24ª Bienal de São Paulo (1998) - Roteiros / Routes

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São Paul o : Cidade : Bienais de arte

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Fundação Bienal de São Paulo

Francisco Matarazzo Sobrinho (1898-1977)

Alex PerlsCi'noto

Presidente perpétuo

Álvªro Augusto Vidigal AI'l9él()AncJreaMªtarêlz~p

. ·Antonioli~ntiq"'~,CQl"lhaBüel1o Conselho de honra

Carlos Bratke

Presidente

Carlos Eduardo Moreira Ferreira Diná Lopes Coelho

Alex Periscinoto Celso Neves Edem.ar Cid Ferre.ira Jorge,~duardo Stpckler

. ~~i~gl~derichse~·Vi.l.lares L.~i~F'er:nªlldoRotlrig~es Alves·( t)

Rubens Ricúpero Oscar P. Landmann

Thomaz Farkas

Otto Heller

Wolfgang Sauer

Roberto Maluf Roberto Pinto de Souza Rubens José Mattos Cunha Lima Sábato Antonio Magaldi Sebastião de Almeida Prado Wladimir Murtinho

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Sampli'~


Diretores e gerentes

Secretรกrio de Estado da Cultura

Superintendente

Secretรกrio Municipal de Cultura

Marcos Weinstock

Lauro Barbosa Moreira


Apoio Institucional Ministério da Cultura Ministério das Relações Exteriores Secretaria de Estado da Cultura Prefeitura Municipal de São Paulo Secretaria Municipal de Cultura

Carta Editorial Editora Abril Editora Globo

Revista Bravo



Katià,Canton Luis Pérez'Oramas Manuela Carneiro da Cunha Mari Carmen Ramírez Mary Jane Jacob Paulo Herkenhoff Pedro Corrêa do Lago Per Hovdenakk Pieter Th. Tjabbes Régis Michel Robert Storr Sônia Salzstein Valéria Piccoli Veit Gõrner Vannick Bourguignon Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."

Pedro Querejazu

Ami Steinitz

Pierre-André Lienhard

Apinan Poshyananda

Rita Eder

Awa Meite

Sania Papa Santiago B. Olmo 'Saskia Bos Sergio Edelsztein Silvia PandQlfi Elliman Vasif Kortun Velaug Bollingmo Virginia Pérez-Ratton Voung-Ho Kim Xu Jiang Webarte

Mark van de Walle Ricardo Anderáos Ricardo Ribenboim



"Roteiros. Roteiros. Roteiros.

Soo-Ja Kim Cities on the move-2727 kilometers Bottaritruck Cidades em mudança-caminhão Bottari 2727 quilômetros 1997 performance colchas e roupas usadas [used clothes and bedcover] duração 11 dias

Rot~


"Emperors and kings, dukes and marquises, counts, knights, and townsfolk, and all people who wish to know the various races of men and the peculiarities of the various regions of the world, take this book and have it read to you. Here you will find all the great wonders and curiosities of Greater Armenia and Persia, of the Tartars and ofIndia, and of many other territories . [.. .] We will set down things seen as seen, things heard as heard, so that our book may be an accurate record, free from any sort of fabrication. And all who read the book ar hear it may do so with full confidence, because it contains nothing but the truth."

ros. Roteiros. Roteiros. Roteiros." "Imperadores e reis, duques e marqueses, condes, cavaleiros e homens do povo e todos aqueles que quiserem conhecer as várias raças humanas e as peculiaridades das várias regiões do mundo, levem este livro e leiam-no. Aqui encontrarás todas as maravilhas do mundo e curiosidades da Armênia e da Pérsia, dos tártaros e da índia, e de muitos outros territórios. [... ] Estabeleceremos as coisas vistas como foram vistas, ouvidas como ouvidas, de modo que nosso livro possa ser um registro preciso, livre de qualquer tipo de fabricação. Etodos aqueles que venham a lereste livro ou ouvi-lo o farão com plena confiança, pois ele contém nada além da verdade." Extracted fram [extraído de] Marco Palo, The traveIs [As viagens], XIII century [século XIII] , London: Penguin books, 1958, P.33, translated to the English fram a "curious Italianate French" by Ronald Latham [traduzido do inglês para o português por Adriano Pedrosa] .


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Fragmento Marco Polo

14 Apresentação Julio Landmann 18 Apresentação Francisco Weffort 20 Projeto Olafur Eliasson 22 Ir e vir [To come and go] Paulo Herkenhoff 30 Cartografia sentimental [Sentimental cartography] Suely Rolnik 38. Fragmento Italo Calvino 40 Roteiros Oceania Louise Neri Francis Jupurrurla Kelly Geoff Lowe Mark Adams Mutlu Çerkez Tracey Moffatt 68 Metabolismo, geografia: vinte e seis notas sobre digestão e história mundial [Metabolism, geography: twenty-six notes on digestion and world history] Daniel Birnbaum 76 Roteiros América Latina Rina Carvajal Anna Maria Maiolino Doris Sal cedo Francis Alys Gabriel Orozco Inigo Manglano-Ovalle José Antonio Suárez Juan Davila Meyer Vaisman Miguel Rio Branco Victor Grippo 108 Projeto Rosângela Rennó 114 Roteiros Canadá e Estados Unidos Ivo Mesquita Andrea Fraser General Idea Janet Cardiff Jeff Wall Michael Asher Sherrie Levine 144 Duas questões sobre canibalismo e rap [Two questions on cannibalism and rap] Richard Shusterman 148 Roteiros Ásia Apinan Poshyananda Chieh Jen Chen Choi Jeong Hwa Dadang Christanto Elizabeth Dadi Iftikhar Dadi Ing K. Luo Brothers Nobuyoshi Araki 180 Devorando o canibal: um conto de precaução da apropriação cultural [Eating the cannibal: a cautionary tale on cultural appropriation] Deborah Root 190 Disparates sobre a voracidade [Disparate thoughts on voracity] Georges Didi-Huberman 204 Roteiros África Lorna Ferguson e Awa Meite Abdoulaye Konaté Ahmed Makki Kante Candice Breitz Fernando Alvim Georges Adéagbo Joseph Kpobly Malick Sidibe Moshekwa Langa Seydou Keita Soly Cissé Thomas Mulcaire Touhami Ennadre William Kentridge 238 Fragmento Jamaica Kincaid 240 Fragmento Manthia Diawara 242 Roteiros Oriente Médio Ami Steinitz e Vasif Kortun Bülent $angar Halil Altindere Khalil Rabah Shuka Glotman 266 Roteiros Europa Bart De Baere e Maaretta Jaukkuri Bjarne Melgaard Esko Mannikkó Franz West Honoré õ'O Markus Raetz Maurice O'Connell Milica Tomic Pedro Cabrita Reis Rineke Dijkstra Roza EI Hassan 310 Webarte Mark van de Walle 312 Webarte Ricardo Ribenboim e Ricardo Anderáos 314 Biografias 324 Nota do Editor Adriano Pedrosa 328 Agradecimentos 330 Fragmento Jorge Luis Borges


I'

Indice William Kentridge II ritorno d'Ulisse [The return of Ulysses ] fragmentos de desenhos para a animação [fragments of drawings for the animation] 1998 giz branco sobre guache preto sobre papel [whi te chalk on black gouache on paper] 88x120cm


Apresentação do Presidente da Fundação Bienal de São Paulo

No "Manifesto antropófago" há um trecho que sintetiza a experiência cultural: "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros." Essa exposição, portanto, não é mais uma mostra internacional, entre tantas, que seleciona artistas do mundo todo, o que sempre foi o escopo da Bienal. Ela corresponde a uma experiência singular na história da Fundação Bienal de São Paulo. Criaram-se rotas que foram efetivamente percorridas, para perseguire descobrir idéias. Écomo a atividade do mineradorfaiscando gemas, catando ouro no aluvião ou cavando a terra. Desde o início, a Bienal de São Paulo, na concepção de Francisco Matarazzo Sobrinho, seu fundador, foi essa mineração das gemas lapidadas da história da arte ou a descoberta dos novos filões das posturas artísticas em todo o mundo. Ele era incansável em instigar a vinda de artistas novos ou. em criar ai ianças para obter grandes mostras, como a retrospectiva de Picasso, em 1953. Cumpre homenageá-lo, afirmando que, em suas radicais mudanças curatoriais, a mostra "Roteiros ... " estava, em princípio, traçada pelo compasso de Ciccillo. Estava previsto, em seu ato de fé, que a cidade de São Paulo teria a capacidade de produzir grandes mostras de arte do mundo. A cada edição, a Bienal de São Paulo se reestrutura e se renova, buscando uma sintonia com o momento presente, seja nas mostras de arte contemporânea, seja nas de caráter histórico. Este segmento-"Roteiros ... "-consolida a vocação primeira e mais tradicional da Bienalexpor a arte contemporânea internacional-, não importando o nome que se lhe dê a cada biênio. A XXIV apresentará ainda três outros segmentos básicos: Núcleo Histórico, dedicado a discutir a antropofagia e histórias de canibalismos, Representações Nacionais e Brasil. Nossa estratégia para a XXIV Bienal foi a de manter inicialmente a estrutura formal de organização do evento, abrirmo-nos para as modificações que se provassem necessárias no processo e experimentar radicalmente no exercício e nas possibilidades de curadoria. Esse último fato será sempre percebido pelo olhar acurado e analítico, que notará as conseqüências e as singularidades desse processo. Na estruturação do segmento "Roteiros ... ", Paulo Herkenhoff, curador-geral da XXIV Bienal, procurou trabalhar com regiões entendidas como territórios culturais não-uniformes, irredutíveis a uma mesma taxonomia geográfica. Há continentes. Há regiões formadas por partes de três continentes, que é o caso do Oriente Médio e sua complexidade política e cultural. Há regiões culturais, como a América Latina, cujas fronteiras são carregadas pela migração para aAmérica anglo-saxônica. AAmérica Latina mereceu de minha parte recomendação de atenção especial, no sentido de que seu número de artistas não fosse ultrapassado por de outros "Roteiros ... ". A Bienal, com efeito, é um símbolo da capacidade operacional e cultural de toda a América Latina. Apesar de termos um segmento dedicado ao Brasil, os curadores da XXIV Bienal entenderam que a curadora da América Latina, se desejasse, poderia incluir artistas brasileiros. O Brasil necessita ampliar suas bases de integração com nosso continente cultural, e a Bienal de São Paulo pode ser um paradigma político disso, como se comprova com sua história.

14 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


o conjunto dos curadores oferece-nos qualidades profissionais e humanas admiráveis. Vasifl<ortun e Ami Steinitz testemunham a necessidade de se realizarem experiências, apesar das limitações impostas pelos conflitos no Oriente Médio. Rina Carvajal oferece um olhar minucioso na invenção de sua América Latina. Louise Neri contribui com uma visão perturbadora da Oceania, que se confronta com o fundo de fantasias hedonistas ocidentais, que vão do primitivismo ao surf. Ivo Mesquita representa, para nós, a capacidade de um curador latinoamericano atuar de modo pertinente e produtivo sobre outros sistemas culturais, como a importância e o desafio dos Estados Unidos e Canadá. Lorna Ferguson e Awa Meite foram obstinadas na ampliação das possibilidades de exposição da África, ao mesmo tempo que trabalham sobre uma auto-imagem política emancipada de seu continente. A múltipla energia de Apinan Poshyananda foi tanto reconhecer o imenso continente asiático como dali extrair exemplos de um canibalismo extremamente pertinente em sua contemporaneidade. Descentralizamos o olhar curatorial da Europa. Bart De Baere e MaarettaJaukkuri trazem uma perspectiva de fina ironia e aguda delicadeza desse continente. Os temas de "Roteiros ... " estão integrados em nosso programa educacional. O registro mais concreto e definitivo de nossa Bienal são as publicações. É um privilégio contar com a contribuição de curadores de todos os "Roteiros ... " na definição editorial específica de sua seção. A montagem de "Roteiros ... ", desenhada por Paulo Mendes da Rocha e sua equipe e coordenada por Ivo Mesquita, constitui um desafio porque apenas em parte foi predefinida, deixando-se grande parte dela para um ágil diálogo entre os curadores, artistas e obras. A densidade era o conceito regente da XXIV Bienal. No entanto, os curadores de "Roteiros ... ", cada um a seu modo, decidiram investigar as possibilidades e os limites de se referirem adicionalmente ao conceito de Antropofagia, tratado no Núcleo Histórico. Neste diálogo, a curadoria da Bienal estimulou as interpretações convergentes e heterogêneas, evitando a dispersão de significados, mas mantendo a pertinência do foco e as diferenças. Na escolha do curador-geral da XXIV Bienal de São Paulo, compreendemos ser necessário convocar alguém com comprovada circulação no meio internacional, para que se sustentasse ativamente o debate e se avançasse na integração de idéias com outros curadores do mundo, e não se comunicasse apenas por simples consultoria e distância. Paulo Herkenhoff promoveu a integração do conjunto. Adriano Pedrosa, curador adjunto, trouxe, entre outras qualidades, uma disciplina e dedicação que sustentaram o diálogo do grupo, mesmo em momentos críticos. Senti-me honrado e intelectualmente gratificado em poder participar de suas reuniões e testemunhar o encontro das diferenças. "Roteiros ... ", em suma, foi um foro concreto num diálogo de alteridades. JuIia La nd ma nn

15 Apresentação Julio Landmann


Fundação Bienal de São Paulo President's Foreword

ln the "Anthropophagite manifesto," there is a passage that synthesizes the cultural experience: "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros." ["Routes. Routes. Routes. Routes. Routes. Routes. Routes."] Therefore, this shaw is no longer an international exhibition, one in many, that selects artists from all ove r the world, which was always the aim of the Bienal. It corresponds to a singular experience in the history ofthe Fundação Bienal de São Paulo. Itineraries were created that were effectively traversed in arder to follow and discover ideas. It is like the activity of the miner digging out gems, searching for gold in the alluvium ar excavating the land. Since its beginnings, the Bienal de São Paulo, in the conception of the founder Francisco Matarazzo Sobrinho,was this mining oflapidated gems of art history ar the discovery ofthe new veins of the artistic postures throughout the world. He inexhaustibly stimulated the coming ofnew artists ar establishing alliances to obtain large shows, such as Picasso's retrospective in 1953. We pay homage to him in stating that in his radical curatorial changes, the "Roteiros ... " exhibition was initially traced by Matarazzo's compasso ln his act of faith, it was foreseen that the city ofSão Paulo would have the capacity to accomplish great shows of art from the world. On each edition, the Bienal de São Paulo restructures and renews itself, searching for a harmony with the current moment, be it in the contemporary art shows, be it in historical exhibitions. This segment-"Roteiros ... "-brings together the primary and most traditional vocation ofthe Bienal-to expose international contemporary art-notwithstanding the name given to it at each biennial. The XXIV will introduce three additional basic segments: Núcleo Histórico, dedicated to discuss anthropophagy and histories of cannibalism, Representações Nacionais and Brazil. Our strategy for the XXIV Bienal was to initially maintain the formal structure of the organization of the event, to open ourselves to changes deemed necessary throughout the process and to experiment radically in the exercise and possibilities of curatorship. This last instance will always be acknowledged by the careful and analytical eye that will note the consequences and singularities of this processo ln the structuring of the "Roteiros ... " segment, Paulo Herkenhoff, chief curator of the XXIV Bienal, sought to workwith regions understood as non-uniform cultural territories, irreducible to a single geographic taxonomy. There are continents. There are regions formed by parts of three continents, which is the case of the Middle East and its politicaI and cultural complexity. There are cultural regions, such as Latin America, whose borders are charged by the migration to anglo-saxon America. Latin America merited from my behalf the recommendation for particular attention in the sense that its number of artists were not surpassed by that of other "Roteiros ... ". The Bienal, effectively, is a symbol of the operational and cultural capacity of all Latin America. Despite already having a segment dedicated to Brazil, the curators ofthe XXIV Bienal understood that the Latin American curato r, if so wished, could include Brazilian artists. Brazil needs to expand its basis ofintegration with our cultural continent, and the Bienal de São Paulo may be a politicaI paradigm of that, as corroborated with its history.

16 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


The group of curators presents us with admirable professional andhuman qualities. Vasif Kortun and Ami Steinitz testifY to the necessity of carrying forth experiences, despite the limitations imposed by the conflicts in the Middle East. Rina Carvajal offers a precise glance in the invention of her Latin America. Louise Neri contributed with a disturbing vision of Oceania, which is facedwith the depth ofhedonistic western fantasies that run from primitivism to surfing. Ivo Mesquita represents, for us, the ability of a Latin American curator to perform in a pertinent and productive mannerwith regards to other cultural systems, as the importanceand chalIenge ofthe United States and Canada. Lorna Ferguson and Awa Meite were obstinate in expanding the exhibition possibilities of Africa, at the sarne time that they work upon an emancipated politicaI self-image oftheir continent. The manifold energy of Apinan Poshyananda lay as much in recognizing the immense Asiatic continent as in extracting from there examples of an extremely pertinent cannibalism in its contemporaneity. We descentralized the curatorial approach ofEurope. Bart De Baere and Maaretta Jaukkuri bring a perspective of fine irony and acute gentleness of this continent. The themes of"Roteiros ... " are integrated in our educational programo The most concrete and definite record of our Bienal are the publications. It is a pleasure to count with the contribution of alI "Roteiros ... " curators in the specific editorial definition of their section. The spatial arrangement of"Roteiros ... ", designed by Paulo Mendes da Rocha and his team and coordinated by Ivo Mesquita, constitutes a chalIenge as it was only partly pre-defined, setting aside a large section ofit for a flexible dialogue between the curators, artists and the works. Density was the reigning concept of the XXIV Bienal. However, the "Roteiros ... " curators, each in their own manner, decided to investigate the possibilities and limits of referring in addition to the concept of Antropofagia examined in the Núcleo Histórico. ln this dialogue, the Bienal's curatorship stimulated converging and heterogeneous interpretations, avoiding the dispersion of meanings, yet maintaining the relevance of the focus and the differences. ln the choice of the chief curator of the XXIV Bienal de São Paulo, we felt it necessary to summon someone with accredited circulation in the international scene in order to actively sustain the debate and to move forward in the integration of ideas with other curators in the world. ln this way communication through sim pIe consultancy and distance is avoided. Paulo Herkenhoff promoted the integration of the ensemble. Adriano Pedrosa, adjunct curator, brought, among other qualities, a discipline and dedication that sustained the group's dialogue, even in criticaI moments. I felt honored and intelIectualIy gratified to be able to participate in their meetings and to testifY to the encounter of differences. ln short, "Roteiros ... " was a concrete forum in a dialogue of otherness. Julio Landmann. Translatedfrom the Portuguese by Veronica Cordeiro.

17 Apresentação Julio Landmann


Apresentação do Ministro da Cultura

AXXIV Bienal de São Paulo é a última a ser realizada até o ano 2000, quando,junto com a passagem do milênio, estaremos comemorando o VCentenário do Descobrimento do Brasil. Ejá antecipa esse momento histórico ao se organizar, pela primeira vez em seus 46 anos de existência, em torno de um tema brasileiro: a Antropofagia, categoria criada porOswald de Andrade para explicar, de um ponto de vista nacional, o processo de formação de nossa identidade cultural. Essa proposta é fruto dedécadas de experiência acumulada, que consolidou a Bienal de São Paulo como um dos três mais importantes eventos de artes plásticas no mundo de hoje. A continuidade de um evento dessas proporções tem também efeitos na formação do público. É possível suporque as cerca de 400 mil pessoas que visitaram a XXIII Bienal de São Paulo não buscavam apenas o contato com as últimas novidades da vanguarda, ou com as obras dos artistas já consagrados, mas estavam também atentas às leituras propostas pelos curadores. O hábito de visitação dessa e de tantas outras grandes exposições de artes plásticas que têm sido realizadas nos museus e espaços culturais das cidades brasileiras, com o apoio crescente de patrocinadores e dos meios de comunicação, certamente contribuiu para mudanças quantitativas e qualitativas. Nas parcerias que são estabelecidas para viabilizar a Bienal, o poder público participa com apoio direto, mas, sobretudo, com o aprimoramento das leis de incentivo fiscal, que agora dispõem, inclusive, de mecanismos para estimular a circulação de exposições e acervos de museus portodo o país. Os resultados alcançados por esse esforço conjunto entre Estado e sociedade vêm provarque investirem cultura é um negócio que traz benefícios a todos os envolvidos, e que é possível aliaro crescimento econômico de um setor da vida social à democratização de um produto de alto nível de qualidade. Descobrimos, trilhando nossos próprios caminhos, e buscando as soluções mais adequadas à nossa realidade, o que os países mais avançados já sabem e vêm pondo em prática há algum tempo. Ao reelaborar a noção de antropofagia, que, do ponto de vista europeu, era uma prática primitiva, bárbara, e contrária aos mais elementares princípios de humanidade, Oswald de Andrade propôs uma interpretação irônica e irreverente de como, no Brasil, as influências vindas de fora são incorporadas a um "corpo" nativo, transformadas em alimento que o fortalece sem descaracterizá-lo. Acredito que essa imagem se aplica também ao amadurecimento da vida cultural do país, de que a Bienal de São Francisco Weffort Paulo, neste ano em sua vigésima quarta edição, é um caso exemplar.

18 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


Minister of Culture's Foreword

The XXIV Bienal de São Paulo is the last one to take place before the year 2000, when at the turn of the millennium, we will be cele~ brating the V Centenary of the Discovery ofBrazil. The Bienal anticipates this historical moment by focusing, for the first time in its 46 years of existence, on a Brazilian subject: Antropofagia, a category created by Oswald de Andrade to explain, from a national point ofview, the process offormation of our cultural identity. This proposition is the result of decades of accumulated experience, which consolidated the Bienal de São Paulo as one of the three most important visual arts events in the world today. The continuity of an event of this magnitude also has its effects in the education of the publico It may be assumed that the approximately 400 thousand people who visited the XXIII Bienal de São Paulo were hot merely looking for contact with the last avant~garde novelties ar with works of art of celebrated artists, but were also alert to the different readings proposed by the curators. The visiting habits ofthis and many other large art exhibitions which have been organized in museums and cultural spaces ofBrazil~ ian cities, with the increasing support of sponsors and communication media, have certainly contributed to the quantitative and qualitative changes. ln the partnerships that have been established to make the Bienal possible, the public administration participates with direct support, but above all, the improvement of tax benefit laws has provided mechanisms to stimulate the circulation of exhibitions and museum collections throughout the country. The results achieved through this joint effort between State and society comes to prove that investing in culture is a business that brings benefits to all those involved, and that it is possible to associate the economic growth of a sector of sociallife to the democratization of a product of a high quality standard. We have discovered, treading our own paths, and searching for those solutions most adequate to our reality what the more advanced countries already know and have been putting into practice for some time. Reelaborating thenotion of antropofagia which from the European point ofview was a primitive, barbarian practice contrary to the most elementary principIes ofhumanity, Oswald de Andrade proposed an ironic and irreverent interpretation ofhow the foreign influences in Brazil are incorporated into a native "body" transformed into nourishment that strengthens it without changing its genuine character. I believe this image applies as well to the enrichment of the culturallife in the country, ofwhich the Bienal de São Paulo, this year in its twenty fourth edition, is exemplary. Translatedfrom the portuguese by Veronica Cordeiro.

19 Apresentação do Ministro da Cultura Francisco Weffort




Paulo Herkenhoff

Ir e vir

"Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros." Sete vezes a palavra "Roteiros" repete-se no "Manifesto antropófago" de Oswald de Andrade. Encontra-'se entre o parágrafo "Contra o mundo reversível e as idéias objetivadas" e "O instinto caraíba". "Roteiros ... " é presença entre a mecânica das idéias "cadaverizadas" e o canibalismo, etimologicamente originado de caraíba. África, América Latina, Ásia, Canadá e Estados Unidos, Europa, Oceania e Oriente Médio são nossos "Roteiros ... ", definidos sem um critério único, como continente, bloco econômico ou regiões culturai~, Não se trata de uma espécie expandida das alegorias dos quatro continentes, desenvolvidas pela arte européia do século XVII. O substantivo plural "Roteiros" conota múltiplos pontos de vista. Os desafios contemporâneos já indicavam ser necessário à Bienal desenvolver a capacidade de escolher. Nos anos 70 sedimentou-se a idéia de salas especiais dedicadas a grandes nomes da arte. Em 1996 introduziu-se a idéia de uma mostra composta por exposições de regiões do mundo com Uniuersalis. Nosso desafio foi integrar um conjunto de olhares e articular critérios. No processo de "Roteiros ... " foi necessário definir o foco. Mercator orientou as representações cartográficas, hoje amplamente vigentes, segundo a posição mais adequada ao olhar europeu. Estamos frente a recortes da produção artística de sete áreas. O conjunto dos "Roteiros ... " não busca reduziro mundo a uma visão universalista ou globalizante, nem mesmo cada região a um olhartotalizante. Alguns comparam o papel do curador ao do cartógrafo. No catálogo da mostra Cartographies (1992), organizada por Ivo Mesquita, o crítico Justo Pastor Mellado analisa como a origem cultural e geográfica do curador marca as aproximações à arte do Outro. "Roteiros ... " seria trabalho de cosmógrafos buscando um olhar de, sobre ou para sua região. Dois princípios foram estabelecidos como método curatorial: ire vir. Os curadores deveriam efetivamente constitu ir seus Rotei ros por meio da experiência bie palmilharo território para (re)conhecer

sua arte. Afinal, já havia uma chave: "Contra o gabinetismo, a prática culta da vida", afirmava Oswald de Andrade no "Manifesto da poesia pau-brasil" (1924). Nos dois encontros em São Paulo, os curadores consolidaram pontos de partida e definiram o formato final de "Roteiros ... ". O diálogo centrífugo desenvolveu objetivos de complementaridade, contrapontos ou confrontos, demarcação de especificidades. Um chat da Internet entre os cu radores, coordenado por Ad riano Pedrosa, completou esta rede de relações de alteridade. Os curadores receberam informações sobre a relação desta Bienal com a audiência brasileira, seu papel no contexto da cidade e os compromissos com a educação. Nesta Bienal o conceito geral regente é "densidade", como processo de condensação de significados. Quase todos os curadores de "Roteiros ... " optaram por fazer referência ao tema Antropofagia e Histórias de Canibalismos do Núcleo Histórico como hipótese de trabalho. Na escolha dos curadores das regiões das economias centrais, preferíamos olhares da margem, mas profundamente vinculados a suas regiões. A escolha de curadores belga e fi n landesa com Bart De Baere e Maaretta Jaukkuri para a Europa significa, portanto, deslocardecisões dos centros hegemônicos. Os curadores deveriam ter a capacidade de articular uma perspectiva do olhar a partirdo lugar. Era necessário definir uma questão e testála em campo, construindo o desenho final de cada Roteiro e não a realização de enunciados preestabelecidos. Na montagem dos Rotei ros da África, visou-se a conjugar experiência e potencial do próprio continente por meio de pessoas que enfrentam em seu cotidiano as dificuldades de produzir conhecimento sobre o continente, a partir de aí mesmo viver. Lorna Ferguson havia superado fronteiras como coordenadora da I Bienal de Joannesburgo. Convidada, coube-lhe indicar uma curadora do sul do Saara, de um lugaronde fossem escassas instituições de arte. Assim, Awa Meite enriquece estes Roteiros com os artistas do Mali. Mesmo na África existem poucos curadores com uma visão da produção artística deste

22 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


complexo continente. Nem mesmo as comunicações e possibilidades de viagem são sempre eficientes. Por isso, desde o início, a Bienal de São Paulo compreendeu que estes Roteiros poderiam ter um sentido adicional que seria propiciar às curadoras da África a oportunidade de conhecer um pouco mais de seu próprio continente. As curadoras da África não buscaram vestígios de "canibalismo" em alguma sociedade tradicional. Um editor europeu ligado à África disse-me que era lamentável que conotássemos a África ao canibalismo. Talvez ele quisesse salvar o continente de uma visão preconcebida do canibalismo como ato de barbárie. O processo de emancipação da cidadania na África confronta-se com a voracidade política da exclusão social, do racismo e genocídio. Na América Latina, o modernismo-e o "Manifesto antropófago"-é momento luminoso como busca de uma linguagem própria pela superação da herança colonial e de sua síndrome de emulação da arte européia. Buscamos neste continente uma arte que toca a emancipação política da linguagem e a constituição de uma reflexão dolorosa sobre o processo em que a África se assume como sujeito crítico de sua própria história. Franz Fanon afirmou que a descolonização é sempre um fenômeno violento, com a substituição de "espécies" de homens. O pós-colonialismo implica violências novas. O tem po social da África do Su I está hoje constitu ído tanto pela Comissão da Verdade e Reconciliação quanto pela arte de Abdoulaye Konaté ou William Kentridge. Numa época, muitos artistas brasileiros evitavam as mostras latino-americanas, que eram entendidas como um gueto. O partido curatorial de Rina Carvajal toma a antropofagia como mais um ponto de contato entre o Brasil com a América Latina. Em sua heterogeneidade, a América Latina busca reforçar suas relações identitárias, mesmo que os processos de subjetivação tenham prevalência em outros níveis. No entanto, no mundo competitivo da globalização e de reordenamento das economias em blocos geográficos, a idéia de identificação latino-americana-quer realidade histórica, quer ficção-

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parece se imporcomo uma pré-condição ideológica para a organização do bloco econômico deste hemisfério. O México, por exemplo, é hoje uma espécie de fronteira espessa. É o extremo da América Latina. O norte de seu território é a fronteira alfandegária dos Estados Unidos, como pri mei ro bastião norte-americano a deter as correntes migratórias latino-americanas. Chiapas é uma fronteira interna na sociedade mexicana. As fronteiras da América Latina invadem os Estados Unidos, com a cultura que se transporta pela migração. Rina Carvajal vive em Nova York, lugar que hoje concentra a diversidade do pensamento da América Latina, atraindo críticos como destino numa espécie de diáspora voluntária. O sistema de classificação cultural operante nos Estados Unidos não tem validade na América Latina. Não nos interessa na Bienal em geral a ideologia do multiculturalismo, com seu sistema de classificação das etnias desenvolvido pela sociedade norte-americana. A escolha adequada do curador da Ásia nesta Bienal deslocaria a busca do eixo predominante Japão-Coréia na direção do sudeste da Ásia. Apinan Poshyananda, da Tailândia, tem realizado algumas exposições sobre aÁsia. Desde cedo aderiu ao conceito da Bienal, inclusive canibalismo. Inicialmente, pensou-se num impasse decorrente do fato de que fossem muito escassas as referências de canibalismo na cosmogonia budista. No entanto, seu projeto curatorial se desenvolveu para conjugar a espessura trágica do presente com aspectos arcaicos das culturas da Ásia e o processo dessa etapa pós-colonial. Poshyananda criou metáforas e interpretações originais para o canibalismo. A curadoria da Ásia reflete um repertório mais amplo de interpretações do canibalismo no processo pós-colonial. Uma dimensão que se aborda é o desejo, demonstrando a vastidão com que o ato amoroso e o de se ai imentar confl uem no sign ificante "comer". Um exemplo disto seria o sorriso siamês: a idéia de autoexoticização para oferta ao consumo do colonizador e a posterior devo ração deste. Existem também nuances políticas em suas noções de canibalismo: guerras, opressão


de minorias ou ataque especulativo do sistema financeiro internacional às moedas asiáticas. Uma exceção especial no processo de escolha dessas curadorias ocorreu com relação aos Roteiros Canadá e Estados Unidos, com a escolha do crítico brasileiro Ivo Mesquita. Mesquita teve uma importante experiência no Canadá, onde realiza trabalhos curatoriais desde 1988 para instituições locais e agora como professor visitante no Centerfor Cu rato ri ai Studies do Bard College no estado de Nova York. Um pressuposto no desenho curatorial desenvolvido foi entender o canibalismo como uma espécie de latência interdita na cultura norte-americana. Assim, a obra de JeffWall, Dead troops talk, é um ponto de partida básico destes Roteiros na discussão do canibalismo. Ao tratar da guerra do Afeganistão, Wall refere-se a Ajangada do Medusa, obra de Théodore Géricault, cujos estudos estão expostos no Núcleo Histórico desta Bienal. Outra direção tomada pela curadoria de Ivo Mesquita aborda a "institutional critique". Alguns artistas ironizam as instituições culturais. A arte é metaforicamente devorada pelas instituições do sistema de arte (museus, mercado, arquitetura, colecionadores, crítica de arte, curadores, educadores, etc.). No Brasil, uma crítica institucional extremamente voraz se fez nos anos 60 e 70 com artistas como Nelson Leirner, Barrio, Antonio Manuel e Ivens Machado, o qual ergueu uma arquitetura dentro " do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 1975, tornando-a espaço de ação escatológica. Machado não perdia de vista a Merde d'artiste de Manzoni. Desde logo sentimos que a maior dificuldade de lidarcom a idéia de canibalismo estava na Europa, talvez não sem uma razão cultural. O canibalismo é um antigo fantasma da Europa, uma idéia que deixa de ser remota para se tornar uma experiência concreta com os nativos da América. No fundo, o canibalismo é para a Europa um signo de diferença e de barbárie conforme entendida neste continente. No entanto, muito das histórias de canibalismos conhecidas no Ocidente foram, de certo modo, a história do canibalismo projetado pela Europa.

Talvez nenhum continente tenha produzido um corpus tão variado de pensamento sobre o canibalismo: mitologia clássica, imaginário medieval, Dante, Staden, Léry, Montaigne, de Bry, Shakespeare, Swift, Goya, Géricault, Moreau, Rodin, Freud, Bataille, dadaísmo, surrealismo, Lévi-Strauss, Caillois, Cobra, Yves Klein, além da mitologia clássica e do canibalismo dos citas. A Nova Guiné seria o último laboratório das culturas ditas "primitivas" clássicas, uma espécie de última fronteira da civilização ocidental, afirma W. Arens. Com um acervo tão intenso de práticas canibais, a Oceania poderia oferecer motivos e fatos para um contato com aspectos mais fatuais. Numa experiência que poderia nos remeter à antropóloga Margaret Mead, que viveu entre aqueles povos da Nova Guiné, Marina Abramovic tentou realizar um projeto com canibais de ilhas da Oceania. Louise Neri, curadora da Oceania, nasceu na Nova Zelândia e foi curadora assistente da Bienal de Sydney. Ali onde pareceria mais fácil discutir identidade social, Louise Neri buscou extrair o processo de subjetivação em artistas individuais que facilmente seriam redutíveis ao padrão étnico, ao modelo genérico do aborígine. O mundo de surfistas e tatuagens aqui expõe de forma iconoclástica. Neri trata com artistas que insistem em recusar a se converter pela regulação do modelo eurocêntrico com suas contradições acirradas pela dimensão do processo de colonização. Tracey Moffatt é a aborígine que se desloca do arcaísmo na direção de utilizar o fundo comum das tecnologias contemporâneas para fazer emergir, com sua obra ácida, fantasmas pessoais no quadro do modelo pós-colonial. Neri questiona a idéia de processo de constituição da identidade cultural ao problematizar a própria noção de canibal. Canibal é o "mau selvagem", que no pólo oposto ao modelo do "bom selvagem" sedimentado na Europa iluminista, recusa toda complacência do colonizado e, politicamente, insiste na "barbárie". O Oriente Médio é a região de riscos. É parte de três continentes. A região ferve no centro e arde nas bordas,

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no dizerde seus curadores. Ausente das grandes mostras internacionais, organizar Roteiros do Oriente Médio implicava organizar intricada arquitetura curatorial. O primeiro escolhido foi Vasif Kortun, curador de uma Bienal de Istambul e proveniente de um país islâmico. Porsua vez, Kortun deveria trabalharcom um curadorde Israel, tendo escolhido Ami Steinitz. Em sua perspectiva inicial propusera não incluir em seus Roteiros artistas originários de seus países, o que implicaria considerar apenas a arte produzida no mundo árabe. Esses Roteiros são uma espécie de exposição viável. Mais do que uma exposição de arte de conciliações, como talvez a maioria preferisse, esses Roteiros-mais do que qualqueroutroé um testemunho sobre si mesmo como possibilidade do processo cu rato ri aI. Roteiros Oriente Médio talvez tratem mais sobre a arte da curadoria. Sobre as suas possibilidades sobrepostas afrontei ras tão claras e fortemente demarcadas com feridas abertas. Ou seja, sobre as possibilidades de deslocar o olhar por regiões de conflito e encetar diálogo. Alguns artistas, por indignação ou medo de lidar com curadores do "lado inimigo", não desejaram participar destes Roteiros. O Oriente Médio, como berço das religiões monoteístas, permite-nos discutircomo o canibalismo é tratado como prática do Outro entre as sociedades. "Tanto europeus quanto árabes parecem ter um mórbido interesse no canibalismo" é a análise antropológica de EvansPritchard. Para alguns povos africanos, os europeus seriam canibais. Durante séculos, o cristianismo afirmou que os judeus utilizavam sangue humano em alguns rituais. A eucaristia é um sacramento que implica o consumo do corpo de Cristo. Na França Antártica, protestantes comparavam os católicos aos índios canibais. Já na Rússia, uma mulher de confissão batista foi ipso facto acusada de canibalismo. Como fantasma, o canibalismo é sempre a prática do Outro. O arquiteto Paulo Mendes da Rocha criou soluções para atender ao programa de montagem desenvolvido pelos curadores. O espaço seria um diagrama do diálogo

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curatorial e não delimitação de territórios. Pediu-se para evitar a clássica montagem por salas e constituir uma transparência quearticule regiões, artistas e obras. Articulados, os Roteiros mantêm sua identidade. Os artistas não seriam misturados como numa exposição coletiva universal que ·reduzisse a experiência individualizada dos curadores a uma espécie de comissão internacional, dissolvendo os olhares num olho único. Canadá e Estados Unidos terão uma montagem dispersada pelo espaço da Bienal. "Roteiros ... " dialoga com a pintura Mapa de Lopo Homem, de Adriana Varejão. A artista aí se refere à repre~ sentação cartográfica daquele português que em '5'9 desenha um mapa em que todos os continentes estariam unidos. O capricho cartográfico de Homem reconciliava as antigas concepções ptolemaicas e reassegu rava o papel bíblico de Adão como pai da humanidade, o que se daria apenas com esta unidade do horizonte geográfico. Lopo Homem tentava reconciliar antigas crenças e o trauma do conhecimento. Varejão repõe o trauma. Um grande corte sobre o mapa no meio da pintura expõe as vísceras e a carne do quadro feitas em tinta e sutura, tal fenda com material cirúrgico. Frente o desafio da descontinuidade e do contágio cultural, esta pintura é um emblema do horizonte cu rato ri ai de "Roteiros ... ". Paulo Herkenhoff


Paulo Herkenhoff

To come and go

"Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Rotei~ ros. Roteiros." ["Routes. Routes. Routes. Routes. Routes. Routes. Routes."] The word "Roteiros" is repeated seven times in Oswald de Andrade's "Anthropophagite mani~ festo." It is situated in between the paragraphs "Against the reversible world and objectivized ideas" and "The Carahiban instinct." "Roteiros ... " is presence between the mechanics of"cadaverized" ideas and cannibalism, etymologically originated from carahiba. Africa, Latin America, Asia, Canada and the United States, Europe, Middle~East and Oceania constitute our "Roteiros ... ," defined not by a single cri teria, but as a continent, eco~ nomic block or cultural regions. We are not dealing here with an expanded version of the allegories of the four continents, developed in XVII century European art. The plural noun "Roteiros" connotes multiple view~ points. Contemporary challenges already indicated that it was necessary for the Bienal to develop the ability to choose. ln the '70S the idea of special rooms dedicated to the great masters in art was established. ln I996 the idea of a show composed of exhibitions of regions in the world was introduced with Universalis. Our challenge consisted in integrating a group of views and articulating criteria. ln the process of"Roteiros ... " it was necessary to define the focus. Mercator oriented the cartographic representations, nowadays widely extant, according to the position most adequate to European eyes. We are faced with cutouts of the artistic production of seven areas. The "Roteiros ... " ensemble does not seek to reduce the world to a univer~ salist or globalizing vision, nor each region to an all~ encompassing gaze. Some compare the role ofthe curator to that ofthe cartographer. ln the catalogue ofthe exhi~ bition Cartographies (1992), organized by Ivo Mesquita, the critic Justo Pastor Mellado analyses how the curator's cultural and geographic origin denotes the approxima~ tions to the art of the Other. "Roteiros ... " would be the work of cosmographers searching for a gaze of, about or for his/her region. Two principIes were established as a

curatorial method: to come and go. The curators should effectively constitute their Roteiros by means of an expe~ rience of treading the territory for a (re)cognition of its art. After all, a key was already at hand: "Against the cab~ inets, the cultured practice of life," stated Oswald de Andrade in the "Manifesto ofpau~brasil poetry" (I924). During the two meetings in São Paulo, the curators consolidated points of departure and defined the final format of"Roteiros ... ,; The centrifugaI dialogue gave rise to objectives of complementarity, counterpoints or con~ frontations, demarcation of specificities. An Internet chat between the curators coordinated by Adriano Pedrosa completed thís network of relations of otherness. The curators received information about the relationship of this Bienal with the Brazilian audience, its role in the city context and the commitments with education. ln this Bienal the general reigning concept is "density," as a process of the condensation of meanings. Almost all "Roteiros ... " curators chose to pay reference to the theme ofAntropofagia and Histories of Cannibalism of the Núcleo Histórico as a working hypothesis. ln choosing curators from the central eco no mies regions we preferred marginal gazes albeit strongly linked to their regions. The choice ofBelgian and Finnish cura~ tors with Bart De Baere and Maaretta Jaukkuri for Europe therefore means displacing decisions from their hege~ monic centers. The curators should have the ability to articulate a viewing perspective based on the place. It was necessary to define an issue and test it on site, building the final plan of each Roteiro rather than the realization of pre~established declarations. ln the assemblage of Africa's "Roteiros ... " the aim was to converge the experience and potential of the con~ tinent itself through people who, by the very fact ofliving there, face the difficulties of producing knowledge about the continent in their quotidiano Lorna Ferguson had over~ come barriers as the coordinator of the I Johannesburg Biennial. Having been invited, she was asked to indicate a curator from the region south of the Sahara, from a

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place where art institutions would be scarce. ln this way, Awa Meite enriches these "Roteiros ... " with the artists from Mali. Even in Africa there exist few curators with a vision of the artistic production of this complex continent. Not even means of communication and traveI possibilities are always efficient. For this reason, the Bienal de São Paulo understood from the beginning that these Roteiros could have an additional sense which would be to provide African curators with the opportunity to get to know more about théir own continent. The curators of Africa did not search for vestiges of "cannibalism" in any traditional society. A European editor acquainted to Africa told me it was pitiful that we connote Africa to cannibalism. Perhaps he wished to rescue the continent from a preconceived notion of cannibalism as an act ofbarbarity. The process of citizenship emancipation in Africa is confronted with the politicaI voracity of social exclusion, of racism and genocide. ln Latin America, modernism-,-and the "Anthropophagite manifesto"-is the enlightened moment as the search for an individuallanguage that would surpass the colonial inheritance as well as its syndrome ofEuropean art emulation. ln that continent we are searching for an art that touches on the politicaI emancipation of language and the constitution of a painful reflection on the process in which Africa recognizes itself as the criticaI subject ofits own history. Franz Fanon stated that decolonization is always a violent phenomenon with the substitution of "species" of men. Post-colonialism implies new types of violence. South Africa's social time is constituted today as much by the Truth and Reconciliation Commission as by the work of Abdoulaye Konaté ar William Kentridge. At one time, many Brazilian artists avoided Latin . American exhibitions, which were understood as a ghetto. Rina Carvajal's curatorial approach takes anthropophagy as yet another meeting point between Brazil and Latín Ameríca. ln its heterogeneity, Latin America seeks to restrengthen its identity relations, even if the processes ofsubjectivation haveprevalence on other leveIs. Nonethe-

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less, in the competitive world of globalization and the reordering of economies into geographical blocks, the idea of Latin American identification-be it historical reality, be it fiction-seems to impose itself as an ideological pre-condition for the organization of this hemisphere's economic block. Today Mexico, for example, is a sort of dense border. It is the extremity ofLatin America. The north of its territory is the customs border of the United States, as the first North American bastion to deter the Latin American migratory currents. Chiapas is an internal border in Mexican society. Latin American borders invade the United States along with the culture that is carried across through migration. Rina Carvajal lives in New York, the place which nowadays concentrates the diversity ofLatin American thought, attracting critics as destiny in a sort of voluntary diaspora. The system of cultural classification that operates in the United States has no validity in Latin America. At the Bienal in general we are not interested in the ideology of multiculturalism with its system of ethnic classification developed by North American society. The pertinent choice of Asía'scurator in this Bienal would displace the search for the predominant axis of Japan-Korea following the direction towards the southeast of Asia. Apinan Poshyananda, from Thailand, has accomplished several exhibitions about Asia. From the very beginning he adhered to the Bienal's concept, including cannibalism. lnitially, Asia was thought ofin terms of an impasse arising from the fact that references to cannibalism in Buddhist cosmogonywere far too scarce. However, its curatorial project was developed towards marrying the tragic density of the present with archaic aspects of Asian cultures and the process of that post-colonial stage. Poshyananda created metaphors and original interpretations for cannibalism. Asia's curatorship reflects a wider repertory of interpretations of cannibalism in the post-colonial processo One of the dimensions tackled is desire, demonstrating the vastness with which the loving act and that of feeding oneself flow together in the signi-


fier "to eat." A relevant example would be the Siamese smile: the idea of self-exoticization as an offering to the colonizer's consumption and its subsequent devourment. There are also politicaI nuances in his notions of cannibalism: wars, oppression of minorities or speculative attack of the international financial system to Asiatic currencies. A special exception in the process of selection of these curatorships took place in relation to Canada and the United States "Roteiros ... ", with the choice of the Brazilian critic Ivo Mesquita. Mesquita had an important experience in Canada where he executes curatorial work since 1988 in local institutions and more recently as visiting lecturer at the Center for Curatorial Studies ofBard College in the state ofNew York. A precept in the curatorial design developed was to understand cannibalism as a type of restrained latency in North American culture. Thus JeffWall's work, Dead troops talk, is a primary point of departure ofthese Roteiros in the discussion of canni.., balism. Dealing with the Afghanistan war, Wall refers to the The raft ofthe Medusa by Théodore Géricault, the studies of which are exhibited in the Núcleo Histórico segment ofthis Bienal. Another direction taken by Mesquita deals with the "institutional critique." Some ofthe artists are iro nicai of cultural institutions. Art is metaphorically devoured by the institutions ofthe art system (museums, market, architecture, collectors, art criticism, curators, educators, etc.) ln Brazil an extremely voracious institutional criticism was made in the '60S and '70S with artists such as Nelson Leirner, Barrio, Antonio Manuel and lvens Machado, who raised an architecture inside the Museu de Arte Moderna ofRio de Janeiro in 1975, turning it into a space of scatological action. Machado would not lose sight ofManzoni's Merde d'artiste. From an early stage we felt that the greatest difficulty in dealing with the idea of cannibalism lay in Europe, perhaps not without a cultural reason. Cannibalism is an ancient ghost in Europe, no longer a remote idea when it becomes a concrete experience among American natives.

ln reality, for Europe cannibalism is a sign of difference and barbarity as understood in this continent. However, many ofthe histories of cannibalism known in the West were, in a certain way, the history of cannibalism as projected by Europe. Perhaps no continent has ever created such a varied body of thought on cannibalism: classical mythology, the medieval imaginary, Dante, Staden, Léry, Montaigne, de Bry, Shakespeare, Swift, Goya, Géricault, Moreau, Rodin, Freud, Bataille, dadaism, surrealism, Lévi-Strauss, Caillois, Cobra, Yves Klein, in spite of classical mythology and the cannibalism of the skythes. New Guinea would be the last laboratory ofthe socalled classical "primitive" cultures, a type oflast border of western civilization, as W. Arens states. With such an intense collection of cannibal practices, Oceania could offer motives and facts for a contact with more factual aspects. ln an experience that could refer us to the anthropologist Margaret Mead who lived with those peoples from New Guinea, Marina Abramovic attempted to carry out a project with cannibals from islands in Oceania. Oceania's curato r, Louise Neri was born in New Zealand and was assistant curato r of the Sydney Biennial. Precisely where it would have seemed easiest to discuss social identity, Louise Neri strove to extract the process of subjectivation in individual artists who would easily be reducible to ethnical standards, to the generic mo deis of the Aboriginals. The world of surfers and tattooing is exhibited here in an iconoclastic way. Neri deals with artists who insist in refusing to convert themselves by the regulations of the eurocentric models with its contradictions stirred by the dimension ofthe colonization processo Tracey Moffatt is the Aboriginal who, displaced from archaism, moves in the direction of utilizing the common ground of contemporary technologies in order to cause the emergence of personal ghosts in the framework of the post-colonial model. Neri questions the idea of the constituting process of cultural identity in questioning the very notion of the cannibal. The cannibal is the "bad savage," which at the opposite end ofthe "good

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savage" mode! established in Enlightenment Europe, refuses all colonized complacency and politically insists in "barbarity." The Middle East is the region of risks. It is part of three continents. The region boils in the center and seethes on the edges, in the words ofits curators. Absent from the big international shows, to organize the Middle Eastern Roteiros implied organizing an intricate curatorial architecture. The first one chosen was VasifKortun, curator of one Istanbul Biennial and coming from an Islamic country. ln turn, Vasif should work with a curator from Israel, for which he chose Ami Steinitz. ln his initial perspective, Kortun had proposed to exclude from his Roteiros artists originating in either of their countries, which would imply taking into consideration only the art from the Arab world. These Roteiros are a sort of viable exhibition. Beyond the idea of an art of conciliations exhibition as perhaps many had hoped for-and more than any other-it is a testimony about itself as the possibility of the curatorial processo The Middle East Roteiros perhaps deal more with the art of curatorship. With their possibilities superimposed upon clear and strongly demarcated borders with open wounds. ln other words, they deal with the possibilities of displacing the gaze by conflicting region and introducing dialogue. For fear or indignation to work with curators from the "enemy's side," some artists preferred not to participate in these Roteiros. Source ofthe monotheistreligions, the Middle East allows us to discuss the way in which cannibalism is treated as a practice ofthe Other between societies. "Both Europeans and Arabs seem to have a morbid interest in cannibalism", follows Evans-Pritchard anthropological analysis. For some African peoples, the Europeans would be cannibals. For centuries christianity stated that jews used human blood in some rituaIs. The eucharist is a sacrament which implies consuming the body of Christ. ln Antarctic France the protestants compared the catholics to the cannibal Indians. And in Russia, a woman of

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baptist confession was ipso facto accused of cannibalism. As a ghost, cannibalism is always a practice of the Other. The architect Paulo Mendes da Rocha created solutions to respond to the installation concepts devised by the curators. The space would be conceived as a diagram of the curatorial dialogue and not as the delimitation of territories. The curators were asked to avoid the classical arrangement by rooms and to constitute a transparency that would articulate regions, artists and works. Articulated, the "Roteiros ... " maintain their identity. The artists would not be jumbled as in a universal group exhibition that reduced the curators' individualized experience to a sort of international commission, dissolving the gazes into a single eye. Canada and the United States andwill have a dispersed arrangement throughout the Bienal' s space. "Roteiros ... " establishes a dialogue with Adriana Varej達o's Mapa de Lopo Homem [Lopo Homem's map]. ln this painting the artist refers to the cartographic representation of that Portuguese man who in I5I9 drewa map in which all continents would be united. Homem's cartographic caprice reconciled the old ptolemaic conceptions and reassured Adam's biblical role as the father ofhumanity, something that would only occur with this unity of the geographic horizon. Lopo Homem attempted to reconcile old beliefs and the trauma of knowledge. Varej達o replaces the trauma. A large cut on the map in the middle of the paintingexposes the viscera and the meat of the picture made with ink and suture, such a fissure with surgical material. ln the face of the challenge of discontinuity and cultural contagion this painting is an emblem ofthe curatorial horizon of"Roteiros ... "

Paulo Herkenholf Translatedfrom the Portuguese by Veronica Cordeiro.


Suely Rolnik

Cartografia sentimental "Encontraré achar, é capturar, é roubar, mas não há método para achar, só uma longa preparação. Roubaré o contrário de plagiar, copiar, imitarou fazer como. A captura é sempre uma dupla-captura, o roubo, um duplo-roubo, e é isto o que faz não algo de mútuo, mas um bloco assimétrico, uma evolução a-paralela, núpcias sempre 'fora' e 'entre'." -Gilles Oeleuze e Claire Parnet, Dia/agues Cartografia: uma definição provisória

Para os geógrafos, a cartografia-diferentemente do mapa, representação de um todo estático-é um desenho que acompanha e se faz ao mesmo tempo que os movimentos de transformação da paisagem. Paisagens psicossociais também são cartografáveis. A cartografia, nesse caso, acompanha e se faz ao mesmo tempo que o desmanchamento de certos mundos-sua perda de sentido-e a formação de outros: mundos que se criam para expressar afetos contemporâneos, em relação aos quais os universos vigentes tornaram-se obsoletos. Sendo tarefa do cartógrafo dar língua para afetos que pedem passagem, dele se espera basicamente que esteja mergulhado nas intensidades de seu tempo e que, atento às linguagens que encontra, devore as que lhe parecerem elementos possíveis para a composição das cartografias q ue se fazem necessárias. O cartógrafo é antes de tudo um antropófago.

o cartógrafo A prática de um cartógrafo diz respeito, fundamentalmente, às estratégias das formações do

desejo no campo social. E pouco importa que setores da vida social ele toma como objeto. O que importa é que ele esteja atento às estratégias do desejo em qualquer fenômeno da existência humana que se propõe perscrutar: desde os movimentos sociais, formalizados ou não, as mutações da sensibilidade coletiva, a violência, a delinqüência ... até os fantasmas inconscientes e os quadros clínicos de indivíduos, grupos e massas, institucionalizados ou não. Do mesmo modo, pouco importam as referências teóricas do cartógrafo. O que importa é que, para ele, teoria é sempre cartografia-e, sendo assim, ela se fazjuntamente com as paisagens cuja formação ele acompanha (inclusive a teoria aqui apresentada, naturalmente). Para isso, o cartógrafo absorve matérias de qualquer procedência. Não tem o menor racismo de freqüência, linguagem ou estilo. Tudo o que der língua para os movimentos do desejo, tudo b que servir para cunhar matéria de expressão e criar sentido, para ele é bem-vindo. Todas as

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entradas são boas, desde que as saídas sejam múltiplas. Por isso o cartógrafo serve-se de fontes as mais variadas, incluindo fontes não só escritas e nem só teóricas. Seus operadores conceituais podem surgir tanto de um filme quanto de uma conversa ou de um tratado de filosofia. O cartógrafo é um verdadeiro antrop6fago: vive de expropriar, se apropriar, devorar e desovar, transvalorado. Está sempre buscando elementos/alimentos para compor suas cartografias. Este é o critério de suas escolhas: descobrir que matérias de expressão, misturadas a quais outras, que composições de linguagem favorecem a passagem das intensidades que percorrem seu corpo no encontro com os corpos que pretende entender. Aliás, "entender", para o cartógrafo, não tem nada a ver com explicar e muito menos com revelar. Para ele não há nada em cima-céus da transcendência-, nem embaixo-brumas da essência. O que há em cima, embaixo e portodos os lados são intensidades buscando expressão. E o que ele queré mergulhar na geografia dos afetos e, ao mesmo tempo, inventar pontes para fazer sua travessia: pontes de linguagem. Vê-se que a linguagem, para o cartógrafo, não é um veículo de mensagens-e-salvação. Ela é, em si mesma, criação de mundos. Tapete voador... Veículo que promove a transição para novos mundos; novas formas de história. Podemos até dizer que na prática do cartógrafo integram-se história e geografia. Isso nos permite fazer mais duas observações: o problema, para o cartógrafo, não é o do falso-ou-verdadeiro, nem o do teórico-ou-empírico, mas sim o do vitalizante-ou-destrutivo, ativo-ou-reativo. O que ele quer é participar, embarcar na constituição de territórios existenciais, constituição de realidade. Implicitamente, é óbvio que, pelo menos em seus momentos mais felizes, ele não teme o movimento. Deixa seu corpo vibrar todas as freqüências possíveis e fica inventando posições a partir das quais essas vibrações encontrem sons, canais de passagem, carona para a existencialização. Ele aceita a vida e se entrega. De corpo-e-Iíngua. Restaria saberquais são os procedimentos do cartógrafo. Ora, estes tampouco importam, pois ele sabe que deve "inventá-los" em função daquilo que pede o contexto em que se encontra. Por isso ele não segue nenhuma espécie de protocolo normalizado. O que define, portanto, o perfil do cartógrafo é exclusivamente um tipo de sensibilidade, que ele se propõe fazer prevalecer, na medida do possível, em seu trabalho. O que ele quer é se colocar, sempre que possível, na adjacência das mutações das cartografias, posição que lhe permite acolhero caráterfinito ilimitado do processo de produção de realidade que é o desejo. Para que isso seja possível, ele se utiliza de um "composto híbrido", feito do seu olho, é claro, mas também, e simultaneamente, de seu corpo vibrátil, pois o que queré apreendero movimento que surge da tensão fecunda entre fluxo e representação: fluxo de intensidades

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escapando do plano de organização de territórios, desorientando suas cartografias, desestabi· lizando suas representações e, por sua vez, representações estacando o fluxo, canalizando as intensidades, dando·lhes sentido. Éque o cartógrafo sabe que não tem jeito: esse desafio permanente é o próprio motor de criação de sentido. Desafio necessário-e, de qualquer modo, insuperável-da coexistência vigilante entre macro e micropolítica, complementares e indissociáveis na produção de realidade psicossocial. Ele sabe que inúmeras são as estraté· gias dessa coexistência-pacífica apenas em momentos breves e fugazes de criação de sentido; assim como inúmeros são os mundos que cada uma engendra. É basicamente isso o que lhes interessa. Já que não é possível definir seu método (nem no sentido de referência teórica, nem no de procedimento técnico) mas, apenas, sua sensibilidade, podemos nos indagar: que espécie de equipamento leva o cartógrafo, quando sai a campo? Manual do cartógrafo

É muito simples o que o cartógrafo leva no bolso: um critério, um princípio, uma regra e um breve roteiro de preocupações-este, cada cartógrafo vai definindo e redefinindo para si, cons· tantemente. O critério de avaliação do cartógrafo você já conhece: é o do grau de intimidade que cada um se permite, a cada momento, com o caráterde finito ilimitado que o desejo imprime na condição humana desejante e seus medos. Éo do valor que se dá para cada um dos movi mentos do desejo. Em outras palavras, o critério do cartógrafo é, fundamentalmente, o grau de abertura para a vida que cada um se permite a cada momento. Seu critério tem como pressuposto seu princípio. O princípio do cartógrafo é extramoral: a expansão da vida é seu parâmetro básico e exclusivo, e nunca uma cartografia qualquer, tomada como mapa. O que lhe interessa nas situações com as quais lida é o quanto a vida está encontrando canais de efetuação. Pode·se até dizer que seu princípio é um antiprincípio: um princípio que o obriga a estar sempre mudando de princípios. Éque tanto seu critério quanto seu princípio são vitais e não morais. E sua regra? Ele só tem uma: é uma espécie de "regra de ouro". Ela dá elasticidade a seu critério e a seu princípio: o cartógrafo sabe que é sempre em nome da vida, e de sua defesa, que se inventam estratégias, por mais estapafúrdias. Ele nunca esquece que há um limite do quanto se suporta, a cada momento, a intimidade com o finito ilimitado, base de seu critério:

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um limite de tolerância para a desorientação e a reorientação dos afetos, um "Iimiarde desterritorialização". Ele sempre avalia o quanto as defesas que estão sendo usadas servem ou não para protegera vida. Poderíamos chamaresse seu instrumento de avaliação de "Iimiarde desencantamento possível", na medida em que, afinal, trata-se, aqui, de avaliar o quanto se suporta, em cada situação, o desencantamento das máscaras que estão nos constituindo, sua perda de sentido, nossa desilusão. O quanto se suporta o desencantamento, de modo a liberaros afetos recém-surgidos para investirem outras matérias de expressão e, com isso, permitir que se criem novas máscaras, novos sentidos. Ou, ao contrário, o quanto, por não se suportar esse processo, ele está sendo impedido. Éclaro que esse tipo de avaliação nada tem a ver com cálculos matemáticos, padrões ou medidas, mas com aquilo que o corpo vibrátil capta no ar: uma espécie de feeling que varia inteiramente em função da singularidade de cada situação, inclusive do limite de tolerância do próprio corpo vibrátil que está avaliando, em relação à situação que está sendo avaliada. A regra do cartógrafo então é muito simples: é só nunca esquecer de considerar esse "limiar". Regra de prudência. Regra de delicadeza para com a vida. Regra que agiliza mas não atenua seu princípio: essa sua regra permite discriminaros graus de perigo e de potência, funcionando como alerta nos momentos necessários. Éque, a partir de um certo limite-que o corpo vibrátil reconhece muito bem-a reatividade das forças deixa de ser reconversível em atividade e começa a agir no sentido da pura destruição de si mesmo e/ou do outro: quando isso acontece, o cartógrafo, em nome da vida, pode e deve ser absolutamente impiedoso. De posse dessas i nformações, podemos tentar defi n ir mel hor a prática do cartógrafo. Afirmávamos que ela diz respeito, fundamentalmente, às estratégias das formações do desejo no campo social. Agora, podemos dizerque ela é, em si mesma, um espaço de exercício ativo de tais estratégias. Espaço de emergência de intensidades sem nome; espaço de incubação de novas sensibilidades e de novas línguas ao longo do tempo. A análise do desejo, desta perspectiva, diz respeito, em última instância, à escolha de como viver, à escolha dos critérios com os quais o social se inventa, o real social. Em outras palavras, ela diz respeito à escolha de novos mundos, sociedades novas. A prática do cartógrafo é, aqui, imediatamente política. Extraído de Suely Rolnik, Cartografia sentimental, transformações contemporâneas do desejo, São Paulo: Editora Estação Liberdade, 1989, P.1S-16; 66-72.

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Suely Rolnik

Sentimental cartography "To encounter is to find, to capture, to steal, but there is no method for finding, only a long preparation. Stealing is the contrary to plagiarizing, copying, imitating or doing as. The capture is always a double-capture, the stealing, a double-stealing, and this is what makes not something mutual, but an asymmetrical block, an a-parallel evolution, marriages, always 'outside' or 'in-between' ." -Gilles Deleuze and Claire Parnet, Dialogues Cartography: a provisional definition

To geographers, cartography-distinct from maps which are representations of a static whole -is a drawing that accompanies and creates itself at the sarne time as the transformation movements of the landscape. Psychosociallandscapes can also have cartography. Cartography, in this case, accompanies and creates itself at the sarne time as the dismantlement of certain worlds-its loss of sense-and the formation of other worlds. Worlds that create themselves to express contemporary affects, in relation to which the cogent universes became obsolete. Ifthe task of a cartographer is to provide a language to demanding affects, it is basically expected ofhim that he would be immersed in the intensities ofhis time, and aware of the languages he encounters, he devour those which seem to him possible elements for the composition of those cartographies that deem themselves necessary. The cartographer is first and foremost an anthropophagite. The cartographer

The practice of a cartographer refers to, fundamentally, the strategies of the formations of desire in the social jieId. And little does it matter which sectors of the sociallife he chooses as an objecto What matters is that he remains alert to the strategies of desire in any phenomenon of the human existence that he sets out to explore: from social movements, formalized or not, the mutations of collective sensitivity, violence, delinquency... up to unconscious ghosts and the clinical profiles of individuaIs, groups and masses, whether institutionalized or noto Similarly, little matters the theoretical references of the cartographer. What matters is that, for him, theory is always cartography-and, thus being, it creates itselfjointly with the landscapes whose formation he accompanies (including, naturally, the theory introduced here). For that, the cartographer absorbs matters from any source. He has no racism whatsoever regarding frequency, language or style. All that may provide a language to the

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movements of desire, all that may serve to coin matter of expression and create sense, is welcomed by him. AIl entries are ,good, as 10n,g as the exíts are mu1tip1e. For this reason the cartographer makes use of the most varied sources, including sources not solely written nor solely theoretical. Their conceptual operators may equally arise fram a fi 1m as fram a conversation or a philosophy treatise. The cartographer is a true anthropophaBite: he lives of expropriation, appropriation, devourment and delivery, transvalorizedo He is always searching for nourishmel)t to compose his cartographies. This is the criterion for his choices: to discover which matters of expression, mixed to which others, which language compositions favor the passage of intensities that traverse his body in the encounter with the bodies he intends to understand. ln fact, "to understand", for the cartographer, has no relation whatsoever with explaining and least of all with revealingo For him there is nothing high up there-skies oftranscendence-, nor down under-the mists of essence. What there is high up there, underneath and everywhere are intensities looking for expression. And what he wants is to dive into the geography of affects and, at the sarne time, invent bridges to undertake his crassing: bridges oflanguage. We see that language, for the cartographer, is not a vehicle of messages-and-salvation. It is, in itself, creation of worlds. Flying carpeto ooVehicle that pramotes the transition to new worlds; new forms ofhistory. We may even say that in the cartographer's practice history and geography integrate themselves. This allows us to make two further observations: the prablem, for the cartographer, is not that of the false-or-true, nor of the theoretical-or-empirical, rather it is that of the vitalizing-or-destructive, active-ar-reactive. What he wants is to participate, embark in the constitution ofexistential territories, constitution ofreality. Implicitly, it is obvious that, at least in his happiest moments, he does not fear the movement. He allows his body to vibrate in all possible frequencies and keeps inventing positions fram which these vibrations may find sounds, passage channels, a lift towards exístentíalízation. He accepts life and surrenders. With body-and-Ianguage. It would remain to know which are the cartographer's procedures. Well, these do not matter either, for he knows that he must "invent them" based on what the context in which he finds himself demands. For this reason he does not follow any type of normalized protocol. What defines, therefore, the pro file of the cartographer is exclusively a type of sensitivity, which he sets himselfto make prevalent, wherever possible, in his work. What he wants is to place himself, whenever possible, in the surroundings ofthe cartographies' mutations, a position which allows him to welcome the finite unlimited character of the

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process of production of reality that is the desire. For this to be possible, he makes use of a "hybrid compound," made out ofhis eye, of course, but also, and simultaneously, ofhis vibrating body, for what he looks for is to apprehend the movement that arises from the fecund tension between flux and representation: flux of intensities escaping from the plan of organization of territories, disorienting its cartographies, disrupting its representations and, in this way, representations stagnating the flux, channeling the intensities, giving them sense. lt's because the cartographer knows there is no other way: this permanent challenge is itself the motor ofthe creation ofsense. A necessary challenge-and, in anyway, insurmountableof the vigilant coexistence between macro and micropolitics, complementary and inseparable in the production of psychosocial reality. He knows that the strategies of this coexistence are countless-peaceful merely in brief and fleeting moments of the creation of sense; as well as countless are the worlds that each one engenders. This is basically what interests him. Since it is not possible to define his method (not in the sense of theoretical reference, nor in that oftechnical procedure) but, only, his sensitivity, we may ask ourselves: what type of equipment does the cartographer take, when he sets afield? Cartographer's manual

What the cartographer carries in his pocket is very simple: a criterion, a principIe, a ruI e and a brief route of preoccupations-this, each cartographer defines and redefines to himself, constantly. You already know the evaluation criterion of the cartographer: it is that of the degree of intimacy that each one allows oneself, at each moment, with the finite unlimited character that desire prints on the desirous human condition and its fears. lt is that of the value that is given to each one of the movements of desire. ln other words, the criterion of the cartographer is, fundamentally, the degree of openness towards the life that each one allows oneself at each momento His criterion takes as its premise its principIe. The principIe ofthe cartographer is extra-moral: the expansion oflife is his basic and exclusive parameter, and never a cartography of any kind, taken for a map. What interests him in situations with which he deals is to what extent life is finding channels of effectuation. lt may even be said that his principIe is an antiprinciple: a principIe that obliges him to constantly change his principIes. For both his criterion as well as his principIe are vital and notmoral. And his rule? He has only one: it is a sort of"goIden ruIe." It provides elasticity to his criterion and his principIe: the cartographer knows that it is always in the name oflife, and of

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its defense, that strategies are invented, no matter how preposterous. He never forgets that there is a limit to how much can be borne, at each moment, the intimacy with the finite unlimited, the base ofhis criterion: a limit oftolerance for the disorientation and reorientation of affects, a "threshold of deterritorialization." He always evaluates the extent to which the defenses that are being used serve or not to protect life. We could name his instrument of evaluation the "threshold of possible disenchantment," since, after all, this deals with evaluating how much can be borne, in each situation, the disenchantment of the masks which are constituting us, their loss of sense, our disillusion. How much can disenchantment be borne so as to free those recently emerged affects to invest in other matters of expression, and with this allow new masks to be created, new senses. Or, on the contrary, the extent it is being upheld for not being able to bear this processo Of course this kind of evaluation has nothing to do with mathematical calculations, standards or measures, but with that which the vibrating body captures in the air: a type of feeling that varies completely based on the singularity of each situation, including the limit of tolerance of the vibrating body itself that is evaluating, in relation to the situation that is being evaluated. The rule ofthe cartographer is thus very simple: never forget to consider this "threshold." Rule of prudence. Rule of gentleness towards life. Rule that expedites yet does not attenuate his principIe: this ruI e allows him to discriminate the degrees of danger and potency, functioning as a warning sign whenever necessary. Because after a certain limit-which the vibrating body recognizes quite well-the reactivity ofthe forces ceases to be reconvertible in activity and begins to act in the sense of pure destruction of one's self and/or of the other: when this happens, the cartographer, in the name oflife, can and must be absolutely impious. With these infarmations in hand, we can attempt to better define the practice of the cartographer. We affirmed that it refers fundamentally to the strategies ofthe formation of desire in the social field. Now we may say that it is, in itself, a space af active exercise of such strategies. A space afthe emergence ofnameless intensities, a space ofincubation ofnew sensitivities and new languages throughout time. From this perspective, the analysis of desire ultimately refers to the choice ofhow to live, to the choice of cri teria with which the social, the real social,' is invented. ln other words, it refers to the choice of new warlds, new societies. Here, the practice of the cartographer is immediately politicaI. Extracted from Suely Rolnik, Cartografia sentimental, transformações contemporâneas do desejo, São Paulo: Editora Estação Liberdade, 1989, P.1S-16; 66-72, translated from the Portuguese by Adriano Pedrosa and Veronica Cordeiro.

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"De todas as mudanças de língua que o viajante deve enfrentarem terras longínquas, nenhuma se compara à que o espera na cidade de Ipásia, porque não se refere às palavras mas às coisas. Uma manhã cheguei a Ipásia. Um jardim de magnólias refletia·se nas lagoas azu is. Cam i n hava em meio às sebes certo de encontrar belas e jovens damas ao ban ho: mas, no fu ndo da água, caranguejos mordiam os olhos dos suicidas com uma pedra amarrada no pescoço e os cabelos verdes de algas. Senti·me defraudado e fui pedir justiça ao sultão. Subi as escadas de pórfido do palácio que tinha as cúpulas mais altas, atravessei seis pátios de maiólica com chafarizes. A sala central era protegida por barras de ferro: os presidiários com correntes negras nos pés içavam rochas de basalto de uma mina no subsolo. Só me restava interrogar os filósofos. Entrei na grande biblioteca, perdi·me entre as estantes que despencavam sob o peso de pergaminhos encadernados, segui a ordem alfabética de alfabetos extintos, para cima e para baixo pelos corredores, escadas e pontes. Na mais remota sala de papiros, numa nuvem de fumaça, percebi os olhos imbecilizados de um adolescente deitado numa, esteira, que não tirava os lábios de um cachimbo de ópio. -Onde está o sábio?-O fumador apontou para o lado de fora da janela. Era um jardim com brinquedos para crianças: os pinos, a gangorra, o pião. O filósofo estava sentado na grama. Disse: -Os símbolos formam uma língua, mas não aquela que você imagina conhecer." Extraído de Italo Calvino, "As cidades e os símbolos", As cidades inuisíueis, São Paulo: Companhia das Letras, 1990 , P.47-48, traduzido do italiano por Diogo Mainardi. Carlos Garaicoa City view trom the home table Vista urbana da mesa de casa 1998 maquete de cristal com fotografias, insetos, madeira e água para instalação em São Paulo [crystal maquette with photographs, insects, wood, water for São Paulo installation] dimensões variáveis 38 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


"Ofall the changes oflanguage a traveler in distant lands must face, none equals that which waits him in the city ofHypatia, because the change regards not words, but things. I entered Hypatia one mornir:g, a magno lia garden was reflected in blue lagoons, I walked among the hedges, sure I would discover young and beautifulladies bathing; but at the bottom ofthe water, crabs were biting the eyes ofthe suicides, stones tied araund their necks, their hair green with seaweed. I felt cheated and I decided to demand justice ofthe sultan. I climbed the porphyry steps ofthe palace with the highest domes, I crassed six tiled courtyards with fountains. The central hall was barred by iran gratings: convicts with black chains on their feet were hauling up basalt blocks fram a quarry that opened undergraund. I could only question the philosophers. I entered the great library, I became lost among shelves collapsing under the vellum bindings, I followed t~e alphabetical order of vanishes alphabets, up and down halls, stairs, bridges. ln the most remote papyrus cabinet, in a cloud of smoke, the dazed eyes of an adolescent appeared to me, as he lay on a mat, his lips glued to an opium pipe. 'Where is the sage ?' The smoker pointed out ofthe window. lt was a garden with children's games: ninepins, a swing, a topo The philosopher was seated on the lawn. He said: 'Signs form a language, but not the one you think you know.' " Extracted fram ltalo Calvino, "Cities and signs ," Invisible chies, New York: Harcourt Brace & Company, I974, PP.47-48, translated fra m the ltalian byWilliam Weaver.

39 Fragmento


curadoria Louise Neri

Oceania: explorando, não conhecendo "No momento em que um selvagem australiano sai para caçar, sua aparência e modo de agir passam por uma fantástica transformação: o olhar, antes pesado e apático, ilumina-se e nem sequer por um momento se fixa num objeto; o andare os movimentos, antes lentos e preguiçosos, tornam-se ágeis e inquietos, embora silenciosos; ele caminha a passos rápidos e furtivos, seus olhos movendo-se de um lado para o outro, vigilantes, ansiosos por detectar sinais de caça, temerosos de encontrar inimigos ocultos. Cada um à sua vez, a terra, a água, as árvores e o céu são submetidos ao olhar perscrutador, capaz de inferir presságios a partir das mais insignificantes circunstâncias. Ele mantém a cabeça erguida enquanto avança em ritmo variável. De repente, suspende a marcha e o gesto em movimento, como se subitamente petrificado. À sua volta nada se mexe, mas seus olhos vigilantes e inquietos movem-se de um lado para outro, enquanto a cabeça e todos os músculos parecem imobilizados; o branco de seus olhos descreve rápidos movimentos, enquanto toda a sua sensibilidade está concentrada, e sua alma totalmente absorta nos sentidos da visão e audição." -Sir G. Grey, Expeditions in Western Australia [Expedições no oeste da Austrália], 1837-18391 No quadro Impersonation [Personificação] (1984), de GeoffLowe, há uma figura representada na pose típica do Aborígine Mítico: apoiado sobre uma só perna, como cegonha, tendo numa das mãos o bumerangue e na outra a lança, o olhar atento a um vasto e aberto algures. Porém este lugar não é aqui. Aqui o espaço não é infinito, mas limitado, determinado pela largura, altura e profundidade de uma passagem interna. Nessa figura, nada é particularmente convincentemeio tola, escondida por uma tosca máscara de rosto negro, a indumentária escura e folgada como aquela dos ajudantes de cena "invisíveis" no teatro Kabuki, um fio de contas tribais enrolado no pescoço-para nãofalarda fatura tênue, esboçada, processual-como a vida, e não à guisa da vida. Ainda assim, devido a toda sua contingência, este quadro é perturbador, seu sentido deslizante evoca todo tipo de idéias contraditórias que você e eu possamos ter sobre o Outroidéias mais moderadas, talvez, do que as reações, que se alternavam entre idealização e depreciação, dos colonizadores europeus aos povos indígenas, em suas descobertas e usurpações da chamada terra nullius, mas conflitantes assim mesmo. Imitando nossas brincadeiras infantis de adivinhação e de "vestir de gente grande", essa imagem também nos dá a noção de como nos

sentiríamos se fôssemos aquele Outro agora, na cultura nervosa de nosso presente. Ao reuniro mundo do atelier do artista e o mundo construído de múltiplas maneiras que habitamos,

Impersonation esforça-se para tratar daquilo que é o não conhecer, neste caso apresentando, em nosso meio moderno, impressões contraditórias e freqüentemente estereotipadas-"os modelos que trazemos dentro de nós"2-dos mais antigos povos indígenas. Tracey Moffat Heaven Paraíso 1997 vídeo colorido [color videotape] duração 28 minutos

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Tatau (1978-86) é um processo de representação que também se realiza num quadro restrito, desta vez (segundo nos informa a legenda) uma sala de estar residencial nos subúrbios de Auckland, Nova Zelândia. Entretanto, não há aqui fantasia improvisada; o próprio corpo humano desnudo, objeto da pintura, é "envolto em imagens" [trad .] no tradicional processo de

tatau samoano. Ao recuperar a tatuagem a partir de taxonomias descorporificadas do arquivo colonial para documentar sua afirmação visceral de experiência individual e coletiva, o fotógrafo MarkAdams descreve seu trabalho de estripação como uma reação consciente ao seu estar num determinado momento histórico - "Em 1978, a Nova Zelândia não integrava a Polinésia. Havia o medo como reação indigna àquilo que não conhecíamos"3-e ao espaço emergente de cruzamento de culturas que o fotógrafo passou a observar e ocupar naquela época, levado por seu próprio desejo de criar imagens a partirde experiências radicais. Juntamente com o artista e seu objeto-a interação entre o tatuador, seus colaboradores e a "vítima" [sic]-, participamos da manifestação de uma provação tribal, que é ao mesmo tempo autenticamente alienígena e radicalmente alterada por seu novo contexto. Enquanto trabalhava, integrando-se no turbulento processo social do tatau, onde a realidade é tanto o compartilhamento de uma vivência extenuante, quanto o local onde ela ocorre, Adams descobriu que a própria barreira entre culturas não era fixa. Se os samoanos que ele conheceu adotavam o tatau como maneira de afi rmar sua identidade, alguns o faziam num contexto que viam como um espaço deslocado; para outros, o espaço se deslocava no tempo para tornar-se um novo espaço cultural compartilhado, ligando o lugarda realidade atual com o evento de determ inação histórica. Consciente do fato de que suá posição de estrangeiro no quadro acarreta um perigoso grau de deslizamento entre o que ele diz estar fazendo e o que realmente está acontecendo- aquilo que, segundo sua expe riência, no passado parecia corporificar a familiaridade, ser conhecido, agora apresentava-se instável-, Adams consumou o paradoxo, transformando-o em efeito positivo. "Estas seis imagens definem, para mim, os limites daquilo que agora acho razoável, mais ou menos bom. E isto pode ser, em parte, porque se Paulo (o tatuador), sua família e os outros samoanos que agora conheço, antes eram aquilo que eu não conhecia, agora certamente não são mais. Portanto, se a distância propiciada pela ação de 'transformar em outro' for reduzida ou removida por meio de negociação, talvez a potência do argumento sobre quem pode representar quem seja proporcionalmente diminuída. Ou talvez isso nem tenha mais importância."4

Heauen [Paraíso] (1997), um vídeo doméstico aparentemente simples, beirando o enfadonho, representa a reviravolta subversiva de Tracey Moffatt na filmografia convencional de temas antropológicos e vida selvagem . A artista transforma, num empreendimento científico de alta inflexão emocional, seu trabalho de campo, conduzido segundo a genuína tradição naturalistaum quadro que ela gerou por tentativa e erro e depois dirigiu por controle remoto, enviando um grupo de mulheres a várias praias de surfe na Austrália, com a missão de colher, seguindo critérios rígidos, imagens que ela pudesse montar num só filme, sem cortes. Em lugarde povos nativos ou vida animal, em Moffatt temos a taxonomia do Grande Macho Australiano lentamente revelada no prelúdio e no poslúdio do Grande Surfe Australiano, ao som do rufarde tambores e da rebentação. E, como na maioria dos filmes sobre animais selvagens (ao contrário dos filmes sobre surfe), os momentos orgásticos desse esporte mítico são relegados ao plano das tomadas panorâmicas, quando não totalmente ausentes. Aqui, acompanhamos o olho da câmera no encalço de surfistas que transformam em vestiários as áreas de estacionamento junto à praia, onde são flagrados no despojamento pós-coito de sua segu nda pele, a de neoprene. E, tal como na observação de animais na floresta, o esconde-esconde que o olho joga com sua presa fálica é errático e precário e o sujeito, indiferente, hipnotizado e hostil. Mas a excitação é irresistível e a busca prossegue até o "abate", quando a mão de uma mulher subitamente se projeta de t rás Tracey Moffatt Heaven Paraíso 1997 vídeo colorido [color videotape) duração 28 minutos

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da câmera e arranca a toalha com que a "vítima" esconde suas partes pudendas. No curso desta vivissecção lenta e minuciosa, o homem, tendo desfrutado os prazeres e enfrentado os perigos do oceano amniótico, é acossado, encurralado e agilmente desmembrado, literal e metaforicamente, por u ma predadora terrestre.

Só me interessa o que não é meu ... Em seus respectivos projetos, Lowe, Adams e Moffatt exploram aspectos daquilo que eu denominarei "síndrome de coração das trevas", a forma de sentimento psicótico tão vividamente articulado e dramatizado nos primeiros encontros históricos entre homem branco e "selvagem", subseqüentemente fantasiado na literatura e filmografia enlatadaaquele efeito de adrenalina provocado pelo não saber, pelo medo de ser diferente e enxergar de modo diverso em espaço alheio. As narrativas de primeiros contatos são em grande parte histórias violentas, uma implosão em espiral que transforma esse sentimento conflitante em formas mais sutise sinistras de desejo esquizóide, a impulsionarobjetivos de longo prazo de controle, possessão, assimilação e destruição-a apropriação do "canibal", a partirde sua estrutura cultural específica, pelo "civilizado" de modo a permitir-lhe atos de violência e promiscuidade sem limites. Só me interessa o que não é meu ... Por outro lado, enquanto reconhecem a presença do estranho em si próprios como condição imanente, os artistas criam contextos dinâmicos, de performance e de confrontação, por meio dos quais exploram esse mesmo sentimento ao invés de tentarem defini-lo e fixá-lo no espaço estático e distendido da história. E, ao converter suas contradições inatas em vez de coibi-Ias, lançam o sentimento como um discurso fértil e ativo nos espaços infinitamente contestados de terra e corpo. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Bem no espírito de verdadeiros canibais modernos, nossa curadoria apropriou o título de sua seção do manifesto visionário de Oswald de Andrade, que reivindicava uma cultura brasileira nativa e moderna. Outros excertos do manifesto aparecem ao longo do meu textoS. Minha reação instintiva à topografia escarrapachada de nossos roteiros exploratórios, no conceito abrangente de antropofagia, foi tratar a Oceania como um projeto de história espacial e corpórea, uma entidade antropomorfizada que havia se transformado no próprio objeto antropofágico, ou seja, aquilo que estava sendo canibalizado. Este raciocínio reflete a idéia de que todos nós temos uma relação de consumo com a terra que habitamos, em virtude de nossos desejos e ações. Em outras palavras, somos todos "devoradores do futuro"6. Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente ... Poder-se-ia até mesmo sugerir que a terra não existe até que seja reconhecida e se torne objeto de ações, até que entre para a linguagem. Assim, a história de uma terra é uma história intersubjetiva do quão diferentemente as pessoas se comportam na paisagem e a respeito desse fenômeno, e do conflito que surge do fato de pessoas habitarem um mesmo lugar, de modos diferentes. A obra fundamental de GeoffLowe, Tower Hill [Monte Torre] (1g84)-produzida na mesma época que o ciclo de pinturas Ten famous feelings for men [Dez sentimentos famosos para homens], o qual inclui Impersonation-originou-se de sua fascinação com Tower Hill, morro de primordial beleza situado na região agrícola de Victoria, desnudado para receber culturas aráveis no final do século XIX, e que mais de um século depois foi reflorestado, tendo como modelo a paisagem original reproduzida pelo pintor romântico austriaco Eugene von Guerard. Como resposta a essa extraordinária caixinha chinesa? de arte e vida-a reconstrução de uma paisagem natural com base numa representação evidentemente resultante do modelo interior do próprio artista imigrante do século XIX, o qual assimilava nos termos formais que conhecia a paisagem alienígena diante de si-, Lowe convidou Greg Page, artista que vivia de pintara óleo e in loco paisagens do cotidiano, que vendia diretamente do cavalete para excursionistas de fins-de-semana, e seu equivalente urbano e pós-moderno, Tony Clark, que à época conduzia uma investigação acanhada de temas de paisagens históricas, para colaborar com ele num grande trabalho de

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composição, trazendo à baila e desenvolvendo um complexo discurso sobre o papel central e controverso da pintura na percepção e ordenação da paisagem. Na disposição resultante, na mesma medida que a pintura original de von Guerard permaneceu fiel ao próprio "modelo interior", Lowe executou o modelo como um constructo discursivo e instável: Tower Hill consiste de um grande painel central, uma pós-imagem esquemática pintada em tons ácidos de amarelo e verde, em torno da qual estão agrupados pequenos objetos que vão desde representações mais cromaticamente convincentes, embora igualmente impressionistas, da localidade, até esboços do natu ral e de modelos. Essa noção do poder exercido pela pi ntu ra sobre a paisagem alcança sua apoteose em Painting devours everything [A pintura devora tudo] (1995), uma formulação posterior e ainda mais esquisita de Lowe, onde a topografia de Tower Hill é antropomorfizada num dragão mítico da Renascença italiana (que a meu veré mais parecido com seu equivalente antipodiano, o Grande Crocodilo Australiano) como tributo à persistente capacidade da pintura de permear a imaginação cultural. Contra o mundo reversível e as idéias objetivadas. Cadaverizadas. O stop do pensamento que é dinâmico . .. Contra a Memória fonte do costume. A experiência pessoal renovada ... Pelos roteiros. Acreditar nos sinais, acreditar nos instrumentos e nas estrelas ... No cenário sempre repetitivo do Paraíso perdido, saqueado e consumido, emerge um enredo alternativo, que propõe os processos da própria exploração como história, e não as descobertas. Ser um explorador significa habitar "um mundo de objetos potenciais com os quais se mantém um diálogo imaginário"8. A natureza ativa do tempo e do espaço do explorador rejeita o impulso de impor estruturas tangíveis sobre outras menos imediatamente visíveis, literalizaros limites e relações metafóricos, permitindo-lhes permanecer dinâmicos e sensíveis. Uma outra instância, mais frágil, do desejo reside nesse discurso espacial e sem fim sobre a exploração, onde o não conhecertransforma-se num estado positivo e atuante de investigação, de vivência no momento e de descrição em termos dessa vivência. O não saber e o risco, inclusive o conhecido tropo do vôo para fora do corpo e do tempo, revelam-se como atitudes de sabedoria xamânica, desde os primeiros relatos do explorador até as investigações do artista contemporâne0 9 • A produção em vídeo de Francis jupurrurla Kelly se situa nas especificidades de tempo, lugar, estrutura social e linguagem de seu povo tribal, os Warlpiri, uma comunidade aborígene que habita a remota região de Yuendumu, no Território Norte da Austrália. Parentesco e paisagem são os dois principais universos do pensamento Warlpiri. Suas relações metonímicas e metafóricas são expressas mais dramaticamente nas cerimônias, onde as representações materializam e renovam essas associações.jukurrpa ou "a Lei" é um cabedal de conhecimento cronotópico que possui poder de coalizão e força contemporânea, o qual se interpenetra com a relação espaçotempo mundana que gera, ao mesmo tempo em que difere dela. Os relatos sobrejukurrpa descrevem as ações de certos seres e a maneira como eles criam e recriam a paisagem, seus recursos e forças naturais. Essas histórias e a trama de parentesco se posicionam metaforicamente na grande paisagem, e no limite alcançam o outro lado do continente. Utilizando os meios de comunicação colocados à disposição pela Warlpiri Media,jupurrurla criou modos de utilização de vídeo e televisão que combinam com as premissas básicas da forma de representação performática e oral de sua tradição cultural tribal. Os mecanismos que permitem aos povos indígenas alcançar autonomia cultural e política dependem total e essencialmente do universo da produção cultural, na capacidade que a cultura tem de construir-se, formar sua imagem aos seus próprios olhos e aos olhos do mundo. Se até a próxima geração os meios de representare reproduzir formas culturais forem apropriados e perdidos, a civilização estará destruída. Éesta a luta que origina a arte dejupurrurla, a questão de como os meios de representação podem ser eficazmente introduzidos na jukurrpa-a qual privilegia os processos reprodutivos e não os produtos, e restringe as expressões sigilosas-para rememorare reativar

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a coleção de narrativas tribais, restaurando assim um sentido de lugar, sem ameaçar a própria base da cu Itu ra. jupurrurla sugere que a movimentação inquieta e recorrente de sua câmera de vídeo traz um significado a cada passo. As tomadas panorâmicas não seguem o movimento do olho do artista, mas sim do olhar de personagens invisíveis, que convergem para a paisagem participando de cerimônias rituais, incluindo certas histórias-dançadas "trazidas" de alguma distância para produzir a contigüidade e o corpus dessas histórias. Os não-iniciados poderão ver neste vídeo uma produção doméstica e não um trabalho épico de peso; entretanto, levando-se em conta os conceitos de parentesco e lugar dos Warlpiri, a expressão "filmagem caseira" é muito procedente. O primeiro vídeo feito por jupurrurla, Coniston Story (1984), relembrou um grande massacre de aborígenes pelos brancos em 1929, em retaliação pelo assassinato de um branco caçador de peles e dingos, os cachorros dos aborígenes. A matança aniquilou a concentração ritual, a congregação que funcionava como repositório de histórias locais e de tomada de decisões. As várias versões de narrativas sobre esse período histórico, conhecido como "Killing Time" (Tempo de Matança), serviram de mito de origem, explicando a presença e natureza dos europeus na região e articulando as relações que emergiam entre as duas culturas. jupurrurla retornou ao local mais de meio século depois, levando consigo trinta Warlpiri-o número necessário, segundo o cômputo de parentesco, para identificar e articular as relações na reprodução cultural. Esse grupo incluía um velho japangardi (membro da "metade" oposta do grupo tribal de jupurrurla), o qual testemunhou os eventos na sua infância e faria a narrativa da história, segundo complexas exigências de inscrição e produção cultural, que obedecem aos binômios correspondentes de casamento e descendência. Assim, o processo de recordação da comunidade, instigado para reconstruiro relato do que aconteceu, repor as histórias perdidas no massacre, também se transforma no sistema pelo qual se estabelece e põe em funcionamento os procedimentos de produção, realizando o objetivo de jupurrurla, ou seja, criarYapa-meios de comunicação que verdadeiramente existem na e a partirda cultura Warlpiri. Dadas as complexas condições que corroboram a produção artística na cultura aborígene, no que diz respeito à concepção, interpretação e expressão cultural, jupurrurla dirige, ao invés de criar, expressões da cultura comunitária rigorosamente negociadas e articuladas. Ele baseia seu modelo de discurso eletrônico nos princípios de orientação, ou seja, que cada um fala a partir de e para seu lugar em particular. Portanto, qualquer história vem de um lugar específico e viaja, formando em sua passagem elos que definem os roteiros para pessoas e cerimônias. Uma longa história, um mito completo ou uma decisão importante requerem um grande número de pessoas e enredam muitas comunidades para sua efetivação. Por isso, a referida transferência do discurso Warlpiri para a linguagem de vídeo é altamente exploratória. Mais de dez anos após sua primeira incursão no universo dos filmes em vídeo, jupurrurla continua a produzi-los em Yuendumu, além de dedicar-se à família e à comunidade, suas principais àtribuições. Nesse período, os objetivos vêm sendo razoavelmente mantidos e os registros cresceram, assim como as transmissões via satélite e as co-produções com redes nacionais de telecomunicações. Entretanto, o projeto é frágil e está sempre ameaçado de extinção; assim como o futuro da comunidade, sobrevive somente graças ao constante e vigilante processo de negociaçã0 10 • GeoffLowe continua a questionar sua própria posição como um artista, na fragilidade temporal e espacial do mundo vivenciado, agora colaborando regularmente com outros para incorporar passagens formais e experimentais por fora da linguagem do seu trabalho pessoal, para dar sustentação à instável e insolúvel aparência das coisas. O artista entrou, literal e metafoTracey Moffatt Up in the sky Lá no céu 1997 25 litofotografias off-set [off-set photolitographies] edição 47/60 72x102cm cortesia Roslyn Oxley9 Gallery, Sydney

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ricamente, em suas pinturas-como, por exemplo, em Ready, steady, go [Aprontar, preparar, largar], de 1990, onde ele transpõe as atividades desinibidas de workshop do grupo "Rosebud" e entra no espaço abstrato e prazeiroso de uma pintura feita por sua colega Angela Brennanutilizando as técnicas aprendidas na psicoterapia em grupo. Querdizer, usando o que as pessoas conhecem como resultado daquilo que já vivenciaram para explorar conceitos mais amplos, desdobrar sua estrutura em vários outros meios cooperativos-os quais ele não cria, mas dirige, juntamente com sua sóciaJacqueline Riva: um grupo de projeto (A constructed world) [Um mundo construído], um fanzine de arte (ARTFAN), e um vídeo coletivo (Scenes from the Whipstickforest. .. ) [Cenas da floresta Whipstick ... ]. Por intermédio do ARTFAN, um projeto desenvolvido por Aconstructed world e publicado pelo próprio grupo desde 1993, Lowe e Riva procuram restabelecer as comunicações entre o mundo da arte e o mundo exterior, extraindo insights e impulsos sobre a arte de uma grande variedade de vozes concorrentes. Cada exposição ou nova edição é apresentada em cerca de cem palavras porquatro pessoas-um crítico, um artista, um indivíduo de profissão não-correlata e um leigo no mundo das artes, que representa o público em geral. Enquanto reconhece que "a reação à arte é seu maior capital"11, a ARTFAN se esforça para equilibrar a voz do observador-avaliador, estimulando várias outras opiniões sobre a aparência da arte e a própria experiência da observação. Scenes from the Whipstick forest ... , uma série de "sketches" filmados em vídeo, também é feita "para o momento da experiência real de se juntar pessoas só para ver no que dá". Com uma câmera de vídeo doméstica, ferramenta "ágil, presente, democrática, de fácil manejo para o indivíduo ou grupo, barata e divertida~', que utiliza relativamente sem talento ou perícia, Lowe filma performances coletivas na paisagem ilimitada e caprichosa, na procura de seu caminho de retorno para o que é o não conhecer. "As pessoas fazem um monte de coisas frente à câmera: cantam, tiram suas roupas, revelam algo secreto. Parecem incorpóreas ou em estado de graça, abençoadas ou radiantes, melhores no vídeo do que na pintura, de alguma forma mais meigas, efêmeras, mais presentes, mais desejáveis. Mas, no caso da paisagem, é necessário conhecer a iluminação disponível, os ângulos etc., para se conseguir alguma sensação de 'estar ali', caso contrário ela parecerá plana, sem nuances e 'unidimensional', desprovida de características de paisagem. O vídeo é como uma pintura, na medida em que você tende a aprender.sobre o mundo enquanto testemunha algo que pode ser representado ... alguns sentimentos não se dão a ver, precisam ser significados."12 Todos os meios que o grupo A constructed world utiliza em seu repertório são adotados com o propósito de oferecer múltiplos pontos de entrada em tópicos comuns ao coro de vozes que constitui a comunidade de artistas e amadores, em constante evolução, trabalhando em torno de Lowe. Imagens e opiniões de pessoas famosas ou comuns competem lado a lado, fantasias e fatos vivenciados flertam e entram em conflito mútuo. Assim, a imaginação de Lowe se recoloca no mundo exterior que usa como cenário, "uma cena temporal solta, onde a história acontece e a cu Itu ra se forma"13. "Sem pre tive enorme confiança no local, e não no país ou estado, pois ele representa a oposição ao domínio da cultura mundial, uma vez que advém da repetição de suas próprias experiências. Locais poderão ser bons ou maus, porém são verificáveis. Você constrói um senso de lugar com base naquilo que acontece com você" .14 Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós ... Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaual. .. Contra a realidade social, uestida e opressora, cadastrada por Freud ... Fascinante e enigmática, Up in the sky [Lá no céu] (1997), a fuga fotográfica de Tracey Moffatt, traz evocações obscuramente religiosas da interpenetrabilidade entre indivíduo e paisagem. Moffatt explora seu "coração de trevas"-aquilo que não conhece-numa queda livre, a alta definição controladora de sua visão artística que lhe permite relembrar, repetidas vezes, aqueles poucos momentos de ansiedade proibida necessários para o clic perfeito enquanto se posta, em segurança, detrás da lente.

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A análise do sonho comum de queda no vazio supõe que, se o indivíduo não desperta antes de chocar-se contra o solo, é porque está morto. Portanto, a queda livre poderia ser o estado de "sonho acordado", um termo que vem sendo usado para descrever o poder da fotografia em misturar passado e presente, suspender em destilações incomparáveis o mundo e a vivência dele pelo artista 1s . Ao direcionar sua mente incansável de vivisseccionista para indivíduos e ambientes existentes, cujas experiências redistribui num registro propositalmente mais elevado, Moffatt confere um lirismo formal e selvagem à sua consciência exploratória da interação humana com e na paisagem. Ao criaro storyboard de Up in the sky, enquanto se dirigia para algum destino em lugar nenhum, a artista identificou momentos ambíguos e espantosos no não-enredo, segundo os personagens e locações que encontrou em seu caminho. "Escolho meus personagens pelas pessoas que são, e não poraquelas que eu gostaria que fossem".16 A partirdaí, ela permite que as características de cadajogadore cada lugar, segundo sua própria percepção, representem-se sob a direção dela. Porém, será que neste cenário Tracey Moffatt sonhou os personagens, ou foram eles que a sonharam? Na paisagem áspera e vazia, as realidades dos indivíduos se materializam num agourento espetáculo de sonho acordado. No esboço incompleto que Moffatt apresenta, os hiatos e espaços em branco são tão provocantes quanto as próprias revelações. A ativação da capacidade crítica do observador, com o objetivo de explicare descobrir, não leva a lugar nenhum pois, no limite, é a intensidade e ousadia da aventura-"a qualidade da viagem"17-que confere emoção ao trabalho. No jardim de bifurcações de Moffatt, o indivíduo se vê sempre de volta ao começo, sabendo menos ainda que antes e, por isso mesmo, sentindo-se muito mais sábio. Outra série de eventos imponderáveis: Untitled

22092 (12

March 2025) [Sem título 22092 (12 de

março de 2025)]: "Um mapa de Chipre, desenhado com precisão a partir de levantamentos topográficos, onde, devido ao aquecimento global, o nível do marse elevou, inundando a planície entre as montanhas do norte e as do sul, criando duas ilhas distintas, solucionando assim a questão atual da fronteira que divide o norte do sul". Untitled 22095 (15 March 2025) [Sem título 22095 (15 de março de 2025)]: "Nadando e imaginando a inundação."

Untitled 22099 (19 March

2025) [Sem título 22099 (19 de março de 2025)]: "Carrinhos de mão, montes de areia e outras

coisas necessárias para o preparo do concreto. A construção na planície prossegue impervia:mente". Untitled 22108 (28 March 2025) [Sem título 22108 (28 de março de 2025)]: "O efeito estufa. Um lugar indistinto, o céu muito escuro e a lua cheia forçando sua passagem ao centro. Umajovem recostada, em traje contemporâneo, cobre parcialmente seu rosto com a mão, sorri em nossa direção por entre os dedos". E assim por diante. 18 Será que essas coisas realmente aconteceram no futuro? Será que esses lugares e pessoas jamais existiram? Mutlu Çerkez é um cipriota turco que reside e trabalha na Austrália, para quem a identidade contestada de sua pátria longínqua é umafonte inata e perene de entretenimento para sua pesquisa artística. (Digo "entretenimento" porque o toque de Çerkez é delicado e indefinível, revelando sua preferência pela natureza sugestiva do fragmento imaginário face à literalidade do todo ideológico). Frente à sua indeterminação, que como sabemos pode ser ao mesmo tempo liberalizante e perturbadora, Çerkez se volta para a imagem tênue de sua única certeza: o seu próprio "eu". Mas, em vista do ceticismo com que vê o corpo empírico, as questões a ele relacionadas, e a lógica da narrativa clara, prefere desempenhar sua experiência na forma de uma trama em aberto, complexa e instável, de referências edéticas ao seu passado, presente e futuro. Nesse processo, Çerkez produz lentamente e com sensível precisão ao longo de um amplo repertório de meios-pintura, artes gráficas, escultura, música rock e cinema-e de taxonomiastanto naturais como artificiais-, para formar cenários cuidadosamente orquestrados, enquanto inventa e reinventa regras e táticas no âmbito da estratégia de seu estado lúdico.

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Mark Adams Farwood drive, Henderson, West Auckland Su'a Pasina Sefo da série Tufuga Ta-Tatau 1982 cibacromo

125 x100cm coleção Museum of New Zealand Te Papa Tongarewa Chalfont Crescent, Mangere, South Auckland Su 'a Suluape Paulo II da série Tufuga Ta-Tatau 1985 cibacromo

125 x100cm coleção Museum of New Zealand Te Papa Tongarewa 51 Oceania Louise Neri


Rechaçando a idéia de que o desenvolvimento artístico deve seguir uma progressão linear de tempo, a obra de Çerkez propõe um modelo cronotópico, no qual os eventos e experiências subjetivados em termos de seu próprio espaço de vida, real e imaginado, permanecem em estado constante de fluxo dinâmico e interdependente. Assim, numa exposição dos trabalhos do artista, o observadoré propelido, de imagem a imagem, às dobras e hiatos do tempo metafísico. O projeto Notes for an unwritten opera [Notas para uma ópera não escrita] (1992) consistiu de oito imagens, "lembranças"19 de uma viagem à sua terra natal e uma linha do tempo tirada da vida do próprio Çerkez e instaladas, juntamente com um apiário vivo, na parede externa da galeria, de modo que os visitantes pudessem observar as abelhas trabalhando em seus favos. Em More notes for an unwritten opera [Mais notas para uma ópera não escrita] (1997), três pinturas e um modelo escultórico referiam-se a trabalhos anteriores, os quais por sua vez adquiriram uma importância mais profunda como índices. Sem dúvida, Çerkez continuará a elaboraros termos semânticos e físicos de sua obra no quadro de sua "ópera", a qual, assim como todas as suas imagens edéticas, poderá ou não algum dia ser representada por pessoas reais, em tempo real. E, assim, Çerkez mantém esses termos num estado de potencialidade, tão enigmáticos e vulneráveis quanto a figu ra que ele rep resenta "nadando e imagi nando a inundação" em algum ponto longínquo na história futura, suspensa numa existência sensível, embora não-diferenciada, num oceano de tempo e espaço. Post-Scriptum: Antropofagia, Exploração e Sentimento Oceânico

Sob a imensa, complexa e turbulenta superfície da Oceania enlouquecida portantas linhas confl itantes de desejo, há uma outra oceania que de tempos em tempos se revela aos exploradores - não apenas um outro novo território para serconsumido pelo descobrimento ou pelo olhar, mas algo substancialmente menos tangível, um sentimento, um "objeto em potencial com o qual travar um diálogo imaginário". Certa vez Romain Rolland descreveu esse "sentimento oceânico" para seu amigo Sigmund Freud - com o qual discutia religião porcorrespondência-, como sendo "um sentimento puramente subjetivo e não-específico de eternidade, de imensidão, ausência de limites, um sentimento de vínculo indissolúvel com o mundo exterior". Refletindo a partir de base científica, Freud considerou o "sentimento oceânico" possivelmente como sendo uma disfunção do ego, onde as linhas divisórias entre este e o mundo exterior haviam-se tornado "incertas" ou "incorretamente traçadas." Após maior reflexão, inferiu que o sentimento pudesse ser uma forma ideada e sobrevivente do estado mental primord ial quando o ego e o mundo à sua volta estavam mais intimamente ligados 2 0 • O escopo que Freud definiu em suas tentativas de compreender o significado de Rolland tem dois pólos sociais: numa extremidade, o sujeito psicótico que não percebe o limite que o separa dos outros, e na outra extremidade-ponto de partida de minhas explorações-o artista em seu território artístico, unificado com aquilo que está sendo representado. Para aqueles que vivem, como nós, num tempo em que o pensamento psicanalítico permeia cada centímetro de nosso espaço cultural, é fácil subestimaro quão liberalizantes as descobertas e definições de Freud poderão ter sido para uma cultura na qual, antes de suas investigações, os impulsos humanos mais vigorosos não tinham nomes e, portanto, eram banidos para os mundos mais amedrontadores do não-conhecer e da superstição. Pergunto-me se Rolland e Freud, sentados às suas respectivas escrivaninhas, imersos em seu diálogo amniótico, davam-se conta de que ambos integravam uma consciência participativa, uma mesma cadência religiosa de acordo com a qual Oswald de Andrade, no outro lado do mundo, já havia começado a escrever seu "Manifesto antropófago" . Louise Neri. Traduzido do inglês por Izabel Murat Burbridge. Agradeço a Co ll ier Schorr por seu apoio editorial e comentários e a todos do passado, presente e futuro cujas reflexões e palavras espero ter respeitosamente consumido.

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Londres, 1841, vol. 2, P.267 in Paul Carter, The road to Botany Bay: an exploration of landscape and history, Chicago: Chicago University Press, 1987, P.350. 2. Geoff Lowe em entrevista a Alison Carroll, "The excluded middle: GeoffLowe talks about his work with amateurs," no catálogo da exposição Geoff Lowe: collaborations 1980-1992, Melbourne: Australian Centre for Contem porary Art, 1992, p.12 3. MarkAdams em correspondência com a autora, maio 1998. 4. Idem. 5. Oswald de Andrade, "Manifesto antropófago," (1928), Gilberto Mendonça Telles (org.) Vanguarda européia e modernismo brasileiro, Petrópolis: Vozes, 1972. 6. Tomei emprestado este termo do controverso estudo da história ecológica das terras e povos australianos escrito pelo australiano Tim Flannery, especialista em animais mamíferos (Melbourne: Reed Books, 1994). O estudo pressupõe a dizimação do meio ambiente primordial pelo homem como uma inevitabilidade fatalística da habitação humana. 7. Alusão ao brinquedo chinês que consiste de cubos encaixados, os menores dentro de maiores, sucessivamente [N. da n. 8. Paul Carter, The road to Botany Bay: an exploration oflandscape and history, Chicago: University ofChicago Press, 1989, P.25. Estou absolutamente em dívida com o brilhantismo metafórico da teoria original e vívida da descoberta e exploração da Austrál ia, apresentada por Carter. 9. Michael Taussig, "Homesickness and Dada" in The nervous system, Nova York: Routledge, 1992, p.161. 10. Para discutir Francis Jupurrurla Kelly e Warlpiri Media, contei em grande parte com o trabalho instrumental de Eric Michaels, um antropólogo norte-americano e crítico cultural cujos detalhados, eloqüentes e apaixonados estudos de campo das modernas práticas culturais aborígenes são documentos imprescindíveis no estudo da cultura australiana. A pequena monografia For a cultural future: Francis jupurrurla makes TV at Yuendumu, da qual tirei a maior parte das informações, foi publicada pela Artspace, Sidney, em 1987, como Volume 3 da série Art & Criticism Monographs. 11. GeoffLowe e Jacqueline Riva, editorial, Artfan One, primavera de 1993. 12. GeoffLowe em correspondência com a autora, maio de 1998 13. Angela Brennan, "GeoffLowe: according to others", no catálogo da exposição GeoffLowe: collaborations 1980-1992, P.17. 1.

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14. GeoffLowe num discurso de inauguração da mostra "St. Kilda Scapes", Melbourne 1991, GeoffLowe: collaborations 1980199 2, P·23· 15. Esta expressão foi tirada de "Ode to a Nightingale", de John Keats (1819), para servirde título da exposição "The waking dream: photography's first centuryj selections from the Gilman PaperCompanycollection," realizada no Metropolitan Museum, Nova York, 1993. No texto de apresentação do catálogo, a curadora Maria Morris Hambourg usa o grande devaneio de Keats para descrever a qualidade fantásmica de fotos "excepcionais, cuja presença pode conter uma realidade desconcertante, [mas] uma realidade que flutua num universo incorpóreo no qual passado e presente se fundem. Enquanto existem simultaneamente em ambas as dimensões, elas são pós-imagens de visões poéticas no coração das coisas", p.xviii. 16. Tracey Moffatt em conversa com a autora, maio de 1998 17. Paul Carter, The road to Botany Bay: an exploration oflandscape and history, p.26 Carter utiliza essa expressão charmosa em sua discussão sobre o Capitão James Cook, explorador inglês do século XVIII, que o autor designa como "o inauguradorda história espacial australiana". 18. Estas descrições de autoria de Çerkez foram publicadas no catálogo de sua exposição, Notes for an unwritten opera, Anna Schwartz Gallery, Melbourne, 1992. 19. Usei esse termo aqui e em outro lugardo texto, no sentido descrito por Husserl em sua discussão da história fenomenológica e da função idética em The origin ofgeometry (1936): "A possível atividade de rememoração, na qual experiências passadas são vivenciadas como que se de maneira quase-nova e quase ativa, pertence à passividade daquilo que de pronto é obcuramente despertado e do que talvez venha a emergir com clareza cada vez maior." Paul Carter invoca esta teoria fascinante na formulação de sua criação da história intercultural no último capítulo de The road to Botany Bay: an exploration oflandscape and history, P.349. 20. Sigmund Freud, Ciuilization and its discontents, Nova York: W.W. Norton & Company, 1989, p.l0-21. Tomei conhecimento desse intercâmbio no oportuno editorial "Oceanic Feeling", de autoria de Robyn McKenzie, in lIKE, Art Magazine 5, 1998, RMIT, Melbourne.


curadoria Lou ise Neri

Oceania: exploring, not knowing "The moment an Australian savage commences his day's hunting, his whole manner and appearance undergo a wondrous change: his eyes, before heavy and listless, brighten up, and are never for a moment fixed on one object; his gait and movements, which were indolent and slow, become quick and restless, yet noiseless; he moves along with a rapid stealthy pace, his glance roving from side to side in a vigilant manner, arising from his eagerness to detect signs of game, and his fears ofhidden foes . The earth, the water, the trees, the skies, each are in turn subjected to a rigid scrutiny, and from the most insignificant circumstances he deduces omens-his head is held erect, and his progress uncertain, in a moment his pace is checked, he stands in precisely the position of motion as if suddenly transfixed, nothing about him stirs, but his eyes, they glance uneasily from side to side, whilst the head and every muscle seem immoveable; the white eyeballs, may be seen in rapid motion, whilst all his faculties are concentrated, and his whole soul absorbed in the sense of sight and hearing." -Sir G. Grey, Expeditions in Western Australia, 1837-18391 ln GeoffLowe's painting Impersonation (1984), there's a figure standing in that distinctive pose . associated with the Dreamtime Aboriginal: balanced on one leg like a stork, boomerang in one hand, spear in the other, looking out towards a somewhere vast and open. But that somewhere is not here. Here, space is not infinite but limited, determined by the height, depth, and width of an interior doorway. Nothing about the figure is particularly convincing- sort of silly, shrouded in a crude blackface mask and loose-fitting, dark costume like those worn by the "invisible" stagehands ofKabuki theatre, a string of ethnic-Iooking beads looped around its neck-not to mention the paintwork which is tenuous, sketchy, processual-like life, rather than being lifelike. And yet for all its contingency, this picture disturbs, its slippage evoking all the conflicting thoughts that you and l might have about the Other-more moderate, perhaps, than the alternately idealizing and derogating responses ofEuropean colonizers toward indigenous peoples in their discovery and usurpation of so-called terra nullius, but conflicted nonetheless. Mimicking the games of d~ess-ups and charades we've all played, this image also conveys something ofwhat it mightfeellike to be that Other now, in the nervous culture of our presento Bringing together the world ofthe artist's studio with the variously constructed world that we inhabit, Impersonation attempts to deal with what it is to not know, in this case presenting the contradictory, often stereotypical, impressions-"themodels we carry around inside"2-of the most ancient of indigenous peoples in our modern midst. Tatau (r978-86) is a process of depiction also taking place in a restricted frame, this time (so the caption informs us) a suburban living-room in Auckland, New Zealand. But here there is no improvised costume; the bared human body, which is the object ofthe picture, is itselfbeing "wrapped in images" [tr.] through the process ofthe traditional Samoan tatau. Recuperating the tattoo from the disembodied taxonomies of the colonial archive to document its visceral J

'

Geoff Lowe Impersonation Person ificação 1984 tinta de polímero sintético sobre linho [synthetic polymer paint on linen] 152,5x 122cm coleção The lan Potter Museum of Art, The University of Melbourne

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affirmation of individual and communal experience, photographer Mark Adams describes his gut-wrenching work as a self-conscious response to his being in a particular historical moment"ln 1978, Ne'w Zealand was not Polynesia. Fear existed as an undignified response to what we did not know"3-and to the emergent cross-cultural space that he began to observe and occupy at the time, drawn by his own desire to make images out of extreme experiences. With the artist and his subject- the interaction between the tattooist and his collaborators and the "victim" [sic]-we enter into the enactment of a tribal ordeal which is at once authentically alien yet radically altered by its new contexto As Adams worked, incorporating himself into the boisterous social process of the tatau where reality is as much the sharing of the gruelling experience as where it is taking place, he found that the barrier between cultures itself was not fixed. If the Samoans he met carried on tatau as a means of affirming identity, some did so within a context they perceived to be a dislocated space; for others, the space shiÍted in time to become a new shared cultural space connecting the place of current reality with the event ofhistorical determinacy. Alert to the fact that his position as the stranger within the frame entails a risky degree of slippage between what he says he's doing and what is actually happening- that something which had once seemed in his experience to embody familiarity, to be known, had turned out to be unstable-Adams consumed the paradox, turning it to positive effect. "These six images define for me the limits of what I now think of as OK, more or less. And this may be partly because ifPaulo [the tattooist] and his family and the other Samoans I now know were once what I did not know, they certainly are not that now. So, if the distance afforded by "othering" is reduced or removed by negotiation, perhaps the potency of the argurpent over who can represent whom diminishes proportionately. Or maybe it just doesn't matter anymore."4

Heaven (1997), a seemingly simple, verging-on-boring home-video, is Tracey Moffatt's subversive spin on the conventional anthropological or wildlife filmo She transforms her fieldwork, gathered in true naturalist tradition-the frame initially worked out by her through trial-anderror then conducted by remote control, sending a bunch of women out on assignment to various surfing spots around Australia to shoot footage according to her strict instructions which she could then incorporate in one seamless whole- into a scientific enterprise with a high emotional twist. Instead of indigenous peoples or animaIs, we see the taxonomy of the Great Australian Male slowly revealed in the fore and afterplay of the Great Australian Surf, to the sound of throbbing drums and breaking waves. And as in most wildlife films (but unlike surfing movies), the orgasmic moments of this mythic sport are relegated to the longshot, or altogether absent. Instead we follow the camera's eye as it hunts down guys in the outdoor locker-room ofbeach carparks, intercepting their "post-coital" stripping of wetsuit second skins. And as in wildlifespotting, the pursuant game ofhide-and-seek that the eye plays with its phallic prey is erratic and precarious; the subject is by turn indifferent, fascinated, hostile. But the thrill is irresistible and the chase continues to the "kill," where a woman's hand suddenly darts out from behind the camera and snatches away the towel that is being clutched by the "victim" to his private parts. ln this slow and detailed vivisection, man, having ridden the pleasures and dangers of the amniotic ocean, is stalked, trapped, and jauntily dismembered, literally and metaphorically, bya landdwelling predatress.

The anIl} things that interest me are thase that are nat mine . .. ln their respective projects, Lowe, Adams, and Moffatt are exploring aspects of what I will call the "heart of darkness syndrome," that form of psychotic feeling so vividly articulated and theatricalized in historical first encounters between white man and "savage," and subsequently fantasized in literature and schlock cinema-that Geoff Lowe com [with] Tony Clark e [and] Greg Page Tower hill Monte Torre 1984 resina, óleo, ti nta de polímero sintético sobre linho e gesso [alkyd resin, oil, synthetic polymer paint on linen and plaster] 152x304cm

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instant, adrenalous thrill of not knowing, the fear ofbeing different and seeing differently in alienated space. The history offirst encounters, for the most part, is a violent history, a spiralling implosion of this conflicted feeling into the more subtle and sinister forms of schizoid desire driving long-term objectives of controlling, possessing, assimilating, destroying-the appropriating of "cannibal" from its specific cultural framework by "civilized" as licence for "civilized" to run amok. The only thíngs that ínterest me are those that are not míne . .. By contrast, artists, recognizing the presence of the stranger within themselves as an immanent condition, create dynamic, performative, confrontational contexts through which to explore this sarne feeling, rather than attempting to define and fix it within the static and distended space ofhistory. And in proselytizing, rather than suppressing, its innate contradictions, they release it as an active and fertile discourse into the endlessly contested spaces ofland and body. Routes. Routes. Routes. Routes. Routes. Routes. Routes. ln the spirit of true modern cannibals, our curatorium bit the title of our enterprise from Oswald de Andrade's visionary manifesto for a modern, indigenous Brazilian culture, other snatches ofwhich appear throughout my text. 5 My instinctive response to the sprawling topography of our exploratory routes as situated within the comprehensive concept of antropofagía, was to treat Oceania as a project of spatial and corporeal history, an anthropomorphized entity that had become the anthropophagic subject itself, the thing being cannibalized. ln this thought resonates the idea that all of us have a consuming relationship with the land we come to inhabit by virtue of our desiring and acting upon it: ln other words, we are all "future-eaters."6 Only anthropophagy unítes uso .. Socíally. Economícally. PhílosophícaIly. One could even suggest that the land does not exíst until it is perceived and acted upon, until it enters language. Thus, the history ofthe land is an intersubjective history ofhow different people behave in and towards the phenomenon oflandscape, and ofthe conflict that arises from people ínhabítíng the sam e place ín düferent ways. GeoffLowe's pivotal work, Tower Hill (1984)-produced contemporaneouslywith the painting cycle Tenfamousfeelíngsfor men, ofwhich Impersonatíon is part-grew out ofhis fascination with Tower Hill, a primordial beauty spot in rural Victoria, denuded for arable cultivation by the late nineteenth century which, more than a century later, was reafforested using as a model the rendering of the originallandscape by the Austrian Romantic painter, Eugene von Guerard. ln response to this astonishing Chinese box of art and life-the reconstructing of a naturallandscape after a painting which so clearly sprang from the nineteenth century emigré painter's own interior model-his assimilating the foreign landscape before him into the formal terms that he knew-Lowe invited Greg Page, an artist who lived from selling his on-the-spot, slice-of-life, oil-on-canvas landscapes fresh offthe easel to weekend daytrippers-and an urbane postmodern counterpart, Tony Clark, who was engaged in a self-conscious investigation ofhistoricallandscape motifs-to collaborate with him on a major composite work, thus eliciting and enacting a complex discourse on the central and controversial role of painting in the perception and ordering of landscape. ln the resultant arrangement, insofar as von Guerard's original painting remained true to "the model within" himself, so did Lowe render the model as a discursive and unstable construct: Tower Hill consists of a large central paneI, a schematic afterimage brushed in acid yellow and green, around which are clustered small subjects ranging from more chromatically convincing, but equally impressionistic, renderings of the location to sketches from life and models. This idea ofthe power ofpainting over landscape reaches its apotheosis in Lowe's later, kookier formulation, Paíntíng devours everythíng (1995), where the topography ofTower Hill anthropormorphizes into a mythical dragon ofthe Italian Renaissance (though looking to me Geoft Lowe A constructed world Um mundo construído maquete 1997 ambiente técnica mista [mixed media environment] dimensões variáveis Artfan Magazine Revista Artfan

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more like its notorious antipodean counterpart, the Great Australian Crocodile), as a tribute to painting's persistent ability to permeate the cultural imagination. Down with the reversible world and objective ideas. Transformed into corpses. The curtailment of dynamic thought. .. Down with memory, source of custom . .. Personal experience renewed . .. Along the routes. Believe in signs, believe in the instruments and the stars . .. ln the consistently repeating scenario ofParadise lost, ravaged, and consumed, emerges an alternative plot which proposes the processes of exploration itself as history rather than its discoveries. To be an explorer is to inhabit "a world of potential objects with which one carries on an imaginary dialogue."7 The active nature of the explorer's space and time refuses the impulse to impose tangible structures on less immediately visible ones, to literalize metaphorical boundaries and relationships, allowing them to remain dynamic and responsive. Another, more fragile intimation ofhope resides in this open-ended spatial discourse of exploration, where not knowing becomes a positive, performative state of investigating, of experiencing in the moment, and of describing in terms of such experience. Not knowing and risk, including the familiar trope of flight out ofbody and time, reveal themselves as attitudes of shamanic wisdom, from the earliest accounts of the explorer to the inquiries of the contemporary artist.8 Francis Jupurrurla Kelly' s' video production is located in the specificities of place, time, social structure, and language ofhis tribal people, the Warlpiri, a remote Aboriginal community located in and around Yuendumu in Australia's Northern Territory. Kin and landscape are the two central domains in Warlpiri thought. Their metonymic and metaphoric relations are most dramatically expressed in ceremonial events where performances materially enact and renew these associations: jukurrpa or "the Law" is a chronotopical body ofknowledge which possesses binding power and c'o ntemporary force, which interpenetrates yet differs from the mundane space/time it generates. The stories which recountjukurrpa tell ofthe actions of certain beings, and how they create and re-create the landscape, its resources, and its natural forces . These stories and the web of kinship position themselves metaphorically in the extended landscape, ultimately reaching out across the continent. With the community outfit ofWarlpiri Media, Jupurrurla has developed ways of using video and television broadcast which conform to the basic premises ofhis tribal cultural tradition in its performative and oral formo The mechanisms for indigenous people achieving cultural and politicaI autonomy lie wholly and essentially in the domain of cultural production, in the culture's ability to construct itself, to image itself, through its own eyes as well as the world's. lfby the next generation, the means of representing and reproducing cultural forms are appropriated and lost, then the civilization is destroyed. This is the struggle which generates Jupurrurla's art, the question ofhow media can be effectively brought inside jukurrpa-which privileges the processes of reproduction over its products and restricts expressions relating to secrecy- to recollect and reactivate shared tribal narrative, thus restoring a sense of place without threatening the very basis of the culture. The restless, recurrent camera movement ofJupurrurla's video work, he suggests, conveys meaning at every step. The pans do not follow the movement ofhis eye, but that of unseen characters who converge on the landscape, according to ceremonial convention in which certain ritual story-dances are "brought in" from some distance to effect the contiguity and corpus of such stories. The uninitiated eye may observe a home-movie rather than a work of epic authority but if one takes into account the Warlpiri concepts ofkin and place, the term "home-movie" is quite productive. Coniston story (1984), Jupurrurla's first video, recalled a large-scale massacre of Aborigines in 1929 by whites in retribution for the murder of a white trapper and dingo-hunter. Mutlu Çerkez Untitled 22095-15 March 2025 Sem título 22095-15 de março de 2025 óleo sobre papel-te la [oil on canvasboard] 28x46cm

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a design for the overture curtain of an unwritten

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The massacre wiped out a ritual gathering, a congregation functioning as a repository ofIocal stories and decision-making. The various versions ofthe story ofthis historical period, which is kilOwn as the "Killing Time," have come to function like an origin myth, explaining the presence and nature ofEuropeans in the area and articulating the relations that arose between the two . cultures. Jupurrurla revisited the site over half a century later, taking with him thirty members of the Warlpiri-the necessary number according to kinship reckoning to oversee the identifYing and articulating of relations in cultural reproduction. This group included an old Japangardi (a member ofthe opposite "side" ofJupurrla's tribal skin group) who had witnessed the events as a child, and who would eventually perform the narration for the story, according to the complex requirements of cultural inscription and production which follow the corresponding binary structures of marriage and descent. Thus the process of communal recollection instigated in arder to reconstruct a story of what "actually" happened, to replace those stories lost ín the massacre, also becomes the system by which production procedure is established and carried out, fulfilling Jupurrurla's aim to create Yapa-media that exists truly in and ofWarlpiri culture. Given the complex corroborative conditions of artistic production in Aboriginal culture regarding the conception, interpretation, and production of cultural expression, Jupurrurla directs, rather than authors, carefully negotiated and orchestrated expressions of community culture. He mo deis his electronic discourse on the principIes of orientation, that one speaksfrom, andfor, one's own particular place. Any story, therefore, comes from a particular place and traveIs, forging links in its passage which define the routes that people and ceremonies follow. A long story, a full myth, a major decision requires many people and enmeshes many communities in its enactment. Thus this transference ofWarlpiri discourse to vídeo is highly exploratory in nature. More than ten years after his first foray into video production, Jupurrurla is still making video at Yuendumu, in addition to his broader responsibilities of family and community. The objectives have been more ar less maintained, the archive has developed as have satellite broadcasting and coproductions with national media networks. But the project is always endangered and fragile; like the future of the community, it survives only through a constant and vigilant process of negotiation. 9 GeoffLowe continues to interrogate his own position as an artist within the temporal and spatial fragility of the experienced world, now regularly collaborating with others to integrate formal and experiential passages outside the language ofhis own work to sustain the unstable, irresolvable appearance of things. He has, literally and metaphorically, walked into his paintings-as in ReCldy, steady, go, 1990, where he transposes the uninhibited workshop activities of the "Rosebud" group into the groovy, abstract space of a painting by his fellow-artist Angela Brennan -using techniques learned in group psychotherapy; that is, utilizing what people know as a result ofthe lives they have already lived in arder to explore larger concepts, to open his structure out into various collaborative mediums, which he'directs rather than authors together with his partner, Jacqueline Riva: a project group (A Constructed World), an art fanzine (ARTFAN) , and group video (scenesfrom the Whipstick Forest. . .). Through ARTFAN, a project of A Constructed World self-published since 1993, Lowe and Riva seek to reestablish communication between the art world and the outside, eliciting insights and impulses about art from a broad range of competing voices. Each exhibition ar issue featured is discussed by four people in one hundred words ar so-a critic, an artist, someone from another profession and someone who represents the general public (with no art background). ln recognizing that "the response to art is its greatest capital," 10 ARTFAN attempts to redress Mutlu Çerkez Untitled 22092-12 March 2025 Sem título 22092-12 de março de 2025 óleo sobre papel-tela [oil on canvasboard] 28x46cm Notes for an unwritten opera Notas para uma ópera não escrita 1992 coleção Australian National Gallery, Canberra

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the voice ofthe evaluative viewer by encouraging various opinions about the look of art and the experience oflooking itself. Scenes fram the Whipstick Forest. . ., an ongoing series of video sketches, is also made "for the moment of actual experience, of getting people together just to see how it will turn out." Using a home video-camera, a tool which is "fast, about presence, democratic, user- and group-friendly, cheap, fun," and which he is comparatively untalented and unskilled at using, Lowe records group performances in the vagaries of the open landscape, in the process finding his way back to what it is to not know. "People will do a lot ofthings in front of a camerasing, take their clothes off, reveal something secreto They look spiritual ar in grace or blessed or glowing, better in video than in painting, somehow more sweet, more ephemeral, more there, more desirable; but for landscape you need to know about available light, angles, and so on, in order to get some sense of'being there,' otherwise it looks flat and integrated, not like a landscape at alI. Video is like painting in that you tend to learn about the world as you witness what can be represented ... certain feelings don't present, they need to be signified."ll AlI mediums in the repertoire ofA constructed world are constituted to offer multi pIe points of entry into common topics by the chorus ofvoices that make up Lowe's constantly evolving working community of artists and amateurs. Images and opinions of famous and ordinary people jostle side by side; life experiences and imaginations flirt and clash. Thus his imagination relocates itself in the outside world which it uses as a kind of background, "a loose temporal scene where history happens and culture forms ."12 "I've always had great faith in location, rather than nation or state, which is the opposition to dominance of world culture, because locality comes from your own repeated experiences. Whether they be good or bad, they are checkable. You construct a sense of place by what happens to you." 13 But we never let the concept oflogic invade out midst . .. We were never catechized. Instead we invented the carnival. . . Down with social reality, dressed and oppressive, registered by Freud . .. Tracey Moffatt's arresting and enigmatic photographic fugue Up in the sky (I997), presents darkly religious evocations ofthe interpenetrability ofindividual and landscape. Moffatt explores her heart of darkness- what she does not know- in free-falI, the controlling high-definition ofher artistic vision that alIows her to recolIect again and again those few moments of proscribed anxiety necessary for the perfect shot whilst stationed securely behind the lens. ln the analysis of the common dream offalIing is the beliefthat ifyou don't wake up before you hit the ground, you're dead. Free-falI then, might rather be the state of "waking dream," a term which has been used to describe the power of photography to commingle past and present, to suspend the world and the artist's experience of it in unique distillations. 14 By applying a vivisector's relentless intelIigence to existing people and environments and recasting their experiences in a willfulIy heightened key, Moffatt imparts to her exploratory consciousness ofhuman interaction with, and within, the landscape a savage formallyricism. Storyboarding Up in the sky en route to some destination nowhere, she identified ambiguous, perplexing moments in the non-plot according to characters and locations she encountered along the way. "I choose the characters for who they already are, not who I want them to be."15 She then alIowed the characteristics of each player and place, as perceived by her, to dramatize themselves under her direction. But in this scenario, did Moffatt dream the characters or did they dream her? ln the harsh, blank landscape, people's realities flesh out into an ominous burlesque of waking dream. ln the incomplete outline that Moffatt provides, the gaps and blank spaces are as provocative as the revelations themselves. Activating one's criticaI faculties here to find explanations, to discover, leads nowhere because, ultimately it is the intensity and daring ofher adventure-"the Mutlu Çerkez Untitled 22099-19 March 2025 Sem título 22099-19 de março de 2025 óleo sobre papel-tela [oil on canvasboard] 32,5 x 25,5cm

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quality of the travelling"16-that gives the work its kick. ln Moffatt's garden of forking paths, one finds oneself always back at the beginning, knowing even less than before, but feeling all the wiser for it. Another series ofimponderable events: Untitled 22 092 (12 March 2025): "A map ofCyprus, accurately drawn from relief surveys, where, due to global warming, the sea leveI has risen, flooding the plain between the northern and southern mountains, creating two distinct islands, thus settling the currentIy disputed border dividing north and south." Untitled 22 095 (15 March 2025): "Swimming and imagining the flood." Untitled 22 099 (19 March 2025): "Wheelbarrows, mounds of sand, and other things necessary for the preparation of concrete. Building on the plain continues imperviously." Untitled 22108 (28 March 2025): "The greenhouse effect. A featureless place, the sky very dark, and the full moon forcing its way through centrally. A young woman lying on he{ side, dressed in contemporary costume, partIy covers her face with one hand, smiles addressing us through her parted fingers ." And so on. 17 Did these things really happen in the future? Do these places and characters ever exist? MutIu Çerkez is a Turkish Cypriot living and working in Australia, for whom the contested identity ofhis remote homeland is an innate and perennial source of entertainment for his artistic investigations. (I say "entertainment" because Çerkez's touch is delicate and elusive, revealing his preference for the suggestiveness of the imaginary fragment over the literalness of the ideological whole.) ln the face ofthis indeterminacy, which we know can be both liberating and troubling, Çerkez turns to the tenuous image ofhis only certainty: his own self. But being skeptical ofboth the empirical body and its reIated issues and the logic of clear narrative, he chooses instead to perform his experience as a complex, unstable, and open-ended mesh of eidetic references to his past, present, and future. ln the process, he produces slowly and with exquisite precision across a broad repertoire of mediums (painting, graphics, sculpture, rock music, film) and taxonomies (both natural and artificial) to form careful orchestrated scenarios, all the while inventing and reinventing the rules and tactics within his strategic state of play. Resisting the idea that artistic development must follow time's linear progression, Çerkez's work proposes a chronotopical model where the events and experiences subjectivized in terms ofhis myn actual and imagined life span are in a constant state of dynamic and interdependent fluxo Thus in a Çerkez exhibition, the viewer is propelled from image to image into the folds and gaps ofmetaphysical time. The project Notes for an unwritten opera (1992) consisted of eight images, "recollections"18 from a trip to his homeland and a timeline based on his own life installed together with a live apiary built into the exterior wall of the gallery so that the bees could be visible at work in the honeycomb; in More notes for an unwritten opera (1997), three paintings and a sculptural modeI made reference to the the earlier works, which in turn took on a deeper, more indexical significance; in subsequent acts, Çerkez will no doubt continue to elaborate the physical and semantic terms ofhis oeuvre within the frame ofthis "opera" which, like all his eidetic images, may or may not ever be performed by real people in real time. And so does Çerkez keep these terms in a state of potentiality, as enigmatic and vulnerable as the figure he depicts "swimming and imagining the flood" at some far-off point in future history, suspended in a sentient yet undifferentiated existence in an ocean of space and time. Postscript: antropofagia, exploration, and oceanic feeling

Beneath the immense, complex, and turbulent surface ofOceania crazed with so many conflicting desire lines,. there is another oceania which reveals itself to explorers fram time to time-not just another new territory to be consumed by discovery or the gaze, but something rather less tangible, a feeling, a "potential objectwith which to carry on an imaginary dialogue." Romain Rolland once described this "oceanic feeling" to his friend, Sigmund Freud, during a correspondence on

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the subject of religion, as a "purely subjective, unspecified feeling of eternity, unboundedness, limitlessness, a feeling of an indissoluble bond with the external world." Pondering its scientific basis, Freud saw "oceanic feeling" possibly as a dysfunction ofthe ego, where the boundary lines between it and the external world had beco me "uncertain" or "drawn incorrectly." On further reflection, he surmised that it could be a surviving ideational form of the primordial state of mind when the ego and the world about it was more intimately bonded. 19 The range identified by Freud in these attempts to grasp Rolland's meaning locates two social extremes: at one end stands the psychotic subject who does not perceive the sustaining line between himself and others ; at the other- where my explorations begin- stands the artist inside his artistic territory, unified with that which is being depicted. Living as we do in a time where psychoanalytical thought pervades every inch of our cultural space, it is easy to underestimate how liberating Freud's discoveries and definitions must have been to a culture in which, prior to his explorations, the most powerful human impulses had no names and so were banished to the more fearful realms of not knowing and superstition. I wonder ifRolland and Freud, as they sat at their respective writing tables immersed in amniotic conversation, had any idea that they were part of a participating consciousness, thatvery sarne religious rhythm to which Oswald de Andrade, at the other end ofthe world, had already begun writing his "Anthropophagite Manifesto." Louíse Nerí Thanks to Collier Schorr for her editorial support and comments and to those past, present, and future whose thoughts and words I have, I hope, respectfully consumed. I. London, 1841, vol. 2, P.267 in Paul Carter, The road to Botany Bay: an exp[oration of[andscape and history , (Chicago: Chicago University Press, 1987), P.350. 2. Geoff Lowe interviewed by Alison Carroll, "The excluded middle: GeoffLowe talks about his work with amateurs ," in exhibition catalog, GeolfLowe: coBaborations 1980- 1992, Australian Centre for Contemporary Art, Melbourne, 1992, p.12. 3. Mark Adams in correspondence with the author, May 1998. 4. lbid. 5. "Anthrapophagite manifesto ," Revista de Antropofagia I, São Paulo, 1928. 6. I have borrowed this term fram the title of Australian mammologistTim Flannery's controversial study ofthe ecological history of the Australasian lands and people (Melbourne: Reed Books, 1994), which posits the decimation ofprimordial nature by man as a fatalistic inevitability ofhuman inhabitation. 7. Paul Carter, The road to Botany Bay: an exp[oration of[andscape and history (Chicago: University ofChicago Press, 1989) P.25 . Iam utterly indebted to the metaphorical brilliance ofCarter's original and vivid theorizing of discovery and exploration in Australia. 8. Michael Taussig, "Homesickness and Dada" in The nervous system (New York: Routledge, 199z) p.16I. 9. For this discussion ofFrancis Jupurrurla Kelly and Warlpiri Media, I have depended heavily on the instrumental work of Eric Michaels, an American anthrapologist and cultural critic whose detailed, eloquent, and impassioned field studies of modern Aboriginal cultural practices are key documents in the study of Australian culture. The small monograph fram which I took most of my information, For a cultural future: Francis Jupurrur[a makes TV at Yuendumu, was published by Artspace, Sidney in 1987 as Volume 3 oftheir Art & Criticism Monograph Series. 10. GeoffLowe and Jacqueline Riva, editorial statement, Artfan One, Spring 1993. II. GeoffLowe in correspondence with the author, May 1998. lZ. Angela Brennan, "GeoffLowe: according to others," in the exhibition catalogue, GeolfLowe: coBaborations 19 80-1992 , P.17.

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13. GeoffLowe in an opening speech for the exhibition "St. Kilda Scapes," Melbourne 1991, in GeolfLowe: coBaborations 19 80 - 199 2 , P·z3 · 14. This expression was taken from John Keats 's "Ode to a Nightingale" (1819) for the title ofthe exhibition, "The waking dream: photography's first century; Selections fram the Gilman Paper Company Collection," at the Metrapolitan Museum, New York in 1993. ln her intraduction to the exhibition catalog, curator Maria Morris Hambourg uses Keats 's famous reverie to describe the phantasmic quality of"exceptional" photographs "whose presence can have a disconcerting reality, [but] a reality that floats in an incorporeal realm in which past and present merge. Existing simultaneously in both dimensions, they are afterimages ofpoetic visions into the heart ofthings." p.xviii. IS. Tracey Moffatt in conversation with the author, May 1998. 16. Paul Carter, The road to Botany Bay: an exp[oration of[andscape and history, p.z6. Carter uses this rather charming expression in his discussion ofthe eighteenth-century explorer Captain James Cook, whom he credits as "the inaugurator of Australia's spatial history." 17. These descriptions were written by Çerkez for his exhibition catalog, Notesfor an unwritten opera (Melbourne: Anna Schwartz Gallery, 199z). 18. I used this terin here and elsewhere in the text in the sense that Husserl describes in his discussion of phenomenological history and eidetic function in The origin of geometry (1936): "To the passivity of what is at first obscurely awakened and what perhaps emerges with greater and greater clarity there belongs the possible activity of a recollection in which the past experiencing is lived though in a quasi-new and quasi-active way." This fascinating theory is invoked by Paul Carter in his imagining of a crasscultural history in the final chapter of The road to Botany Bay: an exp[oration of[andscape and history , P.349 19. Sigmund Freud, Civj[ization and its discontents (New York: W.W. Norton & Company, 1989), pp.lO-ZI. This exchange carne to my attention in Robyn McKenzie's timely editorial, "Oceanic Feeling," in LIKE , Art Magazine 5, 1998, RMlT, Melbourne.


Danie l Bi rnbaum

Metabolismo, geografia: vinte e seis notas sobre digestão e história mundial 1.

G. C. Lichtenberg sonha com a terra como um enorme organismo vivo. "É concebível que as massas continentais formem todo um sistema de órgãos que cooperam entre si? E os diferentes conti nentes deveriam ser entend idos em analogia com os órgãos internos: ri ns, fígado, intestino? E o que acontece com os produtos excedentes, os excrementos do planeta?"

2.

A vida na terra distribui energia, consome energia. O que acontece com o excedente, que faz com que a economia restrita exploda? Poucos pensaram na analogia entre o sistema ecológico e o metabolismo humano de maneira tão drástica quanto Lichtenberg. No entanto a mesma idéia ressurge constantemente na "grande economia" de Nietzsche, em Bataille e em teóricos como Félix Guattari. O fluxo de energia na terra é uma economia material-emoções, pensamentos, bens, dinheiro, desejo, armas, petróleo, arte, informação. Tudo circula, tudo comunica.

3. Félix Guattari : "Assim, é impossível permanecer fora da economia e descrevê-Ia como um sistema fechado. O sonho de uma descrição sistemática e do controle da economia inspirou todos os regi mes total itários e ideologias modernas. Este son ho acabou" . 4. "Na verdade, meus irmãos, o Espírito é um estômago" (Nietzsche). 5. Metabolismo: pensaré comer. Incorporare digerir. Na Enzylopadie [Enciclopédia], de Hegel, encontramos uma série de notas sobre o "sistema oral" e a dupla função da boca. A questão é a passagem do interior para o exterior e do exterior para o exterior, a incorporação da substância exterior e a expressão da substância interior. A boca tem "a dupla função de iniciarsimultaneamente a transformação do alimento num momento dentro do organismo animal vivo e, em oposição a esta interiorização do exterior, de completar a objetivação da subjetividade que ocorre através da voz" (parágrafo 401). O Espírito fala pela voz. Para que os sinais escritos sejam apreendidos, eles devem se tornar voz. Hegel entende a apropriação em analogia com o comer. O Espírito come. 6. Em um dos primeiros textos de Hegel, Der Geist des Cnristentums [O Espírito do cristianismo], há uma extensa e especulativa interpretação sobre a Sagrada Comunhão como um ato fundamental do cristianismo: comerda carne de Cristo e beberdo seu sangue, atos de comunhão. O jovem Hegel retorna constantemente à doutrina da encarnação. A morte sacrificial de Cristo e a salvação dos fiéis através dos sac ramentos. O Pai se encarna na figura do Filho, que é sacrificado para o bem da salvação do homem - o Espírito torna-se carne, que é devorada e então retorna

à espiritualidade. No ritual da comunhão, Hegel vê um movimento dialético entre o subjetivo e o objetivo: a hóstia é uma objetivação do infinito amorde Cristo pela humanidade, mas este "amor, tendo-se tornado objetivo, este subjetivo, tornando-se coisa, retorna à sua essência e volta a se r subjetivo, no processo de comer". O círculo especulativo se fecha na incorporação religiosa. Sujeito e objeto reconciliam-se no complicado sistema digestivo da dialética.

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7. Pleroma-zur Genesis und Struktur einer dialektischen Hermeneutik bei Hegel [Pleroma-para gênese e estrutura de uma hermenêutica dialética de Hegel] (1978), livro pioneiro de Werner Hamacher, é dedicado à extensa correspondência entre o comere o ler, o digerire o compreender. As figuras da incorporação caracterizam toda a filosofia de Hegel. O Espírito nega a si mesmo e, exteriorizado, torna-se carne. No entanto, o movimento especulativo repousa no princípio da dupla negação. A carne é negada, devorada e novamente desmaterializada em Espírito. Nas palavras de Hamacher: "O Espírito lê e come a si próprio, à medida em que a nutrição torna-se escrita". O sistema de Hegel é uma enciclopédia autocanibalística, que tudo abrange.

8. Nos capítulos finais de Fenomenologia do Espírito, que trata do conhecimento absoluto, a exteriorização e o sucessivo retorno do Espírito ao longo da história são descritos como um processo digestivo laborioso: a matéria da história "tem de penetrare digerirtoda a sua rica substância". O conceito fundamental de Aufhebung [EnforcamentoJ-q ue é tanto cancelamento quanto preservação-pode ser interpretado como devoração. Uma época é devorada pela próxima, quando é abatida, mas também preservada, como um momento, num metabolismo mais abrangente. O Espírito devora-se, ao longo da história. Incorpora sucessivamente toda substância, até que, finalmente alcança a completa saciedade do conhecimento absoluto (o Comer Absoluto), estado que Hegel, recorrendo a um termo neoplatônico, denomina Pleroma (plenitude, saturação). 9. Os devaneios de Lichtenberg sobre o mapa-múndi como um organismo digestivo permanecem sendo um mero esboço, mas em Hegel os continentes são consignados a seus lugares na violenta geopolítica do Espírito do Mundo-um sistema de incorporação e excreção. 10.

Geografias: o Espírito é europeu. Ele sempre come "na mesma direção". Hegel desenha um mapa no qual os continentes, os grupos étnicos, as espécies de animais e plantas adquirem suas derradeiras posições na estrutura dialética. Num grande gesto, Hegel delineia os traços básicos: "O Espírito do Mundo movimenta-se do leste para o oeste, pois a Europa é o fim absoluto da história e a Ásia, seu início". O sol levanta-se no leste e a alvorada asiática da razão é o nascimento da história. Assim como o corpo celestial radiante, o Espírito do Mundo move-se em direção ao oeste.

11. Esta exposição geográfica começa com uma violenta exclusão, a da África. O continente ainda

está "velado na corescura da noite" e não faz parte da trajetória razoável da história mundial. Diz-se que se'us habitantes ainda presas das forças cegas e irracionais da natureza e, em conseqüência, são "incapazes de qualquer espécie de formação ou desenvolvimento. Agora deixamos a África para jamais retornarmos" . Uma expulsão violenta-excreção. 12.

"Somente agora, tendo deixado a África para trás, é que nos encontramos no verdadeiro palco da história mundial. Vamos esboçar brevemente os alicerces geográficos da Ásia e da Europa. A Ásia é o continente dos começos. É bem verdade que ela se situa ao oeste da América, mas assi m como a Eu ropa é o centro absol uto e o fi m do vel ho mundo, da mesma forma a Ásia é

, um leste absoluto. A Ásia foi a alvorada da razão e o início da história do mundo." A infância da história transcorre nas culturas orientais. A luz da razão já é forte, escreve Hegel, mas ainda se situa fora da subjetividade humana. O movimento da história em direção ao oriente significa o gradual despertardo homem. No humanismo europeu, o processo alcança o seu auge: a autoconsciência iluminada do homem europeu é a realização final da razão. 13. Metabolismo-geografia-política: o mapa como um exemplo da violência inerente à classificação. A crença na possibilidade de mapearo sistema a partirde fora parece contribuir pa ra

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a ereção de estruturas totalitárias. Félix Guattari quer lero mapa após a queda dos grandes sistemas, lê-lo a partir "de dentro", como se o próprio mapa fizesse parte da economia. Qual é a alternativa ao mapa totalitário? Um rizoma político. Um diagrama do fluxo, a lógica da transformação: sangue, ouro, sujeira, água, petróleo, fogo . .. Geografias alternativas. A África de Michel Leiris, os Estados Unidos de Joseph Beuys. O metabolismo eurocêntrico derruído: as coordenadas geopolíticas redesenhadas. A violência inerente do mapa versus uma política de mapas conflitantes. No dia 23 de maio de 1974, Joseph Beuys chega ao Aeroporto John F. Kennedy, em Nova York. Envolto em cobertores, é carregado numa maca. Uma ambulância o conduz a uma galeria de Manhattan, onde um coiote o aguarda. Ele ainda não tocou em solo americano. Durante quatro dias e quatro noites realiza-se uma performance, que Beuys intitula "Coiote-gosto dos Estados Unidos e os Estados Unidosgostam de mim". O que está em jogo é um encontro entre mundos, entre a Europa e uns Estados Unidos ainda não atraídos para a esfera européia. O coiote, animal sagrado dos índios, é confrontado com peças do universo do artista: uma bengala, dois cobertores, uma pilha de exemplares do The Wall StreetJournal. Decorridos quatro dias de comunicação ritual entre o homem e o animal, Beuys regressa do mesmo modo que chegou. Conclui: Tão grandes são os poderes do coiote que se tornam incompreensíveis ao gênero humano. No entanto, a alma da Europa não é a luz hegeliana, mas uma sede de podere uma violência desenfreada. Michel Leiris denomina o espírito europeu "uma maquinária violenta", cuja pesada armadura está "manchada de sangue pordentro e porfora". O meio de expressão do "espírito" europeu não é a razão, mas a violência. Em sua obra Genealogia da moral, Nietzsche delineia uma história diferente do homem europeu. O humanismo moderno não é o resultado de um iluminismo cada vez maior, mas de uma violência primordial, sucessivamente refinada, sublimada e tornada invisível. O que precisa ser explicada é a existência de "um animal dotado de alma". O primeiro pré-requisito para aquilo a que denominamos "vida mental" e "subjetividade" é a memória e esta, segundo alega Nietzsche, só pode ser produzida por meio da dor: "Algo queima por dentro, de tal modo que dói e permanece na memória; somente aquilo que não pára de doer permanecerá conosco". A cultura européia apóia-se inteiramente na violência e na dor. Não somente os outros são reprimidos, pois o europeu é também um sutil atormentador de si mesmo. "Quando o homem achou necessário adquirir uma memória, isto sempre se deu à custa de sangue, tortura e sacrifícios." O animal homem tornou-se "interiorizado", criou um doloroso espaço interior, alimentado por doses sutis de autotormento (aquilo a que se costuma chamar consciência). Em vez de pôr para fora suas agressões, todas as forças são direcionadas para dentro e o sofri mento au menta. Indicações de outros mapas, de diferentes sistemas, que rompem com a economia do idealismo europeu. Os limites do organismo e da apropriação. Novalis: "Alguém conseguiria permanecer vivo comendo seus excrementos?" O condicional, a economia hegeliana em seu ponto extremo. Ele sonha com uma economia total, uma incorporação de toda externalidade ao vasto metabolismo do sistema. A matéria da história tem de "penetrarem tudo e digerirtoda sua rica substância", até q ue fi nal mente tudo é incorporado a um corpo total mente saciado. O sistema come ou quercomertudo: "Tudo tem de se tornar alimento". (Novalis)

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O jovem George Bataille lê Nietzche e identifica-se completamente com ele. Deparou-se finalmente com um pensador sensível à importância da leveza e do riso. O poder afirmativo e o riso são mais profundos do que todos os pensamentos filosóficos e todos os sistemas. O riso transcende, sublima, põe tudo abaixo. Em seu rodopiarextático, o sistema é abalado. Para Bataille, o riso nietzscheano significa o movimento transcendente mediante o qual a economia do pensamento fechado explode. A risada é excesso, sacrifício, desperdício. A doutrina de Bataille diz respeito ao heterogêneo, que não pode ser incorporado ao indivíduo ou ao corpo social, mas tem de ser expelido. A esta ciência Bataille denomina heterologia. Seu objeto de estudo é o mecanismo expulsório básico operando na constituição do organismo psicológico e social: aquilo que é estranho tem de ser rejeitado ou sacrificado. Em conseqüência, é declarado sujo ou sagrado, torna-se um fetiche. A escatologia de Bataille e sua obssessão por rituais de sacrifício enraizam-se em sua vontade de liberar-se da economia do pensamento dialético, que ele considera basear-se erroneamente na ausência como força motivadora, por detrás da fome infinita do organismo, e em sua vontade de apropriar-se de substâncias externas. O ato de comer, por ocasião dos rituais de sacrifício, pode ser interpretado de maneira radicalmente antieconômica, não como uma vontade de ganhar, mas como puro dispêndio- um consumo ilimitado da energia excedente que resiste à assi m ilação. É uma questão de vida e morte. O organismo vivo procura excluiros hieróglifos da morte, aqueles signos inanimados que não permitem interpretação e incorporação. O hieróglifo por excelência: a própria morte. Bataille: "A morte é a forma mais elevada de luxúria". Luxúria- sujeira. A destruição ostensiva das riquezas é um mecanismo cultural básico também nas sociedades modernas, embora de forma sublimada. É preciso haver um consumo da energia excedente, um aniquilamento ritual, comer sob uma infinita variedade de disfarces. Bataille localiza este princípio básico da perda no investimento de enormes quantias em aquisição de jóias, na produção de objetos sagrados e na criação de poesia e arte- é um gasto perdulário, que não pode responder pelo princípio do ganho: a luxúria. CNN: "A negociação encerrou-se com o acordo de um corte de 50 por cento nas armas nucleares baseadas em terra. A supervisão dos procedimentos de desmantelamento e destruição será mútua". Uma festa pacífica. Mísseis destruídos, ogivas destruídas. Que luxo superaria a destruição voluntária, em massa, de armas destrutivas? Não a destruição, mas a destruição da destruição. A negação da negação. Resultado=o. O sol espalha sua energia sem nada pedir de volta. Os raios deste corpo celestial, que se autoconsome, atingem a terra e são transformados em força vital nas plantas, animais e formações humanas. Um excedente cada vez maior de energia é acumulado: excesso. Mais cedo ou mais tarde a explosão está fadada a acontecer. Daniel Birnbaum. Traduzido do inglês por Carlos Eugênio Marcondes de Moura.

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Danie l Bi rn bau m

Metabolism, geography: twentysix notes on digestion and world history c. Lichtenberg dreams of the earth as one huge, living organism: "Is it conceivable that the continental masses form one whole system of cooperating organs? And should the different continents be understood in analogy with the internal organs: kidneys, liver, bowels? And what happens to the surplus products, the excrements ofthe planet?" Life on earth binds energy, consumes energy. What happens to the surplus, which explodes the restricted economy? Few have thought about the analogy between the ecological system and human metabolism in such a drastic way as Lichtenberg. But the sarne idea resurfaces constantly: in Nietzsche's "grand economy," in Bataille, and in theoreticians such as Félix Guattari. The flow of energy on earth is a material economy- emotions, thoughts, goods, money, desire, weapons, oil, art, information. Everything circulates, everything communicates. Félix Guattari: "Thus, it is impossible to remain outside of economy and describe it as a closed system. The dream of a systematic description and control ofthe economy has inspired all modern ideologies and totalitarian regimes. This dream is over." "ln truth, my brothers, the Spirit is a stomach" (Nietzsche) . Metabolism: thinking is eating. Incorporating and digesting. ln Hegel's Enzyklopéidie [Encyclopedia] we find a series ofnotes on the "oral system" and the double function ofthe mouth. The issue is the passage from interior to exterior and from exterior to interior- the incorporation of exterior substance and the expression ofthe inner. The mouth has the "double function of simultaneously initiating the transformation of food to a moment within the living animal organism, and, opposed to this interiorization of the exterior, the function of completing the objectivation of subjectivity taking place through the voice" (paragraph 401). The Spirit speaks through the voice. ln order for written signs to be grasped they have to become voice. Hegel understands this appropriation in analogy with eating. The Spirit eats. ln Hegel's early text Der Geist des Christentums [The Spirit of christianity], there is an extended, speculative interpretation ofthe Holy Communion as the fundamental act ofChristianity: the communal eating ofChrist's flesh and drinking ofhis blood. The young Hegel constantly returns to the doctrine ofincarnation. The sacrificial death ofChrist and the salvation ofthe faithful ones through the sacraments. The Father is incarnated in the figure of the Son, who is sacrificed for the sake ofMan's salvation- the Spirit becomes flesh, which is devoured and then returns to spirituality. ln the ritual of the Communion, Hegel sees a dialectical movement between subjective and objective: the Host is an objectivation ofChrist's infinite love for mankind, but this "love, having become objective, this subjective having become a thing, returns to its essence and becomes subjective again in the process of eating." The speculative circle is closed in religious incorporation. Subject and object are reconciled in the complicated digestive system of dialectics.

r. G.

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7. Werner Hamacher's pioneering Pleroma-zur Genesis und Struktur einer dialektischen Hermeutik bei Hegel [Pleroma-on genesis and structure of a hermeneutic dialectic by Hegel] (1978), is dedicated to this far-reaching correspondence between eating and reading, digesting and understanding. The figures ofincorporation characterize all ofHegel's philosophy. Spirit negates itself-and exteriorized, it becomes flesh. But the speculative movement rests upon the principIe of double negation. Flesh is negated, devoured and again dematerialized into Spirit. ln Hamacher's words: "The Spirit reads and eats itself as nutrition becomes writing." Hegel's system is an auto-cannibalistic encyclopedia-all-encompassing. 8. ln the concluding chapters of the Phenomenlogy of SpirĂ­t, which deal with absolute knowledge, the externalization and successive return ofSpirit through history is described as a laborious digestive process: the subject ofhistory "has to penetrate and digest all ofits rich substance." The central notion ofA1ffhebung-both a canceling and a preserving-can be interpreted as a devouring. An epoch is devoured by the next, where it is broken down but also preserved as a moment in a more encompassing metabolismo The Spirit devours itselfthrough history,successively it incorporates all substance, until it finally reaches the full satiety of absolute knowledge (Absolute Eating)-a state which Hegel, using a neo-Platonic term, calls Pleroma (fullness, saturation). 9. Lichtenberg's reveries about the world map as a digestive system remain a mere draft. But in Hegel, the continents are assigned to their places in the violent geopolitics ofWorld Spirit-a system ofincorporation and excretion. 10. Geographies: the Spirit is European. He always eats "in the sarne direction." Hegel draws a map where continents, ethnic groups, species of animaIs and plants acquire their ultimate positions in the dialectical structure. ln a grand gesture Hegel delineates the basic traits: "The World Spirit moves from east to west, since Europe is the absolute end ofhistory, and Asia its beginning." The sun rises in the east-the Asiatic dawn ofReason is the birth ofhistory. Like the radiant heavenly body, the World Spirit moves westwards. II. This geographical exposition commences with a violent exclusion: Africa. This continent is still "veiled in the dark colo r of the night," and it is not part of the reasonable course of world history. Its inhabitants are said to be still caught in the blind and irrational forces of nature, and consequently they are "incapable of any kind of formation or development. We now leave Africa never to return." A violent expulsion-excretion. 12. "It is only now, having left Africa behind, that we find ourselves on the real stage of world history. Let us now briefly sketch the geographical foundations of Asia and Europe. Asia is the continent of commencement. It is true that it is situated to the west of America; but just as Europe is the absolute center and end of the old world, so Asia is an absolute east. Asia was the dawn of reason and the beginning of world history." The childhood ofhistory takes place in the Oriental cultures. The light of reason is already strong, Hegel writes, but it is still situated outside ofhuman subjectivity. The eastward movement ofhistory signifies the gradual awakening ofMan. ln European humanism the process reaches its peak: the enlightened self-consciousness ofEuropean man is the final realization of reason. 13. Metabolism-geography-politics: the map as an example ofthe violence inherent in classification. The beliefin the possibility ofmapping the system from the outside seems to amount to the erection of totalitarian structures. FĂŠlix Guattari wants to read the map after the downfall

73 Metabolismo, geografia Daniel Birnbaum


of the grand systems- to read the map from "within," as itself part of the economy. What is the alternative to the totalitarian map? A politicaI rhizome. A flow diagram, the logic oftransformation: blood, gold, filth, water, oil, fire ... 14. Alternative geographies: Michel Leiris's Africa, Joseph Beuys's America. Eurocentric metabolism broken down: the geopolitical coordinates drawn anew. The inherent violence of the map vs. a politics of conflicting maps. IS . On May 23,1974, Joseph Beuys arrives atJohn F. Kennedy Airport in New York. Wrapped in blankets, he is carried out on a stretcher. An ambulance takes him to a Manhattan gallery, where a coyote awaits him. He has still not touched American soi!. During four days and four nights a performance takes place, which Beuys names Coyote- I likeAmerica and America likes me. What is at stake is an encounter between worlds, between Europe and an America not yet drawn into the European sphere. The sacred animal ofthe Indians, the coyote, is confronted with items from the world of the artist: a walking stick, two blankets, a pile of copies ofThe Wall Street Journal. After four days of ritual communication between man and animal, Beuys returns in the sarne way that he arrived. He concludes: The powers ofthe coyote are so great that they are incomprehensible to mankind. 16. However, the soul ofEurope is not the Hegelian light, but a will to power and a ruthless violence. Michel Leiris calls the European spirit a "violent machinery," whose heavy armor is "bloodstained both inwardly and outwardly." The medium ofEuropean "spirit" is not reason, but violence. 17. ln his On thegenealogy ofmorals, Nietzsche sketches a different history ofEuropean man oModern humanism is not the result ofincreasing enlightenment, but of a primordial violence, successively refined, sublimated and made invisible. What has to be explained is the existence of"an animal endowed with a sou!." The first precondition for what we call "mentallife" and "subjectivity" is memory; and memory, Nietzsche claims, can only be produced through pain: "Something is burnt in, so that it hurts and stays in the memory; only that which does not stop hurting will stay with uS."

18. European culture rests entirely on violence and pain. It is not only the others who are repressed - the European is also a subtle tormentor ofhimself. "It was never without blood, torture and sacrifices, when man found it necessary to acquire a memory." The animal man has become "interiorized," he has created a painful interior space, entertained by subtle doses of self-torment (what is usually called conscience) . Instead of acting out his aggressions, all forces are directed inwardly, and suffering increases . 19. Indications of other maps, different systems, breaking up the economy ofEuropean idealismo The limits ofthe system and of appropriation. Novalis : "Could anyone stay alive by eating his excrements?" The would-be Hegelian economy at its extreme. He dreams of a total economy, an incorporation of all externality in the vast metabolism ofthe system. The subject ofhistory has to "penetrate everything and digest all of its rich substance," until finally everything is incorporated in a totally satiated body. The system eats (or wants to eat) it all: "Everything has to become food" (Novalis) .

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The young George Bataille reads Nietzsche, and identifies completely with him. He has finalIy come across a thinker with an eye for the importance oflightness and laughter. The affirmative power and laughter is more profound than alI philosophical thought and alI systems: laughter transcends, sublates, tears down- in its ecstatic whirl, the system is shattered. For BatailIe, Nietzschean laughter signifies the transcending movement whereby the economy of closed thought is exploded. Laughter is excess, sacrifice, waste. Bataille's doctrine concerns the heterogeneous, which cannot be incorporated in the individual or social body, but has to be expelIed. This science Bataille calIs heterology; its object of study is the basic expulsory mechanisms at work in the constitution of psychological and social organism; what is foreign has to be rejected or sacrificed. Hence, it is declared filthy or holy- it becomes a fetish. Bataille's scatology and his obsession with sacrificial rituaIs are rooted in his will to liberate himself from the economy of dialectical thought, which he considers to be erroneously based on lack as the motivating force behind the system's infinite hunger and its will to appropriate outer substances. The act of eating within sacrificial rituaIs can be interpreted in a radically anti-economical way: not as a will to gain, but as pure expenditure-a limitless consumption ofthe surplus energy which resists assimilation. It is a matter oflife and death. The living system seeks to exclude the hieroglyphs of deaththose inanimate signs which do not alIow for interpretation and incorporation. The hieroglyph par excelIence: death itself. Bataille: "Death is the highest form ofluxury."

23 . Luxury- dirt. The ostentatious destruction ofriches is a basic cultural mechanism also in modern societies, although in a sublimated formo There has to be a consumption of surplus energy: a ritual annihilation, eating in an infinite variety of guises. Bataille finds such a basic principIe ofloss in the investment of enormous sums in jewelry, in the production of sacred objects, and in the creation of poetry and art- a wasteful expenditure which cannot be accounted for by the principIe of gain: luxury. 24. CNN: "The negotiations ended with the agreement of a 50% cut-down on land-based nuclear arms. The supervising ofthe dismantling and destruction procedures will be mutual." 25 . A peaceful potlatch. Destroyed missiles, destroyed warheads . What luxury would surpass the voluntary destruction of mass destructive weapons? Not destruction but destruction of destruction. The negation of negation. Result =o. 26 . The sun spreads its energy without demanding anything in return. The rays of this selfconsuming heavenly body reach the earth and are transformed into a vital force in plants, animaIs, and human formations . An increasing surplus of energy is accumulated: surfeit. Sooner or later the explosion is bound to come. Daniel Birnbaum

75 Metabolismo, geografia Danie l Birnbaum


RUTAS - AMÉRICA LATINA - Rina Carvajal Con su gesto transgresor e

irreverente,

la Antropofagia brasilena inaugura una

discusión cardinal en la historia cultural de América Latina.(l)

Su metáfora de

devoración, apropiación y asimilación selectiva de la diferencia no solo se convierte en una imagen fundadora en cuanto a las posibilidades de reflexión crítica

sobre

capacidad

la

para

autonomía

dislocar

intelectual

relaciones

y

cultural

jerárquicas

del

con

propio

otras

Brasil y

culturas.

de

su

Ella

se

transforma también en una suerte de paradigma para el análisis de las nociones de descolonización y enmancipación cultural en el resto del continente. El mestizaje, la ingestión y contaminación permanente de perspectivas, en torno a cualquier idea de pureza o de superioridad cultural, enunciadas por las propuestas antropofágicas de los anos 20, cre~n todavía hoy un marco provocador para examinar algunas de las dinámicas más significativas de la producción artística de América Latina a finales del milenio. Partiendo de las lúcidas estrategias de un grupo de artistas muy heterogéneo y de las innumerables posibilidades de interpretación que éstas abren con sus potentes y complejas metáforas, Rutas-América Latina busca articular una mirada y una reflexión problematizadora del arte del continente . Al resistirse a cualquier definición selección

de

identidad ,

busca

dar

y

de

cuenta

de

bordes los

culturales

intrincados

fijos

e

estratos

incontaminados, de

significación

esta que

conforman un terri torio y una producción cuya más clara característica es la reformulación constante de sus propios términos. Esas experiencias, demasiadas fracturadas e hibridizadas en la actualidad,

intentan ser articuladas desde las

obras mismas y más bien a modo de un palimpsesto - bajo una visión ambivalente y en un territorio de contradicciones, movimientos y transformaciones continuas que se propone dejar atrás el agotado mode lo antropológico y exotista,

con sus

premisas de "unidad" y "autenticidad de lo latinoamericano" , que caracterizó las últimas décadas. La múltiple tensión de fuerzas y narrativas de las de por sí tan distintas culturas y sociedades de América Latina, y la dislocación generada por el

movimiento

de

las

migraciones

y

del

nomadismo

en

este

particular momento

histórico, exige que esas nociones de identidad, apropiación y fronteras culturales sean repensadas de un modo mucho más abierto y dinámico. Un modo posible de

abordar esta producción sería mirarla desde

la perspectiva de una práctica

laberíntica - siempre fragmentada, inacabada y en continua reformulación. Las obras de los artistas que participan en esta exhibición son extremadamente diversas e individuales, y cruzan distintas generaciones y una vasta complejidad de estrategias y registros expresivos . Sin embargo,

todas ellas convergen en un

momento

metabolización

determinado

con

la

imagen

del

dinamismo,

y

expansión

cultural articulada por la Antropofagia . La yuxtaposición y el diálogo de sus respectivas visiones habla de una pluralidad mayor de identidades y de estrategias .

Sugieren

experiencias

de

reapropiación,

cruces

de

bordes ,

intercambios , pasaj e e inestabi lidad , las cuales remi ten y aluden a una cadena infinita de transformaciones . Gabriel Orozco por ejemplo , nos enfrenta a situaciones artísticas híbridas y en constante movimiento . Su trabajo , que a veces puede ser objeto, proceso, escultura, fotografía o acciones, cambia de puntos de GabrielOrozco Perro durmiendo Cachorro dormindo [Sleeping dog] 1990 cibacromo 47,3x31,5cm coleção particular cortesia Marian Goodman , Nova York




vista y de lugar continuamente, desplazãndose fluidamente entre los intersticios y mãrgenes de diferentes culturas. Orozco, quien vive desde hace algunos anos entre México y Nueva York, y trabaja por

largos

períodos

tradición de

en Europa,

lenguajes y

asimila y

técnicas

reinterpreta

escultóricas

-

en

su

obra

experiencias

que

una

amplia

su singular

relación con objetos y situaciones de la cotidianidad le permite potenciar una condición nueva, transitoria para e l objeto y la experiencia escultórica . Sus experimentac iones

parten

de

materiales

precarios,

obj etos

encontrados

y

situaciones anónimas de objetos cotidianos intervenidos y reelaborados por medio de

acciones

genera lment e

intangibles y discretas,

efímeras .

Estas

pueden

llegar

a

ser

a

veces

tan

como para requerir toda la atención de quien las mira.

En Perro durmiendo, 1990, el artista nos sugiere en una experiencia familiar y aparentemente comün, la posibilidad de percepciones y sensaciones inesperadas. La vulnerabi li dad y la calma deI cuerpo de un animal dormido, las pulsaciones leves de su respiración, su tacto sobre la piedra, atestiguan de pronto una inextricable experiencia de lo escu l tura l y de la materia , revelando por un instante la fuerza de una imagen a punto de su disipación. Las siempre abiertas prãcticas artísticas de Orozco, implican nociones de desplazamiento e inestabilidad, de confluencia y disgregación, un estar permanentemente "entre espacios", de un lugar a otro, de una forma a otra y así infinitamente. ElIas van dando cuenta deI movimiento deI artista, de su acción sobre las cosas y de los procesos mediante los cuales éstas se transforman. En Piedra que cede (1992), y a manera de un autorretrato, Orozco crea una esfera deI plastilina que pone a transitar por distintos lugares. Este objeto nómada cuya masa reproduce el peso deI artista, experimenta continuas modificaciones en su recorrido , registrando y absorbiendo en su superficie marcas, huellas y residuos de todo lo que encuentra a su paso. En la densa e inestab l e materialidad paradojas,

el

de

esta

artista

obra,

y

en

las

desestabiliza

ricas

contradicciones

en un solo

gesto,

no

que

solo

establecidas por una tradición escu ltór ica sino los supuestos definen los límites de una determinada producción artística.

encierran las

sus

categorías

jerãrquicos

que

En un trabajo como Gaja de zapatos (1993), Orozco pareciera jugar el papel de un i lusionista perspicaz aI presentar acertijos que desobjetivizan y .modifican una y otra vez la percepción deI objeto .

Con esta obra realiza una acción mínima y

radical . AI colocar esa blanca caja de zapatos en un espacio, pone en evidencia su vacío l iberando toda una situación tanto de desorientación e inestabilidad como de posibilidades para el objeto . Esta caja , simple , precaria y perecedera, se transforma de repente en un receptãculo que contiene, cuestiona y despliega una gran variedad de relaciones,

límites,

artístico. En LA DS (la deésse)

polaridades y significados para el objeto

(1993), tomando un camino diferente deI de sus

trabajos anteriores , ll eva a cabo una precisa operación de canibalismo cortando y reconstruyendo impecablemente sesenta centímetros de la parte central de un Citroen DS y cada uno de sus tornillos, roscas y tuercas en partes iguales , que luego ensamb la y funde a la perfección. La contundente presencia física de este objeto, a partir de los procesos subversivos de Orozco, se vuelve de pronto perturbadoramente inestable . El espacio recortado y comprimido de la diosa (la Gabriel Orozco Turista maluco [Crazy tourist] Mercado Cachoeira [Cachoeira Market] Brasil 1991 cibacromo 31,5x47,3cm cortesia Marian Goodman, Nova York La OS 1993 carro alterado [altered carl 114x140x480cm coleção FNAC, Paris cortesia Marian Goodman Gallery, Nova York

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deésse) , el vehículo icónico de la elegancia y sofisticación de la industria automovílistica francesa de los anos cincuenta, se convierte de pronto, por el gesto irreverente y desmitificador de ese corte, en un híbrido extrano, residuo deI fracaso deI sueno futurista de grandeza de la tecnología europea. El énfasis en la acción gestual, en los procesos deI objeto escultural y las nociones de circularidad y de movimiento, esenciales aI trabajo de Orozco, se estructuran también de un modo particular en las experimentaciones de Ana Maria Maio1ino. La obra de esta artista abarca una conspicua cantidad de medios y lenguajes, y parte de las narrativas y metáforas deI imaginario femenino de la vida diaria. Estas envuelven una larga cadena de personas, gestos, procesos y energías e implican - a partir deI cuerpo y de sus acciones repetidas deI gesto - una potencialización de los procesos transformativos deI ser y la materia. Las prácticas de Maiolino estructuran en sus innumerables reiteraciones deI gesto, situaciones primordiales deI lenguaje y deI cuerpo. La intensidad, la fuerza vital de estas repeticiones primarias, intuye una memoria de lo informe, un principio originario, germinal de la materia. En su obsesiva insistencia, éstas repeticiones retienen, como la naturaleza misma, similitudes y diferencias que reflejan el pulso de la vida, rehaciéndo, anunciando ciclos, devoraciones, gestaciones, procesos confirmatorios de una visión deI tiempo que lo comprende todo: tiempo trabajado íntimo e infinito, génesis deI mundo recomenzando una y otra vez. Por un fio (Por un hilo) (1976) muestra su propia imagen unida a la de su madre y de su hija a través de un hilo, ese hilo que sugiere la fecundación, continuidad y persistencia de la vida formándose y reafirmándose con el primer gesto, en 'lo igual y lo diferente'. En Entrevidas (1981-1991) la artista camina entre cientos de huevos. AI invitarnos a recorrer 'un territorio minado por las fragilidades de la vida', sus pasos enuncian una refutación y una afirmación constantes. Aún si peligroso e inestable, y por paradój ico que sea, este caminar entre huevos, amenazado por energías en suspenso, sustenta promesas de fertilidad y renacimiento y acentúa la oscilación entre e1 espíritu y la materia, la mente y el cuerpo, lo primigenio y el instante. Desde comienzos de los noventa, Maiolino realiza series de esculturas-objetos, instalaciones que continuan enfatizando la iteración de las acciones deI gesto, esta vez a partir deI modelado de la mano en la arcilla en los primeros estadios deI trabajo material. En Muchos (1991-1995), los gestos se multiplican en la intensa acumulación y manufactura de formas simples, pequenas - bolas o rollos cilíndricos de arcilla modelada, que sugieren la articulación originaria deI lenguaje, de las funciones deI cuerpo, y de la naturaleza desplegándose, anunciando nuevo ciclos, manteniendo el tiempo en sus repeticiones, en su constante hacer y rehacer la materia. Allí, la forma 'se afirma y se anula dinámicamente en la búsqueda de una identificación que nunca concluye, forzando así la continuidad de otro gesto para sustentar el deseo'. A su modo irónico y ecléctico, Juan Dávi1a acumula y yuxtapone los códigos visuales, culturales y estilísticos más divergentes. La forma móvil y elusiva con que sus imágenes enmascaran y desenmascaran sistematicamente formas, narraciones y discursos, fractura repetidamente toda posibilidad de una identidad no contaminada para su obra. Con deliberada falta de estilo, y atacando siempre las Anna Maria Maiolino Entrevidas [On the margin of life] 1981 instalação foto Hanzy Stahl

3




reglas del buen gusto y del decoro, pinta imágenes ambivalentes y viscerales, que provoc an

reacciones

muy

perturbadoras

en el

espectador.

Aún

cuando

una

parte

fundamental de su trabajo consiste en develar mecanismos sicológicos y culturales muy oscuros y reprimidos, bajo la obvia violencia y revulsión que provocan sus imágenes, Dávila teje una trama crítica y conceptual extremadamente elaborada. En esta obra todo parece estar descentrado, al revés. Desde las estrategias de un montaje híbrido que asocia,

mezcla y carnavaliza consistentemente temas,

técnicas y formatos de los más dispares y fragmentados, la obra se apropia, copia y transforma imágenes, códigos y estilos ajenos, parodiando toda noción de pureza, autenticidad y autoría . En ese ensamblaje infinito de imágenes, discursos y percepciones

que

se

proyectan

innume rables

perspectivas

de

y

contaminan

unas

significación,

a

otras,

subvirtiendo,

la

obra

despliega

resistiendo

siempre

cualquier idea de identidad o de órdenes culturales establecidos. Siguiendo el esti lo de la imágen ponográgrafica, Dávila retrata en su trabajo cuerpos sexualmente

ambiguos,

liter alidad degradada ref lexión en torno a legitimizan

'el

'trasvestis'sin

género

preciso .

Esas

imágenes,

en

la

de su carnalidad, presentan una satírica y muy sutil los discursos y jerarquías culturales que colonizan y

cuerpo'

y

sus

posibles

identidades.

Con

e llas

tematiza

'lo

mestizo~.'

aludiendo al sincretismo de razas y culturas como una posibilidad de resistencia y negación de lo puro . Un aspecto clave y recurrente de este trabajo de Dávila, ha sido el interés en socavar la autoridad y rigidez de los modelos cent rales

en relac ión

América Latina . Su instalación de

a

sus

Juanito

exigenc ias Laguna

de

(1994),

una

supuesta

'esenc ia propia'

para

a partir de un personaje ficticio

creado por el pintor argentino Antonio Berni (1905-1gel), describe a un nino de las villas de miseria de Buenos Aires y sus esperanzas frustradas de escape. La imagen de Juanito, funciona en este trabajo a modo de alegoría donde se entretejen fragmentos y aspectos incongruentes de narrativas históricas, geográficas y artís ticas

de

varios

continentes.

A

partir

de

las

metamorfosis

que

esas

referencias generan en 'el cuerpo' de Juanito, Dávila produce una serie de figuras comp lej as cuya promiscuidad y encabalgamiento disuelven cualquier marca posible de identidad o de origen. El espacio físico de la obra se transforma también en una suerte de feria en la cual todo ha sido trastocado, contaminado. La mezcla exube rant e y laberíntica de historias, formatos, obj etos y j erarquías de esta carnava lización no solo hace evidente las ambivalencias y los conflictos inherentes a las experiencias coloniales, sino también muestra que toda "identidad es una máscara y que todo origen se desintegra en una serie de susti tuciones [ ...], transferencias y sincretismos".2 En su caminar y deambular constante por e l centro de la ciudad de México, Francis A11s registra impresiones, experiencias e imágenes, para hacer conexiones y discretas intervenciones escultór icas en sus calles. Alys se mueve entre pasajes e intersticios, manteniendo siempre una distancia prudente, la suficiente para mirar oblicuamente los objetos y las situaciones que encuentra a su paso y poder crear con estos momentos efímeros de interrelación y diálogo. Sus propuestas, más que el intento de fusionar realidades culturales, sociales y estéticas en extremo Anna Maria Maiolino' Many M ~itos detalhe 1995 argi la moldada [molded clay] instalação Beguinage of Kortrijk cortesia Kanaal Art Foundation , Kortrijk, Bélgica páginas segu intes [following pages] Juan Dávila Juanito Laguna detalhe 1994 instalação Chisenhale Gallery cortesia Chisenhale Gallery, Londres

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diversas,

son tentativas modestas

por cruzar y

conciliar -

siempre en difícil

equilibrio - obstáculos, distancias y diferencias. A1Js, quien es belga de origen, y ha hecho de México el lugar base de sus experiencias artísticas, trabaja con ideas esculturales, objetos, video y acciones que realiza caminando, y que rehace paralelamente también en forma de pinturas. Sus poéticas objetuales y escultóricas, surgen de las relaciones casuales que establece con objetos y situaciones de la vida diaria durante sus caminatas por la ciudad. Estas experiencias son animadas por la seducción y afinidad que siente ante el pulso desconcertante y vital de gentes, situaciones, imágenes y contactos provocados por una cultura urbana inmersa en grandes polaridades . A1Js trabaja en la marcha, sin rumbo fijo . A modo de un transeúnte atento, va recogiendo pistas, reciclando imágenes, trazando rutas, reinventando la ciudad todos los días . Desde 1991, construye objetos magnéticos - un pequeno perro de hierro (The collector) y unos zapatos con los cuales camina por las calles atrayendo y acumulando desechos, memorias e impresiones del universo urbano que lo rodea . En su obra ,

A1Js hace uso constante del reciclaje de imágenes,

nutriéndolas

del diálogo dinámico con tradiciones y procesos de la cultura popular local donde trabaja. Durante más de seis anos , ha llevado un taller de producción cooperativa con los rotulistas que pintan los anuncios populares del centro de la ciudad . A1Js, para muchos de su trabaj os se inspira en ese mismo tipo de lenguaj e visual . A partir de la reconstrucción de fragmentos de esas imágenes, hace pinturas de pequeno formato para que los rotulistas las reinterpreten y recreen a su propia manera. A través de este procedimiento, y buscando disolver cualquier posibilidad de autoría, modificadas

devuelve las imágenes nuevamente, y volver

a a

las fuentes de iniciar una y

donde surgieron para ser otra vez los ciclos de

reconfiguración, pasaje y circulación. Alys somete sus objetos, pinturas y operaciones esculturales a condiciones y relaciones de balance no resuelto. En muchas de las pinturas de figuras trabajadas en conjunto con los rotulistas, formal,

aparece la imagen genérica del hombre en traje

de la que se apropia, para reinterpretarla,

de los anuncios comerciales

populares de las sastrerias del centro de la ciudad. Alys presenta a este personaje, solitario y enigmático junto a muebles y objetos, y en situaciones de confusión, estranamiento e inestabilidad física. Su figura y las historias que se narran, permanecen siempre entre espacios, suspendidas, incompletas, en espera de un desenlace que nunca llega . A1Js acude a ese mismo tipo de relaciones tanto en sus pinturas de muebles y edific ios

i'ntervenidos por si tuac iones

escul tóricas,

como en las acciones que estas reproducen y que previamente ha realizado en sus recorridos. Este balance frágil e inquietante de imágenes, esta invers ión y sustitución recurrente de géneros y roles, esta continua aspiración por conciliar distancias y diferencias,

se extiende a todas las prácticas de A1Js . El sistema

sensible estructurado en su obra , revela un territorio vulnerado por obstáculos y márgenes que pese a todo permite seguir confiando en las posibilidades de diálogo con que puede sorprendernos lo cotidiano . La misma experiencia de desplazamiento, de vivir entre fronteras culturales, sociales y geográficas

intrínseca a la obra de A1Js , conforma las prácticas de HUgo Manglano-Ovalle. El trabajo de este artista articula esas nociones sin embargo, desde la perspect i va de una cultura 'latina' híbrida en los Estados

5


Unidos . Manglano-Ovalle examina en su obra, no tanto su propia historia 'mestiza , ' sino las representaciones y construcciones de identidad generadas por determinadas estructuras y categorías de poder en el espacio social . De naturaleza interdisciplinaria y participativa, su trabajo parte de estrategias conceptuales que abarcan varios medios - fotografía , cine, video , escultura e instalación in situ - a la par que utilizan materiales y lenguajes de las ciencias y la tecnología avanzadas

como estética para la manipulación de contenidos .

Desde sus trabajos

tempranos individuales y en colaboración con grupos de jóvenes latinos y chicanos , donde articulaba problemáticas de aculturación y de inserción de los inmigrantes , dentro de los marcos más amplios de la realidad socio-política norteamericana , sus obras

cuestionan

estables . Los trabajos

cualquier más

posibilidad

recientes

de

de

identidad

Manglano - Ovalle ,

o de

de

bordes

sobria

culturales

estética

post -

mi nimalista, construyen desde su cuidado hermetismo , un orquestado camuflaje que e sconde insospechadas paradoj as y tensiones . En El Nino Effect (El efecto del Ni no) , 19ge , una instalación que recrea el ambiente meditativo de un spa , el coloca

una banda sonora de fondo que reproduce los sonidos de una tempestad de verano y dos monitores que proyectan imágenes de nubes circulando de un lado a otro . Dos tanques aislantes idénticos llenos de agua salada , invitan al espectador a ' perder sus sensaciones' sumergiéndose en ellos . Lo provee además , de un servicio de duchas , jabón y toallas para uso público antes y después de entrar en los tanques . La

aparente

tranquilidad

paulatinamente

sus

de

este

intrincados

y

lugar

neutro

y

perturbadores

aséptico

contenidos .

va

develando

Utilizando

la

tecnología como poética y estét i ca de la manipulación y tragresión paródica de formas y significados , Manglano-Ovalle logra decodificar la violenc ia y desmaterializar la percepción del cuerpo en la obra .

Compara allí, por ejemplo ,

los registros usados para hablar de un fenomeno metereológico indeseable con las ideologias xenofóbicas contra el inmigrante . Por el efecto azaroso de un sistema climatológico desestabilizador -

El Nino,

el inmigrante indocumentado ,

amenazas

que vienen del sur - todo se transforma aquí en presagio de un desastre inminente . El relajante fondo sonoro revela de pronto los sonidos digitalfzados de cientos de

tiros

de

pistola .

Las

delicadas

y

aparentemente

calmas

nubes ,

a

punto

de

colisión , van de un lado a otro de la frontera entre México y los Estados Unidos anunciando una catástrofe en su conformación . El espectador , en su solitario y aislado en los tanques de 'privación de los sentidos' , forzosamente

su

escapismo ,

su

distanciamiento

y

sus

barreras ,

flotar pierde

absorbiendo

y

mezclándose , sin saberlo , con los fluidos de otros cuerpos que pasaron por ahí . Partiendo nuevamente de las estrategias de un lenguaje reduccionista de formas abstractas y concisas que llevan conceptualmente a su antítesis , en El Jardín de las Del i c i as (19ge) , Manglano - Ovalles anal i za y problemat iza construcc iones y r epresentaciones de la identidad a través de taxonomías de clasificación y control surgidas del espacio social . Traza paralelos entre las pinturas de castas del siglo d i eciocho , basadas en s i stemas coloniales de categorización de las razas mixtas del Nuevo Mundo , y las nuevas visiones y criterios de representación de la i dentidad y

la diferencia que

surgen de

la ciencia genética .

Esta

instalación

c onsta de 4e imágenes fotográficas creadas a partir de las huellas digitales del ADN de distintos individuos -información que el artista transfiere a archivos

6


Francis Alys Francis Alys and the collector Francis Allys e o coletor 1991 foto lan Dryden

Francis Alys The thief O ladrão 1996 óleo sobre tela [oil on canvas] 16 x22cm

Francis Alys Playing with pillows-while I was walking through the center of Mexico City I placed pillows in broken window frames Brincando com travesseiros-enquanto eu .andava pelo centro da Cidade do México coloquei travesseiros nas molduras de janelas quebradas setembro de 1990 Cidade do México

Franci s Alys Sem título [Untitled] 1994 óleo sobre tela [oil on canvas] 13x19cm


Francis Alys em colaboração com Felipe Sanabra EI colector O coletor

Francis Alys Sem título [Untitled] 1993

[The collector] 1991-92 Cidade do México

Cidade do México

Francis Alys The leak O vazamento agosto de 1995 São Paulo, Brasil foto Kurt Hollander

Francis Alys em colaboração com Juan García Sem título [Untitled] óleo sobre tela [oil on canvas] 98x120cm



IFiigo Manglano-Ovalle Twin Gêmeo 1994 cibacromo de exame de DNA [cibachrome of DNA analysis] 155 x61cm cortesia Max Protetch Gallery, Nova York EI Nino effect-nino and nino Efeito EI NiFio-menino and menino 1998 fotografia colorida [color photography] 101 ,6x152,4cm cortesia Christopher Grimes Gallery, Santa Mônica 91 América Latina Rina Carvajal


computarizados y que luego manipula en términos de forma y color y transforma eventualmente en transparencia Cibachrome y tres barriles de agua potable elaborada con fluidos humanos procesados y purificados para uso público . En esta obra , el artista busca exorcizar y hacer tambalear viejos tabúes y modelos autoritarios de representación mostrando espectros no jerárquicos y más globales de la identidad , cuestionando al mismo tiempo las impredecibles prerrogativas y ~aradigmas que esas nuevas configuraciones pueden llegar a generar . Hasta hace poco tiempo en su trabajo , Meyer Va i sman se burlaba mordaz e irreverente de si mismo y del espectador . Colocaba insistentemente su identidad en situaciones limites y paradójicas a través del juego repetido de las categorizaciones . Sus autorretratos tempranos , más que un contenido autobiográfico , reflejaban , a modo de máscara o espejo , una relación oblicua y elusiva hacia los otros y hacia si mismo . Desde los papeles que asumia como artista , complaciendo sin pudor la avidez consumista de su público , le devolvia proyectadas en sus retratos , la realidad de su mundo , la conciencia de su propia imagen . Ese sentido perturbador de comedia , simulación y opulencia de las prácticas tempranas de Vaisman , se fue transformado gradualmente en la inserción cada vez más introspectiva y sincera de su historia personal y de si mismo en su trabajo . Su obra reciente , trazando un pasaje distinto al de la superficie , el artificio y la ironia de obras tempranas , atraviesa bordes , obstáculos y distancias para descender a un espacio intimo , cada vez más cerca del cuerpo y de la vida . En obras de su primer periodo como Souvenir ( Recordatorio) , 1987 , construye un complejo lenguaje de ficciones superpuestas donde entremezcla temas como el autorretrato , la identidad y el simulacro . Buscando provocar una deliverada opacidad en la percepción de su obra , incorpora aqui de modo serial su propia caricatura realizada por un dibujante en las calles de Florencia . Elige un retrato torpe y ordinario de si mismo , una imagen intencionalmente ambivalente que incluye la visión 'ajena' y cuestiona inclusive su autenticidad como artista . El escepticismo , el humor transgresivo de su obra de estos afios , encubre / , subreticiamente un lado trágico . Refleja la artificial y colapsada realidad del individuo en las grandes urbes contemporáneas . Sus esculturas de pavos disecados son muy importantes en ese sentido , en Pavo Sin Titulo V, 1992 , por ejemplo , borrando repetidamente las fronteras entre lo cómico y lo trágico , utiliza a manera de alter ego , la tonta figura de ese animal muerto para cont inuar confrontando equivocos del comportamiento humano , y la personalidad artistica . Relativizando permanentemente la identidad y estableciendo una relación cada vez más extrecha entre lo visible y lo oculto , enmascara y revist e a este pavo de falsas identidades , confundiendo sus géneros y parodiando con el toda suerte de e stereotipos y convenciones sociales . Por ra~ones personales y de origen , Vaisman crea en su trabajo una vasta trama de interacciones culturales que alude recurrentemente a multiples desplazamientos e identidades . Nacido en Venezuela , de padres judios inmigrantes , vivió y trabajó por más de una década en Nueva York donde perteneció a una generación emergente de artistas que favorecia de modo abierto preocupaciones con e l arte Pop , Conceptual y Minimalista . Desde comienzos de los afios noventa , regresa a Caracas , donde reside actualmente . Verde por fuera , rojo por dentro , 1993, la primera obra Meyer Vaisman Meyer Vaisman 1998 plástico, resinas [plastic , resins] foto Ricardo Armas

7




que realiza a su retorno a Venezuela, es personal e inusualmente autobiográfica. Revirtiendo

sus

estrategias

habituales,

introduce

aquí

una

nueva

dimensión

introspectiva en su trabajo que se extiende a toda su producción reciente. Fabrica una modesta estructura arquitectónica que recrea y contrasta la fachada pobre y desnuda de un rancho venezolano con el interior sombrío de una casa burguesa. Un interior que reconstruye su dormi torio de casa familiar . Vaisman r ea liza

en

historia,

y

su

cuerpo

este su

trabajo

un

adolescente preservado recorrido

interioridad,

una

suerte

elíptico, de

intacto en la

vulnerable

excavación de

a

su

memorias,

emoci ones y experiencias que entretejen otras narraciones e historias paralelas, las de los miembros de su familia,

sus

innumerables exilios y desp lazam ientos,

aque llas de las contrastantes realidades sociales y económicas de Venezuela. El entre laza paradojas y relaciones con los materiales de esta edificación.

Coloca

cabe llos de nino aprisionados entre sus ladrillos y pelvises humanas y cráneos de yes o vaciado y pigmentado, mimetizados en sus cantos . Sin ventanas, completamente cerrado, e l

interior de esta construcción solo puede ser observado parcialmente y

con gran dificultad por el espectador a través de los angostos orificios de las pelvis de una mujer. Resistiéndose a ser descifrados, los e l ementos de la obra se desdibujan, desplazan persistentemente sus significados - esque leto , casa, ciudad, memoria,

vacío,

soledad -

la

intimidad aquí

silencio contenido de ese espacio,

es

transformada en estructura .

estalla de repente,

liberador,

El

en el estadio

fina l de la obra. Vaisman quiebra e l cemento, abre la puerta y la vida contundente, irrumpe en la habitación. Fragmento sobre fragmento,

cada vez más adentro, desde

los huesos, las emociones, incorpora densa, paulatinamente su cuerpo, su historia y sus senas de identidad. En Meyer Vaisman, exp ande

y

complej iza

1998, aún

un autorretrato donde más

la

introspección

integra su propia mortalidad, en

el

trabajo.

Exacerbando

su

caniba l ización, Vaisman realiza un 'retrato en muerte' que reproduce, a partir de un proceso tecnológico avanzado, la imagen tridimensional exacta de partes de su esqueleto. Buscando revelar lo que es ta oculto, va hasta la esencia, la disolusión misma de la identidad, para confesar la relativa fragilidad de la dinámica que la sostiene.

En este autorretrato,

el esqueleto,

reducido solo a puntos claves de

conección con el exterior - la cabeza, el coxis, las manos y los pies - permanece sin columna vertebral que lo sostenga. Muy autobiográfico y de una desmesurada introspección, e l trabajo de José Antoni o Suãrez a modo de una cartilla personal, registra en su exuberante fluxión de imágenes pequenisismas, una memoria anacrónica y diversificada. Memoria que da cuenta, no solo de los planos psíquicos de lo íntimo, sino también de una relación deliberadamente

oblicu~

con la realidad, vivenciada desde el resguardo solitario

de la propia imaginacíon . En su constelación prolífica de fuentes,

referencias e

imág enes y en su yuxtaposición permanente de esferas individua l es,

cotidianas y

sociales, esta obra , construye una narrativa dispersa que , día tras día , mes tras mes,

va trazando un inventario poét ico e

indiscriminado de

lo

interno y de su

re lación con la vida de todos los días. Suárez,

parte en su obra de una , experiencia casi monástica,

extremadamente

Meyer Vaisman Verde por fuera, rojo por dentro Verde por fora, verm elho por dentro [Green on the outside, red on the inside] 1993 instalação técnica mista [mixed media] fotos Ricardo Armas páginas seguintes [followi ng pages] José Antonio Suárez Cuadernos [Notebooks]

8


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íntima y localizada. Protegido de la violencia externa latente, y concentrado en su taller, procesa en sus innumerables y diminutas imágenes, una obsesiva conexión con el mundo de su entorno. Guarda celosamente numerosos recortes de periódicos, frases e imágenes que utiliza luego como referencias para su trabajo . Dibuja, además, copiosamente, haciendo grabados y llenandodiariamente cuadernos diminutos de imágenes y textos . A manera de un viaje interior,

integra cuerpo,

imaginación

y pensamiento para rehacer el mundo una y otra vez . Se retrata repetidamente a sí mismo con prolijidad y detallismo microscópico; explora y examina su sexualidad, ilustra sus estados vegetales, animales , busca su génesis; registra una singular y atemporal relación con la historia del arte; y recrea e ilustra al mismo tiempo las realidades contrastantes de la vida urbana colombiana, todo lo que escucha y ve a través de los medios . Sus pequenos cuadernos , manuscritos

medievales,

al modo de las ilustraciones en los márgenes de los

presentan

un

flujo

imágenes y textos en situaciones fragmentadas, depende del azar . Estas situaciones , movilidad,

vertiginoso

e

indiscriminado

de

cuya yuxtaposición y contiguidad

crean un ritmo secuencial inconexo de gran

una superposición arbitraria que provoca una marcada opacidad en la

percepción de las imágenes, solo claras y sencillas en apariencia . En la tradición de los vanitas y de su recolección alegórica de figuras y objetos , la iconografía íntima

que

éstas

imágenes

conforman ,

pareciera

registrar

complejos

estados

mentales , el paso y transitoriedad del tiempo . El formato íntimo, pequeno, la humildad artesanal de esta obra y su economía y sutileza de medios - lápiz, plumilla, témpera, acuarela y grabado - contraponen y contrastan una precisa disciplina de ejecución con un manantial divergente y anácronico de imágenes . Extremadamente densas y compactas en su acumulación, éstas imágenes testimonian una imaginación poética dinámica y singular . La obra de José Antonio Suárez, desde la modestia de su escala, habla de la fuerza y densidad de lo mínimo,

de

sobrevivencia,

delimitación,

desnudez

-

del exilio en la propia

interioridad . Las esculturas y ensamblaj es de Doris Salcedo exploran las historias de violencia silenciadas de la vida diaria colombiana ofreciéndolas como posibilidad de elaboración de un duelo público.

Con una fuerte connotación antropomórfica y

una drámatica yuxtaposición de materiales, de objetos y elementos arquitectónicos del ambiente doméstico,

su obra persigue poner en evidencia las experiencias de

pérdida y dolor que surgen tras esas historias . Salcedo ,

quien ha viajado a las

regiones más remotas del país para contactar y entrevistar a los sobrevivientes , como parte del trabajo artístico , se apropia de sus traumáticas narraciones y las reinterpreta

para

la

reconstitución

de

una

memoria

que

concite

el

respeto

colectivo hacia ellas . A manera de receptáculo y de lugar de remembranza, su obra busca expresar y legitimar ese dolor , restableciendo una relación de compromiso y de empatía con la vivencia de esa realidad . El trabajo de Salcedo parece articularse en un territorio de paradojas . Este territorio no solo reconcilia un espacio real con otro abstracto y metafórico ; representa

además ,

la

posibilidad

y

la

imposibilidad

de

expresar

el

dolor

individual y la tragedia de tanta gente . Materialmente muy densos , y cargados con una evidente energía física y visceral , sus trabajos , en su mezcla de objetos domést i cos ,

personales ,

y fragmentos

animales y humanos ,

9

intentan aprehender y


proyectar

a

partir

de

la

extensión deI

cuerpo

en el

espacio

social

una

percepción profunda de los estados interiores deI dolor. Experiencia demasiado radical y privada que por su propia naturaleza auto-referencial, se resiste siempre a ser objetivada en el lenguaje . AI ritmo persistente de sus procesos, la posibilidad de formular un lenguaje que concilie lo público y lo privado, aparece y desaparece una y otra vez en su obra sin resolverse nunca completamente . Salcedo refleja en su trabajo la necesidad e importancia de encontrar un modo de imaginar y traducir el dolor y la pérdida, así como la urgencia de inscribirlos en el territorio deI discurso público. Atrabiliarios (1992), es una instalación que presenta una serie de nichos recubiertos con membrana semi trasparente de vejiga de res cosida con puntos de sutura a la pared . En estos nichos, inserta

zapatos

femeninos

de

aquellas

mujeres

desaparecidas

por

Salcedo

acción

de

la

violencia y cuya muerte nunca ha quedado comprobada. A modo de un memorial , estas pequenas estructuras - evocativas de los cementerios colombianos - presentan una velada distancia con el espectador por la opacidad y tactilidad de la superficie y rememoran la ausencia de las víctimas y el sufrimiento y complejos estados psíquicos de sus sobrevivientes . A modo de huellas o reliquias deI cuerpo ausente , los zapatos quedan suspendidos dentro de un espacio intermedio donde la identidad permanece

Viuda

"suj eta a

una

infini ta borradura o

La Casa

desmaterialización ." (3)

(1993-94)

conforma una serie de ensamblaj es escul tóricos basados en la simbiosis de una puerta y fragmentos de muebles, prendas personales y elementos humanos

que la artista coloca en situaciones

Narrados desde una perspectiva femenina, el

destierro

deI

espacio

doméstico

y

de

obstrucción o de

aislamiento .

estos trabajos expresan la violación y

funcionan

a

modo

de

lamentación por

la

ausencia de los ocupantes de la casa . Con una intensidad y energía muy diversas de las de éstas últimas obras, viene realizando desde finales extrana

materialidad .

las esculturas de madera y concreto que Salcedo de los anos ochenta, presentan una drámatica y

Construidas

con muebles,

elementos

orgánicos

y

cemento,

estas piezas parecen retener el aura deI cuerpo humano aprisionada en el concreto . ElIas marcan y

testimonian además

los

atravesadas por elementos punzantes , sugieren heridas o cicatrices .

signos deI trauma en su superficie :

y sus grietas,

son

resquebraduras y abrasiones

A lo largo de toda su producc ión, los procesos de Salcedo, parten de una condicion esencialmente femenina deI hacer y parecen cumplir una compleja función ritual. La

extr~ma

insistencia de su labor, la obsesividad de sus gestos repetidos

- de costura, sutura y remiendo - aluden persistentemente a la necesidad de senalar las heridas, de mostrar las acciones de su reparación y curación , y de encontrar un espacio de continuidad . Desde las propias contradicciones de representación que la obra genera, estas reiteraciones sugieren un modo de activismo , la posibilidad de concertar la expresion colectiva deI dolor de otros redimiéndolo a través de la reconstrucción de su memoria . La fotografía de Miguel Rio Branco parece gestarse desde el centro mismo de una herida ,

desde

su involucramiento con todo aquello que ha sido marginado y

relegado a la oscuridad .

La enigmática densidad de sus imágenes , no solo remite

a un mundo de distancias sociales irreconciliables , sino que se constituye en llamada aI respeto por la vida ; una vida impregnada de humanidad , pero siempre en páginas seguintes [following pages] Doris Salcedo Installation 1995 instalação Carnegie International, Pitsburgo foto Richard Stoner cortesia Alexander and Bonin , Nova York

10




Miguel Rio Branco Le teu et la lionne O fogo e a leoa [The fire and the lioness] 1993 009 man Homem cachorro Maciel 1979 102 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros ."


103 AmĂŠrica Latina Rina Carvajal


peligro

y

al

borde

del

vértigo

provocado

por

su

deslizamiento

hacia

límites

extremos. Ellas conectan con emociones tragicas el horror, el instinto de sobrevivencia, el miedo a la muerte - y expresan reiteradamente la inevitabilidad del sufrimiento, la conjunción inseparable de la belleza y el desamparo. Bajo la superficie

tangible pero evasiva de

las

imágenes

de Rio Branco se

intuye una fuerza subterránea, una resonanc ia corporal poderosa. Estas fotografías, llenas de planos y espesores, despliegan, desde la grave solidez que las sustenta, un pulso móvil, polifónico que va de una sensación a otra, de una percepción a otra . Muchos de sus trabajos parten de un ensamblaje de imágenes por planos, de yuxtaposiciones y transparencias, que confrontan, sin comienzo ni fin, distintas

narrativas

e

integran

además

insospechados

efectos

y

percepciones

sensoriales. Casi cinemáticos, estos ensamblajes, mezclan ritmos y espacios muy diversos evocando nociones de temporalidad, quietud, movimiento e inusuales impresiones

táctiles

bestialidad

(1990-98), un montaj e audiovisual que evoca la animalidad del ser

y

olfativas .

En

Pequenas

humano , Rio Branco contrapone , a manera de estática y desolada de un perro agonizante, vertiginoso .

Estas últimas ,

narrativas y memorias.

reflexiones

sobre

una

cierta

narración retrospectiva , la imagen con otras, innumerables y en ritmo

establecen una suerte

de mise en abime de planos,

Su trayecto pareciera recordar la accidentada y desolada

existencia de este animal . Se intuye en esta obra , como lo intuimos en muchas otras , la inminencia de una tragedia y la imposiblidad de detenerla . Este perro se convierte de pronto en la parte más devastada del hombre. La precariedad de su universo, su resistencia a la muerte, se transforman en metáfora de todos aquellos seres marginados socialmente, y de su lucha desesperada por la sobreviviencia. El color con su intensa saturación, cumple una función estructural en el lenguaj e de Rio Branco. El uso del color, no solo conforma el tono expres i vo d.e su obra,

sino

que

le

permite

pictórica en la fotografía.

reconstruir su propia relación con la

En El fuego y la leona (1993), través

de

las

llamas

tradición

una leona banada en

rojo realiza un salto mortal

a

encendidas

de un aro.

textura visceral, sanguínea, irradiación del color y su

sustancia, tine aquí todo el espacio. La marcado cromatismo, acentúan una belleza

Su

oscura y una

bestialidad extremas y parecen suspender y reconciliar por un instante el peligro de una vida entre límites, su incierto tránsito entre la vida y la muerte. Partiendo de los objetos más elementales y de las potenciales transformaciones que éstos encierran, la obra de Victor Grippo expresa la densidad y la fuerza de la imagen a partir de una' gran austeridad de medios .

Densidad y fuerza de las

imágenes, en la medida en que éstas aluden a la constante expansión y modificación de la materia y del espíritu . A través de una fecunda estructura de analogías que conecta

e

integra

elementos

muy

disímiles

y

opuestos,

las

investigaciones

de

Grippo ofrecen continuas asociaciones entre el arte , la ciencia , la vida diaria y su relación con lo cósmico . De su entrenamiento temprano

como químico y

de

su gran fascinación por la

ciencia y la experimentación , Grippo adquirió una particular inclinación por la organización de sistemas para la exploración y modificación de fenómenos , experiencias

que

incorpora

evidencian la inestabilidad,

a

su

propio

trabajo

artístico .

Sus

indagaciones

transformación y tránsito constante de las cosas a

Victor Grippo Vida-muerte-resurrección [Life-death-resurrection] 1980 chumbo , feijões , água [Iead, beans, water]

11


105 AmĂŠrica Latina Ri na Carvajal



nuevas realidades, ampliando y convirtiendo la frugal materialidad de los objetos mas humildes y comunes en poderosas metáforas de energía latente . Muchas de sus esculturas e insta laciones , giran en torno a los más .variados procesos y rituales de nutrición . Surgen específicamente , de las numerosas asociaciones que establece con la papa . Grippo utiliza la imagen de este tubérculo para 'lograr una conciencia modificada, a través de una materia modificada' . En Analogía I (1970-77) , una instalación que presenta una extensa configuración de papas colocadas sobre mesas , plataformas y sillas conectadas a electrodos ,

cables y a un voltímetro que mide

la carga eléctrica que ellas generan , Grippo coloca un texto que sugiere la integración de sus varios estadios : actuando a modo de amplia metáfora , la papa es allí naturaleza , alimento , conciencia y energía vital . Esta

transposición

artístico provoca una

permanente corriente

de

objetos

inagotable

de

de

la

vida

analogías

y

diaria

al

discurso

oposiciones ,

y

crea

también todo un nuevo sistema de relaciones para aquellas cosas que ' miramos sin verlas , y que usamos sin saber que contienen energía' . La mesa , por ejemplo , ocupa un lugar fundamental en su trabajo . Además de funcionar como tema o soporte en casi

todas

sus

obras ,

sirve

para

constatar

la

confluencia

de

numerosas

experiencias , memorias y transmutaciones . En Tabla (1978) , vemos una mesa modesta y gastada , con un texto en la superficie que describe su uso en el tiempo y guarda las huellas de una existencia de vida : en ella se preparó el alimento , se compartió con otros , se vivenció el trabajo , el sueno , la esperanza . Esta mesa fue testigo también 'de algunos dibujos ,

de algunos poemas ,

de algun intento metafísico que

acompanó la realidad' . Más allá de oposiciones y contradicciones , y por la acción de un gesto mínimo

cargado de

significación ,

el objeto evidencia aquí

todo su

potencial de aSimilación , movilidad y transformación . En Vida - Muerte-Resurrecci6n (1980) " Grippo coloca frijoles mezclados con agua. dentro de contenedores de plomo de formas geomtricas . La secreta germinación de las

semillas

quiebra la resistencia de

las

formas

metálicas :

al manifestar su

energía, afirman el poder y la continuidad de la vida . El trabaj o de Grippo parece ofrecer en sus analogías y correspondenc ias un espacio de reconciliación y de pasaje . Estas analogías, a la vez que aluden a un interminable proceso de transformaciones , sugieren una integración de múltiples niveles y experiencias , en tanto que la posibilidad de hacer de la identidad un lugar de pertenencia , sin bordes ni coerción , en que se borran y reconstruyen los propios límites constantemente .

Notas Todos los textos colocados entre comillas simples refieren a palabras del artista . 1.

Antropofagia : Concepto creado por el poeta y escri tor Oswald de Andrade

(1890 - 1954) y publicado en la Revista de Antropofagia , en mayo de 1928 , que propone una visión cultural brasilena para la devoración y transformación crítica de la influencia extranjera y su reconstrucción en térm i nos nacionales . 2.

Carlos

Pérez

Villalobos ,

"Identity

and

Scatology ,"

en

Juanito

Laguna .

Catálogo de exhibición (London : Chisenhale Gallery , 1994) , ~ .8. J . Madeleine Grynsztejn , About Place : Recent Art of the Americas . Catálogo de exhibición .

(Chicago : The Art Institute of Chicago , 1 995), p . 14 .

Victor Grippo Analogia I [Analogy I] 1970- 77 instalação Ikon Gallery, Birmingham batatas , arame, etetrôdos, voltímetro, texto [potatoes , wire, electrodes, voltmeter, text] cortesia e foto Juan Oávila

12








Canad谩 e Estados Unidos

curadoria Ivo Mesqu ita

Antropofagia: "art history as a ready-made-in-waiting" , (ready-made retificado), 1998

114 路 XXIV Bienal "Roteiros . Rote iros . Roteiros . Rote iros. Roteiros. Rote iros. Rotei ros."


"Em verdade eu vos digo que todos os passos do mundo se cruzam e entrecruzam, os tempos vêm e vão, só os lugares permanecem. E esperam." ["Indeed I tell you that all the paths of the world cross and intertwine, the times come and go, only places remain. And they wait."] "Toda a viagem é imaginária porque toda a viagem é memória." ["All traveI is imaginary because all traveI is memory."] José Saramago, Cadernos de Lanzarote, 27.4.1994 e 8.12.1994, respectivamente, São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

Eu não pertenço a esse lugar mas aprendi a estar. Cruzei a vasta pradaria, o branco do norte, as montanhas do leste e do oeste, o rio, o mar, cidades. Ao sul, a cerca-reciclagem da guerra, maior dos insultos-divide o mundo novo em dois. A outra trincheira, entre eles ao norte, não é diferente, apenas mais sutil e mentalmente cruel-"as inquisições exteriores". Fronteiras políticas designando territórios que se querem aparte no continente americano.Aqui vive uma gente variada e outra, com quem, a despeito dos cultural c/ashes, nos tocamos, gentilmente, "[n]a existência palpável da vida". Aqui aprendi de onde eu venho. Das Américas: não importa se protestantes de lingua anglo-saxã ou católico de língua latina, "só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz". Cu rador cartógrafo, sempre. "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros." I do not belong to this place but I have learned to be Chere). I crossed the vast prairie, the white ofthe north, the mountains of the east and of the west, the river, the sea, cities. To the south, a fence-a war refuse, the greatest of all insults-divides the new world in two. The other trench, between those to the north, is no different, just more subtle and mentally cruel-"the foreign inquisitions" .. PoliticaI borders designating territories that are to be kept apart in the American continent. Here live a varied group of people, and another with whom, despite the cultural clashes, we meet in a gentle way, "[in] the palpable existence of life." Here I learned where I come from. From the Americas: whether Protestants speaking Anglo-Saxon tongues or Catholics with a Latin language, "only anthropophagy unites uso Socially. Economically. Philosophically. The world's only law. The disguised expression of all individualisms, of all collectivisms. af all religions. af all peace treaties." A cartographer-curator, always. "Routes. Routes. Routes. Routes. Routes. Routes. Routes." Ivo Mesquita. Translatedfrom the Portuguese by Thomas Nerney. Jeff Wall The storyteller o contador de histórias 1986 transparência em caixa de luz [transparency in light box] 229x437cm coleção Museum für Moderne Kunst, Frankfurt cortesia Mary Goodman Gallery, Nova York

115 Canadá e Estados Unidos Ivo Mesquita


986 Nova York Atlan tic City Wash ington Nova York 1988 Nova York New Haven Fi ladélfia Baltimore Washing ton Nova York Toronto Winnipeg Toronto Montreal Quebec

"As complexidades do atual cenário das relações Estados Unidos-América Latina vêm imprimindo um impacto decisivo no papel desempenhado por práticas curatoriais ante a representação da arte latino [norte] americana. O vácuo orgânico produzido pela crise de movimentos de oposição na América Lati na [do Norte], o desapareci mento de um enq uad ramento bi polar articu lador de práticas de resistência, e sua substituição por um enquadramento neoliberal de mercado, não chegou a deslocar artistas e intelectuais de seus papéis tradicionais na esfera pública de seus países.' Porseu tu rno, o cu rador emergi u como o agente pri mário de u ma grande rede de interesses privados. Essas novas condições vêm ditando que o curador transforme a si próprio num 'cidadão transnacional, responsável por uma cartografia de dissolução de fronteiras culturais'. 2 Isso implicou uma troca da posição ética do 'crítico resistente' por um papel neutro [ético] de 'agente cultural'." 1.

VerYúd ice, "G loba lizac ión e intermediación cu ltura l", n.p.

2. Ivo Mesqu ita, Cartog raphies, Winnipeg Art Gal lery, '993, P,'3 - 62.

Extraído de Mari Carmen Ramírez, [Negociando identidades: curadores de arte e a política cultural da representação], traduzido do inglês por Adriano Pedrosa.

116 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros. Rote iros. Roteiros . Rote iros. Roteiros. Roteiros ."

I


lipeg Calgary Banff Vancouver Edmonton Winnipeg Toronto Nova York Filadélfia Nova York 1989 Nova York Nova York 1990 Nova York Toronto Winnipeg Toronto Nova Yorf

"The complexities ofthe present scenario ofUnited StatesfLatin American relations have had a definite impact on the rale of curatorial practices vis-à-vis the representation ofLatin [North] American art. The organic vacuum praduced by the crisis of oppositional movements in Latin [North] America, the disappearance of the bi-polar framework that articulated practices of resistance, and their substitution by the neo-liberal market framework, has all but displaced artists and intellectuals fram their traditional rales in the public spheres of their countries. 1 ln their stead, the curator has emerged as the primary agent of a large network of privatized interests. The new conditions have dictated that the curator transform him ar herself into 'a transnational citizen, responsible for a cartography of the dissolution of cultural frontiers.'2 This has implied exchanging the ethical position of the 'resistant critic' for the neutral [ethical] rale of'cultural braker.'" See Yúdice, "Globalización e intermediación cultural", n.p. 2. Ivo Mesquita, CartoBraphíes, Winnipeg Art Gallery, 1993, PP.13-62.

1.

Extracted fram Mari Carmen Ramírez, "Brakering identities: art curators and the politics of cultural representation", in Reesa Greenberg, Bruce W. Ferguson and Sandy Nairne, eds., Thinking about Exhibítions, New York: Routledge, 1996. Geoffrey James The fence at Tijuana A cerca em Tijuana díptico da série Running fence Cerca 1997 fotografia preto-e-branco [black and white photograph]

117 Canadá e Estados Unidos Ivo Mesquita


)allas Minneapolis Winnipeg Toronto Nova York 1991 Nova York New Haven Toronto Winnipeg Montreal Toronto Nova York 1992 Nova York Toronto Winnipeg Toronto Washinรง

118 XXIV Bienal "Rotei ro s. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Rote iros. Roteiros. Roteiros."


a York Miami Chicago Nova York Dallas Minneapolis Winnipeg Toronto Nova York Washington Nova York 1993 Nova York Toronto Winnipeg Montreal Nova York Miami MialT

"Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de velhos vegetais. E nunca soubemos o que era urbano, su bu rbano, frontei riço e conti nental. [. .. ]" "A fixação no progresso por meio de catálogos e aparelhos de televisão. São apenas maquinaria. E os transfusores de sangue." "Mas não foram cruzados que vieram. Foram fugitivos de uma civilização que estamos comendo, porque somos fortes e vingativos como o Jaboti." "O que se dá não é uma sublimação do instinto sexual. é a escala termométrica do instinto antropofágico. De carnal, ele se torna eletivo e cria a amizade. Afetivo, o amor. Especulativo, a ciência. Desvia-se e transfere-se. [... ]" "It was because we never had grammars, nor collections of old vegetables. And we never knew what urban, suburban, frontiers and continents were[. .. ]" "The determining of progress by catalogues and television sets. They are only machines. And the blood transfusors." "B ut they who cam e were not crusaders. They were fugitives from a civilization that we are devouring, because we are strong and vengefullike the Jaboty." "What happens is not a sublimation of sexual instincts. It's the thermometric scale of the anthropophagite instinct. Moving from carnal to willful, and creating friendship. Affectionate, love. Speculative, science. Deviation and transference [... ]" Extraído de [extracted from] Oswald de Andrade, "Manifesto antropófago" [Anthropophagite manifesto],19 28. Ao contrário do canibalismo, que é regido por uma lógica generalizadora, a antropofagia supõe um ritual, parte de uma etiq ueta de guerra, não em confronto por territórios mas num em bate cu Itu ral, ecológico, de equilíbrio das trocas. Enquanto estratégia ela supõe uma escolha, o reconhecimento de qualidades que valorizam o inimigo: "só me interessa o que não é meu". A estratégia da antropofagia é análoga à estratégia do ready-made. Ambas supõe a determinação de uma escolha, o envolvimento com um idioma menos puro, a reciclagem cultural, "única lei do mundo". Mas essa escolha é, sobretudo, uma operação crítica. Não é qualquerobjeto, idéia ou situação apropriados por um artista que constitui um ready-made, mas antes é a opção por um certo objeto, idéia ou situação e a relação deles com contextos determinados que lhe confere sentido. A antropofagia confisca valores, celebra a memória dos mortos, investindo-os novamente de sentido, pela "experiência pessoal renovada". Unlike cannibalism, which is driven by a generalizing logic, anthropophagy suggests a ritual, part of an etiquette of war, not in a struggle for territories but in a cultural, ecological encounter of the equilibrium of exchanges. As a strategy it indicates a choice, the recognition of qualities that give value to the enemy: "I'm only interested in what is not mine". The strategy of anthropophagy is analogous to the strategy of the ready-made. Both indicate the determination of a choice, involvement with a less pure language, cultural renewal, "the world's only law." But this choice is, above all, a criticaI operation. It is not just any object, idea or situation appropriated by an artist to constitute a ready-made, but before that it is the option for a particular object, idea or situation and their relation to particular contexts that confers meaning to it. Anthropophagy confiscates values, celebrates the memory of the dead, reinvesting them with meaning, through the "renewed personal experience". LM .. Translatedfrom the Portuguese blJ Thomas Nerney. Sherrie Levine After van Gogh: 3 D'aprês van Gogh: 3 1993 fotografia em preto-e-branco [black and white photograph] 25.4x20,3cm

119 Canadá e Estados Unidos Ivo Mesquita


194 Nova York Ottawa Montreal Ottawa Nova York Miami Los Angeles Monterey Big Sur San Francisco Nova York 1995 Nova York Washington Nova York Toronto Winnip

"Estratégias

fágicas

[do grego

phagos: aquele que come] e eméticas [do grego emein: vomitar]

são apli-

cadas em cada sociedade em paralelo e em todos os níveis de organização social. Ambas são mecanismos indispensáveis de espaçamento social, mas sua eficácia reside precisamente em sua dupla presença, apenas como um par. Sozinhas, cada uma delas engendraria muito desperdício para assegu rar um espaço social mais ou menos estável. Contudo juntas, e valendo-se do desperd ício da outra, as duas estratégias podem tornar seus respectivos custos e inadequações um tanto menos proibitivas ou mais toleráveis."

"A estratégia fágica é 'inclusivista', a emética é 'exclusivista'. A primeira 'assimila' os estranhos aos vizinhos, a segunda mistura-os aos estrangeiros. Juntas, polarizam os estranhos e tentam darconta do mais crítico e perturbador meio de campo entre os pólos de vizinhança e do estrangeiro. Aos estranhos para quem elas definem uma condição de vida e suas escolhas, essas estratégias estabelecem um verdadeiro parde pólos mutuamente exclusivos: conforme-se ou dane-se, seja como nós ou não fique aqui por muito tempo, jogue de acordo com nossas regras ou esteja preparado para

ser expulso do jogo para sempre." Extraído de Zygmunt Bauman, [Ética pós-moderna], traduzido do inglês por Adriano Pedrosa. Gabriel Orozco Island into the island Ilha dentro da ilha 1993 cibacromo 31,5x47,3cm cortesia Marian Goodman , Nova York Catherine Opie Untitled #2 Sem título nQ 2 da série Mini-mail Mini-shopping 1997 iris print 40,6 x104,1 cm cortesia Regen Projects , Los Angeles

120 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


Itreal Nova York Dallas San Diego Borrego Springs Dallas San Diego Dallas 1996 Nova York Annandale-on-Hudson Washington Boston Mattapoiset Filadélfia Nova Yor

"Phagíc [do grego phagos: aquele que come] and emetíc [do grego emeín: vomitar] strategies are applied in parallel, in each society and on every levei of social organization. They are both indispensable mechanisms of social spacing, but they are effective precisely because oftheir co-presence, onlyas a pairo Alone, each strategy would spawn too much waste to be able to secure a more or less stable social space. Together, however, the two strategies, disposing of each other's waste, may make their respective costs and inadequacies somewhat less prohibitive or more bearable." "The phagic strategy is 'inclusivist,' the emetic strategy is 'exclusivist.' The first 'assimilates' the strangers to the neighbors, the second merges them with the aliens. Together, they polarize the strangers and attempt to clear up the most vexing and disturbing middle-ground between the neighborhood and alienness poles. To the strangers for whom they define the life condition and its choices, they posit a genuine 'either/or': conform or be damned, be like us or do not overstay your visit, play the game by our rules or be prepared to be kicked out from the game altogether." Extracted from Zygmunt Bauman, Postmodern ethícs, Oxford: Blackwell, 1993, P.163.

121 Canadá e Estados Unidos Ivo Mesquita


'hoenix San Diego Nova York San' Diego Palm Springs Los Angeles Santa Bárbara San Luis Obispo San Simeon Big Sur Carmel Berkley Sono ma San Francisco Nova \

Arte: ruptura em contexto

Em Un libro saturniano [Um livro saturniano] (1913), um discípulo de Jean Lorrain, René Zapata Quesada, desenvolveu a teoria da criminalidade americana como fruto da antropofagia indígena e da delinqüência conquistadora. Oliverio Girondo, a quem o texto era dedicado, cunhou um conceito: o estômago eclético latino-americano. Oswald de Andrade sintetizou-o: tupy or not tupy that is the questiono Caetano Veloso instrumentou-o e até o monumentalizou com seu Verdade tropical (1996). A Bienal de São Paulo proporá outro tanto este ano, ao comemorar os setenta anos do "Manifesto antropófago" (1928) . Que lugar merecem hoje o crime, a devoração e a antropofagia em uma reflexão sobre a arte contemporânea? Em uma primeira instância, poderíamos pensar que existe uma grande diferença entre a antropofagia de vanguarda e o canibalismo global. A antropofagia foi uma estratégia de ampliação e consolidação de mercados nacionais sob o controle férreo da burguesia local. O canibalismo, no entanto, leva a extremos a contradição entre a nacionalidade econômica (de empreendimentos isolados e grupos de interesses específicos) e a reprodução ingovernável da sociedade global como umtodo. A outsourcing, a terceirização, a delegação nada tem a ver com a luta clássica, agônica e guerreira, dos arcaicos tupis ou da velha vanguarda. Éo mesmo capital que, em nome do neoleviatanismo social, transfere não só capital de um mercado para o outro mas, principalmente, obrigações, garantias, compromissos de um nível a outro do mesmo sistema. Na realidade, não se trata mais de uma disciplina de incorporação, em que o estômago eclético tudo devora, mas sim de uma estratégia de esvaziamento e descarga por meio da qual se consolida a nova cultura de responsabilidades flutuantes e inovações empresariais contínuas. Não podemos mais, então, falar do antropofágico. Temos de falar do antropoemético (de emein, vomitar). Robert I<urtz explica: "Não é mera casualidade, diz ele, que os bancos e companhias financeiras estejam à testa das megafusões. Como se sabe, o acúmulo cada vez menor de capital real é compensado por um fantástico endurecimento de títulos puramente financeiros. Assim como a produção de bens de investimento e consumo não é mais que um hobby secundário do alucinado capital financeiro, da mesma maneira, a orientação estratégica no campo de batalha global das fusões passa do mercado de bens ao mercado de capitais. Por isso os grandes bancos vão à falência mais rapidamente e em maior proporção que outros empreendimentos e também assumem a liderança da concentração de capital como um todo. A fusão estratégica do capital real está subordinada à fusão estratégica do capital fictício, já que a renda dos investimentos a curto prazo é maiore mais imediata que os investimentos a longo prazo, destinadas à produção real". Essa lógica supera a antropofagia do peixe grande que come o pequeno e entroniza a antropoemia de produzirdejetos sociais. Em um texto sobre "O antropófago", Oswald de Andrade diferenciou a economia capitalista do possuir de uma economia libidinosa do ser. Contra o princípio aleatório e acumulativo do capital que, para dizê-lo com Erasmo, se poderia guiar pelo Pecuniae obediunt omnia, tudo se subordina ao dinheiro, o poeta de vanguarda reivindicou o lance de dom, uma economia dadivosa, desprevenida e pródiga que, como Santo Tomás (mas também como Bataille), mantivesse que usus pecuniae ipsius, isto é, que a econom ia se basta a si própria e depende do gasto. As vanguardas aceitaram sua temporalidade ou historicidade, isto é, se aniquilaram quando se assumiram como vanguardas históricas. Em outras palavras, quando abandonaram a política em

122 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


mi 1997 Nova York Annandale-on-Hudson Boston Chicago Nova York San Diego Nova York Dallas San Diego Los Angeles San Francisco Vancouver Banff Calgary Chicag

favor da ideologia. Por outro lado, a arte não é propaganda mas valor de uso. Esse conceito separa (analisa, critica) a contradição entre o valor (antropofágico) e o uso (antropoemético): por meio do uso se transgride a conservação, acumulação e capitalização dos valores. Contudo essa transgressão não pode ser uma simples imitação do existente mas uma fissura do ser, indício ambíguo que revela tanto o esgotamento de valores como a urgência para normalizar a sua avaliação, sua circularidade autodesejável. Em uma conferência recente sobre arte política, Susan Buck-Morss desenvolveu suas conhecidas idéias de resgate de uma experiência de vanguarda a partir da interrupção temporal e do deslocamento espacial, mas não deixava no entanto de notar que essas características não são exclusivas da arte e estão, elas também, disseminadas e gastas em nossa cultura. Num tom em que se pode reconhecer o autoquestionamento, admitia que nosso sucesso pessoal, como já sabemos, alimenta a ideologia dominante assim como nossa preocupação por marcas, símbolos e prestígio sustenta as corporações globais e, conseqüentemente, a mesma exploração, não menos global. Mas aquilo que Hegel chamou de consciência infeliz, Marx redefiniu como alienação e os existencialismos c~nsuraram como o não-autêntico, paira, muitas vezes, como pensamento desarticulado, acessível à consciência somente quando reconhecemos, apesar disso, que uma opção ou decisão pessoal implicará, necessariamente, perdas ao outro. Alguém certamente pagará pelo nosso desejo. Dias atrás alguns operários despencaram de uma obra em Buenos Aires quando caiu o elevador de carga sobre o qual trabalhavam. O nacionalismo de opereta da mídia não deixou de enfatizar que o elevadorera brasileiro (peça esquecida, talvez, na lista de Schindler... ). Ninguém lembrou que o único brasileiro da situação era a situação em si, descrita, há 30 anos, pela "construção" de Chico Buarque de Holanda. Poucos lembraram que o dono da obra em construção era o mecenas Constantini e, menos ainda, que no seu patrimônio figura um dos quadros-ícones da vanguarda latino-americana, o Abaporu, o antropófago, de Tarsila do Amaral. Mais do que nos devolvero sabor amargo de uma alegoria brechtiana, a história nos mostra o outro lado da violência contemporânea. Chico Buarque hoje põe a voz (como José Saramago a letra) a uma estetização do mundo do trabalho, as imagens do fotógrafo Sebastião Salgado, livro imprescindível em uma mesa frente ao sofá de uma sala de estarcool e da moda. A política da arte nos propõe uma dupla estratégia, de entrega e resistência à interpretação. Rompe com a memória como acumulação autoritária de valores instrumentais mas, ao mesmo tempo, reinscreve essa ruptura no espaço imanente de uma experiência de embate que implica o sujeito, na medida em que toca o seu corpo. Produz seu corpo. Engana-se quem pensa que a antropofagia devora corpos. Ela os produz. Quem se alimenta de carne humana é o canibalismo cínico. Por outro lado, a política da arte nos propõe uma ruptura imanente, uma prática crítica, contextualizada, segundo a qual, voltando a Buck-Morss, a arte é-ou deveria ser-a continuação da política por outros meios, meios que não são nunca meramente instrumentais mas que, como a ética, são um fim em si mesmos. Infinitos por definição. Diferentes por essência. Raul Antelo. Traduzido do espanhol por Lilia Astiz.

123 Canadá e Estados Unidos Ivo Mesquita


Jronto Montreal Nova York 1998 Nova York Annandale-on-Hudson Nova York Miami Nova York Detroit Windsor Nova York Houston Nova York San Diego Los AngE

Art: rupture in context

ln Un libra saturniano [A saturnine book] (1913), a disciple ofJean Lorrain, RenĂŠ Zapata Quesada, developed the theory of American criminality as the result of indigenous anthropophagy and conqueror delinquency. Oliverio Girondo, to whom the text was dedicated, established a concept: the Latin American eclectic stomach. Oswald de Andrade synthesized it: tupy ar not tupy that is the question. Caetano Veloso orchestrated and even monumentalized it in his Verdade Tropical [Tropical Truth] (1996). This year the Bienal ofSĂŁo Paulo will further these investigations, with its celebration ofthe seventieth year ofthe "Anthropophagite manifesto" (1928) . What place do crime, devourment, and anthropophagy deserve today in a retlexion of contemporary art? At first we could think that there is a big difference between avant-garde anthropophagy and global cannibalism. Anthropophagy was a strategy of the enlargement and consolidation of national markets under the strict control of a local bourgeoisie. However, cannibalism accentuates the contradiction between the economic nationality (of isolated ventures and groups of specific interests) and the unmanageable reproduction of the entirety of global society. The outsourcing, contracting, delegation has nothing to do with class struggle, agonizing and warlike, ofthe archaic tupi ar the old avant-garde. It is the sarne capital that, in the name of social neo-Ieviathanism, transfers not only capital from one market to another, but mainly liabilities, warranties, obligations from one level of the sarne system to another. ln reality, it is no longer a question of a discipline of incorporation, in which the eclectic stomach devours everything, but of a strategy of evacuation and discharge through which a new culture of tluctuating responsibilities and continuous business-like innovations is consolidated. Therefore, we can no longer speak in terms ofthe anthropophagite. We must speak ofthe anthropoemetic (from emein, to vomit). Robert Kurtz explains this: "It is not accidental, he says, that banks and financing institutions are at the head of the megafusions. As is well known, the ever decreasing accumulation of real capital is compensated by a fantastic tightening of strictly financial securities. Just as the production ofinvestment and consumer goods is merely a secondary hobby ofthe dazzling financial capital, in the sarne way the strategic orientation in the global battlefield of the consolidations goes from the goods market to the capital market. For this reason the large banks go bankrupt not only more rapidly and in greater numbers than other businesses but they become the leaders of capital concentration as a whole. The strategic consolidation of real capital is subordinated to the strategic consolidation of fictitious capital since short term investment incarne is larger and more immediate than long term investments, designated for real production". This logic surpasses the anthropophagy of the big fish that eats the small one and enthrones the anthropoemy of producing social debris. ln a text on "O antropĂłfago" [The anthropophite], Oswald de Andrade distinguished the capitalist economy of possessing from a libidinal economy of the self. Against the aleatory and cumulative principIe of capital which, according to Erasmus, could be ruled by Pecuniae obediunt omnia, all is subordinated to money, the avant-garde poet reclaimed the golpe deI don, a liberal economy, unprovided for and prodigal, as Saint Thomas (but also as Bataille) would maintain that usus pecuniae ipsius, that is, that economy sustains itself and relies on consumption. The avant-garde movements accepted their temporality ar historicity, that is, annihilated themselves, when they recognized themselves as historical movements. ln other words, when they gave

124 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


a York Dallas San Diego Nova York Montreal Nova York

up politics for ideology. Art, instead, is not propaganda but usage vaI ue. This concept separates (analyzes, criticizes) the contradiction between the value (anthropophagite) and the usage (anthropoemetic): through usage it is possible to transgress the conservation, accumulation and capitalization of values. But this transgression cannot be a simple resistance ofthe extant but a fissure of the being, an ambiguous sign that indicates both the exhaustion of values as well as the urgency to normalize its evaluation, its self-desirous circularity. ln a recent conference on politicaI art, Susan Buck-Morss developed her well-known ideas ofthe rescue of an avant-garde experience departing from the temporal interruption and spacial displacement but nevertheless did not fail to observe that these characteristics are not art exclusive and they also find themselves disseminated and worn out in our culture. ln a manner in which it is not difficult to recognize the self-questioning, she admitted that our personal success, as we know, feeds the dominant ideology as well as our preoccupation with brands, symbols and prestige supports the global corporations and, as a consequence, the sarne equally global exploitation. But that which Hegel called unhappy consciousness, Marx redefined as alienation and the existencialisms condemned as that which is inauthentic, floats, very often, as an inarticulate thought, accessible to consciousness only when we recognize, no matter how difficult it may be, that a personal option or decision will inevitably bring losses to the other. Someone will surely pay for our wish. A few days ago some workers tumbled at a building site in Buenos Aires when a scaffolding collapsed. The operetta nationalism of the media could not help but emphasize that the elevator was Brazilian (a forgotten piece, perhaps, in Schindler's list... ). No one remembered that the only Brazilian aspect ofthe situation was the situation itself, described, 30 years ago, by Chico Buarque de Holanda's "construction". Few remembered that the owner ofthe building under construction was the maecenas Constantini and least of all that, in his patrimony, features one ofthe icon-paintings ofthe Latin American avant-garde, Tarsila do Amaral's Abaporu, the anthropophagite. But more than handing us back the bitter flavor of a Brechtian allegory, history shows us the other side of comtemporary violence. Chico Buarque gives voice today (as José Saramago, words) to a peculiar estheticism of the world of work, the images of the photographer Sebastião Salgado, an essential book to rest on a coffee table of a cool and fashionable living room. The politics of art offers us a double strategy, of surrender and resistance to interpretation. It breaks with memory as the authoritarian accumulation ofinstrumental values but, at the sarne time, redrafts this rupture within the immanent space of an experience of confrontation that involves the subject as it touches its body. Produces its body. He who thinks that anthropophagy devours bodies is wrong. It produces them. He who feeds on human flesh is the cynical cannibalism. On the contrary, the politics of art proposes to us an immanent rupture, a criticaI practice, contextualized, according to which, going back to Buck-Morss, art is-or should be-the continuation of politics through other means, means that are never merely instrumental but that, as ethics, are an end in itself. Infinite by definition. Different by essence. Raul Antelo. Translatedfrom the Spanísh by Lílía Astíz.

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Os museus no Canadá e nos Estados Unidos estão entre as mais completas realizações do projeto daquelas sociedades 1 • Isso se deve ao espírito capitalista, à ética protestante, ao individualismo celebrado pelo se/f-made-[wo]man, e à filantropia como forma de socialização-"uma consciência participante, uma rítmica religiosa". São conquistas socioculturais porque criaram uma cultura de museus e implementaram a sua manutenção na esfera do capital privado. Se as coleções são ou não o resultado da pilhagem, da especulação, da apropriação pelo mercado de arte, não altera o sentido simbólico que têm de modo amplo para aquelas sociedades: são, a tradição materializada-a história da qual foram excluídos todos os americanos-e que pode ser comprada, contemplada, multiplicada e mercantilizada. Incorporam essa tradição por meio da deglutição:-"Absorção do inimigo sacro. Para transformá-lo em Totem", o substrato da história e da cultura que estão construindo. Transformaram certa história da arte ocidental em uma espécie de ready-made-in-waiting, uma escolha precisa "[dJa humana aventura". No entanto, uma assepsia de todas essas operações digestivas se faz necessária. Essas coleções encontraram na América do Norte as condições técnicas de conservação e preservação que até então não lhes haviam proporcionado seus lugares de origem. A tecnologia museológica (conserVação, display, segurança, programas e corpo técnico) desenvolvida e implementada pelas instituições canadensés e norte-americanas garantem aos acervos as condições de uma longa sobrevida e a assepsi~ das operações que movimentam o espaço institucional, um território protegido, seguro pelo aparato técnico e pelo idealismo da função. Esse modelo de museologia como que representa a contribuição "norte-americana" para a preservação da história ao mesmo tempo que define os padrões tecno-profissionais pré-requisitados p~ra que se participe de um certo circuito de informação e conheciment02. Vinculadas aos movimentos do capitalismo e à implementação de um modelo socioeconômico por meio de um projeto político-cultural, os museus constituem um território de reprodução simbólica e material dos ideais dessas sociedades. Da função clássica de conservar e preservar a tradição e os cânones estéticos; de agentes do projeto modernista, que conferia a eles a tarefa de articular o poder utópico e restau rador da arte, expandindo a noção mesma de arte, os museus, na idâde da industrialização universal generalizada, transformaram-se na metáfora planejada para a intersecção de empenhodos valores sociais hegemônicos e "comunitários" com objetos estéticos. Eles são hoje o espaço privilegiado para o escoamento do excedente do capital por meio da filantropia-patrocinadores e colecionadores-a serviço da educação e do patrimônio comum. O museu de arte concretiza, em última instância, o poder da classe dominante expondo seu patrimônio acumulado como um projeto edificante, que demanda 'O trabalho do artista e do intelectual como parceiros no esforço pela educação pública. Se o artista é por definição o nômade provocador, o transgressor das fronteiras, o museu se fundamenta pelo sedentarismo, já que funciona como parte de um projeto de acumulação, classificação e poder. O projeto está baseado na privatização da questão cultural e pelo programa pedagógico-educativo de reconstrução das relações sociais com respostas "criativas" a problemas sociais. De um lado o museu tenta incorporartoda uma nova comunidade de culturas e histórias, que desafiam os paradigmas estéticos herdados, e por outro, empenha-se no trabalho de legitimar e canonizar um sistema com determinações ideológicas precisas na perpetuação da dimensão idealista da empreita e na manutenção da função tradicional do museu: especialista do gosto e construtor da história. Mais, incorporado pela economia da indústria cultural, ele passa a ter "much more in common with other industria/ized areas of/eisure-Disneyland

say-than it wi// with the o/der, preindustria/ museum. Thus it will be dea/ing with mass markets, rather than art markets, ànd with simu/acra/ experience ratherthan aesthetic immediacy".3 Nessa instância a experiência do

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e subjetividade. As entidades museais e para o trabal ho de artistas dentro Esse tipo de produção não é exclusi. Broodt dades mente institu turalis correto,asinstitui.ções r1luseaisdesses países foram forçadas a um processo de alta politização. De um lado a. a o capital das cornr\r'l,f"AtlC pela.manipulaçãode.~~9{acervos duções artísticas até Éalique se está disc IT.ln,.t'lA·h ..~f'nrl· eerll"pel1ha-se l1ô c'·,<


The museums in Canada and the United States are some of the most accomplished achievements of the project of those societies. 1 This has to do with the capitalist spirit, the Protestant ethic, with individualism celebrated by the self-made- [wo]man, and with philanthropy as a way of socialization- "a participative consciousness, a religious tempo." They are sociocultural achievements because they created a museum culture and implemented its maintenance within the sphere of private funds. Whether or not the collections are a result oflooting, of speculation, of appropriation by the art market, this does not affect the symbolic sense that they convey in a broad way for those societies: they are the materialized tradition- the history from which all Americans have been excluded- which can be bought, contemplated, multiplied and commercialized. Through a process ofingestion, they incorporate that tradition- "Absorption ofthe sacred enemy. To transorm him into a Totem,"- the substratum ofthe history and culture that they are creating. They transformed a certain history ofwestern art into a kind of ready-made-in-waiting, a precise choice "( of) the human adventure." ln the meantime, the asepsis of all those digestive operations becomes necessary. It was in North America that these collections encountered the technical conditions of conservation and preservation, which until then had not been available at their original sites. Museological technology (conservation, display, safekeeping, technical staff and programs) developed and implemented by Canadian and North American institutions guarantee conditions oflongevity to the collections, and the asepsis of the operations that ensure the proceedings of the institutional space, a protected territory, with the security of the technical apparatus and the idealism of its function. This museological model somehow represents the "North American" contribution for the preservation of history at the sarne time as it defines the technical and professional standards prerequisited to participate of a certain eircle ofinformation and knowledge. 2 Linked to the developments in capitalism and to the implementation of a socioeconomic model by means of a cultural-politicaI project, museumsconstitute a terrain of symbolic and material reproduction of the ideaIs of these societies. From the classical function of conserving and preserving tradition and aesthetic canons; from agents of the modernist project, which conferred them the task of articulating the utopian and restorative power of art, expanding the very notion of art, the museums have now become, in the age of generalized universal industrialization, the planned metaphor for the intersection of hegemonic and "community values" with aesthetic objects. Today they are the privileged space for the draining of surplus capital through philanthropy- of sponsors and collectors-in the service of education and society's common heritage. The art museum ultimately exemplifies the power of the ruling class as it exhibits its accumulated heritage as an edifying project, which demands the work of the artist and the intellectual as partners in the effort towards public education. If the artist is by definition a provocative nomad, the transgressor of frontiers, the museum bases itself on immobility, as it functions as part of a project of accumulation, classification, and power. The project is based on the privatization of the cultural issue and on the pedagogic-educational program of reconstruction ofthe social relationships with "creative" responses to social problems. On the one hand the museum attempts to incorporate a whole new community of cultures and histories, which challenge the inherited aesthetic paradigms, on the other, it becomes engaged in the task oflegitimizing and canonizing a system with precise ideological determinations in the perpetuation of the idealistic dimension of the undertaking and maintenance ofthe traditional function ofthe museum: connoisseur oftaste and creator ofhistory. More, drawn into the economy of the cultural industry, it comes to have "much more in common with other industrialized areas ofleisure-Disneyland say-than it will with the older, preindustrial museum. Thus it will be dealing with mass markets, rather than art markets , and with simulacra

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experience rather than aesthetic immediacy."3 ln this case the experience ofthe museum ceases to be that ofhistory (time) to become one ofthe intensity and the euphoria ofthe spectacle of place (space). A group of conceptual practices that emerged during the 1960s developed several ways of criticism towards the politicaI and socioeconomic sources through which artistic and cultural production is interpreted, incorporated and projected by museums, galleries and alternative spaces. They reveal the institution as a cultural machine, which through its exhibiting and collection program determines the destiny of a discourse within society. These artists have in the museum, in the politics ofthe institution, the object privileged for the work, which examines, analyzes and subverts the hegemonic structures ofthe institutionalized culture. Nevertheless their purpose, unlike the Dadaists and Duchamp, who mocked the cultural system in order to create a transgressive space between the center and the edge of institutionalized culture, is to set themselves up and operate inside the institutional field, substituting the method of negation for the strategy of criticaI engagement/disengagement (Joshua Decter). It is no longer the normative values ofthe system ofhigh culture that are being sabotaged and destroyed in an anarchist gesture, but the very institutional infrastructure and the exhibition situation that are now being deconstructed in ideological, politicaI, social and economic terms. The artists move from the edge to the institutional center and out again, exploring their own legitimacy as cultural agents ofthis system. On the terrain ofthe institution, they set up a zone of confrontation of the politics of institutionalization with those of the production of information, representation and subjectivity. Museums and exhibitions in Canada and the United States have been the raw material for the work of artists found within what has been called the institutional critique. This kind of production is not exclusive to these countries-some examples include the work of Marcel Broodthaers, Daniel Buren, Hans Haacke and Gerhard Richter among others-butit presupposes societies in which cultural institutions present a high degree of specialization and are effectively inserted in the system of production and circulation of the economy. It assumes that the institutions institutionalize not the artistic production caught randomly but a sociocultural project where programs, roles, duties and responsibilities are made explicito With the advent of multiculturalism and the politically correct, the museal institutions of those countries were forced into a process of great politicization. On one side the appropriation of the museums by corporate capital and the manipulation of their collections as capital; on the other the emergence and reception of artistic productions up until then marginalized by them. Their encounter takes place in the institutional space. It is there that history, representation, identity are being discussed. The institutional critique goes further afield and strives to look closely at the museal situation, submitting its practices to a systematic analysis: the museum as the place of official and corporate culture and that continually appropriates for itself resources from the real world. The artists that work on this is sue are not exclusively concerned with formulating strategies for the analysis of institutionalized cultural structures, but with how our standards for values, norms and sociocultural authority are actually created. I.M .. Translatedfrom the Portuguese by Thomas Nerney. Although there are, culturally, fundamental differences between the two, it is not our aim here to pursue them. Both were founded on the basis of capitalism and the Protestant ethic. "Differences and likeness" are a generalization and, perhaps, a stereotype, but, in spite of their use being politically incorrect, we all know they are based on aspects of reality to some extent. 2. Referring to the circulation of works from collections and exhibitions. I do not question the technical merits of this issue. For the loan of works and exhibitions both conservation and safekeeping are defini te, although each case demands a solution. There is, at the moment, a manipulation of these standards that may favor or restrict the circulation of these collections. 3. Rosalind Krauss, "The culturallogic ofthe late capitalist museum", October nO路54 (Fall 199 0 ), p.I7. 1.

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"I feel it is implicit, yet perhaps not immediately recognized through background information, that those activities which pertain to my art and those activities which pertain to me in general, are determined by one another."-Michael Asher Michael Asher

Desde o final dos anos 60, uma das premissas fundamentais do trabalho de Michael Asheré que uma "obra" não pode sertrazida de fora para uma situação de exposição, mas sim que essa situação é que deve ser articulada para transformar-se no objeto do trabalho ("obra"). Sua prática empenhase numa crítica sistemática às instituições que apresentam e representam obras de arte. Assim, todo o seu trabalho é produzido a partir da especificidade arquitetônica, social e histórica do lugar de exposição. Entretanto ele não se estrutura metaforicamente, mas está baseado na noção de deslocamento de algo pré-existente, despercebido anteriormente ou não articulado claramente e que é trazida para dentro da situação de exposição. "Asher's work commited itselfto the development of a practice of situational aesthetics that insisted on a criticai refusal to provide an existing apparatus with legitimizing aesthetic information, while at the same time revealing, if not changing, the existingcontiditions ofthe apparatus".1 Incorporando sempre o quadro institucional em que o trabalho se inscreve e fazendo desse último um modo de expô-lo metonimicamente, Ashersubverte a noção e a economia da obra de arte. O que ele mostra em suas exposições não são objetos sem função, passíveis de estetização e despolitização, mas sim a própria instituição artística e o espaço de expos ição tratados como objetos de análise crítica. Com Asher a postulada autonomia da obra de arte está intimamente vinculada à eficácia do aparato museológico. A arquitetura do espaço expositivo, parte do aparelho institucional que define algo como arte, assim como o quadro social e histórico em que se inscreve uma mostra, tem sido a matéria-prima de sua prática. Entretanto o trabalho não se limita a circunscrever as coordenadas e os aparelhos de um certo campo institucional. O objetivo é sempre o de enredar a lógica do modo de produção dos significados sob o qual nós vivemos e percebemos e apontaro tipo de injunções que esse modo de produção supõe. Dentro da produção artística que toma a institutional critique (crítica institucional) como questão fundante, as estratégias empregadas porMichael Asherquerem revelara rede de forças que orientam as decisões e as atividades no interiorde um sistema cultural determinado como o museu e a exposição. O trabalho funciona como um dispositivo de articulação e enquadramento, tensionando o conjunto dos significados no quadro das instituições de arte, de modo a deslocar as simetrias e sínteses artificiais. Asher "mobilise aussi I'experience antérieure du spectateur pour créer par rapport 'a elle une instabilité susceptible de déplacer I'attente, les pr~ugés et les conventions visuelles. La visée d'une telle tentative d'exposer les conditions de la perception serait de d~ouer un certain type d'aliénation conventionnelle du spectateur quand ii appréhende I'art". Introduzindo mudanças de procedimentos no interiorda estrutura institucional, q ue frustram a idéia de exposição, "ii veut amener le spectateur à s'interroger notamment sur les modes dont I'institution lui présente I'histoire, en dictant circuits et trajectoires de pensée". 2 10M. Benjamin H.D. Buch loh, "Editor's Note", in Michael Asher: Writings 1973-1983 on works 1969- 1979, Halifax: The Press ofthe Nova Scotia Schoo l of Art and Design/Los Ange les: Museum ofContemporary Art, 1983, p.vii. 2. Brigit Pelzer, "Les fonct ions de la référence", in Michael Asher, Paris: Centre Georges Pompidou/Musée Nationa le d'Art Moderne, 1991, p . 22. 1.

Michael Asher project for Le Nouveau Musée Projeto para Le Nouveau Musée 1991 Villeurbanne , França

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"With audio, you are able to flip-flop so easily between worlds. It's about the transportation of the viewer, the listener. I was never able to do that with print-making and photography. Ilike the insidiousness of audio, the way it moves into the subconscious. I think that's why music moves us soo It moves into the whole body." -Janet Cardiff Janet Cardiff

Formada em gravura e fotografia, o trabalho de Janet Cardiff, a partir dos anos 90, caracteriza-se pelo recurso a instalações, utilizando som, fotografias, filmes, vídeos e componentes escultóricos. Entretanto o que faz a singularidade de sua obra é a relativização do privilégio da experiência retiniana nas artes visuais e o engajamento de sentidos como o tato e a audição na experimentação do trabalho. Em To touch [Tocar] (1993-95), Cardiff cria uma instalação interativa, em que o visitante associa entre sons, toques e memória. Em uma sala quase vazia, vinte pequenos alto-falantes pendurados nas paredes e uma mesa usada no centro compõem o ambiente. Quando o espectador se aproxima da mesa e toca-a, os alto-falantes emitem sons diferentes segundo a parte da superfície da mesa que é tocada. A partir daí se estabelece uma espécie de dança entre o espectador e a sala, marcada pelo ritmo, tipo e intensidade dos toques. Os sons que se ouvem são fragmentos de diálogos, diferentes tipos de música, ou ainda puros ruídos das ruas, da vida doméstica, da natureza. Cada par de alto-falantes conta uma história, sem necessariamente concluí-Ia, mas que despertam no visitante evocações da sua memória pessoal além de conscientizá-Io da presença do seu corpo no espaço da exposição. Em outras instalações, algumas delas em colaboração com o escultor George Bures Miller, Cardiffutiliza estratégias mais teatrais, construindo um cenário que coloca o espectador diante da materialização de uma cena extraída de um romance literário, de uma história de ficção científica, do fotograma de um filme ou da cena de uma ópera. Nesses ambientes são projetados filmes e vídeos, ouvem-se trilhas sonoras e há objetos a serem contemplados e examinados, enunciam-se múltiplas narrativas e possibilidades de interpretação. Todas elas requerem os sentidos, a imaginação e a memória do espectador, fazendo-o cúmplice e voyeurdas histórias fabricadas pela artista. Na série das walks [caminhadas], Cardiffrecorre aos modelos de audio-tours empregados pelos museus e pelo turismo como forma de subverter a autoridade das vozes que ordenam as instituições sociais e culturais, dramatizando os intrincados meios pelos quais os lugares estão carregados de desejo e significados. De posse de um walkman, o espectador é levado a empreender um trajeto, sob a orientação da artista, pelo espaço interno e/ou externo do recinto da exposição. Seduzido pela voz misteriosa da artista, ele é, pouco a pouco, enredado numa narrativa de caráter passional, erótica ou sotu rna, em q ue se mesclam ficção com a real idade do Iugar onde ele se transita. O tau r leva-o de volta ao lugar de partida, mas sem dar a ele a conclusão da história em que esteve envolvido. Como uma colagem sonora construída de fragmentos de diálogos recolhidos do cinema, de extratos de histórias policiais e eróticas, de novelas de rádio e de trilhas sonoras de filmes, os audio-tours criados pela artista "concern a dialogue between inside and outside, between the mind and the externa I realities it perceiues, between the gallery and the exterior world, and between indiuiduals".l Cardiff apropria-se, desse modo, do potencial que cada linguagem e cada lugar representa para além dos processos de mediação e interpretação, tendo nessa estratégia uma oportu nidade de interrogar os diversos métodos e motivos que constróem as formas de representação e percepção, artística ou institucional. 10M. 1. John

S. Weber, "Janet Cardiff", in Presenttense: nine artists in the nineties, San Francisco: San Francisco Museum ofModern Art, 1997, p.16.

Janet Cardiff To touch Tocar detalhe 1994 técnica mista [mixed media] coleção Edmonton Art Gallery, Edmonton, Canadá cortesia Thomas Healy Gallery, Nova York Louisiana walk #14 Caminhada em Louisiana nº14 1996 técnica mista: Janet Cardiff [mixed media: Janet Cardiff] cortesia Thomas Healy Gallery, Nova York

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"Andrea Fraser is available to provide artistic services on a per project basis to individuais, institutions, foundations, corporations, and public art programs. The services the artist offers consist oftwo phases under separate engagements to be provided in sequence. The first phase is interpretative; the second is interventionary. Following the initial discussions, these phases proceed differently according to the nature and interests ofthe client."1 Andrea Fraser

Desde a segunda metade dos anos 80, Andrea Fraser tem desenvolvido um trabalho que Joshua Decter descreve como "site/institution-specific post-performance". O trabal ho consiste na observação e análise em termos sociais, políticos, econômicos e ideológicos da infra-estrutura institucional que organiza e administra museus e exposições. Dentro da vertente aberta pela Arte Conceituai de engajamento crítico em relação ao sistema da arte e particularmente aos modelos/ desempenhos de exposições e instituições, esse tipo de produção adota uma estratégia de desconstrução/apropriação dos diversos discursos que constituem a instituição: estatutos, 'relatórios, programas, projetos, arquitetura, coleção, eventos, equipamentos expositivos, textos de parede, etiquetas, guias etc. Fazendo do museu um objeto como os outros encontrados em suas próprias galerias, o trabalho de Fraser tem como objetivo questionar a sua identidade e o papel que joga dentro das relações culturais e de produção na sociedade contemporânea. Quer revelar e trazer ao debate o museu e a exposição como instru mento de poder e controle sobre a ci rcu lação de informação, a legitimação e arbitragem do gosto e do conhecimento, e, finalmente, das formas de percepção e uso da prod ução cu Itu ralo" Museums were, and are, part of the pub/ic sphere aimed at taking ho/d of and defining the interests, cu/ture, p/easures, dai/y practices, and "highest aspirations" of a pub/ic."2 Fraser tem desenvolvido uma série de projetos-performances, textos, vídeos, publicações-que se apropriam de e manipulam as diferentes vozes que falam pela instituição-patronos, conselheiros, patrocinadores,diretores, curadores e monitores-e que são consumidos pelos visitantes. Para tanto, ela cria personagens que atuam a partir de um roteiro construído como uma colagem de textos (intertextualidade) extraídos das diversas falas, que de dentro da instituição concretizam, reiteram e reproduzem, simbolicamente, os objetivos, os códigos e as convenções do empreendimento museológico. Os trabalhos-visitas guiadas, discursos inaugurais, relatórios-operam como umametacrítica da epistemologia do projeto educativo dessas instituições, mostrando aquilo que não se vê, mas está dissimulado nos espaços expositivos, e que movimenta a máquina cultural que elas representam . Entretanto, a fala de suas personagens (a voz de Andrea Fraserdo interiorda instituição) não assume uma posição judicatória e assertiva, mas deixa ao espectador a possibilidade de estranhamento e interpretação. Em 1994, Fraser introduziu a noção de "serviço" para descrever certas práticas artísticas contemporâneas em relação ao contexto que cria a sua demanda. "Services, rath~r, was intended to identify one aspect of many, but not ali, of the practices described with those terms [critica institucional, arte pós-estúdio, arte site-specific, arte contexto, arte pública, arte community-based etc]: the status ofthe work, or labor, of which they consist and the conditions under which that work is undertaken. [. .. ] The strategic value of using the term "service" to describe that labor was so that it provides a basis for identifying the value ofthat portion of an artist's activity which did not result in a transferable product". 3 Com táticas antiestéticas e problematizando as condições e situações em que se dão parte da produção artística na contemporaneidade, Andrea Fraser recusa, com fina ironia e humor, o primado retiniano nas artes visuais em favor da informação e do estímulo à reflexão. I.M . Andrea Fraser, "Preliminary prospectus", Eis límits dei museu, Barcelona: Fundació Antoni Tàpies, 1995, p.119. And rea Fraser citada por Joshua Decter, "Andrea Fraser", Flash Art (novembro/dezembro 1990), P.138. 3. Andrea Fraser, "What's tangible, transitory, mediating, participatory, and rendered in the public sphere", October, n.80 (primavera 1997), p .112 - 11 3· 1.

2.

Andrea Fraser Museum highlights: a gallery talk Destaques do museu: uma visita guiada 1989 performance Philadelphia Museum of Art, Filadélfia foto Adam F. Kelly e Vincent J . Massa cortesia American Fine Arts, Co., Nova York

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"This is the story ofGeneralldea and the story ofwhat we wanted. We wanted to be famous. We wanted to be glamorous. We wanted to be rich . That is to say we wanted to be artists, and we knew that ifwe were famous, ifwe were glamorous, we could say "WE ARE ARTISTS" and we would be. We never felt we had to produce great art to be great arti sts. We knew that great art d id not bri ng glamou r and fame. We knew we had to keep a foot in the door of art. We were conscious ofthe importance ofberets and paint brushes. We made public appearances in painters' smock. We knewthat ifwe were famous, ifwe were glamorous, we could say "WE ARE.ARTISTS" and we would be. We did and we are. We are famous, glamorous artists."-Genera/ldea General Idea

Entre 1968 e 1994, o grupo Generalldea dedicou-se a uma pesquisa sistemática sobre as linguagens visuais, o sistema dos signos e dos significantes culturais, operando com uma espécie de semiótica própria e um imaginário híbrido e pessoal, em que se mesclam cultura erudita e popular (concursos de beleza, shows de televisão, revistas etc.) Sua obra, desenvolvida através de meios que vão da pintura e escultura à instalação, performance e publicações, sempre favoreceu a re-invenção em lugar da desconstrução, a alegoria em lugar do didatismo. Num esforço de recrutar um novo público para as artes em Toronto do final dos anos 60, o Generalldea "managed to s/ip their unsettling messages past the audience's guard, whi/e a/ways rep/acing 'receiued thruths with something /ess certain" . 1 Minando e pervertendo as regras, os valores e mitos que orientam o circuito artístico (museus, galerias, crítica, mercado), seus membros usurparam papéis, apropriaram-se de trabalhos de outros artistas, históricos ou contemporâneos, chamando a si mesmo de parasitas. Dessa forma, subvertiam, com humore ironia, a dimensão política e ideológica da linguagem e da cultura e o apreço pelos "gênios e personalidades únicas" nas artes. Como uma troupe de ativistas e militantes, cuja prática se inscreve na tradição do Dada, Pop Art, Fluxus e contemporânea à Arte Conceituai, o General Idea criou novas


estratégias formais para ampliar a teatralidade do fazer artístico, renovando-se diante de cada nova demanda do momento sociocu Itu ral : "from the 1970S File Magazine (the anti-Life Magazine through which Generalldea inuestigated the semiotics of popular culture [e que, juntamente com a galeria e arquivo da Art Metropole, possibilitou a criação de uma ampla rede de colaboração entre artistas e implementou a circulação e distribuição de seus trabalhos]) to the 1984 Miss Generalldea Pageant and Miss Generalldea Pauillion (two long-term conceptual framing deuices that prouided structural coherence for a range of performances, euents, and instal/ations), to the wonderful/y naughty and daring poodle paintings ofthe 1980s that took on the ubiquitous neo-geo style but were also elegantly uibrants emblems of a gay Kama Sutra" .2 A parti r de 1987, o General Idea concentrou-se em trabalhos sobre a crise desencadeada pela aids. Se antes a identidade sexual e os esterótipos sobre gays foram objeto e meio de tensionamento das suposições do ambiente sociocultural, ago ra suas estratégias e vocabulário se somará ao esforço de discussão e conscientização da epidemia e das implicações político-ideológicas dela advindas. Apropriando-se do logo LOVE, criado po r Robert Indiana nos anos 60, substit uindo-o po r AIOS, com a mesma estrutura gráfica e cromát ica, eles desenvolveram uma variedade de "produtos" (pinturas, gravuras, escultura, papel de parede, camisetas, múlt iplos , pôste res, objetos, selos etc.), que t ransformou o logo "cri ado" po r eles em um dos signos dos anos 80. Dent ro da mesma at it ude de co mbat ivo engajamento fo ram criadas as instalações PLA©EBO, One day of AZT, One year of AZT e Fin de Siécle. Aprop riando-se das noções de design e das estrutu ras mini malistas , esses t rabalhos configuram amb ientes de uma assepsia " hospitalar" e são estridentes alego ri as sob re I.M . perda, solidão e melancolia. 1. Lilian Tone, "Bitter pills", Generalldea , Nova York: The Museum ofModern Art, project Series 56, 1996. 2 . Joshua Decter, "Generalldea: the sensuous wh iteness oflife's interru ptions", Generalldea, Chicago: The Arts Club ofChicago, 1997, p.6-7. General ldea Fin de siécle Fi m de século [End of the century) 1990 3 filhotes de foca empal hados , placas de isopor inalteradas [3 stuffed harp seal pups of straw and acrylic , unaltered sheets of polyexpanded styrene) dimensões variáveis coleção particular [private collection), Milão cortesia Galeria Massimo di Cario, Milão

.. .

. ...


"llike repetition, because it implies an endless succession ofsubstitutes and missed encounters. [... ] I would like you to experience one ofthose privileged moments of aesthetic negation, when high art and popularculture coalesce. I would like high art to shake hands with its cynical nemesis-kitsch, which in its sentimentality makes a mockery of desire. I would like the meaning of this work to become overdetermined and congealed that it implodes and brokers a new paradigm."-Sherrie leuine Sherrie Levine

Sherrie Levine tem desenvolvido seu trabalho-pinturas, esculturas, fotografias e instalações-a partirda apropriação de obras fundamentais do pré-modernismo e modernismo (van Gogh, Degas, Schiele, Matisse, Brancusi, Malévich, Mondrian, Duchamp, Miró entre outros), que se constituíram em paradigmas de um estilo ou período artístico e que inscreveram na História da Arte a figura do "artista-herói". Entretanto, ela não se apropria de um estilo de modo a inventar um neo qualquer, mas sim do material que o constitui, a própria imagem, duplicando-a e, desse modo, deslocando o que ela representa. Diferentemente de óutras estratégias de apropriação, Levine não faz nenhuma intervenção nas imagens com que trabalha: ela copia ou fotografa uma reprodução (o museu imaginário) e não o original, sublinhando, muitas vezes, o aspecto déjà uú das imagens escolhidas. Sem tentar dissimular seu "roubo" do trabalho de outrem, sua estratégia subverte e colapsa os princípios de criatividade, autoria, originalidade e expressão, valores que mantêm o circuito das artes visuais e o seu sistema. Sua obra interrompe o discurso da maestria estética pela recusa de inventar Sherrie Levine da série Cathedral (1,2,4) 1995 fotografia preto-e-branco [bl ack and white photograph] 25,4x20,3cm cada [each] Sherrie Levine da: série Cathedral (1,3) 1996 iris print 86,4x71,1 cm cada [each]

138 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


uma imagem, e submete a utopia modernista a um exame crítico, questionando os sistemas de representação, institucionalização e consumo do objeto de arte. Em outros trabalhos Levine realiza intervenções mínimas. Em seus quadros, ela se apropria de algo mais genérico da prática pictórica (geometria, abstração, minimalismo) para simulare comentaro processo criativo e de produção da obra. Nas esculturas, "materializando" em vidro os bachelors da parte inferior do Grande vidro , de Duchamp, conforme instruções contidas na Boite Verte do artista, ou re-fundindo um dos Newborn de Brancusi a partirde um original, ela opera uma simbiose entre originalidade e repetição. Nos trabalhos com arquitetura e design (Mies van der Rohe, Gerrit Rietveld, Charles Eames), ela trabalha não apenas a duplicação do projeto mas altera a sua escala, deslocando a noção de funcionalidade que rege aquelas práticas. Alargando o conceito de ready-made, a linguagem de Levine está informada pelas teorias feminista, psicanalítica e o pós-estruturalista, envolvendo noções como a morte do autor (Barthes e Foucault), simulacro (Baudrillard), o fim da História da Arte (Preziosi) e intertextualidade (Barthes). Seu trabalho não propõe nenhuma ilusão de originalidade ou individualidade. Tampouco pretende algo sagrado. Toma a História da Arte como matéria-prima à disposição do artista, como um "ready-made in waiting. [... ] Her gesture can be read as one of irony, homage, humor, critique; the readings are not mutuall!:} exclusive, and are individuall!:} incomplete"1. O trabal ho de Levine propõe um dilema ao espectador: é senso comum que uma reprodução mecânica não é uma obra de arte, mas uma cópia feita artesanal mente propõe, como tal, ambigüidades e estranhamentos, que questionam a tradição e as convenções que regem o sistema d~ arte. I.M. 1.

Ann Temkin, "Newbarn", Sherrie leuine Newborn, Filadélfia: Philadelphia Museum af Art, 1993, P·15 e 39.

139 Canadá e Estados Unidos Ivo Mesquita


Jeff Wall A villager from Aricakõyü arriving in Mahnutbey, Istanbul Um aldeão de Aricakbyü chegando em Mahnutbey, Istambu l setembro [september] 1991 transparência cibacromo, caixa de luz fluorescente [cibachrome transparency, fluorescent light display case] Museum and Scu lpture Garden, Washington cortesia Marian Goodman Gallery, Nova York 140 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Rote iros. Roteiros . Rote iros ."

228x290cm

coleção Hirshhorn


"The fascination ofthis technology [fotografia] for me is that it seems that it alone permits me to make pictures in the traditional way. Because that's basically what I do, although I hope it is done with an effect opposite to that oftechnically traditional pictures. The opportunity is both to recuperate the past-the great art ofthe museums-and at the same time to participate with criticai effect in the most u p-to-date spectacu larity. Th is gives my work its particu lar relation to pai nti ng. Ilike to think that my pictures are specific opposites to paintings."-jeffWall JeffWall

Artista e historiadorda arte, Wall tem desenvolvido sua obra associando fotografia (transparências sobre caixas de luz) e produção cinematográfica a um repertório conceituai que abarca o pós-estruturalismo, estratégias conceitualistas e teoria feminista para uma reinterpretação da História da Arte e dos gêneros da pintura (histórica, paisagem, retrato, natureza-morta, composição). Trata-se de uma atitude pós-conceituai empenhada na reconstrução da tradição pictórica (pictorial tradition) na idade das tecnologias. Entretanto seu trabalho não pretende ser uma revisão ou retorno ao passado, conforme os muitos "neos" que povoaram os anos 80. Ao contrário, aborda a tradição com uma perspectiva crítica, como possibilidade de investigar o presente (social e cultural) e conferir um sentido político ao trabalho do artista. Sua estratégia dirige-se a certas ortodoxias na produção e interpretação do trabalho artístico impostas pela noção mesma de história a partir do século XIX e desenvolvidas pelo Modernismo. "[ ... ] Wall conceiues his photographictableaux in a dialectical relation to the tradition of figuratiue painting. At issue for him is the possibility of redefining modern art by situating in the historical (and logical) gap between the fine arts and the media, between the artistic tradition-that is, the transmission of cultural norms through technical knowledge-and the technology nf the spectacular image."1 Os "tableaux fotográficos"-espécie de imagem híbrida da composição pictórica com o registro fotográfico, estritamente limitada a uma representação bidimensional-de Wall configuram-se como uma imitação teatral da pintura usando recursos da publicidade e do cinema. A peculiar luminosidade que lhes confere o dispositivo de uma caixa de luz sobre a qual é aplicada a transparência da imagem, em sua maioria, de grandes proporções, chama a atenção, como na pintura, para as qualidades físicas dos trabalhos, situando-os em algum lugar entre esta última, a fotografia e o ci nema. A estratégia no uso da fotografia é o recon heci mento do poder desse meio em construir e representar credibilidade. Cada imagem criada por Wall (retratos, alegorias, fantasmagorias, crônicas visuais) tem lugar em um cenário-estúdio ou externa-meticulosamente planejado e construído, como num set cinematográfico, onde o artista tem controle total sobre o processo e o resultado final da imagem. O uso de uma variedade de recursos técnicos e tecnológicos quer desenvolver uma obra em conformidade com o mundo contemporâneo, seja do ponto de vista da sua produção, apresentação e percepção. Mesmo naquelas paisagens onde não há a presença da figura humana, o instante flagrado é resultado de uma longa observação, para ter "the effect of a dramaticeuent remoued from a narratiue fiow". 2 Em trabalhos mais recentes, Wall deixa de lado a teatralidade e a retórica dos conteúdos, para concentrar-se em questões mais intimistas, de cunho existencial, associadas a uma preocupação maior com questões da estética e da linguagem fotográfica. A noção de drama, que marcava anteriormente seus falsos flagrantes de rua ou interiores, é substituída pelo sentido de documentação, a despeito do processo de construção da imagem permanecero mesmo. Interessa-lhe representar a proximidade da ação apreendida pelo obturador e a imagem que resu Ita dessa operação. Wall opera agora entre a noção de verdade fotográfica representada pela grande tradição da fotodocumentação/fotojornalismo e a ficção capaz de ser criada e manipulada pelo olho do artista. 10M. 1. Jean-François Chevrier, "Play, Drama, En igma" ,JeffWal/, Chicago: The Museu m ofContemporary Art et aI/i, 1995, p.11. 2. I<erry Brougher, "The photographer of modern Iife", JeffWal/, Los Angeles: The Museu m of Contem porary Art, 1997, p.26.

141 Canadá e Estados Unidos Ivo Mesquita


A curadoria dispersa os trabalhos pelo espaço expositivo. Eles não constituem um núcleo representativo de algo, não ilustram uma idéia ou confirmam uma hipótese. Não há nada a ser representado. Os trabal hos apenas articu Iam um mapa de escol has feitas, um desen ho vi rtual q ue se apropria da situação de exposição. Ele aponta para uma rede de relações que possibilita a travessia do território demarcado por ela. Ao visitante fica a possibilidade de articular essas balizas, vestígios de um roteiro, e empreender sua própria travessia, inexoravelmente um roteiro outro. Os trabalhos ficam ali meio à deriva, entre entrega e resistência à interpretação, por conta e risco de suas prerrogativas, cada um deles instalando uma diferença, singular e irredutível. Batalhando pela sua materialidade-não qualquer uma, mas aquela que resulta do seu próprio regime de funcionamento: desconstrução, ready-made, apropriação-, são eles, e não qualquer idéia que paire sobre eles, os responsáveis pelas tensões que instauram. No esforço de marcarem suas presenças-eles mesmos resultados de escolha e decisão-num espaço que tenderia a anulá-Ias, esses trabalhos, assim como a curadoria, apresentam-se, "paradoxalmente quase que imateriais. Porque não se oferecem como uma visualidade em superfície, presas fáceis para serem enfeixadas num estilo e daí reduzidas a uma identidade".1 Ao contrário, estão ali ajogarcom a própria situação de exposição, profundamente empenhados, no entanto, em transgredir incessantemente os limites e o sistema que criam a sua necessidade. Eles "desvia[m]-se e transfere[m]-se". 1. S. Salzstein-Goldberg & I. Mesquita, "Imaginários singulares" , in catálogo Imaginários singulares, São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 1987, p .21.

Sherrie Levine da série Interieurs parisiens (after Atget) 16, 18,21,33,36,45 Interiores parisienses (d'apres Atget) 1997 fotografia preto-e-branco [black and white photograph] 25,4x20,3cm cada [each] cortesia Margo Leavin Gallery, Los Angeles

142 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros. Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros ."


Curatorship disperses works around the exhibition space. They do not constitute a representative core of anything, they do not illustrate an idea or confirm a hypothesis. There is nothing to be represented. The works only articulate a map of choices that have been made, a virtual design that appropriates itself of the exhibition situation. lt points to a network of relationships that make it possible to cross the territory demarcated by this crossing. The visitor is given the possibility of articulating these pointers, these vestiges of a route, and set out on their own crossing, inexorably taking another route. The works remain there rather adrift, neither yielding to interpretation nor resisting it, on account of and risking their prerogatives, each one ofthem installing a singular and irreducible difference. Struggling to establish their materiality- not any materiality, but one derived from their way of functioning: deconstruction, ready-made, appropriation- it is the works themselves, and not any idea hovering over them, that are responsible for the tensions they create. ln the effort to mark their presence- themselves results of choice and decision- in a space that would tend to annul them, these works, as well as their curatorship, reveal themselves "paradoxically as if almost immaterial. Because they do not offer themselves as surface visuality, easy preys to be categorized into a certain style and so reduced to an identity." 1 On the contrary, they are there to play with their own exhibition situation, profoundly engaged, however, in incessantly transgressing the limits and the system that create the need for this situation. They "deviate and transfer themselves." Ivo Mesquita. Translatedfrom the Portuguese by Thomas Nerney. I.

S. Salzstein-Goldberg & L Mesquita, "Imaginários Singulares", in Imaginários Singulares, São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo,

1987,

p.2I.

Jeff Wall The giant A gigante 1992 transparência cibacromo, caixa de luz fluorescente [cibachrome transparency, fluorescent display case] 39x48cm coleção Marian Goodman Gall ery, Nova York

143 Canadá e Estados Unidos Ivo Mesquita


Richard Shusterman

Duas questões sobre canibalismo e rap Em seu estudo sobre o rap, publicado em Pragmatist aesthetics [Estética pragmatista] (Oxford: Blackwell, 1992), o senhor recorre explicitamente ao conceito de canibalismo para descreuer a estética de apropriação do rap e de como ele sampleia música pré-grauada e outros sons. Chega até mesmo a se referir, na página 203, aos primeiros rappers como "canibais musicais da selua urbana". Qual tem sido a reação a esta caracterização do rap? Na língua inglesa, "canibalizar" não apenas significa comer a carne humana mas também, de modo mais geral, denota a prática de tirar partes de uma coisa para acrescentá-Ias a outra, por exemplo quando alguém remove várias partes de um carro para juntá-Ias a outro veícu lo. Mi n ha descrição do sam pleamento no rap referia-se claramente a este significado simbólico, de canibalizar partes visando a criação de uma nova unidade musical. Nenhum dos leitores afro-americanos do livro (ou da crítica sobre rap que também escrevi para um fanzine dedicado ao gênero) jamais encarou de outro modo o emprego que faço do termo "canibalismo". Jamais me acusaram de denegriro rap, ao associá-lo àquilo que alguns denominariam o primitivismo das culturas canibais africanas. Eu, porém, enfrentei essas críticas, formuladas por certos leitores brancos, profundamente preocupados com uma linguagem politicamente correta. Com efeito, os editores de Criticallnquiry, excelente revista que publicou um diálogo entre mim e outro crítico, insistiu para que me abstivesse de usaro termo "canibalismo" em relação ao rap em meu novo artigo "Rap remix: pragmatism, postmodernism, and other issues on the House" [Rap: pragmatismo, pós-modernismo e outras questões na House]1 . Argumentaram que seu uso sugere que a cultura do rap e suas fontes étnicas são primitivas e selvagens, que o termo "canibalismo" reforça t remendamente a identificação da cultura negra com a selvageria bárbara. Embora reconhecendo que eu estava defendendo o valor da canibalização musical do rap, eles permaneceram irredutíveis, afirmando que o uso do termo "canibalismo" transmitia uma valorização negativa, uma acusação colonialista e desdenhosa de brutalidade selvagem. Insistiram que seus leitores (basicamente acadêmicos brancos anglófonos) ficariam tão pertu rbados e induzidos em erro pelas horríveis conotações de canibalismo que minhas considerações pos itivas sobre o rap se dilu iriam e que eu (quando não também a revista) facilmente poderia sertomado po r alguém que expressava pontos de vista racistas e colonialistas. 1.

144 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros . Roteiros. Roteiros."


Quais foram as conclusões que o senhor tirou dessa reação? O que o canibalismo passou a significar para o senhor, como filósofo?

2.

A primeira conclusão foi simplesmente prática. Dei-me conta de que os editores conheciam seus leitores americanos acadêmicos melhor do que eu. Se eu quisesse comunicar mais eficazmente minha mensagem àquele público, deveria evitaro termo "canibalismo". Era fácil encontrar rodeios lingüísticos superficiais. Por exemplo, ao escrever para leitores americanos, em vez de me referir ao fato de que o rap canibaliza outros sons, simplesmente escrevi que o rap "se alimenta" de outros sons (ver meu estudo posterior sobre rap em Practicing philosophy: pragmatism and philosoflcallife [Praticando filosofia : pragmatismo e vida filosófica] (Nova York: Routledge, 1997). Claro que esta é uma resposta muito rotineira, não passa de uma solução cosmética para o verdadeiro problema relativo ao canibalismo: nossa reação superficial, cega, primitivamente visceral a ele, que expressa todo o primitivismo selvagem que projetamos sobre o próprio canibalismo. Assim, além do projeto de policiar minha linguagem para os leitores americanos politicamente corretos, comecei a perceber que a filosofia poderia ser útil no sentido de lembrar às pessoas que havia uma variedade de significados para o canibalismo. Até mesmo no ato literal de comer carne humana há diferentes significados possíveis. Sabemos, por Diógenes Laércio, que os estóicos Zeno e Crísipo defendiam o ato de comer cadáveres sob "as forças das circunstâncias", ou seja, quando não havia nada mais disponível para se comer. O ensaio de Montaigne sobre o canibalismo assinala outro significado da prática: "realizar uma vingança extrema" contra um inimigo derrotado, "assando-o e comendo-o". Podemos, porém, imaginar facilmente outro significado para a ingestão da carne humana: não apenas o mero uso de um cadáver humano com finalidades nutritivas, nem a vingança sobre um inimigo, mas a afirmação simbólica do humano pelo ato de se banquetear com ele. Não demonstramos nosso apreço e nosso desejo pelos seres humanos a quem amamos quando damos pequenas mordidas em suas orelhas, chupamos seus mamilos, suas línguas etc.? Alguns de nós ainda procuram provar toda a extensão de seu amor com um ato de completa ingestão (é claro gue não de partes inteiras do corpo, ato que feriria o amante, mas pelo menos dos fluidos corporais). Aqui, engoliré mais um ato amoroso de plena rendição e feliz abandono do que o agressivo desafio da vingança. Será que o ritual da Eucaristia não exprime a mesma ingestão amorosa do divino corpo de Cristo? Será, então, que o canibalismo também poderia ser temido por ameaçar a adoração (e o ato de comer) ao ser superior? Se reveren,ciamos o corpo humano, porque haveríamos de preferir enterrar nossos cadáveres, que irão al imenta r vermes e larvas desprezíveis, a honrá-los como fonte de nutrição para formas humanas nossas companheiras? Há muito tempo Montaigne compreendeu que o conceito de . canibalismo suscita muitas questões provocativas, que merecem uma reflexão ma is esclarecida e imaginativa. No entanto, nossa tradição teimosa de reagir ao canibalismo por meio de um estremecimento visceral, irrefletido, de repulsa condenatória, parece permanecertão cegamente primitiva quanto o canibalismo que ele detecta.

Richard Shusterman. Traduzido do inglês por Carlos Eugênio Marcondes de Moura. 1. Criticallnquiry,

n.22

(1995), P.150-158

145 Duas questões sobre canibalismo e rap Richard Shusterman


Richard Shusterman

Two questions on cannibalism and rap ln your study ofrap in Pragtnatist aesthetics (Oxford : Blackwell, 1992) you explicitly use the concept of cannibalism to describe rap's aesthetic of appropriation, its sampling of prerecorded music and other sounds. You even refer to the early rappers, on page 2째3, as "musical cannibals ofthe urbanjungle."What has bem the reaction to this characterization ofrap? ln the English language, "to cannibalize" not only has the meaning of eating human flesh but more generally denotes the practice of taking parts fram one thing to add it to another, as when one strips off various parts of one car to add them to another vehicle. My description of rap's sampling was clearly oriented toward this symbolic meaning of cannibalizing parts to create a new musical whole. Nane ofthe African-American readers ofthe book (ar ofthe rap criticism l also wrate for a local grass-raots rap-fanzine) ever took my use of"cannibalism" in any other way. Never did they accuse me of denigrating rap by associating it with what some would call the primitivism of African cannibal cultures. l did, however, face this criticism fram certain white readers who were deeply concerned with politically correct language. ln fact, the copy editors ofCritical lnquiry, an excellent journal who published an exchange on rap between myself and another critic, insisted that l refrain fram using the term "cannibalism" with respect to rap in my new article "Rap remix: pragmatism, postmodernism, and other issues in the House."l They argued that its use implies that rap culture and its ethnic sources are primitive and savage, that the term "cannibalism" too powerfully reinforces the identification ofblack culture with barbaraus savagery. While recognizing that l was defending the value ofrap's musical cannibalization, they remained adamant that the very use ofthe term "cannibalism" entailed a negative valuation, a scornful colonialist charge of savage brutality. They insisted that their readers (primarily white Anglophone academies) would be so disturbed and misled by the horrific connotations of cannibalism, that my positive appreciation of rap would be lost, and that l (if not also the journal that published me) could easily be taken as expressing colonialist racist views. I.

146 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


What condusians have !:Iau drawnfrom this reactian? What has cannibalísm come to mean to !:Iau as a phílasapher? The first conclusion was simply practical. I recognized that the editors knew their American academic readership better than I did, so that ifI wanted to communicate my message more effectively to that public, I should avoid the term "cannibalism". Superficiallinguistic circumventions were easy to find oFor example, when writing for North American audiences, instead of referring to rap's cannibalizing of other sounds, I simply wrote that rap "fed" on other sounds (see my later study of rap in Practicing philosophy: pragmatism and the philosophicallife (New York: Routlede, I997). This, of course, is a very perfunctory response, a merely cosmetic solution to the real problem with respect to cannibalism: our blind, shallow, and primitively visceral reaction to it, which expresses all the savage primitiveness that we project on cannibalism itself. So beyond the project of policing my language for politically correct North American readers, I began to see that philosophy could be useful in reminding people of the varieties ofthe meanings of cannibalism. Even in the literal act of eating human flesh, there are different possible meanings. As we learn from Diogenes Laertius, the Stoics Zeno and Chrysippus both advocated the eating of corpses under "the stress of circumstances," i.e., when there was nothing else available to eat. Montaigne's essay on cannibalism points to another meaning ofthe practice: "to betoken an extreme revenge" on a defeated enemy by "roasting and eating him." But one can easily imagine another meaning for the ingesting ofhuman flesh: not the mere nutritional use of a human corpse nor the revenge on an enemy but the symbolic affirmation ofthe human by the act offeasting on it. Do we not demonstrate our appreciative desire for human beings whom we lave by nibbling on their ears, sucking on their nipples, tangues, etc.? Some of us further seek to prove the higher measure of our lave by an act of full ingestion (of course, not of whole body parts, an act that would wound the lover, but at least ofbody fluids). Swallowing here is a loving act of full acceptance and happy surrender rather than the aggressive defiance of revenge. I sometimes wonder whether the ritual of the Eucharist does not express the sarne loving ingestion ofthe divine body ofChrist? Might cannibalism, then, also be feared for its threat to the worship (and eating) of the higher than human? If we revere the human body, why should prefer to bury our corpses to feed the lowly worms and maggots rather than honoring them as nourishment for fellow human forms? Montaigne long ago realized that the concept of cannibalism raises a great deal of provocative questions deserving more enlightened and imaginative thought. But our stubborn tradition of responding to cannibalism with an unthinking visceral shudder of condemnatory repulsion seems to remain as blindly primitive as the cannibalism it perceives. Richard Shusterman. 2.

L

Critical Inquiry, n . 22 (199S), pp.1SO-1S8

147 Duas questões sobre canibalismo e rap Richard Shusterman


Ásia

curadoria Api nan Poshyananda

Me coma ... UVlfl flcu ... 1

A antropofagia é um fenômeno imensamente complexo, contendo múltiplos significados, que se aplica à arte, mitologia, política, psicanálise, história cultural e teoria crítica. A expressão canibalismo denota o ato humano de comercarne humana. Sua origem é a palavra canibal, que por sua vez veio de "canibes", a corruptela de "caribes" (termo étnico usado para designar os nativos das ilhas caribenhas) introduzida pelos espanhóis 1 • Os exploradores europeus do século XVI acreditavam que os caribes fossem antropófagos. Muito antes da descoberta do Novo Mundo, evidências de canibalismo já haviam sido amplamente divulgadas. Com efeito, a existência de canibalismo para além da cultura ocidental era uma idéia bastante aceita. As referências sobre homens que devoravam homens indicavam características não-civilizadas de selvagens em terras distantes. Os antropólogos estabeleceram categorias para os vários tipos de antropofagia tais como exofagia, endofagia, autofagia, canibalismo gastronômico, canibalismo ritual ou mágico, e canibalismo de sobrevivência 2 • Debates sobre o mito do canibalismo levantaram questões sobre o fato de um grupo presumir a natureza canibal de outros, que pode ser interpretado como um aspecto de su periodade cu Itu ral e estrutu ral. A ingestão de carne humana é considerada o ato mais profano e o comportamento mais anti-social que se possa imaginar. Vistos como bárbaros e selvagens pela cultura européia, indivíduos que comem seus semelhantes são classificados como pertencentes a um estágio de pré-civlização. Por outro lado, já foi sugerido que os mitos de canibalismo na América do Sul, Ásia e Nova Guiné foram divulgados por exploradores e missionários com o intuito de justificar moral mente as missões colon izadoras e cu Itu rais empreendidas por colonizadores europeus com o pretenso objetivo de pacificação e conquista, enquanto aqueles que acreditavam firmemente na existência do canibalismo sustentam que tal prática desempenhava um papel central na ordem dos rituais e no regime alimentar 3 • Além

disso, resistência à invasão estrangeira e canibalismo tornaram-se sinônimos a partir do momento que os caribes e os tupinambás passaram a lutar, matar e devorar seus inimigos como forma de resistir ao completo domínio cultural e à escravidão. Esses indígenas supunham que, ao devorar seus inimigos, apoderavam-se de suas almas e absorviam sua habilidade de lutar. Em seu "Manifesto antropófago", Oswald de Andrade descreveu a antropofagia como sendo lei única e uma força consolidadora. Andrade exortou a revolução dos caribes e denunciou catequeses, inquisições, missionários, portugueses, e os chamados povos cultos e cristianizados 4 • Na procura de rotas para redescobrir o instinto primai e a natureza indígena, Andrade retomou o assunto da resistência dos nativos contra as invasões estrangeiras enquanto clamava por uma vacina antropofágica. Seu desejo pela transformação permanente de tabu em totem desafiava o conformismo e a sabedoria convencionai, introduzidas pelos colonizadores europeus, e que paralisavam a liberdade de pensamento e imaginação. Permanece aberta à interpretação a pergu nta: a idéia rica e provocadora de Andrade deve ser seguida como rota alternativa para uma nova doutrina, ou recebida com restrição (ou sangue), uma vez que esse tipo de manifestação poderia levar ao dogmatismo? Quanto ao conceito de roteiros no âmbito da seção asiática, este manifesto tem sido de grande valor por servi r de ponte Iigando cam inhos labirínticos, encruzilhadas e fronteiras. Pesquisando trabalhos de Claude Lévi-Strauss, William Arens, Peggy Reeves Sanday, Mikita Brottman, Lu Xun, Zheng Vi, Key Ray Chong, John Gittings, Jasper Becker, Ben Kierman, Hans-Peter Martin, Herald Schumann, Winin Pereira, e Jeremy Seabrook, pude coletarembasamento teórico que forneceu ferramentas essenciais para a metodologia que adotei para estudar artistas asiáticos, cujos trabaIhos extrapolam as vertentes temáticas da antropofagia, do mito de canibalismo e da cultura canibaiS.

148 XXIV Bienal "Rote iros. Rote iros. Roteiros. Rote iros. Rote iros. Roteiros. Roteiros."


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aniah saya ... nr .§ · · · ~ ~ · · · Eat me I

Para elucidar minha interpretação de antropofagia, que está entrelaçada com canibalismo transcultural, que permeia culturas poderosas, parasitárias e predatórias, e a devoração simbólica de indivíduos e almas como sistemas culturais, vale discutir alguns dos canibais clássicos e contemporâneos. Algumas histórias de canibalismo são plausíveis, enquanto outras não passam de ficção. Afascinação não se deve à razão pela qual as pessoas comem carne humana, mas o porquê de um grupo invariavelmente presumir que outros grupos o façam. Em algum momento da história, a designação de canibal já foi aplicada a cada gru po h u mano. O debate sobre o Homem de Pequim (Sinanthropus) como sendo pertencente a um povo canibal e caçadorde cabeças ocorreu entre '926 e '94', quando foram descobertos crânios pré-históricos em escavações perto de Choukoutien, na China, que tiveram suas bases fraturadas provavel mente para perm iti r acesso ao cérebro. As hipóteses levantadas sugeriam que o homem pré-histórico preferia comer crus o cérebro humano e outras partes perecíveis antes de esquartejar e destrinchar a carcaça 6 • No sécu lo V a.c. Heródoto registrou que os andrófagos, povo nômade que vivia à margem da civilização, tinham costumes bárbaros tais como o de consumircarne humana. No século XVI, o marinheiro alemão Hans Staden, que era tripulante de um navio mercante português, ilustrou com xilogravuras sua experiência como prisioneiro dos índios tupinambás, no sudeste brasileiro. Em seu livro, Staden conta que testemunhou rituais canibalísticos durante os quais mulheres e crianças nuas mordiscavam pedaços de carne humana, enquanto a cabeça da vítima assava na fogueira. No texto que acompanha as ilustrações, o autor afirma que "o povo e a ilha descobertos pelo rei católico de Portugal . . . são nus, belos e morenos, seus corpos bem talhados ... Eles também comem uns aos outros, até mesmo os que são assassinados , e pen duram suas carnes sobre a fumaça".? O canibalismo dos tupinambás levou também à legendária e poderosa

Ap inan Poshyananda

comunidade brasileira estritamente feminina das amazonas, que manifestavam intenções agressivas e de ordem sexual com relação aos homens. Cristóvão Colombo não encontrou canibais, mas foi informado pelos índios arauaques que os caribes comiam carne humana e devoravam os cativos para apropriar-se de sua habilidade de combate. Acredita-se que, antes da colonização das Américas, os astecas participavam em massa de orgias canibalísticas durante rituais. Os órgãos e o coração ainda pulsante dos prisioneiros de guerra eram consumidos para simbolizaras forças revigorantes do mundo. Aconquista espanhola deu cabo dos sacrifícios humanos e do canibalismo. No século XIX Ta'unga, um polinésio nativo convertido ao cristianismo, relatou a ocorrência de canibalismo nas ilhas da Nova Caledônia. A ilustração na seção "Sobre o Canibalismo" mostra o filho de Pasan pedindo a seu pai que lhe desse homens gordos para comer. Enquanto na Europa foram registradas ocorrências de canibalismo de sobrevivência, alguns grupos de pictos, escoceses, irlandeses e russos eram conhecidos como canibais. Algumas vezes, viajantes e missionários europeus eram temidos pornativos de outras terras que os viam como canibais. A cultura judeu-cristã considerava a Eucaristia como sendo a comunhão com o sobrenatural, da mesma forma que pão e vinho simbolizam o corpo e o sangue de Cristo. A interpretação da Eucaristia-:-carne e fluidos corporais-levou à idéia do complexo canibal dos católicos romanos e ao pensamento fetichista relacionado com a ingestão da carne do Filho. O desejo e a procura por culturas exóticas indicavam que verdade e ficção freqüentemente se confundiam. Como resultado, os rituais simbólicos tornaram-se fascinantes devido à função e ao significado do canibal ismo. A teoria do canibalismo de Lévi-St rauss, inclu indo métodos de cozer e assar, pôs em evidência a prática entre grupos exo e endocanibais. As hipóteses levantam questões sobre o modo como ind ivíduos cozinham seus semelhantes, e sobre o cozimento como analogia à




linguagem 8 • As trilhas canibais revelam razões mágicoreligiosas para a exo e endofagia entre os aborígenes australianos, incluindo sacrifício, vingança e respeito aos mortos, enquanto os zulus acreditavam que comer a testa e as sobrancelhas de seus inimigos lhes traria coragem para enfrentar adversidades. Em Papua-Nova Guiné, atos de vingança e assassinatos entre grupos inimigos consistiam de encher a boca do inimigo com pedaços de genitália. Já os kiwai obrigavam seus jovens guerreiros a engolir o pênis do inimigo. Endofagia e canibalismo mortuário entre os Gimi eram praticados pelas parentes mulheres, que comiam o cadáver todo após cozinhá-lo no vapor, dizendo: "Venha a mim para não apodrecer no chão. Deixe que seu corpo se dissolva dentro de mim" .9 Acreditava-se que o canibalismo de cadáveres masculinos praticado pelas mulheres libertava a alma dos homens e reestabelecia a androginia maternal. A disposição antropofágica dos nativos fo i discutida no contexto da moléstia cerebral ku ru, transmitida pela ingestão de carne humana insuficientemente cozida. Esta doença, conhecida como "morte gargalhante", provocava atos insanos tais como aquele em que enquanto o marido copulava com um cadáver feminino, sua própria mulher cortava pedaços deste corpo para assá-lo na foguei ra. Na América do Norte, os índios kwakiutl realizavam seus ritos de iniciação na Dança Canibal do Inverno, quando os desejos canibalísticos e a fome primordial eram amainados e satisfeitos. Durante a cerimônia, o Dançarino Canibal estremecia seu corpo e rangia os dentes para demonstrar o apetite irresistível por carne humana. Apetite que apenas o cheiro da mãe primordial conseguia satisfazer, no momento em que um pano escaldante, embebido em sangue menstrual, era comprimido sobre seu rosto. Saciado pela fumaça sagrada desse sangue, alimento primordial, seu comportamento regredia até assemelhar-se ao de um recém-nascido 10 . A loucura canibalística também conhecida como "psicose de Windigo", é uma síndrome observada entre os índios algonquianos, uma aberração caracterizada pelo desejo compulsivo de comer entes amados. Fantasias de agressão oral e ocorrência de casos de fome extrema já levaram pais a comer seus fil hos11. Os registros de canibalismo na China são dive rsos e numerosos. Crônicas revelam casos de canibalismo de sobrevivência provocados por desastres naturais tais como enchente, seca e pragas. Por exemplo, no ano 594 a.c.,

durante a dinastia Han, a situação de fome extrema fez com que "pessoas trocassem seus fi lhos com os de outros, para serem-comidos" (i tzu erh shih). Durante o período de grande falta de alimentos na dinastia Ch'ing, o bispo de Shansi, Monsenhor Luigi Monagatta, relatou: " ... agora eles matam os vivos para consumi-los" . As guerras e rebeliões provocavam crises no fornecimento de alimentos. No ano de 906, as provisões de comida esgotaramse na cidade de Ts'agn-chou, província de Hopei, que estava sitiada, e conseqüentemente as pessoas começaram a comer carne humana. Tendo consumido a carne, quebravam os oSS05 dos cadáveres antes de misturá- los com argila para comer. Como vingança contra o inimigo, ingeriam crus coração e fígado de suas vítimas, pois acreditavam que a vida residia nestes órgãos e, portanto, comê-los sign ificava causar sofri mento máxi mo ao morto. Às crianças era permitido participar do banquete humano dos adultos. Em 1854, durante a Rebelião Taiping, vendiase carne humana seca ou fresca; nas residências, mãos e dedos humanos eram cozidos para consumo. A brutalidade usada como tática psicológica resultou na expressão "Vou comer você" (yu-shih chi-jou, shih-ch ih-pu-yen, e yu-jou chih). No final da dinastiaJin, o hostilizado líder Chang Yen-ts'e foi esquartejado, sua medula devorada e a carne vendida ao público. Na dinastia Sung do Norte, o General WangYen-sheng permitia que seus soldados devorassem prisioneiros. Sob a mesma dominação, um oficial, Chan Liang-ch'en, foi obrigado a comer um pedaço de seu próprio corpo, após o que vomitou e morreu. Como iguaria, a carne humana (ts'a i-jen) era preparada na forma de pratos saborosos. Os modos de preparo variavam desde assar no forno ou sobre brasas, grelhar, defumar, secar ao sol, fritar, e ensopar, até usar para picadinho e conservas. Quanto ao gosto da carne humana (hsiangjou), a das crianças era vista como a mais saborosa, enquanto a das mulheres, ainda mais deliciosa que carneiro. A carne humana também era usada para tratamento de saúde. O ato piedoso e filial (hsiao-yi) do auto-sacrifício resultava no endocanibalismo, onde filhos e filhas cortavam partes de seus corpos (braços, pernas, fígados) para alimentar seus pais. Os registros dão conta ainda de noras e esposas que cortavam a carne de seus parentes e maridos e a consumiam como remédio para moléstias. "Pães de sangue" humano (hsueh man-t'ou) eram vendidos a mulheres cujos maridos eram sexualmente impotentes. De outro

páginas anteri ores [previous pages] Nob uyosh i Araki Erotos 1993-94 fotog rafia

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lado, por motivos egoístas, na dinastia Ming muitos eunucos tentaram adquirir potência sexual comendo miolos de jovens do sexo masculino. Na ptovíncia de Fukien, o eunuco Lao Ts'ai matava rapazes virgens para comer seus miolos, numa tentativa desesperada de refazersua genitália 12 • Em J918, o famoso escritor chinês Lu Xun publicou A madman's diary [Diário de um louco] (WangJenJih Chi) . Ao descrever as fantasias de um louco, popularizou a expressão sociedade "canibalista" (ch'ih-jen) e conscientizou os leitores sobre os aspectos canibalísticos da vida chinesa. Lu Xun expôs abertamente os malefícios do sistema de clãs, que revelavam a virtude confuciana e a moralidade como estrutura social canibalista. Estes malefícios tornaram-se sintomas da doença da sociedade tradicional. O autor nutria a esperança de que o futuro dos jovens estaria salvo. No final, permitiu que o personagem louco terminasse seu diário com as seguintes palavras: "Será que ainda existem crianças que não comeram gente? Salvem as crianças ... " Na tentativa de expor as verdadeiras características da sociedade feudal, Lu Xun escreveu Medicine [Remédio], cujo cenário era a Revolução de 1911. O herói revolucionário Xia Yu sacrificou sua vida pela causa revolucionária, mas, além de não compreendê-lo, o povo chegou a usar seu sangue como remédio 13 . Na China, durante o período da grande fome (195961) resu ltante do Grande Salto para a Frente, camponeses matavam e comiam seus filhos. Em Gush i, ao sul da província de Henan, as autoridades registraram 200 ocorrências de canibalismo, enquanto em Fengyang, na província de Anhui, o Partido anunciou 63 casos numa única comunidade. No auge da Revolução Cultural (196668), na província de Guangxi, ocorreram incidentes em que vítimas vivas tinham seus fígados e corações extirpados. Em seu livro Scarlet memorial [Memorial escarlate], o escritor Zheng Yi pu bl icou dados docu mentais convincentes sobre canibalismo. Por serem inimigos da classe operária, proprietários de terras e diretores de escolas foram mortos, cozidos e comidos. Algumas pessoas gostavam de comer miolo cru, que sugavam com auxílio de um canudo, por meio de orifício no crânio. Testemunhas oculares relatam uma festa de carne humana, real izada em 10 de julho de 1968 na cozinha de uma delegacia, depois que Xi Qiye,um membro da minoria Yao, foi morto e teve seu coração e fígado extirpados. Uma vez que o tabu de comer carne humana foi derrubado gradualmente, a

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febre de sangue virou moda enquanto partes da anatomia se tornavam valorizadas por suas propriedades terapêuticas. Chegou-se ao ponto de se servircarne humana em festas e banquetes, regados a vinh0 14 • Em Revolt in the soul & body, 1900- 1999 [Revolta no corpo e na alma], o artista Chen Chieh-jen, de Taiwan, expõe a relação entre seus trabalhos e os terríveis eventos ocorridos na China. Ao incorporar sua auto-imagem às fotos históricas de violência, Chen redefine o mito nacional, a história de disciplina, castigo, violência, e as memórias de massacres na China e em Taiwan. O artista pequinês Gu Dexin vem conduzindo experiências com carne e plástico para expressar uma combinação de violência e erotismo. Carne e pele significam vulnerabilidade visceral e emocionai, além do desejo inerente de destruir. Os trabalhos mais recentes de Gu Dexin incluem uma instalação em que pedaços de carne são colocados ao lado de fotos de uma performance na qual, durante 12 dias, o artista esprem ia um pedaço de carne, e uma instalação feita com 100 qu ilos de miolo de porco. Em suas instalações, o artista HuangYong Pingtem feito experiências usando animais que devoram outros como metáforas de hegemonia, agigantamento e fome de poder. Em seus trabalhos, apresenta gaiolas nas quais reúne cobras, sapos, gafan hotos, escorpiões e aran has. Em várias partes da Ásia a antropofagia foi resu Itado da fome, da guerra e do desejo de vingança. Em 1998, registros de canibalismo na Coréia do Norte ainda chocaram o pú bl ico 15 . Evidências de atos antropófagos ocorreram na arte tradicional. Os maravilhosos elementos escultóricos nas paredes e muros de Angkor Wat registram cenas de violência e vingança, que refletem o desejo canibalístico de devorar inim igos. Cenas de batalha mostram embates furiosos e desesperados que o Rei Suriyavarman II e Vishnu travaram contra inimigos e demônios (danavas). Na Batalha de Lanka, o exército de Rama e o deus-macaco Hanuman lutam contra soldados de Ravana, o rei demoníaco de dez cabeças, arrancando e mastigando pedaços de carne. Milhares de imagens representando os atos de morder e roer, feitas em baixorelevo, mostram lesões corporais e carn ifici na. Esses relevos refletem a "fome" dos artesãos de "comer" o espaço com linhas que se entrelaçam por toda parte. Pode-se ainda relacionar o tema da violência com o massacre e o genocídio que aconteceram mais tarde no Camboja. Na índia e no Nepa l, a adoração de ícones de deuses


canibalísticos está arraigada aos rituais cotidianos. Com freqüência, deuses e deusas hindus, tântricos e budistas são representados em man ifestações horrorosas e amedrontadoras. Hayagriva, Hevajra Heruka, Yamantaka, Samvara são ferozes, flamejantes e terríveis, suas mú 1tiplas cabeças e membros ornamentados com objetos feitos de osso e colar em que as "contas" são 51 cabeças recém-decepadas. Na suprema tradição ioga, Tantra, Kalachakra, Guhyasamja, Mahakala surgem como ícones coléricos, em posição de cópula (yab-yum) com seus consortes, enquanto dançam. A força feminina (sakti) evocada na adoração das deusas Durga, Kali, Dakini e Dakshinakali, e a adoração da genitália feminina (yoni) muitas vezes estão relacionadas com a devoração de carne e fluidos humanos. Em Madras, uma escultura de pedra mostra um devoto em pé entre as pernas de uma deusa, bebendo "a sublime essência" (yoni-tattua). No saktismo, o fluido menstrual é considerado sagrado e, portanto, venerado; o sangue-alimento pode sertomado como bebida ritual, ao prestar-se homenagem à yoni, tocando-a com os lábios. Kali, uma das personificações da energia primordial mais inebriantes, é representada como feroz e assustadora. Porta uma guirlanda de cabeças humanas e uma cinta de mãos humanas, seus três olhos vermelhos são flamejantes. Entre gargalhadas terríveis, devorou o exército demoníaco. Kali é adorada como Mãe Divina e também como A Senhora da Morte. Assim como Devi, muitas vezes Kali aparece montada em Shiva, em ato de fornicação, enq uanto bebe seu próprio sangue para nutri r uma nova vida gerada pelo sangue-néctar que escorre de seu pescoço decepad0 16 • Para os ascetas Aghori indianos (sadhu) da seita Shiva, ruim é bom, vida é morte, e sujo é limpo. Alguns deles comem carne humana em decomposição e misturam suas próprias excreções corporais com água para beber, na crença de ganhos espirituais 1? Na mitologia indonésia e tailandesa, o consumo da força da vida, o Sol e a Lua, estava associado ao desconhecido e ao maléfico, de tal modo que Kala Rauh, o demônio das trevas, é relacionado com o eclipse 18 • No Japão, o mito dos guerreiros que caçavam macacos, cuja carne consideravam uma iguaria na terra de Musashi, inspirou Hanawa Kazuichi na criação de sua série de desenhos Monkey [Macaco], em que mostra a arte de comer, com

pauzinhos, cérebro de macaco e de menin0 19 • Na metrópole de Bancoc, a máquina pode ser interpretada como uma forma demoníaca e mais destrutiva de canibalização. O fotógrafo Philip Blenkinsop registrou cenas macabras ocorridas à noite nas ruas da cidade, numa série que chamou The cars that ate Bangkok [Os carros que comeram Bancoc]2°. Blenkinsop mostra a cidade, que já foi serena, agora entu pida por três m iIhões de veícu los devorando tudo e todos à sua frente. Bancoc é um centro de produção automotiva sobrecarregado com acidentes automobilísticos. Asfixiada pela fumaça tóxica e pela deterioração das condições econômicas, é uma cidade onde ambulâncias recolhem os mortos e moribundos dentre cabines ensangüentadas de metal retorcido. O canibalismo nunca envolve somente o ato de comer. Este ato poderia servisto como uma metáfora da dominação e assimilação do poder hostil de um outro grupo. Na hipótese freudiana de frustração e agressão, a imaginação não-desenvolvida do canibal faz com que ele coma uma pessoa como reação psicológica a raiva e frustração oral. Incidentes de canibalismo psicótico praticado por assassinos seriais foram diagnosticados como uma forma aguda de parafilia relacionada a fixações infantis da fase de desmame. Atividades eróticas tais como mordidas sádicas ou estimulação oral dos órgãos genitais masculino e feminino levaram homicidas a praticar atos de tortu ra, vam pi rismo e necrofil ia. Assassi nos antropófagos tais como Fritz Haarman, Albert Fish, Edward Gein, Ted Bundy, Andrei Chikatilo, e Jeffrey Dahmertornaramse conhecidos por sua concupiscência em torturare devorar suas vítimas 21 • Em 1981, o estudante japonês Issei Sagawa, que fazia pós-graduação em Paris, matou a tiros, mutilou e comeu pedaços de um jovem colega holandês. O caso de Sagawajá foi discutido num contexto em que a esquizofrenia japonesa e a atitude "inescrutavelmente oriental" se misturam com a inveja das culturas ocidentais, como parte do complexo de inferioridade causado pelo medo que os ocidentais têm do "perigo amarelo"22. Preso e su bmetido a tratamento, Sagawa tornou-se uma celebridade e um romancista especializado em canibalismo. Na Tailândia, tornaram-se lendários os assassinatos cometidos por See Uui, um psicopata chinês que comeu crus inúmeros corações e fígados de crianças.

Chen Chieh-Jen Rule of law II: 1931-1997 Regra da lei II: 1931-1997 1997 fotografia computadorizada [computerized photograph]208x260cm

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Mais recentemente, a notícia chocante de um estudante de medicina que matou a tiros sua amante, esquartejou e jogou o corpo na privada, reflete um comportamento bizarro relacionado ao ciúme passional 23 . Nos sistemas sociais contemporâneos, a compulsão canibalística vem sendo observada como forma elementar de agressão institucionalizada. Quando forças civilizadoras cessaram, a satisfação de necessidades agressivas levou ao genocídio de milhões de pessoas na Alemanha, Bósnia-Herzegóvina e Ruanda. A limpeza étnica durante o regime de Pol Pot impôs a assimilação das minorias e uma carnificina generalizada, que resultou no massacre de mais de um milhão de habitantes no Camboja 24 . Em Karachi, no Paquistão, milhares foram vítimas da violência política, étnica e sectária que tornou os cidadãos vulneráveis às formas de terrorismo praticadas nas ruas e pelo Estado. Ativistas e seitas incluindo o Movimento Muttahida Qaumi, as comunidades Moharjire Pathan, e a polícia do governo contribuíram para a destruição entre os grupos25. A missão norte-americana, cujo objetivo era manter a paz mundial e combatero comunismo na Guerra do Vietnã, resultou num desastre de proporções catastróficas, uma vez que o lançamento de 7,85 milhões de toneladas de bombas mataram cerca de 3 milhões e feriram 4 milhões de vietnamitas 26 . O desejo de devorar o Outro/inimigo é mais evidente na atual doutrina mundial de salvação política e econômica. A integração global por meio de empreendimentos de Iivre comércio ditados por organ izações econômicas mundiais; assim como pelo Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC), resulta num "capitalismo turbinado" que solapa a estabilidade democrática e a capacidade de funcionamento do Estado. As fusões transnacionais e transferência de controle acionário de empresas, além do colapso das finanças são sintomas do canibalismo institucionalizado. Segundo os autores do best seller internacional The global trap [A armadilha global], "O ritmo das mudanças e a redistribuição do poder e da prosperidade estão erodindo as velhas entidades sociais .. . Os países que até aqui têm desfrutado de prosperidade agora estão consumindo a substância social de sua coesão ainda mais rapidamente do que vêm destruindo o meio ambiente" .27 A impress ionante integração da humanidade por meio da tecnologia e do comércio poderá levar a um colapso global. Os recentes abalos

fi nancei ros na Ásia provam q ue as fraq uezas econôm icas, a corrupção e a recessão podem facilmente transformar tigres altivos em dóceis filhotes à medida que Tailândia, Coréia e Indonésia contraíram dívidas colossais junto a credores internacionais. Na índia, a miséria transforma o comércio de sangue e a venda de órgãos em negócios lucrativos. A espoliação cria um processo de armadilha, de modo que as culturas parasitárias ou predatórias procuram devorare exaurir a riqueza das mais fracas, para crescerem conforto e opulência. Conforme demonstra o livro do fotógrafo tailandês Manit Sriwanichpoom, This bloodless war: greed, globalization and the end of independence [Esta guerra sem sangue: ganância, globalização e o fim da independência], o processo de neocolonialismo não se dá mais pela força, mas sim pela situação de guerra na selva das finanças. O colapso econômico banalizou a competitividade e a independência, uma vez que os povos estão sofrendo de desencanto e angústia. Por meio de antenas paraból icas e redes de transmissão a cabo, as partes do mundo são reunidas hoje pelo campo de visão rápido, simples e monótono controlado pelas empresas emissoras de televisão CNN, MTV e ABC. Da Coréia ao Paquistão, a emissora Star TV, de Rupert Murdoch, atinge via satélite metade da população mundial. O poder de transpor fronteiras dos meios de comunicação vem atingindo padrões de vida, tradição, ética e linguagem. A colonização Coca-Disney da cultura global domina metrópoles, enquanto nomes conhecidos, desde Versace até Sony e Armani produzem uma ilusão de variedade. Campanhas publicitárias agressivas lançadas pela Philip Morris e Nabisco forçam inúmeros asiáticos a submeterem-se à influência de narcóticos e estimulantes ocidentais. Os vídeos de música e moda ditam o gosto e o estilo que estimulam o narcisismo. Modelos maraviIhosos desfi Iam garbosa e sed utoramente nas passarelas revelando seus co rpos enquanto as grifes Thierry Mugler, Givenchy, John Galiano, Valentin Yudashin, Yoshiki Hishinuma competem agress ivámente para satisfazer o apetite de seu público. Para mostrar a moda como força devoradora, o artista tailandês Montri Toemsomabat criou Fashion performance artfcannibal collection [Arte de perfo rmance na moda/coleção canibalJ, em que atores vestidos em peles se comiam, uns aos outros. Na Ásia, o círculo vicioso da hierarquização do poder e do controle dos meios de comunicação resulta ram num impu lso predatório de abso rção de culturas mais

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fracas. Sob a influência hegemônica da China, Hong Kong vem sendo comparada à comida chinesa para viagem, pronta para ser devorada. As manifestações, por parte da índia, de uma cultura superior nos campos da música, arte, moda, dança e idioma são meios de neocolonizar o Paquistão, Nepal e Sri Lanka. Na Tailândia, analogamente, os avanços tecnológicos, de propaganda e meios de comunicação de massa manipulam o gosto e a cultura no Camboja e no Laos, do mesmo modo que os vírus que invadem o corpo ou programas de computação têm o desejo insaciável de dominar e controlar, que se tornou incurável. Sentimentos de apatia e deslocamento refletem-se em particular na subcultura jovem. Os jovens buscam canais de fuga. O entretenimento, na forma de atividades participativas em jogos ou rituais, estimula sua participação em fantasias. Os videogames e CDROMs promovem missões para destruirdragões e demônios horripilantes. Estetizada, a morte artificial torna-se divertida. A moda das tatuagens e dos body piercings entre os "novos primitivos" mostra uma forma de engajamento que transforma o tabu em totem. A iconografia dos piercings e tatuagens serve de metáfora da canibalização das regras e tradições convencionais 28 • Os artistas sempre foram fascinados por corpos feridos. Há aqueles cuja fascinação pela anatomia e pedaços de órgãos faz com que os observadores se encolham diante de imagens vis e macabras. Leonardo da Vinci, Rembrandt van Rinjn, Theodore Gericault, Francisco Goya, Francis Bacon, Pedro Américo, Arthur Barrio, Andres Serrano, Joel Peter-Witkin, John Coplans, Annette Messager, Jake e Dinos Chapman, Richard Sawdon-Smith, Jenny Saville, Glen Luchford e Sue Fox são alguns nomes de artistas ocidentais que me ocorrem no moment0 29 • Nobuyoshi Araki, fotógrafo japonês e fenômeno cult, ficou famoso por seus ensaios pessoais que mostram cenas do cotidiano (shi-shashin). Enquanto absorve a trama da vida em Tóquio, o apetite insaciável de Araki por imagens faz com que ele fotografe o tempo todo, como se a câmera fosse uma extensão de seu corpo, um órgão para consumo. O fotógrafo explica: "Transformo-me numa fotocopiadora. Fotos nada mais sã~ do que cópias da realidade, e esta é a única verdade". Ainda assim, suas fotos vão para além da realidade. Elas excitam, acariciam, seduzem, provocam, insultam e causam embaraço ao observador ao mostrar o com u m e o obsceno si mu Itanea-

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mente. Araki joga com o voyeu rismo e a cu riosidade sobre a diferença dos órgãos alheios. Fragmentada, desmembrada e fetich izada, a série Erotos instala-se no rei no das fantasias eróticas. Enquanto busca o jogo anárquico com tabus, Araki escolhe temas tais como morte, escravidão, sadomasoquismo e pêlos pubianos. Para ele, "a fotografia é assassinato", pois a cada vez que aciona o disparador, aprisiona a morte e detém o tempo. O fotógrafo, porém, não é um predador que caça seus modelos. Ele explica:" [... ] minhas vítimas caem na armadilha sem que eu tenha de fazer coisa alguma. Elas vêm a mim e desejam ser mortas ... Não faço mais que assistir no cumprimento do destino".30 Em Erotos, órgãos sexuais femininos são mostrados em dose, prontos para serem penetrados. Os atos sexuais tornam-se análogos a banquetes canibalísticos. Falo, boca, língua, vagina entrelaçam-se, de maneira intensamente erótica; a carne é assassinato, o corpo é saboroso. A genitália é justaposta com peixe cru, caranguejo, caracol, flores , carcaça e talheres, como se pronta para ser servida como um prato de gourmet. Simultaneamente, a abertura de zonas erógenas pode ser associada com o inconsciente feminino como sendo um continente obscuro em que fendas abissais evocam o medo da castração por vaginas dentadas (vagina dentata) . Para Araki, fotografar seu modelo é um ato sexual. . Mulheres cativas usando biquínis, quimonos ou uniformes escolares são amarradas e suspensas no espaço, como vítimas prontas a serem capturadas no filme. O erótico e o exótico estão inseparavelmente ligados. As mulheres de Araki parecem indefesas e passivas. Ainda assim, essas mulheres cativas podem não desempenhar um papel submisso. À primeira vista os ambientes parecem representar humilhação, mas na realidade não passam de brincadeiras e encenações cuidadosamente apresentadas. O desejo dessas mulheres de serem amarradas lhes permite ser libertadas e atravessar as fronteiras do tabu . Fantasias particulares lhes permitem estar na ribalta por algumas horas, sob o olhar de Araki. Além de não considerar esses trabal hos como sendo de cu n ho fetichista e pervertido, muitas mulheres japonesas assumiram o controle de sua sexualidade, em vez de se conformarem com a imagem feminina tradicional de recato e humildade. Além disso, o desejo de Araki de capturar momentaneamente suas "vítimas" pode estar relacionado com o luto melancólico ou canibalístico. A angústia


provocada pela perda da pessoa amada (a morte de sua

nação e sua relação com a vizinha índia. Segundo os

mulher) resulta num desejo de substituição sentimental.

Dadi, "os cidadãos não são recipientes passivos dessas

A pulsão canibalística da melancolia permite que o ero-

práticas disciplinadoras, mas sim incestuosamente envol-

tismo e a morte partilhem da mesma dimensão.

vidos em um jogo de poder festivo e orgíaco, no qual o

Para Christanto, que reside em Jogjakarta, cidade

poderdo Estado e a reação das massas são retratados de

javanesa que recentemente foi palco de grandes mani-

forma teatral no consumo canibalístico" . Embora tenha

festações, o ato de devoração está implícito na violência

constru ído u ma narrativa nacional mítica independente

institucionalizada. Em They'giue euidence [Eles dão prova],

da índia, os meios de comunicação paquistaneses são

homens e mulheres nus, em tamanho maior que o natu-

criados em grande parte por meio da apropriação e

ral, formam filas como tropas militares prontas para

absorção dos poderosos meios de comunicação eletrô-

receber ordens de uma autoridade invisível. São vítimas

n icos i nd ianos. O ci nema, a propaganda, a moda e a

de violência, injustiça e ditadura num país onde os mili-

música indianos exercem enorme impacto sobre a cultura

tares e as massas vivem em conflito. Os corpos ocos per-

paquistanesa. A emissora Star TV, de Rupert Murdoch,

manecem ali em pé, imóveis, implorando pelo fim dos

apresenta músicas, novelas e programas de auditório

atos desumanos; sua alma esvaziou-se, consumida pela

indianos e norte-americanos, transmitindo as culturas

violência mental. Eles seguram roupas e tegumentos

de Hollywood e Bollywood (como é conhecida a indústria

como provas das atrocidades que testemunharam . Como

ci nematográfica de Bom bai m) para os telespectadores

fantasmas esfomeados e almas errantes, aguardam paz

paquistaneses. O crescimento do livre comércio permite

e alimento espiritual. Com a recente desintegração eco-

às empresas multinacionais e de comunicação eletrônica

nômica e intervenção do FMI que resultou em tumultos,

global exercer pressão no sentido de comodificartodos os

saques e incêndios criminosos, essas figuras sombrias

aspectos da vida cotidiana. Segundo os Dadi, "Trata-se

podem servistas como símbolos do regime conturbado

de uma comodificação altamente canibalística, uma vez

do presidente Suharto. Membro de minoria, Christanto,

que todas as áreas, incluindo religião, cultura e conheci-

que se converteu do cristianismo ao islamismo, ainda

mento tornam-se instantaneamente disponíveis para

carrega o ônus de sua origem chinesa. Suas performances

consumo de massa".

concentram-se na violência no contexto de amor e ódio,

A instalação criada pelos Dadi cria um simulacrode

adoração e destru ição. Ele lamenta os mortos e em segu i-

game shows na TV e de videogames que exploram as idéias

da se transforma em predador q ue destrói as cabeças das

capitalistas do "chegar lá", em conjunto com celebra-

vítimas, esmagando-as com uma arma. A angústia da

ções e carnavais de sucesso fabricado . Os artistas usam

perda de entes amados transforma-se em agressão e

de i ronia para mostrar cabeças destacáveis de bonequi-

destru ição. A viàlência hindu-muçulmana, resultante da divisão

nhos Pacman, um coração que sangra, o poderdo amor, e dançari nos vol u ptuosos junto com armas elétricas e

da índia britânica, em 1947, ainda aflige a índia e o

aparelhos de tortura em arranjos sobre tabuleiros de

Paquistão. Os recentes testes nucleares realizados na

jogos. Atores e atrizes em ação e fi Imes pornográficos

região provocaram tensões entre os dois países, que já

tornam-se símbolos de sedução e sadismo. Sangue e

estiveram três vezes em guerra nos ú Iti mos 50 anos. O

nudez são significantes de amor intenso (coração volu-

ministro das relações exteriores paquistanês, Gohar Ayub

moso), etnocentrismo, xenofobia e luxúria. Desenhos

Khan, acusa a índia de haver "forçado o Paquistão a

vistosos refletem o dilema de amo r e morte, os quais são

entrar numa corrida armamentista". Na tentativa de criar

transformados em objetos de amor e ódio, adoração e

no Paquistão um estado-nação pós;.colonial e uma pureza

destruição, Eros e Tanatos. Junto à imagem de um papa-

cultural autênticos, foram disseminadas ideologias de

gaio, diz a citação profu nda : "Se tentares Ii m par o pró-

formar cidadãos por meio de sistemas educacionais ,

xi mo, te desgastarás no processo, como sabão" .

homogeneização da cultura nacional, práticas de assimi-

Enquanto as indústrias cinematográficas indiana e

lação e de tortura. Iftikhar e Elizabeth Dadi estudaram a

paquistanesa florescem, o cinema tailandês chegou a um

fundo a natureza canibalística do Paquistão como estado-

ponto sem saída. Ing K. vê os melosos e este reotipados

Iftikhar e Elizabeth Oadi Power of love Poder do amor 1998 imagem digitalizada

158 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros . Rote iros . Roteiros. Roteiros. Roteiros. Rotei ro s."



160 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros. Roteiros . Rote iros. Roteiros . Roteiros. Roteiros ."


16. Ajit Mookerjee, Kali: the feminine force, Londres: Thames and Hudson, 1995, P·3 0 -33, 7 2-77. 17. Trilok Chandra Majupuria e Rohit Kumar Majupuria, Gods and goddesses: an illustrated account ofhindu, buddhist, tantric, hybrid and tibetan deities, Lashkar: Lalitput Colony, 1998, P.138-148. 18. Na mitologia, Kala Rauh tentou beber Tirtha Amertha, a água sagrada, mas teve sua cabeça decepada pelo Cakra, um tipo de disco cortante usado por Vishnu. Como vingança, a cabeça de Kala Rauh rugiu ameaçadoramente em direção ao Sol e à Lua. Sempre que consegue capturar um deles, a cabeça os devora, provocando um eclipse. 19. Hanawa Kazuichi, Monkey (1987) illustrado na edição de Lawrence Chua, Muae: collapsing new buildings, Nova York: Kaya Books, 1997, P.203-212. 20. Philip Blenkinsop, The cars that ate Bangkok, Bancoc: White Lotus, 1996. 21. Brottman, idem, p.26-57, 192-193. Albert Fish, por exemplo, matou Grace Budd, de 12 anos, cortou o corpo em fatias finas, cozinhou e comeu ensopado, com repolho e batatas. Os assassinatos bizarros de Edward Gein incluíram a dissecção de cadáveres femininos, cuja pele usava sobre seu próprio corpo para dançar. Ted Bundy ficou conhecido por abocanhar e engolir pedaços de nádegas e coxas de suas vítimas do sexo feminino . A psicose assassina de Bundy inspirou a caracterização de dois autores de assassinatos em séries, Buffalo Bill and Hannibal Lecter, nos romances Red Dragon e Silêncio dos inocentes, de Thomas Harris. O pri.meiro assassino tornou-se obcecado pela pintura de um Homem-Dragão, de William Blake, enquanto o outro se inspirou nos estudos de anatomia de Theodore Gericault em The raft of Medusa. No th riller clássico de Jonathan Demme, O silêncio dos inocentes, o psiquiatra psicopata Aníbal "o Canibal" Lecter, representado por Anthony Hopkins, descreve como mordeu e engoliu a língua de uma de suas vítimas, e comeu o fígado de outra; preparado com feijão de fava e acompanhado por um bom vinho Chianti. Além disso, Lecterdesmembrou o corpo e comeu a carne de um policial, ao som da música de Bach. Brottman descreveu um retrato de Lecter como sendo uma combinação dos apetites da Idade da Pedra e do pensamento mágico do carniceiro selvagem com o gênio do artista-cientista. "Arte, mágica e religião se encontram, e o sacrifício da comunhão torna-se carne". 22. Brottman, idem, P-45-47. Conhecido como o padrinho do canibalismo, Sagawa alcançou fama a ponto de proclamar-se alimento do qual a mídia e o público se servem para saciar seu apetite de transgressão. Sobre o fato de comer a alemã Renee Hartevelt, ele comentou: "Finalmente eu estava comendo uma linda mulher branca, e pensei que não havia nada mais delicioso!" 23. Bussarawan Teerawich ittchai nan, "Who ki IIed Jenj ira? A lesson to learn", Bangkok Post (17+1998) , p.8. Após a prisão deste assassino, o programa

Apinan Poshyananda

U-Shock! de reapresentação de seriados na televisão a cabo apresentou Piai thang hang khuam kan (O fim da vingança). No filme, o médico psicopata mantinha amarrados sua mulher e o amante dela, cujos membros fatiava para comer todos os dias no jantar. 24. Kiernan, idem . O capítulo 1 traz narrativa detalhada do processo de limpeza das cidades, zona rural e fronteiras . Além disso, minha visita ao Museu Toul Sleng (Presídio de Segurança 21) e ao campo de extermínio de Choeng Ek, em Phom Phem, em fevereiro de 1998, confirmou o quão meticulosamente o Khmer Vermelho havia registrado dados de sua barbárie. Todos os prisioneiros foram fotografados antes e após serem submetidos à tortura. No período 1975-78 cerca de 17.000 homens, mulheres e crianças, inclusive recém-nascidos, foram levados do Presídio de Segurança 21 para o campo de extermínio de Cheoung Ek, para serem mortos. 25. Amir Zia, "License to kill?" Newsline (fevereiro 1996), p.20-29; Ghulam Hasnain, "M?M : road to nowhere?" Newsline (maio 1997), P.19-34. 26. Trinta anos atrás, em 16 de março de 1968, mais de 500 vietnamitas, incluindo mulheres e crianças, foram massacrados por soldados norteamericanos. Após serem retiradas de suas casas, as vítimas foram alinhadas numa vala e mortas a tiros. Fotografias de atrocidades cometidas por ambos os lados estão expostas no Museu dos Registros de Guerra, em Ho Chi Minh . Algumas imagens mostram vítimas decapitadas, cujos pênis foram exti rpados e colocados em suas bocas. 27. Martin e Schumann, idem, P.14-18. 28. Videoclipes apresentados na MTV, tais como The prodigy and pills, contêm violência e agressão. O vídeo estrelado pelo roqueiro David Bowie, The hearts filthy lesson , que faz parte do álbum Outside, mostra atos explícitos de decapitamento, descarnamento, cozimento e devoração humana. Essa música também faz parte da trilha do thriller psicológico Seuen [Os sete pecados capitais] . Desejo de sangue e cultura jovem estão em Douglas Rushkoff, Children of chaos:suruiuing the end ofthe world as we know it, Londres: Flami ngo , 1997. 29. Ver Ch ris Townsend, Vile bodies: photography and the crisis of looking, Nova York: Prestel-Verlag, 1998; Royal Academy of Arts , Sensations: young british artists from the Saatchi Collection, Londres: Royal Academy of Arts, 1997. 30. Entrevista com Nobuyoshi Araki, em 12 de outubro de 1997 e 27 de maio de 1998, Tóquio, Japão. Araki explicou que , nas fotos, seus modelos aparecem semimortos e na exposição tornam-se semivivos. Assassinar é ama r, e o amor deve ser assassinado. 31. Entrevista com Luo Wei Dong, em 25 de janeiro de 1998, Pequim , China.


não se baseia em elementos fetichistas ou voyeuristas. Choi joga com a ironia do exotismo e da masculinidade ameaçada. A beleza artificial, representada por materiais sintéticos, aparece em séries tais como Plastic paradise [Paraíso de plástico]. Em Encore, encore, encore [Bis, bis, bis], o artista transforma a beleza ideal da divindade numa obesidade excessivamente corpulenta, de exuberância grotesca. Ao ridicularizaro padrão de beleza tradicional, ele faz com que o corpo flácido e dourado inche e flutue em sua glória. Em Mother [Mãe], Choi faz uma justaposição irânica de ícones de feminilidade. A serena e mística mãe deusajxamã, sentada na bacia dourada, fita a boneca de borracha, nua, que espera ser servida. Duas mulheres, uma simbolizando a sabedoria e a outra, a devassidão, se comprimem num aposento amarelo. Em contraste com Mother, o artista cria flores robóticas e grotescas num espaço aberto, que parecem criar vida. Estas flores si n istras são como plantas carn ívoras tais como a Dionea muscipula e a Nepenthes, que capturam suas vítimas e as digerem lentamente, num apêndice em 1. Wi lliam Arens , The man-eating myth: anthropology & anthropophagy , Oxford, Nova York: Oxford University Press, 1979, P-44-50. Arens descreveu o termo "antropofágico" usado em relação aos selvagens à margem da civilização, que partilhavam carne humana. Por exemplo, os arauaques descreviam seus inimigos, os cqribes, com um misto de ódio e medo , como um povo que "com ia gente e, quando aprisionava um homem , cortava sua cabeça, bebia seu sangue e o castrava" . 2. O canibalismo gerou uma classificação de acordo com aquele que é devorado. As categorias mais gerais incluem o endocanibalismo ou endofagia, que significa o consumo da carne de um membro do próprio grupo; exocanibalismo ou exofagia, que indica o consumo da carne de estranhos, não pertencentes ao grupo ; e autocanibalismo ou autofagia, que significa a ingestão de partes do próprio corpo. Outras classificações levam ao can ibalismo "gastronômico", em que a carne humana é consumida por seu sabor e valor alimentar; canibalismo ritual ou mágico, que mostra uma tentativa de absorção da essência espiritual do falecido ; canibalismo de sobrevivência, que denota o consumo de carne humana em condições críticas. 3. Arens afirma que a atribuição de canibalismo às vezes é uma projeção de superioridade moral. O autor chegou a sugerir que o canibalismo não existisse, pois ninguém o havia testemunhado. Suas idéias foram contestadas, uma vez que relatos de testemunhas ocula res afirmam o contrário. 4. Oswald de Andrade, "Ma nifesto antropófago", in Gilberto Mendonça Telles (org.), Vanguarda européia e modernismo brasileiro, Petrópolis: Vozes, 1972. 5. Os seguintes livros foram especialmente valiosos para minha pesquisa de antropofagia: Claude Lévi -Strauss, The raw and the cooked , trad. para o inglês de John and Doreen Weightman, Nova York: Harper and Row, 1969; William Arens, The man-eating myth, 1979; Peggy Reeves Sanday, Diuine hunger: cannibalism as a cultural system, Cambridge, Nova York: Cambridge University Press , 1986; Key Ray Cho ng, Cannibalism in China , New Hampshire: Longwood Academic, 199o;Jo hn Gittings, Real China :from cannibalism to karaoke, Londres: Pocket Books, 1996; Jasper Becker, Hungry ghosts: China's secret famine , Londres: John Mu rray, 1997; Ben Ki ernan , The Pol Pot Regime: race, power and genocide in Cambodia under the Khmer Rouge, 1975-79, Ch iang Mai: Silkworms, 1996; Mikita Brottman, Meat is murder: an illustrated guide to cannibal culture, Londres, Nova York: Creation Books International , 1997; Peter Hu me (ed .), Cannibalism

forma de copo. A penugem macia e as pétalas delicadas se transformam em presas e dentes. A analogia da flor carnívora e da genitália antropofágica que Choi apresenta transforma o exotismo misterioso e glamouroso na apavorante uagina dentata. As flores esfomeadas de Choi são metáforas do carnaval canibalístico que celebram alegria e assassinato. Atraem nosso lado animal da mesma forma que escolhemos assistir a filmes de horror tais como Anthropophagus, The Beast [Antropófago, a fera], deJoe D'Amanto, Eaten aliue by the cannibals [Comido vivo pelos canibais], de Umberto Lenzi, e Cannibal holocaust [Holocausto canibal], de Ruggero Deodato. Evidentemente, as plantas de Choi são menos sórdidas e sangü inárias. Sua sensualidade e exotismo quase nos instigam a chegar perto desses néctares e sussurrarmos ousadamente, "Me coma". Api na nPosh ya na nda Traduzido do inglês por Izabel Murat Burbridge.

and the colonial world , Cambridge: Cambridge University Press, 1998; Winin Pereira e Jeremy Seabrook, Global parasites: fiue hundred years of western culture , Bombaim: Earthcare Books, 1994; Hans-Peter Marti n, Herald Schumann, The global trap: globalization and the assault on democracy and prosperity, Lond res, Nova York: Zedd Books, 1996; Zheng Vi, Scarlet memorial : tales of cannibalism in modern China, trad . para o inglês de T.P. Sym, Oxford : Westview Press, 1996. 6. I<ey Ray Chong, idem , p. 43-44. 7. Arens , idem, P·27· 8. Paul Shan kman , "Le rôti et le boulli: Lévi-Strauss' theory of cannibalism ", American Anthropologist, vol. 71, n.l , feverei ro de 1969, P.54-69. Lévi-Strauss sugere que o cozimento por fervu ra é o modo usual de preparar ai imentos para consumo doméstico, enquanto aos visitantes habitualmente se serviam assados. Entretanto, Shankman entende que esta lógica é falha, uma vez que os dados estatísticos não corroboram esta suposição. 9. Gil li an Gillison , "Cannibalism amongwomen in East Highlands ofPapua New Guinea", Paula Brown e Donald Tuzin , (ed.) , The ethnography of cannibalism, Washington D.e.: The Society for Psychological Anthropology, 1983, P·33-51. 10. Sanday, "The kwakiutl man eater," idem , P.113 -1 20. 11 . Thomas Hay, "The windigo psychosis: psychodynamic, cultural , and social factors in aberrant behavior", American Anthropo logist, vol. 73, n.l (feverei ro 1971), p.1-19· 12. Key Ray Chong, idem. 13. Wang Shiqing, Lu Xun: A biography , Pequim : Foreign Languages Press, 1984, P.98-102, 107- 108. 14. Becker, op. cit., p.211-219 e Gittings, op. cit., P.190- 219. 15. "Cannibalism reported in Famine-stricken North Korea," Bangkok Post (12-4-1 998) , P-4. Relatório do Conse lho das Relações Exteriores, rea lizado em Nova York, estima que pe lo menos um milhão de norte-coreanos morreram de fome em 1996-1997. Marce l Roux, diretordo serviço Médicos Sem Fronteiras, na China, entrevistou refugiados norte-coreanos originários de Buk Cheng, Zhongjiang, e Tumen, os quais revelaram que pais passaram a comer seus próprios filhos após a suspensão do fornecimento de alimentos, há três anos.

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16. Ajit Mookerjee, I<ali: the feminine force, Londres: Thames and Hudson, 1995, P·3 0 -33, 7 2-77. 17. Trilok Chandra Majupuria e Rohit Kumar Majupuria, Gods and goddesses: an illustrated account ofhindu, buddhist, tantric, hybrid and tibetan deities, Lashkar: Lalitput Colony, 1998, P.138-148. 18. Na mitologia, Kala Rauh tentou beber Tirtha Amertha, a água sagrada, mas teve sua cabeça decepada pelo Cakra, um tipo de disco cortante usado por Vishnu. Como vingança, a cabeça de Kala Rauh rugiu ameaçadoramente em direção ao Sol e à Lua. Sempre que consegue capturar um deles , a cabeça os devora, provocando um eclipse. 19. Hanawa Kazuichi, Monkey (1987) illustrado na edição de Lawrence Chua, Muae: col/apsing new buildings , Nova York: Kaya Books, 1997, P.203-212. 20. Philip Blenkinsop, The cars that ate 8angkok, Bancoc: White Lotus, 1996. 21. Brottman , idem, p.26-57, 192-193. Albert Fish, por exemplo, matou Grace Budd, de 12 anos, cortou o corpo em fatias finas, cozinhou e comeu ensopado, com repolho e batatas. Os assassinatos bizarros de Edward Gein incluíram a dissecção de cadáveres femininos , cuja pele usava sobre seu próprio corpo para dançar. Ted Bundy ficou conhecido por abocanhar e engolir pedaços de nádegas e coxas de suas vítimas do sexo feminino. A psicose assassina de Bu ndy inspirou a caracterização de dois autores de assassinatos em séries, Buffalo Bill and Hannibal Lecter, nos romances Red Dragon e Silêncio dos inocentes, de Thomas Harris. O pri.mei ro assassi no tornou-se obcecado pela pintura de um Homem-Dragão, de William Blake, enquanto o outro se inspirou nos estudos de anatomia de Theodore Gericault em The raft of Medusa. No thriller clássico de Jonathan Demme, O silêncio dos inocentes, o psiquiatra psicopata Aníbal "o Canibal" Lecter, representado por Anthony Hopkins, descreve como mordeu e engoliu a língua de uma de suas vítimas, e comeu o fígado de outra; preparado com feijão de fava e acompanhado por'um bom vinho Chianti. Além disso , Lecterdesmembrou o corpo e comeu a carne de um policial, ao som da música de Bach. Brottman descreveu um retrato de Lecter como sendo uma combinação dos apetites da Idade da Pedra e do pensamento mágico do carniceiro selvagem com o gênio do artista-cientista. "Arte, mágica e religião se encontram , e o sacrifício da comunhão torna-se carne". 22. Brottman, idem, P-45-47. Conhecido como o padrinho do canibalismo, Sagawa alcançou fama a ponto de proclamar-se alimento do qual a mídia e o público se servem para saciar seu apetite de transgressão. Sobre o fato de comer a alemã Renee Hartevelt, ele comentou : "Finalmente eu estava comendo uma linda mulher branca, e pensei que não havia nada mais delicioso!" 23. Bussarawan Teerawichittchainan, "Who killed Jenjira? A lesson to learn", 8angkok Post (1741998), p.8. Após a prisão deste assassino, o programa

Apinan Poshyananda

U-Shock! de reapresentação de seriados na televisão a cabo apresentou Piai thang hang khuam kan (O fim da vingança). No filme , o médico psicopata mantinha amarrados sua mulher e o amante dela, cujos membros fatiava para comer todos os dias no jantar. 24. Kiernan, idem . O capítulo 1 traz narrativa detalhada do processo de limpeza das cidades, zona rural e fronte iras. Além 9isso, minha visita ao Museu Toul Sleng (Presídio de Segurança 21) e ao campo de extermínio de Choeng Ek, em Phom Phem, em fevereiro de 1998, confirmou o quão meticulosamente o Khmer Vermelho havia registrado dados de sua barbárie. Todos os prisioneiros foram fotografados antes e após serem submetidos à tortura. No período 1975-78 cerca de 17.000 homens, mulheres e crianças, inclusive recém-nascidos, foram levados do Presídio de Segurança 21 para o campo de extermínio de Cheoung Ek, para serem mortos. 25. AmirZia, "License to l<ill?" Newsline (fevereiro 1996), p.20-29; Ghulam Hasnain, "M?M: road to nowhere?" Newsline (maio 1997), P.19-34. 26. Trinta anos atrás, em 16 de março de 1968, mais de 500 vietnamitas, incluindo mulheres e crianças, foram massacrados por soldados norteamericanos. Após serem retiradas de suas casas, as vítimas foram alinhadas numa vala e mortas a tiros. Fotografias de atrocidades cometidas por ambos os lados estão expostas no Museu dos Registros de Guerra, em Ho Chi Minh . Algumas imagens mostram vítimas decapitadas, cujos pênis foram extirpados e colocados em suas bocas. 27. Martin e Schumann, idem, P.14-18. 28. Videoclipes apresentados na MTV, tais como The prodigy and pil/s, contêm violência e agressão. O vídeo estrelado pe lo roqueiro David Bowie, The hearts filthy lesson , que faz parte do álbum Outside, mostra atos explícitos de decapitamento, descarnamento, cozimento e devoração humana. Essa música também faz parte da trilha do thriller psicológico Seuen [Os sete pecados capitais]. Desejo de sangue e cultura jovem estão em Douglas Rushkoff, Children ofchaos: suruiuing the end ofthe world as we know it, Londres: Flamingo, 1997. 29. VerChris Townsend, Vile bodies: photography and the crisis oflooking, Nova York: Prestel-Verlag, 1998; Royal Academy of Arts, Sensations: young british artists from the Saatchi Col/ection , Londres: Royal Academy of Arts, 1997. 30. Entrevista com Nobuyoshi Araki, em 12 de outubro de 1997 e 27 de maio de 1998, Tóquio, Japão. Araki explicou que, nas fotos, seus modelos aparecem semimortos e na exposição tornam-se semivivos. Assassinar é amar, e o amor deve ser assassinado. 31. Entrevista com Luo Wei Dong, em 25 de janeiro de 1998, Pequim, China.


テ《ia

curadoria Apinan Poshyananda

Eat me ... "~fl flcu ... Ma

Anthropophagy is an immensely complex phenomenon bearing multiple meanings which may be applied to art, mythology, politics, psychoanalysis, cultural history, and criticaI theory. Cannibalism meaning the eating by man of human flesh is derived from the word "cannibal" through Spanish mispronunciation ofCaribs (ethnic term to describe natives from the Caribbean islands) which became Canibs and eventually cannibals. 1 The Caribs were believed by European explorers in the sixteenth century to have been anthropophagites. Long before the discovery of the New World evidences of cannibalism had been wide spread. Notably, the existence of cannibalism beyond Western culture has been an accepted notion. References of man eating man indicate uncivilized features of savages from distant places. Anthropologists have categorized various types anthropophagy as exophagy, endophagy, autophagy, gastronomic cannibalism, ritual or magic cannibalism, and survival cannibalism. 2 Debates on man-eating myth have raised is sues regarding the assumption by one group about the cannibalistic nature of others that can be interpreted as an aspect of cultural and superior construction. Eating human flesh is seen as the most profane act and antisocial behavior imaginable. Seen as barbarians and heathens outside the pale culture those who eat one another are assumed to inhabit in a pre-civilized stage. Conversely, it has been put forward that man-eating myths in South America, Asia, and New Guinea were disseminated by explorers and rriissionaries to provide moral justification for colonizing and cultural missions by European colonizers as excuse for pacification and conquest. 3 While those who strongly believe that cannibalism existed argue that such practice played a central part in the ritual order or dietary regime. Moreover, resistance to foreign invasion and cannibalism became synonymous as natives such as the Caribs and Tupinamba fought, killed, and devoured their enemies to resist complete cultural domi-

nation and slavery. They took the assumption that by eating the enemies they would own the soul and absorb their fighting ability. ln "Anthropophagite manifesto," Oswald de Andrade described anthropophagy as the world's only law and a uniting force. De Andrade called for the Carahiba revolution and denounced catechisms, inquisitions, missionaries, the Portuguese, and cultured Christianized peoples. 4 ln search for routes to rediscover the raw instinct and indigenousness de Andrade harked back to early resistance against foreign invasion as he demanded for an anthropophagical vaccine. His desire for the permanent transformation oftaboo into totem challenged conformability and conventional wisdom introduced by European colonizers that paralyzed freedom of thought and imagination. Whether de Andrade's rich and provocative idea should be followed as alternative routes for a new doctrine or taken with a pinch of salt (or blood) as such manifestation could also lead to dogmatism is open to interpretation. As for the concept of the Asian section of roteiros this manifesto has been valuable as a bridge that led to labyrinthine avenues, thresholds, and crossroads. Along with works by Claude Lテゥvi-Strauss, William Arens, Peggy Reeves Sanday, Mikita Brottman, Lu Xun, Zheng Yi, Key Ray Chong, John Gittings, Jasper Becker, Ben Kierman, Hans-Peter Martin, Harald Schumann, Winin Pereira, Jeremy Seabrook I was able to draw on theoretical background which became essential tools for my methodology to study artists in Asia whose works extrapolate the thematic sinews of anthropophagy, man-eating myth, and cannibal culture. 5 ln order to elucidate my interpretation of anthropophagy which is intertwined with cross-cultural cannibalism among powerful, parasitical, and predatory cultures and symbolic devouring ofhuman and soul as cultural systems it is valid to discuss some of the classic and contempo-

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liah saya . .. nr .§ · · · ~ ~ · · · Me coma I

rary man eaters. Some stories on cannibalism are plausible while others are fictional. The fascination is not why people eat human flesh but why one group invariably assumes that others do. At one time or another the cannibal epithet has been applied to every human group. Debate on the Peking Man (Sínanthropus) as head hunters and cannibals occurred when between I926 and I94I prehistoric skulls excavated near Choukoutien in China were found broken at the base probably to provide access to the brain. Hypothesis suggested early man preferred to eat human brain along with perishable parts raw before carving up the carcass. 6 ln the fifth century B.C., Herodotus recorded that the Androphagi who lived far beyond civilization resorted to barbaric customs as they ate human flesh. ln the sixteenth century, Hans Staden, a German seaman on the Portuguese trading ship accounted in the book with woodcuts displaying his experience with the Tupinamba lndians of southeastern Brazil. According to Staden, he witnessed first hand cannibalistic rituaIs with illustrations revealing naked females and children gnawing away on human parts as the head is roasting over a fire. The accompanying text states, "the people and island which have been discovered by the Christian King ofPortugal . . . are naked, handsome, brown, well shaped in body ... They also eat each other even those who are slain, and hang the flesh of them in the smoke."7 Tupinamba cannibalism also led to the legendary all-female Amazon society of Brazil who expressed amorous and aggressive intentions toward males. Christopher Columbus did not encounter cannibals but was informed by the Arawaks that the Caribs were man-eaters who ate their captives to absorb their fighting ability. Before colonization, the Aztecs were believed to participate in mass cannibalistic orgies at rituaIs. Organs and living heart of prisoners of war were consumed to symbolize the reinvigorating powers of the world. The Spanish conquest put an end to human

Ap inan Poshyananda

sacrifice and cannibalism. ln the nineteenth century, Ta'unga, a native Polynesian converted to Christianity accounted cannibalism on the islands ofNew Caledonia. The illustration in section "On the Eating ofMen" represents the son of Pasan asking his father for fat men to eat. ln Europe, records on survival cannibalism have been recorded while some Scots, Picts, lrish, Russians were seen as cannibals. At times, European travelers and missionaries were feared by the natives as man-eaters . Judeo-Christian thought ofthe Eucharist as communion with the supernatural as bread and wine are symbolic of Christ's body and blood. lnterpretation ofthe Eucharistflesh and body fluids-has led to the idea of Roman Catholic cannibal complex and fetishistic thought related to eating flesh of the Son. Desire and quest for exotic cultures meant that truth and fiction often became interwoven. As a result, the function and meaning of cannibalism became a fascination through symbolic rituaIs. Lévi-Strauss's theory of cannibalism with boiling-roasting methods put forward the practice among groups of exo and endocannibalism. The hypotheses bring up questions ofhow people cook people and cooking as analogy to language. 8 The cannibal trails reveal magico-religious reasons for exophagy and endophagy among Australian aborigines for sacrifice, revenge, and respect for the dead while the Zulus believed that by eating the forehead and eyebrow of their enemy they would be brave to face their adversity. ln Papua New Guinea, revenge and cycles ofkilling between enemy groups consisted of stuffing severed genitaIs in the enemy's mouth or the Kiwai would make young warriors swallow the enemy's penis. Endophagy and mortuary cannibalism among the Gimi were practiced as female kin ate the entire corpse by steam cooking. The women pronounced "Come to me so you shall not rot in the ground. Let your body dissolve inside me."9 Cannibalism by females of male corpses was thought to release


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the men's soul and reestablished maternal androgyny. The anthropophagic bent of the natives was discussed in context of brain disease, kuru, transmitted by eating insufficiently cooked human flesh. This illness known as "laughing death" resulted in incidents such as a husband copulating with a female corpse while his wife simultaneously butchered the body for roasting fire. ln North America, the Kwakiutl lndians performed initiation rite in the Cannibal Dance of the Winter as cannibalistic desires and primaI hunger are tamed and suppressed. The Cannibal Dancer trembled and gnashed his teeth to display irresistible hunger for human flesh. Only the smell of primaI mother satisfied his appetite as a smoldering blood-soaked menstrual napkin was pressed to his face. Satisfied by the sacred smoke of primaI food of menstrual blood his behavior became like a new-born infant.IO Cannibalistic madness which became known as "Windigo psychosis" observed among the Alongkians was an aberration characterized by a compulsive desire to eat their loved ones. Oral-aggressive fantasies and experience of famine conditions have led parents to eat their children. l l Records of cannibalism in China are varied and numerous. Chronicles reveal survival cannibalism caused by natural disasters such as flood, drought, and insect infestation. For instance, in 594 B.C. in Han dynasty starvation resulted in "people exchanging one another's children for food" (i tzu erh shih). ln Ch'ing dynasty during the famine Bishop ofShansi, Monsignor Louis Monagatta reported, " ... now they kill the living to have them for food." War and rebellion created crises in food supply. ln 906, Ts'agn-chou in Hopei Province was under siege when food ran out the people ate one another; the bones of the dead were broken, mixed with clay, and eaten. ln revenge against their enemies heart and liver were eaten raw to cause maximum suffering as they believed life itself resided in these organs. Children were allowed to participate in the human feast. ln 1854 during the Taiping Rebellion dried and fresh human flesh was on sale; in the household cooking pots had human hands and fingers boiled for consumption. Brutality used as psychological tactic resulted in expression "1 am going to eat you up" (yu-shih chi-jou, shih-chih-pu-yen, and yu-jou chih). ln Later Chin dynasty, the hostile leader Chang Yen-ts'e was cut

to pieces, the marrow eaten and flesh sold publicly. ln Northern Sung dynasty, General WangYen-sheng allowed his soldiers to devour the prisoners while an officer Chan Liang-ch'en was forced to eat a chunk ofhis body before he vomited and died. As delicacy human meat (ts'ai-jen) was cooked for palatable dishes. Methods of cooking ranged from baking, roasting, broiling, smoke-drying, sun-drying to frying, stewing, mincing, and pickling. On the taste ofhuman meat (hsiang jou) children's meat had the best taste while women's flesh was more delicious than mutton. Human flesh was also used for medical treatment. Filial piety (hsiao-yi) of self-sacrifice resulted in .endocannibalism where sons and daughters cut off parts of their limbs (arm, liver, thigh) for their parents to eat. Records also revealed daughters-in-Iaws and wives cutting their flesh for their in-Iaws and husbands to consume as cure for sickness. Human "blood bread" (hsueh man-t'ou) was sold to wives whose husbands were impotento ln contrast, for selfish reasons many eunuchs in the Ming dynasty tried to gain sexual potency by eating young men's brains. ln Fukien province eunuch Lao Ts'ai killed virgin boys and ate their brains in a desperate attempt to reproduce his genitals. 12 ln 1918, Lu Xun the famous Chinese writer published A madman's diary (WangJenJih Chi) . Through the fantasies of a madman he popularized the term "man-eating" (ch'ihjen) society and made the reader aware of the cannibalistic aspects of Chinese life. Lu Xun exposed to full view the evils of the clan system that revealed Confucian virtue and morality as the man-eating social structure that became symptoms ofthe traditional society's illness. His hope was that the future for the young would be saved. He let the madman ends his diary with the words: "Perhaps there are still children who haven't eaten men? Save the children . .. " ln attempting to expose the true features of feudal society Lu Xun wrote Medicine which was set against the background ofthe 19II Revolution. The revolutionary hero Xia Yu sacrificed his life for revolutionary's cause but the people did not understand him and even used his blood as medicine. 13 During the great famine (1959-61) ofthe Great Leap Forward peasants killed and ate their children. ln Gushi, southern Henan the authorities recorded 200 cases of cannibalism while in Anhui's Fengyang county the Party

Dadang Christanto They give evidence Eles d茫o prova 1997 fibra de vidro, tijolo, argi la [fiberglass, brick, clay] foto Tetsuro Ishida cortesia Museum of Contemporary Art, T贸quio

Apinan Poshyananda


Luo Brothers Welcome to the world's most famous brands #37 [Ieft page] #39 [right page] Bem-vindo às marcas mais famosas do mundo nº 37 [pág ina à esquerda] nº 39 [página à direita] 1997 laca e impressão sobre madeira [Iacquer and print on wood ] 64,7x55,25cm cortesia Art Beatus Gall ery, Vancouver 168 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros . Roteiros . Roteiros . Rotei ros."


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reported 63 cases in one commune alone. During the height of the Cultural Revolution (1966- 68) in Guangxi pravince incidents oflivers and hearts being ripped out of living victims were recounted. The writer Zheng Yi has published convincing documentary materiaIs on cannibalism in his book Scarlet memorial. Land owners and school principaIs were killed then cooked and eaten because they were class enemies . Some people liked to eat human brain as they would suck it fram the skull thraugh a pipe. Among the eye witnesses it was recalled that on 10 July 1968 the human flesh party took place in the police station kitchen after Xi Qiye, a Yao minority was killed with his heart and liver cut out. As the taboo of eating human meat was eraded by degrees the blood craze became in vogue while parts of anatomy were prized for their therapeutic value. The point was reached when human flesh was served at banquets and parties with wine. 14 ln "Revolt in the Soul & Body, 1900-1999," Taiwanese artist Chen Chieh-jen relates his works to these horrific events in China. By fusing his self-images into the historical photographs of violence, Chen redefines national myth, the history of discipline, punishment, violence, and memories of massacres in China and Taiwan. Beijing artist Gu Dexin has been experimenting in meat and plastic to express combination of violence and eraticismo Flesh and skin signify emotional and visceral vulnerability as well as inherent desire to destray. Gu's recent works include squeezing a piece of meat for twelve days and showing photos of this performance with meat on the side, and an installation of one hundred kilos of pig's brain. lnstallation artist Huang Yong Ping has experimented with animaIs devouring each other as metaphors ofhegemony, aggrandizement, and power hunger. He has caged together animaIs including snakes, frags, grasshoppers, scorpions, and spiders. ln various parts of Asia cannibalism occurred fram hunger, war, and revenge. ln 1998, reports on cannibalism in North Korea still shocked the public. 15 Evidences of anthrapophagous acts occurred in traditional art. The marvelous carvings on the walls at Angkor Wat record scenes ofviolence and vengeance reflecting cannibalistic desire to devour enemies. Battle scenes show furious and desperate encounters between King Suriyavarman II and Vishnu against enemies and demons (danavas) . ln the Battle ofLanka the army ofRama and the monkey-god, Hanuman, fight soldiers often-headed Ravana by tearing

and chewing chunks of flesh. Thousands of images of biting and gnawing on the bas reliefs show mayhem and slaughter. These carvings reflect the artisans' "hunger" to "eat up" space with all over interwoven lines. Theme of violence can also be related to massacre and genocide which later took place in Cambodia. ln lndia and Nepal, worship oficons of cannibalistic gods has been ingrained as part of daily ritual. Hindu-Tantric-Buddhist gods and goddesses are often represented in dreadful and terrifying manifestations. Hayagriva, Hevajra Heruka, Yamantaka, Samvara are fierce, flaming, and terrible with multiple heads and limbs wearing ornaments made ofbone and necklace of fifty-one freshly severed heads. ln supreme yoga Tantra, Kalachakra, Guhyasamja, Mahakala appear as wrathful icons copulating position (yab-yum) with consort as they dance. Feminine force (sakti) thraugh worship of goddesses Durga, Kali, Dakini, Dakshinakali and female genital (yoni) worship often relate to devouring human flesh and fluids. Stone carving in Madras shows a devotee standing under the legs of a goddess drinking the "sublime essence" (yoni-tattva). ln Saktism the menstrual fluid is regarded as sacred and venerated; the blood-food may be taken as a ritual drink as homage is paid to the yoni by touching it with one's lips. Kali, one of the most intoxicating personifications of primaI energy, is represented as fierce and frightening. She wears a garland ofhuman heads and a girdle of human hands; her three red eyes are fiery; laughing terribly she devoured the demon army. Kali is worshipped as Divine Mother as well as Lady ofDeath. Like Devi, Kali is sometimes represented fornicating Shiva in the mounting position as she drinks her own blood to nourish new life fram the blood-nectar ofher severed neck. 16 lndian ascetics (sadhu), Aghori fram Shiva sect consider bad is good, death is life, and dirty is clean. Some of them eat decomposed human flesh and mix their excreta with water to drink in belief of spiritual attainment.17 ln lndonesian and Thai mythology the consumption of life force, the sun and moon, was associated with the unknown and evil as Kala Rauh, the demon of darkness, became related with the eclipse.18 ln Japan the myth of warriors in the land of Musashi who hunted monkeys for delicacy has inspired Hanawa Kazuichi's cartoon series Monkey illustrating the art of eating the brain of monkeys and boys with chopsticks.19 ln the metrapolis ofBangkok, machine can be interpreted as demonic and most destructive form of

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cannibalization. Photographer Philip Blenkinsop reflects

lion inhabitants in Cambodia. 24 ln Karachi, Pakistan,

nocturnal macabre scenes on the streets in his series called The cars th,at ate Bangkok.20 Blenkinsop sees the once

thousands fell prey to politicaI, ethnic, and sectarian vio-

serene city clogged with three million vehicles devouring all in their path. Bangkok as car producing center is bur-

lence that left the citizens vulnerable to state and street terrorismo Activists and sects including the Muttahida Qaumi Movement, the Moharjir, the Pathan, and the state poli ce contribute to destruction among groupS.25 Amer-

dened with motor accidents. Choked with toxic fumes and deteriorating economic conditions the emergency

ican mission to keep world peace and fight Communism

vans collect the dead and the dying among sanguinary

in the Vietnam War resulted in mayhem; 7,850,000 tons

cabins of twisted metal.

ofbombs were dropped killing nearly three million and injured four million Vietnamese. 26

Cannibalism is never just about eating. The act could be seen as metaphor of domination and assimilation of another group's hostile power into one's own. ln Freudian frustration-aggression hypothesis the cannibal's undevel-

Desire to devour the other/enemy is most evident in today's world doctrine of economic and politicaI salvation. Global integration through free trade enterprises dictated by international economic organizations, the

oped imagination makes him/her eat a person due to psychological response to anger and oral frustration.

World Bank, the lnternational Monetary Fund (lMF), and

lncidents of psychotic cannibalism by serial killers diag-

"turbo capitalism" which undermine democratic stability and the state's ability to function. Transnational corpo-

nosed as acute form of paraphilia related to infantile fix-

the World Trade Organization (WTO) , has resulted in

ations of the oral weaning stage. Eratic activities such as nipping, fallatio, cunnilingus have led killers to experi-

rate merging, take over, and collapse of finances are

ment in torture, vampirism, and necraphilia. Cannibal

ofthe international best seller Theglobal trap wrote, "The pace of change and the redistribution of power and pros-

killers like Fritz Haarman, Albert Fish, Edward Gein, Ted

symptoms of institutionalized cannibalism. As authors

Bundy, Andrei Chikatilo, and Jeffrey Dahmer were notorious for their lust to torture and eat their victims. 21 lssei

perity are eroding the old social entities ... The countries

Sagawa, the Japanese postgraduate student who, in 1981 in Paris, shot, mutilated, and ate pieces of a young Dutch

social substance of their cohesion even faster than they destroy the environment."27 The dramatic fusing together

that have so far enjoyed prosperity are now eating up the

fellow student. Sagawa's case has been discussed in con-

of humanity through technology and trade could also

text ofJapanese schizophrenia and the "inscrutable Ori-

lead to a global crack-up. Recent financial earthquakes

ental" combined with the Japanese envy ofwhite cultures as part of an inferiority complex emerging from Western fears of the "yellow peril". 22 After imprisonment and

in Asia have praved that economic weaknesses, corruption, and recession could easily tum "arrogant tigers" into "tame cubs" as Thailand, Korea, lndonesia face colossal debt to international money lenders. ln lndia, poverty

treatment Sagawa is now a celebrity and novelist specializing on cannibalism. ln Thailand, murders by See Dui, a

means blood trade and sales of organs are lucrative busi-

Chinese psychopath who ate countless children's heart

ness. Exploitative operations create the process of entrap-

and liver raw have become legendary. Recently, the shocking news of a medical student who shot and sliced pie ces

ment so parasitical and predatory cultures sought to devour and drain the wealth of feeble ones to grow in

of his lover and flushed down the toilet reflects bizarre behavior related to jealous amour. 23

Manit Sriwanichpoom's This bloodless war: greed, globaliza-

ln contemporary social systems cannibalistic com-

tion and the end of independence the process of neocoloniza-

pulsion has been observed as the elementary form of institutionalized aggression. When civilizing forces broke

tion is no longer by force but warfare in the finance jun-

down the satisfaction of aggressive needs led destruction of millions of people through genocide in Germany,

comfort and opulence. As evident in Thai photographer

gle. Economic collapse has made competitiveness and independence futile as people suffer fram disenchantment and anguish. Through satellite dishes and cable networks sectors

Bosnia-Herzegovina, and Rwanda. Ethnic cleansing in the Pol Pot regime enforced assimilation of minorities

of the world are united by the fast, simple, monotonous

and widespread carnage resulting death of over one mil-

field of vision controlled by CNN, MTV, ABC television.

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Apinan Poshyananda

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Fram Korea to Pakistan, Rupert Murdoch's satellite station, Star TV, encompasses half ofthe world's population. The power of media to move acrass borders has penetrated standards ofliving, tradition, decorum, and language. Disney-Coca-Colonization of global culture dominates metrapolises while familiar names fram Versace thraugh Sony to Armani praduce illusion of variety. Aggressive advertisement campaigns by Philip Morris and Nabisco force countless Asians to be under the influence ofWestern narcotics and stimulants. Music video and fashion contraI taste and style that encourage narcissism. Beautiful mannequins prance like seductive creatures on catwalks reveal flesh and brand names ofThierry Mugler, Givenchy, John Galiano, Valentin Yudashin, Yoshiki Hishinuma compete aggressively to feed the viewers' appetite. To reflect fashion as devouring force Thai artist Montri Toemsomabat's Fashion petformance artfcannibal collection showed performers in hairy costume eating one another. ln Asia, the vicious cyde ofhierarchization of power and media contraI resulted in predatory urge to absorb the weaker cultures. Under the hegemonic influence of China, Hong Kong has been compared to Chinese take away food ready to be devoured. lndia's displays of superior culture in music, art, fashion, dance, and language are means to neocolonize Pakistan, Nepal, and Sri Lanka. Similarly, Thailand's advance in technology, mass media, and advertisements manipulate taste and culture in Cambodia and Laos. Like the virus that eat up the body ar computer pragrams desire to dominate and dictate has become incurable. Feelings of apathy and dislocation reflect praminently in youth subculture. The young seek their escape channels. Entertainment thraugh participatory activities of games and rituaIs encourage their fantasy rale-playing. Video games and CD-ROMs pramote missions to destray gruesome dragons and demons. Artificial death becomes aesthesized and amusing. The vogue ofbody piercing and tattoo among the ",new primitives" shows commitment that transforms taboo into totem. The iconography thraugh piercing and tattoo is metaphorical of cannibalization of conventional rules and traditions. 28 Artists have always been enchanted with the damaged body. There are those whose fascination of the anatomy

and pie ces of the organ make viewers cringe at vile and macabre images. Leonardo da Vinci, Rembrandt van Rinjn, Theodore Gericault, Francisco Goya, Francis Bacon, Pedra AmĂŠrico, Arthur Barrio, Andres Serrano, Joel Peter-Witkin, John Coplans, Annette Messager, Jake and Dinos Chapman, Richard Sawdon-Smith, Jenny Saville, Glen Luchford, and Sue Fax are some Western artists that come to mind.29 Nobuyoshi Araki, the Japanese photographer and cult phenomenon is famous for his private photos portraying scenes of daily life (shi-shashin). Absorbing the very fabric oflife in Tokyo, Araki's insatiable appetite for pictures makes him take photographs all the time. As if the camera is an extension ofhis organ for consumption. Araki explains, "1 turn myself into a copier. Photos are nothing but copies of reality, that's the only truth." Still Araki's photographs shift beyond reality. They arause, caress, seduce, pravoke, insult, embarrass viewers to confrant the ordinary and obscenity in the sarne breath. Araki plays on voyeurism and curiosity over the difference ofthe other's organs. Fragmented, dismembered, fetishized the series Brotos moves into the realm of eratic fantasies. Pursuing the anarchic game with taboos Araki chooses subjects of death, bondage, sado-masochism, pubic hair. For Araki, "photography is murder" as each time he presses the trigger he doses on death and time is stopped. But he is not predator who preys on his models; he explains, " ... my victims walk into the trap without me doing anything. They come to me and want to be murdered ... I'm merely an assistant in the fulfillment of destiny."30 ln Brotos female organs are zoomed dose up ready to be penetrated. Sexual acts become analogous to cannibalistic feast. Phallus, mouth, tangue, vagina are intertwined, intensely eratic; meat is murder, flesh is tasty. Genitalia are juxtaposed with raw fish, crab, snail, flowers, carcass, and cutlery as if ready to be served as gourmet dish. Simultaneously, opening eragenous zones can be associated with female unconsciousness as the dark continent; gaping holes evoking fear of castration fram teeth-like vagina (vagina dentata). For Araki, photographing his model is an act of sexo Bondaged women in bikini, kimono ar school uniform suspended in space are tied up as victims ready to be captured on film oThe eratic and the exotic are inseparably

Ing K. My teacher eats biscuits Meu professor come biscoitos 1997 filme e vĂ­deo cortesia do artista

Apinan Poshyananda



linked. Araki's women seem helpless and passive. Yet, these bondaged females may not always play the submissive role. On surface the scenarios seem to represent humiliation but in fact are game-playing and acting carefully staged. The ladies' choice to be tied up offers them a chance to be liberated and cross the boundaries of taboo. Priva te fantasies allow them to be in the limelight for a few hours under Araki's gaze. lnstead of seeing these works as fetishistic and kinky many Japanese women have taken control of their sexuality rather than conforming to traditional feminine image of modesty and humility. Moreover, Araki's desire to momentarily capture his "victims" can be related to melancholic ar cannibalistic mourning. The anguish from losing the loved one (death ofhis wife) results in desire for sentimental substitution. The cannibalist pulsion of the melancholia allows eroticism and death to share the sarne dimensiono For Christanto, who lives in Yogyakarta where massive demonstrations recently took place, the act of devouring is implied through institutionalized violence. ln They give evidence larger-than-life nude men and women stand in raws like traop files ready to receive orders fram invisible authority. They are victims of violence, injustice, and dictatorship in the country where the military and the masses constantly clash. The hollow bodies stand motionless begging to stop inhumane acts; the soul is empty, eaten by violence on the mind. They hold clothes and exuviaes to signify evidence of the atracities they witnessed. Like hungry ghosts and wandering spirits they await peace and spiritual nutrition. With recent economic meltdown and IMF takeover resulting in riots, looting, and arson these somber figures can be seen as symbolic ofPresident Suharto's traubled regime. As a minority Christanto who has changed religion fram Christianity to Muslim still bears burden due to his former religious belief. His performances focus on violence in context oflove/hate, adoration/destruction. He mourns for the dead then transforms to be predator who destroys the heads of victims by smashing them with weapon. The anguish in losing the loved ones turns into aggression and destruction. Hindu-Muslim violence resulting fram the partition ofBritish lndia in I947 still exists today in Pakistan and lndia. Recent nuclear tests in this region sparked tensions between both countries which have fought three

wars in the past fifty years. As Pakistan's foreign minister Gohar Ayub Khan condemned lndia saying, "lt has sucked Pakistan into an arms race." ln attempt to create authentic post-colonial nation-state and cultural purity of Pakistan, ideologies of molding citizens thraugh educational systems, homogeneity of national culture, domestication and torture practices have been disseminated. lftikhar and Elizabeth Dadi have studied in depth the cannibalistic nature ofPakistan as a nation-state and its relation to neighboring lndia. As the Dadis state, "citizens are not passive recipients of these disciplinary practices but incestuously involyed in carnivalesque power play in which both state power and mass response are theatrically enacted in cannibalistic consumption." Despite constructing a mythic national narrative that separated it from lndia, Pakistani media forms are largely created thraugh apprapriating and absorbing the powerfuI lndian electronic media. lndian cinema, advertisement, fashion, and music have an enormous impacto Rupert Murdoch's Star TV airs American and lndian pop songs, soap operas, and game shows prajecting both Hollywood and Bollywood (Bombay film industry) culture to Pakistani audience. lncreasing free trade allows multinationals and global electranic media to exert pres-' sure in commodification of all aspects oflife. The Dadis wrate, "This commodification is highly cannibalistic, in which all areas including religion, culture, and knowledge beco me instantly available for mass consumption~" lnstallation by the Dadis creates a simulacrum of TV game shows and video games that explore capitalist ideas of"making it" combined with celebration and carnival of artificial success. With irony the Dadis shaw snapping heads ofPacman, the bleeding heart, power of lave, and voluptuous dancers together with electric weapons and torture devices on game board layouts. Actors and actresses in action and porn movies become symbols of seduction and sadismoBlood and nudity are signifiers ofintense lave (bulging heart), ethnocentrism, xenophobia, and lust. Garish designs reflect the dilemma oflove and death which are transformed into objects of love/hate, adoration/destruction, and eras/thanatos. ln an image with a parrat, the prafound quote reads, "lf you try to cleanse others, you will waste away in the pracess like soap."

Choi Jeong Hwa Dangerous relationship (touch me) Re lação perigosa (toque-me) [waterproof c loth, ventilator, geared motor] 300x500x500cm

Ap inan Poshyananda

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While lndian and Pakistani film industry thrives Thai cinema has come to a dead end. lng K. looks at corny stereotypical Thai films with predictable love stories and virtuous heroic scenes from a new slant. As an underground filmmaker she has produced sharp and provocative films criticizing Thai tourism industry on social and natural environment, drastic effects of golf courses on ecology, and media power to represent exoticism. ln her Casíno Cambodía, lng K. looks ironically at Thai hegemonic power over Cambodia through tourism and how the media has presented Cambodian conflict to the outside world. Cambodia, a war-ravaged country and mysterious land faces dilemma as it tries to avoid economic and cultural domination but at the sarne time selling itself as tropical paradise. lng K.'s My teacher eats bíscuíts is a religious satire and black comedy set in a New Age Ashram. The plot is multi-Iayered. A disillusioned monk who witnessed necrophilia in a monastery is reborn as a manipulative guru worshipping a Thai Dog-God. Devouts with inspirations from the Orient seek salvation as they behave with canine manner until they find out that the Ashram is a hoax. lng K. bravely challenges dogmatic beliefs as well as rising cult worship that hungrily gnaw at Thai society. ln China, traditional values and anti-American sentiments are being engulfed by rising tide of Americanphilia. A bizarre schism results in America's image as a devil country but at the sarne time an average Chinese looks atAmerica with fascination ... Through satellite and global media China is suffering the sarne dilemma as Pakistan because commodification and mass consumption are highly cannibalistic. Shanghai and Beijing are under siege as the hunger for American fashion, fast food, cosmetics, music, and skyscrapers undermine tradition and status quo. Overwhelming appetite for Big Macs, Michael Jordan, Madonna, Marlboro, Nike, and CocaCola has produced a melange of old/new, local/global, Chinese/foreign hybridized images. Luo Wei Dong who was born in a Yao minority family in Guangxi Province has been collaborating with his brothers Luo Wei Guo and Luo Wei Bing in lacquer painting. Although Luo is fascinated by the cannibalistic nature of consumer society in Beijing he recalls stories told by his father on cannibalism in Guangxi. ln 1967, in Donglan Luo's father wit-

nessed first hand killing among dissident Party members and eating their flesh during hot pot dinner banquets. 31 Although such acts do not appear directly in the Luos' paintings cannibalism as metaphor is evident. The use of commercial brand names and logos combined with Chinese propaganda posters, calendars, New Year greeting cards evoke feeling ofbona fide welcome, joyous carnival, and amorous revelry. Unlike Chinese painters whose works are known as PoliticaI Pop and Cynical Realism the Luo brothers look at youth culture with lifestyle aspired to the spirit of globalization. Here, Chinese urban youths are celebrated as "the Lucky Generation". They do not suffer famine or government campaigns of repression. lnstead they are brought up and "fed" with MTV, Ronald McDonald, Sony, Konica, and Oreo. The innocence of children together with garish decora tive designs in lacquer painting conceal the hidden message of the Luo brothers. lt is fortunate that the children escape Communist repressive doctrine but they like the rest of the world becqme prey of starving global media and advertisement campaigns that eagerly swallow up adolescent vulnerability and naivity. Simultaneously, the youth yearn to consume new commodities that are in vogue. Luos' contemporary images ofChina can be compared with the cannibalistic feudal society of prerevolution era described in Lu Xun's Madman's díary. The children in the series Welcame to the world's famous brands by the Luo brothers should take Lu Xun's warning, "Perhaps there are still children who haven't eaten men? Save the children ... " ln Araki's photographs the juxtaposition of female genitalia with blossoming flowers and food pay homage to Asian women and beauty with insatiable appetite. ln contrast, Korean artist Choi Jeong Hwa's perception of female sexuality and eroticism is not based on fetishistic and voyeuristic elements. Choi plays on the irony of exoticism and threatened masculinity. Artificial beauty represented by synthetic materiaIs appear in series such as Plastíc paradíse. ln Encare, encare, encare, Choi transforms ideal beauty of the deity into excessively corpulent obesity with grotesque luxuriance. ln mocking the idea of conventional ideal beauty Choi makes the golden flabby body bloat and float in glory. ln Mother, Choi makes ironic

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176 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."



juxtaposition of icons of femininity. The serene mystical mother goddess/shamaness seated on golden bowl stares at the naked rubber dolI that awaits for service. Two females, one symbolizes wisdom the other debauchery are compressed in a yelIow room. ln contrast with Mother Choi creates grotesque robotic flowers in open space that seem to come alive. These sinister flowers are like insect-eating pitcher plants such as Dionea Muscipula and Nepenthes that trap their victims and slowly digest them in cup-like appendage. The soft hair and delicate petals transform to shapes of fangs and teeth. Choi's analogy of the eating flower and cannibalizing genital

turns mysterious and glamorous exoticism into nightmarish vagina dentata . Choi's hungry flowers are metaphors of cannibalistic carnival that celebrate joy and murder. They lure the animal in us the way we might choose to see horror movies such as Joe D'Amanto's Anthropophagus, the beast, Umberto Lenzi's Eaten alive by the cannibals, and Ruggero Deodato's Cannibal holocausto Clearly, Choi's plants are less sordid and bloodthirsty. Their sensuousness and exotica almost tempt us to step near the nectars and Apinan Poshyananda daringly whisper, "Bat me."

I. William Arens, The man-eating myth: anthropo!ogy & anthropophagy ,Oxford, New York: Oxford University Press, 1979, PP.44-So. Arens described the term "anthropophagist" used for savages on the fringe of civilization who partook ofhuman flesh . For example, the Arawaks described their enemies the Caribs with hatred and fear as people who "ate men, and thatwhen they took a man, they cut offhis head and drank his blood and castrated him." 2. Cannibalism has generated a typology according to the status ofthe one consumed. The most general types include endocannibalism or endophagy, which refer to eating a member of one 's own group ; exocannibalism or exophagy, indicating the consumption of outsiders ; autocannibalism or autophagy, signifYing ingesting parts of one's own body. Further classifications indicate gastronomic cannibalism, where human flesh is eaten for its taste and food value; ritual or magicai cannibalism, identifYing an attempt to absorb the spiritual essence of the deceased ; survival cannibalism, indicating consuming human flesh in crisis conditions. 3. Arens asserts that the attribution of cannibalism is sometimes a projection of moral superiority. He has even suggested that cannibalism did not exist as no one has ever observed cannibalism. His idea has been contested as reliable eyewitness reports state otherwise. 4. Oswalde de Andrade, "Anthropophagite Manifesto," Revista da Antropofagia, São Paulo, n.I, May 1928, pp.312-313 . 5. For my research on anthropophagy the following books have been most valuable. Claude Lévi-Strauss, The raw and the cooked, trans. John and Doreen Weightman, NewYork: Harper and Row, 1969; William Arens, The man-eating myth, 1979; Peggy Reeves Sanday, Divine hunger: cannibalism as a cultura! system , Cambridge, New York: Cambridge University Press, 1986; Key Ray Chong, Cannibalism in China, New Hampshire: Longwood Academic, 1990; John Gittings, Rea! China:from cannibalism to Karaoke ,London: PocketBooks, 1996; Jasper Becker, Hungry ghosts: China's secretfamine ,London: John Murray, 1997; Ben Kiernan, The Po! Pot regime: race, power and genocide in Cambodia under the Khmer Rouge, 1975-79, Chiang Mai: Silkworms, 1996; Mikita Brottman, Meat is murder: an í!!ustrated guide to canniba! culture, London, New York: Creation Books lnternational, 1997; Peter Hume (ed.) , Cannibalism and the colonial wor!d, Cambridge: Cambridge University Press , 1998; Winin Pereira and Jeremy Seabrook, Globa! parasites: five hundred years of Western culture, Bombay: Earthcare Books, 1994; Hans-Peter Martin, Herald Schumann, The global trap: g!oba!ization and the assau!t on democracy and prosperity, London, New York: Zedd Books, 1996; Zheng Yi , Scarlet memoria!: tales of canniba!ísm in modem China , trans. T.P. Sym, Oxford : Westview Press, 1996. 6. Key Ray Chong, op. cit., PP.43-44. 7. Arens, op. cit., P·27· . 8. Paul Shankman, "Le roti et le boulli: Lévi-Strauss' Theory ofCannibalism," American anthropo!ogist, vol. 71, n. I , February 1969, PP.S4-69. Lévi-Strauss suggests that boiling is the usual preparation of food for domestic consumption while roasting is more typical for food to be served to guests. However, Shankman finds this logic faulty as statistics are not consistent.

9. Gilian Gillison, "Cannibalism among women in East Highlands ofPapua New Guinea," Paula Brown and Donald Tuzin, (eds.), The ethnography ofcanniba!ísm,Washington D.C. : The Society for Psychological Anthropology, 1983, PP·33-SI. 10. Sanday, "The Kwakiutl Man Eater," op. cit, PP.II3-120. II. Thomas Hay, "The Windigo Psychosis : Psychodynamic, Cultural, and Social Factors in Aberrant Behavior," American Anthropologist, vol. 73 , n. I, February 1971, pp.I-I9 . 12. Key Ray Chong, op. cito 13. Wang Shiqing, Lu Xun: a biography ,Beijing: Foreign Languages Press, 1984, PP.98-I02, 107-108. 14. Becker, op. cit., pp.2II-2I9 and Gittings , op. cit., PP.I90-219. IS. "Cannibalism reported in Famine-stricken North Korea," Bangkok Post, 12 April 1998, P-4. Report from Council on Foreign Relations , New York, estimated that at least one million North Koreans died ofhunger from 19961997. Marcel Roux, China's chief of Medecins Sans Frontieres interviewed North Korean refugees from Buk Cheng, Zhongjiang, Tumen revealed that parents ate their children as food rations stopped three years ago. 16. AjitMookerjee, Kali: Thefeminineforce ,London: Thames and Hudson, 1995, PP·3 0 -33 , 72-77· 17. Trilok Chandra Majupuria and Rohit Kumar Majupuria, Gods and goddesses: an í!!ustrated account of Hindu, Buddhist, Tantric, hybríd and Tibetan deities, Lashkar: Lalitput Colony, 1998, PP.I38-148. 18. ln mythology Kala Rauh tried to swallow the Tirtha Amertha, the holy water, but had his head cut offby Vishnu's discus-like Cakra. ln revenge the head ofKala Rauh roared frighteningly at the sun and moon. Whenever he catches one or the other he swallows them up, causing an eclipse. 19. Hanawa Kazuichi, Monkey, 1987 illustrated in Lawrence Chua, (ed.), Muae : co!!apsing new bui!dings, New York: Kaya Books, 1997, PP.203-212. 20. Philip Blekinsop, The cars that ate Bangkok, Bangkok: White Lotus , 1996. 21. Brottman, p. cit., pp.26-s7, 192-193. For instance, Albert Fish killed a 12-year-old Grace Budd and cut the body in thin strips, boiled, then ate in a stew with cabbage and potatoes; Edward Gein's bizarre killings included dissecting female bodies and wear the skin on his body to dance; Ted Bundy was known to bite and swallow chunks out ofthe buttocks and thighs ofhis female victims. Bundy's murderous psychosis has inspired the characterizations ofthe two serial killers Buffalo Bill and Hannibal Lecter in Thomas Harris 's novels Red dragon and The sí!ence of the !ambs. One killer became obsessed with William Blake's painting of a Man-Dragon while the other thought ofTheodore Gericault's anatomy studies ofThe raft of Medusa . ln Jonathan Demme's classic thriller The sí!ence ofthe !ambs "Hannibal the Cannibal," (Anthony Hopkins) the psychiatrist-psychopath describes how he bit and swallowed a victim's tongue or ate another' s liver with fava beans and good Chianti wine. Lecter dismembered and ate a policemen's flesh to the music ofBach. As Brottman described the portrayal ofLecter as combination of the stone-age appetites and magicai thinking of the savage butcher

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with the genius ofthe artist-scientist. "Art, magic and religion come together, and the sacrifice ofthe communion is made flesh." 22. Brottman, op. cit., PP-45-47. Known as the godfather of cannibalism Sagawa's fame has reached the point that he said he is food on which the media and the public are indulging their appetite for transgression. On eating the Dutch woman Renee Hartevelt, he commented, "Finally, I was eating a beautiful white woman, and thought nothing was so delicious!" 23. Bussarawan Teerawichittchainan, "Who Killed Jenjira? A Lesson to Learn," Bangkok Post (17 April 1998), p.8. After the arrest ofthis killer the re-run of series on cable TV called U-Shock! presented PIai thang hang khuam kan [The end of vengeanceJ . The doctor who suffered psychosis tied up his wife and lover then each day sliced pieces oftheir limbs and fed them for dinner. 24. Kiernan, op. cito Chapter I gives detail account of process of cleansing the cities, countryside, and frontiers. ln addition in February 1998 my visit to Toul Sleng Museum (Security Prison 21) and the killing fields ofChoeng Ek in Phon Penh confirmed how meticulous the Khmer Rouge were in keeping records of their barbarismo Ali prisoners were photographed before or after torture. During 1975-78 about 17,000 men, women, children, and infants were transported from Security Prison 21 to the extermination camp ofCheoung Ek to be slaughtered. 25. Amir Zia, "License to Kill?" News[ine ,February 1996, pp.20-29; Ghulam Hasnain, "M?M: Road to nowhere?" News[jne ,May 1997, PP.19-34.

Apinan Poshyananda

26. Thirty years ago on March 16, 1968 more than five hundred Vietnamese many ofthem women and children were slaughtered by American G.I.s. They were ordered out of their homes, lined up in a ditch and shot. ln the War Remnants Museum in Ho Chi Minh photographs ofatrocities caused by both sides are displayed. ln some images decapitated victims have their penis stuffed in the mouth. 27. Martin and Schumann, op. cito pp.I4-18. 28. Music videos seen on MTV such as The prodigy and pills contain violence and aggression. Rock star David Bowie's music video "The Hearts Filthy Lesson" fram the album Outside shows explicit acts related to decapitation , stripping flesh, cooking and devouring humano This song also features in the psycho thriller Seven. For blood lust and youth culture see Douglas Rushkoff, Chi[dren ofchaos: surviving the end ofthe wor[d as we know it ,London: Flamingo, 1997. 29. See Chris Townsend, Vj[e bodies: photography and the crisis of[ooking ,New York: Prestel-Verlag, 1998; Royal Academy of Arts, Sensations : young British artistsfrom the Saatchi co[[ection, London: Royal Academy of Arts , 1997. 30. Interview with Nobuyoshi Araki, 12 October 1997 and 27 May 1998, Tol<yo, Japan . Araki explained that in the photos his mo deIs are half dead while in the exhibition they become half alive. Murder is to love and love must be murdered. 31. lnterviewwith Luo Wei Dong, 25 January 1998, Beijing, China.


Oeborah Root

Devorando o canibal: um conto de precaução da apropriação cultural Enquanto esperamos pelo fim do século, nós herdamos histórias complexas do colonialismo, da estética modernista e dos protocolos do mundo da arte internacional. Herdamos o que é, cada vez mais, uma cultura global, e as estruturas de autoridade e valor subjacentes a ela. Os códigos e as convenções estéticos de culturas anteriormente fora da tradição artística ocidental continuam a ser apropriados e transformados, às vezes, de forma que negam o significado original do trabalho. Tentativas de renegociar relações entre leste e oeste, norte e sul ocorrem em todos os níveis e afetam o modo como as imagens e as pessoas que as criam são compreendidas. Não podemos escapar totalmente de nossa posição na história, mas aqueles de nós que vivem em centros de autoridade discursiva - o que atualmente pode significarqualquergrande cidadepodemos abrir nossas categorias de análise para questionar e começar a prestar atenção em outras vozes. Ao fazê-lo várias questões surgem. Se a história colonial registra como nos vemos uns aos outros e, de fato, como determinamos valores estéticos, então faz sentido escavar essa história. Recentemente, o termo "apropriação cultural" tem sido o tema de debate sobre até que ponto a apropriação traz com ela um legado do colonialismo. Os artistas canadenses não-brancos e outros ativistas culturais têm relacionado a apropriação a sérios desequilíbrios de podere a histórias de racismo e colonialismo. Reconheceu-se que retirarobjetos de seu contexto cultural e denominá-los como "arte" funciona como um tipo de violência que impede o diálogo aberto e intercâmbio de idéias entre culturas. Isso levou a repensar como museus adq u iri ram suas coleções de arte "etnográfica" e, por extensão, como tais trabalhos acabaram na esfera de ação do modernismo europeu. Como uma alternativa à apropriação, as pessoas começaram a falarem termos de "diálogo" ou "hibridismo", pois eles sugerem que todos aqueles envolvidos decidem questões de valor. Apropriação, por outro lado, sugere um fluxo unidirecional de idéias e imagens. Para ilustrar algumas das questões que surgem quando se sujeita a cultura à apropriação, ofereço um conto de precaução sobre como os aparatos cerimoniais da costa noroeste da América do Norte, especificamente os de kwakiutl, foram apropriados por colecionadores ocidentais e inseridos em um discurso modernista sobre a arte. Espero que esta história demonstre alguns dos perigos da apropriação e porque o hibridismo como uma atividade é preferível à apropriação.

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Às vezes um monstro canibal percorre a terra. O monstro desce urrando do extremo norte do mundo para possuir homens jovens e fazê-los desejar carne humana. Ele vem acompanhados de pássaros monstruosos aterrorizantes, com enormes bicos estalando e narinas distendidas, para melhorfarejara carne humana. Quando isso acontece, algumas comunidades kwakiutl realizam uma cerimônia de quatro dias, denominada hamatsa, que confronta o espírito canibal voraz e busca exorcizar do iniciado possuído a fome por carne humana, e trazê-lo de volta à cultura, de volta à comunidade em que o desejo individual é contido. Como foi explicado a mim, a cerimônia reduz a ganância e o desejo de possuirdaqueles que participam dela, o que torna o monstro pequeno. A cerimônia utiliza como aparatos grandes máscaras de madeira de pássaros com partes móveis, biombos pintados e outros adereços, alguns extremamente realistas. As danças da hamatsa podem ser parte de uma ocasião religiosa e social maior conhecida como potlatch 1 , que descreve uma série de eventos em que os anfitriões oferecem mercadorias aos convidados, incluindo investiduras, memoriais e outras cerimônias. Quando a Colúmbia Britânica foi colonizada no século XIX, os missionários britânicos e outras autoridades coloniais alarmaram-se com a riqueza e o vigor das nações encontradas na costa. Assim como em outras localidades, esses colonizadores trouxeram consigo u ma retórica pecu Iiar sobre o progresso, q ue se tornou uma justificativa para suprimir as religiões nativas: as danças atrapalhavam o trabalho; a potlach não demonstrava respeito suficiente pela propriedade privada; as cerimônias não eram cristãs. Mais ainda, os primeiros colonizadores acreditavam que as cerimônias hamatsa eram "reais", que o que de fato se tratava de uma representação teatral de canibalismo fosse um hediondo ritual em que as pessoas eram realmente devoradas. Entre 1884 e 1951, a potlatch-e mesmo qualquer outra dança-foi banida por lei. Algumas pessoas foram aprisionadas. A polícia supervisionou o confisco e a venda de máscaras e de outros aparatos cerimoniais, alguns dos quais acabaram em museus canadenses e outros no mercado internacional de arte, onde chamariam a atenção de surrealistas europeus. Algumas vezes, cerimônias inteiras foram colecionadas, mais notadamente as máscaras e outros aparatos que faziam parte da cerimônia canibal hamatsa. Em 1895, o Smithsonian Institution construiu um diorama hamatsa, em que figuras de gesso Franz Boas demonstrando a posição apropriada do iniciado [Franz Boas demonstrating the proper position of the initiate]

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pareciam celebrar a cerimônia canibal, contida aqui com segurança no museu. Em uma fotografia vemos o famoso antropólogo Franz Boas demonstrando a posição apropriada do iniciado, e enquanto contemplamos tais dioramas, o que nos chama a atenção é o sentido do espírito capturado e neutralizado. A arte tem sido sempre um dos espólios de guerra, mas durante o período colonial, o confisco e a coleção caminhavam de mãos dadas com um discurso científico que buscava neutralizar a base espiritual do trabalho. Ao ler as crônicas da época, torna-se evidente a mescla de horror e deleite aos supostos rituais terríveis, aliados à premissa de que os canadenses não-nativos absorveriam totalmente as culturas nativas. Aqui a apropriação descreve as autoridad' coloniais que adquirem objetos espirituais, tais como máscaras, e renomeia-as "arte" numa tentativa de legitimarsua captura e exposição e de incorporá-Ias numa narrativa ocidental. Da mesma forma, muitos antropólogos e amantes da arte não-nativos justificaram a coleção maciça de hamatsa e de outros aparatos como um ti po de "salvamento", o que significa que há trabalhos muito mais antigos em museus, freqüentemente em cidades estrangeiras, que nas comunidades em que hamatsa e outras são realmente encenadas. Parece evidente que a acusação de canibal ismo é uma projeção por parte dos colonizadores, e, quando imaginamos o acúmulo de máscaras e outros objetos em museus urbanos, a pergunta óbvia é quem ou o que consumia quem-em outras palavras, quem era o canibal? Mas há algo mais sobre o mal-entendido colonialista da cerimônia hamatsa - um profundo mal-estar em relação ao poder espiritual. O confisco de aparatos hamatsa e potlatch realça um paradoxo bizarro, a meu ver, o principal perigo da apropriação. As autoridades coloniais e, por extensão, os museus e outros colecionadores desejavam possuir certos objetos, mas não as pessoas ou cerimônias dos quais faziam parte. Sim, os colecionadores achavam que as pessoas estavam condenadas de qualquer forma, mas a desagradável história da coleção que os museus fazem ultrapassa a idéia do salvamento e, freqüentemente, envolvia vários tipos de coação-afinal, quem entrega voluntariamente seus objetos religiosos mais preciosos? O enfoque sobre objetos, à custa da sobrevivência cultural, continua até hoje, com muitos colecionadores ávidos em acumularobjetos, porém indiferentes às pessoas que os criam. Apesarda proibição, as cerimônias e danças de inverno nunca desapareceram. As religiões nativas mantiveram-se secretamente, e as máscaras continuaram sendo feitas em segredo, ou algumas vezes sob a supervisão dos museus. Atualmente, a potlach e cerimônias como a hamatsa continuam vivas, e tanto aparatos quanto trabalhos nãoreligiosos ainda são executados pelos kwakiutl e outros artistas das Primeiras Nações 2 • Muitos entalhadores contemporâneos que trabalham dentro da tradicional estética kwakiutl optaram portransformarconvenções mais antigas em algo novo. Embora exista um mercado para "objetos espirituais autênticos", alguns artistas tomam o cuidado de fazer uma distinção entre imagens que venham a ser habitadas por uma entidade espiritual em uma cerimônia, e uma máscara ou outro objeto qualquer que possam parece r muito semelhantes, mas que na realidade não são objetos cerimoniais. Dessa forma, o artista substitui a autenticidade espiritual ou antropológica, exigida pelos colecionadores, por um conceito de integridade visual. Aceita-se que o colecionador possua a imagem, porém é necessário que ele respeite o espírito. Muitas das atitudes que deram referência ao colonialismo continuam a estruturar as percepções sobre as máscaras cerimoniais e outros aparatos não apenas em termos das cond ições de coleção mas tam bém em termos de como estrangei ros abordam

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e entendem o trabalho. O mais importante é a idéia de que objetos rituais são coisas mortas, que aparatos são, de fato, algo chamado "arte", como a entendemos no capitalismo, em oposição à idéia de que aparatos estão vivos, imbuídos com os espíritos ou conceitos que representam. Isso se remete à noção individualista de que qualquer pessoa tem o direito de usar aparatos como lhe aprouver, independentemente de como os criadores do trabalho possam se sentir sobre isso. Sob uma perspectiva meramente visual, o trabalho é espetacular. Mas aparatos cerimoniais não são arte. Acredito que devemos perguntar: os espíritos habitam ou não as máscaras? Ou, em outras palavras, é possível aprender a respeitar outro sistema de significado? O respeito pode exigir uma forma muito diferente de se ver a arte cerimonial. Por exemplo, em meu entendimento, uma máscara descreve como um determinado espírito poderia se parecer caso tivesse um corpo, em outras palavras, se pudesse ser representado; um dançarino torna-se o espírito ao usar a máscara que representa o espírito. É nesse sentido que a máscara está viva, imbuída do espírito. Pessoas envolvidas com as cerimônias disseram-me que as máscaras se sentem sós quando confinadàs em um museu. Se estamos dispostos a reconhecer que o trabalho espiritual, de uma forma profunda, está vivo, então a apropriação de tal trabalho poderia ter sérias repercussões em nível éticopolítico-espiritual: pois as imagens são reais, têm um efeito real no mundo. Se os trabalhos são meramente objetos mortos, então nada disso realmente importa e podemos sertão cínicos quanto desejarmos. A arte da costa noroeste tem sido valorizada dentro de certas correntes do modernismo, mais notadamente pelos surrealistas, que foram instrumentais em colocar a arte kwakiutl em um discurso de arte modernista. Muitos dos artistas e escritores que sejuntaram ao movimento surrealista se interessavam em encontrara verdade nas chamadas estruturas "irracionais" do inconsciente, que eles acreditavam ser acessíveis por meio de máscaras e outras imagens não-ocidentais. Mas muitos que buscavam novas idéias na arte da costa noroeste e de outras formas de arte tam bém foram i ncapazes de se comprometer com este trabalho em seus próprios termos, ou entenderos conceitos que fundamentam a arte cerimonial. A ânsia de se apropriar dessas imagens como uma espécie de matéria-prima psíquica significava que os surrealistas não tinham consciência de níveis inteiros de significado que o trabalho continha, significados entendidos pelos artistas e pelas comunidades da costa. Acredito que um grande número das preconcepções estruturou as percepções modernistas da arte kwakiutl. O piorfoi englobartoda a arte não-ocidental em uma única categoria de "o irracional"; em outras palavras, manter uma visão universalista em que aparatos cerimoniais eram tratados como objetos sujeitos aos sistemas de classificação ocidentais. É significativo que a maioria não pensasse ser necessário realmente estabelecer um contato com os artistas kwakiutl, portanto era incapaz de entender que tal trabalho afirma a existência de múltiplos planos de realidade, em vez de uma noção freudiana de uma divisão entre o racional e o irracional. Os surrealistas, e outros, desejavam localizar uma saída às restrições da cultura ocidental, mas sua pressa em apropriar imagens exóticas tornava difícil a visão do que se encontrava ali. De fato, os conceitos coloniais das culturas não-ocidentais não foram desafiados, apenas valorizados de forma diferente. A cerimônia hamatsa tornou-se um espelho das ansiedades dos colonizadores em relação a seus próprios níveis excessivos de consumo: de florestas, corpos humanos,

183 Devorando o canibal Deborah Root


espaço; ansiedades que se tornaram tão insustentáveis que culminaram na extinção de cerimônias e no aprisionamento da arte do espírito. As danças canibais envolvem um reconhecimento do perigo de acumulação, com base no entendimento de que formas de poder bizarras e doentias acompanham o consumo excessivo. É irônico que o fascínio por uma cerimônia que trata da ganância e do consumo levasse a um consumo maciço de objetos hamatsa. Se a apropriação de outras cu Itu ras-q ue pode variar de pu ro rou bo a pressão econômica em utilizar imagens que não são destinadas ao consumo público-é um problema, então qual é a alternativa? Uma relação mais equilibrada sefaz claramente necessária e vem ocorrendo espontaneamente à medida que as pessoas percorrem lugares e trocam idéias e imagens. O hibridismo cultural é inevitável, mas também é algo bom porque, quando os códigos e as convenções de diferentes culturas se reúnem, os vocabulários estéticos se tornam cada vez mais diversificados. Parte da arte contemporânea mais interessante incorpora vários tipos de fertilização cruzada, em vez de uma simples linha em que a arte "deles" vem até "aqui" ou vice-versa. Uma ampla gama de estilos da arte contemporânea vem sendo explorada atualmente por artistas das Primeiras Nações, alguns dos quais envolvidos com tradições da costa noroeste. Charlie G. Walkus concentra-se nos elementos de desenho tradicionais em sua máscara hamatsa de um pássaro monstruoso hokhokw (1971). Outros artistas da costa noroeste utilizam elementos explicitamente híbridos, por exemplo, em Red man watches white men trying to [Ix hole in the sky [Homem vermelho observa homens brancos tentando consertar buraco no céu] (1990), Lawrence Paul joga com o fascínio dos surrealistas pelo desenho da costa noroeste como uma forma de simultaneamente complicare subverter as presunções da ciência ocidental. Em outro exemplo, David Neel entalha máscaras que abordam questões políticas e culturais contemporâneas, como a relação entre os povos das Primeiras Nações e o sistema judiciário do Canadá. Da mesma forma que a "nossa" arte, a "deles" não está presa a um passado mítico e estático, mas está em constante transformação. Se aqueles de nós que são outsiders, estão à margem das tradições dos espíritos, em que alguns trabalhos não-ocidentais se baseiam, podem aprender a vertais obras sob seus próprios termos, é possível ampliar conceitos de cultura visual de forma a desafiar concepções convencionais do real e do imaginário. Para que isso ocorra, precisamos questionar as premissas universalistas que continuam a sustentaro entendimento da estética e respeitar as qualidades espirituais do trabalho ceremonial. Deborah Root. Traduzido do inglês por Sandra Cowie. 1. o termo potlatch tem origem no verbo "dar", em ch i nook. O termo "Primeiras Nações" [First Nations] é utilizado para descrever os povos indígenas do Canadá e é preferível porque têm menos associações colonialistas do que, por exemplo, "índio" ou "nativo" (ainda que estes termos continuem também a ser usados) . Como os povos indígenas continuam a lutar pelos direitos à terra, o termo "Primeiras Nações" implica uma soberania herdada. Ao mesmo tempo, o "Indian Act" ainda continua legal . Esta foi a entidade que proibiu a dança até 1951. 2.

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Oeborah Root

Eating the cannibal: a cautionary tale of cultural appropriation

As we wait for the century to end, we inherit complex histories of colonialism, of mod路 ernist aesthetics, of the protocols of the international art world. We inherit what is increasinglya global culture, and the structures of authority and value that underlie this. The aesthetic codes and conventions of cultures formerly outside ofthe Western art tradition continue to be appropriated and transformed, at times in ways that negate the original meaning of the worl<. Attempts to renegotiate relationships between east and west, north and south occur at alI leveIs, and affect how images and the people who make them are understood. We can never completely escape our position in history, but those of us living in centers of discursive authority-which today can mean any large city-can open our categories of analysis to question and begin to pay attention to other voices. ln so doing a number of is sues arise. If colonial history informs how we see one another, and indeed how we determine aesthetic value, then it makes sense to excavate that history. ln recent years the term "cultural appropriation" has been the subject of debate that centers around the extent to which appropriation carries with it a legacy of colonialismo Canadian artists of color and other cultural activists have linked appropriation to serious power imbalances and to histories ofracism and colonialismo There was a recognition that removing objects from their cultural contexts and re路naming them "art" operates as kind of violence that precludes open dialogue and exchange ofideas across cultures. This led to a rethinking ofhow museums acquired their colIections of"ethnographic" art and, byextension, how such work carne under the purview ofEuropean modernismo As an alternative to appropriation, people began to speak in terms of"dialogue" or "hybridity", because these suggest that everyone involved decides questions of vaI ue. Appropriation, on the other hand, suggests a unidirectional flow ofideas and images. To illustrate some ofthe issues that arise when culture is subject to appropriation, I offer a cautionary tale ofhow North American NorthwestCoast, specificalIy Kwakiutl, ceremonial regalia were appropriated by Western colIectors and brought into a modernist art discourse. Iam hoping that this story will demonstrate some of the dangers of appro路 priation and why hybridity as an acitivity is preferable to appropriation.

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Sometimes a cannibal monster walks the earth. The monster comes screaming down from the north end ofthe world to possess young men and make them desire human flesh, and is accompanied by terrifYing bird monsters with enormous snapping beaks and distended nostrils, alI the better to scent human flesh . When this happens some Kwakiutl communities perform a four day ceremony calIed hamatsa that confronts the ravenous cannibal spirit and seeks to wean the possessed initiate from his hunger for human flesh and bring him back into culture, back into a community in which individual desire is held in check. As I've had it explained to me, the ceremony diminishes greed and the desire to possess by those who take part in it, which makes the monster smal!. The ceremony utilizes regalia that include large wooden bird masks with moveable parts, painted screens and other props, some.ofwhich are extremely realistic. The hamatsa dances can be part ofthe larger social and religious occasion known as "potlatch"1, which describes a range of events at which goods are given from hosts to guests, including investitures, memoriaIs, and other ceremonies. When British Columbia was colonized in the I9th century, British missionaries and other colonial officials were alarmed by the wealth and vigor of the nations they encountered on the coast. As elsewhere, these colonists brought with them a particular rhetoric ofprogress, which became a rationale for suppressing Native religi贸ns: the dances got in the way of work; potlatching showed insufficient respect for private property; the ceremonies were not Christian. Moreover, the early colonists thought the hamatsa ceremonies were "real," that what was in fact a theatrical representation of cannibalism was a hideous ritual in which people were actualIy eaten. Between I884 and I95I, potlatching-and indeed any dancing at alI-was banned by law. Some people went to jai!. The police oversaw the confiscation and sale of masks and other ceremonial regalia, some of which ended up in Canadian museums and others on the international art market, where they would come to the attention ofEuropean Surrealists. Sometimes entire ceremonies were colIected, most notably, the masks and other regalia that were part ofthe hamatsa cannibal ceremony. ln I895, the Smithsonian lnstitution constructed a hamatsa dia rama, in which plaster figures pretend to enact the cannibal ceremony, here safely contained in the museum. ln a photograph we see the famous anthropologist Franz Boas demonstrating the proper position of the initiate, and as we contemplate such dioramas what is striking is the sense of spirit captured and neutralized. Art has always been one of the spoils of war, but during the colonial period, confiscation and colIecting went hand in hand with a scientific discourse that sought to neutralize the spiritual basis of the work. lf we read the accounts of the day, what is conspicuous is the mingled horror and delight at the supposed unspeakable rituaIs, accompanied by the assumption that nonNative Canada would wholIy absorb Native cultures. Here, appropriation describes the colonial powers acquiring spiritual objects such as masks and renaming them "art", in an attempt to legitimize their capture and display and to incorporate them into a Western narrative. As welI, many non-Natives anthropologists and art lovers justified the massive colIecting ofhamatsa and other regalia as a kind of"salvaging", which means there is vastly more older work located in museums, often in foreign cities, than in the communities in which hamatsa and other ceremonies are actualIy performed. lt seems evident that the accusation of cannibalism is a projection on the part ofthe colonists, and when we imagine the accumulation of masks and other objects in urban museums

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the obvious question is who or what was consuming whom-in other words, who was the real cannibal? But something else is at work in the colonists' misapprehension ofthe hamatsa ceremony-a profound unease with spiritual power. The confiscation ofhamatsa and potlatch regalia underlines a bizarre paradox, in my view the chief danger of appropriation. The colonial authorities, and by extension museums and other collectors, wanted possession of certain objects but not the people or ceremonies that went along with them. Yes, collectors thought the people were doomed anyway, but the unsavory history of museum collecting goes well beyond the idea of salvaging and often involved various kinds of force - after all, who willingly gives up their most precious religious objects? The focus on objects at the expense of cultural survival continues to the present day, with many collectors eager to accumulate objects but indifferent to the people who create them. Despite the banning ofthe ceremonies and winter dances, these never died out. Native religions went underground, and maskmaking was done in secret, or sometimes under the purview of museums. Today potlatching and ceremonies such as hamatsa are very much alive, and both regalia and non-religious work are being made by Kwakiutl and other First Nations 2 artists. Many contemporary carvers who work within traditional Kwakiutl aesthetics choose to transform older conventions into something new. Although a market continues to exist for "authentic spiritual objects", some artists are careful to make a distinction between images that come to be inhabited bya spiritual entity in ceremony and a mask or other object that might look very similar, but is not an actual ceremonial objecto ln this way the artist substitutes a notion of visual integrity for the spiritual or anthropological authenticity demanded by collectors. The collector is welcome to possess the image but is requested to respect the spirit. Many of the attitudes that informed colonialism continue to structure perceptions of ceremonial masks and other regalia, not just in terms of the conditions of collecting, but also in terms ofhow outsiders approach and understand the work. Most important is the idea that ritual objects are dead things, that regalia are in fact something called Charl ie G. Walkus Hokhokw 1971 mรกscara hamatsa [hamatsa mask)

187 Devorando o canibal Oeborah Roo!


"art" as we understand it in capitalism, as opposed to the idea that regalia are alive, imbued with the spirits ar concepts they represento This is linked to the individualist notion that anyone is entitled to use regalia in any way they like, regardless ofhow the creators of the work might feel about this. Fram a purely visual perspective the work is spectacular. But ceremonial regalia are not art. I think we have to ask: do spirits reside in the masks ar not? Or, to put this another way, is it possible to learn to respect another system of meaning? Respect can require a vastly different way oflooking at ceremonial art. For instance, as I understand it a mask describes what a particular spirit might look like ifit had a body, in other words, ifit could be represented; a dancer becomes the spirit by wearing the mask that represents the spirit. It is in this sense the mask is alive, imbued with spirit. I've been told by peopIe involved in the ceremonies that masks get lonely when they're held in a museum. If we are willing to recognize that spiritual work is in some prafound way alive, then it follows that apprapriating such work could have serious repercussions at the ethicalpolitical-spirituallevel: because the images are real, they have real effects in the world. Ifthe works are merely dead objects, then nane ofthis really matters and we can all be as cynical as we please. Nortwest coast art fram North America has been valorized within certain streams of modernism, most notably by the Surrealists, who were instrumental in bringing Kwakiutl art into a modernist art discourse. Many artists and writers who allied themselves with the Surrealist movement were interested in locating truth in the so-called "irrational" structures ofthe unconscious, which they believed could be accessed thraugh masks and other non-Western images. But many who looked for new insights in Northwest coast and other art were also unable to engage with such work on its own terms, ar to grasp the concepts underlying ceremonial art. The eagerness to apprapriate these images as a kind of psychic raw material meant that the Surrealists were unaware of entire leveIs of meaning at play in the work, meaningsunderstood by the artists and communities on the coast. I believe that a range of preconceptions structured modernist perceptions of Kwakiutl art, not least of which was to collapse all non-Western art into a single category of"the irrational" ; in other words, to maintain a universalist view in which ceremonial regalia were treated as objects subject to Western systems of classification. Significantly, most didn't think it was necessary to actually engage with Kwakiutl artists, so they were unable to understand that such work affirms the existence of multi pie planes of reality rather than a Freudian notion of a split between the rational and irrational. Surrealists and others wanted to locate an outside to the constraints ofWestern culture, but their haste to apprapriate exotic images made it difficult for them to see what was there. ln effect, colonial notions of non-Western cultures were not challenged, just differently valorized. The hamatsa ceremony became a mirrar of colonists ' anxieties about their own excessive leveIs of consumption: of forests, ofhuman bodies, of space, anxieties that became so unbearable that they culminated in the suppression of ceremonies and imprisonment of spirit art. The cannibal dances involve a recognition of the danger of accumulation, based on the understanding that with excessive consumption comes bizarre, unhealthy forms of power. It is iranic that the fascination with a ceremony that addresses greed and consumption led to massive consumption ofhamatsa objects.

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If apprapriation fram other cultures-which can range fram out and out theft to economic pressure to using images not designed for public consumption-is a prablem, then what is the alternative? A more balanced relationship is clearly in order, and is occurring spontaneously as people move fram place to place and exchange ideas and images. Cultural hybridity is inevitable, but it is also a good thing, because when the codes and conventions of different cultures come together, aesthetic vocabularies become increasingly diverse. Some of the most interesting contemporary art embodies various kinds of crass-fertilization, rather than a simple line in which "their" art comes "here" or vice versa. A braad range of contemporary art styles is currently being explored by First Nations artists, some ofwhom engage with Northwest coast traditions. Charlie G. Walkus focuses on traditional design elements in his 1971 hamatsa mask of a hokhokw monster bird. Other Northwest coast artists employ explicitly hybrid elements, for instance, in "Red man watches white men trying to fix hole in the sky" (1990), Lawrence Paul plays with the Surrealist fascination with Northwest coast design as a way of simultaneously complicating and subverting the conceits ofWestern science. ln another example, David Neel carves masks that address contemporary politicaI and cultural issues, such as the relation between FirstNations people and the judicial system in Canada. Like "our" art, "their" art is not trapped in some static, mythical past, but constantly transforms itsel( If those of us who are outsiders to the spirit traditions on which some non-Western work is based can learn to look at such work on its own terms, it is possible to extend concepts of visual culture in a way that challenges conventional conceptions of the real and the imaginary. For this to occur, we need to question the universalist assumptions that continue to underpin understandings of aesthetics, and to respect the spiritual qualities of ceremonial work. Deborah Root I. The term "potlatch" comes fram the Chinookverb "to give." The term "First Nations" is used to describe indigenous people in Canada, and is preferable because it carries fewer colonial associations than, for instance, "Indian" or "Native" (although these terms continue to be used as well). As indigenous people continue to fight for land rights, the term "First Nations" implies an inherent sovereignty. At the sarne time, the "Indian Act" is still in place legally. This was the entity that banned dancing until 195I. 2.

189 Devorando o canibal Oeborah Root


Georges Didi-Hubel man

Disparates sobre a voracidade o homem que comia para melhor matar

substância divina junto com a substância material".2 Nada

Minha primeira história se passa em uma floresta virgem

aqui- apesarda luxuriante cor local-, nada se resolve

espantosa. Lá reina um pequeno falcão de bico vermelho-

"naturalmente". Mas a recensão de Frazer não deixa de tocar em um problema crucial da antropologia, ou mesmo da esté-

um caçador prodigioso, na verdade. Tem olho tão penetrante que pode, de altura considerável, distinguir um verme que

tica: o da arte de incorporar, quando a incorporação tende a

se insinua entre duas folhas a apodrecerem no solo; então,

abrirou a fazer florescer a força-talvez a essência-mágica

mergulha em direção a ele e leva-o para o céu com fulmi-

do ato de assemelhar-se. Há nesse problema, é claro, o enun-

nante celeridade e precisão.

ciado do mais antigo adágio pelo qual funciona a med icina: similia similibus curantur, coisas semelhantes somente podem

Na floresta de que falo, essas qualidades fazem da peq uena ave de rapi na algo ou alguém como um deus.

curar-se por meio de coisas semelhantes .3 Ou então chame-

O homem que ali sobrevive quase esquece de caçar para si mesmo: não pára de 01 har o pássaro soberbo, fica horas,

obrigaria o homem a comer aquilo a que ele quer se assemelhar,

rosto perturbado, olhos secos e ardentes, contemplando a

em suma, a comer aquilo que ele quer ser.

cal ma h i pnótica e soberana do vôo planado e concêntrico,

O índio kobeua espreme, pois, o olho que ele queria ser, o do falcão, sobre o próprio olho: reil pour reil 4 -no sentido

na hora em que o falcão espreita ou escolhe a presa; depois, a flecha vermel ha de seu bico a fender o céu como se

mos a isso um imperativo imaginário que, literalmente,

da preposição pour [para] que "serve para assinalar a relação

fosse o próprio sinal-sinal afiado, já ensangüentado-

entre uma coisa que afeta e a pessoa afetada". 5 Igualmente

de sua mágica ação predadora.

no sentido de que o processo simbólico e a operação de

O homem, é claro, inveja o pássaro. Gosta dele e o venera,

substituição aqui se realizam em um ato de absorção, uma

respeita-lhe infinitamente a capacidade de ver- de vertão

intimidade que imaginamos perturbadora. Estritamente

bem e de caçar tão bem. Sente ciúme, também, e portanto

falando, o índio comia para enxergar. Pois isso já era mais uma

ódio desse poder animal da visão e da virtuosidade na arte de matar. Finalmente, como quase sempre fazem os homens

forma de comer-ou antes, neste caso, de beber-que de espremero humor vítreo do pássaro entre os lábios de suas

em casos semelhantes, há de matá-lo, aproveitando um

pálpebras. Em outras florestas, outros índios comem as

instante em que o pequeno falcão já comia com os olhos uma marmota desgarrada. Após longa corrida através da

pupilas dos mochos a fim de enxergar à noite 6 • Em outros

confusão de árvores, o homem encontrará estirado o corpo do belo pássaro. Então, ele o pegará com ambas as mãos,

lugares ainda, os homens devoram seus pássaros auguraiscorvos ou falcões-a fim de vero porvir? Comer tornar-se-ia então o exercício por excelência de

ergue-Io-á acima do rosto perturbado, cravar-Ihe-á os olhos. E fará escorrer o humor vítreo nos próprios 01 hos, como um

um rito de passagem, seria uma iniciação ao poder-em

colírio. Depois voltará a caçar, certo daí em diante de que nada lhe conseguirá escapar.

estende ao seu anjinho uma colherada de sopa, usando o

particu lar ao poder de matar. Quando a jovem mamãe argumento facecioso do Come, não sabes quem te há de comer, ela não ignora que é preciso comer para não mo rre r, na

Frazer, de quem empresto esse feito amazônico, chama a isso "mágica homeopática"1 . Ele simplifica, sem dúvida

verdade para não ser morto. Mas talvez ignore q ue pelo

alguma, ao afirmar com auto-suficiência que "nosso ingê-

mundo afora, em toda parte, também é preciso comer para

nuo selvagem naturalmente espera absorver uma parte da

melhor matar, na verdade comerquem queremos matar,

190 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


isto é, aquele que já matamos, de uma maneira ou de outra. A esse título, o alentado inventário reunido por Frazer não cessa de nos sacudir-entre a angústia e o acesso de riso-, como sacode em todos os sentidos a palavra "omnívoro", que

força. Entre os quimbundos do oeste da África, quando passa a reinar um novo rei, mata-se um prisioneiro de guerra corajoso, para que o rei e os nobres comam-lhe

atribuímos (fato bem conhecido) a um grande número de

a carne e assim lhe adquiram a força e a coragem. O famoso chefe zulu Matuana bebeu a bílis de trinta

pássaros, aos porcos, aos ratos e evidentemente aos homens,

chefes, cujos cadáveres havia destruído, na crença de

omnívoros até o delírio (isto é, até o sistema), omnívoros até

que aquilo o tornaria forte. Os zulus imaginam que,

a homovoracidade. Essa é a voracidade própria aos rituais, ~

ao comer o centro da testa e as sobrancel has de um inimigo, adquirem a faculdade de encararde frente um

duas ou três mil a que monta a obra de Frazer, bastará para

de Torres, os homens bebiam o suor de guerreiros reno-

nos reabrir os olhos:

mados e comiam as sujidades manchadas de sangue

a voracidade própria a toda crença. Uma página, e apenas uma, que, porém, já parece interminável, entre as cerca de

adversário. Em Tud, ou Ilha do Guerreiro, no estreito

"Os guerreiros das tribos theddora e ngarigo (sudeste da

humano coagulado extraídas das unhas das mãos deles. Agia-se assim 'para ficar forte como a pedra e

Austrália) tinham o costume de comer pés e mãos dos

não conhecero medo'. Em Nagir, outra ilha do estreito

inimigos que haviam matado; acreditavam assim

de Torres, para infundir coragem aos meninos, o guer-

adquirir certas qualidades e coragem dos mortos.

reiro pegava o olho e a língua de um homem que

Na tribo dieri da Austrália Central, quando um conde-

matara e, depois de havê-los picado, misturava-os com

nado tivesse sido morto por executores oficialmente

a própria urina; depois, administrava a mistura ao

designados, lavavam-se em pequeno recipiente de madeira as armas que tinham servido para a execução,

menino, que a recebia de olhos fechados e boca aberta, sentado entre as pernas do guerrei roo Antes de cada

e a mistura sanguinolenta era administrada a todos

expedição de guerra, os habitantes de Minahassa

os carrascos de acordo com a manei ra prescrita: eles se

(Célebes) pegavam mechas de cabelo de um inimigo

deitavam de costas e os anciãos lhes versavam o líquido

morto e as mergulhavam em água fervente para extrai r-

na boca. Acreditava-se que esse procedimento lhes

lhes a coragem; os guerreiros então bebiam essa infusão de bravura."8

desse dupla força, dupla coragem e muita energia para seus empreendimentos seguintes. Os kilimarois da Nova Gales do Sul comiam o fígado assim como o coração de um homem corajoso, para adquirir-lhe a coragem.

Et coetera. Como se vê, o homem não é unicamente o

Em Tonquim, igualmente, é superstição popularque o

lobo do homem: pode também ser, de modo mais refinado (quero dizer cruel), o chá do homem, ou antes seu melhor

fígado de um homem bravo torna bravo quem quer que

prato reconstituinte, a sopa de bravura que permitirá melhor

o coma. Também, quando um missionário católico foi

matar. Dá-me o centro de tua testa, para eu comer a fim de poder encarar-te de frente e regertua morte, logo a minha.

decapitado em Tonquim, em 1837, o carrasco arrancou o coração da vítima e comeu uma parte, enquanto um

Para gozar ideal mente do poder de matar-te e de ser bravo

soldado tentava devorar cru um outro pedaço. Com

também quando me comeres.

intenção análoga, os chineses engolem a bílis de ban-

Ora, dentro da própria lógica do relato de Frazer, é

didos famosos executados. Os daiaques de Sarawak comiam as palmas das mãos e a carne dos joelhos

bom ser um deus que, afinal de contas, pudesse esticar essa voracidade ritual. Talvez o sonho último fosse, bem crua-

daqueles que tinham matado, a fim de ter mão mais

mente, comer o céu. É um pouco o que se passa em outras

fi rme e joel hos mais robustos. Para tornarem-se

florestas, onde um dia um homem resolve comer só o que

bravos, os tolalaques, famosos caçadores de cabeças

vem do céu. Devora os pássaros, sacia a sede na chuva.

do centro das Célebes, bebem o sangue e comem o cérebro das vítimas. Os italones das Filipinas bebem o

Mas, sobretudo, espreita tudo que foi tocado pelo raio: os restos das combustões celestes-animais fulminados,

sangue dos inimigos que mataram e comem-lhes uma

árvores calcinadas, meteoros-, restos dos quais faz

parte do occipício e das entranhas, tudo cru, para

refeições, mas também ungüentos que ele incorpora à

adquirir-lhes a coragem. Pela mesma razão, os efuagos,

própria pele, por escarificação, como se fosse para abri r

outra tribo das Filipinas, sugam os miolos dos inimigos. Do mesmo modo, os kais da Nova Guiné comem o

cem bocas. Então, o céu entra nele. Pouco a pouco, ele se tornará o céu, ou seu guardião na terra, seu representante como ele mesmo o diz:

cérebro dos inimigos que matam para adquirir-lhes a

191 Disparates sobre a voracidade Georges Didi-Huberman


"Efetivamente, quando o céu está a ponto de escurecer,

simplesmente- , uma cabeça obesa, quase malévola,

antes mesmo de aparecerem as nuvens ou de ribombar o trovão, o coração do guardião celeste sente a tempes-

manda-lhe seguircaminho. O Baal Shem Tovfica estupefato: que judeu recusa a hospitalidade numa noite de sabá?

tade chegar: ele referve e a cólera o excita. Quando o céu

Insiste: "Não tenho onde dormiresta noite ... Eu te pago ... "

começa a entristecer-se, o homem também se entristece; quando troveja, ele franze as sobrancelhas para que o

O mastodonte abre a porta a contragosto e-vergonha!

rosto se tolde de ira tal como a face irritada do céu."9

pecado! - embolsa o dinheiro. Em tudo o que se segue, o Baal Shem Tov irá de surpresas a sustos e de decepções a

Imagino também que ele chore quando chove e ponha

dade em ato. Nada há em sua morada além de víveres amon-

reais angústias. O homem é somente uma espécie de voracios bofes pela boca quando venta. Imagino que esse exercício voraz da semelhança o ajude a não se sentir morrer demais sob o sol.

toados em desordem, já malcheirosos. Sequer um livro. Sequer um castiçal. O homem come, come o tempo todo, come tudo. Nada de vela para acender, nada de alegria, nada de oração, nada de lugar para o forasteiro. Só uma vontade

o homem que comia para melhor morrer Minha segunda história, vou contá-Ia apenas de memória,

obtusa, misteriosa e solitária de engolir. Qual poderia ser a santidade desse homem? O Baal

tendo com certeza a sensação de esquecer muito e, sem dúvi-

Shem Tov começa a perguntar a si mesmo se seu sonho não

da, de modificar um pouco. É uma história que nos chega

teria um duplo sentido que lhe escapa ou se esse sonho não era em si mesmo apenas uma sinistra manobra demoníaca.

da bela tradição hassídica: relata um episódio da vida do Baal Shem Tov, o grão-rabino miraculoso. Uma noite, o rabi

Vários dias seguidos o rabi se interroga sem compreendere

teve um sonho premonitório: ele se vê morto, no céu; até vê

luta contra o fastio. Ainda paga seu detestável hospedeiro

exatamente o lugar que ocupa entre os eleitos ao redor do

para observá-lo um pouco mais longamente às escondidas,

Messias. Pois muito bem, constata ele com admiração a figura de um gordo personagem sentado a seu lado- a seu lado,

dizendo a si mesmo que tudo isso talvez seja apenas uma

mas ligeiramente mais perto que ele do Messias em pessoa ...

que deseja esconder sua santidade. Então, à noite, espialhe o sono: roncos grossos e grosseiros. De manhã, espia-lhe

Haveria pois alguém mais santo que o santo rabi Baal Shem

dissimulação, um fingimento, um disfarce de santo homem

Tov? Sim, pois sempre há alguém mais santo que alguém.

o despertar: grunhidos grossos e grosseiros (mas nada de

Tal é o sentido ou a moral desse son ho. Ao despertar, o rabi não se contenta nem com o sentido

filactérios na testa, nunca a menor oração). Depois, censura

nem com a moral do sonho. Resolve irver in loco- incógnito,

o consumo infernal e contínuo. No fim, desgostoso, o Baal Shem Tov pede autorização

é claro- esse Justo que o ultrapassa em santidade e será seu

do personagem para ir em bora e se prepara para voltar triste-

futuro vizinho no paraíso. Pois o Baal Shem Tov se disfarça

mente à sua aldeia. À soleira da porta, faz escorregar um rublo a mais naquela mão disforme e pergunta, como último

de mendigo, como de hábito (o que, aliás, pouco lhe muda a aparência)-e parte numa dessas longuíssimas viagens em

recurso: "Todos esses últimos dias, não dissemos grande

que o legendário judaico é tão generoso. Muitas semanas

coisa um ao outro, já que quase não paraste de comer. Mas,

mais tarde, após marchas estafantes, o velho homem se acha

antes de deixar-te, tenho uma pergunta a fazer, se tanto:

diante da casa, bem miserável, daquele a quem quervervivo ao menos uma vez antes de com ele tagarelar para sempre

por que é que comes tudo aquilo? Até onde isso vai chegar?" E o

no além. É inverno, o vento sopra forte, estamos na Rússia e

homem responde bruscamente: "Certo, a ti posso dizer. Quando eu era criança, meu pai foi apanhado pelos cossacos.

a noite vem caindo. Mas, sobretudo, essa noite é uma noite

Disseram-lhe para beijar um crucifixo-e ele, um judeu

de sabá, o momento em que todos os judeus se reencontram

piedoso, ele recusou, naturalmente. Então, bateram nele, mas

para festejar o repouso sagrado do sétimo dia. Em cada casa

ele continuou a recusar. Então, cobriram-no de petróleo e

judia, essa noite é a alegria da refeição partilhada, da vela que se acende, do pão que se consagra. Essa noite, tristeza

puseram fogo . Vi, com os próprios olhos, meu pai queimar-

rima com pecado. Essa noite, toda mesa reserva um lugar

mas pouquíssimo tempo. Compreende: meu pai era muito magro, ti n ha só pele sobre ossos. Apagou bem depressa

para o viajante de passagem .

mesmo, compreendes? Quanto a mim, jurei a mim mesmo

O Baal Shem Tov bate então à porta, fe liz de antemão pelo momento de santidade que vai partilhar calorosamente

queimar muito tempo, muitíssimo tempo, e ser uma tocha tão

com santo mais que ele. É bem pesado o passo que então res-

gorda que os próprios cossacos hão de achar meu fogo belo e generoso". O Baal Shem Tov lhe disse: "Compreendo, agora,

soa e, quando a porta se entreabre-porque ela se entreabre

e te agradeço ... Mas tornaremos a falar disso mais tarde" .

192 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros ."


Em sua bela obra sobre o messianismo judaico, Gershom Scholem assinala um comentário hassídico ao Salmo CVII, versículo quinto ("Tinham fome e sede e suas almas se agasalhavam"), sem dúvida compilado por volta de 1760 pelo pregadorMandel De Bar, amigo e discípulo do Baal Shem Tov-, mas tradicionalmente atribuído ao próprio grão-rabino: "Eis um grande mistério: porque Deus criou o alimento e a bebida de que o homem necessita? A razão é estarem repletos das centelhas do primeiro homem, Adão. Após sua queda, este as agasalhou e escondeu nos quatro reinos da natureza, os minerais, os vegetais, os animais e os homens. Agora, elas aspiram a voltare a se unirao reino da santidade. Assim, aquilo que o homem come e bebe ergue-se de suas próprias centelhas, que ele tem a obrigação de restaurar. A isso é que o salmista fazia alusão quando escrevia: Tinham fome e sede e suas almas se agasalhavam-elas se agasalhavam naquilo de que tinham fome e sede, o que significa que suas almas estavam no exílio dentro de formas e vestes alheias. Sabei, pois, que todas as coisas de que o homem tem necessidade para comer constituem-lhe de modo disfarçado os próprios filhos lançados ao exílio e ao cativeiro."10

o homem que comia para melhor ressuscitar A terceira história é a de um homem que sabe chegada sua hora. O que faz? Organiza uma grande refeição, que abre com esta palavraexatamente: "Desejei ardentemente comer convosco antes de padecer... " Ele toma o pão, parte-o, reparte-o e diz: "Tomai e comei, isto é o meu corpo dado por vós. Fazei isto em memória de mim". Ele toma o vinho, distribui-o e diz: "Este é o meu sangue, o sangue da Aliança, derramado em prol da multidão [... ]"11 O que significa o ato de comer nessas frases célebres da instituição eucarística? Aquém dos problemas abissais da transubstanciação, as palavras são enfim muito claras: ao darde comer, Cristo quer primeiro dizer que dá matéria para antecipara piar-"meu sangue derramado". É mesmo um pior que provém do âmago da refeição em questão, já que o homem por meio do qual o pior chega-a saber, Judasestá justamente lá, comendo entre os demais. "Um de vós me vai entregar, um que come comigo", diz a versão de Marcos. E a de Mateus: "O que pôs comigo a mão no prato, este é que me vai entregar" .12 Mas o pior, esse sangue que vai serde uma vez portodas derramado, dá lugar na eucaristia à instituição de um rito sacramental destinado a lhe repetir indefinidamente a memória. Ao dar de comer, Cristo dá, pois, matéria para ser lembrada-"fazei isto em memória

193 Disparates sobre a voracidade Georges Didi-Huberman

de mim". Maneira de anunciarque aquilo que se come, sua "carne", já constitui um ensaio (palavra a tomar em todos os sentidos, de antecipação e teatral, ou anamnésico e ritual), uma mnemotécnica de sua morte a vir. Porfim, Cristo perturba in extremis o sentido lúgubre de toda essa cerimônia, ao prometer a todos os seus convivas reencontrá-los um dia para um Banquete Eterno ondejamais cessarão de comere beber juntos à mesa do Pai13. Compreende-se então que a refeição eucarística era também concebida com vistas a dar matéria para se esperar o melhor (quer dizer, o impossível). O ato de comer, bem se vê, terá servido ao mesmo tempo a tudo o que estava em jogo. Mais estranho ainda é o deslocamento que percorre esse texto, ou antes esse conjunto de textos. De início, Cristo deseja comer, "comer antes de padecer", como ele mesmo diz. Depois, ele dá de comer: dá e reparte o pão, à imagem de sua palavra, desse ensinamento que ele acaba aqui de prodigalizar a seus discípulos. E para terminar o ensinamento, rematar completamente o valor de salvação desse ensinamento, ele se dá de comer, enquanto corpo, sob as espécies palpáveis e misteriosas do pão e do vinho. Antes do episódio da instituição eucarística, aliás, Jesus Cristo já apresentava essa particularidade insigne, julgada abracadabrante por alguns dos próprios discípulos: a de tomar-se pelo pão. Porque desejava ardentemente fazer-se amarou fazer-se comer como bom pão. Seu discurso na sinagoga de Cafarnaum-que sobrevém, não por acaso, justamente após o milagre da multiplicação dos pães-traz os estigmas de uma espécie de certeza delirante: "Eu sou o pão ... o pão da vida ... Eu sou o pão vivo, descido do céu. Quem comer deste pão viverá para sempre. Eo próprio pão que eu darei, ele é a minha carne, para a vida do mundo ... Em verdade, em verdade, eu vos digo, se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue tem vida eterna [... ] Aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele".14 Frases abissais-sexualmente abissais. Frases de amor místico, isto é, portadoras de uma voracidade total: ama a mim, vem a mim, fica em mim-come a mim. Etu gozarás eternamente. No episódio evangélico desse extraordinário discurso sobre o pão, são João não se furta a relatar a reação escandalizada dos ouvintes: "Essa palavra é dura! Quem pode escutálo?" Quem pode, com efeito, suportaros estilhaços desse cristal de gozo? Jesus haverá por bem esclarecer, ao fim do caminho, que fala "em espírito", não em corpo-"Isto vos escandaliza?" [... ] As palavras que eu vos disse são espírito!"-, mas o mal já está feito, quer dizer que a carne já


desempenhara seu ofício de terror no superego dos especta-

Mas o que é, então, que se come exatamente nessas

dores. E são João, o de constatar repenti namente o efeito de

poucas migalhas, nessas poucas gotas que, como se consi-

repulsa irremediável que esse apelo voraz de Cristo acaba por

dera, sustentam e reproduzem o corpo de um deus e de

suscitar: "A partir desse momento, muitos dos seus discípulos

todos os outros corpos que, em espécie, o incorporam? O

se reti raram e deixaram de andar com ele". 15 O fantasma

que vós comeis-explica em substância são Tomás-é

do deus que se dá de comer pela vida dos súditos-de acordo

algo que, constantemente, transita entre massa e represen-

com uma linha contínua que vai do sacrifício ao sacrament0 16 -bem constitui, todavia, a fortaleza de toda a crença

tação. E ele explica: em primeiro lugar, vós comeis espécies

e de toda a liturgia cristã. Outro não era o entendimento de

uma massa de vinho produto de todos os frutos da videira,

(ex speciebus in quibus traditur hoc sacramentum); é uma massa,

são Tomás de Aquino, que intitulou com a palavra sumptio

uma massa de pão produto de todos os grãos de trigo. Em

(manducação) os doze artigos da octogésima questão, na

seguida, vós comeis uma modalidade (ex modo quo traditur

terceira parte de sua Suma teológica 17 • Sumptio, o ato de comer, é aí descrito quase nos mesmos termos com os quais um pai se veria obrigado a explicar ao filho por que é preciso comer (e não esqueçamos que a Suma destina-se em primeiro lugar aos noviços, às crianças): tu comes, meu filho, para crescer. Teu corpo é ainda muito pequenino e sem força ainda. Tu comes para dar acabamento à vida em ti. São Tomás bem falará, portanto, da nutrição eucarística em termos de alimentum: do mesmo modo que o

hoc sacramentum) : uma massa de matéria que vos converte espiritualmente porque ela vale uma graça espiritual. Em terceiro lugar, vós comeis um conteúdo (ex eo quod in hoc sacramentum continetur [... ]): e esse é o próprio Cristo ([. .. ] quod estChristus), em sua "presença real". E, porfim, comeis uma representação (ex eo quod per hoc sacramentum repraesentatur [... ]): e essa é, diz Tomás de Aquino, a Paixão de Cristo ([ . .. ] quod est passio Christi)-sua provação sacrifi-

batismo faz "nascer" espiritualmente o corpo cristão, desse

cial, seu rito mortal e mortífero de passagem para a vossa memória 25 . Para fazer inchar a vida em ti, meu filho, será

mesmo modo o exercício eucarístico (usus seu sumptio)18 lhe permitirá alimentar-se e crescer 19 . Crescer até que ponto?-

teu deus.

poderia perguntar a criança. Efetivamente, a questão é bem

preciso que comas a morte e incorpores o padecimento de Há aí uma lei muito estranha. Seu paradoxo não lhe

essa. Perceber-se-á depressa que o ato de comer o deus sob

advém somente de a morte vir nutrir a vida. Advém também

as espécies consagradas do pão e do vinho-sua "presença

de uma topologia fantasmática segundo a qual aquele que

real" que se pode sentir na boca-, que esse ato visa a algo

come fica incorporado naquilo que come, a saber, no corpo do

como um inchaço infinito do corpo que o absorve.

deus. Cristo, lembremo-nos disso, pronunciara esta frase

E não se trata somente de um inchaço temporal, produ-

chocante: "Aquele que come a minha carne e bebe o

torde graça e de perpétuo renascimento: "Aquele que come

meu sangue permanece em mim e eu nele" .26 O liturgista

a mi n ha carne e bebe o meu sangue tem vida eterna". 20 É

da Idade Média irá ainda mais longe, nestes termos: "Aquele

também, mais diretamente, uma espécie de inchaço local

q ue come e é i ncorporado tem o sacramento e o real (res,

que dilatará o corpo cristão, gradualmente, para enchê-lo até

coisa) do sacramento. Aquele que come mas não é incorpo-

a enormidade e a multidão. Pois, na liturgia eucarística,

rado tem o sacramento, mas não tem o real do sacramen-

"muitos são um em Cristo" (multi sunt unum in Christo), e cada um se torna muitos 21 . Como se a absorção, portodos os

to".27 Aí está um sentido extremo para a palavra communio:

corpos separados, de um só corpo de Cristo-ele próprio

"passar no corpo de Cristo".28 O que permite, afinal de

ao receber a-eucaristia, cada um magicamente sente-se

indefinidamente disseminado em todas as migalhas de hóstia

contas-e de acordo com o princípio selvagem de uma

e em todas as gotas de vinho consagrado-tivesse por efeito

verdadeira autofagia mística-, pensar o corpo que come como

juntare unirtodos os corpos uns aos outros até a incomensu-

algo que se torne aquilo mesmo que ele come, a saber, uma subs-

rabilidade de um corpo-mundo. A eucaristia, o dito sacramen-

tância de graça divina 29 . Comei-vos uns aos outros, vós que

tum conjunctionis 22 , foi pensada desde são Pau lo e os Pais da Igreja como um "mistério da unidade" dos corpos (mysterium unitatis), esse mistério pelo qual um corpo, um só e gigantesco

sois membros desse grande corpo do deus a que vos deveis dessa forma de amore dessa aliança voraz com o deus-

corpo chamado "místico", terá sido considerado produzir-se,

um amor, uma aliança de carne comida e de sangue bebido.

formar-se a partirde todos aqueles que absorvem o mesmo deus; é então a unitas corporis 23 da Igreja inteira que se coagula

dos corpos, cada um, é claro, reage de um modo. Há os

no evento da missa, antes de realizar-se para sempre no

sábios de Deus e há os loucos de Deus, cada um a modular

grande festim eternamente nupcial do fim dos tempos24.

a lei geral de voracidade com mais ou menos voracidade

i ncorporar em sacramento. Tal seria o en u nciado imperativo

Mas, diante do imperativo universal desse fantasma

194 XXIV Bienal "Rote iros. Roteiros . Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros . Roteiros. "


particular. Há os desmedidos, os que vão direto ao essencial. Esses tudo farão para comer Cristo do mesmo modo como ele entregou a alma: comerão o pão de vida mergulhando em um vinho de morte. Portanto comerão o coração. Hão de querer incorporar a Paixão de Cristo (quod per hoc sacramentum repraesentatur) par san ca~ur ou par creu r 30 e a estranha topologia da inclusão recíproca os levará finalmente a entrar nesse coração, a habitá-lo e a ser comidos por ele: "A mesma diferença que há entre quem se exercita na meditação das dores íntimas de Cristo e quem se detém naquelas de sua simples humanidade-há entre o mel ou o bálsamo contido dentro do vaso e as poucas gotinhas que umedecem o vaso do lado de fora. Aquele, pois, que deseja saborear a Paixão de Cristo não deve se contentar com passear a língua sobre a borda externa do vaso, quer dizer, as chagas e o sangue que aderem a esse vaso sagrado da humanidade de Cristo ... Que entre dentro do próprio vaso, quero dizer o coração do Cristo bendito, e ali será saciado até mesmo além de seus desejos."31 Essas poucas frases, devidas à Bem-Aventurada Camila Batista de Varano (1458-1524), essas poucas frases intensas que declinam o ato de comer como o de entrar naquilo que se come para se fazer digerir, são seguramente herdeiras de toda uma tradição que conheceu o apogeu no final da Idade Média 32. Dela são inumeráveis os exemplos, uns tão assombrosos quanto outros. Reflitamos sobre as "fomes eucarísticas" (esuries) de santa Catarina de Siena, que provocava o vômito com o auxílio de uma varinha para isso previamente disposta, a fim de melhor gozar do festim único de carne e de sangue divino que ela se oferecia com paixão unilateral; a ponto de um dia haver mordido com tanta força o cálice que lhe estendiam que a marca dos dentes ficou gravada no metal e o padre teve muita dificuldade para lhe tirá-lo da boca. Reflitamos também sobre Dorotéia de Montau (13471394), cujo processo de canonização assinala que a absorção das espécies eucarísticas "agitava-a como água fervente"; que, "se a ela fosse permitido, teria de boa vontade arrancado a hóstia das mãos do padre para levá-Ia à boca"; que depois de receber o sacramento tinha ela a nítida sensação de trazer um feto dentro de si-o feto desse esposo divino, desse sponsus cuja presença a invadia ao lhe espalhar através de todo o corpo algo como uma consolatio, ou uma suauitas, ou uma delectatio ... algo a que ela mesma acabou por atribuir as palavras copula intima peracta 33 , isto é, um orgasm0 34 . Tal como a Virgem da Anunciação, sem dúvida, Dorotéia de Montau provou a presença de Cristo segundo o batimento

195 Disparates sobre a voracidade Georges Didi-Huberman

rítmico de uma operação prodigiosa que a preenchia no próprio momento em que ela se sentia afogar-se em si. O homem que comia para melhor apodrecer

Para terminar, contarei uma história mais curta, aparentemente menos grave. Éa história de um homem muito doce, que gostava só de mel. Toda a vida ele passava a prodigalizar doçura e a comer mel. Ao fim de alguns anos, seus próprios excrementos haviam-se tornado mel. Mais tarde, após sua morte e de acordo com seu voto de eterna doçura, puseramno em um ataúde de pedra, completamente mergulhado no mel. Cem anos passaram, durante os quais seu corpo acabou porfundir-se no mel. Então, reabriram o ataúde e distribuíram essa substância aos enfermos, porque ela curava todos os tipos de doença. A história encontra-se em uma obra chinesa intitulada Tcho-keng lou, datada de 1366. Precisa o autor não ser ela autóctone: "Em chinês vulgar, dizemos homem de mel; a palavra estrangeira é mou-nai-yi". Ora, esse último termo designa a múmia. Sem dúvida alguma, o "mel" da história é uma má tradução (ou muito boa) do árabe e do persa mumía, mumiâl, palavras que designam o betume ou o asfalto utilizado no Oriente Médio para untaras cadáveres a mumificar 35 . O mel mágico de nossa história poderia então derivar sua origem do comércio bem peculiarque naqueles tempos ligava o Oriente Médio a toda a Europa, °mas também enxameava até o Japão, até a China: era uma farmacopéia obtida a partir das múmias egípcias, um pó de múmia ao qual Ambroise Paré consagrou-como caçoada, certamenteuma verdadeira pequena monografia. Nela ele explica o modo como os antigos utilizavam o betume ou o asfalto "para fazer geléia de seus corpos", antes de fazer desses corpos os méis ou geléias de-bem-estar para os corpos dos vivos 36 . Por q ue então comemos tão vorazmente? Por todas as razões boas e portadas as más. Razões de vida, razões de morte. Razões disparatadas, e mesmo contraditórias, que contudo não podemos dispor em classes seja lá como for. Comer ajuda-nos a melhor matar (era este o sentido de minha primeira história). Comer ajuda-nos a melhor morrer (era este o sentido de minha segunda história). Comer ajuda-nos a melhor ressuscitar (é este o próprio sentido do sacramento eucarístico). A última história nos ensina que comer pode servirtambém para melhor apodrecer, para mel hor prover os outros dos meios de não morrer. Como se o ato de comerse sustentasse de algo como uma heurística da morte. Georges Didi-Huberman Traduzido do francês por Claudio Frederico da Silua Ramos.


1. J.G.Frazer [1854-1941], le rameau d'or, 11/. Esprits des blés etdes bois, Paris: laffont, 1912, trad . P. Sayn, 1983, p.280. 2. Ibid., p.281. 3. Cf. Hipócrates, Des lieux dans I'homme, XLII, 2, Paris: Belles Lettres, 1978, ed . e trad . R. Joly, P.72. 4. O autor joga com a lei de Tal ião-ai ho por 01 ho ... ; neste caso, entretanto, o significado pretendido é olho para olho [N . do T.]. 5. É. Littré, Dictionnaire de la langue française (1866), Monte-Carla: Éditions du Cap, 1966, vaI. III, P.4897. 6. J. G. Frazer, le rameau d'or, op. cit., P.284. 7. Ibid., PP.283-284. Começa a ficar evidente que, a contrario, comer carne de frango faz alguém ficar med rosa-ou comer carne de tartaruga o im pede de correr(ibid ., p.282). 8. Ibid., p.288. Extraiu-se essa página do mesmo capítulo, intitulado "La magie homéopathique du régime carnivore" (pp.280-297), o que uma vez mais nos indica estarmos para além do bem e do mal e funcionarem nesses rituais guerreiros (destruidores) todos os dispositivos que na arte de curar são comuns (reparadores). Géza Roheim assinala grande número de fatos similares no capítulo sobre "l'homme-médecine et I'art de guérir", em sua obra l'Animisme, la magie et le roi divin (1930), Paris: Payot, 1988, trad. L. e M. M. Jospin e A. Stronck, pp.12 3- 144· 9. J. G. Frazer, le rameau d'or,op. cit., P.293. 10. G. Scholem, le Messianismejuif Essais sur la spiritualité dujuda',sme (1971), Paris: Calmann-Lévy, trad. B. Dupuy, 1974, P.285. 11. Lucas, XXII , 14-15 e 19. Mateus, XXVI, 26. Marcos, XIV, 24. 12. Marcos, XIV, 18. Mateus, XXVI, 23. Quanto a Lucas, XXII, 21 : "Mas eis que a mão daquele que me entrega está a servir-se comigo nesta mesa". 13. Mateus, XXVI , 29. Marcos, XIV, 25. Lucas, XXII, 16-18. 14. João, VI , 48-56. 15.João, VI, 60-66. 16. Linha que a teologia moderna tenta em vão-e anacronicamente-destruir. No caso, o que se deve reter é ajusta lição de Henri de Lubac: "Aqui convirá sobretudo esquecer, por mais cômoda e mais fundamentada que por outro lado seja, a separação posta por tantos tratados modernos entre 'a Eucaristia como sacrifício' e 'a Eucaristia como sacramento'. Pois que não se compreende o sacramento sem o sacrifício durante o qual ele se realiza e em relação ao qual, em sua permanência, mantém referência forçada : ln sacramento corpo ris Christi mors eius annuntiatur [No sacramento do corpo de Cristo, anuncia-se a morte dele]; e, de sua parte, o próprio sacrifício é um sacramento [... ]" . H. de Lubac, Corpus mysticum. l'eucharistie et I'église au Moyen Âge, Paris: Aubier, 1949 (edição revista), P.70. 17. Tomás de Aquino, Summa theologiae, IIla, 80: De usu seu sumptione huius sacra menti in communi. 18. Uso ou manducação [N.doT.].

19. Mais precisamente: "Do mesmo modo que a vida espiritual necessitou do batismo, que é geração (generatio) espiritual, e da confirmação, que é crescimento (augmentum) espiritual, desse mesmo modo necessitou do sacramento da eucaristia, que é nutrição (alimentum) espiritual". Ibid ., IIla, 73,1. 20. João, VI, 52, comentado porTomás de Aquino, Summa theologiae, IIla, 79,2. 21. Tomás de Aquino, Summa theologiae, IIla, 82, 2. 22. Sacramento da conjunção [N . do T.] . 23. Unidade do corpo [N . do T.]. 24. Ibid ., IIla, 79, 7. Mateus, XXII, 1-14. Cf. H. de Lubac, Corpus mysticum, op. cit., P·27· 25. Tomás de Aquino, Summa theologiae, IIla, 79, 1. 26. João, VI, 56. 27. Hugues de Saint-Victor, De Sacra mentis, II, 8, P.L., CLXXVI , coI. 465C. 28. Sicut enim nos de uno pane et de uno calice percipientes, participes et consortes sumus corporis Domini. Raban Maur, citado e comentado por H. de Lubac, Corpus mysticum, op. cit., p. 32. Cf. igualmente PP.54-55. 29. Ibid., P.52: "O corpo de Cristo-composto de todos os fiéis como de outros tantos membros-devia nutrir-se da carne de Cristo: Ut simus in eius corpore, sub ipso capite, in membris eius, edentes carnem eius [Comemos a carne dele, a fi m de estarmos no corpo dele, sob a cabeça dele próprio, nas partes dele]. Assim falava santo Agostinho, cuja linguagem Beda e Alcuíno contribuíram para vulgarizar. Extensão maravilhosa da Encarnação [... ]". 30. Par son [pelo seu coração], par c!:eur [de cor] [N . do T.]. 31. Acta Sanctorum, maio, VII , P492. 32. É abundante a literatura crítica, em meio à qual podem-se lerdois estudos magníficos: André Vauchez, "Dévotion eucharistique et union mystique chez les saintes de la fin du Moyen Âge" , Atti dei Simposio internazionale caterinianobernardiniano, Siena: Accademia senese degli Intronati, 1982, PP.295-300. C.W.Bynum, Holy feast and holy fast. The religious significance offood to medieval women, Berkeley: UniversityofCalifornia Press, 1987. 33. União íntima consumada [N. do T.]. 34. Citado por André Vauchez, "Dévotion eucharistique et union mystique", art. cit., P.296-298. Poderíamos comparar essa passagem com a questão-julgada suficientemente importante porTomás de Aquino para dar origem a um artigo inteiro da Suma Teológica-de saber se a polução noturna impede ou não de comer o sacramento eucarístico (utrum nocturna pollutio impediat aliquem a sumptione corporis Christi). A resposta (positiva, decerto) se apóia em uma prescrição do Levítico, XV, 16: "Quando um homem tiver uma efusão seminal, estará imundo até a tarde" . Tomás de Aquino, Summa theologiae, IIla, 80, 7. 35. Cf. H. Franke, "Das chinesische Wort für Mumie", Oriens, X, 1957, P.253-257. 36. A. Paré, "Discours de la mumie [sic]" (1582), CEuvres Completes, Genebra: Slatkine Reprints, ed . J.-F. Malgaigne, 1970, III, P.476. Cf. também R. Pécout, les mangeurs de momie. Des tombeaux d'Égypte aux sorciers d'Europe, Paris: Belfond, 1981 .

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Georges Didi-Huberman

Disparate thoughts on voracity The man who ate so as to kill better

My first story takes place in the forbidding virgin forest. There, as mas ter, lives a falcon with a red beak-a prodigious hunter, in truth. He has such piercing gaze that, from a considerable height, he can distinguish a worm sliding between two leaves rotting on the ground. He plunges toward it and carries it to the sky with lightning speed and precision. ln the forest of which l speak, these qualities transform the little bird of prey into something of a godo The man who lives here almost forgets to hunt: he does not tire of gazing at this superb bird; he remains for hours, his face turned up, his eyes dry and burning, contemplating the hypnotic and sovereign caIm ofthe falcon's concentric, soaring flight when it espies or chooses its pray. Then, the red mark ofhis beak splits the sky like the very sign-the sharpened, already bloody sign-ofhis magic predation. The man, of course, envies the bird. He loves it and venerat~s it; he has infinite respect for its capacity to see-to see so well and to hunt so well. He is jealous, too, then and thus he hates the animal power of this gaze and of this skill in the art of execution. Finally, as almost all men do in similar cases, he will kill it, taking advantage of the moment when the little falcon is already devouring a stray marmot with his eyes. After a long journey in the jumble of trees, the man will find the recumbent body of the beautiful bird. Then he will take it in both his hands and raise it above his tilted face, and put out its eyes. And he will make the vitreous secretion flow into his own likean eye lotion. Then he will go back to hunting, certain now that nothing will escape him. Frazer, from whom l borrow this Amazonian tale, calls this "homeopathic magic."l No doubt he simplifies in affirming self-importantly that "our naive savage naturally expects to absorb a portion of the divine substance along with the material substance." 2 Here, nothing-despite the luxurious local color-is decided "naturally." But Frazer's account nonetheless touches on a crucial problem in anthro-

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pology, indeed of aesthetics: the problem ofthe art ofincorporation, when incorporation tends toward opening Up or bringing forth the magic power-perhaps the essence-ofthe act of resemblance. Certainly this problem articulates the most ancient adage of medicine: simílía simílíbus curantur, similar things can only be cured by similar things. 3 Let's call it an imaginary imperative that, literally, would confine man to eating what he wants to resemble, that is, to eating what he wants to be. The Kobeua lndian thus presses the eye he wants to be, that of the falcon, on his own: an eye for an eye. Here, the prepositionfor is used in the sense of what "serves to mark the relation between a thing that affects and the person affected,"4 and in the sense of a symbolic procedure and an operation of substitution realized in an act of absorption, an intimacy that one imagines would be deeply transformative. Strictly speaking, the lndian ate to see. Because to press the vitreous secretion of the bird between his lips and eyelids was alreadya kind of eating-or rather drinking. ln other forests, other lndians [Northern lndians] ate the pupils of owls in order to see the night. 5 And elsewhere, men devoured birds of omen-crows or falcons-in order to see the future. 6 Eating would thus beco me the exercise par excellence of a rite of passage: an initiation to power, particularly to the power ofkilling. When a young mother holds out a spoon of soup to her cherub, using the facetious argument, Bat, you do not know who wílI eat you, she is aware that one must eat so as not to die, indeed so as not to be killed. But perhaps she does not know that everywhere in the world, one must also eat in order to kill better. lndeed, one must eat what one wants to kill-that is, what one has already killed-in one way or another. Thus, the overwhelming inventory gathered by Frazer continually shakes us up-placing us somewhere between anguish and mad laughter-as it shakes up in every sense the word "omnivore," which, as is well known, is attributed to a vast number ofbirds, pigs, rats, and obviously to


men, who are omnivorous to the point of delirium (that is, to the point of a system), omnivores to the point ofhomovoracity. A voracity proper to rituaIs, a voracity proper to all belief. One and only one page, but one that already seems endless, ofFrazer's two-to-three-thousand-page work, will suffice to reopen our eyes: Warriors ofthe Theddora and Ngarigo tribes (Southeastern Australia) used to eat the hands and feet of their slain enemies, believing that in this way they acquired some of the qualities and courage of the dead. ln the Dieri tribe ofCentral Australia, when a man had been condemned and killed bya properly constituted party of executioners, the weapons with which the deed was dane were washed in a small wooden vessel, and the bloody mixture was administered to all the slayers in a prescribed manner, while they lay down on their backs and the elders poured it into their mouths. This was believed to give them double strength, courage, and great nerve for any future enterprise. The Kilimarois of New South Wales ate the liver as well as the heart of a brave man to get his courage. ln Tonquin also there is a popular superstition that the liver of a brave man makes brave anywho partake ofit. Hence when a catholic missionarywas beheaded in Tonquin in r837, the executioner cut out the liver ofhis victim and ate part ofit, while a soldier attempted to devour another part ofit raw. With a like intent the Chinese swallow the bile of notorious bandits who have been executed. The Dyaks ofSarawak used to eat the palms ofthe hands and the flesh of the knees of the slain in arder to steady their own hands and strengthen their own knees. The Tolalaki, notorious head-hunters ofCentral Celebes, drink the blood and eat the brains of their victims that they may become brave. The Italones ofthe Philippine Islands drink the blood of their slain enemies, and eat part of the back of their heads and of their entrails raw to acquire their courage. For the sarne reason the Efuagos, another tribe ofthe Philippines suck the brains oftheir foes. ln like manner, the Kai ofGerman New Guinea eat the brains of the enemies they kill in arder to acquire their strength. Among the Kimbunda ofWestern Africa, when a new king succeeds to the throne, a brave prisoner of war is killed in arder that the king and nobles may eat his flesh, and so acquire his strength and courage. The notorious Zulu chief Matuana drank the gall of thirty chiefs, whose corpses he had destroyed, in the belief that it would make him strong. It is a Zulu fancy that by eating the centre of the forehead and the

eyebrow of an enemy they acquire the power oflooking steadfastly at a foe. ln Tud ar Warrior Island, Torres Straits, men would drink the sweat of renowned warriors, and eat the scrapings from their finger-nails which had become coated and sodden with human blood. ln Nagir, another island ofTorres Straits, in arder to infuse courages into boys a warrior used to take the eye and tangue of a man whom he had killed and after mincing them and mixing them with his urine he administered the compound to the boy, who received it with shut eyes and open mouth seated between the warrior's legs. Before every warlike expedition the people ofMinahassa in Celebes used to take the locks ofhair of a slain foe and dabble them in boiling water to extract the courage; this infusion ofbravery was then drunk by the warriors. 7 Et caetera. As you can see, for man man is not only a wolf: he can be, in the most refined (that is, cruel) fashion a tea ar a most restorative dish, a soup ofbravery that will allow him to kill better. Give me the middle of your forehead that I may look you in the face and mas ter your death, and thus my own death. To enjoy ideally the power to kill you and to be brave, as well, when you eat me. So, in the very logic ofFrazer's narrative, it is toward being a god that, in the end, this ritual voracity tends. The ultimate dream would be, perhaps, crudely put, to eat the sky. This is, in part, what occurs in other forests where man decides one day to eat only what comes from the sky. He devours birds, he quenches his thirst with rain. But, above all, he watches for everything that has been touched by lightning: the remains of celestial fires-animals struck by lightning, trees burnt to a crisp, meteors-and he makes mealsof them, but also of ointments that he incorporates in his body, through scarification, as if to cut himself a hundred mouths. Thus, the sky enters him. Little by little, he will beco me the sky, ar its guardian on earth, its representative as he himself says: For when the heaven is about to be darkened, and before the clouds appear ar the thunder mutters, the heart ofthe heaven-herd feels it coming, for it is hot within him and he is excited byanger. When the sky begins to be overcast, he too grows dark like it; when it thunders, he frowns, that his face may be as black as the scowl of the angry heaven. 8 I also imagine that he cries when it rains, and that he fills his lungs when it's windy. I imagine that this voracious

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exercise in resemblance helps him not to feel too deeply his dying under the sun. The man who ate so as to die better

My second story, 1 will recount fram memory, certainly with the feeling ofhaving forgotten much and no doubt changing things a little. lt is a story that comes to us fram the beautiful Hassidic tradition. It relates an episode in the life ofBaal Shem Tov, the great, miraculous rabbi. One night, then, the rabbi has a praphetic dream. He sees himself dead, in the sky, he even sees his exact place among those elected for the Messiah's entourage. Now, he notes with astonishment the face ofthe large person seated next to him-next to him but slĂ­ghtly claser than hĂ­m to the Messiah himself... Could there then be someone holier than the sainted rabbi Baal Shem Tov? Yes, because there is always someone holier than uso Such is the meaning ar moral of this dream. When he awakens, the rabbi is not happy with either the meaning ar the moral ofhis dream. He decides to go see for himself-incognito of course-this Just who surpasses him in holiness and who will be his future neighbor in paradise. So Baal Shem Tov dresses up as a beggar, as usual Cin any case, he needs to change very little in his customaryattire)and he departs on one of those long journeys so common to the legendary Jew. Many weeks later, after wearying walks, the old man finds himselfin front of the rather poor house of the man whom he wishes to see alive just once before he chats with him for eternity in the beyond. It is winter. The wind blows hard. We are in Russia, and night is about to falI. But, above all, this evening is Shabbat, when all Jews gather to celebrate the sacred rest of the seventh day. ln each Jewish household that evening reigns the joy of the shared meal, of the lighted candle, of the consecrated breado That evening, sadness rhymes with sino That evening, every table reserves a place for the trave ler. Thus Baal Shem Tov knocks on the doar, happily anticipating the holy moment that he will warmly share with the one who is holier than he. A very heavy step resonates when the doar opens part way-because it only opens part way-an obese, almost mean head asks that he go on his way. Baal Shem Tov is stupefied: What Jew would refuse hospitality on a night ofShabbat? He insists, "1 have nowhere to sleep this evening ... 1 will pay you ... " The colossus unwillingly opens his doar and-shame! sin!-pockets the money. ln everything that follows, Baal Shem Tov will go fram surprise to alarm, fram disillusion to real anguish. The man is nothing but a kind ofliving voracity. There is nothing in his house but food-in disordered, already stinking piles. Not a single book. Not a single candle-

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stick. The man eats; he eats alI the time, he eats everything. Not a single candle to light, no joy, no prayer, no raom for the stranger. Just an obtuse, mysterious, solitary will to swallow. Where in could the holiness of this man lie? Baal Shem Tov begins to ask himselfifhis dream might not have a double meaning that eludes him, ar if this dream is not the work of the devil in himself. For many days, the rabbi questions himself without understanding and fights against disillusionment. He pays his detestable host again, in arder to observe him a little longer in secret, telling himselfthat all this is a feint, perhaps, a pretense, the disguise of a holy man who wishes to conceal his holiness. So, at night, he spies on him sleeping: disgusting, loud snores. ln the morning, he spies on him awakening: disgusting, loud grunts (but no phylacteries on his forehead, still not the smalIest prayer). Then he returns to his infernal, continuous absorption. ln the end, disgusted, Baal Shem Tov takes leave of this man and prepares to return sadly to his village. On the doorstep, he slides another ruble into the deformed hand and asks, in a last ditch effort: "ln alI these last days, we said little to each other, because you almost never stopped eating. But, before leaving you, 1 have a question to ask you nonetheless: "Why is Ă­t that yall eat all that? Where will it go?" And the man answers brusquely, "Of course. You, 1 can telI. When 1 was a child, my father was taken by the cossacks. They told him to kiss a crucifix-and he, a pious Jew, naturally refused. So, they beat him, but he continued to refuse. So, they poured gasoline on him and set him on fire. 1 saw my father burn with my own eyes. But he burned for a very short time, you understand: my father was very skinny, he had only skin on his banes. He went out too quickly, you understand? 1, 1 vowed to myself to burn a long time, a very long time, and to be such a thick torch that even the cossacks would find my fire beautiful and generaus." Baal Shem Tov told him: "Now 1 understand, and 1 thankyou ... Butwe will talk about it again." ln his beautiful work on Jewish Messianism, Gershom Scholem cites a Hassidic commentary on Psalm CVII, fifth verse ("Hungry and thirsty, their souls fainted within them"), which was undoubtedly compiled araund q60 by the predictor MandeI De Bar, a friend and disciple ofBaal Shem Tov, but which is traditionally attributed to the great rabbi himself: Here is a great mystery: Why did God create food and drink ofwhich man has need? Because they are filled with the sparks of the first man, Adam. After his fall, he wrapped them and hid them in the four domains of nature: mineral, vegetable, animal, and humano They now aspire to return and to attach themselves to the


domain ofholiness. Thus, what man eats and drinks comes from his own sparks, which he is obliged to restore. It is to this that the psalmist alluded when he wrote: They were hungry and thirsty and their soulsfainted within them-they swathed themselves in what they were hungry and thirsty for, which means that their souls were in exile in strange forms and clothing. Know then that all things man needs to eat constitute in a hidden way his own children thrown into exile and into captivity. 9 The man who ate the better to be resurrected

The third story is of a man who knows his hour has come. What does he do? He organizes a banquet, which he opens with these exact words, "I have earnestly desired to eat this passover with you before I suffer... " He takes bread, he breaks it, he gives it to them and he says, "This is my body which is given for you. Do this in remembrance of me." He takes a cup of wine, he gives it to them, and he says, "This is my blood of the covenant, which is poured out for many.. ."10 What does the act of eating signifY in these famous phrases of the eucharist? Apart from the unfathomable problems oftranssubstantiation, the words are in themselves fairly clear: in providing food, Christ signifies first of all that he is giving matter with which to anticipate the worst-"my blood that will be poured." It is even a worst at the very heart of the meal in question, because the man through whom the worst arrives-Judas-is there, eating among the others. "Qne of you will betray me, one who is eating with me," says Mark's version. And that ofMatthew: "He who has dipped his hand in the dish with me, will betray me."11 But the worst, the blood that will be spilled once and for all, gives rise in the eucharist to a sacramental rite destined to repeat the memory ofthis spilt blood indefinitely. ln providing others with food, Christ thus gives matter with which to remember-"do this in remembrance of me." A way of announcing that what is being eaten, his "flesh," already constitutes a rehearsal (a word to be understood in all its meanings, as anticipatory and theatrical, or anamnestic and ritual), a mnemotechnique ofhis death to come. ln the end, Christ reverses in extremis the lugubrious meaning of this whole ceremony by promising to all his guests that he will meet them again one day for an eternal Banquet where they will never stop eating and drinking at the Father's table. 12 Thus the feast ofthe eucharist was also conceived with the view of giving matter with which to hopefor the best (that is, for the impossible). The act of eating, you see, will have served all these interests at once. Stranger still is the displacement that runs through this text, or rather this group oftexts. At the beginning,

Christ wants to eat, to "eat before I suffer," as he himself says. Then he providesfood: he divides and shares the bread, in the image ofhis words, ofthe teachingwith which here he ceases to shower his disciples. And to end the teaching, to perfect its redemptive value, he olfers himself up to eat, as a body, in the guise of the mysterious and palpable species that are bread and wine. Besides, before the episode ofthe eucharist, Jesus Christ already showed signs ofthis signal particularity, judged fantastic by some ofhis own disciples: that is, he took himself for breado Because he ardently desired to make himselfloved or eaten as good bread is. His speech in the synagogue of Capernaum-that comes, not accidentally, after the miracle of the multiplication ofloaves-bears the stigmata of a kind of delirious certainty: "I am the bread oflife ... I am the living bread which carne down from heavenj if any one eats of this bread, he willlive foreverj and the bread which I shall give for the life of the world is in my flesh ... Truly, truly, I say to you, unless you eat the flesh of the Son of man and drink his blood, you have no life in yOUj he who eats my flesh and drinks my blood has eternallife [... ] He who eats my flesh and drinks my blood abides in me, and I in him." 13 Unfathomable-sexually unfathomable-phrases. Phrases of mysticallove, which carry a total truth: love me, come in me, live in me-eat me. And you will find eternal bliss. ln the Evangelical episode of this extraordinary speech on bread, St. John does not forget to recount the scandalized reaction of the audience: "This is a hard saying, who can listen to it?" Who can, in fact, hold the brilliance of this crystal of enjoyment? Jesus will in vain make clear, at the end ofthe journey, that he speaks "in spirit" and not in body- "Do you take offense at this ... the words that I have spoken to you are spirit"-the harm is already done, that is, the flesh has already served its terrorizing role on the superego ofthe spectators. And St. John attests abruptly to the repulsive effect of no return to which Christ's voracious appeal has just given rise: "After this many ofhis disciples drew back and no longer went about with him."14 The phantasm ofthe god who gives himselfto be eaten for the life ofhis subjects-a continuous line from sacrifice to sacrament 15 -constitutes, nonetheless, the cornerstone of all Christian belief and liturgy. St. Thomas of Aquinas understood it thus, he who entitled the twelve articles ofhis 80 th question, in the third part Summa Theologiae, sumptio (Eucharist).16 Sumptio, the act of eating, is described there in the sarne terms, more or less, that a father would use to explain to his son why one must eat (and let us not forget that the Summa is adressed first of all to novices and children): you eat, my son, to grow. Your body is still very little, and still without

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strength. You eat to complete life in you. St. Thomas will speak, then, of the food of the Eucharist as alímentum: just as baptism gives "birth to the spiritual Christian body, so the eucharistic exercise (usus seu sumptio) will enable it to be fed and graw. 17 To graw to what point?-the child might ask. That, in fact, is the questiono It is readily apparent that the act of eating god in the form of the consecrated species that are bread and wine (his "real presence" can be grasped in the mouth) aims for something like an infinite swelling of the body that absorbs them. And it is not just a swelling of time, that producer of grace and perpetuaI renaissance: "He who eats my flesh and drinks my blood has eternallife."18 It is also, more directly a sort oflocal swelling that will extend the Christian body fram kin to kin, will fill it to the point of enormity and multitude. Because in the liturgy of the eucharist, "manyare one in Christ" (multi sunt unum in Chrísto), and "each becomes many."19 As if absorption, byall separate bodies, of a single Christ-like body-himselfindefinitely dispersed in all the crumbs of the host and all the draps of consecrated winehad the effect of adding and uniting all the bodies, one to the other, to the immoderation of a body-world. The eucharist, or sacramentum conjunctionis, has been regarded since St. Paul and the Fathers of the Church, as a "mystery of the unity" of bodies (mysterium unitatís). A mystery thraugh which a body, a single and gigantic body called "mystical," would have been forced to praduce itself, to form itself according to those that absorb the sarne godo It is thus the unitas corporís ofthe Church as a whole that coagulates in the performance of the mass, before being realized for ever in the grand, eternally nuptial feast ofthe end oftime. 20 But what is it exactly that one eats in these few crumbs, in these few draps that are supposed to sustain and repraduce the body of agod and of all the other bodies, which incorporate it in species? Whatyou eat-St. Thomas explains in substance-is something that constantly shifts fram matter to representation. And, he explains, first you eat species (ex spedebus in quibus traditur hoc sacramentum: a quantity, a quantity of wine that comes fram all the grains of the raisin, a quantity ofbread that comes fram all the grains of wheat. Then, you eat a modality (ex modo quo traditur hoc sacramentum): a quantity of matter that converts you spiritually because it equals a spiritual grace. Thirdly, you eat a content (ex eo quod in hoc sacramentum continetur [... ] ); and it is Christ himself ( [... ] quod est Christus) , in his "real presence." And, finally, you eat a representation (ex eo quod per hoc sacramentum repraesentatur [... ] ); and it is, says Thomas Aquinas, the Passion of Christ ( [... ] quod est passio Christí)-his sacrificial trial, his mortal and deadly rite of passage to your memory.21 To make

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life swell in you, my child, you must eat death and incorporate the suffering of your godo Therein lies a strange law. His paradox does not come solely fram death nourishing life. It comes also from a phantasmatic topology according to which the one who eats is incorporated in what he eats, that is in the body of the godo Recall that Christ spoke these shocking words, "He who eats my flesh and drinks my blood abides in me, and I in him."22 The liturgist ofthe Middle Ages will go one step further: "He who eats and is incorporated has the sacrament and the real (res, the thing) of the sacramento He who eats but is not incorporated has the sacrament, but not the real of the sacrament."23 That is an extreme meaning for the word communio: in receiving the eucharist, each magically feels himself"pass into the body ofChrist."24 Which in the end allows-according to the savage principIe of a true, mystical autophagy-for us to think of the body that eats as becoming the one it eats: a substance of divine grace. 25 Eat each other, you who are the members of the great body of god which you must incorporate in the sacramento Such would be the imperative statement ofthis form oflove and ofthis voracious alliance with god-a love, an alliance of flesh eaten and blood drunk. But, in the face ofthe universal imperative ofthis phantasm ofbodies, each, of course, reacts in his own way. There are the wise men of God and the fools of God, each modulating the generallaw of voracity with a more or less singularvoracity. There are the excessive ones, those who go straight to the heart of the matter. Those who will put everything to work in order to eat Christ through the very thing through which he gave the soul: they will eat the bread of life while plunging into the wine of death. Thus they will eat the heart. They will want to incorporate the Passion of Christ (quod per hoc sacramentum repraesentatur) through his heart or by heart, and the strange topology of reciprocaI inclusion willlead them finally to enter the heart, to inhabit it and to be eaten by it: The sarne difference exists between he who exerts himself meditating on the intimate pains of Christ and he who stops at those ofhumanity as between the honey or the balm in the vessel and the few draplets that moisten its exterior. He who wishes to taste the Passion of Christ, then, must not content himself with passing his tongue along the outside of the vessel, that is, the wounds and the blood that adhere to the sacred vessel of the humanity ofChrist. .. Ifhe enters into the vessel itself, I mean thus into the heart ofblessed Christ, he will be satisfied, even beyond his own desires. 26


Thanks to the Blessed Camilla Battista da Varano (14581524), these few sentences-intense sentences that decline the act of eating as one of entering into what one eats in order to be digested by it-owe much, certainly, to a whole tradition that reached its apogee at the end of the Middle Ages. 27 There are innumerable examples, each as stupefYing as the next. Think ofthe eucharistic famines (esuriences) of Saint Catherine ofSienna. She made herselfthrow up with the aid of a stick designed for this purpose in order to take greater pleasure in the unique feast of divine flesh and blood of which she partook with a unilateral passion. One dayshe bit the chalice held out to her with such force that the mark ofher teeth was imprinted on the metal, and the priest had great difficulty in extracting it from her mouth. Think also ofDorothy ofMontau (1347-1394), whose cannonization process indicates that the absorption of eucharistic species "agitated her like boiling water," that, "had she been allowed, she would willingly have torn the host from the priest's hands to bring it to her mouth". After receiving the sacrament she had the distinct sensation of carrying a fetus-the fetus of this divine spouse, of this sponsus who permeated her with his presence while distilling through her whole body something like a consolatio, or a suavitas, or a delectatio . .. something that she ended up calling copula intima percata, that is, an orgasm. 28 Like the Virgin of the Annunciation, Dorothy of Mantua doubtless experienced the Christ-like presence through the rhythmic beating of a prodigious operation that filled her at the very moment she thought she was drowning. The man who ate so as to rot better

ln conclusion, I will recount a shorter, seemingly less serious story. It is the story of a very gentle man who only liked honey. His whole life was spent promoting sweetness ànd eating honey. After a few years, his excrement itself seemed to have become honey. Later, after his death and according to his wish for eternal sweetness, he was placed in a stone coffin J. G. Frazer, Thegolden bough: spíríts ofthe com and ofthe wíld, London: Macmillan and Co, 1951, voI. V, parts I and II. 2. Ibid, voI. V, part II PP.I38-39. 3. Cf. Hippocrates, Des lieux dans l'homme, voI. XLII, Paris: Les Belles Lettres, I978, P.72, 2, ed. and trans. R. Joly. 4. E. Littré, Díctíonnaíre de la languefrançaíse (1866), Monte-Carlo: Editions du Cap, 1966, voI. III, P-4897. 5. J. G. Frazer, Thegolden bough, PP.I44-I45 . 6. Ibid, PP.I43. It begins to go without saying that eating, a contratío, the flesh of a chicken makes one cowardly-or that eating the flesh of a turtle keeps one fram running (ibid, PP.I39-I40). 7. Ibid, voI. V, part II PP.I5I-I53. This page is taken fram the sarne chapter, entitled "The homeopathic magic of a flesh diet," which points once again to the fact that we are beyond good and evil, and that in the rites of war (which are destructive) operate all the mechanisms common to the art ofhealing (which are curative). 1.

completely submerged in honey. One hundred years passed, during which his body ended Up dissolving in the honey. The coffin was opened and this substance was distributed to the sick, because it cured all sorts of afflictions. The story can be found in aChinese work entitled Tcho-keng lou, dating from 1366. The author specifies that the story is not native: "ln everyday Chinese, we say man ofhone1J; the foreign is mou-nai-yí." Now, this last term designates a mummy. The "honey" ofthe story is doubtless a bad (or too accurate) translation ofthe Arab or Persian, múmia, múmiâi, words that designate the bitumen or asphalt used in the Middle East to anoint cadavers who were to be mummified. 29 The magic honey of our story could thus originate from the singular commerce that linked the Middle East to all of Europe at that time, but which also spread to Japan and China: a pharmacopeia obtained from Egyptian mummies, a mummy powder to which-in order to make fun ofit, of course-Ambroise Paré devoted a small monograph. There he explains how the ancients used bitumen or asphalt "for the preservation of their bodies," before making honey or preserves ofthese bodies for the well-being ofliving bodies. 30 Why then do we eat so voraciously? For good and bad reasons. For reasons oflife, for reasons of death. For disparate, indeed contradictory, reasons, which nonetheless are not without reason. Eating helps us to kill better (that was the meaning of my first story). Eating helps us to die better (that was the meaning of my second story). Eating helps us to resurrect better (that is the very meaning ofthe eucharist). The last story teaches us that eating can be a means of rotting better, of furnishing others with the means not to die. As if the act of eating were sustained by something like a heuristics of death.

Georges Didi-Huberman Translatedfrom the French by Sheíla Faria Glaser.

Géza Róheim points to a large number of similar facts in his chapter on "The medicine man and the art ofhealing," Anímísm, magíc and the dívíne kíng, London: Kegan Paul, Trench, Trubner & Co., Ltd., 1930. 8. Frazer, voI. V, part II, p.I60. 9. J.G. Scholem, Le Messíanísmejuíf Essaís sur la spírítualité dujudaí"sme, (I97I) , Paris: Calmann-Lévy, 1974, P.285, trans . B. Dupuy [English translation mine-TRANS.] IO. Luke, XXII, 14-15 and 19. Matthew, XXVI, 26. Mark, XIV, 24. II. Mark, XIV, 18. Matthew, XXVI, 23. As for Luke, XXII, 2I: "But behold the hand ofhim who betrays me is with me on the table." I2. Matthew, XXVI, 29. Mark, XIV, 25. Luke, XXII, 16-18. 13· John, VI, 48-57. 14. John VI, 60-66. IS. Aline that contemporary theology tries vainly-and anachranistically-to sever. Here, the true lesson ofHernri de Lubac: "Here especially it would be wise to forget the separation, no matter how comfortable and raoted it may be other-

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wise, that is placed by so many modern treatises between "The Eucharist as sacrifice" and "The Eucharist as sacrament." Because the sacrament cannot be understood without the sacrifice in the course of which it is realized and to which, in its permanence, it retains a necessary reference: ln sacramento corporís Chrístí mors eíus annuntíatur; and for its part sacrifice is itself a sacrament [... ] " H. de Lubac, Corpus mystícum. L'eucharístíe et I'églíse au Moyen Age, Paris: Aubier, 1949, éd. revue, P.70. 16. Thomas Aquinas, Summa theologíae, IIIa, 80: De usu seu sumptíone huísíus scaramentí ín communí (Ofthe use ar receiving ofthis sacrament in general). [All English translations ofThomas Aquinas' text cited in this essay are taked from the translation by the Fathers ofthe English Dominican Province, vols. 4 and 5, Westminster, MD: Christian Classics, 1981,-TRANS]. 17. More precisely, "Just as for the spirituallife there had to be Baptism, which is spiritual generation (generatío),and confirmation which is spiritual growth (augmentum), so there needed to be the sacrament ofthe Eucharist, which is spiritual.food (alímentum)." Ibid., I1Ia, 73, 1. 18. John, VI, 54, commented on by Thomas Aquinus, Summa theologíae, I1Ia, 79, 2. 19. Thomas Aquinas, Summa theologíae, I1Ia, 82, 2. 20. Ibid, I1Ia, 79, 7. Matthew, XXII, 1-14. Cf. H. de Lubac, Corpus mystícum, op cit., P.27. 21. Thomas Aquinas, Summa theologíae, I1Ia, 79, 1. 22. John, VI, 56. 23. Hugues de Saint-victor, De Sacramentís, II, 8, P.L., CLXXVI, coI. 465C. 24. Sícut ením nos de uno pane et de uno calíce percípíentes, apartícípes et consortes sumus corporís Domíní. Raban Maur, cited in and commented on by H. de Lubac, Corpus mystícum, op. cit., P.32. Cf. also, PP.54-55. 25. Ibid., P.52: "The body ofChrist-comprising all the faithful as so many

203 Disparates sobre a voracidade Georges Didi-Huberman

members-will nourish itself on the flesh ofChrist: Ut símus ín eíus corpore, sub ípso capíte, ín membrís eíus, edentes carnem eíus. Thus spoke St. Augustine, whose language Bede and Alcuin contributed to vulgarizing. The marvelous prolongation ofIncarnation [... ] " 26. Acta Sanctorum, May, VII, P.492. 27. Ofthe abundant literary criticism, one could read two magnificent studies: André Vauchez, "Dévotíon eucharístíque et uníon mystíque chez les saíntes de lafín du Moyen Âge" [Eucharistic devotion and mystic union], Attí dei Símposío ínternazíonale catríníano-bernardíníano, Sienna: Accdemia senese degli Intronati, 1982, PP.295-300. C. W. Bynum, Holyfeast and holyfast: the relígíous sígnlfícance offood to medíeval women, Berkeley: University ofCalifornia Press, 1987. 28. Cited by André Vauchez, "Dévotíon eucharístíque et uníon mystíque chez les saíntes de la fín du Moyen Âge," art. cito PP.296-298. One could compare this passage with question-judged important enough by Thomas Aquinas to give rise to a whole article in Summa theologíae-Does nocturnal pollution hinder one from receiving the sacrament? (utrum nocturna pollutío ímpedíat alíquem a sumptíone corporís Chrístí). The response (affirmative, of course) is based on a prescription in Leviticus, XV, 16: "And if a man has an emission of semen, he shall bathe his whole body in water, and be unclean until the evening." Thomas Aquinas, Summa theologíae, I1Ia, 80,7· 29. Cf. H. Franke, "Das chinesische Wort für Mumie," Oríens, X. 1957, P.253-257. 30. A. Paré, "Díscours de la mumíe[sic]" [Discourse on the mummy], 1582, CEuvres Completes, Geneve: Slatkine Reprints, 1970, voI. III, P.476, ed. J-F. Malgaigne. Cf. aIs a R. Pécaut, Les mangeurs de momíe. Des tombeaux d'Egypte aux sorcíers d'Europe, Paris: Belfand, 1981.



África

curadoria Lorna Ferguson com assistência de Awa Meite texto Thomas Mulcaire e Lorna Ferguson

A tempestade

segundo William Shakespeare e Aimé Césaire

Nomes dos Delegados à Conferência

diretorde uma fundação americana filantrópica para o estilo na arte editorde uma revista sobre arte africana contemporânea PROSPERO diretor bem assimilado de uma galeria nacional, em um país africano não identificado ANTON 10 irmão de Prospero, curador independente, conhecido por atribuir indevidamente a si mesmo todas as teorias sobre a África FERDINAND um curador estagiário GONZALO um velho essencialista, pomposo, mas honesto ADRIAN e FRANCISCO colecionadores CALlBAN um modernista africano selvagem, mas em forma TRINCULO o editor da Flash Art STEPHANO um crítico marxista bêbado ALONSO

SEBASTIAN

o CAPITÃO DO NAVIO NEGREIRO UM FUNCIONÁRIO DO SETOR DE EDUCAÇÃO DO MUSEU

um habitante local

MARIN H EI Ros/EQUI PE DE ASSISTENTES DO MUSEU MIRANDA filha

de Prospero, aluna de Robert Hewison ARIEL um escritor-filósofo, aprisionado no corpo de um engenheiro A SOMBRA DE LÉOPOLD SÉNGHOR O FANTASMA DE OSWALD DE AN DRADE O FANTASMA DE ROLAN O BARTH ES O FANTASMA DE PICASSO O FANTASMA DE AN DRÉ MALRAUX O FANTASMA DE FRANTZ FANON OXUM ORIXÁS DO CANDOMBLÉ GARÇONS DE BAR CAFETÕES e PROSTITUTAS

Touhami Ennadre Baby screaming Bebê gritando fotografia 160x 130cm 205 África Lorna Ferguson e Awa Meite


Cenário: Dacar, Senegal. Um navio negreiro ancorado, metade submerso, ao largo da Ilha de Gorée. Não fica muito claro se é uma peça de museu ou um navio que ainda funciona. Prólogo

Deve ser cantado ao som de No woman no cry, de Bob Mar/ ey l. o CAPITÃO DO NAVIO NEGREIRO: Com o passardo tempo, o fato de Caliban ter recuperado sua ilha provou ser um triunfo em termos, já que a autonomia de sua nação emergente ficou muito mais comprometida do que havia sido imaginado por uma geração de nacionalistas mais otimistastanto políticos quanto escritores- que presenciaram a chegada da independência. Os terceiromundistas têm achado difícil extrair da peça analogias com essas novas circunstâncias, nas quais Prospero, tendo renunciado oficialmente à sua autoridade sobre a ilha, continua, com tanta freqüência, a manobrá-Ia à distância. A pertinência em declínio da peça em relação à África contemporânea e ao Caribe tem sido exacerbada pela dificuldade de se arrancar dela qualquer papel para a rebeldia ou a liderança da mulher, num período em que o protesto, cada vez mais, vem daquelas bandas 2 • Ato 6, cena 1 3

Em um navio no mar: ouve-se o barulho tempestuoso de turistas afro-americanos e dos delegados à conferência que se escondem. Entram o Capitão do Navio Negreiro e o Funcionário do Setor de Educação do Museu. CAPITÃO: Funcionário da Educação! FUNCIONÁRIO: Aqui estou, capitão. O que há? CAPITÃO: Temos convidados. Dirija-se imediatamente aos guias. Diga-lhes que falem algo politicamente correto ou o museu será coisa do passado. Sai o Funcionário da Educação. Ouve-se retórica nos bastidores. Entra a Equipe de Assistentes do museu, em trajes de marinheiro. Ouve-se uma gravação de uma comunicação lida em Bruxelas por WI LLY BAL: Vejo todos estes homens despojados de sua humanidade e depois registrados e considerados apenas como "peças de ébano". Ouço Sua Majestade Cristianíssima lançando seus navios ao mar, numa conquista "das almas e das especiarias". O arcabouço carnal, que encerra as almas, pode ser esvaziado pelo escorbuto e pela disenteria, porque, aconteça o que acontecer, a alma será salva pela graça do batismo. As especiarias, no entanto, precisam chegar a salvo ao porto, com ,seu sabor intacto e prontas para desencalhar o tesouro real. Ilha de Gorée: pôr-do-sol em um mar encapelado, contemplado entre as barras da cela , do cativeiro. O confinamento encarando a infinidade de um horizonte livre. Quem jamais revelará o desespero secreto ou gritante daqueles corações de madeira de ébano?4 Entram o Funcionário da Educação, Alonso, Sebastian, Antonio, Ferdinand, Gonzalo e outros. ALONSO: Você aí. Onde está o capitão? Diga alguma coisa. FUNCIONÁRIO: Rogo-lhes que voltem para a sua conferência. ANTON 10: Onde está a teoria? FUNCIONÁRIO: Não a ouvem? Os senhores prejudicam nosso trabalho: Não digam nada, os senhores assistem à tempestade. GONZALO: Sabe com quem está falando? FUNCIONÁRIO: Quando o mar está como está, o que importam estas ondulações, em nome do rei? Para a conferência e em silêncio! Não nos perturbem! GONZALO: Está bem, mas lembre-se de quem patrocina este navio. FUNCIONÁRIO: Claro, aquele que paga minha viagem, mas para que os senhores estariam me pagando se não fosse para cond uzi r? O sen hor é um mem bro enfadon ho, ordene a estes delegados

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que fiquem em silêncio. Em seus quartos no hotel, preparem-se para o infortúnio do que está por vir, para o fim da hegemonia ocidental, e agradeçam por seus dogmas terem durado tanto tempo. Saiam de nosso caminho. Sai o Funcionário da Educação perseguido por um grauador. ALONSO: Este sujeito me reconforta: acho que não traz marcas de afogamento; seu aspecto é perfeito para a execução. Não precisamos tomar mais nen h u ma atitude, a não ser presenciar seu enforcamento: fazer da corda de seu destino nosso cabo submarino. Se ele não nasceu para ser enforcado, então nosso orçamento foi desperdiçado. Volta o Funcionário da Educação. FUNCIONÁRIO DA EDUCAÇÃO: Mantenham o novo curso. Uma praga nesta embarcação! Eles fazem mais zorra do que o vento ou do que qualquerfuncionário de nosso escritório. ANTON 10: Ele ainda será enforcado, ainda que cada gota d'água jure o contrário. E escancarem a boca ao máximo para degluti-lo. Um barulho confuso no interior do nauio: Tenham piedade de nós!-Nos separamos, nos separamos!Adeus, minha irmã!-Adeus, irmão!-Nos separamos, nos separamos, nos separamos! SARAT MAHARAJ: O Congo está inundando a Acrópoles. ANTON 10: Afu ndemos todos com o rei. FERDINAND: Vamos nos despedir dele. Saem Ferdinand e os demais. SEBASTIAN: Daria eu mil palavras em troca de um acre [quatro mil metros quadrados] de pintura. Prefiro uma morte seca. Garçom! Saem. Ato 6, Cena 2

Sala de conferências. Uma mesa e, sobre ela, dois copos com água. Entram Prospero e Miranda, trazendo tratados sobre a genealogia do status quo. Caliban e centenas de outrosjá estão sentados, com aparelhos de tradução simultânea nos ouuidos. Um microfone passa de mão em mão. PROSPERO (pigarreando ruidosamente): A guardiã da verdadeira arte contemporânea é a tradição. CALlBAN: Tradição de quem? PROSPERO: Minha querida menina ... a tradição da vanguarda, tal como improvisada em exposições, igual àquela em que você tem a sorte de estar exposta atualmente! Bom ... como dizia Ad Reinhardt em 1953, antes que você me interrompesse: "Os Seis Cânones Gerais ou os Seis Nãos que devem ser memorizados são: (1) Não ao realismo ou ao existencialismo. "Quando o vulgare o lugar-comum predominam, o espírito se abate." (2) Não ao impressionismo. "O artista deve livrar-se para sempre da servidão da aparência." "O olho é uma ameaça à visão clara." (3) Não ao expressionismo ou ao surrealismo. "O desnudamento de si próprio", autobiograficamente ou socialmente, "é obsceno". (4) Não ao fauvismo, ao primitivismo ou à art bruto "A arte principia pelo ato de nos livrarmos da natureza." (5) Não ao construtivismo, ao plasticismo escultórico ou às artes gráficas. Não à colagem, à massa, ao papel, à areia ou ao cordão. "A escu Itu ra é um exercício muito mecânico, que provoca muita transpiração, a qual, misturando-se com areia grossa, transforma-se em lama." (6) Não ao "trompe-I'oeil", à decoração de interiores ou à arq uitetu ra. As qualidades costumeiras e as sensibilidades comuns dessas atividades situam-se fora da arte livre e intelectual 6 • The tempest A tempestade 1998 delegados de conferência [conference delegates] foto Abrie Fourie

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Esta forma me pertence: trata-se de um curioso hábito europeu, de negare se apropriar, em diferentes épocas, por razões de conveniência ou de oportunidade. Você me ensinou a língua e o que lucrei com isso é que agora sei como amaldiçoar. ALONSO: Mas se a arte deve exercer algum efeito prático sobre como as pessoas conduzem suas vidas, ela deve ser capaz de funcionar de modo completamente diferente. A revolução na arte tem de ser alcançada por meio da destruição do conceito burguês e convencional da arte? CALI BAN : A denúncia abstrata de todo e qualquer aspecto da sociedade burguesa como algo terminalmente contaminado ... é, em si mesma, um sintoma do ódio burguês a si mesm0 8 • MIRANDA: A tentativa de revolução fracassou completamente: 'a partir do momento em que o mictório público ou de jardim, de Duchamp, assinado pelo fictício R. Mutt, passou a fazer parte da coleção permanente de u ma galeria de arte, acabou abri ncadei ra .. . [Ao] pôr abaixo as institu ições de arte, a vanguarda tornou-se sua própria instituição e, assim, nega seu próprio objetivo ... Isso não significou o fimda arte como uma atividade que se refere a si própria, mas quer dizer que a vanguarda, tal como foi compreendida na primeira metade do século XX, realmente te rminou . Em seu lugar sobrevive uma nova vanguarda, incorporada a uma versão oficial da produção cultural, que reserva um lugar especial para o novo e o experimental: o abrigo protegido, conhecido como museu de arte moderna 9 • CALlBAN : Isso para não falar das bienais. ADRIAN PI PER : É tão divertido observar como os argumentos de que já não existem mais margens sempre parecem virdaqueles que estão no centro. Assim como é divertido notarcomo os argumentos de que já não existe mais vanguarda sempre parecem virdaqueles que obtiveram a maiorquilometragem econômica devido ao fato de fazerem parte dela 10 . MIRANDA: Com o modernismo incorporado à cultura oficial do governo e das instituições, o pape l de oposição que a vanguarda poderia terdesempenhado outrora foi absorvido pela visão de mundo à qual essa mesma vanguarda se opunha 11 . CALlBAN: A era pós-colonial e pós-moderna é simplesmente uma era de "imperialismo sem colônias" 12. Não se abdicou da autoridade sobre um território; o que existe é simplesmente um controle remoto contínuo. MI RAN DA: É um si nal da confusão cu Itu ral do fi nal do sécu lo XX, o fato de não haver uma defi nição única do pós-moderno. O termo começou a ser usado na América na década de '960 ... 13 CALlBAN: Está se referindo aos Estados Unidos da América? MI RAN DA: . . . por um lado, o termo foi empregado positivamente, para descrever a ruptura com o alto modernismo elitista por parte dos artistas pop e da contracultura; e por outro lado, negativamente, para descrever a queda dos princípios do modernismo, que essas formas e atitudes representavam 14 . STEWART HOM E: OS "ismos" são categorizações emocionais e um exame mais detido reve la com freqüência que eles são intelectualmente incoerentes 15. MI RAN DA: De qualquer modo, isso foi encarado tanto pelos artistas quanto pelos críticos de arte como uma ruptura definitiva com o moderno. Na década de '970 ... a ruptura com o modernismo parecia oferecer novas possibilidades, na medida em que já não mais existiam quaisquer regras a ser aplicadas a um livre mercado de estilos. Mas onde o modernismo na arte e na arquitetura impl icou em renovação, o pós-modernismo significou unicamente a reciclagem de estilos ... 16 CALlBAN : Inclu indo os do próprio modernism0 1? MI RAN DA: Inevitavelmente, nu m período que percebe a si mesmo em termos de algo que chegou ao fim, o pós-modernismo é definido em termos daquilo que ele não é, a começar pela ausência de qualquer definição sobre si mesmo. Na condição pós-moderna, não mais existe a crença em qualquer CALlBAN:

Ahmed Makki Kante registro fotográfico da pun ição de um ladrão de te levisão [photographic record of a television robber] Mauritânia, 1988

209 África Lorna Ferguson e Awa Meite


sistema grandioso que abarcará e resolverá todos os problemas do mundo por meio de uma única explicação. Nenhuma "narrativa grandiosa", tal como a oferecida pelo marxismo, é possível, pois já não existem mais explicações abrangentes para justificar um sistema tão totalizante-e, portanto, totalitário. Já não existem mais utopias, embora as distopias sejam abundantes, do Gulag ao Cam boja, passando pelos guetos da América 18 • CALlBAN: Está se referindo aos Estados Unidos? MIRANDA:

As teorias filosóficas que ofereceram explicações sobre o mundo, após a década de 1960-

o estruturalismo e o pós-estruturalismo-são profundamente pessimistas, pois parecem negar a possibilidade de se agir sobre aquilo que tais explicações oferecem, ao negarem, em essência, que a vontade individual existe. Somos ou prisioneiros da linguagem ou náufragos em um oceano de ideologia, e em nenhum desses casos exercemos qualquer controle. A linguagem nos fala, a ideologia nos molda, ao perseguir seus próprios fins 19 • CALI BAN:

Este é um texto secu ndário. Mas se relevarmos o fato de você apresentar sob u ma nova

forma dilemas pós-modernistas bem conhecidos, e se superarmosas ansiedades em relação ao fato de quão esco rregadio é o pós~modernismo quando se trata de defini-lo, acho que podemos chegar à questão mais interessante, de como a definição pós-moderna da subjetividade (isto é, de que o tema se torna virtualmente não existente) afeta a possibilidade de se efetuar uma mudança (política ou em outros planos). Na África, estamos começando a definir uma subjetividade que não cai nas velhas definições humanistas do tema, mas que se reporta à subjetividade volitiva de um modo que possibilita a ação política. Com base nisso, estamos perfeitamente cientes de que o pós-modernismo e o pós-colonialismo muito freqüentemente são encarados como sinônimos, o que não é absolutamente o caso. O pós-colonialismo não pode e não deve aceitar que o tema fique completa e absolutamente sujeito a forças externas, não se é para serefetivada uma mudança política. A outra área que necessita ser problematizada é a intersecção, por demais cômoda, de gênero e raça, dUas outras categorias freqüentemente separadas apenas por vírgulas, tal como ocorre em "raça, gênero e classe", quando, na verdade, o relacionamento entre elas não é assim tão simples 2o • o FANTASMA DE ROLAND BARTHES: Até agora só existe uma única escolha possível, e ela somente pode se reportar a dois métodos igualmente extremos: ou postular uma realidade inteiramente permeável à história e ideologizar, ou, ao contrário, postular uma realidade que, em última análise, é impenetrável, irredutível e, neste caso, poetizar. Em uma palavra, ainda não vislumbro uma síntese entre a ideologia e a poesia 21 • AYI KWEI ARMAH: PROSPERO :

Aqueles Que São Belos Ainda Não Nasceram 22 , ainda.

Conforme Ad estava dizendo, as Doze Regras Técnicas (ou Como Alcançar as Doze

Coisas a Serem Evitadas) são: (1) Não à textura. A textura é natural ista ou mecânica e é uma qualidade vulgar, sobretudo a text ura de pigmento ou empasto. Riscar a palheta com faca, esfaquear a tela, esbater a tinta e outras técnicas de ação são desprovidas de inteligência e devem ser evitadas. Não aos acidentes e ao automatismo. (2) Não às pinceladas e à caligrafia. Escreve r à mão, trabalhar com a mão e arremessar com a mão são atos pessoais ede mau gosto. Nãoà assinatura e à marca registrada. "A pincelada deve se r invisível." "Jamais se deve permitirque a influência de demônios d iabólicos exerçam controle sobre o pincel."

Ouve-se o bate-boca de Adrian e Francisco nos bastidores, tornando inaudível a colocação número 3. PROSPERO :

(4) Não às formas . "Aquilo que existe de melhor não tem forma ." Não à figura ou ao

primeiro-plano ou cenário. Não ao volume ou à massa, não ao cilindro, à esfera ou ao cone , ou cubo ou boogie woogie. Não ao empu rrarou puxar. Não à forma ou substância." (5) Não ao desenho. William Kentridge II ritorno d'Ulisse [The return of Ulysses] fragmentos de desenhos para a animação [fragments of drawings for the animation] 1998 giz branco sobre gouache preto sobre papel [white chalk on black gouache on pape r] 88x120cm

210 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros .. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."



Malick Sidibé Un Yéyé en position Um Yéyé em posição 1963 fotografia C.AAC. The Pigozzi Collection, Genebra Pique-nique à la chaussée Piquenique na calçada [Picnic on the sidewalk] 1976 fotografia CAA.C. The Pigozzi Collection, Genebra

212 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


213 Ă frica Lorna Ferguson e Awa Meite


"O desenho está em toda parte."(6) Não às cores. "A corcega." As cores são um aspecto da aparência e, assim, apenas da superfície. "As cores são selvagens, instáveis, sugerem vida", "não podem sercompletamente controladas" e "deveriam ser encobertas". As cores são uma "distração ... "23 CALlBAN: Onde você vai pararde me dizerque eu falo pelos cotovelos, como um irracionaL .. ? STEFANO: Não quero causar problemas Só que não darei aquele passo de doze fases Prefiro um whiskey sour A me embebedar a seco com meu Higher Power... 24 CALI BAN: Embora boa parte da arte que se seguiu ao eclipse do modernismo tenha sido caracterizada por uma heterogeneidade da mídia, a pintura recusou-se a morrer. E onde a pintura é realizada, a estética jamais fica muito atrás. É bem verdade que a questão do meio per se já se retraiu da linha de frente das preocupações, mas o quê da pintura faz, e sempre fará, parte de nossa apreensão por meio do como da feitura. Com efeito, a pintura mostrou-se notavelmente flexível no período que se seguiu à exaustão de seu paradigma moderno mais significativ0 25 • ROBERT MORRIS: O modo tornou-se antig0 26 • VICTOR BURGIN: O revestimento de tecidos com lama colorida 27 • CALlBAN: Aquele que precisa fazer algo inteiramente novo deixe-o engolir sua própria cabeça 28 • KENDELL GEERS: As sombrias realidades da experiência africana impediram a visão e a prática modernistas de se enraizarem efetivamente em sua forma mais pura. Tanto na África tradicional como na moderna, a obra de arte permanece inevitável e intrincadamente conectada à vida e à cultura do artista, traduzindo-se em um "Princípio da Realidade" que interrompe e interfere com a "suspensão da realidade", necessária para se manter o esteticismo essencialmente escapista do alto modernism0 29 • CALlBAN: Não obstante, certas formas de pintura, que freqüentemente envolvem um hibridismo de técnicas e uma mistura com outros meios, sobreviveram à morte do modernismo canônico e ajudaram a mantervivo o conceito indefinível, porém fundamental, daquilo de que algo necessita para ser interessante enquanto arte. Com isso não se querdizerque a questão da estética não seja uma das mais férteis da arte contemporânea ... o conceito da estética representou uma tentativa de mediação entre o racionalismo unilateral e o fluxo da sensação. Ela se baseia na dupla crença de que, por assim dizer, o sentimento pertence à mente tanto quanto o pensamento é incorporad0 30 • A SOM BRA DE LÉOPOLD SÉNGHOR: A razão é helênica e a emoção é negra 31 • o FANTASMA DE OSWALD DE ANDRADE: Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós 32 • A SOMBRA DE LÉOPOLD SÉNGHOR: Os jovens intelectuais africanos, que leram Marx sem prestar muita atenção e que ainda não estão completamente curados do complexo de inferioridade neles incultido pelos colonizadores, criticam-me porter reduzido o modo africano de conhecimento à pura emoção, por ter negado que existissem uma "racionalidade" africana e uma tecnologia africana. Devem ter lido o que escrevi com a mesma desatenção com que leram os socialistas científicos. Éfato que existe uma civilização européia branca e uma civilização africana negra. Aquestão consiste em explicar suas diferenças e as razões dessas diferenças, algo que aqueles que me contestam ainda não fizeram 33 • TSENAY SEREQUEBERHAN: Os marxistas-Ieninistas, sem dúvida, responderam esta questão à sua própria maneira. Para eles não se trata de uma civilização "branca" ou "negra", caracterizada-no nível básico da descrição ontológica-por uma diferença qualitativa quanto às espécies da existência humana. Para os marxistas-Ieninistas, é mais uma questão do desdobramento seqüencial, singular e quantitativamente uniforme, da simbiose dialética, historicamente universal, entre homem e

214 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


natureza. O que Sénghorvê como uma diferença qualitativa em espécies de "civilização" entre difererites grupos humanos - indo-europeus, por um lado, e arabo-bérberes e negro-africanos, por outro- o marxistaleninista explica como uma regressão ou progressão quantitativa, um subdesenvolvimento ou desenvolvimento, na evolução da relação seqüencial e ontologicamente distintiva do homem com a natureza. Esta relação - o controle técnico da natureza-é ordenada de acordo com determinadas injunções da dialética histórica e da transformação estrutural. O controle técnico da natureza ou sua ausência é, portanto, para o marxistaleninista, o padrão "verdadeiro" e único, pelo qual a progressão ou regressão dos grupos humanos e da humanidade como um todo são historicamente aferidas e tabuladas. Mas será que "coisas" tais como a progressão ou a regressão de grupos humanos podem ser medidas sem que se faça um pré-julgamento das evidências, no próprio ato de se proceder à tabulação?34 A SOMBRA DE LÉOPOLD SÉNGHOR: ••• é

impossível negar a arte negra por muito tempo, sobretudo

porque os europeus foram os primeiros a descobri-Ia e a defini-Ia; os negros africanos preferiram vivenciá-Ia. Ela tem sido defendida por destacados artistas e escritores europeus, de Pablo Picasso a André Malraux, cuja presença aqui saúdo como uma prova convincente 35 . o

FANTASMA DE OSWALD DE ANDRADE:

A SOM BRA DE LÉOPOLD SÉNG HOR:

Só me interessa o que não é meu 36 .

E isso para não falar dos escritores e artistas negros da África e dos

Estados Unidos que, nos anos do entre-guerra e após '945, obtiveram reconhecimento em um mundo muitíssimo fragmentado e que, portanto, procuráva a unidade e a autenticidade. Assim, porque as pessoas não tinham como negar a arte negra, elas quiseram minimizar sua originalidade, sob o pretexto de que essaarte não detinha o monopólio sobre a emoção ou sobre as imagens analógicas e até mesmo sobre o ritmo. E é inegável que todo verdadeiro artista é dotado de todos esses dons, qualquer que seja seu continente, raça ou naçã0 37 .

J I M M I E DU RHAM: Quero voltar à colocação de meu am igo sobre a arte como i nvenção eu ropéia. No geral, não discordo dele. Só que não tenho certeza quanto a três termos de sua declaração: "arte", "européia" e "invenção."38 DOUGLAS CRIMP: Uma das primeiras aplicações do termo "pós-modernismo" às artes visuais ocorre em "Other criteria", de Leo Steinberg, durante uma discussão sobre a transformação, efetuada por Robert Rauschenberg, da superfície do quadro, resultando naquilo que Steinberg denomina uma "~Qtbed", referindo-se, significativamente, a uma prensa tipográfica. Este plano de pintura ~Qtbed é um tipo inteiramente novo de superfície de pintura que, de acordo com Steinberg, efetua "a mais radical mudança no tema da arte, a mudança da natureza para a cultura". Isso querdizerque a ~Qtbed é uma superfície que pode receber um vasto e heterogêneo conjunto de imagens e artefatos culturais, que não eram compatíveis com o campo pictórico, tanto da pintura pré-modernista quanto modernista. Uma pintura modernista, na opinião de Steinberg, retém uma orientação "natural" para a visão do espectador, que o quadro pós-modernista abandona 39 . KEN DELL GEERS: Tem sido sempre uma estratégia de sobrevivência africana reciclaros objetos, imagens e ideologias estrangeiras. Em arte, precisamos criar, imbuídos desse espírito, uma arte povera política, que toma de assalto e seqüestra as linguagens e códigos internacionais (historicamente definidos), que os tortura e interroga até que revelem sua verdadeira natureza e identidade. Então, de acordo com a estratégia que melhor conhecemos, a do Combatente pela Liberdade ou do Terrorista, colocar bombas em pontos estratégicos para que explodam com o máximo de impacto lingüístico e semântic0 4o . Discourse Dacar,1998 foto Abrie Fourie

215 África Lorna Ferguson e Awa Meite



exibindo o dom político inestimável de ser capaz de dormir com os olhos abertos-e a beleza disso tudo-só um pouquinho apertados. Como os olhos de uma pessoa atenta, prestando uma atenção receptiva e benevolentemente crítica ao que quer que esteja acontecendo, grita: Vive la Sécheresse!41 A sessão plenária se encerra na maior balbúrdia. Caliban assume o controle da conferência e instala Mudimbe e Ngugi na mesa dos conferencistas. CALlBAN: Em relação ao Continente Negro, começa-se a entenderque o verdadeiro poder deles não estava absolutamente nos canhões da primeira manhã, mas naquilo que se seguiu aos canhões. Assim, por detrás dos canhões estava a nova escola. A nova escola possuía a natureza tanto do canhão quanto do ímã. Do canhão, ela extraiu a eficiência de uma arma de guerra. Mas, melhor do que o canhão, ela tornou a conquista permanente. O canhão força o corpo e a escola fascina a alma 42 . NGUGI WA TH ING'O: O verdadeiro objetivo do colonialismo era controlar a riqueza do povo: o que produzia, como produzia e como isso era distribuído; controlar, em outras palavras, toda a esfera da linguagem da verdadeira vida. O colonialismo impôs seu controle sobre a produção social da riqueza por meio da conquista militar e da subseqüente ditadura política. Sua área de dominação mais importante foi, porém, o universo mental do colonizado, o controle, pela cultura, de como as pessoas se viam e como viam sua relação com o mundo. O controle econômico e político jamais poderá ser completo ou eficaz sem o controle mental. Controlar a cultura de um povo é controlar seus instrumentos de autodefinição em relação aos outros. Para o colonialismo, isso envolvia dois aspectos do mesmo processo: destruirou subestimar propositalmente a cultura de um povo, sua arte, danças, religião, história, geografia, educação, oratória e literatura, e exaltar conscientemente a língua do colonizador. O domínio da língua de um povo pelas línguas das nações colonizadoras foi fundamental para o domínio do universo mental do colonizad0 43 . A SOMBRA DE LÉOPOLD SÉNGHOR: Nós nos exprimimos em francês, pois o francês tem uma vocação universal e nossa mensagem também se dirige ao povo francês e a outros povos. Em nossas línguas, a aura que rodeia as palavras é, por natureza, meramente constituída de seiva e sangue; as palavras francesas irradiam milhares de raios, como diamantes 44 . FRANTZ FANON: Não percamos tempo com litanias estéreis 45 . V.Y.MUDIMBE: Sugiro considerarmos as obras de arte africanas do mesmo modo como consideramos os textos literários, isto é, como um fenômeno (narrativo) lingüístico, assim como circuitos discursivos 46 • ••• Em primeiro lugar, coloca-se a questão de saber quem pode ou deve falarvalidamente sobre a África e a partirde qual ponto de vista. Em segundo lugar, existe a questão de se promover "discursos" sobre os outros, agora que aprendemos uma lição essencial com a crítica ao discurso missionário e antropológico: os "selvagens" sabem falar, não apenas quando sua própria existência e suas tradições estão em jogo, mas também quando se trata de avaliar procedimentos e técnicas que dizem respeito à descrição de sua existência, de suas tradições e crenças47 . CALI BAN: Sim, não se fica parado num lugar para se observar uma pantomima48 . v. Y. MUDIMBE: Para o artista formado nas oficinas e escolas de arte da era colonial, o currículo ali adotado prescreveu reflexos e reações vigorosas. Até mesmo nas instituições mais conservadoras, a educação significava uma conversão, ou pelo menos uma abertura, para outra tradição cultural. Para todos esses artistas, a realidade orgânica de uma modernidade se incorporava ao discurso, aos valores, à estética e à economia de troca do colonialismo. Em conseqüência, poderíamos ser seduzidos pelo sistema geral de Edmund Leach, de oposições entre as duas tradições, e poderíamos formular uma hipótese sobre uma cautelosa competição entre elas: quanto mais tradicional a inspiração para uma obra de arte, menos sua configuração geral e seu estilo possibilitariam uma PROSPERO,

Candice Breitz Rainbow series #5 Série arco-íris nº5 edição de 3+PA [edition of 3+AP] 1996 cibacromo 152x102cm

217 África Lorna Ferguson e Awa Meite


clara avaliação das qualidades de suas formas, de seu conteúdo e das habilidades técnicas de seu criador; inversamente, quanto mais ocidentalizada uma obra, mais facilmente um observador poderia estabelecerdistinções entre esses elementos constitutivos. A sugestão de Leach é brilhante, mas infelizmente ela não se reporta à difícil questão dos estilos, das "propriedades formais de uma obra de arte", que constitui a especificidade essencial de uma tradição artística49 . AIMÉ CÉSAIRE: A Europa é incapaz de se justificar, seja diante do tribunal da "razão", seja diante do tribunal da "consciência"; e ... cada vez mais ela se refugia numa hipocrisia tanto mais odiosa por que se mostra cada vez menos capaz de iludir50 . NGUGI WA THING'O: Em resumo, o objetivo consiste em nos orientarmos para colocar... a África no centro. Tudo o mais deve ser considerado em relação à sua relevância para nossa situação e quanto à sua contribuição para que nos compreendamos a nós mesmos ... Ao fazermos esta sugestão, não estamos rejeitando outras correntes, sobretudo a corrente ocidental. Desejamos [simplesmente] firmar a centralidade da África ... Isso é justificável porvários motivos, sendo o mais importante deles o fato de que a educação é um meio de conhecimento em relação a nós mesmos. Portanto, após nos examinarmos, irradiamos para fora e descobrimos poyos e mundos em torno de nós. Com a África no centro das coisas, não existindo como um apêndice ou um satélite de outr~s países e literaturas, as coisas precisam servistas a partirda perspectiva africana 51 . A SOMBRA DE LÉOPOLD SÉNGHOR: Não é simplesmente uma questão de defendera arte negra do passado ... é mais o caso de comemorá-Ia, demonstrando que ela é... uma fonte torrencial, inexaurível, um componente essencial da Civilização Universal, que está adquirindo forma diante de nossos próprios olhos, por meio de nós e para nós, por meio de cada um de nós e para todos nós 52 . KENDELL GEERS: Vai levar muito tempo até que os Sex Pistols sejam realmente compreendidos no "Continente Negro"53. DICK H EBDIG E: O discurso sobre o pós-modernismo é fatal e fatalista; a cada momento a palavra "morte" surge para nos engolir: "morte do tema", "morte da arte", "morte da razão", "fim da história"54. ARIEL: ... existe uma identificação com a morte no próprio fundamento das mais significativas ideologias africanas. "Negritude", "personalidade africana", "pan-africanismo". Refiro-me à identificação-devido a razões boas, sagradas e altamente respeitáveis-com os milhões de vítimas do tráfico de escravos e também à identificação com aqueles que resistiram ao processo de colonização e foram mortos. Esta identificação se faz acompanhar por formas de introjeção e incorporação, que apresentam sinais explícitos e conflitantes de um desejo e de uma recusa em morrer. No entanto, essas ideologias africanas de auto-afirmação também são assombradas pelo espectro da morte cultural, queelas associam, porexemplo, às políticas francesas de assimilação. Finalmente, temos de levar em consideração a representação simbólica da morte, o silêncio do conquistado que, no divã do psicanalista, representa outro silêncio, o vergonhoso e sólido silêncio de homens que se descobrem incapazes de explicar a seus filhos o que aconteceu. Aqueles que se submeteram agora se confrontam com dúvidas a respeito de si mesmos, querem saber o que está errado com eles e encaram uma terrível pergunta: será possível que o outro, o "conquistador" ou o "colonizador" tenha uma resposta para a constrangedora situação em que se encontram? Ele tem uma resposta, sim. Notemos, porém, algo mais. Outro silêncio, esse assustador, subsiste na economia geral das novas palavras, línguas e teorias africanas, comentando a catástrofe e articulando, de um novo modo, outros objetos de desejo: as mulheres africanas, ao que parece, não falam. Em todo caso, sua presença, até muito recentemente, tem sido marcada pelo silênci0 55 . Georges Adéagbo Le siege de location A sede de locação [The location head quarters] 1998 instalação de objetos encontrados e documentação [installation of found objects and documentation] 2000x300cm

218 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."



A experiência da civilização nas encantadas florestas culturais do modernismo e do pós-modernismo europeus não foi escolha minha. Meu silêncio, feito de contemplação, iniciação, aceitação e ação, embala os homens de minha raça e os povos colonizadores na ilusão de que eu não tenho voz, sentimentos ou expressão criativa. Entenda que minha derradeira evasão está em um acasalamento forçado, que produz novas vozes e modos de expressão. Eu crio interminavelmente, falando de um modo que você não se digna a reconhecer. Em voz alta, repetidamente, monotonamente, meus empenhados esforços são declarados invisíveis ou depreciados como algo derivativo, ultrapassado, comercial e de pouca importância; são efusões ingênuas e primitivas, que servem aos gostos mal formados dos turistas culturais. No entanto, minhas obras são contemporâneas de minhas necessidades e de minha situação. As opiniões dos conquistadores levam-me a ser ativo e não reativo. Escolho propositalmente minha clareira nas florestas. No entanto, quando você, meu conquistador, visita minha cela para tocar, cheirar e possuir ilicitamente as formas que você ama e detesta, pensa que minha silenciosa fortitude é aquiescência e avilta o corpo de meu conhecimento. Apresente suas armas da circuncisão criativa, mas saiba o seguinte: o silêncio de nossas mulheres não é uma catástrofe, é simplesmente a prolongada e ativa modorra da liberdade 56 • FRANTZ FANON: No mundo pelo qual viajo, crio-me incessantemente ... E é por ultrapassar a hipótese histórica e instrumental que iniciarei o ciclo de minha liberdadeS? CALI BAN:

Epílogo

Ouve-se música. Entram Oxum e os orixás do candomblé, gingando e dançando com gestos de saudação, convidando todos os delegados da conferência a participar. Cantam ao som de Baayo, de Baaba Maal s8 • CALI BAN : A África apresentada pelo Outro É uma lenda em que quase chegamos a acreditar. A tradição africana, conforme surge à luz do presente Também pode ser uma lendaMas a lenda em que a inteligência africana acredita. É nosso legítimo direito declarar Autênticos, corretos e verdadeiros Aqueles componentes de nosso passado que acreditamos ser assim. Saem de cena. Thomas Mulcaire e Lorna Fergusson. Traduzido do inglês por Carlos Eugênio Marcondes de Moura.

Exhibition-Soly Cissé Exposição-Soly Cissé Dacar,1998 foto Abrie Fourie 220 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


1. Bob Marley, V. Ford, No woman no cry, Bob Marley and the Wailers, Live, Island Records, 1975. 2. Rob Nixon, "Caribbean and african appropriations ofThe Tempest", Criticai inquiry, vo1.13, n.3, (primavera de 1987), P.577. 3. O valor de The tempest [A tempestade] para os intelectuais africanos e caribenhos foi desaparecendo aos poucos, à medida que o enredo se consumou. Falta à peça um sexto ato, que poderia ter tido a função de representar as relações entre Caliban, Ariel e Prospero, quando eles ingressaram numa era pós-colonial. Rob Nixon, op. cit., P.576. 4. Willy Bal, "Confidences d'un wallon 'wallonant' et'tiersmondialiste"', Bulletin de l'Academie Royale de Langue et Littérature Françaises, n.68 (junho 1990), P.105-115. 5. SaratMaharaj, "TheCongo isfloodingtheAcropolis", Interrogating identity, New Yori<: Grey Art Gallery, New Yori< University, 1991- 199 2, P·13-4 2. 6. Ad Reinhardt, "Twelve rules for a new academy", 1953, Art news 56, n·3 (maio 1957), P·37-3 8 . 7. Adaptado de Robert Hewison, Future tense: a new art for the nineties, Londres: Methuen, 1990, P-48. 8. Bob Blaci<, Beneath the underground, Portland: Bob Blaci< and Feral House, 1994, P.171. 9. Robert Hewison, op.cit. 10. Adrian Piper, nota de rodapé em "The triple negotiation of colored women artists", Next generation: south blacl< aesthetic, Winston-Salem: SECCA, 1990, p.21. 11. Robert Hewison, op. cit., P.37. 12. Harry Magdoff, "Imperialism without colonies", Studies in the theory ofimperialism, Nova Yori<: Owen & Sutcliffe, 1972. 13. Robert Hewison, op. cito 14- Ibid. 15. Stewart Home, The assault on culture: utopian currentes from lettrisme to class war, Sti rli ng: A. 1<. Press, 1991, p.106-1 07. 16. Robert Hewison, op. cit., P.37. 17· lbid . 18.lbid. 19· Ibid., P.37-3 8 . 20. Anon., crítica a um rascunho, maio de 1998. 21. Roland Barthes, Mythologies, trad. Annette Lavers, Nova Yori<: Hill and Wang, 1972, P.158. 22. Ayi I<wei Armah, The beautiful ones are notyet born, Oxford: Heinemann, 1968. 23. Ad Reinhardt, op. cito 24. The 12-step shuffle, Alcoholics Anonymos [the "Big Bool<"], 3a ed. Nova Yori<: Alcoholics Anonymous World Services, Inc., 1976. 25. Paul Wood, "Refusing to die", Art-Language, New Series, n.2 (junho 1997), P·27· 26. Citado em Paul Wood, Ibid. 27· lbid . 28. Ch inweizu, "Origi nal ity?", Voices from twentieth-century Africa: griots and towncriers, ed. Chinweizu, Londres: Faber, 1988, P.238. 29. I<endell Geers, "The perversity ofmy birth: the birth ofmy perversity", em http://www.icon.co.za/ffii<endell/home.htm .• (setembro de 1995).

221 África Lorna Ferguson e Awa Meite

30. Paul Wood, op. cito 31. Citado em V. Y. Mibimbe, The invention of Africa:gnosis, philosophy and the order of I<nowledge, James Carrey, Bloomington: Indiana University Press, 1988, P.94. 32. Oswald de Andrade, "Manifesto antropófago", in Gilberto Mendonça Telles (org.), Vanguarda européia e modernismo brasileiro, Petrópolis: Vozes, 1972. 33. Léopold Sénghor, Prose and poetry, trad. John Reed e Clive Wa i<e , Londres: Heinemann, 1976, P.33. 34. Tsenay Serequeberhan, The hermeneutics of African philosophy: Routledge, 1994, P-43· 35. Léopold Sénghor, The role and significance ofthe premier Festival Mondial des Arts Negres, Dai<ar, 1966; Seven stories about modern art in Africa, Londres: Whitechapel, 1995, P.225. 36. Oswald de Andrade, op. cito 37. Léopold Sénghor, op. cito 38.Jimmie Durham, "A friend ofmine said that art is a european invention", Global visions, Londres: I<ala Press, 1994, p.116-118. 39. Douglas Crimp, "On the museum's ruins", Postmodern culture, ed. Hal Foster, Gifford: Cromwell Press, 1985, P.44. 40. I<endel Geers, op. cito 41. Adaptado de Ayi I<wei Armah, "HalfWay to nirvana", Voices from twentieth-century Africa: griots and towncriers, ed. Chinweizu, Londres: Faber, 1988, P.38. 42. Cheii<h Hamidou I<ane, "Ambigous adventure", trad. Bachiar Diagne, Decolonising the mind, James Currey, Oxford, 1986, P.9. 43. Ngugi wa Thing'o, op. cit., P.14. 44. Léopold Sénghor, "Introduction to Ethiopiques", citado em Ngugi wa Thing'o, op. cito (setembro 1954), P.19. 45. Frantz Fanon, The wretched of the earth, Londres: Penguin, 1963, P·251. 46. V. Y. Mudimbe, The idea of Africa, Bloomington: Indiana University Press, 1994, P.156. 47. V. Y. Mudimbe, The invention of Africa, op. cit., p.64. 48. Ditado igbo. 49. V. Y. Mudimbe, The idea of Africa, op. cit., p.161. 50. Aimé Césaire, "Discourse on colonialism", citado em Tsenay Serequeberhan, op. cit., P.57. 51. Ngugi wa Thiong'o, op. cit., P.94. 52. Léopold Sénghor, The role and significance ofthe Premier Festival Mondial des Arts Negres, op. cit., p.225. 53· I<endell Geers, op. cito 54. Adaptado de Robert Hewison, op. cit., P.38. 55. V. Y. Mudimbe, The idea of Africa, op. cit., P.184. 56. Watijii<u Nyachae, Correspondência particular, junho 1998. 57. Frantz Fanon, Blacl< sl<in, white masl<s, trad. Charles Lam Mari<ham, Londres: Pluto Press, p.229-231. 58. Baaba Mal, Baayo, Mango/Island, 1991.


África

curadoria Lorna Ferguson com assistência de Awa Meite texto Thomas Mulcaire and Lorna Ferguson

The tem pest

following William Shakespeare and Aimé Césaire

Names of the conference delegates

the director of an American Foundation for philanthropy in the style of art the editor of a journal of contemporary African art PROSPERO a well-assimilated director of a National Gallery in an unnamed African s tate ANTONIO his brother, an independent curator renowned for arrogating all theory on Africa to himself FERDINAND a trainee curator GONZALO a turgid but honest old essentialist fart ADRIAN & FRANCISCO collectors CALIBAN a savaged but in-form African modernist TRINCULO the publisher ofFlash Art STEPHANO a drunken Marxist critic ALONSO

SEBASTIAN

THE MASTER OF THE SLAVER A MUSEUM EDUCATION OFFÍCER a local MARINERS/MUSEUM STAFF

MIRANDA Prospero's

daughter, a student ofRobert Hewison ARIEL a writer-philosopher trapped in the body of an engineer THE SHADOW OF LÉOPOLD SÉNGHOR THE GHOST OF OSWALD DE ANDRADE THE GHOST OF ROLAND BARTHES THE GHOST OF PICASSO THE GHOST OF ANDRÉ MALRAUX THE GHOST OF FRANTZ FANON OSUN MACUMBA SPIRITS BARTENDERS PIMPS & HOOKERS

Touhami Ennadre Mains du monde Mãos do mundo [Hands of the world] fotografia 160x130cm 222 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."




The scene: Dakar, Senegal. There is a slaver moored, half-sunken olfGorée Island. It is not clear whether it is a museum piece or afunctioning ship. Prologue

To be sung to the tune ofBob Marley's No Woman No Cry.l THE MASTER OF THE SLAVER: Over time Caliban's recovery ofhis island has proved a qualified triumph, with the autonomy ofhis emergent nation far more compromised than was imagined by the generation ofmore optimisticnationalists-politicians and writer's alike-who saw the arrival of independence. Third Worlders have found it difficult to coax from the play analogies with these new circumstarices wherein Prospero, having officiaUy relinquished authority over the island, so often continues to manage it from afar.... The play's declining pertinence to contemporary Africa and the Caribbean has been exacerbated by the difficulty of wresting from it any role for female defiance or leadership in a period when protest is coming increasingly from that quarter. 2 Act 6, Scene 13

On a ship at sea: the tempestuous noise ofAfrícan-Amerícan tourists and absconding conference deIegates is heard. Enter the Master ofthe Slaver and an Education Olficer. MASTER: Education Officer! EDUCATION OFFICER: ln here, master: what's up? MASTER: We have guests. Speak to the guides. lmmediately. TeU them to say something politicaUy correct or the museum is history. Exit Education Olficer. Rhetoríc is heard olf stage. Enter Museum Stalf dressed as Mariners. A tape recording plays a paper read in BrusseIs by WILLY BAL: l see aU of these men stripped of their humanity, then recorded and accounted for only as "pieces of ebony." l hear the Very Christian King launching his ships on a conquest "of souls and of spices." The fleshly covering of souls can be emptied by scurvy and by dysentery, for in any case, the soul is saved by the grace ofbaptism. The spices, however, must arrive guaranteed in flavor, safe and sound in port, ready to refloat the royal treasury. Ile de Gorée: sunset on a choppy sea, contemplated between the bars of captivity. Confinement facing the infinity of a free horizon. Who will ever teU the secret or screaming despair of those hearts of ebony WOOd?4 Enter Education Olficer, Alonso, Sebastian, Antonio, Ferdinand, Gonzalo, and others. ALONSO: You there. Where's the master? Say something. EDUCATION OFFICER: l pray now, go back to your conference. ANTONIO: Where is the theory? EDUCATION OFFICER: Do you not hear it? You mar our labour: don't say anything, you do assist the storm. GONZALO: Do you know who you're addressing. EDUCATION OFFICER: When the sea is like it is, what care these sweUs for the name ofking? To the conference in silence! Trouble us noto GONZALO: Good, yet remember who funds this ship. EDUCATION OFFICER: Sure, the one who pays my way but what are you paying me for ifit is not to steer. You're a bored·member, command these delegates to silence. Ready yourselves in your hotel rooms for the mischance of the hour, for the end of the occidental hegemony, and give thanks that your dogmas have lived so longo Out of our way, I say. Moshekwa Langa True confessions; my life as a Disco Queen Confissões verdadeiras; minha vida como "rainha" Disco 1998 impressão de polaroid computadorizada montada em alumínio [computerized polaroid print mounted on aluminum] 143x120cm

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Exít Educatíon Olfícer pursued by a tape recorder. ALONSO: I take great comfort from this fellow: I think he has no drowning mark on him; his complexion is perfect for the gallows. We need do nothing but go to his hanging: make the rope of his destiny our cable. Ifhe was not born to be hanged, our budget is wasted. Re-enter Educatíon Olfícer. EDUCATION OFFICER: Stay the new course. A plague on this waffle! They pass louder wind than the weather or any in our office. ANTONIO: He'll be hang'd yet, though every drop of water swear against it. And gape at widest to glut him. A confused noíse wíthín: Mercy on us!-We split, we split!Farewell, my sister!-Farewell, brother!-We split, we split, we split! SARAT MAHARAJ: The Congo is flooding the Acropolis. 5 ANTONIO: Let's all sink with the king. FERDINAND: Let's take leave ofhim. Exeunt Perdínand and others. SEBASTIAN: Nowwould I give a thousand words for an acre ofpainting. Iwould sooner a dry death. Bartender! Exeunt. Act 6, Scene 2

The conference room. A table, wíth two glasses ofwater. Enter Prospero and Míranda, carryíng papers on the genealogíes ofthe status quo. Calíban and hundreds of others are already seated wíth simultaneous translating devíces on their heads. A mícrophone roves. PROSPERO (clearíng hís throatgru.ffly): The guardian oftrue contemporary art is tradition. Whose tradition? PROSPERO: My dear girl. .. the tradition ofthe avant-garde as extemporised in exhibitions such as the one on which you find yourself so fortunate to be currently exposed! SOo .. as Ad Reinhardt was saying in I953 before you interrupted, "the Six General Canons or the Six Noes to be memorised are: (I) No realism or existentialism. 'When the vulgar and commonplace dominate, the spirit subsides.' (2) No impressionismo 'The artist should once and forever emancipate himselffrom the bondage of appearance.' 'The eye is a menace to clear sight.' (3) No expressionism ar surrealismo 'The laying bare of oneself,' autobiographically or socially, 'is obscene.' (4) No fauvism, primitivism or brute art. 'Art begins with the getting rid of nature.' (5) No constructivism, sculpture plasticism or graphic arts. No collage, paste, paper, sand or string. 'Sculpture is a very mechanical exercise causing much perspiration, which, mingling with grit turns into mud.' (6) No 'trompe-l'oeil,' interior decoration, or architecture. The ordinary qualities and common sensitivities ofthese activities lie outside free and intellectual art."6 CALIBAN: This form's mine: it is a curious European habit to deny and own at different times for convenience or expedience. You taught me language and my profit on it is I know how to curse. ALONSO: But if art is to have any practical effect on how people lead their lives it has to be able to function in a completely different way. The revolution in art has to be achieved by destroying the conventional, bourgeois notion of art. 7 CALIBAN: Abstract denunciation of any and every aspect ofbourgeois society as terminally tainted ... is itself a symptom ofbourgeois selfhatred. 8 CALIBAN:

Fernando Alvim Minefield map of Cuito Cuanavale Mapa de campo minado de Cuito Cuanavale abril 1997 fotografia e caneta esferográfica [photograph and biro] 15x15,5cm

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PROJECT CONCEPT BY FERNANDO ALVIM (ANGOLA) - To install a dialogue between the towns of Cuito Cuanavale , Havana and Johannesburg .

Roteiros of Amnes i a : in co ll aboration with Carlos Garaicoa (Cuba) and Thomas Barry (South Africa) Video images by Fernando Alvim , taken of land by remote control car in Cuito Cuanavale (Ango l a) - Apr i l 1997 Video images by Carlos Garaicoa taken of ex-Cuban soldiers of the Angolan war in Havana and i mages of himself digging ho l es i n Cu i to Cuanava l e April 1997 Video images by Thomas Barry recuperated and transformed from foota g e of the South African Defence Force in the Angolan War

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The attempted revolution has failed completely: fram the moment Duchamp's commonor-garden urinaI, signed by the fictitious R.Mutt, entered the permanent collection of an art gallery, the game was up. [... ln] overthrawing the institutions of art, the avant-garde has become its own institution, and so negates its own purpose [... ] This has not meant the end of art as a self-referring activity, but it means that the avant-garde, as understood in the first half of the twentieth-century is indeed over. ln its place a neo-avant-garde lives on, incorporated into an official version of cultural praduction that reserves a special place for the new and experimental: the sheltered accommodation known as the museum of modern art. 9 MIRANDA:

Not to mention biennials. lt's so amusing how the arguments that there are no more margins always seem to come fram those in the centre. Just as it's amusing how the arguments that there is no more avantgarde always seem to come fram those who have gotten the greatest economic mileage fram being part of it. 10 MIRANDA: With Modernism incorporated into the official culture of governments and institutions, the oppositional rale that an avant-garde might once have played has been absorbed into the world view to which it was opposed. 11 CALIBAN:

ADRIAN PIPER:

CALIBAN: The post-colonial, post-modern era is simplyan era of"imperialism without colonies."12 There has been no relinquishing of authority over territory, onlya continued remote contraI. MIRANDA: It is a sign ofthe cultural confusion ofthe late twentieth century that there is no one definition ofthe post-Modern. lt began to be used in America in the 1960s ... 13 CALIBAN: Do you mean the United States of America? MIRANDA: ... on the one hand positively to describe the breakwith elitist High Modernism by Pop artists and the counter-culture, and on the other hand negatively, to describe the fall fram the principIes ofModernism that these forms and attitudes represented. 14

"lsms" are emotional categorisations and close examination often reveals them to be intellectually incoherent. 15 MIRANDA: Either way, itwas seen by artists and critics alike as a definite breakwith the Modern. ln the 1970s ... the break with Modernism appeared to offer new possibilities, in that there were no longer any rules to apply in a free market of styles. But where Modernism in art and architecture had implied renewal, post-Modernism has meant only the recycling of styles ... 16 CALIBAN: lncluding those ofModernism itself. 17 MIRANDA: lnevitably, in a period that perceives itself in terms of something that is over, postModernism is defined in terms of that which it is not, beginning with the absence of any single definition of ii:self. ln the post-modern condition there is no longer beliefin any grand system that will embrace and resolve all the prablems ofthe world in a single account. No such "grand narrative," such as that offered by Marxism, is possible, for there are no more large explanations to justifY such a totalising-and thus totalitarian-system. There are no more utopias, though dystopias abound, fram the Gulag to Cambodia to the American ghettos. 18 CALIBAN: Do you mean the United States? MIRANDA: The philosophical theories that have offered explanations ofthe world following the 1960s-Structuralism and post-Structuralism-are deeply pessimistic, for they seem to deny that it is possible to act upon what these explanations offer, by denying, in essence, that the individual will exists. We are either prisoners in a system oflanguage or castaways on a sea ofideology and in neither case do we have any contraI. Language speaks us; ideology shapes us in pursuit ofits own ends. 19 STEWART HOME:

80ly Cissé Chiffre Cifra [Figures] 1997 guache e fita sobre cartão [gouache and tape on board] 40x30cm foto Abrie Fourie coleção Hans Bogatzke

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This is a secondary texto But ifwe excuse your rehashing ofwell-known post-modernist dilemmas, and get over anxieties about how slippery post-modernism is to define, I think we can get to the more interesting issue ofhow the post-modern definition of subjectivity (Le. that the subject is rendered virtually non-existent) affects the possibility of effecting change (politicaI or otherwise). ln Africa, we are starting to define a subjectivity that does not fall into the old humanist definitions of the subject, but holds onto volitional subjectivity in a way which makes politicaI action a possibility. On this ground, we are acutely aware that post-modernism and post-colonialism are too often taken to be synonymous, which they are not at alI. Post-colonialism cannot and should not accept that the subject is completely and utterly subject to external forces, not if politicaI change is to be effected. The other are a which needs to be problematised is the all too easy intersection of gender and racetwo other categories often separated only by commas as in "race, gender and class" when the relationship between these is not quite so simple. 20 THE GHOST OF ROLAND BARTHES: There is as yet only one possible choice, and this choice can bear only on two equally extreme methods: either to posit a reality which is entirely permeable to history, and ideologise; or conversely, to posit a reality which is ultimately impenetrable, irreducible, and in this case, poeticise. ln a word, I do not yet see a synthesis between ideology and poetry.21 AYI KWEI ARMAH: The Beautiful Ones Are Not Yet Born, 22 stilI. PROSPERO: As Ad was saying, the Twelve Technical Rules (or How to Achieve the Twelve Thingsto Avoid) to be followed are: (1) No texture. Texture is naturalistic or mechanical and is a vulgar quality, especially pigment texture or impasto. Palette knifing, canvas-stabbing, paint scumbling and other action techniques are unintelligent and to be avoided. No accidents or automatismo (2) No brushwork or calligraphy. Handwriting, hand-working and hand-jerking are personal and in poor taste. No signature or trademarking. "Brushwork should be invisible." "One should never let the influence of evil demons gain control of the brush." Adrian & Francisco are heard bíckering o1fstage makíng poínt 3 ínaudíble. PROSPERO (4) No forms. "The finest has no shape." No figure or fore- or background. No volume or mass, no cylinder, sphere or cone, or cube or boogie woogie. No push or pulI. No shape or substance." (5) No designo "Design is everywhere." (6) No colors. "Color blinds." Colors are an aspect of appearance and so only of the surface. "Colors are barbaric, unstable, suggest life," "cannot be completely controlled, "and "should be concealed." Colors are a "distracting ... "23 CALIBAN: Where do you get offtelling me that I gabble like a thing most brutish ... ? STEPHANO: I don't want to cause no trouble Just won't do the 12-Step Shuffle, Rather have me a Whiskey Sour Than get dry-drunk on my Higher Power ... 24 CALIBAN: Although much ofthe art thatfollowed the eclipse ofmodernism has been characterised bya heterogeneity of media, painting has refused to die. And where painting gets done, the aesthetic is never far behind. It is true that the question of the medium per se has retreated from the front line of concern, but the what ofpainting still, and always, comes to our apprehension through the how of facture. ln fact painting has proved remarkably flexible in the period after the exhaustion ofits most significant modern paradigm. 25 ROBERT MORRIS: The mo de has become antique. 26 VICTOR BURGIN: The daubing offabrics with coloured mud. 27 CALIBAN: He who must do Something altogethernew Let him swallow his own head. 28 CALIBAN:

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KENDELL GEERS: The harsh realities ofthe African experience have prevented the Modernistvision and practices from effectively taking root in their purest formo ln both traditional and modern Africa the work of art remains unavoidably and intricately connected to the life and culture of the artist, translating into a "Reality PrincipIe" that interrupts and interferes with the "suspension of reality" required to maintain the essentialist escapist aestheticism ofhigh modernism. 29 CALIBAN: Nonetheless, certain forms ofpainting, often involving an hybridity oftechnique and a mixing with other media, have survived the death of canonical modernism and helped keep alive the elusive but crucial sense of what it is for something to be interesting as art. This is not to say the question of the aesthetic is other than one of the most fraught in contemporary art. .. the notion of the aesthetic represented an attempt to mediate between a one-sided rationalism and the flux of sensation. It rests on the twin belief that, so to speak, feeling is of the mind no less than thought is embodied. 30 THE SHADOW OF LÉOPOLD SÉNGHOR: Reason is Hellenic and emotion is Negro. 31 THE GHOST OF OSWALD DE ANDRADE: We never let the concept oflogic invade our midst. 32 THE SHADOW OF LÉOPOLD SÉNGHOR: Young African intellectuals who have read Marx carelessly and who are still not altogether cured ofthe inferiority complex given them by the colonisers, criticise me for having reduced the African mode ofknowledge to pure emotion, for having denied that there was an African "rationality" and an African technology. They must have read what I have written as carelesslyas they had read the scientific socialists. It is a fact that there is a white European civilisation and a black African civilisation. The question is to explain their differences and the reasons for these differences, which my opponents have not yet done. 33 TSENAY SEREQUEBERHAN: To be sure, the Marxist-Leninists have, in their own way, answered this questiono For them it is not a question of a "white" or a "black" civilisation marked-on the foundationallevel of ontological description-by a qualitative difference in kinds of human existence. Rather, for the Marxists-Leninists it is a question of the singular and quantitatively uniform, sequential unfolding ofthe world-historical dialectical symbiosis of man and nature. What Sénghor sees as a qualitative difference in kinds of"civilisation" between differing human groups-Indo-European, on the one hand, and Arab-Berber and Negro-African, on the other-the Marxist-Leninist explicates as a quantitative regression or progression, an underdevelopment or development, in the evolution ofthe sequential and ontologically proper relation ofman to nature. This relation-the technical control of nature-is ordered according to the singular dictates of the historical dialectic and of structural transformation. The technical control of nature, or the lack thereof, is therefore, for the Marxist-Leninist, the singular and "true" yardstick bywhich the progression or regression ofhuman groups and humanity as a whole is historically gauged and tabulated. But can such "things" as the progression or regression ofhuman groups be measured without prejudging the evidence in the very act oftabulating it?34 THE SHADOW OF LÉOPOLD SÉNGHOR: .. .it is

impossible to deny Negro art for long, particularly as it was Europeans who were the first to discover and define it; black Africans preferred to experience it. It has been championed by leading European artists and writers from Pablo Picasso to André Malraux, whose attendance here I welcome as convincing evidence. 35

THE GHOST OF OSWALD DE ANDRADE:

The only things that interest me are those that are not

mine. 36 And this is not to mention the black writers and artists from Africa and America who in the interwar years of and after 1945, compelled recognition in a world which was badly fragmented and therefore searching for unity, for authenticity. So because people were unable to deny Negro art, they wanted to minimise its originality under the pretext that it

THE SHADOW OF LÉOPOLD SÉNGHOR:

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did not have a monopoly on emotion, or analogical images or even rhythm. And it is undeniable that any true artist is endowed with all these gifts, whatever their continent, race ar nation. 37 JIMMIE DURHAM: I want to return to my friend's statement about art as a European invention. ln the main I do not disagree with him. lt is only that I am not sure about three of the words in the statement: "Art," "European," and "lnvention."38 DOUGLAS CRIMP: One ofthe first applications ofthe term "postmodernism" to the visual arts occurs in Leo Steinberg's "Other Criteria" in the course of a discussion ofRobert Raushenberg's transformation of the picture surface into what Steinberg calls a "flatbed," referring, significantly to a printing press. This flatbed picture plane is an altogether new kind of picture surface, one that effects, according to Steinberg, "the most radical shift in the subject matter of art, the shift fram Nature to culture." That is to say, the flatbed is a surface which can receive a vast and heterageneous array of cultural images and artifacts that had not been compatible with the pictorial field of either premodernist or modernist painting. A modernist painting, in Steinberg's view, retains a "natural" orientation to the spectator's vision, which the postmodernist picture abandons."39 KENDELL GEERS: It has always been an African survival strategy to recycle foreign objects, images and ideologies. ln art we must create in this spirit a politicaI Art Povera that hijacks and kidnaps the international (historically defined) languages and codes, tortures and interrogates them until they reveal their true nature and identity. Then according to the strategy that we know best, that of the Freedom Fighter or Terrarist, to plant bombs at strategic points set to explode with maximum linguistic and semantic impact. 40 PROSPERO, dispIaying the príceIess polítical gift ofbeíng abIe to sleep wíth hís eyes open-the beauty ofítjust a shade narrowed. Líke the eyes of an aIert person payíng receptíve, benevolently crítícal attentíon to whatever is going on, shouts: Vive la Sécheresse!41 PIenary sessíon doses ín dísarray. Calíban takes control ofthe coriference and installs Mudímbe and Ngugí on the pIaiform. CALIBAN: On the Black Continent, one began to understand that their real power resided not at all in the cannons ofthe first marning but in what followed the cannons. Therefare behind the cannons was the new school. The new school had the nature ofboth the cannon and the magneto Fram the cannon it took the efficiency of a fighting weapon. But better than the cannon it made the conquest permanent. The cannon forces the body and the school fascinates the soul. 42 NGUGI WA THIONG'O: The realaim of colonialism was to contraI the people's wealth: what they produced, how they produced it, and how it was distributed; to contraI, in other words, the entire realm ofthe language of reallife. Colonialism imposed its control ofthe social praduction ofwealth thraugh military conquest and subsequent politicaI dictatorship. But its most important area of domination was the mental universe of the colonised, the contraI, thraugh culture, ofhow people perceived themselves and their relationship to the world. Economic and politicaI contraI can never be complete or effective without mental contraI. To contraI a people's culture is to contraI their tools of self-definition in relationship to others. For colonialism this involved two aspects of the sarne pracess: the destruction or the deliberate undervaluing of a people's culture, their art, dances, religions, history, geography, education, orature and literature, and the conscious elevation ofthe language ofthe coloniser. The domination of a people's language by the languages ofthe colonising nations was crucial to the domination ofthe mental universe ofthe colonised. 43 We express ourselves in French since French has a universal vocation and since our message is also addressed to French people and others. ln our languages the halo that surrounds the woi'ds is by nature merely that of sap and blood; French words send out thousands ofrays like diamonds. 44

THE SHADOW OF LÉOPOLD SÉNGHOR:

Seydou Ke'ita Sem título [Untitled] 1958 fotografia CAA.C. The PigozziCollection, Genebra

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Let us waste no time in sterile litanies ... 45 V. Y. MUDIMBE: I suggest that we consider African artworks as we do literary texts, that is as linguistic (narrative) phenomena as well as discursive circuits. 46 ... First there is the question of knowing who can ar should speak validly about Africa and from which viewpoint. Second, there is the issue of promoting "discourses" on others now that we have learned an essentiallesson from the criticism of anthropological and missionary discourse: "Savages" can speak, not only when their very being and their traditions are at stake, but also in arder to evaluate procedures and techniques that pertain to the description oftheir being, traditions and beliefs. 47 CALIBAN: Yes, you do not stand in one place to watch a masquerade. 48 v. Y. MUDIMBE: For the artist trained in colonial-era workshops and art schools, the curriculum there has prescribed powerful reflexes and responses. Even in the most conservative institutions, education meant a conversion, ar at least an opening, to another cultural tradition. For all these artists, the organic reality of a modernity was embodied by the discourse, values, aesthetics, and exchange economy of colonialismo One might, in consequence, be tempted by Edmund Leach's general system of oppositions between the two traditions, and might hypothesise a discreet competition between them: the more traditional the inspiration for a work of art, the less its general configuration and style could allow a clear assessment of the qualities of its forms, its content, and the maker's technical skills; conversely, the more Westernised an oeuvre, the more easily an observer can make distinctions among these constituent elements. Leach's suggestion is brilliant, but unfortunately it does not address the difficult issue of styles, of"the formal properties of a work of art," which constitute the core specificity of an artistic tradition. 49 AIMÉ CÉSAIRE: Europe is unable to justifY itself either before the bar of"reason" ar before the bar of"conscience"; and ... increasingly it takes refuge in a hypocrisy which is all the more odious because it is less and less likely to deceive. 50 NGUGI WA THIONG'O: The aim, in short, should be to orientate ourselves towards placing ... Africa in the centre. All other things are to be considered in their relevance to our situation and their contribution towards understanding ourselves ... ln suggesting this we are not rejecting other streams, especially the Western stream, we [simply]want to establish the centrality of Africa .... This is justifiable on various grounds, the most important being that education is a means ofknowledge about ourselves. Therefore, after we have examined ourselves, we radiate outwards and discover peoples and worlds around us. With Africa at the centre ofthings, not existing as anappendix ar a satellite of other countries and literatures, things must be seen from the African perspective. 51 THE SHADOW OF LÉOPOLD SÉNGHOR: It is not simply a matter of defending the Negro art ofthe past... it is more a case of celebrating it, by demonstrating that it is ... a torrential and inexhaustible source, an essential component ofthe Universal Civilisation which is taking shape before our very eyes, through us and for us, through everyone and for everyone. 52 KENDELL GEERS: It is going to be a very long time before the Sex Pistols are really understood on "The Dark Continent." 53 DICK HEBDIGE: The discourse on post-modernism is fatal and fatalistic; at every turn the word "death" opens up to engulfus: "death ofthe subject," "death ofart," "death ofreason," "end of history."54 ARIEL: ... there is an identification with death at the very basis of the most significant African ideologies: "Négritude," "African personality," "Pan-Africanism." I refer to the identification-for good, sacred, and highly respectable reasons-with the millions ofvictims of the slave trade and the identification with those who resisted the process of colonisation and were killed. This identification FRANTZ FANON:

Seydou Ke'ita Sem título [Untitled] 1956-57 fotografia C.A.A.C. The Pigozzi Collection, Genebra

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is accompanied by forms of introjection and incorporation, which present explicit and conflicting signs ofboth a wish and a refusal to die. But these African ideologies of self-affirmation are also haunted by the spectre of cultural death, which theyassociate, for example, with the French policies of assimilation. So we have finally to consider the symbolic representation of death, the silence of the conquered, who, on the psychoanalyst's couch, represent another silence, the massive and shameful silence of men who discover themselves incapable of explaining to their children what happened. Those who have submitted now confront doubts about themselves, want to know what is wrong with them, and face an awful question: could it be that the other, the "conquistador" or the "coloniser," has a response to their predicament? Indeed he has one. But let's note something else. Another silence, a frightening one, lingers within the general economy of new African words, languages, theories commenting on the catastrophe and articulating in new ways other objects of desire: African women do not seem to speal<. ln any case, their presence ... has been, until very recently, marked by silence. 55 CALIBAN: The experience of"civilisation" in the bewitched cultural woods ofEuropean modernism and post-modernism was not of my choosing. My silence of contemplation, initiation, acceptance and action lulls men of my race and colonising people into an illusion that I have no voice, feelings or creative expression. Understand that my ultimate escape lies in an enforced mating, producing new voices and modes of expression. I create endlessly, vocalising in ways you do not deign to recognise. Loudly, repeatedly, monotonously my earnest efforts are declared invisible or decried as derivative, passé, commercial and most belittling, na'ive and primitive outpourings pandering to the ill-developed tastes of cultural tourists. Yet, my works are contemporary to my needs and my situation. The opinions of my conquerors cause me to be active, rather than reactive. I purposefully choose my clearing in the woods. Yet when you, my conquerer, repeatedly visit my cell to touch and sniff and illicitly possess the forms you love and detest, you think my silent fortitude is quiescence and demean the body of my knowledge. Bring out your weapons of creative circumcision but know this, the silence of the womenfolk is no catastrophe, merelya long and active slumber of freedom. 56 FRANTZ FANON : ln the world through which I travel, Iam endlessly creating myself... And it is by going beyond the historical, instrumental hypothesis that I will initiate the cycle of my freedom. 57 Epilogue

Musíc is heard. Enter Osun and Macumba spíríts, swayíng and dandng wíth actíons ofsalutatíons, ínvítíng alI conference deIegates to joín. Sung to the tune ofBaaba Maal's Baay0 58 CALIBAN:The Africa presented by the Other Is a legend in which we almost carne to believe. The African tradition as it appears in the light of now May also be a legendBut it is the legend in which African intelligence believes. It is our perfect right to declare Authentic, correct and true Those components of our past which we believe to be soo Exeuent.

Thomas Mulcaíre and Lorna Ferguson

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I. Bob Marley, V. Ford, No woman no cry, Bob Marley and the Wailers, Live, Island Records, 1975. 2. Rob Nixon, "Caribbean and African appropriations ofThe tempest," in CriticaI inquiry, Spring 1987, VoI. 13, no. 3, P.577. 3. The tempest's value for African and Caribbean intellectuals faded once the plot ran out. The play lacks a sixth act which might have been enlisted for representing relations among Caliban, Ariel, and Prospero once they entered a postcolonial era. Rob Nixon, op. cit., P.576. 4. Willy Bal, "Confidences d'un Wallon 'wallonnant' et 'tiersmondialiste,'" in Bulletin de l'Académie Royal de Langue et Littérature Françaises 68, June 1990, P.I05-lI5. 5. SaratMaharaj, "The Congo is flooding the Acropolis" in Interrogating identity, New York: Grey Art Gallery, New York University, 1991-92, PP.I3-42. 6. Ad Reinhardt, "Twelve rules for a new academy," 1953, in Art news 56 no. 3, May 1957, P.37-3 8 . 7. Adapted from Robert Hewison, Future tense: a new artfor the nineties, London: Methuen, 1990, P.48. 8. Bob Black, Beneath the underground, Portland: Bob Black and Feral House, 1994, P.I7I. 9. Robert Hewison, op. cito 10. Adrian Piper, footnote fram The triple negation ofColored Women Artists, in Next generation: south black aesthetic, Winston-Salem: SECCA, 1990, p.2I. II. Robert Hewison, op. cit., P.37. 12. Harry Magdoff, "Imperialism without colonies" in Studies in the theory ofimperíalism, eds. Owen & Sutcliffe, New York, 1972. 13. Robert Hewison, op. cito 14. Ibid. IS. Stewart Home, The assault on culture: utopian currentsfrom lettrisme to class war, Stirling: A.K. Press, 1991, p.I06-7. 16. Robert Hewison, op. cit., P.37. 17. Ibid. 18. Ibid. 19. Ibid., pp. 37-8. 20. Anon. critique of draft text, May, 1998. 2I. Roland Barthes, Mythologies, trans. Annette Lavers, New York: Hill and Wang, 1972, P.I58. 22. Ayi Kwei Armah, The beaut!1.ful ones are not yet born, Oxford: Heinemann, 1968. 23. Ad Reinhardt, op. cito 24. The 12-step shujj1e, Alcoholics Anonymous [the "Big book"], third edition, NewYork: Alcoholics Anonymous World Services, Inc., 1976. 25. Paul Wood, "Refusing to die," in Art-Language, New Series, no. 2, June 1997, P·27. 26. Quoted in Paul Wood, ibid. 27. Ibid. 28. Chinweizu, "Originality?" ln Voices from twentieth-century Afríca: griots and towncriers, Ed. Chinweizu, London: Faber, 1988, P·23 8 .

237 África Lorna Ferguson e Awa Meite

29. Kendell Geers, The perversity ofmy birth: the birth ofmy perversity, on http://www.icon.co.za/ffikendell/home.htm .• September 1995. 30. Paul Wood, op. cito 3I. Cited in V. Y. Mubimbe, The invention of Africa: gnosis, phílosophy and the order ofknowledge, James Currey, Bloomington: Indiana University Press, 1988, P.94. 32. Oswald de Andrade, "Anthropophagite manifesto," in Revista de Antropofagia, São Paulo, no. I, May, 1928. 33. Léopold Sénghor, Prose and poetry, trans. John Reed and Clive Wake, London: Heinemann, 1976, P.33. 34. Tsenay Serequeberhan, The hermeneutics ofAfrican phílosophy, New York: Routledge, 1994, P.43. 35. Léopold Sénghor, "The role and significance ofthe Premier Festival Mondial des Arts Négres," Dakar 1966, in Seven stories about modern art in Africa, London: Whitechapel, 1995, P.225. 36. Oswald de Andrade, op. cito 37. Léopold Sénghor, op. cito 38. Jimmie Durham, "A friend of mine said that art is a European invention" in Global visions, London: Kala Press, 1994, p.lI6-8. 39. Douglas Crimp, "On the museum's ruins," in Postmodern culture, Hal Foster, ed., Gifford: Cromwell Press, 1985, P-44. 40. Kendell Geers, op. cito 4I. Adapted fram Ayi Kwei Armah, "Halfway to Nirvana," in Voices from twentieth-century Africa: griots and towncriers, Ced.) Chinweizu, London: Faber, 1988, P.238. 42. Cheikh Hamidou Kane, "Ambiguous adventure" trans. Ngugi wa Thiongo by Bachir Diagne in Decolonising the mind, James Currey, Oxford, 1986, P.9. 43. Ngugi wa Thiong'o, ibid., p.14. 44. Léopold Sénghor, Introduction to Ethiopiques, September 1954, quoted in Ngugi wa Thiong'o, ibid., P.19. 45. Frantz Fanon, The wretched ofthe earth, London: Penguin, 1963, P·25I. 46. V. Y. Mudimbe, The idea ofAfrica, Bloomington: Indiana University Press, 1994, P.I56. 47. V. Y. Mudimbe, The invention ofAfrica, op. cit., p.64. 48. An Igbo saying. 49. V. Y. Mudimbe, The idea of Africa op. cit., p.I6I. 50. Aimé Césaire, "Discourse on colonialism" quoted in Tsenay Serequeberhan, The hermeneutics of African phílosophy, New York: Routledge, 1994, P·57· SI. Ngugi wa Thiong'o, op. cit., P.94. 52. Léopold Sénghor, The role and significance ofthe premier Festival Mondial des Arts Négres, op. cit., P.225. 53. Kendell Geers, op. cito 54. Adapted from Robert Hewison, op cit., P.38. 55. V.Y. Mudimbe, The idea ofAfrica, op. cit., P.I84. 56. Wanjiku Nyachae, Private correspondence, June 1998. 57. Frantz Fanon, Black skin, white masks, trans. Charles Lam Markham, London: Pluto Press, p.229-23I. 58. Baaba Maal, Baayo, Mango/Island, I99I.


"Que o nativo não goste de um turista não é difícil de explicar. Porque todo nativo é um turista em potencial, e todo turista é um nativo. Todo nativo em todos os lugares vive uma vida assoberbante e arrasadora de banalidade e tédio e desespero e depressão, e toda realização boa ou má é um esforço para esquecer disso. Todo nativo gostaria de encontrar uma saída, todo nativo gostaria de um descanso, todo nativo gostaria de uma viagem. Mas alguns nativos-a maioria dos nativos do mundo-não podem ira lugar nenhum. São pobres demais. São pobres demais para ir a qualquer lugar. São pobres demais para escaparda realidade de sua vida, e são pobres demais para viver de forma adequada no lugaronde vivem, que é o exato lugar a que você, o turista, quer ir-portanto, quando os nativos do lugarvêem você, o turista, eles o invejam, invejam-no pela habilidade de sair da própria banalidade e tédio, invejam-no pela habilidade de transformar a sua própria banalidade e tédio em fonte de prazer para você mesmo." Extraído de Jamaica Kincaid, [Um pequeno lugar], traduzido do inglês por Lilia Astiz.

238 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


"That the native does not Iike the tourist is not hard to expIain. For every native of every pIace is a potential tourist, and every tourist is a native of somewhere. Every native everywhere Iives a Iife of overwhelming and crushing banaIity and boredom and desperation and depression, and every deed, good and bad, is an attempt to forget this. Every native would like to find a way out, every native would Iike a rest, every native would Iike a touro But some natives-most natives in the world-cannot go anywhere. Theyare too poor. Theyare too poor to go anywhere. Theyare too poor to escape the reality of their Iives; and theyare too poor to Iive properly in the pIace where they live, which is the very pIace you, the tourist, want to go-so when the natives see you, the tourist, theyenvy you, they envy your ability to Ieave your own banaIity and boredom, they envy your ability to turn their own banaIity and boredom into a source of pIeasure for yourself." Extracted from Jamaica Kincaid, A small place, Victoria: Penguin Books AustraIia Ltd., 1988, pp.18-19路

239 Fragmento


Tomei um avião, fui para a África, visitei quatro países diferentes com minha máquina fotográfica, entrevistando pessoas para um filme. De certa maneira, era uma espécie de turista branco, porque todas as portas me foram abertas para que eu pudesse ver alguns dos mais importantes líderes africanos dos anos 40 e 50. KOLBOWSKI: Porque você era um turista branco, e não um turista negro? DIAWARA: Bem, em primeiro lugar não há muitos turistas negros na África! Criei uma condição de minha própria transtextualidade. Isso me possibilita certos prazeres e privilégios disponíveis aos turistas brancos, como fazer uma refeição na Brasserie Lipp, além de estar com Jacques Toubon (ministro da Cultura francês, ex-ministro daJustiça), Jean Tiberi, prefeito de Paris, e assim por diante. Ninguém me crava os olhos, as mulheres deixam suas bolsas perto de mim, sem se preocuparem com a possibilidade de que eu possa roubá-Ias. Dessa maneira, neste sentido também estabeleço um tipo de transtextualidade, porque de certa forma já me tornei um americano negro. KOLBOWSKI: O que lhe confere transtextualidade na Brasserie Lipp? DIAWARA: Na África, tem a ver com o poder-dinheiro, na América está associado ao título de professor de uma universidade americana, o que permite que as pessoas ignorem acorde minha pele. Em Paris, muitos fatores compõem a minha condição de transtextualidade. Por exemplo, quando estou em Paris, uma mulher branca entra num café onde estou sentado, deixa sua bolsa, vai ao toalete e não me dirige um olhar. Isso me assusta! Tudo porque já me acostumei a estar sempre sob suspeita como um homem negro nos Estados Unidos. Na América, quando estou num restaurante e chego até uma mesa que foi ocupada por um casal branco que deixou uma gorjeta, o casal se certificará de que o garçom venha e recolha a gorjeta antes de se retirarem. Como já vivenciei as duas situações em Paris e na América com relação à negritude, posso ocupar uma posição transtextual de negro americano/negro africano pós-colon ial em Paris." "DIAWARA:

Manthia Diawara entrevistado por Silvia I<olbowski. Traduzido do inglês por Lilia Astiz.

Moshekwa Langa Skins Peles 1995 papel, creosoto, xarope, óleo [paper, cresote, syrup, oil) coleção South African National Gallery, África do Sul 240 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


l took a plane, l went to Africa, l visited four different countries with my camera, interviewing people for a filmo ln a sense, l was like a white tourist, because all doors were open to me to see some of the most important African leaders from the forties and fifties. KOLBOWSKI: Whywere you a white touristj whyweren'tyou a black tourist? DIAWARA: Well, first of all, there aren't that many black tourists in Africa! l created a condition of my own transtextuality. It makes available to me the kinds of pleasures or privileges that are open to white tourists, or to eat at the Brasserie Lipp, and there are Jacques Toubon (French Minister ofCulture, former Minister ofJustice), Jean Tiberi, the Mayor ofParis, and so on. Nobody stares at me, women leave their purses near me, they don't worry that I'm going to steal them. So l form a kind of transtextuality in that way too, because in a sense l have already beco me an American black. KOLBOWSKI: So what accords you transtextuality at the Brasserie Lipp? DIAWARA: ln Africa, it has to do with power-money, the association with America, the title of professor in an American university, which allows people to disregard my skin coloro ln Paris, many things enter into my condition oftranstextuality. For example, when I'm in Paris, a white woman comes into a cafe where I'm sitting, leaves, her bag and goes to the bathroom and never looks at me. l get scared! Because I've become used to being under suspicion as a black man in the D.S. When I'm in America, and I'm in a restaurant and come to a table that a white couple has occupied and left a tip at, the couple will make sure that a waiter comes and takes the tip before they leave. But bĂŠcause I've experienced both the Parisian and the American situations with regard to blackness, l can occupy a transtextual position as an American blackl postcolonial African black in Paris." "D IAWARA:

Manthia Diawara interviewed by Silvia Kolbowski, "Homeboy cosmopolitan," October 83, winter I998, MlT Press, P.59.

241 Fragmento



Oriente Médio

curadoria Ami Steinitz e Vasif Kortun

Des/aparecimento: entre distâncias

O

corte

Deixar de lado sua própria vivência em relação ao estado de espírito, que se manifesta coletivamente no Oriente Médio, e ligar·se a outros estimula as ondas emocionais e instintivas da experiência. Densas camadas e linhas socioculturais compõem a região. Elas forçam a realização de atos singulares e impõem interpretações comuns a todos. Estas tensões, ligadas à peculiarescrita e obliteração do "Eu/Nós", forjam encontros físicos. Tais realidades constróem níveis de significados regionais e indefinidos. Poderes contraditórios marcam as realidades sociais da região. Ali a violência e a cultura se misturam. A fusão de grandes tensões políticas, diferenças étnicas e con· flitos religiosos, onde floresceram antigas civilizações, constitui um cenário humano único. A situação é mais complicada na medida em que o Oriente Médio, tanto no plano cultural quanto no geográfico, situa·se em regiões da Ásia, África e Europa. As tensões entre a vida privada e o espaço social, as modernas forças do Estado (quanto à organização), as alianças tradicionais, comunitárias e religiosas e a singu· laridade do eu são fortes demais. O social contamina tudo, cada momento e cada parte do corpo de uma pessoa. O singularestá ligado ao plural, mas também carrega o plural dentro de si, como um órgão interno. Latitudes que se abrem para os artistas, em outras partes do mundo, não são vivenciadas em muitas partes da região. O distanciamento cultural e a aparente imutabilidade da perspectiva religiosa, a negação efetiva do indivíduo e os sistemas de controle reduzem o papel da arte ao status de placebo. Essas realidades refreiam os artistas, que se prendem a padrões conhecidos de alienação e ortodoxia, e têm como pano de fundo a constante decadência das culturas tradicionais, a espoliação de ambientes únicos e a difusão de um urbanismo degenerante. Bases sociais frágeis determinam uma posição peculiar para a presença artística crítica. O espaço público é compartilhado entre a volatilidade do verdadeiro e do falso, o religioso, o secular, o nacional, o étnico, o patrimonial, o econômico, entre o mercado global e os sistemas e poderes da comunicação. Qualquer atividade artística Bulent ç;angar Photograph 1997-98

243 Oriente Médio Ami Steinitz e Vasif Kortun


singular significa uma ruptura com formas sociais comuns de negociação e sugere outras probabilidades de escrita. Nesta região frágil, os movimentos em direção a processos de arte críticos e autênticos são politizados, frustrados e,em certas ocasiões, considerados como algo q ue vem de fora do "Nós". A capacidade de esclarecer as percepções e idéias preconcebidas da região depende de improváveis pontos de vista, interlocais e comunitários. É uma espécie de singularidade inatingível que sustenta uma perspectiva intercomunitária, desvenda situações obscuras, cria uma diferença e tem legibilidade global. Esta singularidade é uma diáspora regional interior, uma reclusão e uma alternativa que não ocorrem no exílio, uma leitura cultural rizomática. Este estado de espírito, este des/aparecimento, presente na diáspora, apresenta uma forma pessoal de experiência e uma sutil expressão crítica. Ao ultrapassarem as fronteiras, abandona-se a própria alma e invade-se uma alma diferente. Devorar-se a si mesmo e ao outro. A proximidade é definida por uma experiência de possíveis impossibilidades, por se estar encerrado entre paredes. A viagem regional segue o rumo dos becos do isolamento. Ajornada ao longo dos muros estreitos, e obscuros, é uma longa caminhada através de distâncias confinadas. A noção de distância é obtida quando se atravessam territórios, ao se sair da sombra, ao se alcançar a realidade fulgurante daquilo que é fortuito e casual no eu/outro. Roteiros do Oriente Médio traça um itinerário dentro das distâncias: afastandose da própria situação, de um comprometimento com o outro e de uma experiência agressiva de realidade. O corte do "des/aparecimento" implica um movimento entre distâncias impossíveis: o movimento entre uma singularidade regional, imaginada e poderosa, e a realidade de uma mutualidade estilhaçada. Ami Steinitz e Vasif Kortun. Traduzido do inglês por Carlos Eugênio Marcondes de Moura.

244 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


Dis/appearance: the slash between distances Leaving one's own Middle East collective state of mind and linking with others stimulates emotional and instinctual waves of experience. Dense socio-culturallayers and lines devise the region. They force singular acts, and compel communal readings. These distinct Middle East "I/We" writing and erasure tensions forge physical encounters. These realities construct undefined regional depths of meaning. Contradicting powers outline the region's social realities. Violence and culture blend all across the region. The fusion ofburning and boiling politicaI tensions, cu rrent ethnic and religious collisions in the sites of ancient civilizations establish a unique human setting. The situation is all the more complicated as the Middle East is culturallyand geographically in and part of Asia, Africa and Europe. The tensions between the private life and social space; the modern Cby organization) forces ofthe state, and the traditional, communal and religious alliances and the singularity of the self are blatantly strong. The social infests everything, every moment and every part of one's body. The singular is liable to the plural, but it also carries the plural within it like an internal organ. Latitudes open to artists in other parts of the world are not experienced in many parts ofthe region. Cultural remoteness, seeming immutability ofthe religious perspective, the effective negation of the individual and control systems, redu ce the role of art to a status of placebo. These realities hold artists back in familiar patterns of alienation and orthodoxy; against a background ofthe steady decay oftraditional cultures, spoliation of unique environments, and the spread of degenerating urbanismo Delicate social grounds set a peculiar position for criticaI artistic presence. The public space is shared between true/false volatile, religious, secular, national, ethnic, patrimonial, economic, global market and communication systems and powers. Any singular artistic activity signifies a rift with common social forms of negotiation and suggests other writing probabilities.

245 Oriente MĂŠdio Ami Steinitz e Vasif Kortun


ln this fragile region, the move towards genuine criticaI art processes are politicized and thwarted, and at times regarded to be coming from the outside of the "We." The ability to unfold the region's perceptions and preconceptions depend upon the improbable interlocal and communal points ofview. lt is a manner of unattainable singularity that sustains an intercommunal outlook, reads obscure situations, creates a difference and has globallegibility. This singularity is an inward regional Diaspora, a nonexilic seclusion and alternative, a rhizomatic cultural reading. This Diaspora disl appearance state of mind has a personal form of experience and a subtle criticaI expression. ln wandering across lines, one abandons one's soul and invades a different one. Devouring oneself and the other. Proximity is defined by an experience of possible impossibilities, by being within walls. The regional voyage trails in alleys ofwithdrawal. The journey along the narrow shadowed walls is a long walk in confined distances. The sense of a distance is achieved by crossing territories, by stepping out ofthe shadow, and by getting into the glaring reality of self70ther randomness. The MiddleEast Roteiros writes a route within distances: Walking away from one's situation, the engagement with the other, and the blatant experience of reality. The slash of"disl appearance" implies a motion between impossible distances: the movement between an imagined and forceful regional singularity and the actualness of a splintered mutuality. Ami Steinitz and VasifKortun Bulent $angar Sem tĂ­tulo [Untitled] detalhe 1997 conjunto [set] de 90 fotografias 234x400cm

246 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


247 Oriente MĂŠdio Ami Steinitz e Vasif Kortun


Bufão, espião, artista

O "artista", tal como o conheço, é um eterno imigrante, um exilado em seu ambiente natural, aquele que é incapaz de fincar raízes na ordem social existente. Um refugiado, cujo "torrão natal" recua para longe, para bem longe, por mais que ele tente alcançá-lo. Nesta condição emocional não existem paradas intermediárias ou lugares onde alguém se possa abrigar: a "ausência" é o motivo, o álibi, o motor que consegue ir mais longe. Esta condição coloca o artista na posição de crítico e observador social, alguém que discute e entra em disputa com aquilo que o rodeia ... O ponto de vista do artista é um conflito para o qual não existe solução ou escapatória. A "ausência" é uma entidade com identidade própria ou separada; a necessidade de procurar um público o força a camuflar, embaçar e dissimular esta identidade separada. A identidade adotada pode ser a de um lunático, de um garoto rebelde, de um palhaço, de um animador de auditório, de um revolucionário, de um empresário da mídia, de um homem misterioso. A essência do conflito está entre a identidade de u ma pessoa q ue é basicamente "não-identificável" e sua própria compulsão ou necessidade de "colaborar" com alguém cuja mera presença define a alteridade do artista. Estes e outros conflitos semelhantes moldam não só o caráter do artista mas também o caráter do "espião". Ele é um caráter adequado para trabalhar no serviço secreto como agente, duplo espião e provocador. É um carátercuja identificação possibilita um envolvimento simultâneo e um distanciamento do círculo em torno dele, alguém que se ocupa alternativamente em criar e apagar os traços de sua independência, enquanto vaga perpetuamente entre a realidade e o universo alternativo de sua criação. A condição israelense leva o papel do artista ao extremo, criando um paradoxo. O próprio ato de crítica social, na condição político-social existente, ajuda-o a firmar a permanência dessa crítica. Até mesmo pelas suas ações mais subversivas, o artista pode ser construído como um colaborador e servir como um biombo. Ele reforça a ordem social existente ajudando a criar um quadro de pretensa normalidade, no qual há espaço para idéias e críticas Ce que está se tornando um canal de drenagem regulado e supervisionado e uma câmara de compensação para a agressão).

Shuka Glotman, 8 de maio de 1998, traduzido do inglês por Carlos Eugênio Marcondes de Moura.

248 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


Jester, spy, artist

The "artist" as I know him is an eternal immigrant, an exile in his natural surroundings, one who is unable to put down roots in the existing social order. A refugee, whose "homeland" recedes farther and farther away, the harder he tries to reach it. ln this emotional condition there are no intermediary stops, no cities of shelter; "absence" is the motive, the alibi and the engine that can go the farthest. This condition puts the artist in the position of social observer and critic, one who is in argument and contention with his surroundings ... The artist's angle is a conflict for which there is no solution or escape. The "absence" is an entity with a separate or separated identity; the need to search for an audience forces him to camouflage, blur and veil this separate identity. The adopted identity may be that of the lunatic, wild boy, clown, entertainer, revolutionary, media entrepreneur, mystery mano The essence of the conflict lies between the identity of someone who is basically "unidentifiable" and his own compulsion or need to "collaborate" with one whose mere presence defines the artist's otherness. These and similar conflicts shape not only the character of the artist, but also the character ofthe "spy." He is a character suited for work in an intelligence organization as a secret agent, a double agent and provocateur. A character whose identification enables simultaneous involvement in and distancing from the circle around him, one who is busy alternatively creating and erasing his independence, while perpetually wandering between reality and the alternative world ofhis creation. The Israeli condition takes the artist's role to the extreme, creating a paradoxo The very act of social criticism in the existing politicaI-social condition helps establish its permanence. Through even his most subversive actions, the artist can be construed as a collaborator and serve as a fig leaf. He reinforces the existing social order by helping create a picture of alleged normalcy in which there is room for opposing ideas and criticism (and which is turning into a regulated and supervised drainage channel and clearing house for aggression). Shuka Glotman, 8 May 1998.

249 Oriente MĂŠdio Ami Steinitz e Vasif Kortun


Nasci em 1902 Não voltei à minha cidade natal Não gosto de voltar Aos três anos eu era o neto do paxá em Aleppo aos dezenove, um universitário comunista em Moscou aos quarenta e nove, um convidado do Partido Comunista Sou poeta desde os catorze Algumas pessoas entendem de plantas e algumas, de peixes eu entendo de partidas algumas pessoas conseguem recitar de cor os nomes das estrelas no céu eu sei recitar saudades Estive em prisões, mas também em hotéis de luxo ~uase morri à míngua, em greves de fome, e não existe nenhuma iguaria que eu não tenha provado aos trinta anos quiseram me enforcar aos quarenta e oito quiseram me dar o Prêmio da Paz e deram aos trinta e seis, levei seis meses para percorrer um espaço de quatro metros quadrados aos cinqUenta e nove, percorri o percurso entre Praga e Havana em dezoito horas de v60 Não conheci Lenin, mas fiquei de guarda em seu túmulo em Seu Mausoléu, que visitei em 961, está nos livros ~uiseram

924.

me tirar de meu partido não conseguiram

Mas não fui esmagado pelos ícones que desmoronaram em 951 encarei corajosamente a morte com um jovem amigo em 52 fiquei de cama durante quatro meses com problemas no coração Eu cobiçava loucamente as mulheres a quem amava Trabalhei para me sustentar e sou grato por isso Senti vergonha pelos outros e menti Menti para não tornar os outros infelizes e menti por nenhum motivo Andei de carro, de avião, de trem A maioria não consegue Assisti a óperas A maioria sequer sabe o que é uma Ópera e desde os vinte e um não freqUentei os lugares que a maioria freqUenta a mesquita, a igreja, a sinagoga e o templo porém leram minha sorte meus poemas são publicados em trinta e quatro línguas mas não em turco na minha Turquia Não fiquei com Câncer não é mesmo necessário também não senti desejo de ser primeiro-ministro não me interessou e não fui para a guerra não me refugiei em abrigos no meio da noite não corri para as ruas quando aviões de combate planavam no céu mas me apaixonei com quase sessenta anos portanto em resumo camaradas embora eu me sinta desesperadamente triste em Berlim posso dizer que vivi uma vida humana e quanto tempo ainda me resta e o que vejo daqui por diante quem sabe

Nazim Hikmet, c.1960. Traduzido do inglês por Carlos Eugênio Marcondes de Moura.

250 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


I was born in 1902 Did not go back to the town of my birth I don't like to go back I was the Pasha's grand son at three in Aleppo a communist university student at nineteen in Moscow and at forty-nine a guest of the communist party I have been a poet since fourteen Some people know the kinds of plants and some know the kinds of fish I know of departures some people can recite by heart the names of the stars in the sky I can recite longings I was in prisons but also in grand hotels I was starving on hunger strikes and there is almost not a single dish that I have not tasted they wanted me hung at thirty and wanted to give me the peace prize at forty eight and they did at thirty-six it took six months to walk through a four meter square at fifty-nine I flew in eighteen hours from prague to Havana I did not meet Lenin but stood guard at this grave in His Mausoleum that I visited in 961 is on the books

924.

They wanted to tear me apart from my Party to no avail But I was not crushed under the icons that came down in 951 I faced up to death with a young friend in 52 I laid in bed for four months with a bad heart I I I I

was mad with envy for the women I loved worked for a living and I am grateful for that was ashamed for others and I lied lied not to make others unhappy and I lied for no reason at all

I rode cars, took planes and trains Majority cannot I went to the opera Majority doesn't even know what the Opera is and since twenty-one I have not been to where the majority go to the mosque, the church, the synagogue and the temple but I did have my fortune read my poems are printed in thirty forty languages not in Turkish in my Turkey I did not fall to Cancer not necessary anyhow no desire to be a prime minister either not interested and I did not go to war I did not go to shelters in the middle of the night I did not run on the roads with fighter planes hovering above but I fell in love at almost sixty so in short comrades even though I am desperately sad in Berlin I can say I lived a human life and how long I've got and what do I see from today on who knows.

Nazim Hikmet? c.1960.

251 Oriente MĂŠdio Ami Steinitz e Vasif Kortun


Khalil Rabah phi-lis-tine\'fiI-sten\n. often cap {philistine, inhabitant of ancient Philistia {Palestine}): a materialistic person; esp: one who is smugly insensitive or indifferent to intellectual or artistic values. fi-lis-teu (filisteu , habitante da antiga Fil istéia {Palestina}):uma pessoa materialista; esp . alguém

que é condescendentemente insensível ou indiferente aos valores intelectuais ou artísticos 1997 dicionário, pregos [dictionary, nails] 3,5x23x17,5cm 252 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros. "


253 Oriente MĂŠdio Ami Steinitz e Vasif Kortun


"Na rua. Sete horas da noite. O horizonte um ovo enorme feito de aço. A quem ofertarei meu silêncio inocente? A rua tornou-se mais larga. Caminho lentamente. Lentamente caminho. Ando tão devagarque é impossível que um avião ajato não me atinja. O vazio escancara suas mandíbulas, mas não me engole. Caminho desnorteado, como se estivesse conhecendo estas ruas pela primeira vez e como se as percorresse pela última vez. Uma despedida unilateral. Sou aquele que caminha num enterro, sou aquele cujo enterro acompanho." "Caminho por uma rua onde ninguém está caminhando. Lembro-me de que, certa vez, caminhei por uma rua por onde ninguém havia caminhado. E lembro-me de que alguém que não estava comigo disse:

-Pare com este diálogo e uenha comigo. -Para onde? -Para uer este homem. -o que este homem está fazendo? -Indo para casa. -Mas ele está andando para frente e, em seguida, para trás. -É ojeito de ele andar. -Ele não está andando. °Está gingando. Está dançando. -Preste bem atenção nele. Conte seus passos: um, dois, quatro, sete, noue para frente. Um, dois, três, sete, oito para trás. -o que quer dizer isto? -Ele está andando. É o único jeito que ele conhece de chegar em casa: dez passos para frente e noue para trás. Isto quer dizer que ele auança um passo a cada uez. -E se ele se distraísse e errasse a contagem? -Neste caso ele não chegaria em casa. -Está querendo dizer alguma coisa com isto? -Não. Nada." Extraído de Mahmoud Derwish,[Memória para o esquecimento, Agosto, Beirute, 1982], traduzido do inglês porCarlos Eugênio Marcondesde Moura.

254 XXIV Bienal "Roteiroso Roteiroso Roteiroso Roteiroso Roteiroso Roteiroso Roteiroso"


"The street. Seven o'clocl<. The horizon a huge egg made of steel. To whom shall I offer my innocent silence? The street has become wider. I walk slowly. Slowly, I wall<. I walk slowly that a jet fighter may not miss me. The void opens its jaws, but it doesn't

swallow me. I move aimlessly, as if getting to know these streets for the first time and walking on them for the last time. A one-sided farewell. I'm the one walking in the funeral, and the one whose funeral it is."

"I walk a street where no one is walking. I remember that before, I had walked a street no one had walked. And I remember that someone who was not with me had said: -Stop this dialogue, and come with me.

-Whereto? -To see this mano -What's this man doing? -Going home. -But he's movingforward, then backward. -That's his way ofwalking. -He's not walking. He's swinging. He's dancíng. -Watch him closely. Count his steps: one, twofour, seven, nineforward. One two three, seven, eight backward. -What does this mean? -He's walking. This is the only way he knows how to get home: ten stepsforward and nine backward. That is, he advances by one step. -What lfhis mind wandered, and he made a mistake in the count? -ln that case he wouldn't get home. -Do you mean anything by this? -No. Nothing." Extracted from Mahmoud Derwish, Memoryforforgeifulness, August, Beirut, 1982, trans. 1brahim Muhawi, Berkeley and Los Angeles, California: University ofCalifornia Press,

1995, P·47 and PP·54-55·

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Trigo sagrado

O limo te deixa repleto de anseios de repousar num templo bem arrumado, decorado com rosas As pontas de teus dedos vertem cera que não queimou. A virgindade passa a teu lado e amaldiçoa-te. Ó tolo, arregaça as mangas e mata-te na escuridão final, mata-te até as tâmaras e o pão, mata-te até a água ilusória que habita em ti. O tu, que és restringido pelo conhecimento, o cigano dançou com os tornozelos cingidos por guizos, até o âmago do fogo se extinguir, o palestino brada, até se afundar no marulhar das águas. Ó ser humano, liberta-te! deixa que tudo se desmorone em tua taça! Ó ser humano, morre e deixa o Tempo vaguear portua tristeza! Ó tolo, alegra-te, no tempo que te resta de vida, uma Eternidade morta em frangalhos, pois aquele que não conheçe nem a tristeza nem a alegria perde a vida e a morte. [... ] Eu, Osíris, o desejável, rei da mesa verde, rei da mesa negra. Sou o irracional. Morro sozinho, morro como se fora a multidão, prossigo nas noites . jubilosas, apertando a pobre ferida. Sou aquele que vem da floresta da terra, de sua encruzilhada, da fortaleza de seu lombo, da colheita para alistar-se no exército do Amore no exército da Guerra e no exército de Deus. Em minha mão há espigas de trigo e o espectro que comanda Reviver e Morrer. Sou o manto do embalsamamento. Sou o corpo que foi deixado para ser revivido após a Morte. Sou aquele que se dissolve na fé. Sou dispersado e revivido a cada vez, até ser exterminado. Senhor daqueles que morrem em todos os cantos da terra fiz de meu poder um corpo de vida. Nida Khury,Jerusalém 15 de setembro de 1997. Traduzido do inglês por Carlos Eugênio Marcondes de Moura.

256 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


Sacred wheat

Moss fills you up with longing for rest in a tidy temple decorated by roses. Your fingertips ooze unburnt wax. Virginity passes you by, casting a curse upon you. O fool, outstretch your sleeves and kill yourselfin the final darkness, kill yourself up to the dates and bread, kill yourself up to the deceitful water that dwells inside you. O you who are restricted by knowledge, the gypsy has danced with his anldets till the heart of the fire went out, the Palestinian calls out in his bones till he digs into the heart of the water. O human being, break freeI let the place fall apart in your cup! O human being, die and let Time wander in your sadness! O fool, rejoice in your lifespan torn off a dead Eternity, for he who knows neither sadness nor joy lo ses both life and death. [... ] I, Osiris the desirable, king of the green table, king of the black table. I am the irrational one. I die by meself, I die as a crowd, I proceed in the joyful evenings pressing the poor wound. Iam the one who comes from the forest ofthe earth, from its cross, from the fortresses ofits loins, from gathering to join the army ofLove and the army ofWar and the armyofGod. ln my hand there's a pile ofwheat and the spectre commanding Revival and Death. I am the shroud of embalment. I am the body left to be revived after Death. I am the one who melts in the faith. Iam dispersed and revived each time till I'm wiped out. Master ofthose who die in all the world of the earth I have made my power a body oflife. Nída Khury,]erusalem 15 September 1997. Translated by Hannah Amít-Kochaví.

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"Este processo é visível na troca de olhares entre o nativo e o colonizador, o qual estrutura a relação psíquica deles numa fantasia paranóica de possessão ilimitada e na sua linguagem familiar de inversão: 'Quando seus olhares se cruzam ele (o colonizador) afirma com amargura, sempre na defensiva: 'Eles querem pegar nosso lugar'. É verdade que não existe um nativo que não sonhe pelo menos uma vez por dia em ocuparo lugardo colonizador'." "This process is visible in the exchange of looks between native and the settler that structures their psychic relation in the paranoid fantasy of boundless possession and its familiar language of reversal: 'When their glances meet he [the settler] ascertains bitterly, always on the defensive, 'They want to take our place.' It is true for there is no native who does not dream at least once a day of setting himself up in the settler's place.'" Extraído de [extracted from] Franz Fanon, The wretched of the earth, Harmondsworth: Penguin, 1969, P.30, traduzido do inglês por [translated from the English by] Carlos Eugênio Marcondes de Moura.

"Não é possível ver como o poder funciona produtivamente enquanto incitamento e interdição. Nem isso seria possível, sem os atributos da ambivalência nas relações entre poder/con heci mento, calcu lar o i m pacto trau matizante do retorno do opri m ido, os estereótipos aterrorizantes da selvageria, do canibalismo, da luxúria e da anarquia, pontos que assinalam a identificação e a alienação, cenários de temore desejo, nos textos coloniais." "It is not possible to see how power functions productively as incitement and interdiction. Norwould it be possible, without the attributions to ambivalence to relations of power/knowledge, to calculate the traumatic impact ofthe return ofthe oppressedthose terrifying stereotypes of savagery, cannibalism, lust and anarchy which are the signal points of identification and alienation, scenes of fear and desire, in colonial texts." Extraído de [extracted from] Homi Bhabha, The location of culture [A localização da cu Itu ra], Lond res e Nova York: Routledge, 1994, P.72, trad uzido do inglês por Carlos Eugênio Marcondes de Moura. Shuka Glotman Beginner's photo-guide Guia de foto para iniciantes 1992 xerox

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"O Estado. Um homem e uma mulher juntos já formam um Estado. Tudo existe entre eles: um princípio de autoridade, um governo, leis de comportamento, embaixada e representação, diplomacia, armamentos, período de guerra e paz. Eles também constituem duas espécies diferentes, o que torna as coisas mais difíceis do que são para os assuntos de Estado. Algumas vezes se ignoram, quando se encontram. Algumas vezes trepam um em cima do outro, como um casal de macacos. Outras vezes uma corrente de ar fresco passa de um para o outro: existe amor. E há ocasiões em que, ao se contatarem, acontece um curto-circuito, eles se queimam mutuamente e, em seu rastro, não deixam nada além de uma mancha no Sol. Youssef ell<hal disse certo dia que eu era poeta. Sim. Sou a poeta no âmago da cidade. Uma pequena mancha. Sou a poeta aqui e agora. Mas, sendo mulher, sou invisível. Tenho de disfarçar minha obsessão porformigas. Elas me perseguem. Se uma mulher fosse ao mercado e gritasse po r socorro porq ue as form igas estavam su bi ndo por suas pernas, algu ns homens se enfiariam entre suas coxas e catariam brutalmente aqueles bichinhos minúsculos, a fim de aliviá-Ia do medo e também para machucá-Ia. Ela, porém, seria detida e a jogariam num sanatório até que ela tivesse alucinações, vendo a água que sai do torneira transformar-se numa corrente medonha de form igas negras. Nesse caso, eu me envolveria em meu cobertor de moscas e dormiria." "The State. A man and a woman, together, already form a state. There is everything between them: a principIe of authority, a government, laws ofbehavior, embassy and representation, diplomacy, weapons, period of peace and war. They also constitute, to make things harder than for matters of state, two different species. When they meet, they sometime ignore each other. Sometimes they climb on each other like a pair of monkeys. At other times, a current of cool air passes fram one to the other: there is love. And then, there are times when, at their contact, a short circuit happens, and they burn each other and leave nothing behind them but a spot on the Sun. Yousssef el Khal said one day that I was a poeto Yes . Iam the poet in the heart of the city. A dot. I am the poet here and now. But, being a woman, Iam invisible. I have to hide my obsession for ants. They pursue me. If a woman went to the market place and cried for help because ants were climbing up between her legs, some men would thraw themselves between her thighs, and search wildly for the tiny beasts in order to relieve her fram her fear, and hurt her too. But she would be arrested and thrawn into an insane asylum until she hallucinated 'that the water which fell fram the faucet became a sick stream ofblack ants. ln that case, I would pull up my blanket of flies and sleep."

Extraído de [extracted fmm] Etel Adnan, "ln the heart ofthe heart of anothercountry", Mundus atrium, V.10, n. 1, P.24-25, traduzido do inglês por Carlos Eugênio Marcondes de Moura. Hali l Altindere Dancing with taboos Dançando com tabus 1997 impressão dig italizada [digital print] 240x170cm 6 painéis [bi llboards]

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"A escolha de Marrocos e do Árabe/Islâmico por Bowles não é por acaso. Não porque simplesmente o emocionalismo, a violência e a sexualidade desviada, que Bowles associa ao Árabe/Islâmico, desempenham um papel importante em sua obra. A questão é que a compreensão de Bowles em relação ao Árabe/Islâmico presta-se à descrição de uma ruptura, quanto à coerência, que constitui uma das principais aspirações de sua arte. Isto é verdade porque Bowles parece acreditar que uma falta de coerência seja a essência da civilização árabe/islâmica. Na Casa da aranha, Stenham, que, sob muitos aspectos, é o próprio Bowles, diz à sua namorada americana, numa fala que é o eco da descrição que Bowles faz de Mustafá e seus amigos: 'Você tem de lembrar sempre que esta é mais uma cultura do "e então" e não uma cultura do "porque", como a nossa. O que eu quero dizer é que, no modo como eles pensam, uma coisa não provém de outra coisa. Nada é o resultado de nada ... Até mesmo a língua que eles falam é estruturada em torno disso. Cada fato é separado e um jamais depende do outro ... ' " "Abdallah Laroui situa Bowles no contexto de um 'folclore' revivido, gerado num sistema imperial mundial. De acordo com Laroui, a cultura burguesa marroquina reanima e enriquece o significado do folclore como um produto de seu confronto com o Ocidente e, como resultado, cada arte assume um nível folclórico. 'Todo folclore implica um centro e uma periferia', ele escreve. Paul Bowles faz um marroquino (Muhammad Mr'abet, cujos contos Bowles traduz de um dialeto marroquino) falar durante horas e horas para um gravador e acredita estar registrando o modo de vida mais autêntico que um marroquino leva, mas o que ele está registrando não é nada além de sua própria fantasia. O tempo vazio, o grau zero de existência que ele imagina detectarem seus temas é algo que, na realidade, diz respeito a ele. Ao mesmo tempo Bowles tenta descrever o incrível e absoluto silêncio do deserto (em Their heads aregreen), mas se esquece de que este silêncio existe apenas para o velho moradorde Nova York ou Londres. O deserto não é nem silencioso, nem ruidoso por natureza. Na verdade, nem os marroquinos nem os habitantes do deserto seriam capazes de se reconhecer nesta falsa imagem, já que eles estão reduzidos a seu nível folclórico, isto é, à sua posição com respeito a um centro que eles não conhecem. Bowles jamais abandona e jamais abandonará sua cultura burguesa e somente ela confere valor e sentido a esta velha humanidade que ele se empenha em salvardo esquecimento." Extraído de Ralph M. Coury, [O encontro Twain: os críticos árabes e ocidentais de Paul Bowles], traduzido do inglês por Carlos Eugênio Marcondes de Moura.

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"Bowles's choice ofMorocco and the Arab/lslamic is not incidental: lt is not simply that emotionalism, violence and deviant sexuality, which Bowles associates with the Arab/lslamic, play an important role in his work. The fact is that Bowles's understanding ofthe Arab/lslamic lends itselfto the depiction of a breakdown of coherence thatis one ofthe principal aspirations ofhis art. This is true because Bowles seems to believe that a lack of coherence is of the essence of the Arab/Islamic civilization. ln The spĂ­der's house, Stenham, who is many ways Bowles himself, teUs his American girlfriend, in an echo ofBowles's description ofMustapha and friends, 'You must always remember that this is a culture of"and then" rather than of"because" like ours. What l mean is that in their minds one thing doesn't come from another thing. Nothing is the result of anything... Even the language they speak is constructed around that. Each fact is separate and one never depends on the other... '" "AbdaUah Laroui places Bowles within the context of a revived 'folklore' generated within a world imperial system. According to Laroui, Moroccan bourgeois culture reanimates and enriches the significance of folklore as a product ofits confrontation with the West, and as a result each art takes on a folkloric leveI. 'AU folklore entails a center and periphery,' he writes. Paul Bowles makes a Moroccan (Muhammad Mr'abet whose tales Bowles translates from Moroccan dialect) speak for long hours into a tape recorder and believes that he is capturing a most authentic way of life that a Moroccan leads but what he is capturing is nothing but his own fantasy. The empty time, the zero degree of existence that he imagines he detects in his subjects is in reality his own. At that sarne time he attempts to describe the incredible, the absolute silence of the desert (in TheĂ­r heads are green) he forgets that this silence only exists for the old inhabitant ofNew York or London: the desert is neither silent nor noisy by nature. ln fact, neither the Moroccan nor the inhabitants of the desert would be able to recognize themselves in this false image, since they are reduced to their folkloric leveI, i.e., to their position in respect to a center they do not know. Bowles never leaves, and will never leave, his bourgeois culture which alone gives value and sense to this old humanity that he strives to save from oblivion."

Extracted from Ral ph M. COU 1), "The Twai n Met: Pau I Bowles's western and Arab critics", Public 16: entangled territories: imagining tne Orient, 1997, P.125 e PP.130-131.

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"Quando o Ocidente, o mundo cristão da Idade Média, achou·se rodeado, na máxima extensão possível, pelo mundo islâmico, isto é, quando ele se viu diante da ameaça de eliminação pelo poderde nações islâmicas em três diferentes frentes (do leste, do sul e do sudoeste) e foi obrigado a disporde seus recursos bem ali, naqueles poucos estados do norte do Mediterrâneo, o despertar foi brutal e este Ocidente se viu levado a empreender uma campanha agressiva contra a ameaça islâmica, como um gato apri· sionado numa sala. Quando isso aconteceu? Em fins do século VI da Hégira (século XII d.C.), quando a Universidade de Córdoba se situava num dos confins do mundo islâmico, na Andaluzia, a escola de Balkh e Bokhara no outro lado e Jerusalém inteira, o litoral oriental, meridional e ocidental do Mediterrâneo e até mesmo a ilha da Sicília estavam sob controle muçulmano. Foi imediatamente após este fato que os cristãos, amantes da paz, que até então ridicularizavam a guerra santa islâmica, transformaram·se em cruzados engajados na sua guerra santa. Durante as prolon· gadas cruzadas, recorreram às artes e à sabedoria do Islã e estabeleceram as bases de uma transformação do mundo cristão. Após cinco ou seis séculos passaram a ser os senhores do capital, das artes e do conhecimento e, após sete ou oito séculos, os se· nhores das indústrias, das máquinas e da tecnologia. Se o Ocidente cristão despertou subitamente, por recear a derrocada e o desaparecimento diante do perigo islâmico, se ele se fortaleceu, prosseguiu na ofensiva e salvou·se inevitavelmente, não chegou para nós o momento de sentirmos o perigo e a ameaça da eliminação diante do poder ocidental e nos insurgirmos, nos fortalecermos e continuarmos na ofensiva?" Jalal AI·e Ahmad (originalmente publicado no Irã em 1962), traduzido do inglês por Carlos Eugênio Marcondes de Moura.

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"The West-the Christian world of the Middle Ages-when it found itself encircled to the maximum extent possible by the Islamic world, that is, when it was faced with the threat of obliteration by the power of the Islamic nations from two or three directions (from the East, the South, and the Southwest) and was obliged to marshal its resources right there in those few Northern Mediterranean states, it had a rude awakening and was pushed into a hopeless aggressive campaign against the Islamic threat, like a cat trapped in a room. When did this happen? Toward the end of the 6th Century A.H. (Twelfth Century A.D.)-when the University ofCordoba was at one end ofthe Islamic world in Andalucia, the Balkh and Bokhara school was at the other end and all oOerusalem, the eastern, southern, and the western shores ofthe Mediterranean and even the island ofSicilywere under Muslim controI. Itwas immediately after this that the peace-Ioving Christians, who had been derisive ofthe Islamic holywarwere transformed into holy-war-waging crusaders and laid down a foundation during the long crusades borrowed from Islamic arts and knowledge which transformed the Christian world after five or six centuries into the lords capital, the arts and knowledge and after seven or eight centuries into the lords of industry, machines and te~hnology. If the Christian West suddenly awoke with the fear of obliteration and overthrow in the face ofIslamic danger, fortified itself, went on the offensive, and inevitably saved itself, hasn't the time come now for us to sense danger and obliteration in the face ofWestern power and rise up, fortifY ourselves and go on the offensive?" Jalal AI-e Ahmad, Gharbzadegi [Westruckness], Costa Mesa, California: Mazda Publishers, 1997 (originally published in 1962 in Iran).

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Nervoso

Eu estou meio exausto, abalado, amassado, oprimido, baleado com muitos furos. Uma paçoca socada no pilão. Estou meio caindo aos pedaços, meio consumido-é, sim. Estou afundando e secando um pouco. Estou um tanto escaldado e chamuscado-é, sim. É isso o que acaba acontecendo com a gente. A vida é isso. Não estou velho, nem um pouquinho, decerto não tenho oitenta, de jeito nenhum, mas também já não tenho dezesseis. Éclaro que estou um tanto velho e gasto. É isso o que acaba acontecendo com a gente. Estou meio que me consumindo, meio que caindo aos pedaços e perdendo a casca. A vida é isso. Será que estou no comecinho da descida da ladeira? Hum! Pode ser. Mas isso não querdizerque eu tenha oitenta, nem de longe. Sou muito duro, isso eu posso garantir. Já não sou moço, mas ainda não estou velho, não mesmo. Estou meio que envelhecendo, murchando, mas não tem importância; ainda não estou completamente velho, embora esteja provavelmente meio nervoso e no começo da descida da ladeira. É natural que alguém meio que caia aos pedaços com o passardo tempo, mas não tem importância. Não estou muito nervoso, com certeza; só que resmungo um pouco. Às vezes sou um tanto esquisitão e resmungão, mas isso não significa que esteja completamente perdido. Espero. Não me proponho a esperar que esteja perdido, pois, repito, sou extraordinariamente duro e resistente. Vou-me agarrando e agüentando. Sou razoavelmente destemido. Mas nervoso eu estou, um pouco, sem dúvida alguma estou, muito provavelmente estou, possivelmente estou meio nervoso. Espero estar meio nervoso. Não, esperar é que não, essas coisas não são para se ter esperança, mas para recear; sim, receio estar nervoso. Neste caso, recearvem mais a propósito que esperar, quanto a isso não há dúvida alguma. Mas decerto não estou morrendo de medo de talvez estar nervoso, é claro que não. Resmungo lá um pouco, mas não tenho medo de resmungar. Isso não me inspira medo nenhum. "Você está nervoso", alguém poderia dizer-me, e eu responderia com sangue-frio: "Meu caro senhor, sei disso muito bem, sei que estou meio exausto e nervoso". E, muito nobre e friamente, eu sorriria ao dizer isso, o que talvez aborrecesse um pouco a outra pessoa. Uma pessoa que se abstém de ficar aborrecida ainda não está perdida. Se não me aborreço porcausa de meus nervos, então sem dúvida alguma eu ainda tenho nervos bons, isto é claro como o dia, e muito ilustrativo. Começo a ver que resmungo, que estou meio nervoso, mas começo a ver na mesma medida que tenho sangue-frio, o que me alegra extraordinariamente, além de que tenho jovialidade de espírito, embora esteja envelhecendo um pouco, caindo aos pedaços e murchando,'que é uma coisa muito natural e, por isso mesmo, eu compreendo muito bem. "Você está nervoso", alguém poderia chegar para mim e dizer. "É, estou extraordinariamente nervoso", seria minha resposta e, silenciosamente, eu riria dessa grande mentira. "Estamos todos um pouco nervosos", eu talvez dissesse e risse dessa grande verdade. Se uma pessoa consegue rir, ainda não está completamente nervosa; se uma pessoa consegue admitir uma verdade, ainda não está completamente nervosa; quem quer que consiga manter a calma, quando ouvirfalarde alguma desgraça, ainda não está completamente nervoso. Ou, se alguém chegasse para mim e dissesse: "Oh, você está totalmente nervoso!", eu então responderia muito simplesmente, com toda a educação: "Oh, estou totalmente nervoso, sei que estou!" E o assunto estaria encerrado. Resmungar, resmungaré coisa necessária, e é necessário que a gente tenha a coragem de conviver com isso. É essa a maneira mais agradável de viver. Ninguém deveria recear aquele seu tantinho de esquisitice. Recear é completamente bobo. "Você está muito nervoso!" "É, venha cá por favor e me fale disso com calma! Obrigado!" Isto, ou algo parecido, é o que eu diria, divertindo-me um pouco, cortês e suavemente. Que a pessoa seja cortês, calorosa e gentil; e, se alguém disserque ela está totalmente nervosa, ainda assim não haverá necessidade alguma de acreditar nisso. Extraído de Robert Walser, [A caminhada], traduzido do inglês porCarlos Frederico da Silva Ramos. Markus Raetz Ceci-cela 1992-93 4 esculturas, latão, 1 espelho [4 sculptures, brass, 1 mirror] foto Peter Lauri

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267 Europa Bart De Baere e Maaretta Jaukkuri


Markus Raetz Metamorphose II 1991-92 ferro fundido , suporte de madeira [cast iron, wood base] foto Thomas Wey, Berna Franz West Passt端ck 1995 foto Bettina Leetz 268 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. "


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Nervous

I am a little worn out, raddled, squashed, downtradden, shot full ofholes. Mortars have mortared me to bits. I am a little crumbly, decaying, yes, yes. Iam sinking and drying up a little. I am a bit scalded and scorched, yes, yes. That's what it does to you. That's life. Iam not old, not in the least, certainly Iam not eighty, by no means, but I am not sixteen any more either. Quite definitely I am a bit old and used up. That's what it does to you. Iam decaying a little, and I am crumbling, peeling a little. That's life. Am I a little bit over the hill? Hmm! Maybe. But that doesn't make me eighty, not by a long way. Iam very tough, I can vouch for that. I am no longer young, but I am not old yet, definitely not. Iam aging, fading a little, but that doesn't matter; Iam not yet altogether old, though I am prabably a little nervous and over the hilI. It's natural that one should crumble a bit with the passage of time, but that doesn't matter. Iam not very nervous, to be sure, I just have a few grouches. Sometimes I am a bit weird and grauchy, but that doesn't mean I am altogether lost, I hope. I don't prapose to hope that I am lost, for I repeat, Iam uncommonly hard and tough. Iam holding out and holding on. Iam fairly fearless. But nervous I am, a little, undoubtedly Iam, very prabably Iam, possibly I am a little nervous. I hope that I am a little nervous. No, I don't hope so, one doesn't hope for such things, but Iam afraid so, yes, afraid soo Fear is more apprapriate here than hope, no doubt about it. But I certainly am not fear-stricken, that I might be nervous, quite definitely not. I have grauches, but Iam not afraid ofthe grauches. They inspire me with no fear at alI. "You are nervous," someone might tell me, and I would reply cold-bloodedly, "My dear sir, I know that quite well, I know that I am a little worn out and nervous." And I would smile, very nobly and coolly, while saying this, which would perhaps annoy the other person a little. A person¡ who refrains fram getting annoyed is not yet lost. lfI do not get annoyed about my nerves, then undoubtedly I still have good nerves, it's clear as daylight, and illuminating. lt dawns on me that I have grouches, that I am a little nervous, but it dawns on me in equal measure that Iam cold-blooded, which makes me uncommonly glad, and that I am blithe in spirit, although I am aging a little, crumbling and fading, which is quite natural and something I therefore understand verywelI. "You are nervous," someone might come up to me and say. "Yes, I am uncommonly nervous," would be my reply, and secretly I would laugh at the big lie. "We are all a little nervous," I would perhaps say, and laugh at the big truth. lf a person can stilllaugh, he is notyet entirely nervous; if a person can accept a truth, he is not yet entirely nervous; anyone who can keep caIm when he hears of some distress is not yet entirely nervous. Or if someone carne up to me and said: "Oh, you are totally nervous," then quite simply I would reply in nice palite terms: "Oh, Iam totally nervous, I know Iam." And the matter would be closed. Grauches, grauches, one must have them, and one must have the courage to live with them. That's the nicest way to live. Nobody should be afraid ofhis little bit ofweirdness. Fear is altogether foolish. "You are very nervous!" "Yes, come by all means and calmly tell me sol Thankyou!" That, ar something like it, is whatI'd say, having my gentle and courteous bit of fun. Let man be courteous, warm, and kind, and if someone tellshim he' s totally nervous, still there's no need at all for him to believe it. Extracted fram Robert Walser, The walk, New York: Ferrar Straus & Giraux, I982, translated fram the German by Christopher Middleton and others. Franz West LiÊge Divã [Divan] 1989 Sigmund Freud Museum, Wien IX, Berggasse 19 foto Gerald Zugmann

271 Europa Bart De Baere e Maaretta Jaukkuri


Europa

curadoria Bart De Baere e Maaretta Jaukkuri

A-Antropofagia "Era noite. Os coelhos viram uma luz brilhante. Perplexos diante dela, perderam a flexibilidade de sua 'coelhice', e fitaram-na. Eles nunca haviam visto luz elétrica .tão esplêndida na escuridão." Antropofagia como uma 'a-zona'

Nosso embate não se dá com a antropofagia em si, mas com o campo cultural que a utiliza como imagem. Nessa busca pela compreensão experimentamos abordagens diversas e chegamos à conclusão de que talvez o prefixo "a" denote algo neutro-nem uma coisa nem outra, claramente, enquanto denota consciência de ambos os lados. A antropofagia como abordagem cultural foi transposta no papel num manifesto na década de 20. No Brasil ela parece ter-se tornado um modo de identificação com essências diferentes e conflitantes, inclusive a possibilidade de ingerir continuamente novas energias e tornar-se também uma delas'. No confronto com esse conceito, experimentamos uma sensação de falta de algo essencial, do qual necessitamos para compreendê-lo; uma sensação de incapacidade de apreender todo um espectro de nuances contido na palavra portuguesa "antropofagia". Nesta confrontação com o conceito se tem a distinta sensação de poder acompanhá-lo apenas até 'certo ponto', além do qual há uma imensidão com que a cultura brasileira parece ter intimidade, mas que para nós, europeus, é alienígena, ou é uma dimensão da qual somos alienados. Vivenciamos esse mesmo sentimento, às vezes, ao contemplarmos a arte contemporânea brasileira. Há muitas coisas que podemos facilmente reconhecer enquanto outras parecem saídas para a vastidão da natureza e campos desconhecidos de referências culturais. Aqui também sentimos que a arte que melhor pode se comunicar entre culturas parece conter traduções e interpretações transculturais. Entretanto, todo o tempo estamos conscientes do fato de que poderemos passar despercebidamente por alguns dos paradigmas, modalidades e tons subjacentes, e nossa leitura remete à nossa própria cultura. Resta-nos saber, é claro, se o mesmo se aplica a todas as comunicações visuais interculturais. Será que perdemos as essências, vocês aí e nós aqui? Talvez aqui seja necessário compreendermos que adentramos um "a", uma zona onde nossO senso de segurança é ameaçado e na qual podemos continuar seguindo apenas a orientação

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dupla de crer em nossas próprias estórias e histórias, enquanto ousamos também contemplar outras imagens e experienciar novas presenças. Este poderá sero momento tanto de presentear como de ousar receber um presente. Ao contrário do fluxo de energias que, imaginamos, a visão antropofágica da cultura oferece, a Europa tem tradicionalmente preferido o distanciamento e as definições claras de alteridade. Até aqui, tais escolhas parecem ter-se recrudescido e instrumentalizado a ponto de determinarem ações conscientes. Elas permitem a construção de identidades com as quais certos atores ganham proximidade, enquanto outros são exorcizados por meio do enclausuramento em si mesmos, do distanciamento, da visibilidade que conseguem apenas como imagens e símbolos. Às vezes, a antropofagia parece ter sido apagada da consciência européia, freqüentemente até mesmo no nível simbólico. Na época em que optamos, por exemplo, pela instalação de Milica Tomic sobre o primeiro grande massacre em Kosovo, em 1989, a situação desta província ainda não havia sido divulgada publicamente senão como um problema marginal. Éóbvio que este sistema de definições e contradefinições tem sua própria dinâmica e possibilidades de precisão. Parece que, hoje, um dos principais meios de operação na Europa implica uma problematização incessante, em todos os níveis. O constructo é submetido a readaptações contínuas. Todas as vezes que seus limites se tornam visíveis, ele é renovado, redirecionado e reconstruído. As definições resultantes e atividades conseqüentes adquirem complexidade a partirda percepção de seus próprios limites, no hiato entre a definição da situação e a maneira de se lidarcom ela. A Europa escolheu o distanciamento não apenas como sua perspectiva mas também como maneira de cultivar a observação. O indivíduo que observa é o mesmo que reflete e problematiza. Muitas vezes o distanciamento, o distanciamento mental, é considerado uma virtude em si mesma. Aqueles que são capazes de julgarvêem as coisas em sua perspectiva própria, e ambos os lados da situação ao mesmo tempo.

É um continente densamente povoado onde as formas dominantes de cultura poderiam ser defi n idas como sendo de segu ndo grau ou urbanas. Essa densidade popu lacional parece )Uchan Kinoshita Passant

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levar a dois tipos de sensibilidade relacionados com a coexistência. O primeiro é o desejo de se manter uma distância suficiente, na realidade cultivar o distanciamento, para otimizá-Io no âmbito da consciência das limitações. O outro lado da moeda é a necessidade de desenvolver modos de coexistência para lidarcom a inevitável proximidade: a corporeidade é vista como um problema transformado num fato consumado, com o qual se tem que conviver. Na Europa dos centros econômicos e culturais, é preciso aceitar uma vida com essa proximidade. O indivíduo deve criar um espaço próprio e ao mesmo tem po estar preparado para deixar um espaço físico e mental para os outros. Talvez a dinâmica da criação desse espaço conjunto seja o momento da antropofagia européia, conforme ela se manifesta na realidade de hoje. 'A' não significa ausência, mas sim uma transposição no mundo da comunicação simbólica. Ali, as proibições da vida real podem ser transgredidas. Entretanto, os símbolos começaram a viver sua própria vida, produzindo mudanças constantes nos significados, repetições, antípodas, novas contextualizações, histórias e interpretações, até que sintam ter-se exaurido, tornando-se circuitos de significado sem contato com o mundo e, porsua vez, começando a operar como seu próprio mundo. Aqui, o ato simbólico mais básico de liberação da arte com relação ao mundo (Georges Bataille) alcança a sua conclusão. Parece que uma maneira possível de superar tal ociosidade no mundo dos símbolos se manifesta nos momentos em que o ato duchampiano de se trazer um porta-garrafas para o contexto da arte é invertido, trazendo-se o objeto, com sua nova definição como objeto de arte, para o mundo onde sua presença cria novas visibilidades existentes em outros campos da comunicação, outros sistemas simbólicos; jogar luz naquilo que até aqui se tornou invisível, dentro e fora do território da arte. Essa inversão parece implicar a ativação do ícone como instrumento de novos significadosnas áreas circundantes, e não naquelas que contém. Aqui a questão é o ato, a transferência intencional e posta em prática no espaço entre a "caverna" de Bataille e o mundo, bem como o envolvimento na natureza dessas transposições, transgressões, novas distâncias e proximidades. O mundo vivenciado como um verbo exige visuais vérbicos para s'eus momentos miméticos. Essa arte pode servista como uma espécie de signo de indexação invertido, que deixa um vestígio de arte na vida e na realidade física. Se uma pegada na areia serve como exemplo de um índice tradicional, agora nos confrontamos com uma arte que se situa especificamente naqueles momentos em que a pegada é impressa, ou que o fogo é aceso no forno, cuja fumaça em breve estará saindo pela chaminé. Simultaneamente, há mudanças estruturais e até mesmo paradigmáticas que levam a uma maior proximidade entre as práticas na paisagem artística européia e as possibilidades que, imaginamos, sejam inerentes à atitude brasileira, conforme indica a referência ao canibalismo, ou seja, o fluxo intenso no qual se pode atingir momentos de identificação. Entretanto, não desejamos chamar de antropofágicas essas modulações na paisagem artística européia. Mas podemos falar em amostragem, como a apropriação sem parâmetros. Sendo as coisas tal como são, não podemos ir além da costa alcançada pelo bispo cujo nome, aliás, era "Sardinha". Esta primeira experiência européia frente ao canibalismosul-americano e o primeiro homem branco a entrar para a História porter sido devorado porcanibais ainda parecem estabelecer até onde a Eu ropa pode chegar. O bispo alcançou a praia não para ser devorado, mas para continuar vivo e ser ele mesmo. Ao chegar em terra, trazia consigo aquilo que

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considerava uma oferenda. E adentrou a terra incógnita. Ele havia sido lançado à praia em conseqüência de um naufrágio, e não porque tencionava promover ali a sua versão transcendental de canibalismo. Não logrou êxito além de suas próprias expectativas; pelo contrário, a experiência não passou de mero acidente. Isto torna sua imagem tristemente cômica: o alívio de chegar à linha entre a água e a terra, seus passos trôpegos na praia, depois disso, o medo do desconhecido ao ingressar na vegetação exuberante. Tradições e contextos

Há artistas trabalhando hoje na Europa cujo trabalho, pode-se dizer, é caracterizado por uma evasão de estilos e formas instruídas de retórica, extraindo do passado aquilo que é necessário no presente e recorrendo conscientemente às suas tradições, ambivalências e ambigüidades com o propósito de compartilharexperiências ao mesmo tempo que se abstêm de expressara si próprios e abrem espaço para o mundo do observador. Tal reivindicação poderia ser justificada pelo uso das formas, cores e paradigmas visuais à guisa de linguagem. Eventualmente esta fase poderia ser considerada uma síntese dessa tradição. O papel do prosaísmo na literatura, dirigido para a linguagem cotidiana como um revitalizadorda própria linguagem tem um paralelo no intenso ponto de convergência da arte contem. porânea-incluindo pintura, escultura, fotografia, instalação, novos meios artísticos e projetos com a comunidade-na força revivificante do contexto e não nos códigos e signos subsistentes . (Mikhail Bakhtin). É nessa área que ocorrem as oscilações nos papéis de ícone e índice, tendo o contexto (e a realidade) como playground. Este parece ser o foco da presente fase do projeto formalista, em andamento. Como parte do mesmo cenário podemos considerar os artistas que não pedem para ser reconhecidos como autores. Esses artistas preferem lidarcom situações ou fragmentos de cultura material, e deixarque eles se tornem possíveis imagens da realidade. A interpretação de muitas dessas práticas envolve a mesma espécie de dificuldades com as quais nos deparamos ao tentar compreender a vida que nos cerca-igualmente experienciada em fragmentos de tempo e espaço, encontros fortuitos, camadas múltiplas de significados, diferentes sistemas de simbolismo, dese\ jos e intensidades. Um exemplo disso é o interesse nos chamados contextos caóticos. Esses contextos não oferecem apenas um indício, mas sim um tipo de definições situacionais que reconhecemos a partir de fotografias documentais. Na análise de Walter Benjamin, a câmera mostra informações que são tão radicais em suas revelações do mundo quanto a psicanálise na sua tentativa de sutilmente extrair informações do subconsciente. A construção de um novo cenário

Dois artistas forneceram a base, um ponto inicial de referência para essa discussão: Markus Raetz e Franz West. Markus Raetz pode servisto como um artista que dá continuidade à tradição da arte européia, pelo modo como usa seus componentes formais e pontos de observação. Ele redireciona essa tradição para uma possibilidade de atenção acentuada e sensível. Somos convidados a partilhar com ele os segredos da observação, em vez de sermos apresentados a eles. Sentimos a

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conscientização crescente das possibilidades de descobrirmos novos significados como um momento de liberação, pois esta revela novas entradas para o mundo à nossa volta, o qual acreditávamos dominar com o olhar. O fulcro poético do trabalho de Raetz está na articulação consciente de proximidades e distâncias, pontos de observação e movimentos, com as imagens resultantes da transformação cinemática e seus significados. A arte de Markus Ra:etz e o escopo que o artista oferece para o espectador utilizar em sua própria vida inspiraram nossa crença na possibilidade de um acesso direto à arte, sem necessidade de expl icações. O cam po de referência dessa arte se estende para a experiência do visitante, seu mundo-vida (Lebenswelt) e a experiência do conhecimento imediato e sem mediação, de estar no fluxo do mundo. Pode-se dizer que Raetz torna a cor e a forma transparentes. Ele deixa que suas imagens residam na realidade e lhes permite tomar todas as tonalidades necessárias para integrá-Ia. Essas delicadas inscrições na realidade são verdadeiramente acrômicas. Franz West apresenta uma contradinâmica desse mapeamento elegíaco das tradições visuais. West pode ser considerado a incorporação da cultura européia da problematização. O ponto de partida dessa discussão foi a observação de um divã que Franz West criou para o museu Freud, de Viena. O divã, com sua relação significantemente di reta com o corpo e referência di reta à tradição psicanalítica, parecia capaz de transporo oceano entre a Europa e a América do Sul. Pode-se até mesmo traçar paralelos entre a obra de Franz West e a de Hélio Oiticica. Ambos vêm de sólidas tradições artísticas que continuam a cultivar. Baseiam-se em sensibilidades formais tradicionais, embora estas dificilmente sejam reconhecidas devido ao radicalismo da proposta. Para os dois artistas a coré um elemento essencial. Ambos produzem trabalhos relacionados diretamente ao corpo e a uma experiência holística. Entretanto, os parangolés de Oiticica apenas se transformam em obras de arte enquanto usados para dança, quando brotam para a vida. Seus espaços experimentais são espaços de alegria corporal. Por outro lado, os Passtücke de Franz West não se ajustam. Ao tentar caber neles, o corpo se arqueia formando uma corcunda ou outra forma de percepção de sua própria fragilidade e de suas limitações. A percepção aqui é de uma escala que não domina a terra, mas nos faz lembrarde uma humildade necessária. Os divãs são feitos de metal soldado ou recobertos com tapeçarias orientais, e o piso, elevado ao nível da experiência. Franz West parece produzirobras sem atrativos. Parece. A beleza de seus trabalhos não é revelada à primeira vista, é uma vibração na pele. A decisão de validá-los e aproveitá-los é tomada nesse micronível. O primeiro passo está em aceitar que, se olharmos com atenção, a superfície aparentemente surrada poderá se mostrar tão válida quanto qualquer uma das superfícies cuidadosamente projetadas e polidas, nas quais a nossa sociedade se especializou. Para além desse ponto, poderemos descobrir que as superfícies levam em conta matizes intrincadamente precisos, tons intermediários, cores, cores intermediárias, épocas e exotismos intermediários, nuances de passagens que são como as inflexões nas quais um clima temperado fundamenta e molda a realidade. Jimmie Durham Portable fountain in case your roof leaks Fonte portátil caso seu teto tenha goteiras 1997 vidro, água, madeira, plástico, aço inoxidável [glass, water, wood, plaster, stainless steel] 99x43,3cm

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XYZ U ngelost I Não-sol ucionado

Da Europa, o que escolhemos oferecer? Ou melhor, o que vimos ou sentimos que vimos? O adjetivo que preferimos usar num dado momento da discussão foi 'a-pretensioso'. Decidimos optar por artistas a-pretensiosos. Esses artistas vêm de tradições que há muito deixaram de apontardiretamente para fora de suas esferas culturais específicas. A tradição deles não é a primeira e principal tradição da "grande pintura", que ainda ecoa em Guernica de Picasso, aquela presença simbólica dos primeiros anos da Bienal. Esses artistas se recusam a falarem nome de terceiros, sejam eles grupos sociais, étnicos, sejam quaisquer outros. Falam como indivíduos como nós, e tomam por base suas próprias vozes. Há momentos em que esta arte busca possibilidades contidas nas imperfeições, ou articulase como uma imperfeição. Em outros momentos, ela pode se limitar a possibilidades espaciais, esboçando mundos possíveis, lá e naquele momento, aqui e agora. Ela existe numa percepção da impossibilidade de se multiplicar, e daí retira energia. Consegue a liberdade para se desenvolver porq ue prefere se manter à margem da econom ia, na qual atos devem tomar o máxi mo de espaço possível, e repetir-se taritas vezes quanto possível. Ela toma esta singularidade como um possível espaço no qual se concentrar, ou se transformar num fragmento que pode ser isolado, mas acaba por não sê-lo. Nesse processo, torna-se possível um vislumbre da sensação compartilhada do aqui e agora, imediatamente seguido de um incômodo questionamento das vastas expansões ocupadas por redes de automatismos culturais. Esta arte oferece possibilidades de reflexão por meio de seu desajuste. A obra optou por não ser um espelho do mundo, mas por construir mundos paralelos que não detêm nem reivindicam o direito de enquadrar-se. Sua existência fica à mercê dos transeuntes que se dispõem a concatenar a proposta e o mundo real em que vivem. A presença de Maurice O'Connell na exposição Manifesta, em Roterdã, pode ter passado completamente despercebida para muitos visitantes, ainda que a maior preocu pação dele fosse estabelecer uma relação com o público. Esse interesse-vem direcionando muitos projetos, nos quais seu principal envolvimento tem sido com o aprendizado de práticas e modos de funcionamento, utilizados nas instituições que o convidam. Esta postura foi claramente evidenciada no projeto que o artista desenvolveu para o Irish Museum of Modern Art de Dublin, em que durante um mês esteve fechado numa sala de onde podia ouvir os visitantes, enquanto ele próprio podia apenas servisto. Para o projeto apresentado na Manifesta, O'Connell começou por conduzir uma pesquisa no museu Boymans Van Beuningen . Os resultados de seus estudos investigativos foram mostrados na forma de conselhos que ele achou importante oferecer à instituição, escritos em pequenos pedaços de papel. Esses papéis foram espalhados pelo museu -onde provavelmente alguns ainda se encontram-e depois reunidos num manual que o artista deixou na gaveta da mesa do novo diretordo museu. Tais ações são interessantes não como soluções, provas de inocência ou atos heróicos de transgressão. Caso elas sejam transgressoras, isso não decorre de uma ação tática que poderá fortalecer sua posição nas fronteiras das artes visuais, mas porque há uma necessidade. Para o fruidor, é fascinante vivenciaro momento em que a percepção de uma mensagem, sinal, ou ato assume vida própria em sua cabeça, e parece formar cristalizações mentais por meio de pequenas

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alterações ou rupturas em sua imagem do mundo, que também contém sua imagem da arte. Hoje muitos artistas parecem situar-se em pontos de onde podem extrair dados de muitas fontes culturais divergentes. Por esse motivo, embora possam parecer sem-lugar, na realidade seus trabalhos demonstram um profundo senso de localização. Os artistas escolhem suas estruturas de referência-sua história-e deixam que a obra defina seu próprio espaço, um local intimamente relacionado ao momento que marca o roteiro dos artistas. A qualidade desses artistas é quiasmática e simultaneamente instruída por essências diferentes. É por aceitar seu rotei ro como u ma jornada q ue parecem capazes de emanar um senso de presença em qualquer lugar, onde quer que seja e da maneira que desejarem agir. Constroem suas obras com base nas qualidades inusitadas da ação, e não em questões materiais e conceituais. Como ilustração, podemos tomar a obra que Roza EI Hassan (artista húngara, descendente de sírios, há muitos anos residente na Alemanha) expôs na primeira edição da Manifesta. A artista decidiu formularsua presença nesta mostra de maneira a apresentar-se como si própria, em vez de tentar otimizar sua representação, trazendo-a para um plano médio, adequadamente comunicativo. Ela trouxe para Roterdã uma série de fotos em preto-e-branco, sobre as quais desenhou pontos como que para relembrar momentos, recriar uma percepção de presença. O espírito que desejava suscitar era o espírito do "agora". Para tanto ela usou a palavra húngara-mos(-na exposição. O espírito foi invocado ainda, e literalmente, numa série de pares de fones de ouvido suspensos acima do desenho que ela criou no espaço de exposições Witte de With, em Roterdã. Os fones de ouvido transm·itiam a palavra "most", "most", "most", contínua e repetidamente. Realidades de vida e arte

Seguir até o fim o caminho escolhido muitas vezes leva a expectativas contraditórias com relação à obra. Tanto Esko Mãnnikkõ quanto Rineke Dijkstra rejeitaram a imagem que lhes havia sido conferida e invalidaram os limites dentro dos quais sua mágica se originara. Agiram dessa forma porque o caminho a seguirera inerente ao trabalho de ambos. Esko Mãnnikkõ tornou-se conhecido como o fotógrafo do Norte Nórdico; de indivíduos fotografados em suas pequenas casas em locais remotos da vasta natureza, numa luz que reconhece a escuridão, impregnados por uma rica escala de tons cuja beleza mostra este cenário de vida, confortante e confortável. Rineke Dijkstra também tinha uma luz própria e palheta de cores reconhecidamente suas. Suas figuras centrais eram pessoas na praia, sob uma luz ensolarada porém com um tom de frieza e distanciamento que imitam a atividade fotográfica. Ambos são reconhecidos como referências seguras no território do formato e de imagens insólitas, com acabamento profissional, precisas e voltadas para a escala, que encontraram seu próprio nicho na arte visual. . Rineke Dijkstra provou por meio de vídeos recentes que "sua mágica" não depende do formato reconhecível das imagens, mas da firme atenção ao relacionamento entre observadore observado, fazendo com que o sentimento desta relação permeie em todos os aspectos da criação da imagem, tanto técnicos como psicológicos. As poses e os gestos dos indivíduos retratados se despedaçam diante de nossos olhos; fazem com que a indiferença do olho da câmara tropece ao

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reagir. A problematização diz respeito à relação que existe nos momentos do retrato, e não à fotografia em si. Os panoramas fotográficos que Mãnnikkõ mostra em São Paulo também marcam o abandono de seus retratos anteriores, nos quais "utiliza molduras velhas", tanto no sentido literal como no simbólico da expressão. Mãnnikkõ não apresenta suas fotos, mas dá continuidade ao programa documental, reduzindo o ritmo que no passado era visto como seu trunfo particular. O artista divide a cena com as pessoas que fotografa, tanto física como mentalmente, enquanto faz com que sua habilidade e conhecimento sirvam a dignidade desses indivíduos. Mãnnikkõ fotografou panoramas em diversas partes do mundo. As primeiras fotos foram tiradas na Finlândia, sua terra natal, e hoje constituem um tema paralelo aos seus retratos. A princípio, continuou esta série com trabalhos feitos no Texas. Logo ficou evidente que sua arte não era sobre as particularidades do fundo e sua familiaridade com ele. Pelo contrário, diz respeito a um modo de vero mundo, prestar atenção nele e reconhecero potencial de novas visibilidades. Os panoramas apresentam similaridades e proximidades assombrosas, a despeito das distâncias geográficas e dificuldades culturais que os envolvem. Talvez possamos falarde supressão de áreas da consciência coletiva referentes ao meio ambiente. Numa entrevista recente ele afirmou que, hoje em dia, é estranho como as pessoas parecem se conscientizarde algo-ainda que seja no quintal de suas casas-apenas após terem visto uma foto disso. As fotos de Mãnnikkõ também tratam da beleza. O artista tomou as cores do Texas e deixou-as ressoar em seu próprio modo satu rado. Em suas fotos da Fi nlând ia, ele torna o observador consciente do jogo su premo de Iuz e escu ridão no norte da Eu ropa. Por sua vez, Dijkstra transformou o brilho frio e incomum de suas paisagens de praia em seu contraponto artificial-dança de discoteca. Mesmo vindo acrescida de uma declaração, a obra de Milica Tomic não se propõe a declarar coisa alguma. Ainda que, desde a seleção do trabalho, esta declaração tenha se tornado uma realidade cada vez mais alarmante, não é este o tema. A obra concentra-se na capacidade que um indivíduo tem de experimentar seus próprios limites, na possibilidade de se conectar com o mundo através dela, e na inserção desta experiência numa estrutura de conscientização. Isso pode levar a uma crítica da decrescente importância que é conferida, na Europa, ao envolvimento pessoal e à transferência de responsabilidade às soluções sistêmicas. O trabalho em si não introduz esta polêmica. Ela reside na consciência do indivíduo. Milica Tomic retoma a experiência de guerra no ato mais básico e banalmente íntimo de abotoare desabotoar um parde calças de lã vermelha e um paletó de uma corverde um tanto em desuso. Ela se concentra na memorização, não como um ato de egocentrismo narcisista, mas como uma possibilidade de abertura e como uma aceitação das limitações existenciais. Ela trata da amnésia inevitável; o fato de que esse não foi um evento abstrato para ser lembrado, mas que pessoas reais foram, sim, baleadas, e a memória só consegue manterviva uma parte dessas realidades. A artista se recusa a incorporarem sua obra quaisquer dos poderosos signos iconográficos disponíveis no evento inicial. Em vez disso, ela os substitui por imagens de seu próprio fracasso. Retomar sensibilidades e experiências pessoais não leva necessariamente à expressão da individualidade. Pode ser ainda um caminho para além do se/f, que se torna uma possibilidade de maior abertura. Bjarne Melgaard equilibra seus desejos com violenta negatividade. Provavel-

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mente, o fulcro desse impulso é representado mais claramente em seus desenhos. Ainda assim, estes são continuamente diminuídos, integrados e desintegrados, virando de cabeça para baixo a importância dos gestos, desfrutando os pequenos detalhes de uma estrutura, criando histórias que aparentam sustentaro conteúdo, arremedando soluções artísticas diversas e somando tudo no final. Acrescendo, propondo, renunciando. A meta é criar um campo que seja como um evento, durante o qual uma profusão de intensidades desgarradas possam flutuar livremente. Estas são baseadas na particularidade do olhar ou da frase, na linha de um ombro, na ressonância do azul de que ele tanto gosta, assim como os tons transparentes de verde e roxo. Melgaard torna seu trabalho potencialmente insignificante ao apresentá-lo como uma erupção profusa. Em suas propostas as possibilidades deixam-se ficar, escondidas, como se não quisessem permanecer a postos e esperar uma avaliação. Da mesma forma, Honoré 0'0 parece estarfugindo de seu próprio fantasma, ainda que tente nos fazer acreditar que o está mostrando. Ele ostenta o ridículo. Certa vez, escreveu num catálogo: 'hophophop, let's duracell' [hophophop, vamos duracel1]1. Há uma insustentável leveza e um intolerável desembaraço nos jogos que o artista propõe. Podemos ser levados a escolher uma bola de gude e soprar para fazê-Ia mover-se num circuito de conduítes de plástico. O circuito poderá começar Ce acabar) num vaso sanitário, ou sobre um cinzeiro no bardo andar inferior no espaço de exposições, ou numa sala de aula contígua àquela que também está ligada pela rede de conduítes. As regras são estabelecidas de forma que o transeunte tem apenas duas possibilidades: aceitar ser engolido por elas ou rejeitá-Ias completamente. Ambas causam uma sensação de perda do papel tradicional que supostamente é desempenhado pelo visitante numa exposição de arte: o de fruirde maneira desprendida, apreciar a partirdo ponto mais longínquo do espaço oceân ico. Seus gestos estão sempre no limite entre uma lacuna intensamente profunda e a atmosfera de vazio, tout court. Eles não tratam de confiabilidade. Ao pretender "consertar" o campo e permitirque o espectador se torne um "seguidor" do artista, na realidade os gestos negam esta possibilidade em qualquer nível substancial. Por fim, levam nossos pensamentos para outros atos e cenários mais significativos para o observador do que aqueles apresentados pelo artista. O verdadeiro confronto dá-se com tudo aquilo que não está ali. De maneira análoga, a obra de Markus Raetz é tão precisa que, no exato momento em que a plenitude visual, inicialmente escondida, é revelada no transcorrerde uma experiência de observação, torna-se uma ferramenta à espera de ser utilizada em outras situações na vida. Honoré 0'0 flerta com a natureza eventual da situação da mostra para permitir que se inverta, enquanto Markus Raetz recusa toda e qualquer orientação, exceto que devemos contar com nossa própria presença corporal com seu aguçado senso de mundo-vida. A solução

A qualidade de a-pretensioso, que pode servista como um denominador comum a direcionar nossa seleção desses artistas, apresenta uma espécie de ângulo de visão diferente daqueles reconhecidos por destacar a individualidade da escolha, em que "obsessões" e "fascinações" têm permissão para reinar. A abordagem que qualificamos como "a-pretensiosa" não tem a espécie de intensidade que caracteriza uma abordagem antiga. Ao mesmo tempo, ela tem a

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proximidade do insight que pode estar contido num sentido de recusa consciente de nos deixarmos levar pela renúncia ou por sua versão romântica de desespero. Foi Franz West que, certa vez, sentado a uma mesa reunindo doze artistas, fez um de seus típicos comentários lapidares sugerindo que já não havia mais esperança para todos que ali estavam. E esse foi um comentário positivo que poderia se aplicara cada um dos artistas convidados para este evento. Eles têm profundo conhecimento dos limites dentro dos quais existem como artistas, mas essa consciência não leva a uma paralisação. Todos apresentam maneiras possíveis de continuar-cada um a seu próprio modo. O q ue esperamos dos artistas convidados? Eles parecem oferecer u ma escala de abordagens possíveis para suas próprias abordagens, que incluem até mesmo a possibilidade de ignorá-Ias. Afinal, o convite é para partilhar. A possibilidade de substância existe, porém apenas na aceitação da falta de um quadro que atribua poderes. Ou seja, do quadro como uma imagem que busca um novo contexto. Nesse processo, a obra recusa o poder potencial contido no olhar ratificante do observador, devolvendo um olhar inquisidor para ser exercitado em outro lugar, em outras experiências, similares àquelas que originaram e causaram a própria arte. Ser como os querubins e os serafins: apenas um olho São Bessário, moribundo Se o indivíduo é apenas olho, então olho e corpo se confundem. Aquele que deseja serapenas olho, se imagina como espaço de transição entre os dois lados do mundo. O olho não quer apreender nem cultivaros labirintos das conceitualizações que o sustentam. Pelo contrário, ele tenta se aproximar do perpetuum mobile da lente. Uma lente não é unidirecional, ainda que seja usada desta forma em câmeras, microscópios e binóculos. O olho pode ser um momento de conexão, um intermediário atrás das lentes no mundo, à procura de validação para o mundo à sua frente. O momento antropofágico transforma-se numa situação de intensidades partilhadas, porém não é esquecido. A atribuição de poderes não funciona apenas em uma direção. Tampouco tem começo ou fim. Na realidade, é um contínuo de oscilações nas quais séries complexas de equilíbrios, em permanente mutação, geram a dinâmica de fluxo e criam um senso de liberdade. Trata-sede uma situação delicada, facilmente despedaçada por qualquertentativa de se impor a mais diminuta forma de domínio. Bart De Baere e MaarettaJaukkuri. Traduzido do inglês por Izabel Murat Burbridge. Referência às baterias Du racell , cuja campanha publicitária na Europa inclui anúncios espirituosos, apresentando brinquedos mecânicos que se movem em cadência tique-taque [N. daT.].

1.

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Bjarne Melgaard Sem tĂ­tulo [Untitled] 1998 desenhos [drawings] 282 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros . Roteiros. Roteiros . Roteiros . Roteiros. Roteiros."


EUROPEAN BIENNIAL OF <MfI".)~ART LUXEMB~

28 JUNE-ll OCTOBER \~8

l'Vc- IrS

Info Mailbox Agence luxembourgeoise d'Action culturelle a.s.b.!.

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Manifesta 2 B.P.345 l-2013 luxembourg

a Executive Office

Casino Luxembourg • Forum d'art contemporain 41, rue Notre-Dame L-2240 luxembourg Tê!. (+352) 22 5045 Fax (+352) 22 95 95 E-mail : manifesta2@ci.culture.lu


Roza EI Hassan Stretched object Objeto alongado 1995 copo, arame, pregos [drinking glass, wire, nails] Sem título [Untitled] pedra basáltica, alfinetes coloridos [basalt stone, colored pins] 120cm diâmetro Sem título [Untitled] detalhe 284 XXW Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


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Milica Tomic xy ungelôst-reconstruction of a crime xy ungelóst-reconstrução de um crime 1998 vídeo-instalação [video installation)


Rineke Dijkstra The Buzzclub

o Clube da Moda 3 de março de 1995,4 de março de 1995 e 11

Mys~eryworld

Mundomistério 1996-97 Zaandam , Holanda

de março de 1995 Liverpool , Inglaterra 3 fotografias

288 XXIV Bienal "Roteiros, Roteiros, Roteiros , Roteiros, Roteiros, Roteiros, Roteiros ,"


289 Europa Bart De Baere e Maaretta Jaukkuri


este spread e o seguinte [thi s spread and the following onel Esko Mannikk贸 New Vork 1997 panorama fotogr谩fico 290 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros . Roteiros. Rote iros. Roteiros . Roteiros . Roteiros."


291 Europa Sart De Saere e Maaretta Jaukkuri


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Europa

curadoria Bart De Baere e Maaretta Jaukkuri

A-Anthropophagy "It was night. The rabbits sawa shining light. They were perplexed by it, and lost the flexibility oftheir rabbit-ness, and stared at it. Never had they seen such a magnificent electric light in the night." Anthropophagy as an "a-zone"

We have not been wrestling with anthropophagy itself, but rather with the cultural field that uses it as an image. ln this search for understanding we tried out different approaches and carne to think that perhaps the prefix "a" says something like it- not clearly this ar that, while being aware ofboth sides. Anthropophagy as a cultural approach was put on paper in a manifesto in the twenties, and in Brazil s'eems to have become a way of identifYing with different and conflicting essences , including the possibility of continuously swallowing new energies, and becoming them, too. When confronted with this concept, we experience a sense of lacking something essential that we need to be able to understand it; ofbeing unable to grasp a whole spectrum of nuances entailed in the Portuguese word "antropofagia". When confronted with it, there is a distinct feeling of being able to go along with it only "so far" , after which there is an immensity that Brazilian culture seems to be intimate with, but which we are alien to, ar alienated from . This is also a feeling we sometimes get when viewing contemporary Brazilian art. There are many things that we can easily recognize while others seem like exits into the vastness of nature and into unknown fields of cultural references . Here we also experience that the art that is best able to communicate between cultures seems to contain within itself cross-cultural interpretations and translations. All the while, however, we are aware ofthe fact that some ofthe underlying paradigms, modalities and tones may be passed by unrecognized, and our reading bounces back to our own culture. We wonder, of course, whether the sarne applies to all inter-cultural visual communication? Do we miss the essences : you there and we here? What may be needed here is the understanding that we have entered an "a" ; a zone where our sense of security is threatened, and we can only proceed through the dual orientation ofboth

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trusting our own stories and historíes, while alsodaríng to look at other images and to experience new presences. This may be the moment of giving a gift but also of daríng to receive one. As opposed to the flow of energies that we imagine the anthropophagic vision of culture to offer, Europe has traditionalIy chosen distance, and clear definitions of otherness. These choices seem by now to have hardened and become instrumentalised to the point where they determine conscious actions. They alIow for the construction ofidentities in which certain actors are granted proximity, while others are exorcised by enclosing them within themselves, by distancing them, by renderíng them visible only as images and symbols. Sometimes it seems that anthropophagy, often even on the symbolic leveI, has been obliterated from European consciousness. An example of this is that, at the point when we opted for Milica Tomic's instalIation about the first mass killing in Kosovo in 1989, the situation there had not yet publicly emerged as anything but a fringe problem. This system of definitions and counter-definitions obviously has its own dynamics and possibilities of precision. A major operational mo de in Europe seems to be an incessant problematization on alI leveIs. The construct is made to undergo continuous re-adaptations; whenever its limits become visible, it is re-vamped, re-directed, and re-built. The resulting definitions and the consequent activities achieve a complexity by tackling the awareness oftheir own limits, in the gap between what the situation is and how it can be dealt with. Europe has chosen distance not only as its perspective but also in its manner of cultivating observation. The one who observes is the one who reflects and problematizes. Distance, mental distance, is often considered a virtue in its own ríght. Those who are able to judge see things in their proper perspective, and both sides of the situation at the sarne time. Europe is a densely populated continent where the dominant forms of culture could be defined as second-degree or urbano This density of population seems to lead to two kinds of sensibilities as regards co-existence. One is the desire to keep sufficient distance, to actualIy cultivate oêlle Tuerl inckx aa 1995 duas letras 'a' minúsculas escritas sobre duas paredes, prego, fio [two letters 'a' lower case written on 'VO

walls,nail , thread]

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distance, in order to optimize it within an awareness oflimitations. The reverse side of the coin is the need to develop modes of co-existence to deal with the unavoidable proximity: physicality is seen as a problem that is turned into a contained fact that one has to live with. ln the Europe of centers, one has to accept a life with this closeness. One has to create a space for oneself, while also being prepared to leave both physical and mental space for others. The dynamics of this mutual space creatiori are perhaps the momentof European anthropophagy as manifested in today' s reality. "A" is not absent; it is only transposed into the realm of symbolic communication. There the prohibitions of reallife can be transgressed. But the symbols have started to live a life of their own producing constant changes of meanings, repetitions, antipodes, new contextualizations, histories, interpretations until they are felt to have exhausted themselves, turning into circuits of meaning devoid of contact with the world, and instead starting to operate as a world of their own. Here art's basic symbolic act ofliberation from the world (Georges Bataille) has reached its completion. One possible way of going beyond this idling in the realm of symbols seems to be manifested in the moments when the Duchampian act ofbringing a bottle rack into an art context is reversed by bringing the object with its new definition as art object back to the world, where its presence creates new visibilities which exist within other fields of communication, other symbolic systems; to throw light on what by now has become invisible both in or outside the domain of art. This reversal seems to imply the activation of the icon into being a tool for new meanings in the areas surrounding it rather than contained in it. The is sue here is the act, the intended transferraI carried out in the space between Bataille's "cave" and the world, as well as the involvement in the nature of these transpositions, transgressions, new distances and proximities. The world experienced as a verb requires verbic visuaIs as its mimetic moments. This art can be seen as a kind of inverse indexical sign, which leaves behind a trace of art in life and physical reality. If a footprint in the sand is an example of a traditional index, we are now confronted with art that is specifically situating itselfwithin those moments when the footprints are imprinted orwhen the fire is lit in the oven, the smoke of which will soon be seen from the chimney. Simultaneously, there are structural, even paradigmatic changes that lead to a greater proximity between practices in the European artistic landscape and the possibilities we imagine to be inherent in the Brazilian attitude, as covered by the reference to cannibalism, i.e. the intense flow within which moments ofidentification can be achieved. We do notwish to call these shifting accents in the European artistic landscape anthropophagic, though. But we may speak of sampling, as appropriation gone wild. Things being the way they are, we cannot go beyond the shore reached by the bishop whose name, by the way, was "Sardinias". This earliest European experience ofSouth American cannibalism and the first historically commemorated white man to be eaten, still seems to mark the limit that'Europe can reach. The bishop went ashore, not to be eaten but to remain alive and himself. He landed with what he considered to be an offer. He entered a terra incognita. He had been cast ashore there because of a shipwreck, not because he had planned to promote his transcendentalversion of cannibalism there. He didn't succeed beyond his own expectations, on the contrary, the whole experience was merely an accident. This makes the image ofhim sadly comic:

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the relief of reaching the line between water and land, his happy stumbling onto the beach, after that, the fear of the unknown upon entering the lush vegetation. Traditions and contexts

There are artists working in Europe today about whom we can say that their work is characterized byan evasion of styles and of authoritative forms of rhetoric, ·distilling from the past what is needed for the present and using its traditions, ambivalences and ambiguities knowingly, with the aim of sharing experience while refraining from self-expression and leaving space for the viewer's own world. This claim could be justified by the language-like use offorms, colors and visual paradigms. It might be possible to call this a synthetic phase of this tradition. The role of prosaics in literature with its focus on everyday speech as a revitaliser oflanguage has its parallel in contemporary art's-including painting, sculpture, photography, installation, new media and community projects-intense focus on the life-giving force of context rather than the life-resisting codes and signs (Mikhail Bakhtin). It is in this area that the oscillations in the roles of icon and index, with context (and reality) as their common playground, are taking place. This seems to be the focal point of the present stage of the ongoing formalistic projecto As part of the sarne setting we may consider artists who don't ask to be recognized as authors. These are artists who would rather deal with situations or fragments of material culture and let these become possible images of reality. Interpretation of many of these practices involves the sarne kind of difficulties we encounter in trying to understand life around us-likewise experienced in fragments oftime and space, chance encounters, multiple layers ofmeanings, different symbolic systems, desires and intensities. One example of this is the interest in so-called chaotic contexts. These contexts do not provide a single clue but rather the kind of situational definitions that we recognize from documentary photographs. ln Walter Benjamin's analysis the cam era shows information that is as radical in its revelations of the world as psychoanalysis in its project of trying to coax out information from the subconscious. Constructing a scene

There are two artists who have provided the ground, an initial point of reference in this discussion: Markus Raetz and Franz West. Markus Raetz may be seen as an artist who continues the European art tradition in his way of usingits formal components and viewing positions. He redirects this tradition into a possibility of sensitive and heightened attention. We are invited to share with him the secrets of seeing rather than being shown them. The growing awareness ofi:he possibilities of discovering new meanings feels like a moment ofliberation, disclosing new entrances into the world around us which we already thought to be able to master through our gaze. Raetz's conscious articulation of proximities and distances, viewing positions and movements, with the resulting filmicly changing images and their significations, constitutes the poetic kernel ofhis work. )811e Tuerlinckx a 1993 letra 'a' minúscula escrita com giz branco, redoma de vidro [Ietter 'a' lower case written with white chalk, ass dome] modelo único de uma série infinita [unique model of an endless series] 40x19cm diâmetro

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Markus Raetz's art, with the scope he leaves for the spectator to use it in his /her own life, inspired us to believe in the possibility of direct access to art without the need for explanations. The reference field of this art reaches into the experience of the visitor, his /her own life-world (Lebenswelt) and the experience ofimmediate, unmediated knowledge ofbeing in the flow of the world. We could say that he makes color and form transparento He lets his images reside in reality and allows them to take all the shades required to be part ofit. These gentle inscriptions in reality are true achromes. Franz West presents a counterdynamics to this elegiac mapping ofvisual traditions. West can be seen as the embodiment of the European culture of problematization. The starting point for this discussion was an encounter with a couch by Franz West for the Freud museum in Vienna. The couch, with its pregnantly direct relationship to the body and direct reference to the psycho-analytical tradition, seemed able to bridge the oceans between Europe and South America. We might even see parallels between Franz West's work and that ofHélio Oiticica. Both come from solid artistic traditions and continue to cultivate them. They rely on traditional formal sensibilities, although these will hardly be recognized due to the radicality ofthe proposaI. For both, color is an essential elemento Both make work that relates directly to the body and to a holistic experience. The Parangolés of Oiticica, however, only become works of art when danced in, when flowing out into life. His experiential spaces are spaces ofbodily joy. The Passtücke ofFranz West, on the other hand, do not fit. ln trying to fit into them the body is twisted into a hunchback or some other form of awareness ofits own fragility and limitations. The awareness here is that of a scale that does not flow over the earth but reminds us of a necessary humility. The sofas are welded out ofhard metal or covered with oriental tapestries, the floor elevated to the leveI of experience. Franz West seems to produce unattractive works. He seems to. Their beauty is not disclosed to the quick glance; it is a vibration in the skin. The decision to validateand enjoy them is taken on this micro-leveI. The first step is to accept that, if attention is paid to the apparently shabby surface, it may prove to be as valid as any of the carefully designed andpolished surfaces that our society has specialized in. From that point on, we may discover that these surfaces allow for intricately precise shades, in-between shades, colors, in-between colors, in-between epochs and exoticisms, shades of passages that are like the inflections in which a temperate climate informs and shapes reality. XVZ Ungelõst/unsolved

What did we choose to offer from Europe? Or rather, what did we see or feel we saw? The adjective that we preferred to use at a certain moment in the course ofthe discussion was "a-proud". We decided to opt for a-proud artists. Boris Michaelov Sem título [Untitled] 1997

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These artists come from traditions which for a long time have detached themselves from directly aiming outside of their specific cultural spheres. Theirs is not first and foremost the tradition of"grande peinture" as it is still echoed in the Guernica ofPicasso; that symbolic presence from the early years of the Biennial. These artists refuse to speak in the nameof others, be it a social, ethnic or other group. They speak as one of us and rely on their own voices . There are moments when this art searches for possibilities contained in flaws or articulates itself as a flaw. ln other instances, it can limit itselfto spatial possibilities, sketching out possible worlds, there and then, here and now. lt exists in an awareness ofthe impossibility ofmultiplying itself, and draws energy from that. lt acquires the freedom to develop because it chooses to stay out of the economy in which acts have to take as much space as possible and be repeated as many times as possible. lt takes this uniqueness as a possible spa ce to focus or to become a fragment that might be isolated but ultimately is noto ln doing so, a flash ofthe shared feeling ofbeing here and now is made possible, followed instantly by an uneasy questioning of the vast expanses of networks of cultural automatisms. This art offers possibilities for reflections through its not-fitting. It has chosen not to be a mirror of the world but to build parallel worlds, which do not possess or even claim a right to fit in. Their existence is at the mercy of those passers-by willing to link the proposal back to their real world. The presence of Maurice O'Connell at the Manifesta exhibition in Rotterdam may have remained altogether unnoticed by many visitors, even ifhis central concern is in establishing a relationship with the audience. This interest has guided projects in which his main involvement has been to get to know the practices and ways of functioning used in the institutions that invite him. This was clearly manifested in the project he carried out at the lrish Museum of Modern Art in Dublin, where he stayed in a closed room for a month, able to hear the visitors while he himselfwas only visible. For the Manifesta project he started to conduct research on the Boymans Van Beuningen museum. The results ofhis investigative studies were seen in the form of advice written on small pieces of paper that he felt to be important to give this institution. They were spread around the museum, where probably some ofthem still are today, and brought together in a manual which he left in the newly-appointed director's desk drawer. These actions are interesting not so much as solutions or as proofs ofinnocence or heroic acts oftransgression. lfthey happen to be transgressive, it is not as a tactical act which might strengthen their position on the borders of the visual arts, it is because there is a necessity. For the spectator it is fascinating to experience the moment when the perception of a message, signal, or act starts to lead its own life in his/her head, and seems to open up mental crystallizations by small shifts or ruptures in his/her image ofthe world, which also contains his/her image of art. Many artists today seem to situate themselves at points where they may be able to draw from very divergent cultural sources. Because of this, they might seem place-less, but actually their work shows a profound sense of place. They choose their frames of reference-their history-

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and let the work define its own space; a location which is intimately linked to the moment it marks on their route. The quality ofthese artists is chiasmatic and simultaneously informed by different essences. It is because they accept their route as a journey, that they seem to be able to emanate a sense of being present in any place and wherever they go and in whichever way they choose to acto They build their art on the unique qualities of the action rather than on material or conceptual concerns. An image ofthis may be the work by Roza EI Hassan (Hungarian, ofSyrian descent, having lived a large part ofher life in Germany) which she showed in the first Manifesta exhibition. Roza EI Hassan chose toformulate her presence in the Manifesta exhibition in a way that remained itself rather than trying to optimize a representation and to bring it towards the fittingly communicative middle-ground. She approached Rotterdam by taking a series ofblack-and-white photos, on which she drew dots, as if to recalI moments, to re-create an awareness of presence. The spirit she wished to calI forth was the spirit ofthe "now". She used the Hungarian word for this-mostin the exhibition. It was also calIed upon, li te ralIy, in a series of pairs of earphones hanging above the fIoor drawing she made in the Witte de With exhibition space in Rotterdam. On the earphones we heard the word "most", "most", "most", over and over again. Realities of life and art

Going alI the way along the chosen path often leads to contradictions in the expectations attached to the work. Both Esko Mannikkõ and Rineke Dijkstra rejected the image that had been applied to them, and invalidated the limits within which their magic originated. They did so because the path onward was inherent in their work. Esko Mannikkõ became known as the photographer ofthe Nordic North; ofthe isolated men, in their smalI houses amid a vast nature, photographed in a light that is aware of darkness, while being imbued with a rich scale oftones that posses ses a beauty that shows this life-setting as both comforting and comfortable. Rineke Dijkstra also had her own light and palette of colors which were recognized as hers. Her core images were people on the beach, in a light that is sunny but with a hue of coldness and distance that echoes the photographic activity. Both are considered secure references in the domain of format and of scale-conscious, precise, professionalIy finished singular images, which have found their own niche in visual art. Rineke Dijkstra has proven through her recent videos how "her magic" does not depend on the recognisable format ofthe images but on resolute attention to the relationship between the viewer and the viewed, causing the feeling of this relation to penetrate alI aspects óf imagemaking, the technical as welI as the psychological. The poses and gestures of the portrayed people shatter in front of our eyes, they make the aloofness ofthe eye ofthe camera stumble by re-acting. It is the relationship that exists in moments of portraiture that is problematized, and not photography as such. The photographic panoramas which Mannikkõ is showing in São Paulo also mark a departure from his earlier portraits, in which "he uses old frames", both in the literal and symbolic sense of the phrase. Mannikkõ does not stage his photographs but continues the documentary

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programme by slowing down the speed that once was considered to be its specific asseto Mannikkõ shares the scene with the persons he photographs, both physically and mentally, and lets his skills and knowledge serve the dignity of these people. Mannikkõ has photographed panoramas in different parts of the world. The earliest ones have been taken in his native Finland and have formed a parallel theme to his portraits. He first continued this series with photographs taken in Texas. It became explicit that his art was not about the particularity of the background and his familiarity with it. Rather, this is about a way oflooking at the world, paying attention to it and becoming aware of the potential for new visibilities. The panoramas possess haunting similarities and proximities irrespective of the geographic distances and the cultural differences that surround them. Perhaps we could speak about the suppressed areas in our milieu consciousness. ln arecent interview he stated that it is strange that nowadays people seem to become conscious of something-even when it is in their backyards-only after seeing a picture of it. Mannikkõ's photographs are also about beauty: He took the colors ofTexas and let them resonate in their own saturated way, and in his pictures ofFinland he makes the viewer aware of the extreme play oflight and darkness in North Europe. Dijkstra, for her part, turned the uncanny, cold brightness ofher beach scenes into their artificial counterpoint~disco dancing. Even if she has added a statement, Milica Tomic's work is not about stating something. Even if, since the selection of the work, this statement has become a more and more alarming actuality-this is not the issue. Instead, it focuses on an individual's capacity to experience his/her own limits, but also the possibilityoflinking to the world through it and the ins~rtion of this into a framework of awareness. This may lead to a critique of the diminishing importance attached in Europe to personal engagement and to the transference of responsibility to systemic solutions. The work itself doesn't polemicize this. It resides in the consciousness of the individual. Milica Tomic turns the experience ofwar back to the most basic, banally intimate act ofbuttoning and unbuttoning, a pair of red woolen trousers, a coat in a somewhat outdated shade of green. She concentrates on the act of memorizing; not as an act of narcissistic egocentricity, but as a possibility of openness and as an acceptance of existentiallimitations. She touches upon the unavoidable amnesiai the fact that this was not an abstract event to be remembered, but that real people were shot, and that memory can only keep so much of these tealities alive. She refuses to incorporate any of thepowerful iconographic signs available in the initial event in her work, and instead replaces them with images ofher own failure. Falling back upon personal experiences and sensibilities does not necessarily lead to expressing individuality. It may also be a way beyond the self, to let it become a possibility for increasing openness. Bjarne Melgaard balances his desires with violent negativity. The core of this drive is probably most clearly enacted in his drawings. Yet, they are continuouslyplayed down, integrated, and disintegrated, turning the importance of gestures upside down, enjoying the small details of a set-up, creating stories that pretend to uphold the corttent, mimicking diverse artistic solutions and adding everything UPi adding, proposing, disclaiming. Thegoal is to create a field that ::>ris Michaelov Sem título [Untitled] 1997

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is like an event during which a multitude of drifting intensities are allowed to float around. They are based on the particularity of the look or of the phrase, the line of a shoulder, the resonance of the blue he likes so much, as well as those transparent hues of green ar purple. Melgaard makes his work potentially negligible by presenting it as a lavish eruption. Within his proposals, the possibilities linger, hidden, as if not wanting to stand still and wait to be evaluated. HonorĂŠ 6'0, too, seems to be fleeing his own ghĂłst, even ifhe makes us believe that he is showing it to uso His is a bravura ofthe ridiculous. ln a catalogue he once stated: "hophophop, let's duracell". There is an unbearable lightness and an intolerable directness in the games he proposes. We can be made to choose a glass marble and blow it through a circuit of plastic electric tubes. It may start (and end) in a toilet, or above an ashtray in the bar below the exhibition space, or in a classroom next to the one which is also connected to the netwark oftubes. The rules are laid out in such a way that the passer-by has only two possibilities: to accept being swallowed by them or to altogether reject them. Both of the choices cause a sense ofloss of the traditional role that a visitor to an art exhibition is expected to play: to enjoy in a detached way, to appreciate from the far side of the oceanic space. His gestures are always on the border between an intensely deep void and the atmosphere of emptiness, tout court. They are not about trustworthiness. While pretending to "fix" the field and to let the spectator become a "follower" of the artist, they in fact deny this possibility on any substantiallevel: in the end they lead our thoughts away, to other acts and settings more meaningful to the observer than the ones presented by the artist. The real confrontation is with all that isnot there. ln an analogous way, the wark ofMarkus Raetz is so precise that the very moment that the initially concealed visual plenitude is revealed, in the course of the viewing experience, becomes a tool that waits to be applied to other situations in life. HonorĂŠ 6'0 flirts with the event-ness ofthe presentation situation in order to let it turn into its reverse, while Markus Raetz refuses all guidance other than that we should rely on our own bodily presence with its heightened sense oflife-world. The way out

The quality of a-pride, which may be seen as a common denominator guiding our selection of these artists, presents a different kind of viewing-angle than those recognized as and highlighting the individuality ofthe choice in which "obsessions" or "fascinations" are allowed to reign. The approach we named "a-pride" does not have the kind ofintensity that characterizes the former approach. At the sarne time, it has a proximity to the insight that may be contained in a sense of consciously refusing to be carried away by resignation or by its romantic version of desperation. It was Franz West who, at a table with a dozen artists present, once made one of those, for him, typicallapidary remarks, that he felt everybody at the table was beyond hope. This was a positive remark. It might apply to each of the artists invited here too: they are profoundly aware of the limits within which they exist as artists, but this awareness does not lead to a standstill. They are all showing possible ways to continue-each in their different ways.

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What do we expect fromthe invited artists? They seem to offer a scale of possible approaches to their own approaches. These even include the possibility of passing them by. ln the end, the invitation is to share. There is a possibility of substance but only in the acceptance of a lack of an empowering frame. Or rather; the frame is an image in search of a new contexto ln this, it refuses the potential power contained in the affirming gaze of the viewer. lnstead, it sends a questioning gaze back to be carried on elsewhere and in other experiences, not unlike those which were the origin and cause of the art itself. Be like the cherubins and the seraphins, onlyan eye abba Bessarion, dying lf one is only eye; the eye and the body overlap. Anyone who wishes to be only an eye, envisages him or herself as a space of transition between the two sides of the world. The eye neither wants to be able to grasp nor to cultivate the labyrinths ofthe conceptualizations supporting it. lt rather tries to approach the perpetuum mobile of the lens. A lens is not unidirectional even ifit is used like this in cameras, microscopes and binoculars. The eye may be a moment of connection, a go-between that searches for validation in the world behind the lens for the world in front ofit. The anthropophagic momentis turned into a situation of shared intensities but it is not forgotten. Empowering no longer works in just one direction. Neither does it have a beginning or an end. It is rather a continuum of oscillations in which ever-changing complex series of balances generate the dynamics of flow and create a sense of freedom. lt is a delicate situation easily shattered by any attempts at the minutest form of dominance. Bart De Baere and Maaretta JaukkurĂ­

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Pedro Cabri ta Rei s Ci dades Cegas # 1 (BI i nd Ci ti es #1 ) Proj ect( 3.D computer i mage ) for a 24 Bi enal I nternaci onal de S達o Paulo, 1998 Li sboa, 22.04.98 'I

ROT&l/(OS .. , ~


Pedro Cabrita Reis Gates #1, 2, 3 and 4, Lisbon Portões nQs 1, 2, 3 e 4, Lisboa 1997 esmalte sobre vidro, batentes de portas [enamel on glass, door frames] foto Attil io Maranzano coleção Museum Moderner Kunst, Stiftung Ludwig, Viena 305 Europa Bart De Baere e Maaretta Jaukkuri


OK, let's do three sorts of "carrousel". Let's choose three times, three times for you wi thout explosivos, armas, munições, artigos de fogo, ... , continuing the intense curatorial process, adding transhistorical music as a process of elimination and addition, sweeping the fields of culture, comma down comma up "boy, I wish you a goo d cata l ogue!". They eat the artist, - who? - , the artist eats the visitor, the visitor eats the art, life hardly digests cultivation. Let's talk as soon as possib l e about the eternal problem of the re-installation. René Magritte in Brussels, Picasso in Rome, for export we say yes, through the "horizontes de memória" from 8 am to 8 amo Use your right to fly with Petit Euroticket, com grandes intervenções africanos/indianos/americanos. But how to avoid this musea l or ga l eristic re-creation made for satisfying comfort? The slides are o l d, "carrousel" never turned out in expo, spinning merely 10 guests. To create is to bring into being, to recreate is being laz y and forlorn. The argument for activity is constructed in the theory of accidenta l ism and reconstructed in " Mozart in Egypt", and soon in "Ronaldo in Finale". For few or for mass? Persona l question, di-stressed answer. As usual my catalogue material is over the dead l ine. But living joy forever big as Brazilian pena lt ies together. 08/07/98 is a real date; l et's predict fast future; Caco Laco is too fast Coca Cola, and let's print "Brazilian futebo l champion 1998" on the qualified catalogue paper: truth for more than 120 years. Mr. Wittness France Dehors . Predicting art can fail to conditions of contrast, but esta semana jackpot, a g lori a da reconstrução; real pub lic isn't macho, rea l pub lic is time. Remember Mail-E-mail-Fema l e. For clearer visitors it's clear: they're inseparável dos me lhores momentos. We need the publico Art needs, arts need partnerssssssss, o mistério: the price needs pub l ico Roteiros, roteiros, roteiros; carousel, carousel, carousel, carousel, you yes you. Não?: yes, ja, oui, roteirousel. How can art survive without visual structures for involvement ? Best Direct, Our persona l p lural mora l ity asks for this image of a shape of the tingtingtingtingtingting. Very social formo 7 x ver o viver: the objects are obstacles, actual information is on the move because copyright won't fit into history. A cataprotocologue is a typical contraproduto. I'm trying a tarifa reduzida with bom preço for a long lista de clientes.

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Honoré 1\'0 instalação 306 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros . Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


The intrinsic continuation of a na i f protese: believe in total communication. I still do, even by stronger means of exchang ed identities. Don't take care, take risc, 1'm a chaopractical child, com caráter latent lesbian, ideology is in the title of my work since 1994 (since this is the show and the show is many problems), to complete the principle of the insufficient reason. To help you, we must attack you. Threat of castration stays under the level or penis env y . All analytic judgments about this theme are necessarily true or necessarily false, not derived from, but applicable to all experiences. My basic energy will study the pictures of the "carousel" not long er than for one day, ah one day, ah one hour, it wi ll throw the m away and will try to create the memory in collaboration with passengers, motivated public, and colleg i ate partners, even members of my subjectivated multiple identify problem. 1t's perhaps a common evident syncronous syndrome, inherent in the language, as the formal proof of global fact, all the time swinging in a state of Heraclitus' fluxo Aujourd'hui le flux verto Mine and yours . "Dr" I in the urgent summary. Soccer left soccer right, cubic corner, printemps d i scrête, image du présent (die meisten wussten noch gar nicht was ima g e bedeutet), soleil genereux: the boom of relat i onships will ceaselessly sound louder. So what about the nationalistic recollection? I was born in Belgium without national identity. The Flemish Community sends me to represent the i r political ideas about citizens' existence: in São Paulo 1'11 associate a site specific prototype of the Museum of Applied Sweets. Recollection is often used without toys, interchang eably with remembrance , reminiscence or memory. 1t applies a deliberate conscious effort to remember or to recall something to consciousness. Partout: sempre ingredients, sauer, liquid, burnt, literary prenatal or intellectually everlasting ... Why am I trying the creat i on of a reinstallation if memory is believed by common sense to be a mental reproduction of past experiences instead of a production of vital arguments? Curatorial discussions won't help. The artist wants to make love . Entiêre ment' déshabillable. He is the joker of your desire, a sort of famil y clown-worse and b etter-a publ i c jester of Baaretta 1VX, frêre de Mister Mac Cash et de Soeur Sourire .

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Uma voltinha por aí

Eu hoje andei pelas montanhas. O tempo estava úmido, e a região inteira, cinza. Mas o caminho estava macio e, aqui e ali, muito limpo. No começo eu estava de casaco; logo, porém, eu o tirei, dobrei e carreguei no braço. Dava-me cada vez mais prazer o passeio pelo caminho maravilhoso, que primeiro subia e depois descia outra vez. As montanhas eram imensas, pareciam estar portado canto. Todo aquele mundo montanhoso me dava a impressão de um teatro enorme. O caminho se aconchegava esplendidamente aos flancos das montanhas. Então desci a uma ravina funda, um rio rugia aos meus pés, um trem passou veloz por mim, magnífica sua fumaça branca. O caminho atravessava a ravina como uma serena corrente branca e, à medida que eu ia andando, era para mim como se o apertado vale se curvasse e enrolasse ao redorde si mesmo. Nuvens cinzas se deitavam sobre as montanhas como se aquele fosse o seu lugarde descanso. Encontrei um jovem viajante, mochila às costas, que me perguntou se eu tinha visto outros dois moços. Não, eu disse. Tinha eu vindo de muito longe? Sim, eu disse; e segui adiante meu caminho. Não muito tempo depois, vi e ouvi passarem os dois jovens andarilhos e a música deles. Uma aldeia era especialmente bela, com moradas humildes a se adensarem sob os penhascos brancos. Topei com algumas carroças, mais nada, e tinha visto algumas crianças na estrada. Não precisamos ver nada fora do comum. Já vemos tanta coisa. A little ramble

I walked through the mountains today. The weather was damp, and the entire region was gray. But the road was soft and in places very clean. At first I had my coat on; soon, however, I pulled it off, folded it together, and laid it upon my armo The walk on the wonderful road gave me more and ever more pleasure; first it went up and then descended again. The mountains were huge, they seemed to go around. The whole mountainous world appeared to me like an enormous theater. The road smuggled up splendidly to the mountainsides. Then I carne down into a deep ravine, a river roared at my feet, a train rushed past me with magnificent white smoke. The road went through the ravine like a smooth white stream, and as I walked on, to me it was as if the narrow valley were bending and winding around itself. Gray clouds lay on the mountains as though that were their resting place. I met a young traveler with a rucksack on his back, who asked ifI had seen two other young fellows. No, I said. Had I come here from very far? Yes, I said, and went farther on my way. N ot a long time, and I saw and heard the two young wanderers pass by with musico A village was especially beautiful with humble dwellings set thickly under the white cliffs. I encountered a few carts, otherwise nothing, and I had seen some children on the highway. We don't need to see anything out ofthe ordinary. We already see so much. Extracted from [extraído de] Robert Walser, The walk [A caminhada], translated from german by Tom Whalen [traduzido do inglês por Claudio Frederico da Silva Ramos]

309 Europa Bart Oe Baere e Maaretta Jaukkuri


www.uol.com.br/bienal/24bienal/web/mark curadoria Mark van de Walle

De acordo com a Teogonia de Hesiodo, antes da chegada dos deuses ao Olimpo, havia os Titãs, cujo chefe era Cronos. Fora profetizado que ele seria morto por um de seus filhos, então ele sensatamente matou-os todos, comendo-os um após o outro. Tudo andava bem, até que Cronos se esqueceu de um-Zeus-que cresceu e se tornou adulto. E o r:natou. Então aqui ainda se encontra, milhares de anos depois, e Hesiodo continua certo como sempre: o comedor-de-homem permanece entre nós. Damos à luz a criança que nos destrói. A Net é essa criança-do terror do vírus Y21< às brechas de codificação. Essa é a matéria da qual se compõem os sonhos nos dias de hoje: Sexo e morte e Helio! Kitty. O registro de êxitos da Babe Ruth e as dimensões exatas do pipi do Bill Clinton. Cartas de amor a desconhecidos e correspondência grosseira ao cara no compartimento ao lado. Uma gravação gráfica de cada tique nelVoso do mercado (em casa e em todos os lugares que não são agora nem nunca serão casa). Dinheiro e banco de dados e capital crus e cozidos, injetados e alimentados por conta-gotas ao longo de artérias de fibras óticas e tubos capilares de cobre de linhas telefônicas. Becos e ruas sem saída e mensagens de erro 404 e santuários a Elvis. Portanto, não é mais necessário que o bebê se esconda de seu pai infanticida. Nós amamos a Rede. Isso se dá em parte porque a Net, com sua mistura sinistra de presença anônima e identidade fluida, é o meio ideal para duas coisas com as quais tivemos um caso amoroso por tantos anos. Duas coisas que resistiram ao controle-externo e interno-durante milênios: obsessões privadas e comércio privado. Com a Arte da Net há finalmente a possibilidade de abranger ambos os elementos. Assim, um programa, ou o ato de violar (hacking) um selVidor, ou um happening como uma abertura de capital de uma empresa pode tanto ser considerado arte como qualquer outra coisa. O comercial é estético. É aqui onde "qual a natureza ontológica da arte?" funde-se com "como posso ganhar uma grana com isso?" É aqui onde o funcionalismo do comedor-de-homem corporativo ergue fel izmente a visão estética das margens de vanguarda. Ao mesmo tempo, a inutilidade em si, o limite tradicional de visão do objeto estético e companheiro da obsessão e do comércio, permanece em parte a feitura da arte. Projetos de Arte da Net, como o Digitalland[J11 [Aterramento digital] de Mark Napier, estão desenhados para reunir HTML desnecessários, imagens antigas e outros restos eletrônicos amontoados sobre ele por usuários da Internet, reciclando estes refugos digitais em um tipo de santuário para o abjeto digital. Uma encarnação de eficiência Croniana pura levada à sua conclusão lógica, embora ridícula, o projeto Euery icon [Todo ícone] de John Simon circulará por todas as combinações de imagens dentro uma grade pixel de 32 por 32. Seu projeto trata-se da mera possibilidade matemática da produção artística digital, um applet Java que tenta antecipadamente criar todo ícone até a etern idade. O que nos resta ver agóra é se nosso filho vai ou não nos comer vivos. Ou se colocando os nossos sonhos à venda nos libertará de um modo que ainda não começáramos a imaginar. Mark uan de Walle. Traduzido do inglês por Veronica Cordeiro.

310 XXIV Bienal "Rote iros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


According to Hesiod's Theogony, before the gods carne to Olympus, there were the Titans and chief among them was Cronos. It had been prophesied that he would be killed by one ofhis children and so he sensibly killed them all, eating them, one after the other. This was fine until he missed one-Zeus-and that one grew to adulthood. And killed him. So now, here it is thousands of years later and Hesiod is still just as right as ever: the maneater is still with uso We give birth to the child that destroys uso The Net is that child-from the Y2K bug terror, to encryption loopholes. This is the stuffthat dreams are made ofnowadays: Sex and death and Hello! Kitty. Babe Ruth's lifetime batting average and the exact dimensions ofBill Clinton's willy. Love letters to persons unknown and hatemail to the guy in the next cubicle. A graphic recording of every single nervous twitch of the marketplace (at home and everywhere else that is not now and never will be home.) Money and data and capital both raw and cooked, mainlined and dripfed along fiberoptic arteries and copper phoneline capillaries. Blind alleys and deadends and error 404 messages and shrines to Elvテ行. So it is no longer necessary for the baby to hide from its infanticidal parent. We love the Net. ln part this is because the Net, with it's uncanny admixture of anonymous presence and fluid identity, is the ideal medium for two things that we've had an eons long love affair with. Two things that have resisted control-both external and internal-for millennia:private obsessions and public commerce. With Net Art there is finally the possibility to embrace both these elements. So that a piece of software, or the act ofhacking a server, or a "happening" like a corporate lPO can as much be considered art as anything else. The commercial is aesthetic. This' is where "what' s the ontological nature of art?" merges with "how can I make a buck offthis?" This is where the functionalism ofthe corporate man-eater happily rears the aesthetic vision ofthe avant-garde fringe. At the sarne time, uselessness itself, traditional purview of the aesthetic object and friend to both obsession and commerce, remains part art making. Net art projects like Mark Napier's Dテュgテュtallandfテュll are designed to collect unneeded HTML, old images and other electronic refuse heaped on it by internet users, recycling these digi-castoffs into a kind of shrine to the digital abjecto An incarnation of pure Cronian efficiency taken to its logical if ridiculous conclusion, John Simon's Every Jean will cycle through every combination of images within a 32 by 32 pixel grid. His project speaks to the sheer mathematical possibility of digital art making, a Java applet that tries preemptively to create every icon from here toeternity. So now what remains to be seen is whether or not our child will eat us alive. Or whether putting our dreams up for sale will set us free in ways we had not yet begun to imagine. Mark van de Walle

311 Webarte Mark van de Walle


www.uol.com.br/bienal/24bienal/web/ricardo curadoria Ricardo Ri benboim e Ricardo Anderáos

"O que se dá hoje a pensar não pode ser escrito segundo a linha e o livro, a não serque se imitasse a operação que consistiria em ensinar as matemáticas modernas com o auxílio de um ábaco. Esta inadequação não é moderna, mas hoje se denuncia melhor do que nunca. O acesso à pluridimensionalidade e a uma temporalidade des-linearizada não é uma simples regressão ao 'mitograma': ao contrário, faz toda a racionalidade sujeita ao modelo linear aparecer como uma outra forma e u ma outra época da m itografia." - Jacques Derrida "Um novo tipo de artista aparece, um arquiteto do espaço dos acontecimentos, um engenheiro de mundos para bilhões de histórias porvir: ele esculpe o virtual. " - Pierre Léuy, "O que é o virtual?", '995 "[ . .. ] o espantoso crescimento de nossos instrumentos, e a flexibilidade e precisão que eles atingiram nos asseguram modificações próximas e muito profundas na antiga indústria do belo. Há em todas as artes uma parte física, que não mais pode servista e tratada como o era antes. Éde esperar que tão grandes novidades transformem toda a técnica artística, chegando mesmo a alterar a própria noção de arte." -Pa ul Valéry, "La conquête de I'ubiquité", '934 Quando Walter Benjamin escolheu esta citação de Valéry para abrir seu ensaio "A obra de arte na época de sua reprodução técnica", pretendia mostrar que as tecnologias de reprodução de imagens, como a foto e o cinema, alteravam o cerne da experiência artística, abalando os conceitos de au ra, valor cu 1tural e autenticidade. Ele acreditava que essa mudança era positiva, por desmascarar a ideologia elitista da estética ocidental. Para Benjamin, com o advento das novas tecnologias da imagem, a arte não deveria ser pensada em oposição à indústria cultural, mas dentro dela. É dentro desse marco teórico que planejamos a curadoria desta exposição de web arte no site da XXIV Bienal de São Paulo. Se a fotografia e o cinema causam o primeiro abalo na idéia de autenticidade artística, a Internet chega para destruí-

la de vez. Uma obra criada para a rede é, pordefinição, infinitamente reprodutível. Quando tratamos de arquivos computadorizados ou de clones, como distinguiros falsos dos originais? As facilidades da cópia digital por meio de Web estimulam o uso indiscriminado de "referências". Como distinguir no mundo do software a apropriação antropofágica do canibalismo da autoria? A World Wide Web é fruto dessa sobreposição de referências e apropriações. Como trabal har sobre essa trama, que muitas vezes não passa de um emaranhado de fios sem sentido? Seria possível selecionar algumas dentre as milhões de páginas (ou sites) interligados nessa teia que envolve o planeta? O próprio conceito de curadoria deve ser questionado nesse novo meio, em que qualquer pessoa pode utilizar sistemas de busca automática e pesquisar em índices de end ereços selecionados. Assim, nossa ação curatorial estrutura-se como um reflexo ou espelhamento da própria rede, uma teia em miniatura, sempre em construção e aberta à criação coletiva. Os nós dessa rede são um vocabu lário de signos relacionados à antropofagia, ao canibalismo e à World Wide Web. O visitante do site vai navegar nessas palavras em movimento, e a um clique do mouse conhecerá os websites inicialmente selecionados para a mostra. Mas a ação curatorial será um work in progress, permanentemente reelaborada durante toda a duração da Bienal. Os visitantes poderão indicar novos sites para link aos signos da teia. O resultado é uma mostra participativa, que convida os visitantes a se tornarem também curadoreslevantando assim questões sobre presença, monitoramento, interatividade, tempo e espaço. Meio antropofágico por excelência, a Web tudo absorve na interligação cada vez mais complexa de conteúdos produzidos em todos os cantos do globo. A postura oswaldiana perpetua-se nessa proposta curatorial, que abandona o fetiche da autoria para se estruturar como processo. Pretendemos assim devorar antropofagicamente o visitante da mostra, que de observador se transforma em cu rador. Parafraseando o "Manifesto": a nós só nos interessa aquilo que não é nosso.

312 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Rote iros."


"What is given to thought nowadays cannot be written according to the line and the book, unless we were to imitate the operation that would consist in teaching modern mathematics with the help of an abacus. This inadequacy is not modern, but more representative today than ever. The access to multidimensionality and to a non-linear temporality is not a simple retrogression to 'mythogram': on the contrary, it makes all rationality subject to the linear model appear as one more form and one more epoch of mythography."

-Jacques Derrida "A new type of artist emerges, an architect of the space of events, an engineer ofworlds for billions of stories to come: he sculpts that which is virtuaL" -Pierre Lévy, "Qu'est-ce que le virtuel?", 1995 "[ ... ] the amazing growth of our means, and the flexibility and precision they have reached assure us of the next very deep changes in the old industry of Beauty. There is in all arts a physical part that can no longer be seen and treated as beforehand. We may expect these great novelties to transform all artistic technique, perhaps even as far as modifying the notion of art itself." -Paul Valéry, "La conquête de l'ubiquité", 1934 When Walter Benjamin chose this quotation by Valéry to begin his essay "The work of art in the age of mechanical reproduction", he intended to show that the image reproduction technologies, such as photography and film, altered the heart of the artistic experience, affecting the concepts of aura, cultural value and authenticity. He believed this change was a positive one, for it unmasked the elitist ideology of western aesthetics. For Benjamin, with the advent of new image technologies, art should not be understood in opposition to the cultural industry, but within it. This is the theoretical framework in which we plan the curatorship of this exhibition of web art at the site of the XXIV Bienal de São Paulo. If photography and film were the first to question the idea of artistic authenticity, the Internet arrived to destroy it for good. A work of art created for the Web is, by def-

inition, infinitely reproducible. When dealing with computerized files or clones, how can one discern the fake from the original ones? The easiness to create digital copies through the Web stimulates the indiscriminate use of "references." How can one distinguish the anthropophagic appropriation of authorship cannibalism in the world of software? The World Wide Web is a product of the overlapping of these appropriations and references. How can one work upon this network, which may often be nothing more than an entanglement of senseless threads? Would it be possible to select a few among the millions of pages (or sites) interwoven in this web that encompasses the planet? The concept of curatorship itself should be questioned in this new medium in which any person may use automatic search systems and carry out research inindexes of selected addresses. ln this way, our curatorial approach is structured as a reflection or mirroring of the web itself, a miniature web, always under construction and open to collective creation. The ties of this web are a vocabulary of signs related to anthropophagy, cannibalism and the World Wide Web. The visitor to the site will navigate through these moving words and on a click of the mouse will get to know those websites initially selected for the show. Nonetheless, the curatorial approach will be a work in progress, permanently reelaborated during the entire duration of the Bienal. The visitors will be able to indicate new sites for links to the web signs. The outcome is a participative show that invites the visitors to become curators themselves-thus raising issues on presence, monitoring, interactivity, time and space. An anthropophagic medium par excellence, the Web absorbs all in the increasingly complex interconnection of contents producedin all corners of the globe. The Oswald de Andrade type of posture perpetuates itself in this curatorial proposal that abandons the fetish of authorship in order to be structured as a processo We thus intend to anthropophagically devour the visitor to the show; initiallyan observer, he is transformed in this way into a curato r. Paraphrasing the "Manifesto": we are only interested in that which is not ours. Ricardo Ribenboim (curador) e Ricardo Anderáos (curador adjunto)

Exemplos de websites selecionados [examples of selected websites]: Vulnerables, Fabiana de Barros, Valetes em slow motion, Kiko Goifman e Jurandir Müller, HoME, Lawrence Chua, Imagens da Monalisa, ferramenta de busca Memento Mori, Uma interface para a morte, Ken Goldberg e Wojciech Matusik, No name De, Sabine Bitter e Helmut Weber, The buzzing diary, Gisela Domschke e Fabio Itapura.

313 Webarte Ricardo Ribenboim e Ricardo Anderáos


Biografias

Abdou laye Ko naté

Bom in Scalea, Calabria, 1942. Studied in

Expo sições indi vidu ais selec ionadas

Nasceu em Diré, Mali, 1953. Estudou no L'I nstitute Supérieu r des Arts de la

Escuela Nacional de Bellas Artes Cristobal Rojas, Caracas, and Escola Nacional de Belas-Artes,

1995/98 An introduction to the Sprengel Museum , Sprengel M useum,

Havane, 1985. Vive em Bamako, Mali . Bom in Diré, Mali, 1953. Studied at L'lnstitute

Rio

Supérieur des Arts de la Bamako, Mali.

Hauane, 1985. Liues in

deJaneiro. Liues in Rio deJaneiro.

Exposições indi vidu ais se le cionadas

1995 Inside the uisible-begin the beguine in Flanders, Kanaal Art Foundation ,

Expos ições indi viduai s sel ecionad as 1996 Centre Cu lturel Français de Bamako 1992 Musée de I'IFAN, Dacar

Kortrijk, Bélgica 1993 Um, nenhum, cem mil (One, nane, one hundred thousand) , Gabinete de Arte Raquel Arnaud , São Paulo

1984 Soutenance de these de peinture, Galerie L. Havana

1991

Exposições col etivas se leci onadas 1998 I nstalação em estação de metrô, Lisboa 1997 II Johannesburg Biennial , Johan nesbu rgo 1996 Dak' Art, Contem porary African Art Bien nale, Dacar

Bibli ografi a sele c ionada Abdoula I(onaté: peintures installations, Mission Français de Coopération et d'Action Culturel/e au Mali, 1997 Rencontres

africaines, Paris: I nstitut d u

Monde Arabe, 1994, p.10-20; 38-41

Trade routes: history and geography, Metro

Ingá M useum , N iterói, Rio de Janeiro

Expo sições col etivas sele c ionadas 1997 ln Site 97, San Diego, Tijuana , México 1996 Inside the uisible, The Institute of Contemporary Art, Boston

1992 América, bride ofthe sun : 500 years Latin America and the Low Countries, Royal FineArts Museum , Antuérpia

Bibli ografi a se le cionad a Mareio Doctors, " Gesture/repetitionl u n iq ueness", Um, nenhum, cem mil (One, nane, one hundred thousand), Rio de Janei ro : Centro Cultural do Banco do Brasil, 1994

Fund, 1997, p.128-129

Paulo Herkenhoff, " Maiolino, between Pisa and Flanders" , America, bride ofthe sun

Ah med Makki Kante

Antuérpia : Royal FineArts Museum , 1992, p·4 16

Nasceu em Bamba, Mali , 1945. Estudou na CEPE, Cap Anglais . Vive em Bamako.

Paulo Venancio Filho, "Anna Maria Maiolino: the doing hand" , M . Catherine

Bom in Bamba, Mali, 1945. Studied at CEPE, Anglais. Liues in Bamako.

elliptical transuerse of 20th

Council Johannesburg and Prince Claus

500

Cap

Expo siçõe s col eti vas se leci onadas 1997 Arles , França 1994 Premiere Biennale de la Photographie à Bamako

1994/95 A project in two phases , EA-Generali Foundation , Viena

1989 Museum highlights: a gallery talk, Philadelphia Museum of Art, Filadélfia

Exposi ções co leti vas se lecionadas 1997 ln Site 97, Instal/ation Gal/ery/l N BA, San Diego/Tijuana 1995 Eis limit dei museu , Fundació Antoni Tápies , Barcelona 1993 Whitney Biennial Exhibition , Whitney Museum of American Art, Nova York

Bibli ografia se le c ion ada Andrea Fraser, " What's intangible, transitory, med iati ng, partici patory and rendered in the public sphere?",

October 89

(primavera 1997) James Meyer, What happened to the institutional critique?, Nova York: American Fine Art CO., 1993 Joshua Decter, " De-codingthe museum " , in Flash Art (novembro-dezembro 1990), P·140 - 14 2

years Latin America and the Low Countries,

de Zegher (ed .) ,

Inside the uisible, an century art in,

of and from the feminine , Cambridge: MIT Press , 1996

Andrea Fraser

Bibliografi a se le c ionad a

Nasceu em Bil/ings, Montana, Estados

Erika Nimis, Photographes de Bamako de 1935 à nosjours, Ediotions Revue Noi re, 1997

Unidos, 1965. Estudou na NewYork University,1986 e freqüentou o Whitney

Anna Maria Maiolino

Study Program , 1985. Vive em Nova York.

M useum of American Art Independent

Nasceu em Scalea, Calábria, 1942. Estudou na Escuela Nacional de Bel/as Artes

Hannover, Alemanha

Bom in Billings, Montana , United States,

Cristobal Rojas, Caracas, e Escola

1965. Studied at New York Uniuersity, 1986 and Whitney Museum of American Art

Nacional de Belas-Artes, Rio de Janei roo Vive no Rio de Janei ro o

Independent Study New York.

Program, 1985. Liues in

314 XXIV Bienal "Roteiros. Rote iros. Roteiros . Roteiros . Roteiros . Roteiros. Roteiros ."

Bjarne Melgaard Nasceu em Sydney, 1967. Vive em Oslo. Bom in Sydney, 1967. Liues in Oslo.

Bulent !?angar Nasceu em Eskisehir, Turquia, 1965 . MA, Marmara Üniversitesi , Istambul , 196 5.

Bom in Eskisehir, Turkey, 1965 . MA Marmara Istanbul , 1965 .

Üniuersitesi,

Expos ição in dividu al se lec ionada 1995 Urat Galerisi , Istambul

Expo si ções co leti vas selec ionadas 1998 Esperanto 98 , Jack Tilton Gal/e ry, Nova York 1997 On life, beauty, translations, and other diffrculties, V Biennial oflst anbul Alies retour, III Biennial of Çetinjski , Montenegro


Bibliografia selecionada

Exposições individuais selecionadas

Dadang Christanto

Christian Haye, "Spin city", frieze, n.38 (janeiro-fevereiro 1998)

1998 Reuolt in the soul & body II, Taipei Fine Arts Museum

Rosa Martinez, Cream-eontemporary Art in Culture, Londres: Phaidon Press, 1998

1997 Reuolt in the soul & body I, the other space-Taiwan foeus, Hong Kong Art Center, Hong Kong

Nasceu em Tegal, Java Central, 1957. Estudou no Instituto de Artes da Indonésia, Yogyakarta. Vive em Yogyakarta, Indonésia. Born in Tegal, CentralJaua, 1957. Studied at Indonesia Institute of Arts, Yogyakarta. Liues in Yogyakarta,lndonesia.

VasifKortun, Number 50: memoryf recol/ection II, Istambul 1993

Candice Breitz

Nasceu em Johannesburgo, 1972. BFA, Un iversity of the Witwatersrand, 1993; MA, UniversityofChicago, 1995; Whitney Museum of American Art, Nova York, 1996; M. Phil, University ofColumbia, 1997. Vive em Nova York. Born inJohannesburg, 1972. BFA, Uniuersity ofthe Witwatersrand, 1993; MA, Uniuersity of Chicago, 1995; Whitney Museum of American Art, New York, 1996; M. Phil Uniuersity of Columbia, 1997. Liues in New York. Exposições individuais selecionadas

1998 Johnen & Schõttle, Colônia Sala Mendoza, Caracas 1997 Silvestein Gallery, Nova York Exposições coletivas selecionadas

1998 "Interferences", Canal de Isabel II Madri 1997 "Johannesburg Biennial, Johannesburgo

Reuolt in the soul & body I, Lin & Keng Gallery, Taipei Exposições coletivas selecionadas

1998

Re~ection and reconsideration 2.28 commemoratiue exhibition, Taipei Fine Arts Museum

1991 Contemporary Indonesia artist, University ofSouth Australia Art Museum, Adelaide

1996 Thejourney through the bardo states 1history ofmartyr, The 3rd Nippon International Performance Art Festival, Tóquio

1996 Traditionsftensions: contemporary art in Asia, The Asia Society, Nova York

Choi Jeong Hwa

Nasceu em Seul, 1961. Estudou na Universidade Hong-ik, Seul. Vive em Seul. Born in Seoul, 1961. Studied at Hong-ik Uniuersity, Seou/. Liues in Seou/. Exposições individuais selecionadas

1998 Sydney Festival, Queen Victoria Building, Sydney Funny game, Kukje Gallery, Seul 1997 Plastie paradise, Art Centers Chulalongkorn University, Bancoc

Bibliografia selecionada

Exposições coletivas selecionadas

Brenda Atkinson, Rethinking pornography: imaging desire, Camera Austria, n.56 (1996)

1996 Traditionsftensions: contemporary art in Asia, The Asia Society, Nova York

Octavio Zaya, "Reflections on Candice Breitz's Rorschach series", TRANS (inverno 1998), Nova York

Chieh Jen Chen

Nasceu em Tao-Yan, Taiwan, 1960. Estudou na Escola Técnica de Design, 1978. Vive em Taipei. Born in Tao-Yuan, Taiwan, 1960. Graduated from Technical School for Design. Liues in Taipei.

315 Biografias

1995 Terracotta orthe case ofland, Bentara Budaya Gallery, Yogyakarta

1997 Thejourney through the bardo states 2, Asia Performance Art 1997, Le Lieu Art Center, Quebec

1996 "lnclusion/Exklusion", Reininghaus, Graz

Jesús Fuenmayor, Entreuista a Candice Breitz, Caracas: Sala Mendoza Catalogue, 1998

Exposições individuais selecionadas

1996 1001 clay people, Ancal Park, Marina Beach, Jakarta

II Asia-PacificTriennial, Brisbane, Austrália Fast forward: the uibrant art scene ofthe Republie of I<orea, The Power Plant, Toronto Bibliografia selecionada

James Lee, "An interview with Choi Jeong Hwa", ArtAsia Pacific,voI.3, n.4(1996), p.64-69 Louise Dompierre, "Fastforward", Fast forward: the uibrant art scene of the Republic ofl<orea, Toronto: The Power Plant, 1997, P·17-18 Soyen Ah n, "Choi Jeong Hwa", II Asiapacifie Triennial, Brisbane: Queensland Art Gallery, 1996, p.62

Exposições coletivas selecionadas

1994 V Bienal de la Habana, Havana 1993 I Asia-Pacific Triennial, Brisbane, Austrália Bibliografia selecionada

Astri Wright, "Resistance and memory in the visual field" ,Jakarta Post (9.7.1995) Jenny Dudley, "Consideringthe issues: an installation ofwork by DadangChristanto", Artlink, VOl.11 , n.3, 1991, p. 56-58 Jim Supangkat, "DadangChristanto", I Asia-Pacific Triennial of Contemporary Art, Brisbane: Queensland Art Gallery, 1993, p.12

Doris Salcedo

Nasceu em Bogotá, 1958. Estudou na Universidad Jorge Tadeo Lozano de Bogotá e na NewYork University, Nova York. Vive em Bogotá. Born in Bogota, 1958. Studied atthe Uniuersidad Jorge Tadeo Lozano de Bogotá, and New York Uniuersity, New York. Liues in Bogota. Exposições individuais selecionadas

1997 New Museum ofContemporary Art, Nova York 1995 White Cube, Londres 1992 Shedhalle, Zurique Exposições coletivas selecionadas:

1995 Carnegie International1995, Carnegie Museum ofModern Art, Pittsburgh


1993 Aperto 93, XLV Biennale de Venezia 1992 Ante-America , Biblioteca Luis Angel Arango, Bogotá Bibliografi a se lecionada Charles Merewether, "Namingviolence in t he work ofDoris Salcedo ", Third Text, n.24 (1993) , Londres - -, " To bear witness", Doris Salcedo , Nova York: New Museum ofContemporary Art, 1998 Dan Cameron, " Inconsolable" , Doris Salcedo, Nova York: New Museum of

Exposições co letivas selecio nad as 1998 This side ofthe ocean , Kiasma, Museum ofContemporary Art, Helsinque Finland sightings , ICA, Londres

Wounds, Moderna Musset, Estocolmo Bi bl iografia selec ionada Petri Sirviõ, "A discussion in Ou lu ", entrevista in This side ofthe ocean , Helsinque: Kiasma Museum Contemporary Art, 1998

Contemporary Art, 1998

Fernando Alvim Elizabeth Dadi Nasceu em Seattle , 1957. Estudou na University ofWashington , Seattle. Vive em Karachi, Paquistão. Bom in Seattle, 195 7. Studied at Uniuersity of Washington , Seattle. Liues in /(arachi, Pakistan .

Nasceu em Luanda, A ngola, 1963. Vive em Lu anda, Bruxelas e johan nesbu rgo . Bom in Luanda , Angola, 1963. Liues in Luanda, Brussels andjohannesburg. Expos ições indi viduais se lec ionadas

1997 Memorias intimas marcas , Cuito Cuanivale, Luanda

Bi bli og rafia selecio nad a Bruce W. Ferguson , " Creaciones inquietas" (Restless production), Francis Alys WalksjPaseo , México, 1997 Cuauhtémoc Medina, " Francis Alys , tu surrealismo" (" yoursurrealism") , Third Text, n.38 (primavera 1997) Thom as McEvilley, " Francis Alys : call i ng the u naccou ntable to accou nt", Francis Alys, The liar, the copy of the liar, México, 1994

Francis Jupurrurla Kelly Nasceu em Lunpakurlangu , Northern Territory,1952. Vive em Yuendumu . Bom in Lunpakurlangu, Northem Territory , 1952. Liues in Yuendumu . Exposições ind ividu ais se lec ionadas

1989 Magiciens de la Terre , Centre Pompidou , Paris

Expos ições coleti vas se lec ionadas

Videografi a se lec ion ada Coniston story (Georgejapang ardi Marsh all ' s Story of Ku rrku ru-ku ri u) , 1984 (35 mins)

1998 Memorias intimas marcas ,

jardiwarinpa (Fire Ceremony) , 1988

Iftikhar Dadi

1995 A urgencia da ethnopsiquiatria , Luanda

Nasceu em Karachi , Paquistão, 1961. Estudou na Universi ty ofWashington , Seattle. Vive em Karachi . Bom in /(arachi , Pakistan , 1961. Studied at Uniuersity ofWashington, Seattle. Liues in

1994/5 Contaminas Sankemente , Bruxelas

/(arachi .

1997 VI Bienal de la Habana, Havana

joumey to Lapi 1984 (22m i ns)

Exposi ções co leti vas se lec ionadas

1995 I johannesburg Biennial , johannesburgo

Batties) , 1992 (8 episódios, 30 mins cada)

1997 Mappings: shared histories .. .a fragile selr, EicherGallery, Nova Déli A gift for I ndia , Safar Hash m i r Memorial Trust (SAHMAD , Nova Déli Independent thoughts, Oldham Art Gallery, Reino Unido

johannesbu rgo e Pret ória

Bi b li og rafi a se lec ionada Fernando Alvim , Contaminas Sankemente ,

Copenhague

Container 96-art across the ocean, Copenhague, p.106 Eddie Chambers , " Tampered surface", Art Monthly , vol. 190 (outubro 1995), Reino Unido, P.30-31 Kamala Kapoor, "Art across the oceans",

ArtAsia Pacific, n.14 (1997), P.34-37

Esko Mannikkõ Nasceu na Finlândia, 1959. Vive em Oulu , Finlândia. Bom in Finland , 1959. Liues in Oulu, Finland . Expo sições in d ivi du ais se lec ionadas 1998 White Cube, Londres 1997 Morris Healy, Nova York Hippolyte Phot o Gall ery, Helsinque

Manu Wana (children's series with David

Sussuta Boé, 1992

Bi b li ografia se lec ionada Eric Michaels , The aboriginal inuention of teleuision in Central Australia 1982-85, Camberra: Australian Institute of Aboriginal Studies Institute Report, 1986

Francis Alys

- -, "Towards a cultural future : Francis jupurrurla makes TV atYuendumu ", Artspace, Sydney, 1987

Sussuta Boé, 1994

- - , Memorias intimas marcas ,

1996 Container 96-art across the ocean, Bi b li ografi a selec ionada

(30 mins)

Nasceu em Antuérpia , 1959. Estudou no Institut d'Architecture ofTournai , Bélgica, e Instituto Universitario di Architettura di Venezia , Itália. Vive na Cidade do México. Bom in Antwerp, 1959. Studied atthe Institut d'Architedure ofToumai, Belgium, and Instituto Uniuersitario di Architettura di Venezia , Italy . Liues in Mexico City . Expos ições indi vidu ais se l e~ i o n a d as 1998 Contemporary Art Gallery, Vancouver 1997 M useo de Arte Moderno, Cid ade do México 1995 Opus Opera ndi , Gen t Expos ições coletivas se lec ionadas 1997 ln Site 97, Tiju an a, México/San Diego

Antechamber, W hit ech apel A rt Gallery, Lo ndres 1994 V Bien al de la Habana, Havana

316 XXIV Bienal "Roteiros . Roteiros . Roteiros. Rotei ros. Roteiros . Rote iros. Rote iros."

Francisjupurrurla Kellye Eric Michaels, " The social organ ization of an aborigi nal video workplace", Australian aboriginal studies 1, 1984

FranzWest Nasceu em Viena, 1947. Estudou na Akademie der Bildenden Künst e, Viena. Bom in Vienna ,1947. Studied at Akademie der Bildenden /(ünste, Vienna . Expos ições indi vid uais selecionadas

1998 Franz West, M iddel hei m Open Ai r M useum , Antuérpia

Franz West: Die im Atelier fertiggestellte Ausstellung , Ga llery Jean Bernier, Atenas

Franz West, A kira Iked a Ga llery, Tóquio


Exposições coletivas selecionadas 1998 Out of actions:

between performance and

the object, 1949-1979, Museum of Contemporary Art, Los Angeles, 1998, itinerante MAK, Viena; MAC Barcelona; MOCA Tóquio, 1999; NMA, Osaka, 1999 Eight artists from Europe, Museum of Modern Art Gunma, Takasaki, Japão Mai 98-Positionen zeitgenõssischer kunst seit den sechziger Jahren, Kunsthalle Koln, Colônia

Bibliografia selecionada Alfred Weltri "Freundliche Einladung, die Kunstzu besetzen",Art, n.4(abriI1997) P·14- 2 3 Frits De Coninck, "De Menselijke Maat", Vitrine (junho-julho 1998), P.42-46 Giorgio Verzotti, "Fitting parts",

ArtjText

(maio-julho 1998), p.6o-65

(Ronald Gabe, nasceu em Winnipeg,

Exposições coletivas selecionadas

1945; BA, School ofFine Arts, University ofMan itoba, Wi n n i peg) e Jorge Zontal Uorge Slobodan Saia-Levy nasceu em

1997 World speak dumb, Karyn Lovegrove

Parma, Itália, 1944; BA, School of Architecture, Dalhousie University, Halifax). O grupo encerrou seus trabalhos com a morte de Jorge e Felix, em 1994. Group of canadian artists formed in 1968, Toronto, by AA Bronson (Michael Tims, born in

Plásticas, U.N.A.M., México. Vive na Cidade do México e em Nova York.

porary Art, 1997 Geoff Lowe: collaborations 1980-1992, Melbourne: Centre for Contem porary Art, 1992

Saia-Levy born in Parma, Italy, 1944; BA, School of Architecture, Dalhousie University,

Hill", Parkett Maganize, n.45 (1996)

Halifax). Thegroup finished

Exposições coletivas selecionadas 1997 Documenta X, Kassel Whitney Biennial, Nova York 1993 Aperto 93: EmergenzajEmergency, XLV Biennale de Venezia

Bibliografia selecionada Benjamin Buchloh, "Refuse and refuge", Gabriel Orozco, Kortrij k: The Kanaal Art Foundation, 1993 Francesco Bonami, "Back in five minutes", Parkett, n. 48 (dezembro 1996)

Exposições individuais selecionadas 1997 The search forthe spirit: Generalldea 1968-1975, Art Gallery ofOntario, Toronto One day of AZTjOne year of AZT, Museum ofModern Art, Nova York

1992 Generalldea's fin de siéc/e, Kunstverei n in Hamburg, Hamburgo

1985 Aurora borealis, Centre International d'Art Contemporain, Montreal

Fern Bayer& Christine Ritchie, The search for the spirit: Generalldea 1968-1975, Toronto: Art Gallery ofOntario, 1997 Tillman Osterwold et alli., Generalldea's fin de siéc/e, Hamburgo: Kunstverein in

à Lyons, 1971. Lives in Cotonou. Exposição individual selecionada 1997 Galerie Nathalie Obedia, Paris

Exposições coletivas selecionadas 1997 II Johannesburg Biennial, Johan nesbu rgo Centre d'Art Contemporaine

1995 Big city, The Serpentine Gallery, Londres

Bibliografia selecionada Die Anderen Modernen: Zeitgenõssiche Kunst aus Afrika, Asien und Lateinamerika, Berlim: Edition Braus, 1997, p. 34-35 Simon Njami e Régine Cuzin, "Revue

Veilleurs du Monde:

une aventure béinoise,

Paris: CQFD, 1997

Geoff Lowe Nasceu em Melbourne, 1952. Vive em Melbourne. Born in Melbourne, 1952. Lives in Melbourne.

Geoff Lowe: a constructed world, Contemporary art archive 6, Museum

General Idea

ofContemporary Art, Sydney

Grupo de artistas canadenses formado

A constructed world: Geoff Lowe, John Wolseley, Esther Lowe and

317 Biografias

Born in Cotonou, Benin, 1945. Studied at Ecole Préparatoire d'Administration desChardonnets

199 2

Exposições individuais selecionadas

ofManitoba, Winnipeg), Felix Partz

des Chardonnets à Lyons, 1971. Vive em Cotonou.

noire", Special Benin, n.18 (outono 1995), Paris, p.6-11

1997 A constructed world, Whanki Museum, Seul

1946; BA, School of Architecture, University

Nasceu em Cotonou, Benin, 1945. Estudou na Ecole Préparatoire d'Administration

Hamburgo; Toronto: The Power Plant,

Gabriel Orozco, Kortrijk: The Kanaal Art

em 1968, em Toronto, por AA Bronson (Michael Tims, nasceu em Vancouver,

Georges Adéagbo

Kunsthalle, Fribourg, Suíça

Bibliografia selecionada Jean-Christophe Ammann et alli., General Idea 1968-1984, Eindhoven: Stedelijkvan Abbemuseum, 1984

Jean Fisher, "The sleep ofwakefulness", Foundation, 1993

Robyn McKenzie, "GeoffLowe and Tower

byJorge and

Felix's death, in 1994.

1980 XL Biennale di Venezia, Veneza

1993 The Kanaal Art Foundation, Kortrijk, Bélgica

Bibliografia selecionada

University of Manitoba, Winnipeg), Felix Partz

Exposições individuais selecionadas

1996 Kunsthalle, Zurique

ofNew South Wales, Sydney

(Ronald Gabe, born in Winnipeg, 1945; BA, School of Fine Arts, University of Manitoba, Winnipeg) eJorge Zontal Uorge Slobodan

Exposições coletivas selecionadas 1997/87/82 Documenta X, VIII e VII, Kassel

1998 Musée Nationale d'Art Moderne de la Ville de Paris (ARC), Paris

Australian perspecta, The Art Gallery

Vancouver, 1946; BA, School of Architecture,

inJalapa, Veracruz, Mexico,1962. Studied at the Escuela Nacional de Artes Plásticas, U.N.A.M., Mexico. Lives in Mexico City and New York. Born

Biennial

Geoff Lowe: a constructed world, Contemporary art archive 6, Sydney: Museum ofContem-

Gabriel Orozco Nasceu em Jalapa, Veracruz, México,1962. Estudou na Escuela Nacional de Artes

Gallery, Melbourne

1995 Beyond the borders, I Kwangj u

Ruby Lowe, Roslyn Oxley Gallery, Sydney

Halil Altindere Nasceu em Sürgücü/Mardin, Turquia, 1971. BA, Çukurova Üniversitesi Painting Department, Adana; MA, Marmara Üniversitesi, Istambul. Vive em Istambul. Born in SürgücüjMardin, Turkey, 1971. BA, Çukurova Úniversitesi Painting Department, Adana; MA Marmara Üniversitesi, Istanbul. Lives in Istanbul.

Exposições individuais selecionadas 1997 Dancing with the taboos, Yapo Kredi Kemal Satir Sanat Galerisi, Adana 1996 V01-630124, Teoman Ünüsan Sanat Galerisi, Mersin


Exposições coletivas selecionadas 1997 On life, beauty, translations, and other difficulties, V Biennial oflstanbul 1996 The other, Antrepo, Istambul Youth action-2 Territory-deterritorialization, Tüyap, Istambul

Bibliografia selecionada Ing K., "Selling biscuits in Hawaii", The Nation (9. 1.1997), P.3-7

1995 The dark pool, Western Front Gallery, Vancouver (colaboração com George Bures Miller)

LA Weekly, 1993

Exposições coletivas selecionadas 1997 Present tense: nine artists in the nineties, San Francisco Museum ofModern Art, San Francisco

The Village Voice, 1993

1995 Youth action-l, Boundaries and beyond, Tüyap, Istambul

liíigo Manglano-Ovalle

Honoré 0'0

Nasceu em Madri,1961 . Estudou na School ofthe Art Institute ofChicago. Vive em Chicago. Bom in Madrid, 1961. Studied atthe School of the Art Institute ofChicago. Lives in Chicago.

Nasceu em Oudenaarde e Gent, Bélgica, 1961 e 1984Bom in Oudenaarde and Gent, Belgium, 1961

and 1984. Exposições individuais selecionadas 1997 Truer D'aujourd'hui, Centre d'art Contemporain de Fribourg, Ku nsthalle, Fri bou rg, Su íça

1000 conjugations ofmillenhium, Kunsthalle, Loppem 1996 e eindigen met lets dappers A, Vleeshal, Middleburg Exposições coletivas selecionadas 1998 Manifesta 2, Musée Nationale D'histoire et D'art, Luxemburgo

1997 Connections implicites, École Nationale Supérieure des Beaux-Arts, Paris 1995 I Johannesburg Biennial, Johanesburgo Bibliografia selecionada

Among others ... onder andderen, Veneza: XLVI Biennale di Venezia, 1995 e eindigen met lets dappers, M idd lebu rg: Vleeshal,1996 The facinating faces of~anders, Lisboa: Cultural Center ofBelém,1998

Ing K. Nasceu em Bancoc, 1959. Estudou na West SurreyCollege of Art and Design, Reino Unido. Vive em Bancoc. Bom in Bangkok, 1959. Studied at West Surrey College of Art and Design, UK. Lives in Bangkok. Filmografia selecionada 1997 My teacher eats biscuits

1995 Green menace: the untold story of golf Casino Cambodia Festivais de cinema selecionados 1997 Hawaii International Film Festival, Havaí 1995 Los Angeles Asia-Pacific Film Festival, Los Angeles 1993 Long Island Film Festival, Nova York

Exposições individuais selecionadas 1998 The garden of delight, South-Eastern Center for Contem porary Art (SECA), Winston Salem, North Carolina 1997 Contem porary Art Center, Cincinnati

1993 Cul-De-Sac: a street-Ievel video installation, Museu m of Contemporary Art, Chicago Exposições coletivas selecionadas

Skulpture: Projekte in Münster '97, Münster

1996 NowHere, Louisiana Museum, Humlebaeck, Dinamarca Bibliografia selecionada David Garneau, "Post ironic re-enchantments", Border Crossings, (outono 1996), Winnipeg, P.46-48 Jim Drobnick, "Mock excursions and twisted iti neraries, tou r gu ide performances", Parachute Magazine #80, (outu bro-dezem bro 1995), Montreal , P·35-37 Sarah Milroy, "The sights and sounds of art that's going places", The Globe and

Mail (16.5 .1998), Toronto, p.Eu

1996 Art in Chicago 1945-1995, Museum of Contemporary Art, Chicago

1995 Xicano progeny: investigative agents, executive council and other representatives from the Sovereign State of Aztlán, The Mexican Museum, San Francisco 1992 The year ofthe white bear, Walker Arts Center, Minneapolis Bibliografia selecionada Laurie Palmer, "Ifíigo Manglano-Ovalle", frieze, (novem bro-dezem bro 1993) Mary Jane Jacob, "Outside the loop", "Tele-Vecindario", Culture in Action, Seattle: Bay Press Inc., 1995 VictorZamudio Taylor, "Dónde está el corazón ensangrentado? Dónde esta el cactus?" Tendencias artísticas contemporáneas de dislocaciones "chicanas" y "latinas", Atlantica, n.15 (primavera 1997), Gran Palma, Espanha

JeffWall Nasceu em Vancouver, 1946. BA e MA, UniversityofBritish Columbia, Vancouver, 1964-1970 e Doctoral Research no Courtauld Institute of Art, University ofLondon, 1973. Vive em Vancouver. Bom in Vancouver, 1946. BA and MA, University of British Columbia, Vancouver, 1964-1970 and Doctoral Research at Courtauld Institute of Art, University ofLondon, 1973. Lives in

Vancouver. Exposições individuais selecionadas 1997 jeffWall, Museum ofContemporary Art, Los Angeles

1996 jeffWall: Landscapes and other pictures, Kunstmuseum Wolfsburg, Wolfsburg

1995 jeffWall, Museum ofContemporary Art, Chicago Exposições coletivas selecionadas

Janet Cardiff

1997 Documenta X, Kassel

Nasceu em Brussels, Ontário, 1957. BA, Queen's University, Kingston, 1980 e MA, University of Alberta, Edmonton, 1983. Vive em Lethbridge, Alberta, Canadá. Bom in Brussels, Ontario, 1957. BA, Queen's University, Kingston, 1980 and MA, University of Alberta, Edmonton, 1983. Lives in Lethbridge,

1995 Public information: desire, disaster, document, San Francisco Museum of Modern Art, San Francisco

Alberta, Canada.

Bibliografia selecionada JeffWall, "My photographic production", Symposium: Die Photographie in der Zeitgenossischen Kunst: Eine Veranstaltung der

Exposições individuais selecionadas 1998 Witte de With, Roterdã (colaboração com George Bures Miller) 1997 The empty room, Raum aktueller Ku nst, Viena

318 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."

1994 The sublime void: an exhibition on the memory ofimagination, Palais Royale des Beaux-Arts, Antuérpia

Akademie Schloss Solitude, Stuttgart: Ed . Cantz, 1990


Keny Brougher, "The photographer of modern life", injeffWall, Los Angeles: Museum ofContemporary Art, 1997, P·13-41

Th ierry de Duve, An ielle Pelenc, Boris Groys,jeffWall, Londres: Phaidon, 1996

José Antonio Suárez

Nasceu em Medellín, Colômbia, 1955. Estudou na Ecole Supérieure d'Art Visuel, Genebra. Vive em Medellín. Born in Medellín, Colombia, 1955. Studied at the Ecole Supérieure d'Art Visuel, Geneua. Liues in Medellín.

Juan Oavila

Bibliografia selecionada

Nasceu em Santiago, Chile, 1946. Estudou na Escuela de Bellas Artes, Universidad de Chile. Vive em Melbourne. Born in Santiago, Chile, 1946. Studied at the Escuela de Bellas Artes, Uniuersidad de Chile. Liues in Melbourne.

GannitAnkori, "Transfigurer le banal em metaphore: I'a art de Khalil Rabah", Artistes palestiniens contemporains, Institut du Monde Arabe, 1997

Exposições individuais selecionadas

- - , "The others Simulacra", Flash Art, (1996), Itália

1998 Verdeja, Project Room, ARCO 98, Greenaway Gallery, Mad ri 1994 juanito Laguna, Chisenhale Gallery, Londres 1991 Centre for Contemporary Art of South Australia, Adelaide

Exposições individuais selecionadas

Exposições coletivas selecionadas

1997 Galerie Trois Points, Montreal

1994 Cocido y Crudo, Centro de Arte Reina Sofia, Madri

Galeria Ruta Correa, Freiburg, Alemanha

1992 Obra sobre papel, (Work on paper), Museo La Tertulia, Cali

1993 Cartographies, Winnipeg Art Gallery, Canadá 1990 Transcontinental: nine Latin American artists, Ikon Gallery, Birmingham

Exposições coletivas selecionadas

1995 Beziehungsweise-Ko/umbien, Colônia XI Mostra da Gravura, Curitiba 1992 Ante-América, Biblioteca Luis Angel Arango, Bogotá Bibliografia selecionada

Bibliografia selecionada

Carlos Perez Villalobos, "Identity and scatology", Rota, Melbourne: Tolarno Galleries, 1997 Guy Brett, Montage as Mestizaje, Londres: Chisenhale Gallery, 1994

Carolina Ponce de León, Instrumente der Uberzengung: An Merkung zu Einer Ausstellung in Beziehungsweise-Ko/umbien, Colônia, 1995 Karin Stempel,jose Antonio Suarez-Londono. Dibujos. Zeichnungen. Dessins. Drawings, Colônia, 1995

Nelly Richard, "Juan Davila, the viciuos quotation", América, bride ofthe sun: 500 years Latin America and the Low Countries, Antuérpia: Royal Museum ofFine Arts, 1992, P·248

Natalia Gutiérrez, "Jose Antonio Suárez", Art Nexus, n. 24 (abril-junho 1997)

Khalil Rabah

Joseph Kpobly

Nasceu em Kpannou, Benin, 1957. Estudou na Ecole Supérieure des BeauxArts, Paris. Vive em Cotonou, Benin. Born in Kpannou, Benin, 1957. Studied at Ecole Supérieure des Beaux-Arts, Paris. Liues in Cotonou, Benin. Intervenções artísticas selecionadas

1995 Concepção e realização de monumento em Akossombo Square, Cotonou Designer da African artists and AI DS 1994 Organização de comitê para artistas de Ben in na La route de I'esc/aue

Nasceu em Jerusalém, 1961. Estudou arquitetura e belas-artes na University of Texas. Vive em Ramallah, Palestina. Born in jerusalem, 1961. Studied Architeture and Fine Arts at Uniuersity ofTexas. Liues in Ramallah, Palestine. Exposições individuais selecionadas

1997 in uien, on what grounds, half-selfportrait, Gallery Anadiel, Jerusalém

1996 body and sole, Process Architects, Ramallah 1994 incubation, French Cultural Center, Jerusalém Exposições coletivas selecionadas

Cenografias selecionadas

1995 Beyond the borders, 95 Kwangju Biennale

319 Biografias

Nasceu na Província Guangxi, 1972. Estudou na Escola Central de Arte e Design, Pequim. Vive em Pequim. Born in Guangxi Prouince, 1972. Studied at Central College of Art and Design, BeUing. Liues in BeUing. LuoWei Oong

Nasceu na Província Guangxi, 1963. Estudou na Academ ia de Belas-Artes, Nanning, China. Vive em Pequim. Born in Guangxi Prouince,1963. Studied at Guanxi Academy of Arts, Nanning, China. Liues in BeUing. LuoWei Guo

Nasceu na Província Guangxi, China, 1964. Estudou na Academia de Belas-Artes de Guangzhou, China. Vive em Pequim. Born in Guangxi Prouince, 1964- Studied at Guangzhou Academy of Fine Arts, Guangzhou. Liues in BeUing. Exposições individuais selecionadas

1997 "Tourbillion" Silmande, direção Pierre Yaméogo 1985 lronu, direção François Okioh

Luo Brothers LuoWei Bing

1997 Wan FungGallery, Pequim

1997 Contemporary palestinian art, Institut du Monde Arabe, Paris

1993 Waati, direção Soulaymane Cissé

Sarit Shapira, "An olive tree", Coréia: 95 Kwangju Biennale, 1995

Dialogues of peace, Palais de Nations, Genebra

1996 Beijing Art Museum, Pequim Wan FungGallery, Pequim Exposições coletivas selecionadas

1998 Lehmann Maupin Gallery, Nova York Art Beatus Gallery, Vancouver, Canadá 1997 China Gallery, Pequim Bibliografia selecionada

Chinese Artists IlIustrated Directory, 1997 Literature and Art, n.7, Hong Kong, 1996 Oriental Art, n.5

Malick Sidibé

Nasceu em Soloba, Mali, 1936. Estudou na Ecole Nationale des Arts de Bamako, 1955. Vive em Bamako. Born in Soloba, Mali, 1936. Studied at Ecole Nationale des Arts de Bamako, 1955. Liues in Bamako. Exposições individuais selecionadas

1997 Couuerture de "rallye Paris-Dakar": Regard d'un photographe africain


1996 Festival des trois continentes, Nantes 1995 Malick Sidibe, Fondation Cartier, Paris Exposições coletivas selecionadas

1997 Barcelone, Espanha 1994 Fnac Etoile, Paris Premieres rencontres de la photographie africaine, Bamako Bibliografia selecionada André Magnin, Malick Sidiben (Bamako 1962-1976), Fondation Cartier pour l'Art Contemporain, 1995 "Das neue bild der erde", GEO n.12 (dezembro 1997), p.67- 69 Erika Nimis, Photographes de Bamako de 1935

Markus Raetz Nasceu em Büren an der Aare, Suíça, 1941. Bom in Büren an der Aare, Switzerland, 1941. Exposições individuais selecionadas 1994 Serpentine Gallery, Londres; Musée Rath, Genebra; Museum of Contemporary Art, Helsinque 1993 Ivam Centre julio Gonzalez, Valência 1991/92 Die Druckgraphik, Kunstmuseum Bern and Cabinet des Estampes, Genebra 1990 Museum ofContemporary Art, Lajolla, San Diego 1989 Museum fürGengenwartskunst, Basiléia

à nosjours, Ediotions Revue Noire, 1997

Mark Adams Nasceu em Christchurch, Nova Zelândia, 1949. Vive em Auckland, Nova Zelândia. Bom Christchurch, New Zealand, 1949. Lives in Auckland, New Zealand. Exposições individuais selecionadas 1997 Obseruations, School ofFine Art, Australian National University, Camberra

1993/94 Whenua I Maharatia, Hae hae Nga Takata-Land of memories, scarred by people, Dunewdin Public Art Gallery and Well i ngton City Art Gallery, Nova Zelândia 1986/90 Pakeha-Maori, a conjunture, Art Gallery Di rectors, iti nerante (Govett Brewster Art Museum, New Plymouth; Artspace, Auckland; Rotorua City Art Gallery)

Bibliografia selecionada Markus Raetz, CECI-CELA, Valência: IVAM; Londres: Serpentine Gallery; Genebra: Musée Rath, 1993

photographers, Auckland I nstitute and Museum 1993 After the fact and silence, com Haru Sameshima, Lopdell House Gallery, Auckland 1984 Real Pictures Photografic Gallery, Auckland Bibliografia selecionada Harry Evison, Whenua I Maharatia, Hae hae Nga Takata-Land of memories, scarred by people, Auckland: Tandem Press, 1993 John Te Manihera Chadwick, Pakeha-Maori, a conjuncture, Nova Zelândia: Rotorua City Art Gallery, 1987 Nicholas Thomas, "Marked men", Art Asia paciflc Quarterly n.13 (1997)

1993 Centro Cultural Consolidado, Caracas 1988 Lajolla Museum ofContemporary Art, Lajolla, Califórnia Exposições coletivas selecionadas 1997 No place (like home), Walker Art Center, Minneapolis 1996 Inklusionjexklusion: art in the age of postcolonialism and global migration, Steirscher Herbst, Graz, Áustria 1991

Eljardin saluaje, Fundacion Caixa de Pensions, Sala de Exposiciones, Madri

Bibliografia selecionada Dan Cameron, "La América de MeyerVaisman", Meyer Vaisman, obras Recientes, Centro Cultural Consolidado, Caracas, 1993

- - , Les estampes 1957-91, Cabinet des Estapes, Genebra and Kunstmuseum Bern, Zurique: Edition Stãhli, 1991

joshua Decter, "Stupidity as destiny",

- - , Polaroids, Valência: IVAM; Genebra:

bird", parkett, n·35 (primavera 1993), Zurique

Musée Rath, 1993

Maurice O'Connell Nasceu em Dublin, 1966. BA, artes plásticas, National College of Art and Design, Dublin, 1986-92. Vive em Dublin. Bom in Dublin, 1966. BA, fine art, National College of Art and Design, Dublin, 1986-92. Lives in Dublin. Exposições individuais selecionadas 1993 Third degree: "time capsules and interrelated activities", The I rish Museu m ofModern Art, Dublin

Exposições coletivas selecionadas

1995 Currency: selected New Zealand

Exposições individuais selecionadas 1996 Green on the outside, red 0<1 the inside (My parents' doset), 303 Gallery, Nova York

Exposições coletivas selecionadas 1995 Group show, Kerlin Gallery, Dublin 1994 From beyond the pale, The I rish Museum ofModern Art, Dublin·

Sound installation, Heathrow Airport, Londres 4 Artists pépinieres à niort, França

1993 Seethrough art, Hugh Lane Municipal Art Gallery, Dublin, itinerante na Irlanda 199311994

Meyer Vaisman Nasceu em Caracas, Venezuela, 1960. Estudou na Parsons School ofDesign, Nova York. Vive em Caracas. Bom in Caracas, Venezuela, 1960. Studied at Parsons School of Design, New Vork. Lives in

Caracas.

320 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."

Flash Art (outu bro 1994) Trevor Fairbrother, "Vaisman flips the

Michael Asher Nasceu em Los Angeles, 1943. Estudou na University ofCalifornia at Irvine, 1966. Vive em Los Angeles. Bom in Los Angeles, 1943. Studied at University ofCalifomia at lruine, 1966. Lives in Los Angeles. Exposições individuais selecionadas

1992 Michael Asher, Kunsthalle Bern, Berna 1991 Michael Asher, Le Nouveau Musée, Villeurbanne, França 1990 Michael Asher, The Renaissance Society, Chicago Exposições coletivas selecionadas 1997/87/77 Skulpture: Projekte in Münster, Münster 1995 Reconsidering the object of art: 1965-1975, Museum of Contemporary Art, Los Angeles 1985/72 Docu menta VII e V, Kassel Bibliografia selecionada Benjamin H.D. Buchloh, "ContextFunction-Use-Value", Michael Asher:

exhibitions in Europe 1972-1977, Eindhoven: Stedelijkvan Abbemuseum, 1980 Frederik Leen, Michael Asher, Villeurbanne: Le Nouveau Musée, 1991 Michael Asher, Writtings 1973-1983 on works 1969-1979, Halifax: The Press ofthe Nova Scotia College of Art and Design/ Los Angeles: Museum ofContemporary Art,19 8 3


Miguel Rio Branco Nasceu em Las Palmas de Gran Canaria, Espan ha, 1946. Estudou no New York Institute ofPhotography, Nova York, e na Escola Superiorde Desenho Industrial, Rio de Janeiro. Vive no Rio de Janeiro. Born in Las Palmas de Gran Canaria, Spain, 1946. Studied at the New York Institute of Photowaphy, New York, and at the Escola Superior de Desenho Industrial, Rio de janeiro. Liues in Rio dejaneiro . Exposições indi viduai s se lec ionadas 1997 D'Amelio Terras Gallery, Nova York 1996 Museu de Arte Moderna do Rio de Janei ro Foto Forum, Frankfurt Exposições coletivas selecionadas 1997 ln Site 97, San Diego 1994 Out of nowhere, Bienal de la Habana, Havana

Marina Martic, Blow-uP,1994

Mutlu Çerkez, Notes for an unwritten opera

Yukiko Shikata, "Contemporary media in eastern Eu rope", InterCommunication Magazine, n.24 (primavera 1998)

1992, Melbourne: City Gallery, 1993

Moshekwa Langa Nasceu em Johan nesbu rgo , 1965. Estudou na Rijksakademie van Beeldende I<unsten, Amsterdã, 1997-98. Vive em Amsterdã. Born injohannesburg, 1965. Studied at RUksakademie van Beeldende /(unsten, Amsterdam, 1997-98. Liues in Amsterdam . Exposições individuais se lecionadas 1997 Galerie Fran k Hanel , Fran kfu rt

1997 VI Bienal de la Habana, Havana

Expos ições co leti vas selecionadas 1998 Taipei Biennale, Taiwan

Bibliografia selecionada David Levi Strauss, "Smoking mirrors",

V Bienal Internacional de Istambul Bibliografia selecionada Die Anderen Modernen: Zeitgenossische /(unst

Iris Lens and I<arin Stempel, Von Nirgendwoher, Aleman ha: I FA, I nstitut fü r

aus Afrika, Asien und Lateinamerika , Berlim:

Auslandsberziehu ngen, 1995

Edition Braus, 1997, P.78-81

Jean-Pierre Nouhaud, Dulce sudor amargo, México: Fondo de Cultura Económica, 1985

Turia+l<ant, 1997, p.106-11 3

Expos ições individuais selec ionadas 1997 Gallery Dom Omladine, Belgrado

Expos ições individuais selecionadas 1997 Tokyo comedy, Wiener Seccession, Viena

1996 Priuate Tokyo , Museum fur Moderne I<unst, Frankfurt

Exposições coletivas selecionadas

1983 XVII São Paulo Biennial

Milica Tomic Nasceu em Belgrado, 1960. MA, Academia de Belas-Artes de Belgrado. Vive em Belgrado. Born in Belgrade, 1960. MA, Academy of Fine Arts, Belgrade. Liues in Belgrade.

Nobuyoshi Araki Nasceu em Tóquio , 1940. Estudou na Universidade de Chiba, Tóquio. Vive em Tóquio. Born in Tokyo, 1940. Studied at Chiba Uniuersity, Tokyo. Liues in Tokyo.

Araki retrographs, Hara Museum, Tóquio

1995 Rem brandt van Rij n Art Gallery, Johan nesbu rgo

II Johannesburg Biennial, Johan nesbu rgo

Artforum (abril 1997)

Stuart I<oop, "Mutlu Çerkez," Art+ Text 46, 1993

Paulo Bianchi, Atlas mapping , Viena : Transatlantico: Diseminacià, cruce y desterritorializaciàn, Las Palmas: CAAM, 1998 , P·1 30 - 135

1997 Lust and leer, Arken Museum fur Moderne I<unst, Copenhague

1996 Sex and crime, Sprengel Museum, Hannover Bibliografia selecionada Christian I<ravagna, "Bring in the little japanese gi ris ", Nobuyosh i Araki, Secession , Viena, 1997, p.20-24 Nan Goldin, "Naked city: interviewwith Nobuyoshi Araki", Artforum , vol . XXXIII Uaneiro 1995), P·54-59 Nicholas Bornoff, " The kingofsmut ",

The Guardian (25 .10.1996), P-4-5

Mutlu Çerkez Nasceu em Londres, 1964. Vive em Mel bou rne, Austrál ia. Born in London, 1964. Liues in Melbourne, Australia .

Pedro Cabrita Reis Nasceu em Lisboa, 1956. Vive em Lisboa. Born in Lisbon, 1956. Liues in Lisbon.

Expos ições individuais se lecionadas

Exposições individuais selec ionadas

1994 Gallery FLU, Belgrado

1997 Anna Schwartz Gallery, Melbourne

1988 Gallery Dom Omladine, Belgrado

1994 An na Schwartz Gallery, Mel bou rne

1998 Large glass, white and red (Stockholm), Arkipelag, Estocolmo

Exposições coletivas se lecionadas 1997 Second annual exhibition-Centre for Contemporary Art-Open Society Foundation, Gallery Dom Omladine, Belgrado Steirischer Herbst 97, Zones of disturbance, G raz, Áustria Bauhaus, OSTRANENIE 97, The Internacional Foru m Elektron ic Media Forum, Dessau, Alemanha Bibliografia selecionada Branko Dimitrijevic e Branislava Andjelikovic, Siksi, "The cultureof cynicizm", The Nordic Art Reuiew , vol. XII, n·3 (1997)

321 Biografias

1997 Pedro Cabrita Reis , Galeria Camargo Vilaça, São Paulo

1993 City Gallery, Mel bou rne Exposições coletivas se lecionad as 1998 Fondazione Sandretto Re Rebaudengo per I'Arte, Turim Moet and Chandon Australian Art Foundation, itinerante (National Gallery of Austral ia, National Gallery ofVictoria, The Art Gallery ofNew South Wales)

1988 Vasari revisited-A /(unstkammer in

Exposições co letivas selecionadas 1997 Presente, futuro, passato. XLVII Biennale di Venezia

Projectslreopening exhibition , PS1, Nova York

Melbourne, 200 Gertrude Street, Melbourne Bibli ografia selecionada Fergus Armstrong, "Mutlu Çerkez: untitled (17 September 2065)", Agenda 199 0

1996 Pedro Cabrita Reis, Museum Folkwang, Essen; De Appel, Amsterdã; IVAM, Valência

1992 Documenta IX, I<assel

12,

Bibliografia se lecionada Alexandre Melo, "Pedro Cabrita Reis, anos 90'" Contra a claridade, Centro de Arte Moderna, Lisboa: F. C. Gulbenkian, maio 1994


IVAM, 1996/97

Bibliografia selecionada IgorZabel, Found and lostagain ... , Mala Galerija, Liubliana: Museum ofModern Art,199 8

Michael Tarantino, "I Iove the sound of breaking glass", Arkipelag, Estocolmo,

Katalin Néray, Natura morta, catálogo para o pavilhão húngaro da XLVII Biennale di

janeiro 1998

Venezia, Budapeste: Ludwig Museum, 1997

Germano Celant, "Universes of shadows", Pedro Cabrita Reis, Essen: Museum Folkwang, Amsterdã: De Appel, Valência:

László Beke, Csorgo Attila,EI Hassan Róza, Budapeste: Goethe Inst., 1995

Rineke Dijkstra Nasceu em Sittard, Holanda, 1959. Estudou na Gerrit Rietveld Akademie, Amsterdã. Vive em Amsterdã. Bom in Sittard, The Netherlands, 1959. Studied at Gerrit Rietueld Akademie, Amsterdam. Liues in Amsterdam.

1989/85 Whitney Biennial Exhibiton, Whitney Museum of American Art, Nova York 1982 Documenta VII, Kassel Bibliografia selecionada Bruce Ferguson, "Of and by Rroses ReRead", in Sherrie Leuine Fountain, Nova York: Mary Boone Gallery, 1991, P.5-9 Howard Singerman, "Seeing Sherrie Levine", in October67 (inverno 1994), P·7 8 - 107

Seydou Keita

Rosalind Krauss, "Bachelors", in October 52 (primavera 1990), P.52-59

Exposições individuais selecionadas

Nasceu em Bamako, Mali, 1923. Estudou fotografia no estúdio de Moutaga Kouyaté em 1948. Vive em Bamako. Bom in Bamako, Mali, 1923. Studied photography in the studio of Moutaga Kouyaté

1998 Menschenbilder, Museum Folkwang,

in 1948. Liues in Bamako.

Essen, Alemanha 1997 Location, Photographers' Gallery, Londres 1994 Stedelijk Museum Bureau, Amsterdã Exposições coletivas selecionadas

1997 New photography 13, The Museum of Modern Art, Nova York

Future, present, past, Corderie, XLVII Biennale di Venezia 1996 Prospect 96, Schirn Kunsthalle, Frankfurt am Main Bibliografia selecionada

A. Grundenberg"Outofthe blue", Artforum (maio 1997)

E. Ziegler, "Inkamation des Zweifels. Rineke DUkstras Fotografishe portraits", Essen: Menschenbilder, Museum Folkwang H. Visser"On Rineke Dijkstra", Camera

Austria Intemational, 57/58, 1997

Exposições individuais selecionadas

1996 Seydou Keita: A retrospectiue, National Museum of African Art, Smithsonian Institution, Washington, D.C.

1994 Seydou Keita, Mois de la Photo, Paris

Nasceu em Budapeste, 1996. Estudou na Academia de Belas-Artes Húngara, Budapeste. Vive em Budapeste. Bom in Budapest, 1966. Studied at Hungarian Academy of Fine Arts, Budapest. Liues in

Budapest.

Nasceu em Dakar, Senegal, 1969. Estudou na Ecole Nationale des Beaux-Arts de Dakar, 1996. Vive em Bamako. Bom in Dakar, Senegal, 1969. Studied at Ecole Nationale des Beaux-Arts de Dakar, 1996. Liues in Bamako. Exposição individual selecionada 1997 Centre Culturel Français de Dakar

1993 Seydou Keita: Fondation Cartier pour L'ArtContemporain, Paris Exposições coletivas selecionadas

1996 InjSight: African Photographers, 1940 to the present, Guggenheim Museum, Nova York 1994 Premieres Rencontres de la Photographic, Bamako 1993 Rouen, França Bibliografia selecionada André Magnin, Seydou Keita, Contemporary African Art Collection, fevereiro 1997

InjSight: African Photographers, 1940 to the present, Nova York: Guggenheim Museum,1996

Roza EI Hassan

Soly Cissé

Seydou Keita, Paris: Fondation Cartier pour L'Art Contemporain, 1994

Sherrie Levine Nasceu em Hazelton, Pensilvânia, 1947. BA e MA pela University ofWisconsin,

Exposições coletivas selecionadas 1996 L'Ecole de Recherche Graphique, Bélgica 1995 Gallerie National de Dakar United States Embassy, Dakar

Thomas Mulcaire Nasceu em Johannesburgo, 1971. Estudou na University ofthe Witwatersrand, Johannesburgo. Vive na Cidade do Cabo e Nova York. Bom in johannesburg, 1971. Studied at

Uniuersity ofthe Witwatersrand,johannesburg. Liues in Cape Town and New York. Exposição individual selecionada

1994 Bite the ballot, Market Theatre Gallery, Johan nesbu rgo Bibliografia selecionada "Caliban in the Haus", Nka:joumal of Contemporary African Art, n.5 (outonolinverno 1996), Nova York

Madison, 1965-73. Vive em Nova York. Bom in Hazelton, Pennsyluania, 1947. BA and MA, Uniuersity ofWisconsin, Madison, 1965-73. Liues in Noua York.

"Joach im Schõnfeldt", InklusionjExklusion: Kunst im Zeitalter uon Postkolonialismus und globaler Migration, ed. PeterWeibel,

1994 Secured space, Knoll Gallery, Viena

Exposições individuais selecionadas 1998 Sherrie Leuine, Museum Morsbroich, Leverkusen, Alemanha

Lorna Ferguson, "Aperto Johannesbu rg", Flash Art, vol. XXIX, n.189 (verão 1996), Milão

Exposições coletivas selecionadas

1995 Sherrie Leuine, The Menil Collection,

1997 Pavilhão Húngaro, XLVII Biennale de Venezia

1993 Sherrie Leuine: Newbom, Philadelphia

Exposições individuais selecionadas 1998 Galerie für Gegenwartskunst Barbara Claassen-Schmal, Bremen UNDO, DeVleeshal, Middelburg, Holanda

1995 Beyond belief, Museum ofModern Art, Chicago

1993 Aperto 93, XLV Biennale de Venezia

Houston Museum of Art, Filadélfia Exposições coletivas selecionadas

1998 The art ofthe 80'S, Culturgest, Lisboa

322 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."

Colônia: DuMont Buchverlag, 1997

Touhami Ennadre Nasceu em Casablanca, Marrocos. Autodidata. Vive em Paris. Bom in Casablanca, Morrocco. Self-taught. Liues in Paris.


Expos ições indi vidu ais selecionadas 1998/99 Maison Européenne de la Photographie, PARIS 1997 Glyptothek Münich 1996 Dany Keller Gallery, Munique Expos ições coletivas se lec ionadas 1998 Art ofthe world "Edge of awareness", Genebra 1997 II Johannesburg Bienriial, Johannesbu rgo

1996 African photography A triptych, · Solomon Guggenheim Museum , Nova York Bibliografia se lec ion ada Alain Jouffroy, " Cet instant-Là, le 24 AoOtde L'na 79", Rubrique L'oeil na'ifde Regis Debray, Liberation Magazine

Victor Grippo Nasceu em Junin, Buenos Aires , 1936. Estudou na Escuela de Bellas Artes, Universidad de la Plata. Vive em Buenos Aires . Born injunin, Buenos Aires, 1936. Studied at Escuela de Bellas Artes, Universidad de /a P/ata. Lives in Buenos Aires. Expos ições indi vidu ais selec ion adas 1995 Ikon Gallery, Birmingham

1994 Mesas de trabajo y re~exión (Tables of work and re~ection), V Bienal de la Habana, Havana 1977 Centro de Arte y Comunicación , Buenos Aires Expo sições co leti vas se lêc ionad as

(21.1.1996)

1998 Out of actions: between performance and the object, 1949-1979, The Museum ofContemporary Art, Los Angeles

François Aubral, Ennadre black light, Munique e Nova York: Prestei Verlag

1997 A quality of/ight, St. Ives I nternational , Cornwall

Nancy Spector, "Touhami Ennadre: trace oftime", Vital: three contemporary African artists, Liverpool : Tate Gallery

1990 Transcontinental : nine Latin American

Tracey Moffatt Nasceu em Brisbane, Austrália, 1960. Vive em Sydney e Nova York. Born in Brisbane, Austra/ia, 1960. Lives in Sydney and New York. Exposições ind ividu ais selec ion adas 1998 Tracey Moffatt, Kunsthalle Viennaj Wü rttem bergisher Ku nstverei n, Sttutgartj AR/GE KUNST, Bolzanoj Voralberger Kunstverein, Bregenz

1997 Free-Falling, Dia Centre for the Arts, Nova York

1989 Something more, Australian Centre for Photography, Sydney, itinerante pela Austrália Expos ições coletivas selecionadas

1997 Site Santa Fe, New Mexico 1996 XXIII Bienal Internacional de São Paulo

1993 The bourdary rider: 9th Bienna/e of

Sydney Bibli og rafia se lecio nada Adrian Martin, "The go-between", World Art 2, 1995

artists, Ikon Gallery, Birmingham Bibli og rafi a se lec ion ada Guy Brett, " Poetry and toais ", América, bride ofthe sun: 500 years Latin America and the Low Countries , Antuérpia: Royal

Tracey Moffatt, Kunsthalle Wien and Wurttembergisher Kunstverein, Stuttgart: Cantz Verlag, 1998

Marcelo Pacheco, "A warm conceptualist", Art from Argentina-Argentina 1920-1994, The Museum ofModern Art Oxford , 1994 Ricardo Martín-Crosa, Victor Grippo, Nova York: Fawbush Projects, 1991

1995 Faustus in Africa , estréia em Weimar Bibliografia se lec ionada Carolyn Christov-Bakargiev, William Kentridge , Bruxelas: Palais des Beaux-Arts, 199 8 j urassic techn%gies revenant, 10th Sydney Biennale: Art Gallery ofNew Wales, Artspace, Ivan Dogherty Gallery, 1997 Michael Godby, " William Kentridge's h istory of the mai n com piai nt: narrative, memorytruth" , Sarah Nuttal and Carli Coetzee, Negotiating the past: the making of memory in South Africa, Cidade do Cabo: Oxford University Press, 1998

Vehoshua Glotman Nasceu em Kfar Saba, Israel , 1953. BA, arte fotográfica, Polytechnic ofCentral London, Inglaterra. Vive em Israel. Born in Kfar Saba, Israel , 1953. BA, Photographic Arts at the Po/ytechnic of Central London, England. Lives in Israel. Exposições individuais se le cionadas

1995 Cherry man , Ami Steinitz Gallery, Tel Aviv

Souvenirs, ~owers, etc. (I) , Gallery Amuka, Alta Galiléia 1992 The bright side oflife, Camera Obscura Gallery, Tel Aviv

William Kentridge Nasceu em Johannesburgo, 1955 . BA em política e estudos africanos pela Witwatersrand University, 1976, e mímica e arte dramática na Ecole Jacques Lecoq, Paris, 1981-82. Vive em Johannesburgo. Born injohannesburg, 1955. BA in politics and African studies at Witwatersrand University, 1976 and mime and threatre atthe Ecolejacques Lecoq, Paris, 1981-82. Lives in

johannesburg. Exposições indi vidu ais selecionadas 1998 The Drawi ng Centre, Nova York Museum ofContemporary Art, San Diego Palais des Beaux-Arts, Bruxelas Exposições co letivas se lecionadas 1997 Documenta X, Kassel Musée d'Art Moderne de la Ville , Paris SITE Santa Fe

323 Biografias

1997 Ubu and the truth commission, estréia em Weimar

Museum ofFine Arts, 1992, P.367

"Collaborations: Tracey Moffatt" , Parkett n.53 , 1998

Filmografia selecionada 1998 II ritorno d'U/isse, estréia na Bruxelles Opera House

Exposições coletivas se lec ionadas

1998 Captur1ng rea/ity, The Tennessee State Museum , Estados Unidos To the east-orientalism in the arts in Israel, Israel Museum,Jerusalém 1997 Left-Right, Gordon Gallery, Tel Aviv Bibliografia selecionada A day in the life oflsrae/ , SanFrancisco : Collins Publishers, 1994 An Israeli album , Tel Aviv: Camera Obscura and the Tel Aviv Fund for Art & Literature, 1988

Tel Aviv: A temporary documentation , Tel Aviv: Tel Aviv Museum of Art, 1994


Nota do editor

Para sua XXIV edição, a Bienal de São Paulo reformulou sua política editorial. Na realidade, é a primeira vez que as publicações têm de fato um editor e organizador. As quatro publicações correspondem aos quatro segmentos da exposição: Núcleo Histórico: Antropofagia e Histórias de Canibalismos, "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros.", Representações Nacionais e Arte Contemporânea Brasileira: Um e/entre Outro/s. b quarto livro será publicado em novembro deste ano, pois, num tratamento especial dado à arte contemporânea brasileira, deverá registrar as obras e instalações especialmente feitas para a XXIV Bienal. A principal reformulação de nossa política editorial diz respeito ao próprio formato e conceito das publicações. Este ano, afastamo-nos da idéia tradicional de "catálogos de exposição", que parecem estar sempre restritos à função catalogadora, pálidas cópias do verdadeiro show. A função catalogadora, com seus aspectos de registro e arquivo históricos, é de fato importante; no entanto, pode serdesempenhada com mais eficácia por uma lista completa (sem ilustrações) de todas as obras da XXIV Bienal; para tanto é necessário esperar até a abertura da mostra para que se possa precisar o que curadores e artistas porfim incluíram. Quanto ao formato, pensamos em livros menores, mais leves e com encadernação menos luxuosa, de capas simples. Em vez de catálogos, pensamos então em liuros que acompanham e problematizam a XXIV Bienal. Não se trata de reflexos perfeitos da mostra, mas de complementações. Assim, há obras que estão presentes na exposição, mas que não surgem nos livros, como há artistas que desenvolvem projetos específicos para as publicações, mas que não expõem no Pavilhão. Procuramos nos afastar do formato tradicional de ensaios de curadores seguidos por pranchas e reproduções. Há muito mais texto do que imagem, e essas aparecem intercaladas com o próprio texto-trabalhamos com a perspectiva de que os livros sejam lidos e não apenas distribuídos e expostos. Outras referências foram trazidas de forma mais fragmentada, mas sempre conceitualmente articulada e pertinente: trechos, imagens. Os livros estabelecem contaminações entre os quatro segmentos da mostra, desestruturando uma estrutura aparentemente rígida que havíamos construído. Neste livro, o artista da Dinamarca Olafur Eliasson, a coreana Soo-Ja Kim e o cubano Carlos Garaicoa, do segmento de Representações Nacionais, pontuam os "Roteiros ... ". Há um projeto especial desenvolvido pela artista brasileira Rosângela Rennó, com fotografias feitas em Tijuana, que posicionamos entre os Roteiros América Latina e os Roteiros Canadá e Estados Unidos. Há outros cruzamentos desenvolvidos também em Representações Nacionais, Núcleo Histórico e Arte Contemporânea Brasileira. O próprio tratamento dos textos e a estrutura dos livros também foram reformulados em vários aspectos. Nossas normas de pad ron ização foram estabelecidas de modo flexível o bastante para dar voz e textu ra aos diversos colaboradores. Assim, por exemplo, em Representações Nacionais, mantivemos a grafia vigente em Portugal no texto do

324 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


curador João Fernandes sobre Francisco Tropa e Lourdes Castro. Optamos também por uma aproximação um tanto idiossincrática em relação à língua e à tradução. Certos termos que na língua mãe das publicações nos pareciam compreensíveis ao leitor de língua inglesa não foram traduzidos: "instalação", "vídeo", "bibliografia", "diâmetro". Em Representações Nacionais, talvez de forma mais radical, optamos por não traduzir para o inglês os nomes dos países, que aparecem em tamanho menor que o do artista. O tratamento e a política das línguas nos levaram a publicar, em alguns casos selecionados, textos em línguas que não o português e o inglês: o texto dos Roteiros América Latina surge em espanhol e em inglês, reconhecendo a primazia dessa língua no subcontinente, registrando o grão da voz original da curadora e de certo modo confiando na proximidade com o português. Há também fragmentos em francês e em espanhol que não foram traduzidos para dar expressão, em instâncias pontuais, à escrita no original. Uma das maiores inovações refere-se ao designo Estabelecemos uma colaboração e sintonia extremamente afinadas em relação a curadoria, edição, formato e desenho. Da mancha gráfica à escolha de tipografias, da formatação das biografias ao posicionamento de legendas e títulos, da seleção de imagens à respectiva ocupação nestas páginasnão há entre nós sequer um spread que não tenha sido discutido e retrabalhado extensamente. Para tanto, a parceria de trabalho estabelecida com o designer Raul Loureiro, instalado no próprio pavilhão, foi precisamente articulada. Esta articulação, o estabelecimento de diálogos entre os diferentes momentos de conceituação e produção que antes operavam de forma mais autônoma, também ocorre com a equipe de tradução, sob a coordenação precisa de Veronica Cordeiro, de preparação e revisão, comandada zelosamente por Tereza Gouveia, incansável pesquisa de material fotográfico, com Carla Zaccagnini, e a assistência editorial para textos em inglês e copyright de Tobias Ostrander. É necessário registrar aqui a dificuldade de finalizar livros que acompanham uma exposição ao mesmo tempo que a antecedem - e a experiência que este ano fazemos com a Arte Contemporânea Brasileira, o único livro a incluir reproduções da montagem final da XXIV Bienal, talvez venha a sugerir uma nova política para a Fundação Bienal quanto a suas futuras publicações de mostras contemporâneas. No momento em que escrevo há ainda empréstimos a serem confirmados e obras a serem construídas. Ainda, se uma Bienal é feita em pouco menos de dois anos, suas publicações devem ser produzidas em pouco mais de quatro meses. Adriano Pedrosa Infelizmente, deuido a limitações impostas pelo cronograma das publicações, lamentamos que não tenha sido possíuel incluir neste liuro a uersão em inglês do ensaio da curadora Rina Caruajal (Roteiros América Latina), reproduções fotográficas da obra de Francis). Kel/y (Roteiros Oceania), de Maurice O'Connel/ (Roteiros Europa), nem o projeto de Joseph Kpobly e Thomas Mu/caire (Roteiros África). Estes estarão disponíueis no website da XXIV Bienal de São Paulo: www.uol.com .brfbienal f24bienal.

325 Nota do editor Adriano Pedrosa


Editor's note

For its XXIV edition, the Bienal de São Paulo has reformulated its editorial policy. ln fact, it is the first time the publications have an editor and organizer. The four publications correspond to the exhibition's four segments: Núcleo Histórico: Antropofagia e Histórias de Canibalismos, "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros.," Representações Nacionais and Arte Contemporânea Brasileira: Um e/entre Outro/s. The fourth book will be published in November of this year; in a special treatment given to Brazilian contemporary art, the bookwill include images ofthe works and installations especially made for the XXIV Bienal. The key reformulation of our editorial policy relates to the very format and concept ofthe publications. This year, we have distanced ourselves from the traditional idea of"exhibition catalogs," which seems to be forever restricted to the cataloguing function, pale copies ofthe real show. The cataloguing function, with its aspects ofhistorical recording and archiving, are in fact important, yet may be performed more accurately by a complete list (without illustrations) of all works which are, in the end, included in the Bienal. For that matter, it is necessary to wait until the opening of the show for a precise knowledge of what curators and artists have finally included. ln regards to the format, we planned smaller and lighter books, with a less luxurious cover, simply paperback. lnstead of catalogs, we thus thought ofbooks that accompany and problematize the XXIV Bienal. They are not perfect reflections of the show, but rather pie ces that complement it. ln this sense, there are works in the exhibition that do not appear in the books, as there are artists who develop specific projects for the publications, yet are not in the pavilion. We tried to distance ourselves from the traditional format of curators' essays followed by plates and reproductions. There's much more text than images, and the latter appear intercalated with the former-we worked with the idea that these would be read, and not merely distributed and displayed. Other references were brought in a more fragmented fashion, yet always conceptually articulated: excerpts, images. The books establish contaminations between the four segments of the XXIV Bienal, destructuring the seemingly rigid structure we had initially set up. ln this book, the artist from Denmark, Olafur Eliasson, the Korean Soo-Ja Kim, and the Cuban Carlos Garaicoa, from the National Representations segment, intercross these "Roteiros ...." There is a special project developed by Brazilian artist Rosângela Rennó, with photographs taken in Tijuana, which here is placed between Roteiros América Latina and Roteiros Canadá e Estados Unidos. Other intercrossings appear in Núcleo Histórico, Representações Nacionais and Arte Contemporânea Brasileira. The treatment and preparation of the texts and the structure of the books have also been reformulated in several aspects. Our style sheet was established in a flexible way allowing us to give texture and voice to our diverse contributors' texts. ln this way, forexample, in Representações Nacionais, we maintained the Continental Portuguese spelling for João

326 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


Fernandes' .text on Francisco Tropa and Lourdes Castro. We've chosen a somewhat idiosyncratic approach to language and translation. Certain words which in the mother tangue of the publications seemed decipherable to the Englishspeaking reader were deliberately not translated: "instalação," "vídeo," "bibliografia," "diâmetro." ln Representações Nacionais, and perhaps more radically, we have chosen not to translate into English the names ofthe countries, which appear in a smaller scale than that of the artist. The treatment and politics oflanguage, in some chosen cases, led us to publish texts in languages other than Portuguese and English: Roteiros América Latina essay will be published in English and Spanish, acknowledging the primacy of the latter in the subcontinent, as well as recording the original grain ofthe curator's voice and, in a way, relying on the proximitywith our Portuguese. There are also fragments in French and Spanish which were deliberately not translated in arder to fully express, in punctual instances, the original writing. One ofthe major innovations is related to the designo We have established a close relationship and extreme affinity between curatorship, editing, format, and designo From the grid to the choice of typography, from the format of the biographies to the positioning ofthe photo captions, from the selection ofimages to their placement on these pagesthere is not among us one single spread which hasn't been discussed and reworked. For that matter, the collaboration with Raul Loureiro, the graphic designer for our publications, was precisely articulated and set up in this pavilion. This articulation, the establishment of a dialogue between several instances of conceptualization and production which were previously functioning autonomously, also appears with the translation team, under the precise coordination ofVeronica Cordeiro, proofreading, meticulously led by Tereza Gouveia, tireless photo research with Carla Zaccagnini,and the editorial assistance for English texts and copyright, with Tobias Ostrander. lt is necessary to record, here, the difficulty of finalizing books which accompany an exhibition and simultaneously come before it-and the experience which this year we carry out with Arte Contemporânea Brasileira, the sole book to include reproductions of the final installation of the XXIV Bienal, may suggest a new policy for the Fundação Bienal with respect to its future publications of contemporary exhibitions. At the time ofwriting, there are stillloan requests to be confirmed and works to be made. Further, if a Bienal is created in less than two years, its publications are produced in a little over four months. Adriano Pedrosa

UnfortunateIy, due to limitations imposed by our schedule ofpublications, it was not possible to incIude in this book the English version ofRina Carvajal's essay (curato r ofRoteiros América Latina), photographic reproductions ofthe works ofFrancis J. KeIly (Roteiros Oceania), Maurice O'ConneIl (Roteiros Europa), nor the project by Joseph Kpobly and Thomas Mulcaire (Roteiros África). These wilI be available at the XXIV Bienal de São Paula's website: www.uoI.com.brfbienalf24bienaI.

327 Nota do editor Adriano Pedrosa


Agradecimentos Acknowledgments

Pri nce Claus Fu nd for Culture and Development, Haia, por seu generoso apoio a [for its generous su pport of] Rotei ros África Afrique en Création, Florence Alexis, Paris Alberto Sierra, Medellín Alex Pilis, Barcelona Alexander and Bonin Gallery, Nova York Alma Ruiz, Los Angeles Ana Sokoloff, Nova York Andrea Guinta, Buenos Aires Anita e Burton Reiner, Baltimore Anna Schwartz Gallery, Sydney Antonio Armando, Beira, Moçambique Art Beatus Gallery, Vancouver Art Nexus, Bogotá Arthur and Carold Goldberg, Nova York BarrieJones, Windsor Bruce Ferguson, Nova York Bruno Bischofberger, Zurique Bruno Musatti, São Paulo Bu ndeskanzeleram bt-Ku nstangelegenheiten, Mag. JosefSecky, Viena Canada Council, Ottawa Carlos Eugênio Marcondes de Moura, São Paulo Carmen Cuenca, Tijuana Carmen MaríaJaramillo, Museo de Arte Moderno de Bogotá Carolina Ponce de León, Nova York Catherine de Zegher, Kortrijk Catherine Opie, Los Angeles Cathy Busby, Montreal CatrionaJeffries, Vancouver Celia Birbragher, Bogotá Cem Gencer Cemeti Gallery, Yogyakarta Centre Culturel Français de Bénin, Bruno Asseray, Diretor Centre Culturel Français de Dakar, Guy Maurette, Diretor Centro Wifredo Lam, Lilian Llanes, Diretora, Havana Chisenhale Gallery, Londres Chris Botha, South African High Commission, Nigéria Christina Ritchie, Toronto Christine Belloy, Nova York ChristopherGrimes Gallery, Los Angeles Chulalongkorn University, Thiencai Girananda, Presidente, Bancoc Collier Schorr, Nova York Corinne Diserens, Marselha Cristina Vives, Havana

D'Amelio Terras Gallery, Nova York Daina Augaitis, Vancouver Dak'art 98, Biennale de l'Art Africain Contemporain, Abdoulaye Elimane Kane, Dacar David ZwirnerGallery, Nova York Diego Fernández, Santiago Doug Ishar, Chicago Eduardo Duar, São Paulo Elaine BakereJohn Cruthers, Newtown Elaine Budin, Nova York Elga Pakaasar, Windsor EI izabeth Armstrong, San Diego Art Museum Elizabeth McGregor, Birmingham Eloíse Ricciardelli, Mattapoisset Embaixada da Bélgica, Congo, Zaire Embaixada da República da África do Sul, Brasília Embaixada do Brasil, Ancara Embaixada do Brasil, Pequim Embaixada do Brasil, Cairo, EmbaixadorVirgílio Moretzsohn de Andrade Embaixada do Brasil, Haia, Embaixadora Vera Pedrosa Embaixada do Brasil, Maputo Embaixada do Brasil, Pretória, EmbaixadorOto Agripino Maia, Secretário José Ricardo Alves Embaixada do Brasil, Tel Aviv Euro Print Center, Istambul Fanny Sanin, Nova York Felipe Mujica, Santiago Felix Cortés, Nova York Fernando Castro, Houston Florian Raiss, São Paulo Fonds National d'Art Contemporain, Puteaux FRAME-Finnish Fund forArt Exchange, Helsinque Fundació la Caixa, Barcelona Fundación Banco Patricios, Buenos Aires Gabinete de Arte Raquel Arnaud, São Paulo Gabriel Peluffo, Montevidéu Galeria Camargo Vilaça, São Paulo, Marcantônio Vilaça Galeria Massimo De Cario, Milão Galería de Arte Contemporáneo, Cidade do México Galería de Arte Mexicano, Cidade do México

328 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."

Galería Garcés y Velázquez, Bogotá Galería La Oficina, Medellín Galería Nina Menocal, Cidade do México Galería Ruth BenzacarGallery, Buenos Aires Galería Valenzuela & Klenner, Bogotá Galleri Riis, Espen Ryvarden, Oslo Geoffrey James, Toronto George Bures Miller, Lethbridge Gerardo Mosquera, Havana Ghaseum Mind Evolution Eye Cultivation, Seul Giovanni Springmeier, Bad Berleburg Gonzalo Díaz, Santiago Good man Gallery, Johan nesbu rgo G reenaway Art Gallery, Austrál ia Greg Burke, Creative NewZealand, Wellington Guillermo Santa Marina, Cidade do México Gum Busters International, Dublin Gustavo Buntix, Lima Hannah Fink, Sydney Han nart Z. Gallery, Hong Kong Hara Museum, Tóquio Ikon Gallery, Birmingham Ines Turian, Viena InSite 97, San Diego Instituto de Arte Contemporânea, Fernando Calhau, Diretor, Isabel Carlos, Subdiretora, Lisboa Internationallstanbul Biennial, N. Fulya Erdemci, Diretora, Istambul Irish Arts Council, Dublin Irma Arestizabal, Buenos Aires Isabel Rod riguez Alonso, Cidade do México Istanbul Foundation forCulture and Arts, Istambul Jay Joplin, Londres Jean Loup Pivin, Revue Noire, Paris Jean-Hubert Martin, Paris Jessica Bradley, Toronto Jim Vivieaere, Auckland Joe Villablanca, Santiago Joelle Tuerlinckx, Bruxelas John Paul Ricco, Chicago Jon Tu pper, Banff Jorge Helft, Buenos Aires Jorge Villacorta, Lima Justo Pastor Mellado, Santiago Kanaal Art Foundation, Kortrijk Ken Lum, Vancouver Kitty Scott, Vancouver Lani Maestro, Montreal


Lea Si monds, Pittsbu rgh Li Gang, Pequim Lilian Tone, Museum ofModern Art, Nova York Linda Norden, Nova York Lóuise Dompierre, Toronto Luciana Brito, São Paulo Luis Pérez Oramas, Caracas Luz Miriam Toro, Bogotá Lyn Di lorio, Nova York Lynn Zelevansky, Los Angeles MAC, Galeries Contemporaines des Museés de Marseille Marcelo Pacheco, Buenos Aires Marcia Acita, Annandale-on-Hudson Márcia Mello, Rio de Janeiro Margo Leavin Gallery, Los Angeles Margo Leavin, Los Angeles Maria Tereza Louro, São Paulo Marian Goodman Gallery, Nova York Marina Abramovic Marina Warner, Londres Marketta Seppãlã Marta Kuzma, Ucrânia, Galerie Mot e Van den Boogaard, Bruxelas Maudie Palmer, Melbourne Max Protetch Gallery, Nova York Megan Tamati-Quennell, Museum of New Zealand/Te Papa Tongerawa, Wellington Micah Lexier, Toronto Michael Asher, Los Angeles Michael Delmont, Los Angeles Michael Krichman, San Diego Ministere de la Cooperation, Paris Ministerie van de Vlaamse GemeenschapAfdeling Beeldende Kunst en Musca, Bruxelas Ministério da Cultura, Ministra Aminata Traoré, Mali Ministério da Cultura, Portugal Moet et Chandon Australian Art Foundation, Melbourne Mondriaan Stichting, Melle Daamen, Diretor, Hein van Haaren, Amsterdã 1'1 useet for Samtidsku nst, Velaug Bollingmo, Oslo 1'1 useo de Arte Alvar y Carmen T. de Carrillo Gil, Osvaldo Sánchez, Diretor, Cidade do México Museo de Arte Moderno de Medel lín Museo de Artes Visuales Alejandro Otero, Caracas

329 Agradecimentos

1'1 useu de Arte Contem porânea Kiasma, Tuula Arkio, Diretora, Helsinque Museu de Arte Contemporânea, Tóquio Museu de Arte Moderna da Bahia, Heitor Reis, Diretor Museum Boijmans Van Beuningen, Roterdã Museum für Moderne Kunst, Frankfurt Museum ofContemporary Art, Sydney Naomi Cass, Melbourne Natalia Gutierrez, Bogotá Natalia Majluf, Lima Natalia Tejada, Medellín Natalia Vegas, Nova York National Arts Council forthe South African Artists, Johannesbu rgo National Gallery of Austral ia, Brian Kennedy, Diretor, Camberra Nelson Henricks, Montreal Oswaldo Costa,Nova York Pamela Meredith, Toronto Patricia Rizzo, Buenos Aires Patrick Gavigan, Nova York Pennye David McCall, Nova York Per Hovdenakk, Oslo Pinacoteca do Estado de São Paulo, Emanuel Araújo, Diretor Queensland Art Gallery, Brisbane Raul Antelo, Florianópolis Régine Cuzin, Paris René Blouin, Montreal Rhana Devenport e Doug Hall, Queensland Art Gallery Rhona Hoffman, Chicago Ricardo Armas, Nova York Richard Rhodes, Toronto Robert Leonard, Artspace, Auckland Robyn McKenzie, Mel bou rne Ronaldo Aguiar, São Paulo Rosa Velazco, Santiago Roslyn OxleyGallery, Sydney Ruben Gallo, Nova York SallyYard, San Diego Sam Samore, Nova York Samuel Lallouz, Montreal SECCA, Southeastern Center for Contem porary Art, Carolina do Norte Secession, Viena Shaun Caley, Los Angeles ShengTian Zheng Soraya Mi llan , São Paulo Stedelijk Museum voor Actuele Kunst, Jan Hoet, Gent Stella Lohaus Gallery, Antuérpia

Stephen Horne, Montreal Susan e Michael Hort, Nova York Susan Hobbs, Toronto Susan Torres, Lima Teresa Novaes, Barcelona The Arts and Culture Trust ofthe President ofSouth Africa, Johan nesbu rgo The French Institute ofSouth Africa, Johan nesbu rgo Thomas Healy, Nova York Tom Kantor, Warlpiri Media Association, Yuendumu University ofMelbourne UOL-Universo on Line, São Paulo VictorZamudio Taylor, Texas Virgílio Garza, Nova York Visual Arts/Crafts Funding Division of the Australia Council, Sydney Wayne Baerwaldt, Winnipeg Wendy Brandow, Los Angeles / Women Make Movies, Nova York Yo landa Panti n, Caracas Yonghee Jung Yoshiko Isshiki Yves Pepin, Ottawa Zoe e Joel Dictrow, Nova York


"Arribo, ahora, ai inefable centro de mi relato; empieza, aquí, mi desesperación de escritor. Todo lenguaje es un albafeto de símbolos cuyo ejercicio presupone u,n pasado que los interlocutores comparten; lcómo transmitir a los otros el infinito Aleph, que mi temerosa memoria apenas abarca? Los místicos, en análogo trance, prodigan los emblemas: para significar la divinidad, un persa habla de un pájaro que de algún modo es todos los pájaros; Alanus de Insulis, de una esfera cuyo centro está en todas partes y la circunferencia en ninguna; Ezequiel, de un ángel de cuatro caras que a un tiempo se dirige ai oriente y ai occidente, ai norte y ai sur. (No en vano rememoro esas inconcebibles analogías; alguna relación tienen con el Aleph.) Quizá los dioses no me negarían un hallazgo de una imagen equivalente, pero este informe quedaría contaminado de literatura, de falsedad. Por lo demás, el problema central es irresoluble: la enumeración, siquiera parcial, de un conjunto infinito. En ese instante gigantesco, he visto millones de actos deleitables o atroces; ninguno me asombró como el hecho de que todos ocuparan el mismo punto, sin superposición y sin transparencia. Lo que vieron mis ojos fue simultáneo: lo que transcribiré, sucesivo, porque ellenguaje lo es. Algo, sin embargo, recogeré. En la parte inferior dei escalón, hacia la derecha, vi una pequena esfera tornasolada, de casi intolerable fulgor. AI principio la creí giratoria; luego comprendí que ese movimiento era una ilusión producida por los vertiginosos espectáculos que encerraba. EI diámetro dei Aleph sería de dos o tres centímetros, pero el espacio cósmico estaba ahí, sin disminución de tamano. Cada cosa (Ia luna dei espejo, digamos) era infinitas cosas, porque yo claramente la veía desde todos los puntos dei universo. Vi el populoso mar, vi el alba y la tarde, vi las muchedumbres de América, vi una plateada telarana en el centro de una negra pirámide, vi un laberinto roto (era Londres), vi interminables ojos inmediatos escrutándose en mí como en un espejo, vi todos los espejos dei planeta y ninguno me reflejó, vi en un traspatio de la calle Soler las mismasbaldosas que hace treinta anõs vi en el zaguán de una casa en Fray Bentos, vi racimos, nieve, tabaco, vetas de metal, vapor de agua, vi convexos desiertos ecuatoriales y cada uno de sus granos de arena, vi en Inverness a una mujerque no olvidaré, vi la violenta cabellera, el altivo cuerpo, vi un cánceren el pecho, vi un círculo de tierra seca en una vereda, donde antes hubo un árbol, vi una quinta de Adrogué, un ejemplarde la primera versión inglesa de Plinio, la de Philemon Holland, vi a un tiempo cada letra de cada página (de chico, yo solía maravillarme de que las letras de un volumen cerrado no se mezclaran y perdieran en el decurso de la noche), vi la noche y el día contemporáneo, vi un poniente en Querétaro que parecía reflejarel colorde una rosa en Bengala, vi mi dormitorio sin nadie, vi en un gabinete de Alkmaar un globo terráqueo entre dos espejos que lo multiplican sin fin, vi caballos de crin arremolinada, en una playa de'I Mar Caspio en el alba, vi la delicada osatura de una mano, vi a los sobrevivientes de una batalla, enviando tarjetas postales, vi en un escaparate de Mirzapur una baraja espanola, vi las sombras oblicuas de unos helechos en el suelo de u n invernáculo, vi tigres, émbolos, bisontes, marejadas y ejércitos, vi todas las hormigas que hay en la tierra, vi un astrolabio persa, vi en un cajón dei escritorio (y la letra me hizo temblar) cartas obscenas, increíbles, precisas, que Beatriz había dirigido a Carlos Argentino, vi un adorado monumento en la Chacarita, vi la reliquia atroz de lo que deliciosamente había sido Beatriz Viterbo, vi la circulación de mi oscllra sangre, vi el engranaje dei amory la modificación de la muerte, vi el Aleph, desde todos los puntos, vi en el Aleph la tierra, yen la tierra otra vez el Aleph y en el Aleph la tierra, vi mi cara y mis vísceras, vi tu cara, y sentí vértigo y Iloré, porque mis ojos habían visto ese objeto secreto y conjetural, cuyo nombre usurpan los hombres, pero que ningún hombre ha mirado: el inconcebible universo." Extraído de Jorge Luis Borges, EI Aleph, Buenos Aires: Emecé Editores S.A., 1957 e 1996, p. 258-262.

GabrielOrozco Bal! on water Bola sobre água 1994 cibacromo 31,5x47,3cm cortesia Marian Goodman, Nova York 330 XXIV Bienal "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros."


"I arrive, now, at the ineffable center of my story. And here begins my despair as a writer. Alllanguage is an alphabet of symbols whose use presupposes a past shared by all the other interlocutors. How, then, transmit to others the infinite Aleph, which my fearful mind scarcely encompasses? The mystics, in similar situations, are lavish with emblems: to signifY the divinity, a Persian speaks of a bird that in some way is all birds; Alanus de Insulis speaks of a sphere whose center is everywhere and whose circumference is nowhere; Ezekiel, of an angel with four faces who looks simultaneously to the Orient and the Occident, to the North and the South. (Not vainly do I recall these inconceivable analogies; they bear some relation to the Aleph.) Perhaps the gods would not be against my finding an equivalent image, but then this report would be contaminated with literature, with falsehood. For the rest, the central prablem is unsolvable: the enumeration, even if only partial, of an infinite complexo ln that gigantic instant I saw millions of delightful and atracious acts; nane astonished me more than the fact that all ofthem together occupiedthe sarne point, without superposition and without transparency. What my eyes saw was simultaneous: what I shall transcribe is successive, because language is successive. Nonetheless, I shall cull something ofit alI. ln the lower part ofthe step, toward the right, I saw a small iridescent sphere, of almost intolerable brilliance. At first I thought it ratary; then I understood that this movement was an illusion praduced by the vertiginous sights it enclosed. The Aleph's diameter must have been about two ar three centimeters, but Cosmic Space was in it, without diminution of size. Each object (the mirrar's glass, for instance) was infinite objects, for I clearly saw it fram all points in the universe. I saw the heavy-Iaden sea; I saw the dawn and the dusk; I saw the multitudes of America; I saw a silver-plated cobweb at the center of a black pyramid; I saw a tattered labyrinth (it was London); I saw interminable eyes nearby looking at me as if in a mirrar; I saw all the mirrars in the planet and nane reflected me; in an inner patio in the Calle Soler I saw the sarne paving tile I had seen thirty years before in the entranceway to a house in the town ofFray Bentos; I saw clusters of grapes, snow, tobacco, veins of metal, steam; I saw convex equatorial deserts and every grain of sand in them; I saw a woman at Inverness whom I shall not forget: I saw her violent switch ofhair, her praud body, the cancer in her breast; I saw a circle of dry land on a sidewalk where formerly there had been a tree; I saw a villa in AdraguĂŠ; I saw a copy ofthe first English version ofPliny, by Philemon Holland, and simultaneously every letter on every page (as a boy I used to marvel that the letters in a closed book did not get mixed up and lost in the course of a night) ; I saw night and day contemporaneously; I saw a sunset in QuerĂŠtara whichseemed to reflect the colar of a rase in Bengal; I saw my bedraom with nobody in ir; I saw in a study in Alkmaar a terraqueous globe between two mirrars which multiplied it without end; I saw horses with swirling manes on a beach by the Caspian Sea at dawn; I saw the delicate bane structure of a hand; I saw the survivors of a battle sending out post cards; I saw a deck ofSpanish playing cards in a shopwindow in Mirzapur; I saw the oblique shadows of some ferns on the floor of a hothouse; I saw tigers, embati, bison, graund swells, and armies; I saw all the ants on earth; I saw a Persian astralabe; in a desk drawer I saw (the writing made me tremble) obscene, incredible, precise letters, which Beatriz had written to Carlos Argentino; I saw an adored monument in La Chacarita cemetery; I saw the atracious reli c of what deliciously had been Beatriz Viterbo; I saw the circulation of my obscure blood; I saw the gearing oflove andthe modifications of death; I saw the Aleph fram all points; I saw the earth in the Aleph and in the earth the Aleph once more and the earth in the Aleph; I saw my face and my viscera; I saw your face and felt vertigo and cried because my eyes had seen that conjectural and secret object whose name men usurp but which no man has gazed on: the inconceivable universe." Extracted fram Jorge Luis Borges, "The Aleph," A personal anthology, New York: Grave Press Inc., 1967, PP.149- 1S1, translated fram the Spanish by Anthony Kerrigan.

331 Fragmento


Limpeza

IcJ~lvªndªRosªde Jesus lfj:lI~I~(,I''''''li~~l~;fj~r:I,séffté]K'p«~dito

Perei ra

Josefa Gomes da Silva ,Jos

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Portaria

Antonio Milton de Araújo Evilazio Pereira Sampaio Gilberto Pereira da Silva Isaias de Jesus Siqueira José Antonio dos Santos José Leite da Silva Nivaldo Francisco da Costa Tabajara de Souza Macieira


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Núcleo ed ucação Bienal -SESC

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XXIV Bienal de São Paulo"

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