Contos de fadas e contos tradicionais de todo o mundo - antologia

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Contos de fadas e contos tradicionais de todo o mundo — antologia

Seleção de textos Manuela Pereirinha e João Aparício

editor Agrupamento de Escolas de Oliveira de Frades Escola Básica e Secundária de Oliveira de Frades Rua Nossa Senhora dos Milagres 3680-077 Oliveira de Frades

composição João Aparício

Outubro, 2021

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Índice O CÁGADO E A RAPOSA — Conto tradicional de Angola

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PORQUE É QUE OS CÃES SE CHEIRAM UNS AOS OUTROS — Conto tradicional de Moçambique 7 O MELRO BRANCO — Conto tradicional da França

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A GALINHA NEGRA — Conto cigano

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OS TRÊS IRMÃOS — Conto tradicional da Galiza (Espanha)

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COMIDA SEM SAL — Conto tradicional português

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A MENINA DOS FÓSFOROS — Conto tradicional da Dinamarca

15

QUANDO OS CÃES DEIXARAM DE FALAR — Conto tradicional de S. Tomé e Príncipe

17

AS TRÊS CIDRAS DO AMOR — Conto tradicional português

18

OS COMPADRES CORCUNDAS — Conto tradicional do Brasil

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A VOZ DE LIURAI de OSSU — Conto tradicional de Timor-Leste

22

O LOBO, O CHIBINHO E A TIA GANGA — Conto tradicional de Cabo Verde

23

É NO FOGO QUE EU NASCI — Conto tradicional da Guiné -Bissau

26

O NABO GIGANTE — Conto tradicional da Rússia

28

A MÃE DO OURO — Conto tradicional do Brasil

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A DANÇA DO ARCO-ÍRIS Lenda indígena brasileira recontada por João Anzanello Carrascoza 32 O NASCIMENTO DO MUNDO — Lenda maori recontada por Maria de la Luz

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O VENDEDOR DE PÊSSEGOS — Conto tradicional japonês

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CINDERELA — Conto de fadas dos irmãos Grimm

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O CÁGADO E A RAPOSA — Conto tradicional de Angola Lá longe, nas ardentes terras de África, vivia uma raposa que tinha por hábito troçar de um pobre cágado: — Mas que pouca sorte a tua, amigo cágado! Como fazes para correr com essa casa às costas e essas perninhas que mal se veem? Olha para mim: com estas pernas fortes e compridas, ando mais com duas pernadas do que tu num dia inteiro. Tanto falava e troçava a raposa que o cágado, fartinho de a ouvir e desejoso de lhe dar uma lição, a desafiou certo dia para uma corrida: — Andas para aí a gabar as tuas pernas sem te lembrares de que nem tudo o que luz é ouro. Bem conheço eu o valor das minhas, e a ninguém desejo mal por ter menos do que eu. Mas já que tanto falas, vamos lá ver se a razão está do teu lado. No próximo domingo, festeja-se o casamento da filha do nosso rei e por certo muita gente se irá reunir na aldeia. Pois será esse o dia escolhido para o nosso desafio. Aceitas? — Por quem és, meu pobre amigo! Lá estarei para vermos do que és capaz— respondeu a raposa, mal conseguindo conter o riso. — Pois bem, partiremos de um lugar marcado e corremos até ao limite das terras do nosso rei — tornou o cágado. — O primeiro que chegar ganhará um fato novo para si e outro para dar de prenda à filha do rei. E o que perder pagará tudo. A raposa aceitou as regras e foi cada um para sua casa. O cágado mandou então chamar todos os irmãos, expôs-lhes o caso e entre eles combinaram a partida a pregar à raposa. Espalhar-se-iam ao longo do caminho, escondidos pelo capim, e, de cada vez que a raposa chamasse pelo cágado, responderia sempre o que estivesse à frente. Terminada a combinação, o cágado abalou. Quando ambos estavam prontos para a partida, diz o cágado à raposa: — Tu não te preocupes comigo se não me vires, pois bem sabes que eu não sei saltar; só sei correr pelo meio da erva. — Corre com as quatro patas e não as deixes arrefecer, pois a aposta já a ganhei eu… O sinal de partida foi dado e a raposa, em meia dúzia de saltos, perdeu o cágado de vista. Convencida de que ele ficara para trás, e também por troça, parou e pôs-se a chamar: — Então, amigo cágado, andas ou não andas? — Amiga raposa — respondeu o cágado da frente —, corre quanto puderes e não te preocupes comigo, que já vou adiantado para te mostrar o caminho. Surpreendida e um tanto atrapalhada, a raposa dobrou os seus esforços. Quando pensava que, desta feita, teria deixado o cágado muito para trás, voltou a chamar: — Amigo cágado, ainda ouves a minha voz? — Já quase não a ouço-respondeu o cágado da frente — e se tu continuas a correr tão pouco, ainda me esqueço de que preciso de correr e acabo por adormecer no caminho… 5


Desta vez a raposa perdeu a cabeça e não pensou senão em fugir quanto as pernas lho permitissem. Quando já estava perto do ponto de chegada, a deitar os bofes pela boca e de rabo entre as pernas, mal pôde acreditar no que os seus olhos viam: o cágado, que já tinha chegado à meta, vinha agora ao seu encontro a gritar-lhe: — Oh, amiga raposa, venho ver se precisas do meu auxílio, que já estou cansado de esperar por ti! Melhor seria se estendesses mais as pernas e encurtasses a língua, porque assim talvez fizesses melhor figura. Olha, que a lição te sirva de emenda e te evite novas desilusões, que nunca poupam os linguareiros e os presunçosos...

[Fonte: Messeder, J. P. & Ramalhete, I. (2016). Contos e lendas de Portugal e do mundo. Porto Editora.]

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PORQUE É QUE OS CÃES SE CHEIRAM UNS AOS OUTROS — Conto tradicional de Moçambique Há muito e muito tempo atrás, quando os cães não tinham sido domesticados pelos humanos e ainda mandavam nos seus próprios focinhos, eles viviam pelo mundo divididos em dois países: o país do lado de cá e o país do lado de lá. Cada um desses dois países tinha o seu próprio cão-chefe, mas eles não se entendiam entre si, porque além de serem muito diferentes nos seus costumes, cada chefe sempre se gabava de ser mais poderoso que o outro. — O meu país tem os cães mais fortes! — o do lado de cá dizia. — E o meu que tem os mais cheirosos e bonitos! — o do lado de lá respondia. — Mas no meu país todo mundo é obrigado a malhar! — E no meu todos são obrigados a tomar banho! E eles sempre tinham o que se gabar… Certo dia, o chefe do lado de cá quis casar-se com a irmã do chefe do lado de lá. Porém, como havia muita disputa entre eles, o cão do lado de lá respondeu zangado: — De jeito nenhum! Com a minha irmã não casa! Quando o chefe que queria casar ficou a saber disso, ficou furioso porque ele realmente gostava da irmã do outro chefe. Por isso, mandou um dos seus mensageiros levar um recado à terra do lado de lá. — Boa tarde — disse o mensageiro — trago uma mensagem que diz “Você não me pode recusar a sua irmã, se continuar com isso terei que mandar o meu exército aí para destruir tudo”. Com o recado transmitido, o mensageiro preparava-se para partir. Quando de repente… Os conselheiros do chefe do lado de lá viram que ele estava todo sujo e falara: — Todo mundo é obrigado a tomar banho aqui! A sua cauda está imunda, temos que te lavar. Então, os conselheiros levaram o mensageiro para tomar um banho muito bem dado: passaram shampoo, sabonete, condicionador, creme, leave in, tudo! Até borrifaram perfume nele todinho. O coitado até saiu espirrando, ATTCHIIMMMM! Quando o mensageiro voltava pelo caminho, começou a sentir-se muito orgulhoso e lindo por estar tão limpinho e com a cauda perfumada. Por isto, resolveu que ia procurar uma esposa para ele próprio e desistiu de voltar para a terra do lado de cá, desaparecendo sem cumprir a sua função até hoje! O cão-chefe que queria casar, ficou tão bravo que ordenou que todos deveriam andar por aí cheirando a cauda uns dos outros para ver se encontram o mensageiro que desertou e desapareceu. E é por isso que os cães se cheiram!

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O MELRO BRANCO — Conto tradicional da França Um rei já muito avançado em idade tinha três filhos. Os mais velhos eram maus, violentos, brutais até. Quanto ao mais novo, era bondoso, mas muito simples de espírito. Certo dia, o rei reuniu os três e disse-lhe: — Garantiram-me que, a cinquenta léguas daqui, há um animal maravilhoso conhecido por melro branco. Este animal tem o poder de rejuvenescer aquele que o possuir. Como vedes, estou muito velho: se algum de vós puder trazer-me tal prodígio, estou disposto a recompensá-lo com a minha coroa. O primogénito, tomando então a palavra, pediu ao pai que o deixasse ir em busca do melro branco e declarou que não regressaria sem o ter encontrado. O rei ordenou que lhe dessem armas, um bom cavalo e dinheiro, e deixou-o partir. Após ter andado durante muito tempo, o jovem chegou a uma grande e bela cidade onde reinava um rei bonacheirão e amigo do prazer. Bem acolhido pelos habitantes, ao verem-no possuidor de uma bolsa recheada de ouro, o príncipe não tardou a ser introduzido na corte de dissipação do monarca reinante. De maneira que, um ano depois da partida, não estava ainda de regresso. Vendo isto, o segundo filho do rei partiu à procura do famoso melro branco, levando, também ele, um belo cavalo, armas e ouro. Aconteceu-lhe o mesmo que ao irmão, a quem acabou por encontrar despojado de tudo. Apesar deste exemplo, gastou na mesma cidade tudo o que tinha, esquecendo por completo o pai, a coroa e o melro branco. De modo que, um ano após a partida do segundo príncipe, o rei continuava sem notícias. Então, o filho mais novo disse ao pai: — Senhor, se vós o permitirdes, irei, também eu, em busca do animal maravilhoso e, assim, Deus me ajude, conto regressar antes de três meses. Ordenai que me deem algum dinheiro. Não tenho necessidade de armas nem de cavalo para fazer a viagem. À minha boa estrela entrego a incumbência de olhar pelo meu sucesso. Não sem alguma resistência, o rei deixou partir o seu último filho. Cinco dias após ter deixado o palácio do pai, o príncipe atravessava uma floresta, quando ouviu um grito de um animal. Correr nessa direção e chegar junto de uma raposa foi, para ela, obra de um instante. Com pena do animal, o jovem príncipe libertou a raposa, que lhe agradeceu, dizendo: — Escuta, salvaste-me a vida. O teu bom coração merece recompensa: coloco-me à tua disposição. Quando tiveres necessidade da minha assistência, dirás: “Raposa, raposa, salta montes e vales, preciso do teu socorro!”. Ouvir-te-ei e nada poderá resistir-me. Sei que planeias apossar-te do melro branco. Ele está a duas léguas daqui, a cem passos da torre grande da cidade. Encontra-se numa gruta guardada por dois dragões. Para adormecer estes monstros, tomarás dezasseis pães de quatro libras e dois gansos. Ensoparás os pães em aguardente e irás junto da gruta lançar estas provisões aos dragões. Uma hora depois, o melro branco estará em teu poder. Corre e, sobretudo, não percas tempo. Um último conselho: não prestes serviço a ninguém, antes de eu tornar a ver-te. Adeus. Tendo pronunciado estas palavras, a raposa desapareceu nas profundezas do bosque. De novo só, o príncipe continuou o seu caminho e, em breve, chegou às portas da cidade, onde as suas vestes simples fizeram com que ninguém reparasse nele. Tendo ouvido uma trombeta numa rua vizinha, dirigiu-se para lá e deparou com uma multidão 8


rodeando os guardas do rei. Anunciavam a execução de dois príncipes estrangeiros, culpados de alta traição. O jovem não duvidou que se tratava dos seus irmãos. Foi à procura dos pães, dos gansos e da aguardente e partiu em direção à torre grande da cidade. Quando lá chegou, contou cem passos em frente e deparou com a gruta do melro branco. Um terrível odor a enxofre sufocou-o, mas, mesmo assim, aproximou-se e lançou aos dragões as provisões que tinha trazido. Uma hora depois, o famoso melro branco estava na sua posse. Era uma ave gigantesca, cujas asas brilhavam como o sol. — Que pretendes de mim? – perguntou o melro. Fala, estou às tuas ordens. — Queria, em primeiro lugar, o teu auxílio para libertar os meus irmãos que se encontram prisioneiros do rei. — Seja, sobe para o meu pescoço e conduzir-te-ei a eles. Dizendo isto, o melro branco fez-se de tal maneira pequeno que não parecia maior do que um grande galo. O príncipe montou este corcel e em breve se achou junto dos irmãos, arrebatando-os mesmo debaixo do nariz dos guardas assombrados. Não obstante o bom serviço que o irmão mais novo acabava de lhes prestar, os dois príncipes, assim que se viram em liberdade, não pensaram senão em apoderar-se do animal maravilhoso. — Viste — disse um apontando — o belo veio de ouro lá em baixo, no vale? — Não, não reparei nele — respondeu o mais novo. — Aproximemo-nos então para o vermos. E os três irmãos, montados no melro, abeiraram-se de um buraco. Quando o mais novo se inclinava para observar melhor, foi empurrado pelos irmãos e caiu dentro da mina. Assim que veio a si, lembrou-se da raposa que tinha libertado e pôs-se a gritar: — Raposa, raposa, salta montes e vales, preciso do teu socorro! Mal estas palavras tinham sido pronunciadas, já a raposa estava junto dele e, lambendo-lhe as feridas provocadas pela queda, curou-o por completo. — Agora que te vejo curado – disse a raposa -, tens de sair do buraco. Segura-te à minha cauda e eu elevar-te-ei. Não a largues, senão tudo começará de novo. Agarra-te bem que vou subir. E a raposa subiu no ar, arrastando consigo o príncipe. Estavam prestes a atingir a borda do buraco, quando o príncipe, exausto, se soltou e caiu uma vez mais no fundo da mina. A raposa voltou atrás, reanimou-o e obrigou-o a recomeçar a ascensão do subterrâneo. Desta vez, o rapaz chegou, sem mais incidentes, a terra firme. Depois de agradecer à raposa os serviços prestados, o jovem príncipe dirigiu-se para o palácio do seu pai. Antes de chegar, vestiu uma roupa de criado de quinta e pintou a cara. E o certo é que no palácio ninguém o reconheceu, devido ao disfarce. Apressou-se a ir pedir ao rei que o nomeasse guarda do melro branco, que os irmãos haviam apresentado como conquista sua. E foi aceite. Soube então que o melro branco declarara ao rei que o não rejuvenesceria, a menos que lhe trouxessem aquele que o havia conquistado aos dragões. Os dois príncipes, porém, tinham declarado ao pai que eles mesmos se haviam apoderado do animal, e que era apenas para se vingar que o melro branco afirmava não serem eles os autores da proeza. Assim que o príncipe mais novo entrou na sala onde se encontrava o melro branco, reparou que a ave se baixava a fazer-lhe sinal para que montasse no seu pescoço. O 9


jovem obedeceu de imediato. Um segundo depois, estavam ambos no salão do rei, a quem denunciaram os embustes e maldades dos dois príncipes. Indignado e dominado pela cólera, o rei expulsou os filhos mais velhos do palácio. Em seguida, tomando a coroa, deu-a ao príncipe mais novo. No instante seguinte, o velho rei tornava-se de novo jovem graças ao famoso melro branco.

[Fonte: Messeder, J. P. & Ramalhete, I. (2016). Contos e lendas de Portugal e do mundo. Porto Editora.]

https://www.exclamateurs.org/spectacles/histoire-dun-merle-blanc/

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A GALINHA NEGRA — Conto cigano

Era

uma vez um valoroso cigano chamado Calo Dan que matara um dragão e salvara uma princesa que era sua prisioneira. Como recompensa, o rei dera-lhe uma arca cheia de moedas de ouro, fazendo dele um homem muito rico. Um dia, a mãe chamou-o e disse-lhe: — Meu filho, tens muito dinheiro, mas um homem só é rico quando tem uma família. Está na hora de procurares uma boa rapariga que queira casar contigo. Se aqui nenhuma te agrada, faz-te ao caminho e procura em todos os acampamentos ciganos. Não precisa de ser rica, assegura-te antes que seja boa rapariga. Calo assim fez, deixando o acampamento onde vivia com a mãe. Percorreu montes e vales, visitou aldeias e acampamentos, mas não havia meio de encontrar uma rapariga que lhe agradasse. Já cansado daquela vida errante, decidiu que a aldeia seguinte seria a última que visitaria. Perdera a fé na busca, mas não queria desistir antes de ter chegado ao limite das suas forças. Nesse último dia, levantou-se ao raiar da aurora, enrolou a manta que o aquecera durante a noite e avançou resoluto na direção de um pequeno povoado que assim, visto de longe, mais parecia um pontinho perdido no horizonte. À medida que se aproximava, reparou que nunca antes visitara um acampamento tão pobre como aquele. Aproximou-se de uma tenda e ficou espantado ao ver a delicada beleza de uma rapariga. Era uma linda cigana de olhos negros como o carvão e longos cabelos ondulados que lhe desciam até à cintura. A rapariga estava a pôr a mesa, quando se voltou e viu Calo. Deu logo meia volta, entrou na tenda e desapareceu na escuridão. Calo chamou-a e foi atrás dela. Nesse momento, saiu de lá de dentro uma galinha negra a correr. Calo continuou à procura da rapariga, mas ela desaparecera como que por encanto. Passado algum tempo, um homem e uma mulher aproximaram-se da barraca e, ao verem Calo ali especado, saudaram-no e convidaram-no para almoçar. Enquanto comiam o belo cozido que a mulher servira, Calo encheu-se de coragem e perguntou: — A vossa filha não almoça connosco? — Filha? – espantaram-se eles. – Não temos filha nenhuma! Calo insistiu: — Quem era então aquela bela moça que punha a mesa quando eu cheguei? Responderam-lhe que não sabiam a quem ele se referia e, temendo que os seus anfitriões pensassem que era maluco, Calo apressou-se a mudar de assunto. A conversa prolongou-se pela tarde fora e, ao entardecer, o casal convidou Calo a passar ali a noite. Este aceitou, por um lado, para agradecer a hospitalidade do casal e, por outro, porque sabia bem o que vira e queria a todo o custo descobrir o mistério que rodeava a bela rapariga. À noite, acenderam uma fogueira e ali ficaram contando histórias, tocando e cantando, enquanto as chamas bailavam. A certa altura, já cansados, recolheram-se. O casal depressa adormeceu, mas Calo não conseguia dormir com a cabeça cheia de tudo o que vivera naquele dia. De repente, ouviu um barulho que vinha do exterior. Sem fazer ruído, levantou-se e avançou pé ante pé até à entrada da tenda. Para sua grande alegria, ali estava de novo a moça, a comer o que sobrara do almoço deles. Cheio de felicidade, sem pensar, Calo acercou-se dela e agarrou-lhe a mão. 11


— Larga-me – implorou a rapariga. Sem a largar, Calo pediu-a em casamento. — Não posso aceitar o teu pedido – respondeu ela com uma expressão de tristeza nos seus belos olhos negros. — Não podes ou não queres? – perguntou Calo inconformado com a resposta. A rapariga explicou-lhe então que era vítima de uma maldição imposta por um feiticeiro que a pedira em casamento e que ela rejeitara. — O feitiço – explicou ela – faz com que eu só tenha a forma humana ao meio-dia e à meia-noite e só durante uma hora. O resto do tempo sou uma galinha negra. O feitiço só se quebrará no dia em que um homem bom me levar ao altar na forma de galinha. — Eu farei isso! – exclamou Calo enamorado. A noite passou e, na manhã seguinte, Calo comprou a galinha ao casal. De regresso à sua terra, antes mesmo de cumprimentar a mãe, Calo foi à igreja e pediu ao padre que o casasse com a galinha negra. A princípio, o padre pensou que o rapaz estava maluco, mas ao ver a sua insistência, acabou por marcar o casamento para daí a três dias. Quando Calo chegou a casa e apresentou a noiva à mãe, esta começou a chorar e a lamentar-se: — Ai o meu pobre filho! Para que o mandei partir? Tanto andou em vão que enlouqueceu! Pois não vês tu, meu filho, que a tua noiva é uma galinha? Onde é que já se viu tal coisa? De nada adiantaram os protestos e rogos da mãe nem a troça dos vizinhos. Calo estava decidido e, nos três dias que se seguiram, teve o cuidado de nunca perder a noiva de vista, não fosse a mãe cozinhá-la de cabidela. No dia da boda, toda a gente do acampamento se foi plantar diante da igreja. Ninguém queria perder a cerimónia. O padre ainda pensou que o rapaz talvez não aparecesse mas, à hora marcada, lá veio Calo com a galinha debaixo do braço. O povo ria tanto que o padre teve de intervir para restabelecer o silêncio. A cerimónia começou e, quando o padre perguntou a Calo se este aceitava a galinha como sua esposa e o rapaz respondeu que sim, a galinha transformou-se na bela rapariga que ele encontrara no acampamento. Toda a gente ficou de boca aberta, compreendendo que se tratava de um casamento de amor. Os festejos prolongaram-se por uma semana com cantos, danças, histórias e grandes banquetes. E Calo e a noiva viveram felizes para sempre.

[Fonte: Messeder, J. P. & Ramalhete, I. (2016). Contos e lendas de Portugal e do mundo. Porto Editora.]

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OS TRÊS IRMÃOS — Conto tradicional da Galiza (Espanha)

Em tempos que já lá vão, havia um homem muito pobre que tinha três filhos. Um dia, sentindo que a morte se aproximava, chamou-os: — A minha hora está a chegar, meus filhos. Toda a vida trabalhei de sol a sol, ao calor e ao frio, com saúde e doente, com vontade e sem ela. Apesar disso, morro tão pobre como nasci. De mim ficam as lembranças e esta manta pequena e velha. Dividam-na como puderem. Finou-se o pai e os irmãos continuaram a trabalhar e a viver juntos. Até que chegaram os primeiros frios do outono. Certa noite, os rapazes foram-se deitar e cobriram-se os três com a manta. Como esta era pequena e mal chegava para os três, passaram a noite puxa para aqui, puxa para ali. Então o mais velho decidiu enganar o mais novo e, de manhã, foi ter com ele e propôs-lhe que lhe vendesse a sua parte da manta. — Vendo, sim senhor. Só ponho uma condição. Todos os dias me hei de deitar entre vocês os dois. — Negócio fechado! — exclamou o mais velho que só queria, aos poucos, tornar-se no único proprietário da herança paterna. E logo ali chegaram a acordo. À noite foram-se deitar e, como combinado, o mais novo deitou-se entre os irmãos. Ao fim de pouco tempo, os das pontas começaram a puxar pela manta. O mais novo, muito encolhido entre os dois, limitava-se a dizer: — Coitadinho do que vende que não puxa nem estende! Coitadinho do que vende que não puxa nem estende! [Fonte: Messeder, J. P. & Ramalhete, I. (2016). Contos e lendas de Portugal e do mundo. Porto Editora.]

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COMIDA SEM SAL — Conto tradicional português

Era uma vez um rei que tinha três filhas. Certo dia, resolveu perguntar a cada uma delas qual era a mais sua amiga. A mais velha respondeu: — Quero mais a meu pai do que à luz do Sol! Respondeu a do meio: — Gosto mais de meu pai do que de mim mesma. A mais nova respondeu: — Quero-lhe tanto como a comida quer o sal. O rei entendeu, por isto, que a filha mais nova o não amava tanto como as outras e pô-la fora do palácio. Ela partiu mergulhada em tristeza e, depois de caminhar muitos dias, chegou ao palácio de um rei, onde se ofereceu para ser cozinheira. Um dia veio para a mesa um pastel muito bem feito e o rei, ao parti-lo, encontrou dentro um anel pequeno e de grande valor. Perguntou então a todas as damas da corte de quem seria aquele anel. E logo todas quiseram ver se lhes servia. O anel foi passando de mão em mão, até que chamaram a cozinheira, e só a esta servia na perfeição. Quando o príncipe isto viu, ficou logo apaixonado por ela, desconfiando que a menina era de família nobre Começou então a espreitá-la, porque ela só cozinhava às escondidas, e viu-a vestida com trajes de princesa. Foi então chamar o rei, seu pai, e ambos testemunharam o caso. Foi assim que o soberano deu licença ao filho para casar com ela, mas a menina pôs uma condição: seria ela a cozinhar pela sua mão o jantar do dia da boda. Para as festas de noivado convidaram o rei que tinha três filhas, e que pusera fora de casa a mais nova. A princesa cozinhou o jantar, mas, nos manjares que haviam de ser postos ao seu pai, não deitou sal de propósito. Já todos comiam com vontade, só o rei convidado é que não. Por fim, perguntou-lhe o dono da casa porque é que não comia. Respondeu ele, não sabendo que assistia ao casamento da filha: — É porque a comida não tem sal. O pai do noivo fingiu-se raivoso e mandou que a cozinheira viesse ali dizer porque não deitara sal na comida. Veio então a menina vestida de princesa, mas, assim que o pai a viu, reconheceu-a logo; e logo confessou ali a sua culpa, por não ter percebido quanto era amado por sua filha. E assim se fez o casamento dessa menina que a seu pai dissera: «Quero-lhe tanto como a comida quer o sal», e que, depois de tanto sofrer, nunca se queixara da injustiça de que fora vítima.

[Fonte: https://www.lapismagico.com/contos-tradicionais/comida-sem-sal/]

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A MENINA DOS FÓSFOROS — Conto tradicional da Dinamarca

Estava tanto frio! A neve não parava de cair e a noite aproximava-se. Aquela era a última noite de dezembro, véspera do dia de Ano Novo. Perdida no meio do frio intenso e da escuridão, uma pobre rapariguinha seguia pela rua fora, com a cabeça descoberta e os pés descalços. É certo que ao sair de casa trazia um par de chinelos, mas não duraram muito tempo, porque eram uns chinelos que já tinham pertencido à mãe, e ficavam-lhe tão grandes, que a menina os perdeu quando teve de atravessar a rua a correr para fugir de um elétrico. Um dos chinelos desapareceu no meio da neve, e o outro foi apanhado por um garoto que o levou, pensando fazer dele um berço para a irmã mais nova brincar. Por isso, a rapariguinha seguia com os pés descalços e já roxos de frio; levava no avental uma quantidade de fósforos, e estendia um maço deles a toda a gente que passava, apregoando: — Quem compra fósforos bons e baratos? Mas o dia tinha-lhe corrido mal. Ninguém comprara os fósforos, e, portanto, ela ainda não conseguira ganhar um tostão. Sentia fome e frio, e estava com a cara pálida e as faces encovadas. Pobre rapariguinha! Os flocos de neve caíam-lhe sobre os cabelos compridos e loiros, que se encaracolavam graciosamente em volta do pescoço magrinho; mas ela nem pensava nos seus cabelos encaracolados. Através das janelas, as luzes vivas e o cheiro da carne assada chegavam à rua, porque era véspera de Ano Novo. Nisso, sim, é que ela pensava. Sentou-se no chão e encolheu-se no canto de um portal. Sentia cada vez mais frio, mas não tinha coragem de voltar para casa, porque não vendera um único maço de fósforos, e não podia apresentar nem uma moeda, e o pai era capaz de lhe bater. E afinal, em casa também não havia calor. A família morava numa água-furtada, e o vento metia-se pelos buracos das telhas, apesar de terem tapado com farrapos e palha as fendas maiores. Tinha as mãos quase paralisadas com o frio. Ah, como o calorzinho de um fósforo aceso lhe faria bem! Se ela tirasse um, um só, do maço, e o acendesse na parede para aquecer os dedos! Pegou num fósforo e: Fcht!, a chama espirrou e o fósforo começou a arder! Parecia a chama quente e viva de uma candeia, quando a menina a tapou com a mão. Riscou outro fósforo, que se acendeu e brilhou, e o lugar em que a luz batia na 15


parede tornou-se transparente como tule. E a rapariguinha viu o interior de uma sala de jantar onde a mesa estava coberta por uma toalha branca, resplandecente de loiças finas, e mesmo no meio da mesa havia um ganso assado, com recheio de ameixas e puré de batata, que fumegava, espalhando um cheiro apetitoso. Mas, que surpresa e que alegria! De repente, o ganso saltou da travessa e rolou para o chão, com o garfo e a faca espetados nas costas, até junto da rapariguinha. O fósforo apagou-se, e a pobre menina só viu na sua frente a parede negra e fria. E acendeu um terceiro fósforo. Imediatamente se encontrou ajoelhada debaixo de uma enorme árvore de Natal. Era ainda maior e mais rica do que outra que tinha visto no último Natal, através da porta envidraçada, em casa de um rico comerciante. Milhares de velinhas ardiam nos ramos verdes, e figuras de todas as cores, como as que enfeitam as montras das lojas, pareciam sorrir para ela. A menina levantou ambas as mãos para a árvore, mas o fósforo apagou-se, e todas as velas de Natal começaram a subir, a subir, e ela percebeu então que eram apenas as estrelas a brilhar no céu. Uma estrela maior do que as outras desceu em direção à terra, deixando atrás de si um comprido rasto de luz. «Foi alguém que morreu», pensou para consigo a menina; porque a avó, a única pessoa que tinha sido boa para ela, mas que já não era viva, dizia-lhe muita vez: «Quando vires uma estrela cadente, é uma alma que vai a caminho do céu.» Esfregou ainda mais outro fósforo na parede: fez-se uma grande luz, e no meio apareceu a avó, de pé, com uma expressão muito suave, cheia de felicidade! — Avó! — gritou a menina — leva-me contigo! Quando este fósforo se apagar, eu sei que já não estarás aqui. Vais desaparecer como o fogão de sala, como o ganso assado, e como a árvore de Natal, tão linda. Riscou imediatamente o punhado de fósforos que restava daquele maço, porque queria que a avó continuasse junto dela, e os fósforos espalharam em redor uma luz tão brilhante como se fosse dia. Nunca a avó lhe parecera tão alta nem tão bonita. Tomou a neta nos braços e, soltando os pés da terra, no meio daquele resplendor, voaram ambas tão alto, tão alto, que já não podiam sentir frio, nem fome, nem desgostos, porque tinham chegado ao reino de Deus. Mas ali, naquele canto, junto do portal, quando rompeu a manhã gelada, estava caída uma rapariguinha, com as faces roxas, um sorriso nos lábios… morta de frio, na última noite do ano. O dia de Ano Novo nasceu, indiferente ao pequenino cadáver, que ainda tinha no regaço um punhado de fósforos. — Coitadinha, parece que tentou aquecer-se! — exclamou alguém. Mas nunca ninguém soube quantas coisas lindas a menina viu à luz dos fósforos, nem o brilho com que entrou, na companhia da avó, no Ano Novo.

[Fonte: https://www.lapismagico.com/contos-tradicionais/a-menina-dos-fosforos/ ]

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QUANDO OS CÃES DEIXARAM DE FALAR — Conto tradicional de S. Tomé e Príncipe Sam Fali e Sum Fléflé eram um casal que habitava num luchan distante, perdido no obó. Sum FléFlé foi um dia à caça acompanhado pelo cãozinho fiel Loló. Muita carga apanharam nesse dia. A carga era muito pesada. Como transportá-la de uma só vez? Tantos quilómetros a percorrer, subir ôquê, descer ôquê. Peneta, é a vida do homem. Sum Fléflé sentou-se numa pedra a meditar. Nisto, Loló agita a cauda e diz em surdina: – Sum Fléflé, eu ajudo você, se você guardar segredo. Cale a sua boca pi-pi-pi…e não diga nada a ninguém. – Segredo, Loló? Porquê? – Se Sam Fali sabe que eu carrego, meu trabalho de carregador nunca vai acabar. – Bom, Loló, descansa que eu calo a minha boca. – Não diga também que eu sei falar língua de gente – acrescentou, preocupado, Lóló. – Está descansado, companheiro… O que é certo é que a carga chegou a casa toda de uma vez, enquanto Sam Fali lavava no ribeiro mais perto a roupa da família. Quando chegou a casa, interpelou o companheiro: – FléFlé, como é que você conseguiu trazer tanta carga? Quem o ajudou? – Eu sozinho. Fali, incrédula, insistiu sempre. –Eu sozinho – era a resposta lacónica do amigo fiel. Fali insistiu, voltou a insistir e ameaçou arrumar a carga e voltar obó era casa da sua mãe. Sum Fléflé, atrapalhado, coçava a cabeça, pensava que a solidão no obó era difícil…Acabou por declarar: – Nosso cão Loló ajudou o dono. Loló ouviu, gemeu, gemeu, gemeu, deu duas voltas ao quintal e foi-se deitar nas cinzas da lareira. Desde essa altura, nenhum cão, nem sequer os seus descendentes, voltaram a falar. [Fonte: https://www.lapismagico.com/contos-tradicionais/caes-deixaram-falar/]

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AS TRÊS CIDRAS DO AMOR — Conto tradicional português

Era

uma vez um príncipe, que andava à caça: tinha muita sede, e encontrou três cidras; abriu uma, e logo ali lhe apareceu uma formosa menina, que disse: – Dá-me água, senão morro. O príncipe não tinha água, e a menina expirou. O príncipe foi andando mais para diante, e como a sede o apertava partiu outra cidra. Desta vez apareceu-lhe outra menina ainda mais linda do que a primeira, e também disse: – Dá-me água, senão morro. Não tinha ali água, e a menina morreu; o príncipe foi andando muito triste, e prometeu não abrir a outra cidra senão ao pé de uma fonte. Assim fez; partiu a última cidra, e desta vez tinha água e a menina viveu. Tinha-se-lhe quebrado o encanto, e como era muito linda, o príncipe prometeu casar com ela, e partiu dali para o palácio para ir buscar roupas e levá-la para a corte, como sua desposada. Enquanto o príncipe se demorou, a menina olhou dentre os ramos onde estava escondida, e viu vir uma preta para encher uma cantarinha na água; mas a preta, vendo figurada na água uma cara muito linda, julgou que era a sua própria pessoa, e quebrou a cantarinha dizendo: – Cara tão linda a acarretar água! Não pode ser. A menina não pôde conter o riso; a preta olhou, deu com ela, e enraivecida fingiu palavras meigas e chamou a menina para ao pé de si, e começou a catar-lhe na cabeça. Quando a apanhou descuidada, meteu-lhe um alfinete num ouvido, e a menina tornou-se logo em pomba. Quando o príncipe chegou, em vez da menina achou uma preta feia e suja, e perguntou muito admirado: – Que é da menina que eu aqui deixei? – Sou eu, disse a preta. O sol crestou-me enquanto o príncipe me deixou aqui. O príncipe deu-lhe os vestidos e levou-a para o palácio, onde todos ficaram pasmados da sua escolha. Ele não queria faltar à sua palavra, mas roía calado a sua vergonha. O hortelão, quando andava a regar as flores, viu passar pelo jardim uma pomba branca, que lhe perguntou: – Hortelão da hortelaria, Como passou o rei E a sua preta Maria? Ele, admirado, respondeu – Comem e bebem, E levam boa vida. – E a pobre pombinha Por aqui perdida! O hortelão foi dar parte ao príncipe, que ficou muito maravilhado, e disse-lhe: – Arma-lhe um laço de fita. Ao outro dia passou a pomba pelo jardim e fez a mesma pergunta: o hortelão respondeu-lhe, e a pombinha voou sempre, dizendo: 18


– Pombinha real não cai em laço de fita. O hortelão foi dar conta de tudo ao príncipe; disse-lhe ele: – Pois arma-lhe um laço de prata. Assim fez, mas a pombinha foi-se embora repetindo: – Pombinha real não cai em laço de prata. Quando o hortelão lhe foi contar o sucedido, disse o príncipe: – Arma-lhe agora um laço de ouro. A pombinha deixou-se cair no laço;e quando o príncipe veio passear muito triste para o jardim, encontrou-a e começou a afagá-la; ao passar-lhe a mão pela cabeça, achou-lhe cravado num ouvido um alfinete. Começou a puxá-lo, e assim que lho tirou, no mesmo instante reapareceu a menina, que ele tinha deixado ao pé da fonte. Perguntou-lhe porque lhe tinha acontecido aquela desgraça e a menina contou-lhe como a preta Maria se vira na fonte, como quebrou a cantarinha, e lhe catou na cabeça, até que lhe enterrou o alfinete no ouvido. O príncipe levou-a para o palácio, como sua mulher e diante de toda a corte perguntou-lhe o que queria que se fizesse à preta Maria. – Quero que se faça da sua pele um tambor, para tocar quando eu for à rua, e dos seus ossos uma escada para quando eu descer ao jardim. Se ela assim o disse, o rei melhor o fez, e foram muito felizes toda a sua vida. [Fonte: https://www.lapismagico.com/contos-tradicionais/as-tres— cidras-do-amor/]

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OS COMPADRES CORCUNDAS — Conto tradicional do Brasil

Era uma vez dois corcundas, compadres, um rico e outro pobre. O povo do lugar vivia mangando do corcunda pobre e não reparava no rico. O pobre andava triste e, de mais a mais, o tempo estava cruel e ele era caçador. Numa feita, esperando uns veados, já tardinha, adormeceu no jírau e acordou noite alta. Ficou sem querer voltar para casa. la-se acomodando para pegar no sono de novo, quando ouviu uma cantiga ao longe, como se muita gente cantasse ao mesmo tempo. – Deve ser alguma desmancha de farinha aqui por perto. Vou ajudar! Desceu da árvore e botou-se no caminho, andando, andando, no rumo da cantiga que não descontinuava. Andou, andou, até que chegando perto de um serrote, onde havia uma laje limpa, muito grande e branca, viu uma roda de gente esquisita, vestida de diamantes que espelhavam ao luar. Velhos, rapazes e meninos, todos cantavam e dançavam de mãos dadas, o mesmo verso, sem mudar. Segunda, terça-feira, Vai, vem! Segunda, terça-feira, Vai, vem! O caçador ficou tremendo de medo. As pernas nem deixavam ele andar. Escondeu-se numa moita de mofundos e assistiu, sem querer, àquela cantoria que era sempre a mesma, durante horas e horas. Com o tempo, foi-se animando, ficando mais calmo e, sendo metido a improvisador e batedor de viola, cantou, na toada que o povo esquisito estava rodando: Segunda, terça-feira, Vai, vem! E quarta e quinta-feira, Meu bem! Boca para que disseste! Calou-se tudo imediatamente e aquele povo todo espalhou-se como ribaçã, procurando, procurando. Acharam o corcunda e o levaram para o meio da laje, como formiga carrega barata morta. Largaram ele e um velhão, brilhando como um sacrário, perguntou, com uma voz delicada: – Foi você quem cantou o verso novo da cantiga? O caçador cobrou coragem e respondeu: – Fui eu sim, senhor. O velhão disse: – Quer vender o verso? – Quero sim, senhor. Bem, na verdade, não vendo, mas dou o verso de presente, porque gostei do baile animado. O velho achou graça e todo aquele povo esquisito riu também. – Pois bem, disse o velhão: uma mão lava a outra. Em troca do verso eu lhe tiro essa corcunda e esse povo lhe dá um bisaco novo! Passou a mão nas costas do caçador e este tornou-se esbelto como um rapaz, sem corcunda nem nada. Trouxeram um bisaco novo e recomendaram que só abrisse quando o sol nascesse. O caçador meteu-se na estrada, andando, andando, e, assim que o sol nasceu, abriu o bisaco e o encontrou cheio de pedras preciosas e moedas de ouro. Só faltou morrer de contente. No outro dia, comprou uma casa, com todos os preparas, mobília, vestiu roupa bonita e foi para a missa, porque era domingo. Lá na igreja, encontrou o compadre rico, também corcunda. Este quase caiu de costas, assombrado com a mudança. Perguntou muito e, mais espantado ficou, quando reparou no traje do compadre e soube que ele tinha casa, cavalo gordo e se considerava rico. O pobre contou tudo; e, como a medida do ter nunca se enche, o rico resolveu arranjar ainda mais dinheiro e livrar-se da corcunda nas costas. 20


Esperou uns dias, pensando no que ia fazer; depois, se largou para o mato, no dia azado. Tanto fez, que ouviu a cantiga e botou-se na direção da toada. Achou o povo esquisito, dançando de roda e cantando: Segunda, terça-feira, Vai, vem! Quarta e quinta-feira, Meu bem! O rico não se conteve. Abriu o par de queixos e foi logo berrando: Sexta, sábado e domingo! Também! Calou-se tudo rapidamente. O povo esquisito voou para cima do atrevido e o levaram para a laje onde estava o velhão. Esse gritou furioso: – Quem lhe mandou meter-se onde não é chamado, seu corcunda besta? Você não sabe que a gente encantada não quer saber de sexta-feira, dia em que morreu o Filho do Alto; sábado, dia em que morreu o Filho do Pecado, e domingo, dia em que ressuscitou quem nunca morre? Não sabia? Pois fique sabendo! E para que não se esqueça da lição, leve a corcunda que deixaram aqui e suma-se da minha vista senão acabo com seu couro! E, enquanto falava, os outros iam dando empurrão, tapona e beliscão no rico. O velhão passou a mão no peito do corcunda e deixou ali a outra, aquela de que o compadre pobre se livrara. Depois deram uma carreira no homem, deixando-o longe, e todo arranhado, machucado, roxo de bofetadas e pontapés. E, assim, viveu o resto de sua vida, rico, mas com duas corcundas: uma adiante e outra atrás, para não ser ambicioso.

Glossário: mangando > zombando jirau > estrado de madeira, cama de varas desmancha de farinha > moedura dos grãos mofundos > cipós ou mato típico batedor de viola > tocador de viola bisaco> bornal, mochila boca para que disseste! > expressão para quem diz o que não deve dizer! ribaçã > ave de arribação, aves voantes azadas > marcado abriu o par de queixos > berrou besta > metido à besta, vaidoso acabo com seu couro > bato-lhe muito tapona > bofetada, tapa forte.

[Fonte: https://www.lapismagico.com/contos-tradicionais/compadres-corcundas/] 21


A VOZ DE LIURAI de OSSU — Conto tradicional de Timor-Leste No princípio do século, o Liurai de Ossu entregou ao ocupante uma arma tida como relíquia maubere e acompanhou a entrega com a afirmação de que ele não mais voltaria a fazer a guerra. Desde sempre, as florestas mauberes têm sido templos sagrados e lugares de segredos. E, pelo menos há quinhentos anos, pessoas estranhas de várias nações entram e atravessam esses sítios sem serem capazes de entendê-los. Quer espreitando, quer escutando, o que fica por ver e por ouvir é sempre mais do que o necessário para já não se compreender a vida interior e os propósitos mauberes. É que é preciso ver mais para lá e, também, ouvir mais para lá. E avaliar, sobretudo avaliar, a luz das vozes. Mil segredos e projetos mauberes estão guardados por famílias, sacerdotes, liurais e outros chefes desde há séculos, para somente serem revelados quando tiverem de o ser. Todos os mauberes sabem disto — e muitos, até, o têm dito ao longo dos tempos. Porém, ninguém estrangeiro foi ainda capaz de penetrar na história maubere até ao fundo dos fundos. É por isso que quase tudo dos mauberes ainda está por dizer, é por isso que o verdadeiro sentido de muitos e muitos factos, mesmo dos revelados diante do testemunho do povo, ainda está por explicar completamente. Como aquele gesto do Liurai de Ossu… Há uns setenta anos, o liurai decidiu oferecer ao ocupante uma espingarda tida como relíquia maubere. Depois de todas as cerimónias do estilo, o Liurai de Ossu, rodeado de chefes e de sacerdotes, autorizou que trouxessem, da floresta sagrada onde já estava há um tempo imenso, essa arma – uma comprida espingarda de um cano e para aí de dois metros e meio de comprimento. O ato parecia de homenagem ao ocupante e as palavras, então por ele ditas, de inconsciente humildade: – Nós já não precisamos de armas. – Porquê? – perguntou o ocupante. – Porque nunca mais faremos a guerra! Os Sacerdotes e os Chefes repetiram: – Não precisamos de armas porque nunca mais faremos a guerra! Outros liurais, chefes e sacerdotes, por certo disseram o mesmo: – Já não precisamos de armas porque nunca mais faremos a guerra. Mas palavras destas sempre foram ditas fora da floresta. Dentro dela, nunca! Porque na floresta somente se rezava liberdade. Ainda hoje, meninas e meninos, mulheres e homens rezam lá liberdade. E há quem diga ainda ouvir, a roçar pelas árvores, a voz do liurai de Ossu a rezar liberdade. [Fonte: https://www.lapismagico.com/contos-tradicionais/voz-liurai-ossu/] 22


O LOBO, O CHIBINHO E A TIA GANGA — Conto tradicional de Cabo Verde

Era uma vez um Lobo e um Chibinho que há muito tempo não se viam. Todos os dias o Lobo olhava o mar e ia apanhar caranguejos e lagostas para comer. Um certo dia ele encontrou o Chibinho. De longe, viu-o gordo, rijo e valente. Sentou-se em cima de uma pedra, com as mãos no queixo, tristonho… Quando o Chibinho chegou perto dele, achou-o muito triste e perguntou: – O que tem o Tio que está triste assim? E o Lobo respondeu: – Chibinho, tenho uma coisa trancada nos dentes, que está a doer-me tanto! Graças a Deus apareceste aqui!… Tira-me isto depressa Chibinho! – Sim, sim, tiro-lhe com um pau! E o Lobo. – Não, com pau não, está a doer de mais. – Meu Tio, é com pau que vou tirar, o senhor é muito esperto!… Se eu puser o dedo, o senhor morde-me. E o Lobo: – Não Chibinho, como tenho dor nos dentes não consigo pegar nada com a boca. Mesmo que queira. – Então Ti Lobo, abra a boca e deixe-me tirar-lhe! Mal Chibinho meteu o dedo na boca, o Lobo pregou-lhe os dentes no dedo. Chibinho desata aos gritos: – Uai, uai, uai!… Meu Tio, o senhor não é sério… É assim que se faz? – Qual sério?— diz Ti Lobo. – É assim mesmo que se faz!… Diz-me, já o que andas a comer, que estás gordo dessa maneira, e eu magro deste jeito! – Meu Tio, Ti Lobo, é somente ovos da Tia Ganga que ando a comer! – Então diz-me já a que horas vais, para irmos juntos. – É à noite, ali pela madrugada que eu vou!– responde Chibinho. Dito isto, o Lobo soltou-lhe o dedo, mas não folgou do lado do Chibinho. À tarde, foram a uma achada e fizeram um funco, para dormirem e não ficarem à noite ao relento. Entraram no funco. Quando a noite já ia alta, diz Ti Lobo: – Vamos Chibinho! Vamos! E o Chibinho… – Meu tio, é cedo de mais! É madrugada dentro, quando a Tia Ganga sair de casa para ir às compras. Então é que vamos. Se formos antes ela estará em casa, e assim não conseguiremos comer os ovos. – Está bem Chibinho, vamos esperar! Passou-se mais um bocado, e Ti Lobo insistiu. – Ó Chibinho, vamos! Vamos, vamos… – Meu Tio, vamos dormir mais um pouco… Ainda é cedo. Esperemos madrugada dentro… Quando o galo cantar!

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Então, o Lobo saiu foi para trás do funco, parou um bocado, bateu com as mãos no peito e fez assim: – Có-culé-cóóó, co-culé-cóóó! Chibinho o galo já cantou, vamos agora! Chibinho respondeu-lhe desconfiado. – Meu Tio, essa era a sua voz. Vamos mas é quando o galo cantar, quando estiver bem claro, o céu la em cima do mar. Passado mais um bocado, o Lobo levou a mão ao bolso, tirou uma caixa de fósforos e pegou fogo ao funco. Vira-se para Chibinho e diz: – Chibinho, levanta-te e vamos! O sol começa a acordar. Olha só o clarão que está no céu ali! De um salto Chibinho levanta-se, sai à rua e diz: – Pronto meu Tio, agora já pegaste fogo ao funco por causa dessa tua barriga larga… Assim vamos ficar na rua até de madrugada. Quando a madrugada clareou viram a casa da Tia Ganga e foram em direção à porta. – Porta, abre-te!– ordenou Chibinho. – Para espanto de Ti Lobo a porta abriu-se, e entraram. Lá dentro Chibinho diz à porta: – Porta, fecha-te! E a porta fechou-se de novo. Sorrateiramente meteram-se debaixo da cama da Tia Ganga, e comeram ovos à vontade. E Chibinho diz ao Tio: – Meu Tio, já chega, já chega. Agora vamos! O insaciável Lobo responde: – Oh seu descarado!… Eu nem me fartei ainda, quanto mais para guardar alguns ovos num saco. Então Chibinho sai do funco e diz: – Vou-me embora, vou-me embora. Porta, fecha-te! Fechou-se a porta e o nosso Chibinho foi-se embora. Lá dentro, ficou o Lobo a comer ovos e mais ovos, doidamente. Entretanto, regressa a Tia Ganga. Ti Lobo ouve-a chegar e, de um salto, põe-se atrás da porta. A nossa Ti Ganga, de fora, ordena: – Porta, abre! E ti Lobo de dentro: – Porta, fecha! E assim continuaram horas a fio. – Porta, abre! – Porta, fecha! – Porta, abre! – Porta, fecha! – Porta, abre! – Porta, fecha. Dentro desse abrir e fechar, enganam-se e dizem: – Porta, abre! E a porta abriu-se. Então o Lobo, de um salto, mete-se debaixo da cama. A Tia Ganga entra, põe as compras em cima da mesa e manda a porta fechar-se. Depois, deita-se na cama para descansar. De tão cansada, mexe-se tanto, atrás e à frente, e atrás e à frente, e atrás e à frente e, de repente, dá um pum malcheiroso. – Oh minha porca, se o teu pum é tão malcheiroso, quanto mais o teu rabo! Com surpresa, Tia Ganga pergunta: – Quem é que está dentro da minha casa? Eu vou saber agora mesmo! 24


Tia Ganga apanha uma espada, levanta o colchão e de um salto o Lobo pôs-se atrás da porta, a dizer: – “Porta, a…” Mas mais rápida, a espada da Tia Ganga não o deixa completar a palavra “abre”! De um golpe, Ti Ganga abre a barriga do Lobo. Os ovos estavam todos inteiros, mas já cozidos. A fome do estômago do Lobo tinha mais calor do que o calor de um fogão.

[Fonte: https://www.lapismagico.com/contos-tradicionais/lobo-chibinho-tia/]

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É NO FOGO QUE EU NASCI — Conto tradicional da Guiné -Bissau Era uma vez uma Lebre, uma Hiena e um Esquilo. A Hiena tinha um campo de amendoim e o Esquilo costumava convidar a Lebre para irem lá roubar. Iam todos os dias para o campo da Hiena e ficavam lá a comer-lhe o amendoim. Um dia a Hiena saiu para ir dar uma volta pelo seu campo e reparou que já não havia quase metade da colheita. Não fez mais nada: foi à procura do caminho por onde os ladrões vinham e, quando o descobriu, armou um laço no meio do caminho para apanhar os que a andavam a roubar. Mas a Lebre é esperta. Na vez seguinte aproximou-se com muito cuidado… e acabou por ver o tal laço. Foi logo contar ao Esquilo: – Han! Já viste? A Hiena pôs ali uma corda para nos apanhar, por isso agora temos que mudar de caminho. Vamos passar a ir à mancarra por outro caminho. Assim fizeram, foram por outro caminho. E lá se puseram a comer amendoim, a comer amendoim, a comer amendoim… De repente viram vir a Hiena! Esperaram até que a Hiena chegasse e desataram a correr. Bom… A Lebre, esperta como era, reparou que a corda que a Hiena tinha posto era muito fraca. No dia seguinte voltou, mas trazia um djidiu. Combinou com ele que quando a Hiena aparecesse começasse a cantar: Foste ferida Solta a mão e corre A Hiena prendeu-te e feriu-te Solta-te e foge. Foste ferida Solta a mão e corre O laço da mãe Hiena feriu-te Solta-te e foge. Quando a Hiena chegou perto, o djidiu iniciou o seu canto — o djidiu era o Esquilo. A Lebre começou a correr e mete-se dentro do laço tchurup! Mal pôs o pé, o laço apanhou-a imediatamente. Mas como o laço era fraco, ela esperneou, esperneou, tanto esperneou que acabou por cortar a corda fap! Desatou a correr e desapareceu. Tempos mais tarde… A Lebre voltou a aparecer. A Hiena voltara a pôr outro laço. Mas a Hiena, que é burra que se farta, naquele tempo não havia corda e o algodão não serve para fazer cordas — se se molha um bocadinho só, parte-se logo —, torceu um bocado de algodão e fez assim o laço. A Lebre apareceu, viu que era algodão torcido e voltou-se para o djidiu: – Bom, já podes . O djidiu começou a tocar: Foste ferida Solta a mão e corre A Hiena prendeu-te e feriu-te Solta-te e foge. 26


Foste ferida Solta a mão e corre O laço da mãe Hiena feriu-te Solta-te e foge. A Lebre começou a correr outra vez e meteu o pé no laço, tchuruc. O laço prendeu-a logo. Esperou que a Hiena se aproximasse, esperneou um bocado, partiu a corda e foi à sua vida. A Hiena pensou, pensou até que… um dia foi à procura de arame, enrolou-o muito bem em algodão mesmo até cá em cima, e foi pô-lo lá. A Lebre chegou, não deu muita atenção, só viu o algodão e disse logo: – Ee! Hoje vou partir esta corda mais depressa, ela nem sequer a torceu. Vou esperar até ela chegar mesmo perto de mim para começar a correr e meter-me lá dentro. E pôs-se logo a correr. O Esquilo também comia por outro lado. Quando reparou que se tinha que pôr a tocar, a Hiena já estava em cima deles. O Esquilo fugiu logo, nem tempo teve para tocar. A Lebre arrancou também, pôs o pé no laço, tchuruc!, o arame prendeu-a. Ai! Ela bem sacudia mas não havia maneira de conseguir soltar-se… A Hiena aproximou-se, agarrou-a bem e disse: – Sobrinha! Apanhei-te. A Lebre respondeu: – Ah, tia, aqora é que tu disseste uma grande verdade! A Hiena disse: – Vamos. Carregou a Lebre à cabeça e levou-a para casa. Ao chegar, amarrou-a muito bem amarrada e pô-la no chão. Depois, saiu à procura de lenha e começou a juntar lenha que nunca mais acabava. A seguir pôs-lhe fogo. Quando as brasas todas acabaram de arder, aquela lenha toda já queimada formava um monte de brasas gigantesco. Foi nessa altura que a Hiena foi buscar a Lebre para a ir deitar ao lume. A Lebre perguntou: – Eh, tia, para onde é que me vais levar? – Para dentro daquele fogo que estás ali a ver, naquelas brasas, é ali que te vou pôr. – Tchi! — disse a Lebre. — Não precisavas de te preocupar tanto! Se me tivesses dito há mais tempo, não terias tido esse trabalho todo, carregar lenha, queimar isso tudo…Olha bem como os meus olhos são vermelhos. Estás a ver? – Sim, — respondeu a Hiena. – Bom, é que eu nasci no fogo. Se me pões lá, não me acontece nada. O melhor é pores-me no capim, aí sim que o relento dá cabo de mim. A Hiena, burra, não deitou a Lebre ao fogo e foi lançá-la no capim. Mal caiu no capim, a Lebre deu um salto e fugiu enquanto dizia: – Bom, tia, então até qualquer dia. Glossário: mancarra > amendoim djidiu > músico e poeta, depositário da tradição oral capim > relva

[Fonte: https://www.lapismagico.com/contos-tradicionais/fogo-nasci/] 27


O NABO GIGANTE — Conto tradicional da Rússia Há muito, muito tempo atrás, havia um velhinho e uma velhinha que viviam juntos numa casinha velha e torta, que tinha um grande jardim coberto de plantas. O velhinho e a velhinha tinham seis canários amarelos, cinco gansos brancos, quatro galinhas sarapintadas, três gatos pretos, dois porcos barrigudos e uma grande vaca castanha.

Numa bela manhã de março, a velhinha sentou-se na cama, cheirou o ar perfumado da primavera e disse: “ Está na altura de semearmos os legumes!” Então, o velhinho e a velhinha foram para o jardim. Semearam ervilhas e cenouras e batatas e feijões. Por último, semearam nabos. Naquela noite choveu – ping, ping! – no jardim da casinha velha e torta. O velhinho e a velhinha adormeceram a sorrir. A chuva ia ajudar as sementes a crescer e a produzir ótimos vegetais suculentos. A primavera passou e o sol de Verão fez os legumes ficarem maduros. O velhinho e a velhinha colheram as cenouras e as batatas e as ervilhas e os feijões e os nabos. No fim da leira, só sobrava um nabo. Parecia ser muito grande. De facto, parecia gigante. Numa bela manhã de setembro, o velhinho sentou-se na cama, cheirou o ar fresco do outono e disse “Está na altura de colhermos aquele nabo”. E lá foi ele para o jardim. O velhinho puxou e içou e sacudiu e puxou com mais força, mas o nabo não se mexeu. O velhinho foi à procura da velhinha. A velhinha pôs os braços à volta da cintura do velhinho. Os dois puxaram e içaram e sacudiram e puxaram com mais força, mas o nabo continuava sem se mexer. Então a velhinha foi buscar a grande vaca castanha. O velhinho, a velhinha e a grande vaca castanha puxaram e içaram e sacudiram e puxaram com mais força, mas o nabo continuava a não se mexer. Então, o velhinho enxugou a testa e foi buscar os dois porcos barrigudos.

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O velhinho, a velhinha, a grande vaca castanha e os dois porcos barrigudos puxaram e içaram e sacudiram e puxaram com mais força, mas o nabo continuava a não se mexer. Então, a velhinha arregaçou as mangas e foi buscar os três gatos pretos. O velhinho, a velhinha, a grande vaca castanha, os dois porcos barrigudos e os três gatos pretos puxaram e içaram e sacudiram e puxaram com mais força, mas o nabo continuava a não se mexer. Então, um dos gatos abanou a cauda e foi buscar as quatro galinhas sarapintadas. O velhinho, a velhinha, a grande vaca castanha, os dois porcos barrigudos, os três gatos pretos e as quatro galinhas sarapintadas puxaram e içaram e sacudiram e puxaram com mais força, mas o nabo continuava a não se mexer. Então, umas das galinhas sacudiu as penas e foi buscar os cinco gansos brancos. O velhinho, a velhinha, a grande vaca castanha, os dois porcos barrigudos, os três gatos pretos, as quatro galinhas sarapintadas e os cinco gansos brancos puxaram e içaram e sacudiram e puxaram com mais força, mas o nabo continuava a não se mexer. Então, um dos gansos esticou o pescoço e foi buscar os seis canários amarelos. O velhinho, a velhinha, a grande vaca castanha, os dois porcos barrigudos, os três gatos pretos, as quatro galinhas sarapintadas, os cinco gansos brancos e os seis canários amarelos puxaram e içaram e sacudiram e puxaram com mais força. Mas o nabo continuava a não se mexer. O velhinho coçou a cabeça. Os animais e as aves deitaram-se no chão ofegantes. A velhinha teve uma ideia. A velhinha foi até à cozinha e pôs um pedaço de queijo na ratoeira. Não tardou que um ratinho esfomeado deitasse a cabeça de fora do seu buraco. A velhinha apanhou o rato e levou-o lá para fora. O velhinho, a velhinha, a grande vaca castanha, os dois porcos barrigudos, os três gatos pretos, as quatro galinhas sarapintadas, os cinco gansos brancos, os seis canários amarelos e o ratinho puxaram e içaram e sacudiram e puxaram com mais força. Pop! O nabo gigante saiu a voar de dentro da terra e todos caíram para trás. Os canários caíram por cima do rato, os gansos caíram por cima dos canários, as galinhas caíram por cima dos gansos, os gatos caíram por cima das galinhas, os porcos caíram por cima dos gatos, a vaca caiu por cima dos porcos, a velhinha caiu por cima da vaca e o velhinho caiu por cima da velhinha. Todos caíram no chão e riram. Naquela noite, o velhinho e a velhinha fizeram uma enorme panela de sopa de nabo. Todos comeram até se fartarem. E, sabes uma coisa? O ratinho esfomeado foi o que comeu mais. [Conto original russo, recolhido por Alexis Tolstoi Fonte:https://www.lapismagico.com/contos-tradicionais/o-nabo-gigante/ ]

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A MÃE DO OURO — Conto tradicional do Brasil Nos princípios do mundo, havia uma velha muito velha, que até parecia a morte se ter esquecido dela. Quase não enxergava, nem podia andar. Tremia ao menor movimento e muito mal se ouviam suas palavras. De perto, ninguém a vira jamais, nem houve quem se animasse a ir ao seu encontro, em seu pouso, num barraco, no meio das montanhas. Havia, entretanto, um casal que não acreditava na voz do povo e sempre dizia à filha: – Menina, a velha que ninguém sabe quem é há de ser uma fada. Um dia, chegou a morte e carregou com os pais da moça. Vendo-se desamparada e sem pão, a filha tomou o caminho das montanhas. A velha a viu e foi buscá-la no meio da ladeira, levando-a para casa. A gente do lugar achou graça. Tanta beleza e tanta mocidade sepultadas com aquela mulher que vira nascer o primeiro Deus e se tornara a mais feia e velha do mundo! A moça, porém, tinha-se por feliz. No barraco da montanha, todas as coisas eram de prata: paredes, teto, chão, pilares – tudo, como musgo, se revestia de filigrana prateada. A abundância e a paz reinavam ali. À noitinha, quando a moça adormecia, a velha, como vaga-lume, descia a montanha e ia até a beira de uma lagoa que os homens diziam assombrada. Suspirava três vezes. As águas borbulhavam e sorriam. As flores fechavam-se e transformavam-se em donzelas formosas e rapazinhos alegres. À música das ondas e ao cântico das folhas das plantinhas, que se dobravam como se o vento as agitasse, os pares dançavam contentes. Depois que se fartava naquele prazer, a velha “suspirava para dentro” e tudo voltava ao que era. A moça ignorava tudo isso e até mesmo o nome da criatura que todos chamavam de Mãe do Mundo. E os dias foram-se passando assim. Numa noite, a velha falou, trémula, com a voz arrastada, que, quando chegasse a lua cheia, as duas iriam tomar banho na lagoa. E, quase no mesmo instante, a lua apareceu toda cheia, iluminando a terra, como se fosse o sol. A moça obedeceu. Supondo que a velha estava sem forças para a jornada, amparou-a pelo caminho, lembrando-se do que lhe ensinaram seus pais. Aos poucos, uma grande transformação ia-se fazendo. A velha, a Mãe do Mundo, ia rejuvenescendo. Suas carnes endureciam. De seus olhos saíam longos fachos que iluminavam os caminhos que as copas das árvores sombreavam. As ramas dobravam-se, cantando hinos. Tudo era perfume e alegria. A moça e a velha despiram-se à beira da lagoa. O corpo da velha era um espelho de prata em que as estrelas brilhavam e a lua refletia, em todo seu esplendor. A moça não mostrou assombro. Aquela mulher merecia tudo. Devia ser mesmo feita do que de melhor houvesse no mundo. Mãe do Mundo compreendeu o pensamento dela. E logo, das águas, surgiu um palácio maravilhoso de cristal e pedrarias. A velha e a moça entraram no banho. As águas amareleceram os cabelos da jovem. A terra abriu-se e os recebeu. Mãe do Mundo desapareceu e, com ela, o lago e o palácio. A moça tornou-se encantada e invisível aos olhos dos que, às vezes, encontraram um ou outro fio de seu cabelo. Saiu pelo mundo a banhar-se nos rios e nos lagos, 30


deixando a terra engolir os cachos, as penugens e os pedaços de seus cabelos que, de repente, não cessavam de nascer e de crescer. Um dia, um caçador viu um corpo de mulher revolver-se na corrente de um rio fundo. Seu corpo e seus cabelos eram de ouro. A terra, de vez em quando, se abria e se fechava. Se isso espantou o homem, também lhe deu coragem. Ia atirar-se à água, quando um braço forte o deteve. Era o de uma velha horrível, esmolambada, fedorenta. Sua voz, como se viesse de dentro de um buraco, ecoou: – Fecharam-se as entranhas da terra, paralisou-se a corrente do rio, o vento não soprou. – É a Mãe do Ouro. O caçador, com os cabelos em pé, viu o rio secar-se e a moça transformar-se numa serpente. Então, correu com medo dela, mundo afora, encontrando por toda a parte as pontas dos cabelos louros da moça, que a Mãe do Mundo transformara em serpente e dera o poder de morar acima das nuvens. A moça fora transformada no Oxum-Marê, o arco-íris. Depois que a Mãe do Ouro se transformou na serpente sagrada, caíram chuvas de ouro em todo o continente africano e no Brasil. O ouro que o solo guardou não cresceu mais, é esse ouro que os homens acham em filões, em bolsas, em pó, com muito trabalho. Esse ouro encontra-se nos cabelos da mulher que Mãe do Mundo acolheu em sua gruta de filigranas de prata e levou-a a banhar-se no lago em que, mais tarde, a mesma se transformou, subindo, depois, ao céu e convertendo-se em arco-íris. A Mãe do Ouro é a nossa Dan, a nossa Oxum-Marê.

Glossário: fachos > faróis esmolambada > malvestida vaga-lume > pirilampo barraco > pequena habitação de madeira, coberta de palha, telha ou zinco

[Fonte: https://www.lapismagico.com/contos-tradicionais/mae-ouro/ ]

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A DANÇA DO ARCO-ÍRIS — Lenda indígena brasileira recontada por João Anzanello Carrascoza

Há muito e muito tempo, vivia sobre uma planície de nuvens uma tribo muito feliz. Como não havia solo para plantar, só um emaranhado de fios branquinhos e fofos como algodão-doce, as pessoas alimentavam-se da carne de aves abatidas com flechas, que faziam amarrando em feixe uma porção dos fios que formavam o chão. De vez em quando, o chão dava umas sacudidelas, a planície inteira corcoveava e diminuía de tamanho, como se alguém abocanhasse parte dela. Certa vez, tentando alvejar uma ave, um caçador errou a pontaria e a flecha se cravou no chão. Ao arrancá-la, ele viu que se abrira uma fenda, através da qual pôde ver que lá embaixo havia outro mundo. Espantado, o caçador tampou o buraco e foi embora. Não contou sua descoberta a ninguém. Na manhã seguinte, voltou ao local da passagem, trançou uma longa corda com os fios do chão e desceu até o outro mundo. Foi parar no meio de uma aldeia onde uma linda índia lhe deu as boas-vindas, tão surpresa em vê-lo descer do céu quanto ele de encontrar criatura tão bela e amável. Conversaram longo tempo e o caçador soube que a região onde ele vivia era conhecida por ela e seu povo como “o mundo das nuvens”, formado pelas águas que evaporavam dos rios, lagos e oceanos da terra. As águas caíam de volta como uma cortina líquida, que eles chamavam de chuva. “Vai ver, é por isso que o chão lá de cima treme e encolhe”, ele pensou. Ao fim da tarde, o caçador despediu-se da moça, agarrou-se à corda e subiu de volta para casa. Dali em diante, todos os dias ele escapava para encontrar-se com a jovem. Ela descreveu para ele os animais ferozes que havia lá embaixo. Ele disse a ela que lá no alto as coisas materiais não tinham valor nenhum. Um dia, a jovem deu ao caçador um cristal que havia achado perto de uma cachoeira. E pediu para visitar o mundo dele. O rapaz a ajudou a subir pela corda. Mal 32


tinham chegado lá nas alturas, descobriram que haviam sido seguidos pelos parentes dela, curiosos para ver como se vivia tão perto do céu. Foram todos recebidos com uma grande festa, que selou a amizade entre as duas nações. A partir de então, começou um grande sobe-e-desce entre céu e terra. A corda não resistiu a tanto trânsito e se partiu. Uma larga escada foi então construída e o movimento se tornou ainda mais intenso. O povo lá de baixo, indo a toda a hora divertir-se nas nuvens, deixou de lavrar a terra e de cuidar do gado. Os habitantes lá de cima pararam de caçar pássaros e começaram a se apegar às coisas que as pessoas de baixo lhes levavam de presente ou que eles mesmos desciam para buscar. Vendo a desarmonia instalar-se entre sua gente, o caçador destruiu a escada e fechou a passagem entre os dois mundos. Aos poucos, as coisas foram voltando ao normal, tanto na terra como nas nuvens. Mas a jovem índia, que ficara lá em cima com seu amado, tinha saudade de sua família e de seu mundo Sem poder vê-los, começou a ficar cada vez mais triste. Aborrecido, o caçador fazia tudo para alegrá-la. Só não concordava em reabrir a comunicação entre os dois mundos: o sobe-e-desce recomeçaria e a sobrevivência de todos estaria ameaçada. Certa tarde, o caçador brincava com o cristal que ganhara da mulher. As nuvens começaram a sacudir sob seus pés, sinal de que lá embaixo estava chovendo. De repente, um raio de sol passou pelo cristal e se abriu num maravilhoso arco-íris que ligava o céu e a terra. Trocando o cristal de uma mão para outra, o rapaz viu que o arco-íris mudava de lugar. – Iuupii! – gritou ele. – Descobri a solução para meus problemas! Daquele dia em diante, quando aparecia o sol depois da chuva, sua jovem mulher escorregava pelo arco-íris abaixo e ia matar a saudade de sua gente. Se alguém lá de baixo se metia a querer visitar o mundo das nuvens, o caçador mudava a posição do cristal e o arco-íris saltava para outro lado. Até hoje, ele só permite a subida de sua amada. Que sempre volta, feliz, para seus braços.

[Fonte: https://www.revistaprosaversoearte.com/3-contos-indigenas-para-mostrar-outra-visao -de-mundo-as-criancas/ ]

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O NASCIMENTO DO MUNDO — Lenda maori recontada por Maria de la Luz

No início só havia Kore, a energia, vagando na escuridão do espaço infinito. Então, veio a luz e surgiram Ranginui, o Pai Céu, e Papatuanuku, a Mãe Terra. Rangi e Papa tiveram muitos filhos: Tangaroa, deus das águas; Tane, deus das florestas; Tawhirmatea, deus dos ventos; Tumatauenga, deus da guerra, que deu origem aos seres humanos; e Uru, que não era deus de nada. Rangi e Papa viviam num perpétuo abraço de amantes. Acontece que esse enlace apaixonado não deixava a luz penetrar entre seus corpos, onde ficavam os filhos. Obrigados a viver apertados e sempre no escuro, os jovens resolveram dar um basta na situação. – Vamos matar Rangi e Papa e ficar livres deles! – disse Tumatauenga. – Não! – disse Tane. – Vamos apenas separá-los, empurrando um para cima e deixando o outro em baixo. Assim sobrará espaço para nós e a luz vai poder entrar. Todos acharam a ideia excelente. Tane, que era o mais forte de todos, firmou bem os pés em Papa, encaixou os ombros no corpo de Rangi e o empurrou para cima com toda a força. Os pais se separaram, mas – oh, decepção! – só um pouco de luz chegou ao mundo dos filhos. Além disso, Rangi e Papa estavam nus e, longe um do outro, sentiam muito frio. Comovido com a situação, Tane abrigou o pai com o negro manto da noite. Para a mãe fez um vestido com as mais verdes e tenras folhas e as flores mais coloridas. Em torno dela fez ondular as águas azuis dos mares e rios de Tangaroa. Os ventos de Tawhirmatea sopravam suavemente seus cabelos. Os filhos de Tumatauenga já começavam a povoar o mundo recém-criado. Olhando lá de cima os lindos trajes da mulher e sua participação no novo mundo, Ranginui ficou doente de inveja. Sua dor cobriu o mundo com uma névoa húmida e cinzenta. 34


Refugiado em uma dobra do manto paterno, Uru chorava e chorava por não ter sido útil em nada aos pais e aos irmãos. Para que ninguém percebesse suas lágrimas, escondia-as em cestas e mais cestas. Mas Tane tudo percebera: – Uru, meu irmão, preciso de sua ajuda! – Nada tenho para dar, você bem sabe! – Ora, Uru, você tem tantas cestas… Surpreso e com medo de ser descoberto em sua fraqueza, Uru abaixou a cabeça: – Não tem nada dentro delas, irmão. Tane avançou e destampou uma das cestas. Dela voaram luzes faiscantes e risonhas para todos os lados. As lágrimas de Uru haviam se transformado em crianças-luz (para nós, estrelas)! – Uru, será que você podia me ceder duas de suas cestas? Seus filhos poderiam enfeitar e iluminar a morada de nosso pai… Uru concordou. As duas cestas foram passadas para Te Waka o Tamareriti, uma canoa muito especial. Tane conduziu a canoa até o céu, espalhando sobre o manto de Rangi milhares de estrelinhas que riam e piscavam umas para as outras o tempo todo. Quando Tane ia pegar a segunda cesta, esta tombou e se abriu, deixando as estrelas se espalharem numa grande faixa chamada Ikaroa, que cruzou o céu de lado a lado (para nós, a Via Láctea). Tane deixou Ikaroa e Waka o Tamareriti (que é a “cauda” da nossa constelação do Escorpião) no espaço celeste, onde se tornaram os guardiões das estrelas.

[Fonte: https://www.revistaprosaversoearte.com/3-contos-indigenas-para-mostrar-outra-visao-d e-mundo-as-criancas/ ]

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O VENDEDOR DE PÊSSEGOS — Conto tradicional japonês Há muito, muito tempo, vivia numa pequena aldeia do longínquo Japão um jovem camponês. Dizer-se que ele era pobre é pouco, tão humilde era o seu modo de vestir, sempre o mesmo em qualquer época do ano.Tinha as solas dos sapatos sempre tão descosidas que quase podíamos dizer que andava descalço. Sendo o mais novo de dez irmãos, só herdara dos pais uma leira de terra que ainda por cima ficava no cume de um monte árido e pedregoso. Mas que difícil era trabalhar aquele pedaço de terra! E quantas vezes ele subia e descia só para regar aquele terreno sequioso! Como podes imaginar, as raparigas da aldeia fugiam dele como da peste, pensando: “Que pelintra! Feio não é, nem antipático. Só que não tem um tostão!” O acaso fez com que , no entanto, na aldeia vizinha e nas mesmas condições, vivesse uma linda rapariga. O único bem que tinha era a sua beleza e, quando o nosso jovem a foi pedir em casamento, os pais dela disseram-lhe: – A única coisa que te podemos dar é um caroço de pêssego. Bem sabemos que não é nada, mas tu és um excelente rapaz e, daqui a três anos, tantos quantos o pessegueiro precisa para dar fruto, poderás começar a vender os pêssegos e, então, ganhar alguma coisa… O pobre camponês não podia ficar mais satisfeito, pois a rapariga era lindíssima e riqueza era coisa que não lhe interessava. Aceitou, portanto, o caroço de pêssego e, depois de alguns dias de namoro, casou com ela. O jovem estava completamente apaixonado pela rapariga, de tal modo que passava longas horas a contemplá-la. Até se esquecia de ir trabalhar no seu pedacito de terra. Por isso, o pouco arroz que servia de refeição ao casal depressa acabou. – Meu marido — disse, então, a rapariga-, não podemos continuar a viver assim. Felizmente, como sei desenhar, farei o meu retrato e tu leva-lo para o cimo da colina. Desse modo, quando tiveres saudades minhas, olhas para ele e já podes continuar a trabalhar. – Que bela ideia, mulher — alegrou-de o jovem. – Vou semear este caroço de pêssego que me deram os teus pais, e como para dar fruto necessita: de oito anos, o diospireiro, de nove, o limoeiro mas só de três castanheiro e pessegueiro, dentro de algum tempo teremos com que matar a fome. Naquela noite a rapariga desenhou o seu retrato à luz fraca da candeia de azeite e, na manhã seguinte, ofereceu-a ao marido, que o levou para o campo. Enquanto cavava, se sentia saudades da mulher, bastava-lhe levantar os olhos. Como tinha pendurado o retrato no cimo de uma grande vara, podia vê-lo de longe. Estava ele a semear o caroço de pêssego, quando, de repente, se levantou tanto vento que fez baloiçar a vara. O retrato, pintado num levíssimo papel de arroz, soltou-se e começou a voar. Pousada a enxada, o jovem correu no encalço da folha, mas em vão: 36


num curto espaço de tempo o retrato desapareceu. Tristíssimo, o camponês teve de voltar ao seu trabalho. Entretanto, a folha prosseguia a sua corrida pelo céu. Quando aquele vento furioso acalmou, o retrato, volteando como um papagaio de papel, pousou no chão. E onde havia ele de pousar? Ficas a saber que, a poucas milhas da colina, se erguia o palácio de um grande samurai. Quando não havia guerra, o poderoso senhor ficava muito aborrecido. Naquela manhã, estendido numa esteira, bebia lentamente uma chávena de chá, de vez em quando, bocejava.Foi então que a folha veio cair mesmo diante dele. – Mas que é isto?— surpreendeu-se. _ Ah, que linda rapariga!... Nunca vi uma beleza assim. Guardas! Procurem em todas as aldeias e tragam-me a rapariga deste retrato! Quero arranjar mulher e esta linda rapariga vem mesmo a calhar. Dizendo isto, o samurai entregou o retrato ao chefe dos guardas e, daí a pouco, um bando de soldados partiu à rédea solta do palácio. Em poucas horas encontraram a rapariga. De nada lhe valeram choros e súplicas. Os guerreiros do samurai, inflexíveis, fizeram-na montar num cavalo e deram início à viagem de regresso. Não podes imaginar o sofrimento do rapaz quando, ao regressar à pobre choupana, não encontrou à espera a sua encantadora esposa.Desesperado, arrancou os cabelos e vagueou como um louco pelas redondezas em busca da sua amada. Mas em vão. E assim passaram três longos anos: o samurai obrigara a rapariga a casar com ele e esta tivera de se vergar perante a violência e as ameaças daquele homem prepotente. No entanto, desde o dia do casamento que se fechara num silêncio absoluto.Naquela boca delicada deixara de se ver o esboço de um sorriso e nem um lampejo de alegria lhe perspassava nos lindos olhos. Um dia, a rapariga e o novo marido estavam a almoçar no terraço do palácio quando, vindo da rua, se ouviu um curioso pregão: Para dar fruto necessita: de oito anos o diospireiro, de nove o limoeiro, mas só de três castanheiro e pessegueiro! A jovem estremeceu e esboçou um ligeiro sorriso: era a voz do seu primeiro marido! Fico muito satisfeito por te ver sorrir! -exclamou o samurai. _ Esta lengalenga é divertida, não é? Vamos ver quem a está a cantar — e debruçou-se do terraço. _ Ah! É um pobre vendedor de pêssegos… Eh! Guarda, deixa entrar aquele homem! O vendedor de pêssegos entrou, fazendo uma vénia. – Chega aqui! — disse-lhe o samurai. – Acho que és capaz de divertir a minha mulher, que está sempre tão triste. Vamos ver se consegues que eu também a faça sorrir. Dá-me a tua roupa e veste a minha. Vou experimentar cantar a tua lengalenga! E, se bem o disse, melhor o fez. O jovem vestiu a roupa do samurai, e o samurai a do jovem. Em seguida, o senhor desceu as escadas com o cesto de pêssegos e começou a gritar: Para dar fruto necessita: de oito anos o diospireiro, de nove o limoeiro, mas só de três castanheiro e pessegueiro! 37


Depois, erguendo o olhar em direção ao terraço, acrescentou: – Estás a divertir-te, minha esposa? Mas não obteve resposta. Então, o samurai voltou a aproximar-se do portão do castelo com a intenção de entrar. Mas o guarda,vendo-o tão mal vestido, não o reconheceu e ordenou-lhe: – Já chega de conversa, bom homem! O jogo já durou muito tempo. Os teus pêssegos já foram vendidos ao meu amo. Agora, vai-te embora! — E fechou-lhe o portão na cara. Daí em diante, o grande samurai teve de continuar a vender pêssegos, chamando a atenção dos compradores com a lengalenga habitual. E, enquanto isso acontecia, o jovem camponês e a esposa, agora ricos, viviam na mais perfeita felicidade. [Fonte: Os mais belos contos do mundo, Editora Civilização, pp. 21-26.]

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CINDERELA — Conto de fadas dos irmãos Grimm Era uma vez um homem muito rico, cuja mulher adoeceu. Esta, quando sentiu o fim aproximar-se, chamou a sua única filha à cabeceira e disse-lhe com muito amor: -Amada filha, continua sempre boa e piedosa. O amor de Deus há de acompanhar-te sempre. Lá do céu velarei sempre por ti. E dito isto, fechou os olhos e morreu. A menina ia todos os dias para junto do túmulo da mãe chorar e regar a terra com suas lágrimas. E continuou boa e piedosa. Quando o inverno chegou, a neve fria e gelada da Europa cobriu o túmulo com um manto branco de neve. Quando o sol da primavera o derreteu, o seu pai casou-se com uma mulher ambiciosa e cruel que já tinha duas filhas parecidas com ela em tudo. Mal se cruzou com elas a pobre órfã percebeu que nada de bom podia esperar delas, pois logo que a viram disseram-lhe com desprezo: — O que é que esta moleca faz aqui? Vai para a cozinha, que é lá o teu lugar!!! E a madrasta acrescentou: — Têm razão, filhas. Ela será nossa empregada e terá que ganhar o pão com o seu trabalho diário. Tiraram-lhe os seus lindos vestidos, vestiram-lhe um vestido muito velho e deram-lhe tamancos de madeira para calçar. — E agora já para a cozinha! — disseram elas, rindo. E, a partir desse dia, a menina passou a trabalhar arduamente, desde que o sol nascia até altas horas da noite: ia buscar água ao poço, acendia a lareira, cozinhava, lavava a roupa, costurava, esfregava o chão... À noite, extenuada de trabalho, não tinha uma cama para descansar. Deitava-se perto da lareira, junto ao borralho (cinzas), razão pela qual lhe puseram o apelido de Gata Borralheira. Os dias passavam e a sorte da menina não se alterava. Pelo contrário, as exigências da madrasta e das suas filhas eram cada vez maiores. Um dia, o pai ia para a cidade e perguntou às duas enteadas o que queriam que ele lhes trouxesse. — Lindos vestidos — disse uma. — Jóias — disse a outra. — E tu, filhinha, Gata Borralheira, o que queres? — perguntou-lhe o pai. — Um ramo verde da primeira árvore que encontrares no caminho de volta. Terminada a compra, ele comprou os vestidos para as enteadas e as jóias que tinham pedido e no caminho de regresso cortou para a filha um ramo da primeira árvore que encontrou: uma oliveira. Ao chegar a casa, deu às enteadas o que lhe tinham pedido e entregou à filha um galho de oliveira, árvore que produz azeitonas. Ela correu para junto do túmulo da mãe, 39


enterrou o ramo na terra e chorou tanto que as lágrimas o regaram. Começou a crescer e tornou-se uma bela árvore. A menina continuou a visitar o túmulo da mãe todos os dias e, certa vez, ouviu uma bonita pomba branca dizer-lhe: — Não chores mais, minha querida. Lembra-te que, a partir de agora, cumprirei todos os teus desejos. Pouco depois o rei anunciou a todo o reino que ia dar uma festa durante três dias para a qual estavam convidadas todas as jovens que queriam casar-se, a fim de que o príncipe herdeiro pudesse escolher a sua futura esposa. Imediatamente as duas filhas da madrasta chamaram a Gata Borralheira e disseram-lhe: — Penteia-nos e veste-nos, pois temos que ir ao baile do príncipe para que ele possa escolher qual de nós duas será a sua esposa. A Gata Borralheira obedeceu humildemente. Mas quando viu as duas luxuosamente vestidas, desatou a chorar e suplicou à madrasta que também a deixasse ir ao baile. — Ao baile, tu??? — respondeu ela — Já te olhaste ao espelho? A madrasta, face à insistência da Gata Borralheira, acrescentou, ao mesmo tempo que atirava um pote de lentilhas para as cinzas: — Está bem! Se separares as lentilhas em duas horas, irás connosco. A menina saiu para o jardim a chorar e lembrando-se do que a pomba lhe tinha dito, expressou o seu primeiro desejo: — Dócil pombinha, rolinhas e todos os passarinhos do céu, venham ajudar-me a separar as lentilhas. — Os grãos bons no prato, e os maus no papo. Duas pombinhas brancas, seguidas de duas rolinhas e de uma nuvem de passarinhos entraram pela janela da cozinha, e começaram a bicar as lentilhas. E muito antes de terminarem as duas horas concedidas, separaram as lentilhas. Entusiasmada, a menina foi mostrar à madrasta o prato com as lentilhas escolhidas. — Muito bem. – disse a madrasta, com ironia — Mas que vestido vais usar? E além disso, tu não sabes dançar. Será melhor ficares em casa. Desconsolada, a Gata Borralheira começou a chorar, ajoelhou-se aos pés da madrasta e voltou a suplicar-lhe que a deixasse ir ao baile. — Está bem. — disse ela com cinismo — Dou-te outra oportunidade. E voltou a espalhar dois potes de lentilhas sobre as cinzas. — Se conseguires escolher as lentilhas numa hora, irás ao baile. A doce menina saiu a correr para o jardim e gritou: — Dóceis pombinhos, rolinhas e todos os passarinhos do céu, venham ajudar-me a separar as lentilhas. — Os grãos bons no prato, e os ruins no papo. De novo, duas pombas brancas entraram pela janela da cozinha, depois as pequenas rolas e um bando de passarinhos, e pic-pic-pic escolheram-nas e voaram para sair por onde entraram. A menina logo correu e mostrou à madrasta as lentilhas escolhidas, mas de nada lhe serviu. — Deixa-me em paz com as tuas lentilhas! Vais ficar em casa e pronto! Ponto final! Virou-lhe as costas e chamou as filhas. Quando já não havia ninguém em casa, a Gata Borralheira foi junto ao túmulo da mãe, debaixo da oliveira, e gritou: — Árvorezinha. Toca a abanar e a sacudir. Atira ouro e prata para eu me vestir. 40


A pomba que lhe tinha oferecido ajuda, apareceu sobre um ramo e, estendendo as asas, transformou os seus farrapos num lindíssimo vestido de baile e os seus tamancos em luxuosos sapatos bordados a ouro e prata. Quando entrou no salão de baile, todos os presentes se admiraram perante tamanha beleza. Mas as mais surpreendidas foram as duas filhas da madrasta que estavam convencidas que seriam as mais belas da festa. Porém, nem elas, nem a madrasta ou o pai reconheceram a Gata Borralheira. O príncipe ficou fascinado ao vê-la. Tomou-a pela mão e os dois começaram o baile. Durante toda a noite esteve ao seu lado e não permitiu que mais ninguém dançasse com ela. Chegado o momento de se despedirem, o príncipe ofereceu-se para acompanhá-la, pois ardia de desejo por saber quem era aquela jovem e onde morava. Mas ela deu uma desculpa para se retirar por momentos e aproveitou para abandonar o palácio a correr e deixar embaixo de uma árvore o seu formoso vestido e os sapatos. A pomba, que estava à sua espera, pegou neles com as suas patinhas e desapareceu na escuridão da noite. Ela vestiu o vestido cinzento, o avental e os tamancos e, como de costume, deitou-se junto à chaminé e adormeceu. No dia seguinte, quando se aproximou a hora do início do segundo baile, esperou até ouvir partir a carruagem e correu para junto da árvore: — Árvorezinha. Toca a abanar e a sacudir. Atira ouro e prata para me vestir. E de novo apareceu a pomba e a vestiu com um vestido ainda mais lindo que o da noite anterior e calçou-lhe uns sapatos que pareciam de ouro puro.A sua aparição no palácio causou sensação maior ainda do que da primeira vez. O próprio príncipe, que a esperava impaciente, sentiu-se ainda mais deslumbrado. Pegou-lhe na mão e, de novo, dançou com ela toda a noite. Ao chegar a hora da despedida, o príncipe voltou a oferecer-se para acompanhá-la, mas ela insistiu que preferia voltar sozinha para casa. Mas, desta vez, o príncipe seguiu-a. De repente, parecia que tinha sido engolida pelo chão. Em vez de entrar em casa, a jovem Gata Borralheira, de vergonha, escondeu-se atrás de uma frondosa oliveira que havia no jardim. O príncipe continuou a procurá-la pelas redondezas, até que decepcionado regressou ao palácio. A Gata Borralheira abandonou então o seu esconderijo, e quando a madrasta e as filhas chegaram ela já tinha tirado as vestes faustosas (bonitas) e posto os seus trapos velhos. No terceiro dia, quando o pai fustigou o cavalo e a carruagem se afastou com a sua esposa e filhas, a menina aproximou-se de novo da árvore e disse: — Árvorezinha. Toca a abanar e a sacudir. Atira ouro e prata para me vestir. E a pomba, uma vez mais, trouxe-lhe um vestido de sonho, de seda com aplicações de suntuoso chale e uns sapatos bordados a ouro para os seus pequeninos e delicados pés. E depois, colocou-lhe sobre os ombros uma capa de veludo dourado. Quando entrou no salão de baile, a belíssima Gata Borralheira foi recebida com uma exclamação de assombro por parte de todos os presentes. O príncipe apressou-se a beijar-lhe a mão e a abrir o baile, não se separando dela toda a noite. Pouco antes da meia-noite, a jovem despediu-se do príncipe e pôs-se a correr. O príncipe não conseguiu alcançá-la, mas encontrou na escadaria uns sapatinhos dourados que ela tinha perdido durante a sua precipitada fuga. Apanhou-o e apertou-o contra o coração. 41


Na manhã seguinte, mandou os seus mensageiros difundirem por todo o reino que se casaria com aquela que conseguisse calçar o precioso sapato. Depois de todas as princesas, duquesas e condessas o terem inutilmente experimentado, ordenou aos seus emissários que o sapato fosse provado por todas as jovens, qualquer que fosse a sua condição social e financeira. Quando chegaram à casa onde vivia a Gata Borralheira, a irmã mais velha insistiu que devia ser ela a primeira a experimentar e, acompanhada pela mãe que já a imaginava rainha, subiu ao quarto, convencida que lhe servia. Mas o seu pé era demasiado grande. Então a mãe, furiosa, obrigou-a a calçá-lo à força, dizendo-lhe: — Embora te aperte agora, não te preocupes. Pensa que em breve serás rainha e não terás que andar a pé nunca mais. A jovem disfarçou a dor que sentia e subiu para a carruagem, apresentando-se diante do filho do rei. Embora ele tenha notado de imediato que aquela não era a bela desconhecida que conhecera no baile, teve que considerá-la como sua prometida. Montou-a no seu cavalo e foram juntos dar um passeio. Mas, ao passar diante de uma frondosa árvore, viu sobre os seus ramos duas pombas brancas que o advertiram: — Olha para o pé da donzela, e verás que o sapato não é dela... O príncipe desmontou e tirou-lhe o sapato. E ao ver como o pé estava roxo e inchado, percebeu que tinha sido enganado. Voltou à casa e ordenou que a outra irmã experimentasse o sapato. A irmã mais nova subiu ao quarto, acompanhada da mãe, e tentou calçá-lo. Mas o seu pé também era demasiado grande. E a mãe obrigou-a a calçá-lo à força, dizendo-lhe: — Embora te aperte agora, não te preocupes. Pensa que em breve serás rainha e não terás que andar a pé nunca mais. A filha obedeceu, enfiou o pé no sapato e, dissimulando a dor, apresentou-se ao príncipe que, apesar de ver que ela não era a bela desconhecida do baile, teve que considerá-la como sua prometida. Montou-a no seu cavalo e levou-a a passear pelo mesmo sítio onde levara a sua irmã. Ao passar diante da árvore onde estavam as duas pombas, ouviu-as de novo adverti-lo: — Olha para o pé da donzela, e verás que o sapato não é dela... O príncipe tirou-lhe o sapato e ao ver que tinha o pé ainda mais inchado que a irmã, percebeu que também ela o tinha enganado. — Aqui vos trago esta impostora. E dai graças a Deus por não ordenar que sejam castigadas. Mas se ainda tendes outra filha, estou disposto a dar-vos nova oportunidade e eu mesmo lhe calçarei o sapato. — Não. Não temos mais filhas — disse a madrasta. Mas o pai acrescentou: — Bem, a verdade é que tenho uma filha do meu primeiro casamento, a qual vive connosco. É ela que faz a limpeza da casa e por isso anda sempre suja. É a Gata Borralheira. — As minhas ordens dizem que todas as jovens sem exceção devem experimentar o sapato. Tragam-na à minha presença. Eu mesmo lho calçarei. A Gata Borralheira tirou um dos pesados tamancos e calçou o sapato sem o menor esforço. Coube-lhe perfeitamente. O príncipe, maravilhado, olhou bem para ela e reconheceu a formosa donzela com quem tinha dançado. 42


— A minha amada desconhecida! — exclamou ele — Só tu serás minha dona e senhora. O príncipe, radiante de felicidade, sentou-a ao seu lado no cavalo e tomou o mesmo caminho por onde tinha ido com as duas impostoras. Pouco depois, ao aproximar-se da árvore onde estavam as pombas, ouviu-as dizer: — Continua, Príncipe , a tua cavalgada, pois a dona do sapato já foi encontrada. As pombas pousaram sobre os ombros da jovem e os seus farrapos transformaram-se no deslumbrante vestido que ela tinha levado ao último baile. Chegaram ao palácio e de imediato foi celebrado o casamento. Quando os habitantes do reino souberam da forma como o amado e desnaturado pai, a madrasta e as duas filhas tinham tratado aquela que agora era a sua adorada princesa, começaram a desprezá-los de tal modo que eles tiveram que abandonar o país. A princesa, fiel à promessa feita à mãe, continuou a ser piedosa e bondosa como sempre e continuou a visitar o seu túmulo e a orar debaixo da árvore, testemunha de tantas dores e alegrias. [Fonte: https://www.grimmstories.com/pt/grimm_contos/a_gata_borralheira_cinderela ]

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