Rita 6º H

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Testemunho do meu tio que prestou serviço na Guiné, durante a Guerra Colonial

O meu tio, em segundo grau (tio do meu pai) contou-me que esteve na Guiné. Pensei fazer-lhe algumas perguntas sobre o tempo que lá passou. Começamos a conversar e contou-me que veio da Guiné em março de 1971, depois de lá ter estado durante dois anos. Antes de ir para a Guiné, o meu tio passou por vários quartéis. Fez a tropa no quartel da Póvoa, no Porto, em Santarém e em Lisboa, junto ao Palácio de Belém, onde esteve um mês e meio. Depois é que seguiu para a Guiné. Durante o período que esteve na nossa colónia, conheceu muitas pessoas e camaradas que nunca mais viu, segundo ele: “A gente, naquela fase de guerra, pensa que nunca mais se irá encontrar, que acabou tudo!” O meu tio acabou por ficar lá muito tempo, a pedido de dois oficiais, pois fazia tudo o que eles queriam. Um deles tinha mulher e dois filhos. O meu tio levava a mulher ao cabeleireiro, ao supermercado e os filhos à escola ou a passear. Fazia tudo o que o comandante mandava. Levava-o às reuniões e ficava no carro à sua espera; tinha que ir de roupa arranjada, sapatos a brilhar e camisa passada. Ia todos os dias buscar as refeições, já preparadas, ao Quartel da Companhia para a empregada de casa servir ao comandante e à sua família. Tinham bons carros naquela altura, isto porque estava ao serviço em Bissau. Foi motorista do oficial da marinha do gabinete do General Spínola. Nessa zona, havia um hospital militar, onde tinham direito a tratamento, um quartel com escola e uma caserna para eles dormirem. No mato, os militares dormiam em cavernas, tipo abrigos, feitas pelos tropas com paus e canas verdes para servir de estrutura e cobriam-nas com terra. A comida era enlatada: salsichas e atum. Até o leite vinha numa espécie de bisnaga. Comia-se tudo frio, na hora, e chamavam-lhe “Ração de combate”. Os brancos (Portugal) tratavam os africanos por “Turras” e eles chamavam o mesmo aos portugueses. Entretanto, o meu tio desabafava: “nós não devíamos lá estar, porque aquilo não era nosso,não achava justo. Seria a mesma coisa se agora viessem eles para aqui, dizendo que isto era deles e tratar-nos por Turras. Quem tinha o direito de lá estar eram os pretos que estavam na sua casa!” O meu tio também me contou que um vizinho nosso, o Sr. José (omito propositadamente, por respeito, o seu apelido), estava destacado para a guerra por cinco anos, em 1964, mas morreu numa emboscada com mais dois homens de Celeirós, um mês e meio depois. Os soldados não sabiam nada do que se passava em Portugal. Eles escreviam cartas para a família, mas não as colocavam num envelope para não pagarem imposto de selo. Dobravam as cartas e isso chamava-se “As famílias eram informadas pelo Estado da morte do seu familiar, mas não podiam comentar nada contra o governo; se falassem de alguma coisa a PIDE entrava-lhes em casa, levavam o chefe de família, metiam-no na mala do carro e mais ninguém sabia dele. Não se contava os mortos na guerra, pois era contra a política do governo. Ao terminar, só posso dizer que os “desabafos”, o sofrimento e a tristeza do meu tio ao falar destes acontecimentos, tão dolorosos, foram muito importantes para eu passar a dar mais valor à liberdade, aos meus princípios e ao respeito pelos outros e daí querer também partilhá-los convosco. Aqui deixo também um agradecimento muito especial ao meu tio. Rita Martins, 6º H


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