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BABEL Poética Ano II, n.º 5 – junho/julho de 2012 Copyright © dos editores e dos autores BABEL Poética ISSN N.º 2179-3662 é uma edição especial de BABEL – Revista de Poesia, Tradução e Crítica, ISSN N.º 1518-4005, contemplada em 1.º lugar no Edital Cultura e Pensamento 2009/2010 do Ministério da Cultura para publicação de revistas culturais. MINISTÉRIO DA CULTURA Secretaria de Políticas Culturais Sérgio Duarte Mamberti | Secretário ASSOCIAÇÃO DOS AMIGOS DA CASA DE RUI BARBOSA João Maurício de Araújo Pinho | Presidente REDE DE REVISTAS PROGRAMA CULTURA E PENSAMENTO Sergio Cohn e Elisa Ventura | Coordenadores Tatiana Louzada | Produtora Luana Villutis | Coordenadora de rede Filipe Gonçalves e Elisa Ramone | Assistentes de Produção REVISTA BABEL POÉTICA | babelpoetica.wordpress.com Ademir Demarchi | Editor | ademirdemarchi@uol.com.br | Santos/SP Amir Brito Cadôr | Projeto Gráfico e Edição Gráfica | amir_brito@yahoo.com.br | Belo Horizonte/MG Daniela Maura | Assistente de Edição Gráfica | danimaurasan@gmail.com | Belo Horizonte/MG Paulo de Toledo | Revisão | paulodtoledo@uol.com.br | Santos/SP CONSELHO EDITORIAL Ademir Assunção (SP), Cláudio Portella (CE), Jorge Luiz Antonio (SP), José George Cândido Rolim (CE), Lúcia Rosa (SP), Makely Ka (MG), Marcelo Chagas (SP), Márcio-André (RJ), Marco Aurélio Cremasco (PR/SP), Mauro Faccioni Filho (PR/SC), Nilson Oliveira (PA), Paulo de Toledo (SP), Ricardo Corona (PR), Ronald Augusto (RS), Silvana Guimarães (MG) e Susana Scramim (PR/SC)

COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Ademir Assunção (SP); Adriandos Delima (RS); Ângela Mendes Ferreira (Portugal); Armando Marubo (AM); Carlos Tiago (AM); Daniel Munduruku; Douglas Diegues (MS); Eliane Potiguara (RJ); Enzo Potel (SC); Graça Graúna (RN/PE); Guillermo Sequera (Paraguay); Jairo Pereira (RS/PR); Joca Reiners Terron (MT/SP); José Leite Netto (CE); José Otavio Carlomagno (SP/RS); Josely Vianna Baptista (PR); Juayran; Laisa Kaingang; Luiz Rufffato (MG/SP); Marciano Lopes (RS/PR); Márcio Rufino (RJ); Marco Aurélio Cremasco (PR/SP); Maria Aparecida Nunes Barbosa (MG); Mary Pitaguary (CE); Poeta de Meia-Tigela (CE); Ricardo Corona (PR); Rogério Skylab (RJ); Rudinei Borges (PA/SP); Sandra Santos (RS); Sergio Buarque de Hollanda; Tadeu de Moraes Delgado (MS); Vinicius Lima (PR); Waldo Motta (ES); Zé Fragoso (BA). IMAGENS Para esta edição, foram fotografados na televisão documentários do início do século XX e filmes que representam índios, reunidos no filme de Sylvio Back, “Yndio do Brasil”, e no vídeoclipe da música de Baby Consuelo, “Todo Dia Era Dia de Índio”. As vinhetas são detalhes de cestos indígenas à venda na internet.

CAPA Amir Brito Cadôr, sobre fotografia de Daniela Maura Fotografias (exceto quando indicado): Daniela Maura GESTÃO DO PROJETO Centro Camará de Pesquisa e Apoio à Infância e Adolescência www.projetocamara.org.br Rua Caminho dos Barreiros n.º 491 – Beira Mar CEP 11040-020 São Vicente –SP AGRADECIMENTOS Expressamos nosso reconhecimento a todos os que têm colaborado para a concretização deste projeto, em especial aos autores que nos autorizaram a publicação de imagens e textos. IMPRESSÃO E DISTRIBUIÇÃO Programa Cultura e Pensamento/MinC TIRAGEM 10 mil exemplares - Distribuição Gratuita – Venda Proibida CORRESPONDÊNCIA Ademir Demarchi / BABEL Poética Rua Espírito Santo, 55, apto. 36 CEP 11075-390 - Campo Grande - SANTOS – SP


Esta publicação foi selecionada entre os projetos que se inscreveram no Programa Cultura e Pensamento – Seleção Pública e Distribuição de Revistas Culturais. Foram escolhidos quatro projetos, e desta forma contemplamos quatro revistas culturais bimestrais cujas tiragens, somadas, chegam a 240 mil exemplares. O objetivo desta iniciativa é estimular a criação de publicações culturais permanentes, e de alcance nacional – não apenas em sua distribuição, mas também em seu conteúdo. Ao patrocinar este projeto, a Petrobras reafirma, uma vez mais, seu profundo e sólido compromisso com as artes e a cultura em nosso país – confirmando, ao mesmo tempo, seu decisivo papel de maior patrocinadora cultural do Brasil. Desde a sua criação, há pouco mais de meio século, a Petrobras mantém uma trajetória de crescente importância para o país. Foi decisiva no aprimoramento da nossa indústria pesada, no desenvolvimento de tecnologia de ponta para prospecção, exploração e produção de petróleo em águas ultra-profundas, no esforço para alcançar a auto-suficiência. Maior empresa brasileira e uma das líderes no setor em todo o mundo, a cada passo dado, a cada desafio superado, a Petrobras não fez mais do que reafirmar seu compromisso primordial, que é o de contribuir para o desenvolvimento do Brasil. Patrocinar as artes e a cultura, através de um programa sólido e transparente, é parte desse compromisso.

CULTURA E PENSAMENTO é um programa nacional de estímulo à reflexão e à crítica cultural. Desde sua primeira edição em 2005, seleciona e apoia projetos de debates presenciais e publicações. O objetivo do programa é dar suporte institucional e financeiro a iniciativas que fortaleçam a esfera pública e proponham questões e alternativas para as dinâmicas culturais do país. Em 2009, o Programa abriu a terceira edição dos editais para financiamento de debates e de periódicos impressos de alcance nacional. Os editais são abertos a propostas de intelectuais, pensadores da cultura, artistas, instituições e grupos culturais, pesquisadores, organizações da sociedade civil e outros agentes, visando à promoção do diálogo sobre temas da agenda contemporânea. O projeto de revistas do Programa Cultura e Pensamento busca ofertar gratuitamente conteúdos de elevada qualidade a um público amplo e diversificado de leitores, através de uma rede de circulação formada por 200 pontos de distribuição em todo território nacional, entre eles instituições culturais, universidades e pontos de cultura. Ao longo dos 24 meses o projeto prevê o lançamento de 20 títulos, cada um com 6 edições bimestrais, totalizando a circulação gratuita de 1.200.000 exemplares de revistas com discussões sobre arte e cultura, oriundas de diversos estados do país. A rede abrangerá mais de 200 colaboradores editoriais de cinco regiões e 19 estados brasileiros. A edição 2009-2010 do Edital de Revistas do PROGRAMA CULTURA E PENSAMENTO tem patrocínio da Petrobras e é realizada pela Associação dos Amigos da Casa de Rui Barbosa. Este projeto foi contemplado pela seleção pública de revistas culturais do programa CULTURA E PENSAMENTO 2009/2010


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EDITORIAL

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C

omeça-se esta edição com trechos de uma entrevista com Daniel Munduruku, um dos raros índios que estudou e se doutorou no Brasil, na qual ele afirma que, diante da dizimação histórica e da ignorância em relação às culturas indígenas, só resta aos índios manterem-se vivos como melhor contribuição para o Brasil... Esta quinta edição de Babel Poética, de uma série de 6 planejadas, tem como tema o índio e sua cultura. Isso está expresso aqui, na primeira parte da edição, através de poemas e textos de índios mesmo e, em contraste, na segunda parte, composta com textos de não-índios que têm se interessado pela questão. Esta edição é, assim, um desdobramento da edição anterior, focada na ideia “eu#outro” que registrava a tensão do “eu” poético do escritor, mas também de sua relação com o “outro”, colocando o escritor em confronto social na medida em que esse “eu” procura se consolidar nesse “outro” que o ecoa. A primeira parte da edição, portanto, é composta por textos escritos por indígenas que indagam sobre sua condição de marginalizados, de estranhos, combinando uma agonia oriunda dessa situação, com manifestações de afirmação de que existem e são os donos da terra. As palavras de Daniel Munduruku se infiltram pelos poemas e contrastam com o tom agônico, se afinando com experiências afirmativas dessas culturas, como se antevê no esforço tradutório de um canto xamanístico.

“Em guarani, língua e alma são sinônimos Quando um povo perde sua língua, perde sua alma” [Caderno Trânsitos]

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A escolha de um tal tema expõe a situação de ignorância deliberada que o país mantém em relação a eles, exceto pelos esforços ínfimos de antropólogos e ativistas que se somam aos próprios índios para afirmar as numerosas etnias que existem. Assim, chama a atenção o parco interesse por parte dos escritores de pensar a questão. Abrindo com o trecho sobre o “homem cordial”, de Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Hollanda, transcrito em guarani, a segunda parte desta edição procura mostrar um pouco como os índios e sua cultura são vistos pelos poetas, alguns fazendo esforços tradutórios e até mesmo interpretativos, num raro mergulho na língua e cultura de alguma dessas tantas etnias. Outros tematizam os índios como personagens estranhos transitando na vida urbana, engolidos por ela e pela violência, sendo esse o registro mais comum, sem que haja uma aproximação com sua cultura. Essa escolha editorial é motivada como desdobramento dos temas das edições 1 (como se pensa o país), 2 (como se pensa o local em que se vive), 3 (fronteiras) e 4 (eu#outro), todas orientadas pelo tema que se sobrepõe a elas, “Poesia na Era Lula”, continuando a proposta de mapeamento da poesia nacional, com presenças regionais de todos os pontos do país, nos mais variados registros.


Daniel Munduruku

“Manter-se vivo é a maior contribuição que o índio pode dar ao Brasil.” Seus livros são escritos em português. Essa é a sua primeira língua? Fui alfabetizado primeiro na língua munduruku; depois, no português. Na escola, havia uma política de Estado para a incorporação do indígena na sociedade brasileira. A ideia era fazer com que o índio deixasse de ser índio e virasse “gente normal”, virasse brasileiro. Embora estivesse na aldeia, a escola não permitia que falássemos nossa própria língua. Éramos obrigados a falar português. Isso no início dos anos 1970. É claro que a gente falava escondido, mas quando éramos pegos vinham os castigos. Passar a viver na cidade foi um choque? Até certo ponto, não. Meu pai era carpinteiro e viajava muito para Belém por causa do trabalho. Eu tinha uma boa relação com a cidade. Mas, evidentemente, muitas coisas me chocavam. Quando cheguei a São Paulo, já adulto, sentia muita resistência dos outros. As pessoas se assustavam com o que eu era, e eu me assustava com o que eles eram. Como educador, comecei a perceber que nós éramos dois povos assustados um com o outro. E que era preciso que olhássemos mais para nós, que aprendêssemos com as diferenças. Como era a reação das pessoas diante do “índio”? Escrevi muitas crônicas sobre esse contato, sobre como as pessoas me olhavam. Perguntavam se eu era japonês, se eu era chileno, boliviano. E, só por fim, se eu era índio. Quando eu dizia “Sim, sou índio”, sentia um certo alívio. “Puxa vida, eu também sou. A minha avó foi pega a laço. Ela era uma bugre”, dizia o sujeito, com certo ar de orgulho. “Mas como assim ‘pega a laço’? Cuidado com essa história de uma avó pega a laço”, eu dizia. “Ela não era um bicho que foi domesticado pelos ‘seres humanos’”. Esse tipo de afirmação demonstra preconceito e ignorância sobre a nossa história. Por que ainda encaramos os índios como “os outros”? Eu tenho a impressão de que o índio é “o outro” mesmo. Não existe o índio brasileiro. Existe o brasileiro que é índio. Veja que, nessa perspectiva, a coisa se inverte. Costumamos colocar o Brasil, que veio depois, como se ele tivesse vindo primeiro. Não. O Brasil nasce de uma raiz, de uma origem, que primeiro é indígena. Mesmo o Brasil intelectual, quando olha no espelho e enxerga o seu rosto indígena, não gosta do que vê. O Brasil é um país adolescente. Um país em crise de identidade, que ainda não percebeu que é formado por um conjunto de outros.

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Ainda persiste uma visão paternalista em relação aos índios? Sim, o Brasil ainda tem a visão do índio como um coitado. Um coitado, inclusive, que tem que ser preservado, como se preserva uma coisa. O índio não pode desfrutar do progresso. Índio com celular, carro, escrevendo livros, na universidade, doutor? Não, isso não pode acontecer. Acredita-se que o índio parou no tempo. Ou parou ou deve parar. Só vai permanecer índio se não se misturar. É o mito do índio puro, que vem de muito tempo. Há essa dificuldade de compreensão até na Funai. A Fundação Nacional do Índio estabelece que só atende aos índios aldeados. Aos outros, não. Ou seja: foram para a cidade, não são mais considerados índios. O próprio Estado brasileiro define isso. As pessoas têm que entender que, se o índio quer se integrar ao mundo ocidental, é um direito dele. E ele não vai deixar de ser índio por isso. No máximo, vai incorporar outras culturas. Você é doutor em educação pela USP. Existem atualmente muitos índios doutores no Brasil? Não. Existe aí uma meia dúzia, quando muito. A primeira, uma linguista, tornou-se doutora em 2007 – o que é uma coisa inacreditável. O Brasil tem 500 anos e só muito recentemente um indígena entrou na academia e tornou-se doutor. Na política também não é muito diferente. Não há um só deputado federal indígena, de estado algum. A única experiência de um indígena deputado foi a do Mário Juruna, na década de 1980. Para o povo indígena, foi essencial. O Juruna teve coragem de botar o dedo no nariz dos caras e dizer que eram ladrões, mentirosos. Por isso nunca mais foi eleito. Morreu recentemente, à míngua, porque disse a verdade e não tinha a malícia do político. Como você crê que os políticos, de modo geral, enxergam os índios? As conversas que rolam nos botequins do Congresso vão no sentido de não permitir que tenham autonomia. Dar autonomia é empoderar as pessoas, perder o controle. A ideia do índio preguiçoso, ou contrário ao progresso, à produção, é interessante como justificativa desse controle. Essa “preguiça”, na verdade, tem a ver com outra concepção de produção, de tempo. Está em confronto com o mundo ocidental desde que os portugueses – estes sim, preguiçosos – quiseram escravizar os índios para que produzissem por eles. “Produzir pra quê? Guardar pra quem?”. Na concepção do indígena, só há a ideia do hoje, do agora, do presente. Quando você pensa no amanhã, você não vive o hoje. O acúmulo, a poupança valem muito para a sociedade ocidental – a sociedade que inventou a geladeira. O desapego do indígena não cabe nesse mundo. Além de ferir os valores da ganância e do individualismo, a concepção indígena interfere na destruição do meio ambiente. O ocidental se encontra fora do ambiente. O ambiente para ele é algo a ser conquistado. Para o indígena, o ambiente é um parente, um companheiro de caminhada neste planeta.

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O Brasil se vende muito como o país da pluralidade, da diversidade. Falta o componente indígena nesse “produto”? O Brasil não conhece a sua real diversidade. Quando se fala de índio, imaginamos o padrão Globo. A diversidade indígena é enorme. Apesar de tudo o que aconteceu até aqui, somos ainda 250 povos, 180 línguas. Mas tudo isso é transformado em folclore, nessa coisa congelada. Os indígenas são a alma do Brasil. A cultura brasileira é muito rica, foi se atualizando, se transformando. Como dizia Darcy Ribeiro, o Brasil é um povo novo, absolutamente diferente de tudo o que há no mundo. É verdade, mas é um povo que também não sabe se aproveitar disso. As pessoas falam muito da cultura afro, que influenciou muito. É verdade, mas não se encontram no Brasil muitos negros que falam a língua tradicional. Entre os indígenas são 180 línguas, faladas teimosamente, resistentemente, Brasil afora. E em todos os cantos do Brasil. Tem gente que acha que só há índio na Amazônia. Em todos os estados brasileiros há presença indígena. Há mais índios nas cidades do que nas aldeias, inclusive. A Funai conta 400 mil aldeados e o IBGE diz que existem outros 600 mil fora das aldeias. Qual é a principal contribuição dos índios para a cultura brasileira? Essa é uma pergunta fundamental, mas a resposta me parece muito simples: precisa manter-se vivo. Se os indígenas conseguirem resistir a tudo isso, já estarão contribuindo muitíssimo com o Brasil. Ao manterem-se vivos, esses povos vão trazer uma riqueza cultural, espiritual, moral que só bem faz ao Brasil. Infelizmente, o país ainda não despertou para isso. Não percebeu que a grande contribuição dos indígenas para o Brasil é a existência dos indígenas.

[trechos de entrevista dada a João Rocha, disponível no site: http://www.almanaquebrasil.com.br/cultura/10634daniel-munduruku.html]

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Ângela Mendes Ferreira (Portugal)

HAPÀ ITÃN WA ITE AMÃ IJUJARENXÀ [assim eu conto pra você] Hapà? Como está você? How are you? In Tupi Guarani, the language of the indians: Aihô pepê serê guaxuré Guaxuré, xu chãberingo Aihô pepê serê guaxuré Kainungá, kainungá madurecer E aqui madureça de Kainungá... Itãn wa ite amã ijujarenxà To hajyr

[nasceu e vive em Braga, Portugal, fez diversos trabalhos com índios brasileiros da região do Ceará; mais em: http://www.angelamferreira.me/Hapa]

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Eliane Potiguara (RJ)

NOSSA CASA ANCESTRAL Em que corpo estás? Estás no ar, no sol, na luz Estás no infinito Estás nos séculos Tão poucos séculos, diante da nossa eternidade E quando nos veremos? Sinto-te sempre Na música, no sol, nas águas No calor, no frio, nos ventos Em cada estado, país ou continente Sinto-te sempre, meu amor Apesar do que fizeram conosco! Mostra-me o caminho Mostra-me em sonhos Em cânticos, a nossa libertação. Intocável é a nossa casa Nossos filhos cresceram, morreram e renasceram. Tornaram a morrer Nossos filhos indígenas Quase estão cegos pelo que aconteceu naquele dia Muitos não reconhecem mais a sua mãe Até as costas lhe deram Pouco restou das cerimônias Somente a dança com fé. E não reconhecem mais a filha do pajé Lembra-te das cerimônias sagradas Quando banhávamos nus? E que nossos corpos penetravam as profundezas da Terra? Mergulhávamos e trazíamos Dezenas de crianças Filhas dela!

Mas meu amor Dá-me tuas fortes mãos Leva-me em tuas grandes asas sagradas E dá-me força e poder Porque o implacável Criador Manda-me voltar séculos e séculos E a ele levar a sagrada raiz da lagoa Akujutibiró A sagrada raiz Está coberta de lama endurecida Pelo peso da opressão dos séculos E minhas mãos indígenas de mulher Ainda estão frágeis e sangram E se ferem nos espinhos dos pântanos! Tento me esconder na barriga da Mãe-Terra E esquecer nossos filhos Mas vejo Tupã chorar Vejo nossos filhos sofrerem Então... O espírito do mar Uma grande névoa azulada Envolve-me, seduz-me, encanta-me E levanta-me na chama guerreira E faz-me falar, cantar e gritar... Até que um dia Os nossos filhos mortos, nascidos e renascidos Possam relembrar do olhar, docemente, Da luz envolvente E da tinta de jenipapo Cravada pelo grande espírito, em nossa cara.

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Brasil: Que faço com a minha cara de índia?

Brasil, o que faço com a minha cara de índia?

E meus cabelos E minhas rugas E minha história E meus segredos?

Não sou violência Ou estupro Eu sou história Eu sou cunhã Barriga brasileira Ventre sagrado Povo brasileiro Ventre que gerou O povo brasileiro Hoje está só... A barriga da mãe fecunda E os cânticos que outrora cantava Hoje são gritos de guerra Contra o massacre imundo

Que faço com a minha cara de índia? E meus espíritos E minha força E meu Tupã E meus círculos? Que faço com a minha cara de índia? E meu Toré E meu sagrado E meus “cabôcos” E minha Terra? Que faço com a minha cara de índia? E meu sangue E minha consciência E minha luta E nossos filhos?

[é escritora indígena, descendente do povo Potiguara; texto de Metade cara, metade máscara, Global Editora, Visões Indígenas editadas por Daniel Munduruku; mais em: http://elianepotiguara.blogspot.com.br/]

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Zé Fragoso (BA)

“O Sr. Zé Fragoso disse à repórter do programa Auwê uma belíssima metáfora sobre a condição Pataxó, Depois que perdemos as terras, ficamos igual a uma folha seca, tocada pelo vento, sem destino. É triste você ter a terra, estar em cima da terra e não poder produzir. Uns que sai, em busca da melhora, mas pra nós não é melhora. Depois, durante sua apresentação no Sarau explicou, Hoje é dia do índio, pra nós, queria estar comemorando, mas não posso dizer que estão comemorando. Dia de sofrimento. Não pode dizer que vamos comemorar. Todo o nosso direito. Nosso sentimento é que não temos a nossa terra na nossa mão. Vou cantar o hino dos Pataxó. E cantou: Brasil, que vive alegre muito valoroso. Brasil, que vive alegre para enfrentar. Com nossas almas já estão seguro. E no momento mande me chamar. O Monte Pascoal para ser feliz. Porque nós somos dono desta terra. Ó pátria amada quando canta o seu hino. Os Pataxó compreende o seu destino”.

[Relato de Deborah Goldemberg sobre o I Sarau das Poéticas Indígenas, organizado por ela na Casa das Rosas, em 19 de Abril de 2009; mais em: seer.ufrgs.br/ EspacoAmerindio/article/download/12888/8259]

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Maria Aparecida Nunes Barbosa (MG)

A história dormindo é muda Mas não é surda. Mesmo só na mente Ela continua viva. No meio da escuridão Continua brilhando. Um dia há de se transformar Em escrita e ter vida. Muitas delas já acordaram E nunca mais vão dormir Porque já estão com raízes Plantadas na mente do povo. Com ela a mente muda Muda o pensar e o olhar. E assim tem vontade de continuar Resgatar e nunca mais para. Essa pesquisa me despertou Encontrei informação supreendente.

[pertence à etnia Xacriabá e mora na aldeia Barra do Sumaré II, município São João das Missões-MG; é professora na sua aldeia e estudante da UFMG; mais em: http://emocoesdeumaindiasonhadora.blogspot.com.br]

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Armando Marubo (AM)

UM CANTO XAMANÍSTICO

sou o primeiro sou mesmo como o açaí-espírito acima das nuvens rasgando o céu assim sempre vivi minha garganta desenhada as folhas da árvore-espírito as folhas farfalha estou assim contando a multidão de espíritos-pássaro a multidão movimento estou mesmo cantando e pelo lábio exalo ventania de tabaco assim eu digo sou o primeiro com sangue de fresca folha a frente do peito foi com desenhos traçada pelos losangos-espírito pelos losangos aprendi com desenhos marcado o espírito foi criado sou mesmo o primeiro

[vive no Vale do Javari-AM; datado de 2004, esse canto teve tradução de Pedro Cesarino e foi publicado na Folha de S. Paulo, Mais!, de 18/1/2009. Cesarino observa que “Neste canto, o duplo ou alma do xamã descrevese a si mesmo como uma pessoa extraordinária, feito uma palmeira de açaí se destacando na floresta. Na sequência, dizendo ser antigo como os próprios espíritos mobilizados por seu canto, utiliza-se de outras imagens para se referir ao poder de seu pensamento e de sua fala. Com o peito desenhado com padrões geométricos invisíveis, o duplo do xamã é capaz de conhecer o cosmos e os diversos povos que o habitam”; mais em: Povos Indígenas no Brasil: http://pib.socioambiental. org/pt/noticias?id=63521]

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Tadeu de Moraes Delgado (MS)

Quando entra um presidente Que quer ajudar a gente Demarcando nossas terras Nossa pintura de festa Por culpa de quem não presta Mudou-se para a da guerra Hoje nossa existência É marcada de violência Suicídio e assassinato Prisões e atropelamento São marcas do sofrimento Lamentos de cada fato. Que NHANDERU nos proteja E que a sociedade veja Queremos nosso TEKOHÁ No Brasil dos brasileiros Existe muito estrangeiro Tomando nosso lugar

[é militante do MST-MS, vive em Campo Grande-MS; o poema refere-se aos Kaiowá Guarani; mais em: http:// pib.socioambiental.org/pt/noticias?id=66833]

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Graça Graúna (RN/PE)

...fragmento que sou

Três poemas para Sepé Tiajaru

da fúria no choque cultural, aqui, manifesto o meu receio O GUARANI de não conhecer mais de perto o que ainda resta do cheiro do mato da água do fogo

Sepé Tiaraju foi um guerreiro defendeu com a vida o rincão da caça, da pesca e do plantio do guarani contra a invasão Da real história poucos sabem o que se deu no século dezoito. Sepé Tiaraju morto em combate em nome da cultura do seu povo.

da terra e do ar Torno a dizer:

Junto a mil e quinhentos guaranis afirmando que “esta terra já tem dono”. na luta contra o mal ele morreu

manifesto o meu receio de não conhecer mais de perto o cheiro da minha aldeia onde ainda cunhantã aprendi a ler a terra sangrando por dentro

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Mas contam lá em São Miguel quando a noite parece mais pituma o guerreiro Sepé vira uma estrela


ALMAS PEREGRINAS

MULTIPLICANDO A SEMENTE

Entre as histórias mais belas do Rio Grande do Sul é impossível esquecer a canção de amor e morte de Pulquéria e Tiaraju.

Foi Sepé Tiaraju que pela vida ensinou multiplicou a semente

Na antiga São Miguel com a lua por testemunha em meio a flores silvestres onde pousam tantos pássaros se encontram os amantes. É um amor tão bonito que Ñanderu nos faz ver o que há de mais sagrado na história de Pulquéria e o seu amor por Sepé.

da resistência indígena afirmando sem receios que “Essa terra tem dono” pois desde que o vento é vento desde que o céu é céu desde que o mar é mar “Essa terra tem dono” como quer o Grande Espírito Ñanderu, o Criador.

Foi na Guerra das Missões que o amado parente enfrentou as duras penas e as lágrimas de Pulquéria deram luz a uma nascente Diz a lenda que Pulquéria no rio ainda se banha enquanto o guerreiro amado segue o Cruzeiro do Sul quando a noite é mais pituma.

[nasceu em São José do Campestre-RN, vive em Garanhuns-PE, se define como filha do povo guerreiro Potiguara (RN) e faz parte do grupo Escritores Indígenas; mais em: http://ggrauna.blogspot.com; ggrauna@yahoo. com.br]

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Mary Pitaguary (CE)

OS DONOS DA TERRA Quem disse que não há índios no Ceará Nunca ouviu falar em Tupinambá, Desconhece os Jenipapo-Kanindé, Nem desconfia que existe Tremembé. Na verdade tem índio em todo canto por aqui Em Pacatuba e Maracanaú tem Pitaguary E espalhados no Ceará ainda tem Tapeba, Paiaku, Kalabaça e Potiguara Kanindé, Kariri e Tabajara. Esses são os povos indígenas do Ceará Que estão de cabeça erguida a lutar Se organizando, crescendo e reivindicando Uns aos outros ajudando Os índios já aprenderam a lição Após ler a Constituição Ficaram sabendo que têm direito à sua terra demarcada Educação digna e diferenciada, Que têm direito a saúde de qualidade é questão de dignidade Mas o povo Pitaguary Por não falar o tupi É bastante discriminado Só aceitam índio nu, como no passado A situação se repete em toda área nacional, Em um dia especial O índio é lembrado em todo local É dezenove de abril O índio é lembrado em todo o Brasil Nesse dia se ensina que índio é feliz Que tem a vida que quis

Vive comendo tudo que é raiz Com a maracá a balançar Todos os toré vão dançar Dizem que índio que é animal E esquecem de dizer que é racional O não-índio é engraçado Não quis ver índio despido E hoje que está vestido, quer vê-lo pelado O índio como o branco também evoluiu, Vestiu roupas e, em vez de oca, casa construiu Não deixou sua cultura morrer Isso nem precisava dizer Quando adoece vai à mata à procura De planta que traz a cura Confiar em planta medicinal é herança cultural. E como se assustaria Cabral Se soubesse que índio ainda existe Sofreu e sofre, mas de ser o que é não desiste E como Cabral ficaria irritado Se soubesse que todo o país já era ocupado Que antes de sua chegada O Brasil já era uma nação habitada Dos donos a terra foi roubada Tendo sua riqueza explorada O índio foi obrigado a trabalhar Para o rei de Portugal enricar Como se não bastasse a invasão O índio conheceu a escravidão E por culpa do Europeu O índio foi quem sofreu.

[Marilene Lopes da Silva ou Mary Pitaguary, é índia Pitaguary, professora no Ceará; retirado do livro Ceará terra da luz, terra dos índios, disponível em: http:// revolucaoamor.blogspot.com.br/2012/03/os-donos-daterra.html]

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Carlos Tiago (AM)

TODAS AS VOZES

As águas do tempo Circulam em minhas veias Memórias de um tempo de luta De um tempo de sonhos Tempo de esperanças... De tiros ecoando nas lembranças De meus velhos ancestrais. Cabanas pegando fogo Coração pulsando forte... Era o grito da justiça Ecoando pela floresta Se misturando ao murmúrio das águas revoltas Ecoando pelo tempo Pelos sonhos de igualdade. É minha pele de homem É minha cultura de índio É minha cor de negro É meu sangue cabano Que ainda escorre pela vala do tempo E ensina a lutar por justiça A igualdade de todas as bandeiras De todas as vozes Da nação brasileira.

[de origem Satarê-Mawé, vive em Barreirinhas, no Amazonas; mais em: http://caravanacabana.blogspot. com.br/2010/05/poesia-cabana.html]

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Juayran

A VIDA EM FORMA DE POEMA Postado em 28 julho 2010.

Deus! Ó Deus, onde estais que não mi ver que não mi esculta, não mi responde; será que mi largaste aqui neste mundo injusto, onde tem gente mal mi despreza, e que não compreende, hó Deus sou índio será que por que sou índio sou diferente de todos, sou índio guerreiro abandonado, se choro, se mi desespero… sou louco, louco por só quero um ver o mundo melhor se isso e loucura sim sou louco. Foi vontade deus, que eu viva nesta ansiedade… ansiedade essa que esta acabando comigo, só o que mi consola e uma coisa que tudo passa por mais demorado que seja tudo passa, o que mais mi espanta e está em um mundo que são pouca pessoa que si em porta com o mundo que vivemos, defendo minha mata pois acabando com ela e mesmo a única coisa que eu posso fala é: Amor e fogo que arde sem ver; E ferida que doer ser saber onde; E um contentamento descontente; Esse poema que eu fiz e para mostra um outro lado da vida mostra outra visão onde só eu posso ver e quei se preocupa com o meio ambiente que agora passando pra todos agora ver de uma forma essa que eu mi esprecei em forma de poema.

[Juayran, gmail: juayran.kxc@gmail.com, blog: juayran. blospot.com. mais em http://www.indiosonline.net/avida-em-forma-de-poema/]

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Laisa Kaingang

NA TERRA DO ÍNDIO Postado em 22 fevereiro 2010. Poema dedicado ao parente kaingang.

Muita luta desse povo, que à sociedade deu o seu, na esperança do retorno, o guerreiro não se corrompeu. Aos mais velhos pediu a benção, e pra cidade ele seguiu, buscando armas de esperança, e a formação que ele viu, na aldeia tem festa grande, seu filho ao seio voltou, sabendo de sua importância o sangue kaingang gritou. Hoje todos na aldeia sorriem, o kaingang vencedor, mesmo na humildade, doutor ele se formou, Viva o povo kaingang, que agora pode gritar, não pensem que índio não pode, com outras armas lutar… Homenagem a Marcos Kaingang, 1º nutricionista kaingang do Brasil.

[Laisa Kaingang, e-mail: eresales@hotmail.com http://www.indiosonline.net/na-terra-do-indio/]

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O HOMEM CORDIAL de Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Hollanda, em guarani

...Jame’etaarapype homem cordial. Hekokorýva, imbohupase rekova, ipojerava, hekomarangatúva ha’angava pytagua ñanembohupajave ñande’ýva añete ojoguava brasilerope, oîgueteri ha heñoiva ohovo ñaneypykue rekovejeiko, jahechavape okaragua terá ñemoñare. Katuete japuta ñaimo’â ramo imarangatuha heiseva “teko porá”, tekovereko. Je’e añete ñahenduva, temiandueta ñanemyanyheva. Pe tekovereko jatopa opa mba’e japokapy há’e ikatu ñeñami mohenda tembiapoukapy.

in: Homem Cordial Felipe Prando, pp. 20-2, Trânsito à margem do lago: caderno de viagem = Jehasá ypá rembe’y rupi: kuatia guataha = Tránsito al margen del lago: cuaderno de viaje. Claudia Washington e Lúcio de Araújo, Curitiba, PR, Edição dos autores, 2010.

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Josely Vianna Bapti a (PR)

MORADAS NÔMADES

AO RÉS DA RELVA

carunchos e cupins roem, vorazes, a choupana de ripas

cores acordam amarelas

pendem do esteio ramos de trigo, feito amuleto para celeiros cheios; tachos esfarelam crostas de grãos moídos e redes balançam seus esgarços, perto do chão onde uma nódoa preta mostra o antigo fogo

quem sabe sejam só (garapuvu guaperubu) flores dispersas, flores (guapivuçu guaperuvu) rente ao limo do açude ou um viés de sol

tudo abandono, e, no entanto, lá fora o pomar semeado para os que agora cruzam (trouxas vazias), um por um, os onze mil guapuruvus

réstia do alvorecer a rebelar-se (a sós) guapuruvus pétalas

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GUIRÁ ÑANDU Para Teodoro (sob a Constelação da Ema, cujas penas são desenhadas por claro-escuros da Via Láctea)

pode que a noite hoje se furte a amanhecer a terra desmorone nos bordos do poente e outra vez o sol como antes não desponte em busca de outro sol pode alguém se perder abandonando o humano para encontrar seu deus - o mesmo que ao nascer deu-lhe um nome secreto de sua divindade perfeito e repleto pode que na viagem no trajeto disperso um homem adivinhe a vereda possível sem fim, de sol a sol

até que a fome e a febre o êxtase à flor da pele a intempérie, a prece a dança em excesso transportem o corpo adverso e o espírito pulse e respire e confronte o mar que o separa da terra indestrutível quem sabe o paraíso que descrevem os antigos não esteja além do vasto nevoeiro e sargaço mas no árduo percurso vencido passo a passo sem bússola ou mapa do céu em pergaminho talvez além do zênite que ofusca o caminho deixando um invisível roteiro para os olhos que enfrentam o escuro entre os dois crepúsculos

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ROÇA BARROCA

As almas são visíveis em forma de sombras. Da religião Guarani, via Schaden

viu o primeiro sol depois do inverno desembrulhar, folho por folho, os rebentos em cada greta e grumo do terreno foi descobrindo grelos e vergônteas, ocelos verdes e outros arremedos no alfobre farto de bolor e mofo, sobre os sulcos cheios de refolhos — em cada covo um eco de silêncio, a própria sombra um paroxismo de roxos

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PABLO VERA

CORTEJO NOTURNO

Os selvagens crêem numa cousa que cresce como uma abóbora. Hans Staden. Duas viagens ao Brasil

trouxe na lua crescente uma canastra de peixes (as guelras membranas baças de romãs despedaçadas)

homens em roda esfumaçam um maracá em forma de rosto com folhas de tabaco em fogo, enquanto o velho (nas cãs a coifa de algodão e fibras de caraguatá, perfurada por retrizes topázio de japu, penas sanguíneas de peito de pavó e o rajado da gorja de um tucano -de-bico-preto, alaranjado)

nos lampejos da minguante um puçá de caranguejos: tanino do mangue-bravo fez o azul das carapaças das fasquias de taquara fisgou argolas de palha; as plumas de maguari transbordando das cabaças no cesto da lua nova frutos roxos de figueira, gavelas, paveias, feixes para o leito sobre a areia

com máscara de fumo e voz de criança (um deus fala por ele), rememora um futuro de júbilos e sustos

[nasceu em Curitiba-PR; poemas do livro Roça Barroca; mais em: http://www.facebook.com/josely.vianna]

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Waldo Motta (ES)

INVOCAÇÃO DE TUPÃ Nosso Pai Tupã: Deus do sol, do fogo, do trovão, do raio, da chuva, da tempestade, da justiça, do amor. Pai dos seres viventes, nas montanhas do poente fizeste tua morada, e reinas sobre as correntes. Em meio aos tantos cumes que abundam no ocidente, ó Senhor de tantos nomes, onde te encontraremos? Gorak, Rudá, Sumé, não desprezeis nossa fé. Onipotente Tupã, socorrei vosso xamã. Yanderu, eu vos suplico, cessai o nosso suplício; por favor, dizei-nos logo, dizei-nos, ó grande Pai, onde se encontra, afinal, essa terra que anelamos, a nossa sonhada terra, a nossa Terra sem mal?

Espírito dos báratros e píncaros; essência dos quintos e vales; hálito do abismo, sopro celestino, vento, aflato, brisa, alento, orvalho alquímico; ente sublime, alma universal, dignai-vos, pois, vós que sois o mesmo e único Deus, amoroso Pai, Supremo Senhor, seja de onde for, vinde, por favor. Racimo de luz, sumo amo, almonume, assomai aos cimos, florescei nos cumes. Vós que sois licor, vinho, maná, mel do seio da Terra, do imo do Céu, vinde ao cume dos montes, vinde, Senhor dos montes. Saciai a nossa fome, saciai a nossa sede, saciai nosso desejo.

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ASSIM DISSE O TROVÃO Meu querido Kwaí, meu adorável xodó: não há por que escalar o alto do Kaparaó e nem por que burungar os quintos do cafundó. Não adianta insistir nessa andança lelé do Oiapoque ao Chuí. Não adianta buscar qualquer paraíso ou céu longe ou fora de vós. Com todo o vosso afã e com toda a vossa fé, jamais achareis Tupã, Gorak, Rudá ou Sumé. Povos e nações das selvas, meus filhos, xakyabá, xavante, kamayurá, kaygang, kayapó, pataxó, tupiniquim... Será que não tem mais fim essa andança boçal, essa procura insana, essa busca literal, aqui, ali, acolá, de vossa sonhada terra, de vossa Terra Sem Mal?

Eis o que vos diz Rudá: meu querido Kwaí, chega de andar atrás do que está atrás de ti. E assim fala Tupã, sendo esta a resposta: as montanhas do poente acham-se em tuas costas. Buscais a Terra Sem Mal, quereis a Terra Sem Mal, a terra dos ancestrais, de vossos pais e avós, o reino celestial da alegria e da paz? Buscai-o dentro de vós. Ó meu caro Kwaí, solitária é a jornada, e não há aonde ir. A Terra Sem Mal que buscas, o paraíso que sonhas sempre esteve em ti mesmo, está em tuas entranhas. O lugar que tanto almejas e buscas com tanto afã encontra-se no poente: a montanha semovente é a pátria de Tupã, e toda procura, além desse território, é vã.

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Eis que te revelo agora o sacrossanto lugar onde vivem vossos mortos, vossos pais, vossos avós, todos vossos ancestrais e também os próprios deuses. É exatamente ali no cume do ybyty que produz o tepoty, no buraco do tumby. Em riba do apuã, na lapa do tepitã, eis o nosso santuário, eis a tenda do pajé, eis o templo do xamã. Que imaginação cotó! Tende de vós mesmos dó, poupai o vosso gogó, não gasteis os mocotós. Eis aqui a tão sonhada terra do balacobaco, terra do borogodó. YKÓ KUPEPY AKU YPY YBAKE OÇÓ.

Este é o endereço do meu eterno mocó: a cacimba do bozó, o oco do oritimbó, a loca do fiofó, a grutinha do popó, o orifício do ó. E de uma vez por todas deixai de ser tão bocós. Chega desse quiproquó! Chovam graças em toró sobre quem ame o loló. Atentai às estações, ao dia e hora próprios, à lua da oração e ao tempo dos amores. Refrescando vossos ossos e refrigerando a carne com pomadas e ungüentos, óleos santos e massagens, e alegrando as entranhas com danças e cantorias, e zelos de amor leal, transmutareis a maldade, chegareis à divindade, em vós mesmos achareis a própria Terra Sem Mal.

[nasceu em São Mateus-ES e vive em Vitória-ES; mais em: http://waldomotta.blogspot.com.br/]

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Ricardo Corona (PR)

RIXI DE OMAM Aos poetas yanomami Koromani Waica, Mamokè Rorowè e Kreptip Wakatautheri.

começo do mundo as mãos do xamã seguram as pontas do céu três fogos curare acesos na cabeça visão

a racha da terra os olhos de oman à sombra da sombra o rito do rixi do início do mundo do primeiro yanomami

[Rixi de Oman – Adaptação livre de um mito yanomami. Rixi é o nome da divindade que acompanha cada yanomami, como se fosse o seu duplo. O Rixi é hereditário e invisível. Quando um yanomami morre é porque alguém matou o Rixi dele. Omam é a divindade criadora de todos os yanomami. A água para os pigmeus Baka é presença em quase todos os rituais.]

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RAIZ CAMINHANTE ... ¶ o sonho épico do menino yvaparé é rastafári ¶ o sonho épico do menino yvaparé é roms ¶ o sonho épico do menino yvaparé é comanche ¶ é kaigang ¶ o sonho épico do menino yvaparé é melasiano ¶ é suruí ¶ o sonho épico do menino yvaparé é guineano ¶ é yamanes ¶ o sonho épico do menino yvaparé não é atávico ¶ é pigmeu ¶ o sonho épico do menino yvaparé é compósito ¶ o sonho épico do menino yvaparé não é raiz ¶ o sonho épico do menino yvaparé é sonhado sob um céu guarani ¶ o sonho épico do menino yvaparé é trama raiz trançando raízes ¶ é R A I Z - C A M I N H A N T E ¶ é chiapas ¶ é crioulo-quebec ¶ é a trama cigana ¶ é o caos-belo caribenho ¶ o sonho épico do menino yvaparé nem épico é ¶ é épico que se decompõe aos livros de errância ¶ sem miolo ou borda limite ¶ o sonho épico do menino yvaparé papel antes da pilha ¶ é floresta para os grandes livros fundadores das humanidades atávicas ¶ o sonho épico do menino yvaparé nem livro é ¶ é fala sono-insônia multilíngüe de dentro de sua língua ¶ o sonho épico do menino yvaparé um poema dilacerado ¶ ...

[O poema Curare expandiu-se livremente da fala que Nhangoray teria dito ao espelho. Esta fala imaginária é lugar desejado - ou, sítio delicioso - para o poema que se recusa a fechar-se. Assim, nos conceitos consagrados da linguagem hospedeira, importa o sacramento de uma oralidade à medida que está em jogo o testemunho, o rito oral do outro. E isto só me é possível por meio de um juramento. O meu rito oral (afetivo) é, então, dizer em público este poema apenas com o Carretel Curare, etnoperformance de preceitos voltados para o juramento, no sentido posto por Benveniste: “uma modalidade particular de asserção, que apoia, garante, demonstra, mas não fundamenta nada. Individual ou coletivo, o juramento só existe em virtude daquilo que reforça e torna solene: pacto, empenho, declaração. Ele prepara ou conclui um ato de palavra que só possui um conteúdo significante, mas por si mesmo não enuncia nada. Na verdade é um rito oral, frequentemente completado por um rito manual, cuja forma é variável. E a sua função não reside na afirmação que produz, mas na relação que institui entre a palavra pronunciada e a potência invocada”. Por isso, mesmo com cautela, sugiro ao leitor, toda vez que fizer o poema repercutir com a voz, se assim o desejar, coloque-o em estado de rito oral.]

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Etnoperformance Carretel curare Imagens Eliana Borges


O DANÇARINO RUBRO

BAKA

o dançarino rubro exibe chifres azuis chama

palma da mão baka alma baka na mão

para o círculo o xamã acende o grande olho da tribo

palma da mão baka bate n’água rebate n’alma almabaka na mão bate n’água rebate n’alma palma da mão baka alma baka na mão

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TUPI TU ÉS todatribotavaqui ondéquetão atribotodatavaqui ondéquetão cadê o fogo ondéquetá cadê o fogo ondéquetá tupi tu és tupi nambá todatribotavaqui ondéquetão atribotodatavaqui ondéquetão ondéquetá o meu tambor ondéquetá ondéquetá o meu tambor ondéquetá tupã tu és tupi nambá ondéquetão ondéquetá ondéquetão ondéquetá

[nasceu e vive em Curitiba-PR; poemas/livros em que foram publicados:“O dançarino rubro” in: Cinemaginário, 1999; “Tupi tu és” in: Corpo sutil, 2005;“Baka” in: Sonorizador, 2007; “Raiz caminhante” in: Curare, 2011 - todos publicados pela editora Iluminuras; mais em: http://blogdocorona.blogspot.com/]

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Jairo Pereira (RS/PR)

ESPIRITH OPEIA [...]

[...]

:espirithado: uma terra em outra terra umas árvores sobre florestas extintas um rio sobre outro rio um leito extenso não pasmo de se pasmar não ansio de se ansiar não almejo de almejar me instigam os espectros na noite instável úrbicos os sinos no interior das pedras lêmeas as hastes desfolhadas grísias as falanges de certos galhos sobrevividos :espirithado: me enleio no próprio enliado cordões suspensos nós atados cipós enosados :espirithado: me saltam lesmas pelos olhos ideogramas pelo nariz onde vou um desenho minha silhueta núdea onde estou uma flâmula meu tônus obscuro ante linhas lâminas retículas filamentos me esthorvo complemento esgueiro apareço

os deuses morrem no shopping center os deuses de longas asas azuis morrem na escada rolante não se encontra um níquel sequer sob suas longuíssimas asas azuis os deuses morrem com seus penachos multicoloridos arcos e flexas colares e bordunas os deuses excluídos Iknauás Trupijés Cariris morrem como moscas no supermercado não há em suas míseras vestes ou nos corpos seminus dinheiro algum os deuses morrem ou matam o ainda não morto matado suas vidas a tezespelho dourada verde azul vermelha negra de rios e matas flores frutos e céus esplendoríndeos os deuses morrem de boca seca com amazônias de águas no pensamento um mundo de verdes conjugados nos olhos os deuses nathivos pensam o viver e o morrer e rolam miçangas pela escada rolante do shopping center os deuses nathivos concentram amazônias no fundo do peito cantos de pássaros desistidos de asar & ímpetos de renascimento

[...]

[...]

[nasceu em Passo Fundo-RS e vive em Quedas do Iguaçu-PR; mais em: http://jairopereira.blogspot.com.br/]

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Marco Aurélio Cremasco (PR/SP)

A TERRA SEM MAL

CARTA AO JURUÁ

Kirito, xe Kirito!

Trocar o meu nome por um dos seus, juruá? Por que não me chama de árvore ou de chuva? Que nome dá à lua, ao sol, às nuvens e às estrelas? Dê-me o significado dos pássaros, a razão de seus cantos no silêncio da mata ou o motivo de o dia anoitecer

Desça da kuruxu e vamos pescar à beira do rio-tempo para contemplar o sorriso de Yjara Vamos conversar com uma potyporã sobre as lágrimas que refrescam as manhãs Vamos atirar pedras nas águas transparentes desse rio estranho para, nos círculos do acaso, descobrirmos Tupã Vamos contemplar o amanhecer deflorado por um tênue raio de Karaí apenas para libertá-Lo do cravos que O encravam no Cruzeiro do Sul Não precisamos trocar palavras Achegue-Se como Mba’ekuaá para tomar um lugar no canto escuro da minha alma e a ilumine com a luz de um yxonhendu que, no intervalo entre a claridade e as trevas, traz o encanto de Nhanderu Deixe-me acreditar e resgatá-Lo de uma terra de tantos males e abrigá-Lo no meu coração

O que, juruá, a sua cultura constroi quando destroi a minha? Diz que devemos compartilhar quando compartilhar é o princípio que nos rege Diz para louvarmos Deus mas ... esquece que O louvamos do nascer até o pôr-do-sol desde os nhanderemõi kuéry? Temos de pedir para o dia amanhecer e para a noite que floresça? Quer que contemplemos o futuro com os seus olhos e não com o nosso olhar? Não sabe, juruá, que no fundo do horizonte o céu esconde brilhos que desconhece? Não vê que vida brota em cada planta em cada inseto que povoa este tekohá O meu povo não é superior nem inferior a nada! É apenas um espírito antigo e livre que vaga na brisa refrescante que vem do Yvaga Sim, podem ensinar o que sabem ao o que não conhecemos mas não podem nos ensinar mentiras em lugar daquilo que sabemos ser Verdade

[nasceu em Guaraci-PR e vive em Campinas-SP]

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José Otavio Carlomagno (SP/RS)

D’esponja na beira d’água, desgruda desconexa o rude-metal. Uma faca reducente, de inox que ali não se cria, na mão do pagé Agamnbô. Faça a cerimônia. Ilude-ilude. Vagacumes. Dançando ansiando na taba bêbada. Transgênesis entre todos os índios. Sois sui generis, irmãos. Fica na oca que fica, tu que ficas, luz de vela tremelica. Na touca do índio de Ushuaia, da oca e do ardil mandatário do Guarani sedentário. Do nomadismo caingangue. O que sobrou do aguerrimento charrua? Menos do que o pio do jacu. Esmolar, rastejo de teiú. Levanta. Ânimo e coragem. Reinventa a harmonia. Não só no carnaval. Se escola de samba abumbá o cocar do índio, abumbá-abumbá nossa história. Mas nem tudo que redunda retumba.

[nasceu em São Paulo-SP e mora em Caxias do Sul-RS]

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Rogerio Skylab (RJ)

ÍNDIO INFINITO Um índio passeia pelo calçadão de Ipanema. Entoa um canto guerreiro mas o que soa mesmo é o último sucesso do Globo-de-Ouro. As ondas se desmancham e formam-se de novo. Lá vai o índio de walkman e tênis adidas. Olha deslumbrado o requebro da mulata. O intelectual diz que é genocídio cultural mas o índio não se importa e ri dos intelectuais. As ondas parecem caleidoscópio e o índio sente-se feliz por estar ali. Índio infinito: sem verdades e sem memória. Estrangeiro por vontade própria. Desencontrado de si e dos seus. Um índio tomando coca-cola.

[nasceu e vive no Rio de Janeiro-RJ; poema do livro Debaixo das rodas de um automóvel, Rocco, 2006]

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Joca Reiners Terron (MT/SP)

PLEASE BLEED Além da coca, flores letais de cinco miligramas nos territórios indígenas. Deixe-me para trás. Salve-se.

Helicópteros kaingang liberação maciça de fungos rasantes sobre megalópoles. O deslocamento forçado de pessoas para Erithrocyli City.

Em repouso no solo introduzo genes nos organismos vivos ergo terra da água e do ar – em repouso los gringos ponen las armas, Colombia pone los muertos – ah, as zonas ditas ilícitas o grau de toxidade dos metabólitos.

Fusarium oxysporum comanda: biopirataria mediante infecções sistêmicas patenteadas. Fusarium oxysporum convoca sua convenção de doenças. E aquilo que nesse momento se revelará aos povos surpreenderá a todos não por exótico, mas por tóxico.

Pragas e doenças dispersas serão meu único objetivo – catsaralho! – bioprospecção sob a égide do narcotráfico. Entrar sem autorização.

Ecossistemas protegidos e genes para torná-los mais agressivos. Toxicity, toxicidades sob o grau de virulência do germe. Trichothecenas.

Minha gama de hospedeiros: as Trichothecenas, toxinas armadas de guerra. Cinco miligramas nas flores e formas específicas: amendoins, hambúrgueres, maçãs. O meu potencial patogênico.

Cinco miligramas (apenas) uma chuva de cravos crisântemos sobre Atenas.

E virão, meus asseclas dos Andes e organismos vivos, transformar fármacos em armas – todos os índios da bacia amazônica – Macro-Gês, Krahô, Krig-Ha Bandolo! agentes patogênicos no ar de uma estrela que virá.

[nasceu em Cuiabá-MT e vive em São Paulo-SP; mais em: http://jocareinersterron.wordpress.com/]

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Marciano Lopes (RS-PR)

1.º ATO: LIÇÕES DE HISTÓRIA

2.º ATO: LUZES DA CIDADE

Lição 1: Introdução

BACANAL À BRASILEIRA (A festa do Senhor)

Nossa história começa com o índios, depois termina com eles.

Lição 2: Natureza e civilização ou Florestapera FLORESTAPERA RESTAPERA ESTAPERA TAPERA PERA ERA

Com jeitinho comemos romãs.. romanas... romenas... romeiras... rameiras... Gretchens & Feiticeiras ! Comemos... Comemos... Comemos... e também mamo$$$ !!!

Lição 3: Cidadania sempre alerta ou Pataxó pegou fogo EXTRA ! EXTRA ! PATAXÓ PEGA FOGO EM BRASÍLIA!

E por que neste país não tem terremoto nem revolução viva o carnaval !!! Viva a libidinosa abundância das tretas e das tetas das teteias brasileiras !!!!!!

Meretíssimo ! os garotos são de família e acidentes acontecem pra quem dorme no ponto. Além do mais era só um índio só...

[nasceu em Porto Alegre-RS e vive em Maringá-PR; mais em: http://marcianolopes.blogspot.com.br/]

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Enzo Potel (SC)

O índio é lindo da cor da nossa terra joga o índio no chão que a gente pisa nele.

[nasceu e vive em Itajaí-SC]

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Luiz Ruffato (MG/SP)

UM ÍNDIO Seu Aprígio é que talvez pudesse alembrar dia e mês que o índio surgiu aqui primeira vez, mas morreu ontem, carcomido por um câncer medonho na garganta, depois falam doença de cigarro, de bebida, acredito não, nunca bebeu nada, a não ser refrigerante, e fumar, então, emnem fumava suportava, Deus o tenha! De tal maneira que o que toda gente sabe é que um final de tarde o bugre apareceu no boteco, encostou a pança careca no balcão de fórmica vermelha ensebado, pediu uma cachava na língua enrolada lá dele, alguém viu graça, bancou o prejuízo, e o selvagem, noite adentro, tornando-se alegre, foi para o meio do asfalto dançar, e os sem-juízo cercaram ele numa roda batendo palmas, o bicho entusiasmou, arrancou a roupa sob aplausos do povaréu, e ficou balangando os negócios, crianças e mulheres passando, e juntou vagabundo e trabalhador, a arruaça contagiou aquele canto do bairro, uma esbórnia. Até que alguém, sempre um desmancha-prazeres, convocou a polícia. Veio a Rota, sirene esgoelando, pneus solfejando, os peemes desembarcaram distribuindo sarrafo sem piedade nem dó, e o povinho ralo, sebo nas canelas, sumiu num trovoar, os deixa-disso quisemos explicar aquilo era índio, índio mesmo, de verdade, portanto os troços de fora, mas os cassetetes nem a, miaram no lombo da negada, e o peri lá, sozinho, pelado, bêbado, débil. Agarrado, algemado, arremessado, mofou no fundo de uma cela. Depois, tempos, voltou, em-dentro duma camisa

de seda sintética estampada, surrada, calça jeans ruça, chinelos havaiana, o idêntico riso abobado. Chegou, encostou a pança careca no balcão de fórmica vermelha ensebado do boteco do seu Aprígio, ponto final da linha 6086 (Jardim VarginhaSanto Amaro), e disse, na língua enrolada lá dele, que queria comer. Seu Aprígio falou Quer comer, tem que pagar, e o índio ensolarou a cara idiota, desentendendo ou em fingimento, que dessa raça a gente não especula quando sinceridade, quando dissimulação. Seu Aprígio explicou, Vai ganhar dinheiro! Tutu! Money! Grana! Bufunfa! Ó! e roçou o indicador no polegar da mão direita, os dentes perfeitos do imbecil às escâncaras. Desistindo, espetou um pedaço de linguiça no palito, ofereceu ao importuno, que mastigou com ganância, e, apontando a travessa engordurada, solicitou mais. Aí seu Aprígio, Ah, é?, pois vai trabalhar então!, empunhando uma vassoura-de-piaçava, um rodo, um balde d’água salpicado de sabão-em-pó, uma lata de criolina, Toma, vai lavar o banheiro primeiro, e o bobo sim, Depois, o piso... Essa imundície, e o bobo sim, no entanto parado, os olhos meiopuxados bonachonamente arregalados. Seu Aprígio então franqueou a porta do mictório, a sufocante acidez do mijo, despejou o balde d’água salpicado de sabão-em-pó no chão, tomou a vassoura-depiaçava, esfregou com força, Viu?, repassou-a ao aprendiz, Vai, agora, e o bobo sim, no entanto parado. Seu Aprígio pegou na mão dele, Assim, ó, repetiu, Viu?, e o bobo, desajeitado, Isso, índio, isso!

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Agora, o rodo. Hum... bom... bom... Na sujeira do salão manejava a vassoura-de-piaçava e o rodo com galhardia, Isso, índio, isso! De cócoras, na porta do botequim, o índio devorou o pão-commortadela, lambeu os dedos, quis mais, devorou um ovo cozido colorido, três torresmos, uma coxinha, dois quibes, um rissole, uma empadinha, tudo sobra da estufa, e mais um pedaço de bolo de fubá, saco sem fundo. Vamos circular, ô Tonto, vamos circular!, e seu Aprígio tocou ele de lá, baixou a porta-de-aço, subiu para o segundo andar pela escada interna, e a escuridão irrompeu na rua, com violência. Seu Aprígio ainda espiou pela janela, viu o bugre estendido na calçada, tomando toda a largura da entrada do estabelecimento, ensimesmo um cão-de-guarda, e pensou Pelo menos, arrombar ninguém vai querer... Todo dia, ao despertar, lá estava o índio. Desenrolava a porta-deaço, e ele pegava o balde, a vassoura-de-piaçava, o rodo, a caixa de sabão-em-pó, a criolina, e lavava o banheiro, o piso do salão, os copos acumulados na pia, a calçada, a Brasília laranja do seu Aprígio. Zanzava, reconhecido por todas aquelas bandas, até no Loteamento Olinda, Loteamento AuriVerde, Jardim Alcântara II, e mesmo no Jardim Marilda: capinava quintal, pajeava criança, dava recado, carregava compra, batia laje, zoava dele a molecada. Às quartas e sábados, chafurdava na feijoada, o prato mais cobiçoso. Nos churrascos de domingo, engolindo cerveja e triturando asade-frango, apostávamos: uns, que ele era guarani

dali de Parelheiros, aldeia Crucutu; outros, que ele era é pankararu, da favela Real Parque, no Morumbi; a maioria, entretanto, que ele havia descido do Amazonas ou do Mato Grosso, de carona, e abandonado ali, de sacanagem, sabe-se lá, e a discussão tornava sempre quando esgotados futebol e mulher. De quando em quando, o bobo sumia, dias sem notícias, e também especulávamos: uns, que tinha ido visitar os parentes no meio do mato; outros, que estava é na cadeia, novamente; de verdade, nunca soubemos desses paradeiros. Até que o câncer emudeceu seu Aprígio, sugou dele as carnes, os músculos, o tutano dos ossos, nem mais radioterapia, nem quimioterapia, nada, não adianta, os médicos anunciaram, só morfina, e enquanto no hospital esteve internado, o índio, desaparecido. Ao retornar à casa para falecer, semana passada, o bugre ressurgiu. Aboletou-se à porta do botequim, dois dias sem comer, sem beber, amuado, feito ele, o doente. Ontem, quando avisado que seu Aprígio tinha passado desta, murcho e sozinho desfiou as ruas pobres do Jardim Varginha, garrafa de cachaça debaixo do sovaco. Houve quem tenha visto seus passos cambaleantes empunharem-no ao encontro da noite áspera, mas só a manhã surpreendeu o índio esticado sob a marquise de uma loja de material de construção na Avenida Santo Amaro, abraçado a um casco branco vazio, a tudo alheio, a tudo.

[nasceu em Cataguases-MG e vive em São Paulo-SP; texto do livro eles eram muitos cavalos]

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Rudinei Borges (PA/SP)

MOACIR DIAS O vô tinha jeito de índio. Cabelo de índio. Cor de pele de índio. Mas o vô não sabia o que era oca e aldeia. Acho que o vô era uma mistura de índio com português. O vô gostava de mato, dos mistérios do mato. Conhecia de longe paca, tatu, caititu, capivara. Já tinha visto onça e gato selvagem. Sabia nome de bicho que ninguém sabe, nome de árvore que ninguém sabe. O vô também gostava de carpir, preparar a terra, plantar mandioca. Gostava de ver o mandiocal crescer ao redor da casa de barro. Tempos depois o vô arrancava a raiz, deixava a mandioca virar puba e colocava a massa num forno à lenha. Era assim que o vô fazia farinha. Dava vontade de ter fome sempre.

[nasceu em Itaituba-PA e mora em São Paulo-SP; mais em: http://aruasetima.wordpress.com]

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Ademir Assunção (SP)

O RUGIDO ESQUIZO DOS MOTORES O Mendigo Kamaiurá atravessa lento a rua embaixo do Minhocão. O sinal está fechado para ele. Buzinas esgoelam, motores rosnam, vendedores de planos de saúde suam e bufam. A garganta congestionada do shopping Paradise cospe pastilhas de urina na cara de dois mil clones de William Bonner. Um ônibus atropela uma barata. Demiurgo bêbado, doente, esfarrapado e fedendo à merda, o Mendigo Kamaiurá desenha gestos insanos no ar, indiferente ao rugido dos automóveis. Lili Maconha observa a cena pela janela do Trem Fantasma. Tatua mais uma cicatriz no antebraço. Com a gilete afiada do desespero.

[nasceu em Araraquara-SP, mora em São Paulo-SP; poema de A musa chapada, São Paulo, Demônio Negro, 2008; mais em: http://zonabranca.blog.uol.com.br/]

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José Leite Netto (CE)

a puta

sons de Orfeu

o mar de sonho queima ao sol a pele-cobre da menina sexo. pueril peito cinzento à venda nas esquinas de pedra, o dobre nefasto imperdível do mundo sedento

ouviam sons ecoados do mar Iracema era bela Orfeu se apaixonara por ela em festa de lua na areia um bar

paira num mar de pó tua flor sonho pálido menina sexo, noite de Iracema. Vênus que a luxúria impera, lúdico amor cálido teu beijo, sorriso inefável, encerra-nos

pelas ondas orlam sexos avulsos sexos e guitarras a cheirarem drogas caras a entorpecerem seus convexos

hoje és senhora de solidão e graça salão de libido dançando uma suja valsa onde a vida te esculpiu calçada e praça

sexos de libidos noturnos pássaros de desejos e dor porque Orfeu se perdera na cor

rotina louca de um gozo trepada falsa tua luz vermelha, verdes mares, olhos de seda orla em Iracema teu nome de guerra leda.

dos devassos olhos mundos de Iracema Messalina a fim de comer o cu da menina.

[nasceu e vive em Fortaleza-CE; mais em: http://leiturasjoseleitenetto.blogspot.com.br/]

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Adriandos Delima (RS)

ETNOPOETA uma tribo embora até o nome pareça extinto toda terra era deles uma propriedade mas não havia esta palavra um pertencimento nela eu tinha só depois fiquei sabendo que minha casa era eu mesmo um ensinamento eu já sabia e esqueci uma cidade onde me empalharam no museu uma casa quadrada onde alguém não cabe uma poesia que procuro na sujeira dos cantos que varro já botei anúncio no jornal no mural da estação do trem nas cabines dos telefones públicos já achei muito dela ela andava por aí agonizando uma cultura sendo sufocada jogada pra baixo do tapete

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um emprego eu tive de porteiro e era fascinante uma cidade passava pela porta uns diziam boa tarde bom dia uns vinham bufando os de cara torcida uma gente da cidade contava que em uma fronteira com a Argentina ainda tinha uma gente que dava tiro nos índios bêbados da beira da estrada mas isso é um esporte chamado caça isso existe uma que era minha tribo que é nenhuma umas muitas estações e mais lua passaram desde que um último fonema da língua que falava foi dito mas meus fonemas já eram extintos

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PSICOPATOLOGIA DO GUERREIRO CATEQUIZADO Vai ver eu era Um charrua baixinho Jogava a boleadeira Em pernas de avestruz correndo Por isso me apaixonei por tuas pernas longas Vai ver eu andava pendurado No lado do cavalo Correndo atrás de tudo que era rabo de bicho com penas Por isso um dia eu te quis tanto desse jeito Vai ver Era complexo mesmo Eu não podia deixar qualquer avezinha Mais rápida que eu Andando livre e solta por aí Comecei a montar com o vento E pra minha extinção De repente eu olhava do alto de uma coxilha O vento varrendo o campo alto E teus braços e pernas que vinham Me cercando como arame-farpado

[pseudônimo de Adriano do Carmo Flores de Lima, que nasceu e vive em Canoas-RS; mais em: http://partidodoritmo.blogspot.com/]

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Sandra Santos (RS)

Timbira numa terra ave-para铆so num tempo sem cor sem liberdade nasci nasci numa terra de cor Brasil de barro cor Brasil de rio cor Brasil de morro cor Brasil de sangue cor Brasil Timbira me pintei

***

extraio da tua seiva mem贸rias de alcatira sabores de ariticum

[vive em Porto Alegre, mais em: http://www.sandrasantos.com/home.html]

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Marcio Rufino (RJ)

NEGRA LOURA Desceu em Belford Roxo De um ônibus que vinha de Vilar dos Teles Sua pele era de feijoada Mas seu cabelo era puro trigo. Sua pele era de noite Mas o seu cabelo era o horizonte de tardinha. Falsa britânica Nórdica preta Africana de cabelo pintado entre o castanho e o dourado Zulu disfarçada de branca. Entrou na padaria Pediu um refrigerante E cruzou suas grossas coxas Debaixo de um curtíssimo jeans rasgado. A rapaziada toda olhou e babou Ela toda no pensamento Imaginando estar no século retrasado E possuir aquele território à revelia Que parece ter saído de uma letra de Benjor ou Melodia.

Bebeu tudo numa só golada Pagando a conta Saiu não só levando O louro e duro cabelo entrançado Acima do sorriso amarelo Mas também o olhar de todos nós Entre aquele busto Que eram dois maduros jamelões gigantes Embaixo daquele vermelho sutiã. Sumiu entre pagodeiros e funkeiros Entre credores e devedores Entre viajantes e farofeiros Entre pequenos empresários e vendedores. Ela saiu do nada E foi com tudo para qualquer lugar Tomando seu sorvete demais Deixando em sua língua Que nos banhava em sonho O sabor daquele morno verão.

(nasceu e vive em Belford Roxo-RJ; mais em: http://www.recantodasletras.com.br/]

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Vinicius Lima (PR)

CONSTELAÇÕES

as pedras arremessadas sobre a água, rentes aos dentes da água, do oxigênio que margeia o peixe espiral translúcida que evita o afogar do peixe e sua prisão domiciliar. alguns alcançam o sol ao saltar em direção ao fogo que queima as gotas que de chuva caem inchadas sobre o sal dos oceanos. bocas de serpentes que engolem o mundo o universo e seus movimentos pulsantes. jamais o homem entenderá a intenção que há no silêncio do beija-flor ao se aproximar da flor. no desabrochar da borboleta ao romper seu casulo-fruta. na floresta úmida e seus insetos solares. enquanto de dentro da rocha brota alvorada árvore erva vertical feita de vento e luz

[nasceu e vive em Londrina-PR; poema do livro Nigredo, Editora El Borracho Livros Artesanais, 2009]

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Poeta de Meia-Tigela (CE)

INDIGESTO

PAINT IT BLACK (TWIST AND XOTE)

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Aos seis anos o negro Ray Charles (que antes de ser negro era criança) começa a ficar cego, vítima provável da rubéola. O médico branco não o trata porque não era paciente branco.

No princípio Branco falava: — Índio será que tem alma? Depois Branco perguntou: — Negro será que tem alma? Assim malperguntador, Branco anda muito desalmado. Por falar nisso — Branco será que tem alma?

Aos dezesseis James Marshall Hendrix foi pego segurando as mãos brancas de uma garota branca. Expulsas da escola, as mãos negras de Jimi, pouco depois, tocavam músicas de todas as cores. Michael Jackson, nascido negro, crescido negro, decide virar branco (azedo). Mudou pra pior, nunca mais foi o mesmo. MORAL DA HISTÓRIA: :

...

[nasceu e vive em Fortaleza-CE; mais em: http://opoetademeiatigela.blogspot.com.br/]

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Guillermo Sequera (Paraguai)& Douglas Diegues (RJ/MS/Asunción-Paraguay)

CANTOS DA KOSMOFONIA MBYA GUARANI

#9 – PARAKAU NDJE (MITÃ PURAHEI) DIZEM QUE PARAKAU (CANTO INFANTIL) 1. Parakau[papagaio falante] ndajeomanó 1. Dizem que Parakau morreu 2. Mba’erepaomanô 2. Por que será que morreu? 3. Hendy rei ojuka 3. Com um barulho brilhante o mataram 4. Che reraeta – kuruchegueró 4. Tenho muitos nomes – até de sapo já me apelidaram...

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#17 YVY POTYRA A TERRA QUE SE ABRE COMO FLOR 1. Jaapamitamãkoyvygui 1. Vamos nessa vamos partir desta terra

11. Ô’roguerojekuaahaguã 11. Todos podem ver

2. Jaajajekapapami 2. Vamos nos mandar

12. Ore famijakueramimime 12. Nossa pequena família numa boa

3. Ikatuãguaichakoyvypypotyicha 3. Para que os filhos desta terra

13. Hembiupirã’i 13. Alimentos brotam por encantamento para nossas bocas

4. Yvyrekoasypy 4. Terra de sofrimentos 5. Mbyá’iopytava 5. Os poucos Mbyá que sobrem sobre ela 6. Opytaporã’ihaguaicha. 6. Fiquem numa boa. 7. He’ivypy: 7. Eles dirão: 8. Ô’ropytaporã’i. 8. Ficamos numa boa. 9. Ô’roñevangaporã’i. 9 Estamos numa boa. 10. Ivypotyra. 10. A terra se abre como flor

14. Oipota 14. Queremos 15. Ô’rogueroñevangakoyvype 15. Encher a terra de vida 16. Ô’ropytamiva 16. Nós os poucos (Mbyá) que sobramos 17. Ore remiariro’ikuery 17. Nossos netos todos 18. Nembopyta’ikuerype 18. Os abandonados todos 19. Oipota 19. Queremos que todos vejam 20. Yvypotyraroguerojekuaa 20. Como a terra se abre como flor

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#28 ÑEMBE PUKAEI CANTO-ORAÇÃO 1. Emba’erãvo’iñanerembijerojae’o 1. Nosso canto fúnebre é por aquele que já não está mais entre nós 2. Ojeepevoityrãra’e 2. Disseram que era uma vingança 3. Emba’erãvo’iñanepyhamorupa rupa 3. Nosso canto fúnebre é por aquele que já não está mais entre nós 4. Ojeechamboguejyaguaje 4. Para que possamos ver desaparecer 5. Peasyrañerañeivara 5. Esses males que nos sufocam 6. Ererahapahe’icheru’i 6. Podem levá-lo disse meu pai 7. Peruramojepe 7. mesmo que voltasse para nós 8. mba’erekatu 8. por que é que 9. orendoroechairamôjepe, 9. nós não podemos ver 10. He’ichenga’umba’era’arô 10. se eu pudesse ter pressentido

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11. Nemba’e, mba’enga’u 11. se você talvez tivesse previsto 12. Upe tataypy rupa, rupa 12. ao redor dos fogões (das aldeias) 13. Há’ndapehupitypaivamba’erepa 13. mas vocês não podem ver o invisível porque 14. To’a’i pende japychakahaguã’iva’e 14. ninguém mais dá importância para estas coisas 15. Pende rataypykupe, kupe 15. Pelas periferias da aldeia 16. Emba’e, mba’epaha 16. Era para ele este final 17. Hera’iporamiro 17. mesmo que tivesse um nome bom 18. Ponombe’u’iva’erã 18. Vou pedir por todos 19. Emba’erã’ivoi 19. Era para ele e ponto final 20. Aipo repytamba’erãvoi 20. Se tivesse ficado talvez


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21. Hetaiteanga’irojoguerojekuaa’ive 21 Nos tivéssemos conhecido mais e melhor 22. Peva há’echeru’ikueryhá’e 22. É isso, meus pais todos 23. Che sy’ikueryhá’e 23. É isso, minhas mães todas 24. Emba’erã’ivoihá’e 24. Era pra ele e ponto final 25. Pekatuangayvyporã’i 25. Essa condição humana. 26. Ndemba’erã i aipo 26. Talvez fosse seu destino 27. Opyrû Papa yvy,........ ..................................... 27. Por isso agora morra na terra do Pai....... ................................................................

[Guillermo Sequera nasceu e vive em Assunción, Paraguai; Douglas Diegues nasceu no Rio de JaneiroRJ e vive entre Ponta Porã e Campo Grande-MS e Assunción, no Paraguai; as gravações dos cantos Mbya Guarani foram feitas e transcritas por Guillermo Sequera, organizadas e traduzidas por Douglas Diegues e reunidas no livro com CD KosmofoniaMbya Guarani, publicado em 2006 em São Paulo por Mendonça &Provazi Editores no selo o morto q fabla, de onde para estas páginas foram transcritos; mais em: wwwportunholselvagem.blogspot.com]

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MinistĂŠrio da Cultura

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