seus ovários “não eram como novos”, por isso procurou ajuda. “Fui a três médicos em São Paulo, um deles cogitou a menopausa. Fui a um quarto, em Ribeirão Preto, que confirmou o diagnóstico e me receitou alguns comprimidos de farmácia para tomar.” Depois de dois ou três meses, esquecida a ideia de filhos, por conta do diagnóstico, chegou a notícia da tão esperada gravidez. “Meu filho nasceu do último óvulo dos ovários cauterizados na laparoscopia. E aí nunca mais menstruei, desde meus 38 anos”, conta ela, hoje com 56. Já a psicóloga Fabiana Catanzaro chegou a anotar mais de 20 sintomas que percebeu no climatério e depois da menopausa, que entrou aos 42. Entre os primeiros da lista estão, em suas palavras: irritabilidade, falta de vontade de cuidar de tudo e cansaço, este último escrito em letras garrafais. “A sensação de desânimo é muito ruim. É uma falta de vontade de viver mesmo. A cabeça falha, o corpo dói.”

TUDO, MENOS MENOPAUSA

Doenças autoimunes, disfunções hormonais, transtornos mentais – muitas mulheres recebem diferentes diagnósticos para os sinais apresentados no climatério. E quando essa etapa chega antes do previsto, fica ainda mais complexo identificá-la.

Nos casos de insuficiência ovariana prematura, a maior parte das causas para a ocorrência precoce é indeterminada. Ana Gabriela Pontes, que é pós-doutoranda em Ginecologia Endócrina da FMUSP e responsável pelo setor de Ginecologia Endócrina e Reprodução Humana na UNESP, explica: “Entre as que podemos apontar, estão as genéticas, quando há um histórico de mulheres na família que menopausaram antes dos 40; doenças autoimunes; retirada de cistos dos ovários; radioterapia e quimioterapia”. Nessas situações, a perda de folículos ovarianos, em vez de acontecer ao longo da vida, numa transição natural, ocorre mais rapidamente ou de forma abrupta, o que leva à menopausa.

Os suores repentinos começavam e ela tinha vergonha de contar da menopausa. “Como você fala isso com 30 e poucos anos?”

Mas fatores ambientais e estilo de vida também podem influenciar na data de chegada da menopausa – claro, de maneira bastante sensível. O declínio da reserva ovariana é um evento programado pelo organismo muito antes do nascimento, ainda na formação do feto dentro do útero. Por isso, os hábitos da mulher não irão determinar o fim de sua vida reprodutiva. A recomendação médica já é a esperada: evitar comportamentos nocivos, como tabagismo, etilismo em excesso, sedentarismo, etc.

Independentemente da idade do evento, uma coisa é certa: manter-se saudável e com os exames de rotina em dia é o que as mulheres podem fazer para entrarem nessa fase com consciência e bem-estar. E é por meio do diálogo aberto que uma ajuda a outra: “Depois de tudo o que eu passei, agora com mais conhecimento, consigo olhar com atenção para a minha filha, procurar bons médicos, conversar com ela”, comenta Louise Pereira, ao lembrar da própria mãe, cuja menopausa também foi antes dos 40, mas isso jamais foi um assunto entre elas. “É muito importante essa consciência. Sinto que minha mãe enfrenta muitas questões de saúde hoje que podem ser pela falta da reposição hormonal, que ela nunca fez.”

PREPARE-SE, MULHER!

Quem se assustou ao ouvir a palavra menopausa foi a escritora, roteirista e podcaster Camila Fremder, 42. No ano passado, depois de descobrir alterações hormonais, dedicou um episódio inteiro do seu podcast É Noia Minha? ao tema. A perimenopausa foi descartada pelos exames, mas o assunto não. “Quando fui à ginecologista e ela ventilou essa possibilidade, me senti meio atrasada, porque até então eu só tinha pensado em burnout, falta de vitaminas, algo assim”, confessa Camila.

O caso da podcaster, ainda que ela não tenha entrado de fato na menopausa, ilustra a importância da preparação. Desde esse episódio, Camila conta que conversou com amigas poucos anos mais velhas e percebeu que é uma realidade não tão distante. “Agora eu monitoro melhor, fui pesquisar o que poderia fazer para manter a qualidade de vida mesmo passando por essa fase. E encontrei

Saúde feminina | MENOPAUSA PRECOCE
140

PARA SABER MAIS ALGUMAS DEFINIÇÕES E CURIOSIDADES

MENOPAUSA: é o último ciclo menstrual da mulher. Só pode ser diagnosticada depois de 12 meses de ausência de menstruação.

CLIMATÉRIO: fase de transição entre o período reprodutivo e o não reprodutivo. A duração é variável, mas, em média, acontece entre os 40 e os 65 anos de idade.

PERIMENOPAUSA: uma espécie de spoiler da menopausa, ou seja, é o período que a antecede e traz os primeiros sintomas.

FOGACHOS: ondas de calor típicas da menopausa e um dos sintomas clássicos do período.

INSUFICIÊNCIA OVARIANA PREMATURA (IOP): quando a menopausa acontece antes dos 40 anos. É considerada uma condição rara – no Brasil, são registrados menos de 150 mil casos por ano. Como é o caso de uma patologia, requer tratamento.

muita informação.” Ela acredita que, hoje, o assunto está mais em pauta, “mas tem gente que não quer ouvir, não quer lidar, e acaba não indo atrás”, comenta.

Mesmo que não haja como atrasar a chegada da menopausa, “há maneiras de cuidar dela a partir dos primeiros sintomas e passar pelo período com mais conforto”, como acredita a escritora, empresária e fundadora do projeto Menos Pausa, Mais Vida, Leila Rodrigues. Para ela, que fez disso uma causa própria, falamos bem pouco sobre a questão. Leila entrou no climatério aos 41 e sentiu pouca abertura na hora de conversar com outras pessoas. “Antes de menopausar, o interesse nisso é baixíssimo. Só aumenta quando começam os primeiros sintomas. E muitas passam pela fase sem falar nada para ninguém”, afirma a empresária, que já atendeu mais de 700 mulheres nessa período.

O melhor caminho é, de fato, a conversa aberta e honesta – para que assim, chegue cedo ou tarde demais, a menopausa possa ser identificada e tratada com mais tranquilidade. E menos pessoas sintam-se como Louise Pereira se sentiu ao sair do consultório com o diagnóstico: “Invalidada como mulher”.

40 AOS 56 ANOS é chamada de menopausa oportuna, o que significa que é um processo fisiológico e natural.

DEPOIS DOS 56 fala-se em menopausa tardia. Se este é o seu caso, é importante manter os exames em dia e se certificar de que o sangramento que continua fazendo visitas mensais é de fato a descamação do endométrio.

É MENTIRA usar anticoncepcional não atrasa a menopausa, “porque não está relacionado ao número de ovulações”, explica Sorpreso. O número de óvulos vai, quer a mulher goste ou não, diminuir ao longo da vida. “Tanto os contraceptivos quanto a terapia de reposição hormonal não irão impedir que a reserva ovariana decline. O número de óvulos que uma mulher apresenta já é definido no nascimento”, finaliza a ginecologista Ana Gabriela Pontes.

É POLÊMICO relacionar hábitos, e principalmente a alimentação, à idade de chegada da menopausa. Já existem pesquisas – uma delas, inglesa, de 2018, associou o consumo de peixes oleosos e leguminosas frescas ao atraso da menopausa, por exemplo –, mas nenhuma coloca as escolhas alimentares e a chegada da menopausa numa relação de causa e consequência. No caso da IOP, assim como cânceres estão relacionados ao comportamento humano, Pontes afirma que, a depender do estilo de vida, “pode haver um aumento da prevalência de menopausa precoce”.

141

VICIADA EM VIVER

Um depoimento lindo, sincero – e contagiante – de Daniela Arrais, jornalista e cofundadora da Contente, plataforma sobre bem-estar digital. Depois de muitas mudanças, perdas e transformações, ela inaugura uma fase de fascínio com a vida diante da sua finitude. Para ler, abraçar o frio na barriga e mergulhar na vontade de fazer o mesmo

Por Daniela Arrais (@daniarrais)*

Talvez seja a mistura de verão com Carnaval, que fez o começo de ano se alongar por mais tempo que gostaria a cultura do trabalho, que não quer que a gente pare, muito menos que se divirta tanto.

Talvez seja o pós-pandemia, que elaboramos tão pouco. Entre privações e perdas, o que emergiu de novo em cada um de nós?

Talvez seja minha longa jornada em busca de saúde e bem-estar, construindo diariamente a nova skin da minha personagem. E que orgulho dela, viu? Alguém que sente falta de malhar! E que se chateia se fca doente porque sabe que o movimento do corpo será comprometido.

Talvez seja a mudança de casa. De uma cidade “do lado” de São Paulo de volta para São Paulo em si, com seus convites que não se esgotam. Os encontros com os amigos, os shows gigantescos ou intimistas, as exposições tão plurais, os restaurantes que

nos fazem dar a volta no mundo sem precisar pegar um avião.

Talvez seja uma crise da idade. Agora eu consigo pensar que algo aconteceu há 20 anos. Os blocos de tempo parecem tão sólidos, tão distantes... Quantas vidas a gente vive numa vida só? O que mais temos para viver nos próximos 20 anos? Quem seremos nas nossas próximas temporadas?

Talvez sejam as noites melhor dormidas do meu flho. Ele está deixando de ser um bebê (e já sinto saudades) e se transformando numa criança maravilhosa, segura, que se expressa superbem e faz os melhores convites para que a gente viva o presente – e tem topado até fcar de preguicinha na cama depois que acorda. Esse dia chega, mães de bebês!

Talvez seja o luto se transformando em algo para além da dor dilacerante… Perder um irmão é um abismo que eu queria que

Pensata | VIDA 142
Retrato divulgação

ninguém tivesse que experimentar. A gente perde um pedaço da gente, uma companhia que nos conhece desde que nascemos, com quem compartilhamos birras e brincadeiras, tédio no sofá e conversas que fazem mais falta do que qualquer coisa.

Talvez seja a mistura de tudo isso…

Mas o negócio é que eu tô viciada em viver.

O ano mal começou e eu só quero dizer sim. Bora? Vamos! Daqui a pouco? Só se for agora! Eu quero tudo. Eu quero tanto. Tô quase sem freio. Observando o que me faz bem. Vivendo, experimentando, sentindo, querendo mais.

Prestando atenção em quem quero ter junto – e só isso aqui dá todo um outro tópico. A gente se cerca de quem realmente nos faz bem?

Tenho olhado para cada dia aberta para o que ele pode me trazer. Com presença e intenção.

Ainda não sei como faz pra caber essa medida na vida e preciso aprender a lidar com a ansiedade que bate de vez em quando, porque a gente foi talhada na culpa, né? A gente pode viver sem atrelar nosso valor necessariamente ao que a gente faz? Estamos prontos para essa conversa ou precisamos esperar algo acontecer para nos mostrar que a vida é muito maior que o trabalho, por mais que o trabalho também seja de tanta

importância para a vida?

Ainda assim, entrei num fuxo em que viver tá gostoso demais. Parece que tem tatuado na minha pele algo que diz: nosso tempo é fnito, como a gente insiste em se esquecer disso? A gente não sabe quantas vezes vamos ter a sorte de encontrar quem a gente ama (e isso para quem mora longe da família, por exemplo, é ainda mais impactante). A gente não sabe quantas vezes vai viver experiências que nos tiram do eixo, que mudam tudo. Como a gente pode lembrar disso para tentar nunca mais desperdiçar os encontros, as oportunidades? Como essa corrida do relógio pode nos lembrar de aproveitar intensamente tudo o que nos atravessa?

Passei muito tempo sofrendo. Deu uma trabalheira danada sair desse buraco, e ainda carrego várias cicatrizes, mas agora vem uma urgência de viver que quero muito atender. Uma vontade de devorar o mundo – sem ser devorada por ele. Um desejo de abraçar a vida. Viver a vida junto, sem se esquecer jamais dessa grandeza, desse presente. A vida é o que a gente tem agora. E isso é maravilhoso demais. Como vamos aproveitar ao máximo essa oportunidade? Como vamos seguir viciadas em viver? Será que você também anda se sentindo assim?

* DANIELA ARRAIS trabalha com inteligência criativa em escrita, fazendo da palavra o ponto de partida para transformações em diferentes escalas. É jornalista e co-fundadora da Contente, primeira plataforma brasileira sobre bem-estar digital que impactou 3.6 milhões de pessoas nos últimos três meses. Atua com marcas globais, conectando pessoas e propósitos, construindo narrativas transformadoras. É uma das criadoras do Coletivo Dupla Maternidade, que reúne famílias com a mesma configuração que a sua, reunindo hoje mais de 750 mulheres de todo o país. Pernambucana, vive em São Paulo desde 2006.

143 Pensata | VIDA

Obra de MOISÉS YAGÜES , artista espanhol representado no Brasil por Jacqueline Shor, do Jackie Shor Projects. @moisesyagues | @jacquelineshor Te Veo, acrílico sobre madeira, 25,5cmx20cm, 2023

O RETRATO QUE NÃO ESTÁ NA PAREDE

POR

BeaCorrea

Sempre se sentiu estranha. Diferente das outras mulheres da família. Quer dizer, tinha aquela bisavó, a do retrato escondido no armário na casa da Rua Paysandu.

A casa que nem existe mais, foi demolida há anos, lá só se volta em pensamento e sonho. Onde sua mãe nasceu e cresceu. E, assim como suas duas tias, fugiu para os bairros mais privilegiados quando se casou. Sobraram na casa, além dos fantasmas, a avó, o tio desempregado, sua esposa costureira e os dois filhos. E a Dita, a antiga funcionária da casa. Sempre que a mãe da Bianca tinha algo melhor para fazer, despejava os filhos lá. Nem descia, difícil estacionar, buzinava uma, duas, três vezes, até que a tia costureira vinha abrir a porta com o passo cansado, apesar de ainda tão moça, a fita métrica ao redor do pescoço. A mãe perguntava pelo irmão, a tia apontava o bar da esquina com o queixo. A mãe suspirava, engatava a primeira e partia. A tia costureira voltava aos seus vestidos, os primos iam jogar futebol no quintal dos fundos. Bianca e a prima enganavam a avó e subiam a escada ondulada que levava ao segundo andar. Lá as duas investigavam os armários dos quartos, vestiam as roupas perfumadas de tempo, colocavam um disco riscado do Frank Sinatra na vitrola e rodopiavam no salão oval brincando de amar. Ensaiavam beijos no espelho e repetiam as juras que ouviam nos filmes, as bocas lambuzadas de batom surrupiado da penteadeira da avó.

Um dia, no fundo de um armário, bem escondido mesmo, enrolado em panos, encontraram um velho retrato emoldurado. De uma mulher. Quem seria? Foram até a cozinha perguntar à avó, que enrolava charutinhos de folha de uva junto com a Dita.

— Já não falei que não quero vocês mexendo nas minhas coisas?

— Mas quem é, vó?

— Nem sei mais... acho que era uma tia do seu avô. Agora coloca lá de volta onde encontraram.

E, limpando as mãos no avental, foi catar mais folha na parreira do quintal.

Bianca e a prima estavam saindo também quando a Dita não aguentou:

— Se eu contar, vocês juram que não contam que contei?

— Juramos!

A Dita controlou a porta que dava para o quintal e baixou a voz antes de continuar.

— Era sua bisavó, Azize. Mãe do seu avô.

— Nossa bisavó? E por que o retrato não está pendurado no corredor junto com os outros?

— Porque não merece.

— E por que não merece?

— Só ouvi uma conversa uma vez. Acho que ela fugiu com outro homem.

— Conta, Dita!

— Era uma mulher muito bonita. Diz até que foi miss. Daí conheceu um cantor famoso, era o Roberto Carlos do Líbano.

— E daí?

— Tinha a guerra, estavam todos já com a malas prontas para vir pro Brasil e um dia antes de pegarem o navio, ela fugiu com o cantor.

— Nossa!

Aplaudiram as primas, entusiasmadas, mas então a avó voltou com as folhas de uva e Dita se calou.

O jeito foi esperar outra oportunidade para ouvir o resto da história, mas daí tantas coisas aconteceram: o tio que teve que ser internado para se tratar do alcoolismo, o colégio novo, Bianca trocando as tardes na casa da avó pela casa das novas amigas e o retrato foi ficando lá, esquecido no armário e na memória.

Só lembrou da bisavó adúltera quando traiu o marido pela primeira vez.

Foi bem depois. A avó, a Dita, o tio alcóolatra, quase todo mundo já tinha desaparecido da face da terra.

Ligou para a prima, a cúmplice das brincadeiras de amor, tanto tempo que não a via.

— Lembra da bisavó Azize? Aquela do retrato, que era miss, que fugiu com o cantor, que a Dita contou?

— Será que era verdade, Bianca? A Dita inventava tanta coisa, né?

Obra extraída do livro Ficção Feminina, de BEA CORREA Com um pé na Holanda e outro no Brasil, a designer e escritora paulistana, com pós-graduação em escrita criativa pelo NESPE (Núcleo de Estratégias e Políticas Editoriais), está arquitetando um novo espaço de arte em Amsterdam. Em sua plataforma @mind_what_you_wear escreve sobre pequenas e grandes questões existenciais em forma de moda. | @bea_correa_

Até a próxima!

Quando questionada sobre seu trabalho, a artista paulistana, descendente de franceses e poloneses, JACKIE HATYS descreve assim sua ocupação: “I paint, illustrate and sometimes sculpt bread”. Achamos que nada definiria tão bem sua l’art de vivre. Lúdica, com um pé no surrealismo, cheia de cor e poesia, sua arte já foi estampada em trabalhos para marcas como Frattina, Tiffany & Co. e Moët & Chandon. Em sua loja virtual de fine art – reproduções de aquarelas originais assinadas à mão e impressas com pigmentos minerais de qualidade museológica –, há obras que variam de 350 a 550 reais. As pinturas são belíssimas e retratam cenas oníricas e fantasiosas de cosmos, luas, sóis e estrelas. Seu traçado fluido e gentil é um deleite para os olhos e para a imaginação. @jackiehatys

146
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.