Timbila

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R EPÚ BLICA DE

M O ÇAM B I QU E

República de Moçambique Ministério da Cultura ARPAC-Instituto de Investigação Sócio-Cultural

Timbila Património Oral e Imaterial da Humanidade


Ficha Técnica: Título: Timbila: Património Oral e Imaterial da Humanidade Autor: Hermínia Manuense Direcção: Fernando Dava Colaboração: Fernando Dava, Roberto Dove, Célio Tiane, Angélica João e Agnelo Navaia Designer: Cândido Nhaquila Edição: ARPAC - Instituto de Investigação Sócio-Cultural Impressão: Académica Tiragem: 1000 Exemplares Número de Registo: 8082/RLINLD/2014 Colecção Embondeiro, 31

Maio, 2014


Timbila: Património Oral e Imaterial da Humanidade

INDICE Nota introdutória....................................................................... 4 1. Zavala como Berço da Cultura Copi..................................... 7 2. As Dimensões Multifacetadas da Timbila............................ 10 2.1. A Dimensão Instrumental da Timbila............................ 10 2.1.1. A Matéria-Prima Usada no Fabrico da M’bila.......... 11 2.1.2. As Técnicas de Fabrico da M’bila............................. 17 2.1.3. O Ngodo................................................................... 26 2.2. A Timbila como Manifestação Cultural......................... 31 2.2.1. A Dimensão Musical................................................. 31 2.2.2. A Dimensão de Dança.............................................. 35 2.2.3.O M’saho................................................................... 41 2.2.3.1. O M’saho como Género Artístico........................... 43 2.2.3.2. O M’saho como Festival........................................ 46 3. A Preservação da Timbila: Ameaças e Dasafios................. 47 3.1. Ameaças .................................................................... 47 3.2. Desafios...................................................................... 50 Bibliografia............................................................................. 52 ANEXOS................................................................................ 53


Timbila: Património Oral e Imaterial da Humanidade

Nota introdutória No seguimento dos esforços empreendidos pelo Governo de Moçambique, a Timbila, manifestação cultural copi, a 25 de Novembro de 2005, foi proclamada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), Obra-Prima do Património Oral e Intangível da Humanidade. Este importante feito, ocorrido numa altura em que a globalização torna cada vez mais difícil a sobrevivência da cultura em muitos povos, em toda a sua riqueza e peculiaridade, constitui um sinal incontestável de reconhecimento, mérito e virtuosidade dos moçambicanos. Com efeito, este acontecimento elevou ao mais alto nível, uma das expressões da arte e da cultura do povo moçambicano, tradição popular que remonta há séculos de existência e que resistiu à descaracterização e ao desaparecimento. A proclamação da Timbila como obra-prima trouxe, naturalmente, uma responsabilidade acrescida para o Governo de Moçambique, para os agentes económicos e para as comunidades, de um modo geral. Este feito nobre exige de todos um maior cometimento na preservação, valorização e divulgação da Timbila, uma das mais conhecidas expressões culturais no mundo inteiro. O presente trabalho traduz, portanto, os esforços do Governo, através do ARPAC – Instituto de Investigação Sócio-Cultural, de divulgar a Timbila, de trazer ao público, alguns elementos de informação sobre o movimento cultural desencadeado à sua 4


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volta, algumas das principais mudanças ocorridas ao longo do tempo e os mais recentes esforços realizados para sua preservação, como Obra Prima do Património Oral e Imaterial da Humanidade. Refira-se que, em cumprimento da padronização das línguas moçambicanas, iremos usar a palavra “copi” no lugar de “chope”, com a qual, eventualmente, alguns leitores estejam familiarizados. No mesmo âmbito, no lugar de kutxopa, iremos utilizar a designação kucopa. De acordo com esta padronização, a letra “C” tem o valor fonético de txe.

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1. Zavala como Berço da Cultura Copi Zavala é o nome de um distrito situado na Província de Inhambane, Sul de Moçambique, onde historicamente se concentrou a maior parte das orquestras de Timbila, tornandose, assim, centro desta prática. Este local atrai as atenções de estudiosos e amantes desta expressão cultural copi, tão largamente difundida dentro e fora do país. Os outros distritos onde, igualmente, se pratica a Timbila, são todos aqueles em que os copi se estabeleceram, concretamente, nas províncias de Inhambane, Gaza e Cidade de Maputo. A origem do nome Zavala está relacionada com a génese do povoamento da região homónima. Segundo um estudo sobre a tradição oral1, o nome Zavala foi atribuído pelos Nyadombwe a Maphilo, o mais novo dos três irmãos oriundos das terras dos Basuto2, quando este se estabeleceu em Xizavazava, local desértico localizado na região de Matimele. Um outro depoimento, com algumas diferenças, foi dado por Xadreque Magudo Zavale3, então residente na Localidade de Quissico. De acordo com este informante, o termo Xizavazavene significa “lugar em que não nasce capim”, eventualmente, em alusão às características semi-áridas de algumas regiões locais4. Refira-se que Xizavazavene era terra pertença dos Nyadombwe, a qual haviam cedido ao mais novo dos filhos de Thovele, 1

Matos, Maria Leonor Correia. Origens do Povo chope segundo a tradição Oral, p. 62. Lourenço Marques, 1973. 2

Entenda-se pessoas provenientes do Lesotho.

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Entrevista a Xadreque Magudo Zavale. Canetane, Quissico, 1982 (Direcção Distrital de Educação e Cultura). 4

Esta informação requer ainda, um estudo mais aprofundado.

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oriundo do Ussuthu (Basuto), actual Lesotho, aquando da sua chegada a Matimele. Este filho, cujo nome não foi revelado, passou a residir em Xizavazavene. Com o decorrer do tempo e no contacto com os colonos portugueses, o termo Xizavazavene sofreu uma corruptela, passando a designar-se Zavala5. A veracidade destas informações pode ser aferida a partir de algumas tradições culturais locais. Com efeito, por ocasião de momentos festivos diversos, junto de algumas famílias de Zavala, podem-se ouvir poemas laudatórios, tais como: - “Vathu Zavale, Mudjadje Thovele”.6 Esta expressão significa “gente de Zavale” e remete-nos, ainda, para Mudjadje Thovela, como progenitor de um dos fundadores de Zavala. A origem dos copi já foi tratada por vários estudiosos, tais como Tracey (1949), Junod (1996), Munguambe (2002) e Jopela (2006). Os copi são parte da alargada família de povos de origem bantu que vieram estabelecer-se no Sul do continente africano, oriundos da região dos Grandes Lagos. Os copi, especificamente, constituem um agregado de povos de diferentes procedências, porém, tendo como núcleo central o Zimbabwe. Teria sido a partir desta zona que migraram para o Sul de Moçambique, por volta do século XV, tendo se fixado na região de Zavala. Este acontecimento remete-nos à análise do processo migratório ocorrido em consequência da desagregação do Grande Zimbabwe (c.1250-1450) e formação do Império de Monomotapa (séc. XV-XIX). 5

Xadreque Magudo Zavale, entrevista citada.

6

Idem.

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Até à chegada dos nguni, no século XIX, os copi eram conhecidos por Mucarangas. Falantes do cicopi, uma língua que possui variantes dialectais, os copi povoam actualmente os distritos de Zavala, considerado o coração do mundo copi, Inharrime, Homoíne e Panda, na província de Inhambane, e o distrito de Mandlakazi, no norte da província de Gaza. A palavra copi deriva do verbo kucopa, que significa arremessar uma flecha com um arco. Os copi são assim chamados em virtude do uso, no passado, do arco e da flecha como instrumentos de caça e de defesa7. Eles se distinguiram como povo, defendendo grande parte do seu território das invasões nguni, um grande movimento de conquistas que abalou toda a região Sul e partes do Centro e Norte de Moçambique, em finais do século XIX, provocando importantes alterações na vida política, económica, social e cultural. Do ponto de vista da organização social, os copi são patrilineares, como são todos os grupos etnolinguísticos localizados a Sul do rio Save. Para além da língua, do arco e da flecha, das tatuagens e dos ritos de iniciação (hoje quase inexistentes), o outro elemento que entra na caracterização dos copi, como grupo, é, sem dúvida, a música. Os copi destacam-se pela arte de tocar a Timbila, a mais alta manifestação da música, da dança e da poesia, praticada desde um passado imemorial. É de sublinhar que os primeiros registos sonoros e fotográficos só começaram a ser feitos a partir da década de 1940. No entanto, o mais antigo registo escrito a que tivemos acesso é da autoria do missionário jesuíta André Fernandes8, datado do século XVI. 7

Liesegang, Gerhard. Ngungunyne. Colecção Embondeiro, 8. ARPAC, Maputo, 1996.

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Citado por Tracey, Hugh. A Música chope: Gentes Afortunadas, Tradução de M. H. Barradas, separata de: Moçambique – Documentário Trimestral, Lourenço Marques, Imprensa Nacional de Moçambique, nº 46 a 55 (1949).

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2. As Dimensões Multifacetadas da Timbila Na língua copi, Timbila é o plural de mbila, expressão que designa um instrumento musical de tipo xilofone9. O termo Timbila aplica-se, portanto, ao conjunto formado pelos vários exemplares de mbila. Estes instrumentos, num passado recente, em número de cinco, possuíam tamanhos e funções diferentes, compondo uma ngodo (pl. migodo), orquestra10 de xilofones. Diferente de outros xilofones, a mbila foi concebida para ser tocada em conjunto e não a solo11. No passado, essas orquestras chegaram a agregar 40 unidades, numa exibição que “atingiu um nível de execução, uma disciplina de conjunto e, por vezes, um virtuosismo extraordinários”12. É de destacar que a Timbila compreende duas importantes dimensões: a de instrumento musical e a de manifestação cultural. Apesar de reconhecermos a ligação intrínseca entre estas duas dimensões, por razões meramente metodológicas, procuraremos caracterizá-las separadamente.

2.1. A Dimensão Instrumental da Timbila A dimensão instrumental é a característica mais conhecida da Timbila. Este aspecto prende-se com 1) a matéria-prima utilizada, dada a sua especificidade e escassez; 2) as técnicas de fabrico dos instrumentos, consideradas bastante complexas e apuradas e; 3) a constituição do ngodo. 9

É um instrumento de percussão constituído, necessariamente, por lâminas, de natureza diversa e uma caixa de ressonância, cujo som é produzido a partir do batimento por baquetas. 10 11

Refere-se a um agrupamento instrumental.

Entenda-se sozinho.

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Rocha, Ilídio. A Arte Maravilhosa do Povo Chope. Lourenco Marques, 1962, p.15.

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2.1.1. A Matéria-Prima Usada no Fabrico da M’bila Hugh Tracey foi, indubitavelmente, dos autores que mais exaustivamente se dedicou ao estudo da Timbila, trazendo numerosa informação sobre este instrumento e o povo copi. A concordar com este autor, existe uma variedade de xilofones no continente africano, mas aquele que mais se destaca pela sua qualidade e perfeição, é o xilofone copi13. Ilídio Rocha, outro autor que se interessou pela Timbila, corrobora com Tracey, realçando que “é em Moçambique, entre os copi, que os xilofones atingiram uma maior sofisticação e se tornaram no exemplo mais elevado de todos os instrumentos musicais africanos, quer pela qualidade do som que produzem, quer pela sua variedade no número de notas e extensão, quer ainda, pela sua complexa organização em orquestras”.14 13

Tracey, Hugh. A Música Chope: Gentes Afortunadas, op. cit.

14

Rocha, Ilídio. A Morte dos Ngodo Chopes, uma dramática forma e resistência cultural, p. 33, 34.

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Embora existam características comuns nos xilofones, de um modo geral, a m’bila copi possui a sua particularidade, seja pelos materiais usados, como pela técnica aplicada no seu fabrico. A m’bila é constituída por um número variável de teclas, caixas de ressonância e uma estrutura de suporte, localmente designadas por makhokhoma, mathamba/sibembe e mugwama. Makhokhoma são lâminas ou teclas talhadas a partir da madeira mwenje, para produzir diferentes sons (notas musicais). Mathamba, também designadas massala (língua Ci-Shangana) e sibembe (cabaças), são frutos empregues no fabrico das caixas de ressonância. Por sua vez, mugwama, ditaho ou murwalo são nomes atribuídos à estrutura de suporte de madeira, geralmente feita de mukusu (mafurreira)15 ou de ndani16. Nesta estrutura encontram-se fixadas as caixas de ressonância. Um dos problemas que afectam hoje a prática da Timbila é o acesso à matéria-prima. A produção de uma boa m’bila envolve um trabalho de selecção criteriosa da matéria-prima. No entanto, parte substancial deste material já não se encontra facilmente na região, o que obriga os vaveti (fabricantes) a percorrer grandes distâncias ou juntar somas monetárias avultadas para a aquisição da matéria-prima17. Como foi referido, a matéria-prima envolvida no fabrico da Timbila apresenta determinadas peculiaridades, para além da 15

Árvore fruteira cientificamente conhecida por Sclericarya birrea, da família Anacardiaceae que se encontra espalhada quase por todo o país. É bastante apreciada pelos seus frutos a partir dos quais se extrai um creme e óleo denominado munyantsi. 16

Planta da flora local, também conhecida por ntsanyi (língua Ci-Shangane).

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Dentre as zonas de aquisição da matéria-prima, figuram as províncias de Gaza e Maputo.

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sua exiguidade. Dentre os principais elementos utilizados no confeccionamento da m’bila, destacam-se o mwenje, mukusu, n’dani, mathamba, phula ya phembe, mbungu e diafragma de vondo18 ou peritoneu de boi. Mwenje, cientificamente conhecido por Ptaeroxilon oblicuum, é a principal matéria-prima no fabrico da m’bila. Esta espécie ocorre numa vasta região que se estende desde o Eastern Cap, passando pelo Kwazulu Natal, Sul do Zimbabwe até à Tanzania. Algumas bolsas isoladas podem ser encontradas no Norte da Namíbia19. O seu crescimento é lento, sendo o momento apropriado para o corte e pleno aproveitamento, a idade dos 60 anos. Uma árvore adulta pode atingir mais de 30 metros de altura e possui muitas variações da forma da copa, podendo ser cónica ou circundada. A sua casca varia de pálida a cinzento claro, sendo lisa em árvores pequenas, e cinzento escuro e rugosa em árvores adultas20.

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Animal ruminante da família de ratazanas, porém de maior tamanho.

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Ministério da Agricultura, Sector de Florestas e Fauna Bravia. Outros nomes comuns: Sneezewood (Eng), Nieshout (Africans), umThathe, uBaka (Zulu) 20

Idem.

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Planta de mwenje

Devido às suas características singulares (resistência e maleabilidade), o mwenje permite, perfeitamente, o fabrico de lâminas de madeira para a produção de notas musicais, cuja qualidade de som é excepcional, aspecto reconhecido internacionalmente. Com efeito, os fabricantes de m’bila referem que nenhuma outra madeira produz uma tão bela sonoridade. Tal conclusão é confirmada pelo saber local, transmitido de geração em geração. Mukusu, cientificamente conhecida por Trichilia emetica, é uma árvore fruteira, típica da flora local cuja madeira é empregue no fabrico do xilofone copi. Das sementes do mukusu extrai-se a mafuta, um óleo que se mistura com a phula ya phembe (cera de abelha) para produzir uma massa consistente, que serve de vedante na fixação das caixas de ressonância.

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Madeira de mwenje

N’dani é uma planta típica, conhecida pela flexibilidade da sua madeira, também utilizada na feitura de partes do xilofone copi. Mathamba ou masala são frutos da nsala (em tsonga), uma árvore cientificamente designada por Strychnos spinosa. Ocorre abundantemente em Zavala e em algumas regiões do País. Estes frutos possuem um formato esférico e uma casca dura. Quando secos e sem as sementes, são usados no fabrico das caixas de ressonância, que servem para ampliar o som produzido pelas teclas de madeira.

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Masala em processo de secagem

Masala desprovidas de sementes

Phula ya phembe é a cera produzida por uma espécie de abelha muito pequena, formando reservatórios no solo, onde deposita o mel. Considera-se cada vez mais difícil localizar este produto na região de Zavala, um aspecto preocupante. Por ser escasso, a disputa é muito grande entre os fabricantes. A cera é usada para fixar os ressoadores ou caixas de ressonância, vedando toda a passagem do ar que afectaria a boa sonoridade dos instrumentos. Mbungu é o nome de uma árvore, cientificamente conhecida por Landolphia kirki e, simultaneamente, da seiva a partir da qual se faz a borracha que é colocada numa das extremidades das baquetas de madeira. Esta borracha confere à m’bila um timbre típico. Diafragma de vondo e o Peritoneu de boi são membranas vibratórias de origem animal usadas na construção das Timbila, para conferir um som característico a estes instrumentos.

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2.1.2.

As Técnicas de Fabrico da M’bila

Dado o nível de sofisticação da m’bila, o seu processo de fabrico21 é lento e moroso, exigindo, para além de um profundo conhecimento das técnicas, muita experiência e cuidado para que se obtenha um instrumento perfeito. Dentre os principais passos no fabrico da m’bila, destacam-se: 1) a preparação do mugwama; 2) a fixação dos mathamba; 3) a fixação das dikosi; 4) a preparação do mwenje; 5) a fixação das makhokhoma; e 6) a afinação da m’bila. Embora tenham passado décadas, em relação aos registos feitos por Tracey22 no fabrico das Timbila, esse processo ainda não sofreu alterações significativas. Recorre-se, basicamente, às mesmas técnicas tradicionais usadas ao longo do tempo. Um aspecto notável nos construtores das Timbila é o seu apurado sentido na definição das proporções exigidas no fabrico deste instrumento23. Com efeito, sem recorrerem ao uso de instrumentos de medição convencionais, como réguas, esquadros, transferidores e compassos, os fabricantes24 fazem 21

O fabrico de uma m’bila pode durar aproximadamente três meses. As dificuldades envolvidas em virtude da falta de matéria-prima, e a carestia de vida aliada aos fracos rendimentos da agricultura, actividade de que depende directamente a maior parte das famílias dos fabricantes e músicos, ditam os preços praticados na venda dos instrumentos. O custo dos instrumentos varia de 15 a 27.000,00 Mts. O Xilandzane e o Dibinda podem ir até 35.000,00 Mts, e o Txikhulu 50.000,00 Mts. Factores como as relações de proximidade, o estatuto do comprador, o maior ou menor prestígio de que goza o fabricante e as circunstãncias deste, podem fazer oscilar os valores aplicados na venda. 22 Tracey, Hugh, op cit, pp. 219-143 23 Idem, p. 21. 24

Contudo, nos dias que correm, o número de vaveti va timbila (fabricantes de timbila) reduziu. Os poucos nomes que sobressaem são Estêvão Chitambo Nhacudime, chefe da orquestra de Mazivela, Alberto F. Mangue ou Filiphiyane, da orquestra de Moanine, Luís Semende, também conhecido por Masotxwane, da orquestra de Nyakutowe e Venâncio Mbande, chefe da orquestra de Guilundo. Este último é a mais conhecida referência na arte de fabrico da timbila. Existem em Zavala outros fabricantes, porém, pouco referenciados. Em Maputo, outro pouco mencionado é o músico Eduardo Durão, também chefe da orquestra que leva o seu nome e que trabalha para a Companhia Nacional de Canto e Dança (CNCD), um renomado agrupamento cultural moçambicano.

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os seus cálculos, avaliam com apurada precisão os espaços a considerar para trabalhar e fixar cada peça da m’bila no seu respectivo lugar. Por exemplo, na produção das teclas, cujos tamanhos são definidos em função das notas que se pretende produzir, os fabricantes conseguem manter a sonoridade específica da m’bila, sem o recurso aos referidos meios modernos. No fabrico da m’bila existem etapas incontornáveis. Depois de todos os materiais reunidos, o processo procede como se descreve: 1) Preparação do mugwama25: inicia com o corte, desbastamento e polimento da madeira. Em cada uma das suas extremidades, criam-se saliências que ajudam a fixação dos pés do instrumento e do murari26. Em seguida, na tábua, abrem-se matsoko (buracos) em número correspondente ao das teclas que virão depois por cima do instrumento. Abrem-se, ainda, outros dois orifícios de um e de outro lado dos matsoko, que servem para fazer passar os tingoti (fios) usados para amarrar as caixas de ressonância. Refira-se que neste processo usam-se, exclusivamente, materiais de origem vegetal.

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É uma estrutura de madeira feita a partir da mafurreira, sobre a qual assentam as teclas e são fixas as caixas de ressonância. O comprimento e a largura desta peça varia segundo o tipo de m’bila que se pretende construir e o número de teclas que vai comportar. A tábua reduz de espessura na direcção das notas mais agudas. 26

Arco feito de madeira que serve para proteger e manter a distância necessária entre o instrumentista e a armação que carrega as makhokhoma e as caixas de ressonância.

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Oficina de fabrico de Timbila

2) Fixação dos mathamba: após a secagem ao ar livre e limpeza dos mathamba por via da retirada das sementes, através de um pequeno orifício, segue-se a selecção criteriosa dos mesmos, em função dos tamanhos e sua posterior fixação no mugwama. Para o txikhulu27 são, exclusivamente, usadas as sibembe (cabaças), por serem de maior diâmetro (35 a 40 cm) que as mathamba. Assim, em cada fruto (mathamba ou sibembe) usado para caixa de ressonância, são abertos quatro orifícios. Um, correspondendo a um dos matsoko do mugwama, e um, mais pequeno, para a colocação de uma espécie de corneta onde é fixado o vibrador. Por fim, outros dois furos, correspondentes aos que se fizeram no mugwama para por eles passarem os fios que vão segurar solidamente as caixas ao mugwama. 27

Xilofone baixo.

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Depois de bem amarradas, as caixas são hermeticamente fechadas com phula ya phembe (cera de abelha), misturada com óleo de mafurra para se conseguir a consistência desejada. Esta operação de fecho hermético é condição necessária para a boa vibração dos ressoadores. Devido às suas características (consistência, maleabilidade, aderência), a cera de abelha é perfeitamente adaptável ao fecho das caixas de ressonância. No entanto, a sua escassez dita a procura de alternativas por parte de alguns fabricantes, aspecto que dá lugar a um debate sobre a pureza e originalidade das Timbila. Com efeito, várias experiências foram realizadas com o uso da massa de ferro no fecho dos ressoadores. No entanto, estas experiências parece não terem resultado. Eduardo Durão28, fabricante das Timbila, acredita que a massa de ferro usada apenas no ponto de ligação das mathamba ou sibembe com o ditaho é uma solução efectiva face às dificuldades de acesso à cera de abelha. Esta posição é contraposta por outro grupo de fabricantes, alegadamente por esta não constituir uma solução duradoira. A este respeito, Valeriano Missael, assim se referiu: A massa de ferro não é ideal nem apropriada para o fabrico da m’bila. Não se liga com a madeira, nem com a superfície vegetal das massala ou sibembe. Pode parecer fixar-se por um tempo, mas, por causa dos movimentos e das sacudidelas ao se percutir o instrumento, a massa solta-se e deixa escapar ar. Por isso é que a cera de abelha é realmente ideal. Mesmo 28

Entrevista a Eduardo Durão, Maputo, Setembro de 2010.

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que se separe depois de algum tempo, só com um pouco de calor, amolece-se e pode-se voltar a colar firmemente ao ditaho.29 Para este interlocutor, a solução que se apresenta consiste no uso de materiais convencionais como a cola de madeira e a serradura fina, uma mistura que para os fabricantes se vem revelando eficiente. Esta mistura é complementada pela aplicação da cera de abelha, para manter a aparência estética do instrumento30. 3) Fixação das dikosi (membranas vibratórias): um aspecto importante na produção das Timbila é a colocação das caixas de ressonância e das suas respectivas dikosi. Ao redor de cada orifício munido de uma membrana é colada a siwawa, pequena mathamba que serve para proteger as membranas. Estas servem para conferir um timbre às teclas. Uma solução que se mostrou funcional durante muitos anos é o uso das membranas de origem animal. No entanto, em face da progressiva escassez do vondo31 e o encarecimento dos bois, os fabricantes buscam alternativas para este tipo de matéria-prima. Uma das soluções adoptadas é o recurso a materiais sintéticos, mais concretamente aos plásticos. Relativamente a esta inovação, alguns fabricantes acreditam tratar-se de uma alternativa eficaz para a problemática das membranas. De facto, os plásticos são mais duradoiros, comparados às membranas de origem animal, que facilmente se degeneram quando afectados por insectos e humidade ambiente. 29

Entrevista a Valeriano Missael, Quissico, Novembro de 2010.

30

Idem.

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4) A preparação do mwenje consiste no corte, desbastagem, secagem ao fogo e seu polimento. A madeira é cortada em troncos e depois seccionada em pequenos pedaços. Uma vez que a parte útil da madeira é o cerne, depois de desbastados, os pedaços são cortados longitudinalmente, podendo tirar cada um, duas metades para emitir notas graves. No caso de notas agudas, emitidas por teclas menos espessas, o mwenje pode ser cortado mais vezes. As tábuas conseguidas são ligeiramente aparadas, para depois serem levadas ao fogo. Ao processo de secagem pelo fogo, Tracey chamou também de têmpera32, termo emprestado pela arte dos metais. Durante muito tempo, os fabricantes recorreram ao processo tradicional de kubhaula makhokhoma, secagem das teclas do mwenje. Todavia, como resultado do aprimoramento das técnicas com o fito de evitar fissuras na madeira e queima acidental, foram introduzidas algumas inovações. Assim, passaram a coexistir três tipos de técnicas, nomeadamente, a secagem tradicional, a secagem com o uso de latas e a secagem ao forno. Na secagem tradicional, obedece-se a um modelo tridimensional, em que se abre no chão um rego de cerca de 1 m de comprimento, 30 cm de largura e 30 cm de profundidade. No seu interior, acende-se o carvão vegetal e, por cima, apoiados nas extremidades, colocam-se os pedaços de mwenje que, com o calor, fazem evaporar a seiva e a humidade e, depois, fazem dilatar a resina (que é inflamável) que penetra nas células da madeira, para torná-la mais homogénea. 32

Idem, p. 229

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Refira-se que este processo de cura (secagem) do mwenje é bastante lento e cansativo, requerendo do fabricante toda a atenção e cuidado. Um outro aspecto que acrescenta dificuldades a este trabalho é a tendência de o mwenje abrir pequenas fendas e fissuras, sendo por isso inutilizados caso isso aconteça.33 A secagem com recurso à lata é um processo inovador, adoptado por alguns fabricantes das Timbila34. Faz-se uma cova circular, com cerca de 1.30 cm de diâmetro e 90 cm de profundidade no meio da qual é colocada uma chapa metálica cilíndrica com cerca de 40 cm de diâmetro e 70 cm de altura, aberta nas duas extremidades. Nas suas paredes são feitos muitos orifícios. Implantada a chapa na cova, acende-se a lenha no seu interior. As lâminas de mwenje são arrumadas à sua volta, encostadas às paredes da cova para a secagem. Esta técnica permite que o mwenje não entre em contacto directo com as chamas.35 Outra técnica, ao que tudo indica, não muito usual, é a secagem ao forno. Esta é a mais recente inovação o que testemunha a criatividade dos fabricantes das Timbila na busca de soluções mais eficazes e seguras. 5) Fixação das makhokhoma: a colocação destas peças segue-se à fixação das minenje (pernas do instrumento), e do murari (arco do instrumento). As makhokhoma são colocadas cada uma por cima do mugwama no espaço correspondente, que se comunica com o ressoador. 33

Ibidem, p. 230.

34

Entrevista a Alberto Feijão Mangue, Chefe da orquestra de Muane, Muane, 3 de Dezembro de 2007. Este músico e fabricante fez parte da orquestra de Guilundo (o mesmo que Timbila ta Venâncio) e aprendeu dele este processo de cura do mwenje. 35

Tracey, op.cit. p. 230.

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Estas são presas com o auxílio de fios resistentes feitos de pele de boi, gazela ou cabrito cinzento. Devido ao peso das teclas, a cada duas notas é colocado um suporte de madeira trabalhada com motivos artísticos, chamado nhamanganani, que é também fixo ao mugwama, através de fios. Os suportes servem para manter suspensas as teclas e não permitir que elas assentem sobre o mugwama, o que afectaria o som do instrumento. 6) Afinação da m’bila: este processo consiste em fazer concordar a nota do ressoador com a da tecla. Tratase de um processo delicado e minucioso, que exige do fabricante, um profundo conhecimento da música de Timbila, com toda a sua peculiaridade e um ouvido apurado. Embora existam diferenças de afinação das Timbila, os xilofones de um fabricante podem ser tocados em qualquer orquestra, exigindo-se para isso que se suprimam as discordâncias, num breve trabalho de afinação. Segundo Tracey, pode acontecer que, ao fixar-se o ressoador, este já esteja naturalmente afinado com a tecla. Quando assim não acontece é necessário proceder aos ajustes, aumentando ou diminuindo a abertura dos orifícios, até se conseguir a concordância desejada36. Refira-se que no processo de afinação o fabricante emudece o dikosi até assegurar-se de que conseguiu a nota concordante com a tecla no ressoador37.

36

Tracey, op. cit. p.237.

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Quando a caixa de ressonância está afinada com a sua tecla, o som engrossa e arredondase, tornando-se mais volumoso, algo que não se consegue ao se percutir a tecla sozinha.

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A respeito do processo de afinação das Timbila, Venâncio Mbande, um proeminente executante das Timbila, afirmou que este acto é desgastante e extremamente metódico. Para que seja menos penoso, pode-se recorrer à ajuda de uma outra pessoa. Este informante acrescentou: A pessoa que presta ajuda vai percutindo nas teclas enquanto eu fico a uma distância de cerca de 15 m para escutar o som emitido. Não havendo concordância no som, aumenta-se a cera, até que fique ajustado. Na verdade, torna-se menos extenuante trabalhar dessa maneira porque, de outra forma, ao fim de poucas horas de insistência, perderíamos toda a nossa sensibilidade auditiva que nos permite discernir as discordâncias.38

Venâncio Mbande, o primeiro à esquerda 38

Venâncio Mbande, Workshop sobre Timbila 2009. Dois dos filhos de Mbande são músicos que integram a orquesta de Guilundo ou Timbila ta Venanci. Tem sido preocupação deste renomado músico passar seu saber aos filhos, como forma de poderem continuar com a actividade, aspecto que concorre para a preservação desta prática.

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2.1.3.

O Ngodo

O ngodo (pl. migodo) é uma orquestra de Timbila. Nos períodos pré-colonial e colonial, cada regulado possuía uma ou mais orquestras, constituídas por músicos e dançarinos. Nas décadas de 1940 a 1960, uma orquestra era composta por cinco tipos de m’bila, correspondendo à seguinte classificação: a) xilandzane ou malandzane (tiple ou soprano); b) sanje (alto ou contralto); c) mbingwi ou dole (tenor); d) dibinda ou noni (baixo); e e) xindzumana, txikhulo, gulu ou kulu (duplo baixo).39 Cada um destes tipos de m’bila possui no ngodo uma função específica. Nesse tempo, a maioria dos povoados constituía as suas orquestras com treze ou catorze unidades, associando vários instrumentos do mesmo tipo, do seguinte modo: seis sanje, quatro xilandzane, um dibinda e dois ou três txikhulu.40 Nesta composição, o tenor mbingwi ou dole não aparece mencionado. Munguambe afirma que já nessa altura muitos conjuntos haviam abandonado o xilofone tenor, pelo facto de o mesmo “requerer uma técnica mais complicada na execução orquestral”. Tracey, que havia trabalhado décadas antes de Munguambe, observara também que já não era frequente encontrarem-se instrumentos tenores.41 39

Estas classificações foram referidas por Tracey (1949) e Munguambe (2000).

40

Idem, p.153.

41

Sobre esta questão, um dos mais destacados músicos de Timbila da actualidade, Venâncio Mbande, afirma existir algum equívoco no uso dos termos mbingwi e dole para designar o mesmo tipo de instrumento. Segundo este especialista da Timbila, trata-se efectivamente de dois instrumentos distintos. A descrição do mbigwi corresponde a que Tracey fez ao dizer que o mbigwi ou dole é o tipo de xilofone cujo registo se encontra entre os xilofones sanje e dibinda, mas o dole é uma mbila diferente. Trata-se do mais antigo exemplar de mbila copi cujo fabrico foi há muito tempo abandonado. Segundo Venâncio, difere muito das outras mbila pela disposição das notas, encontrando-se as agudas, nos dois extremos do instrumento e as graves ao meio. Esta configuração, tornava a execução muito difícil e requeria do músico uma grande habilidade no toque com as duas mãos, operando para o meio e para os extremos do instrumento. O mbingwi existe ainda hoje, mas o dole já não existe.

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Actualmente, as orquestras de Timbila integram apenas três tipos de instrumentos, a saber: xilandzane, dibinda e txikhulu. Estes distinguem-se pelo número e tipo de teclas que apresentam. Com efeito, o xilandzane é dos três o mais extenso, possuindo, geralmente, entre 14 e 18 teclas; a dibinda possui, usualmente, entre 8 e 10 teclas. Por último, o txikhulu, é menos extenso, com apenas 3 ou 4 teclas, porém, é o mais alto, devido às enormes cabaças que servem de ressoadores.

Xilandzane

Dibinda

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Txikhulu

A eliminação do mbingwi e, mais tarde, do sanje, como instrumentos físicos individualizados, tornou-se uma realidade, não havendo nos últimos tempos qualquer menção aos dois, como instrumentos específicos. Todavia, relativamente ao sanje, vários músicos42 reiteram que este não foi abandonado ou suprimido em definitivo. Na explicação dada por Venâncio Mbande, corroborada por outros músicos e fabricantes, a extensão das notas do sanje esta incorporada no xilandzane. Com efeito, parece estar a desenvolver-se entre os fabricantes das Timbila, a tendência de fazer os xilofones agudos mais extensos do que antigamente. Eles chegam até a contar com mais de 20 teclas”43.

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Feijão, Estêvão, Masotxwane, Venâncio Mbande.

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Entrevista a Venâncio Mbande, op.cit.

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2.2. A Timbila como Manifestação Cultural Entanto que manifestação cultural, a Timbila compreende várias dimensões, dentre as quais, a música, a dança, o teatro, o artesanato e a poesia, expressas na letra das canções. Dentre estas dimensões, destacamos a da música e a da dança que se expressam por excelência no m’saho, uma prática social secular, com vicissitudes históricas e sociológicas.

2.2.1. A Dimensão Musical A música é definida como sendo movimento organizado de sons através do tempo, e que desempenha um papel importante em todas as sociedades. Existe uma grande quantidade de estilos musicais característicos das diferentes regiões geográficas ou épocas históricas.44 A Timbila, com a sua peculiaridade, preserva esta característica, sendo um género de música, não só vinculado à tradição, como também largamente apreciado pelas comunidades copi, e não só. A composição musical típica da Timbila reúne apenas xilofones. Nessa composição tradicional tem-se a possibilidade de se ouvir a riqueza e originalidade da música copi. No entanto, com o tempo, passou-se a observar na música uma forte tendência para a combinação de instrumentos (tradicionais e modernos). Desta combinação resultaram músicas inéditas e ousadas, explorando combinações novas a partir de instrumentos não antes associados numa mesma composição. Neste esforço 44

Enciclopédia de Música. Microsoft Encarta, 1993-1999. A música define-se, igualmente, como a arte de fazer combinar harmoniosamente vários sons, de acordo com regras bem definidas (Almeida Costa e Sampaio e Melo, 1997).

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de trazer inovação na música, a m’bila copi tem participado de várias experiências, em associação com instrumentos modernos, tais como a guitarra, o saxofone e a flauta. A música de Timbila desenvolveu-se numa sociedade de oralidade. Ela está profundamente carregada de significado em razão da função que desempenhou como fonte de notícia e espaço de crítica social. O seu conteúdo retrata factos do quotidiano, com impacto na vida do cidadão. A letra cantada é, geralmente, cheia de humor e sátira, ridicularizando o comportamento de pessoas, grupos ou mesmo instituições, como se pode depreender da canção apresentada pela Orquestra de Zavalene ou Zalene45: Título: Mzeno wa Mafaka Mamô-ô-ô wa danwa sibedjela ni vanana Vaya bawa vacina Kasi vasi mahi SIDA Zavale va guma Vacopi Nguku phela ngu ndzala Vamwani vaku simba mirumbu Vamwani vasimbela minenje Nguku tonwa mafaka ngu vakoma A hi lweni tatinene kudima Ndzuma inahi vuna Mimova ya Kassamo Kutala ka yona 45

Entrevista colectiva a João Kampele, Eugénio Chigango Khambane e Laice Txapo Nhabinde da orquestra de Timbila ta Zavalene, Zavalene, Dezembro de 2007.

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Irualela mafaka a vakoma Ha ku bonga dokodele Unga khawe una thuma Citsungo xa Zavale Kugwita kutuma ni kupopola Haywona mihumbo Ya ku dzumba ni sikambelo mandzani Didoropa tha Zavale kudila Vacopi Nguku hisetelwa sitolo sa Zavale Nguku lava Remane kuno daya Ndzuma inga vuna A sothava a ciya dzumba Mandevwine A ci sia citolo cici sala cici hisetelwa A ruketedwe Hauziane Ngu intho wako ndzoda ngutu Waku dzumba ni madjasi ha midi Hati wona ku gwilikelwa Ngu vathu vaku ndzoda Tradução Título: M’zeno do milho Mama- ã- ã, chamam-te ao hospital com as crianças Para apanharem vacina Para não apanharem SIDA Em Zavala os Chopes estão a acabar A acabar por causa da fome Uns incham as barrigas Outros incham os pés Porque os chefes se negaram a dar-lhes milho Lutemos muito na lavoura 33


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Que os céus nos irão ajudar Os carros de Cassamo, como são muitos! Transportam milho para os chefes Agradecemos-te doutor Que dizes que vais trabalhar Para o povo de Zavala Acaba de trabalhar e de observar (diagnosticar) Estamos a sofrer Por passarmos o tempo com análises nas mãos Na vila de Zavala Choram os Copi Porque queimaram as lojas de Zavala À procura de Remane para matar Os céus ajudaram Ele teve medo e fugiu para ir ficar em Mandevuine E deixou as lojas serem queimadas Hauziani foi insultado Por uma pessoa que coxeia muito Que anda sempre encasacada Estamos a ver o jeito Das pessoas que coxeiam muito46

46

Esta letra, composta em 1992-93, faz ainda hoje parte do repertório da orquestra de Timbila de Zavalene. Recorda a intensa fome que se viveu nos princípios da década de 1990, na sequência de uma grande seca que afectou a região de Zavala. Esta música foi, igualmente, estudada por Valdemiro Jopela. Na sua análise, o autor refere que o sofrimento do povo era tão grande que a Comunidade Internacional foi chamada a intervir em apoio às vítimas. Cassamo, mencionado na canção, era então detentor de uma frota de carros que faziam o transporte do milho e de outros víveres, mas tais carregamentos apenas se destinavam aos chefes. Outros temas abordados nesta canção do m’zeno são as campanhas de vacinação e o trabalho dos profissionais de saúde (doutores); a guerra dos 16 anos com referência à destruição de estabelecimentos comerciais; e a atitude insolente de um coxo.

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Refira-se que no passado a Timbila era tocada em ocasiões festivas, como casamentos e nascimentos; em momentos solenes, como a investidura de chefes tradicionais, nos cultos aos antepassados, o chamado cidilo, nos ritos de iniciação, bem como em momentos de pura diversão, m’saho, e na apresentação de novos repertórios. Hoje em dia, por ser uma manifestação representativa, a Timbila estende a sua participação as datas comemorativas e celebrações oficiais.

2.2.2. A Dimensão de Dança Entanto que manifestação de arte e cultura africana, a música da Timbila é, na sua origem, indissociável da dança. Ela é constituída por uma sequência de movimentos ritmados e vigorosos que simulam, tanto gestos de ataque, como de defesa contra imaginários inimigos, numa coreografia que destaca a força e agilidade requeridas em combate. Com as pernas, os dançarinos, vasinhyi, fazem o kugavula, movimento físico que consiste em levantar alto os pés e bater com eles, bem forte no chão. Com os braços e ombros, fazem um outro movimento designado kukavata, rápido e cadenciado. Com as mãos que seguram o escudo, à esquerda, e a lança ou o varapau, à direita, inclinam-se para bater vigorosamente com o escudo no chão. Trechos mais pausados e serenos (no m’zeno), são também executados, contrastando com a exibição de momentos fortes e agitados de dança (como o cibhudhu).

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Dançarinos da Timbila em exibição

O local escolhido para a exibição da Timbila é tradicionalmente um recinto aberto, num chão de terra, no terreiro do povoado ou num quintal espaçoso, onde os dançarinos podem realizar os seus movimentos sem se sentirem restringidos. Os movimentos largos dos vasinhyi requerem espaço. Quando se dança em chão de terra, os dançarinos podem, ao bater forte com os pés, levantar areia, saltar, rodopiar ou atirar-se ao chão, produzindo um espectáculo apaixonante. A dança de Timbila exige do dançarino uma grande agilidade, a qual é assegurada pela prática frequente. Não há idade fixa para a aprendizagem da dança, mas para que se seja um dançarino hábil, exige-se algum esforço e aplicação. Refira-se que os movimentos e os passos da dança Timbila permanecem praticamente inalteráveis. As mudanças verificamse na composição das orquestras, onde se observa a inclusão de mulheres. 36


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Os trajes de dança tradicionalmente usados compreendem: calções curtos, por cima dos quais é amarrada uma mutxeka (capulana de cor viva) presa à cintura com o auxílio de um fio ou uma tira de pano. Camisetes em substituição do hayekani (camisola interior, geralmente de cor branca) e um faduku (lenço) amarrado à cabeça completam a indumentária. Os acessórios47 característicos usados na dança são o xitlhavangu (escudo) e o ditlhari (lança). Os pés dos dançarinos são adornados com siwaka (polainas), ornamentos feitos de pele branca de ovelha que cobrem os tornozelos. Outro acessório, igualmente importante, é um Ngundu, um chapéu feito de penas de aves. Embora seja usado à cabeça, este elemento é um acessório que pode também vir amarrado à cintura.

Ngundu

47

A produção destes assessórios exigia a criação de pequenas oficinas caseiras que proviam aos dançarinos os materiais necessários. Assim, homens jovens e adultos fabricavam para si mesmos os escudos, as lanças, e outros objectos.

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O xitlhavango

Varapau no lugar do ditlhari

Do ponto de vista da organização da dança, os vasinhyi têm um chefe de dança, um perfeito conhecedor de todo o repertório do seu grupo, que durante as exibições se coloca no meio dos dançarinos, voltado para a assistência. Ele faz uso de um apito para orientar os dançarinos, indicando a realização de um movimento ou a introdução de um novo passo. 38


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Dançarinos em plena actuação e o matxatxulane executando passos de dança

No passado, os dançarinos se posicionavam defronte dos músicos, exibindo-se de costas para a assistência. Esta disposição permitia uma fácil comunicação entre o maestro e o chefe de dança. No entanto, a exibição das orquestras em palcos convencionais forçou a adopção de uma nova disposição dos vasinhyi, passando a actuar voltados para a assistência. Este cenário generalizou-se em outros espaços, mesmo nos considerados tradicionais. Uma figura que se destaca na execução da dança da Timbila é a do matxatxulane, dançarino e tocador de chocalho de mão. O matxatxulane não é um dançarino comum. Ele é diferente dos outros pelo traje que enverga e pelos passos de dança que executa, à medida que evolui ao ritmo dos xilofones e marca o compasso da música com o chocalho, o seu principal papel 39


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na orquestra. Para além da mutxeka, o matxatxulane amarra o mawiso, uma saia de cores vivas feita de linhas de lã.48 As pulseiras usadas no antebraço, espelhos e outras peças para adorno, juntam-se às restantes para dar um colorido exuberante às orquestras.

Mawisso

Enquanto dançam, os vasinhyi se colocam em fila e avançam para o meio do recinto de dança, onde os músicos se encontram organizados e fazem soar os mutsitsos. Em algumas etapas, a coreografia da Timbila compreende a formação de várias filas. Num outro momento, os vasinhyi associam-se dois a dois, destacando-se do grupo e executam diferentes movimentos. 48

Trata-se de uma peça introduzida mais tarde na dança. As linhas de lã são trazidas pelos mineiros no seu regresso das minas da África do Sul e adaptadas para a feitura da saia.

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Matxatxulane tocando chocalho de mão

2.2.3. O M’saho O m’saho é uma prática social secular. Ela designa um evento cultural que ocorre com a participação das migodo. Não se sabe ao certo desde quando é que esta prática é realizada. No entanto, pode-se deduzir que ela passou a constituir-se ou reconstituir-se com o estabelecimento dos copi na região, como referimos, entre os finais do século XV e princípios do século XVI, tendo assumido ao longo da história diferentes formas em função do contexto político, económico e social. Esta manifestação comporta duas grandes características: a primeira, como género artístico e a segunda, como festival.

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2.2.3.1. O M’saho como Género Artístico Segundo Martinho Lutero49 o m’saho é o género artístico da Timbila por excelência, isto é, nele encontramos a típica composição musical, com todas as possibilidades harmónicas, rítmicas e melódicas exploradas ao máximo. Neste âmbito, o m’saho possui uma estrutura bem definida, porém, permitindo variações de orquestra para orquestra. Tracey50 pôde identificar tal estrutura, ao definir m’saho como “dança orquestral de nove a onze movimentos”. Sem que se tenha observado qualquer mudança em cerca de sete décadas, estes movimentos foram assim caracterizados por Valdemiro Jopela51, autor que aprofundou o estudo da Timbila na vertente literária. Os movimentos a que nos referimos compreendem: 1) M’thsithso; 2) Mungueniso; 3) Mwemiso; 4) M´chuyo ou m´dhano wa hombe; 5) Cibhudhu; 6) M´zeno; 7) M´thsumeto; 8) Mabandla e 9) Muhumiso. M’thsithso: é uma execução introdutória, sendo geralmente instrumental e executada na ausência dos dançarinos. Esta composição tem a função de anunciar o início do espectáculo. Mungueniso: trata-se da composição que anuncia a entrada dos dançarinos. Nesta composição, os artistas cantam trechos curtos, gritam palavras de auto-elogio ou crítica (mihauzelo). Eles chamam a atenção para si mesmos, procurando enaltecimento pelo público. 49

Etnomusicólogo brasileiro que colaborou na Campanha de Preservação e Valorização do Património Cultural levada a cabo pelo governo moçambicano entre 1978 e 1983 e cujo objectivo era inventariar o vasto manancial cultural do país. 50

Hugh Tracey, op cit. pag. 3

51

Valdemiro Jopela, op.cit. pag. 6,7.

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Mwemiso: composição orquestral que corresponde ao momento de apresentação da orquestra, em que os dançarinos se exibem com recitais de auto-exaltação. M´chuyo ou m´dhano52 wa hombe, isto é, a grande chamada: é o convite e o apelo ao público para maior atenção à exibição. Cibhudhu (dança movimentada): nesta parte da composição os dançarinos empenham-se em demonstrar as suas qualidades e habilidades na dança. Simulam um combate, saltam, batem com os escudos de pele no chão, fazem gestos vigorosos de ataque e de defesa, investindo muita energia. M´zeno (canto solene): composição concebida para ser escutada. É acompanhada somente de movimentos suaves de dança. Os artistas aproximam-se mais dos instrumentistas para transmitir mensagens socialmente relevantes. Esta composição constitui o ponto máximo do repertório, que inclui notícia, história, moral, filosofia, em suma, o quotidiano da aldeia. M´thsumeto: composição executada quando terminada a apresentação do m’zeno. Neste ponto, os dançarinos voltam à sua posição inicial. Mabandla: os dançarinos dividem-se em pequenos grupos para competirem. Depois disso, subdividem-se em dois e, finalmente, dançam todos eles de uma só vez. Muhumiso53: esta composição anuncia a saída dos dançarinos e o fim da exibição da orquestra. 52

Algumas orquestras usam este termo ´m´dhano´para designnar um movimento distinto do m´chuyo. 53

Esta composição é também chamada ´m´tshitsho wo gwitá.

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2.2.3.2 O M’saho como Festival Esta dimensão é conhecida também como “encontro de amigos.” Constitui um momento de convívio, reunindo pessoas que há muito se conhecem nas sendas da Timbila. Os músicos, dançarinos e espectadores são na maior parte dos casos pessoas ligadas por laços de parentesco, de amizade ou de vizinhança. Deste modo, a realização regular do m’saho tem contribuído para fortalecer o conhecimento mútuo e cimentar os laços de fraternidade entre os habitantes da região. Embora não haja uma definição única do que seja o m’saho, as diferentes propostas de definição deixam clara a mesma ideia de encontro ou de convívio. António S. Chicalangane, régulo de Guilundo54, entende o m’saho como sendo “nsengueletano wa timbila”, isto é, encontro da Timbila. Este informante refere que é um “convívio cultural em que se exibem apenas orquestras da Timbila”. De facto, este é o conceito comum no seio das comunidades detentoras desta prática. Trata-se de um encontro em que pessoas de diferentes localidades desfrutam de um momento privilegiado da Timbila e onde vários ngodo apresentam publicamente o seu repertório, num espírito que já foi no passado bastante competitivo.

54

Entrevista a António Saeze Chicalanhane, régulo de Guilundo, 2-12-2007.

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3. A Preservação da Timbila: Ameaças e Desafios 3.1. Ameaças A principal ameaça à continuidade da Timbila está relacionada com o esgotamento dos recursos naturais, com maior ênfase para o mwenje. De facto, este é um dos mais sérios problemas que actualmente afecta a sobrevivência das Timbila, pois, o mwenje é a matéria-prima, até ao momento, considerada insubstituível no seu fabrico. Socorrendo-se dos conhecimentos acumulados ao longo de gerações, acredita-se que só o mwenje pode conferir a bela e particular sonoridade à Timbila. Ainda que não tenha sido realizado no país, um mapeamento sobre a ocorrência do mwenje, que forneça informações sobre o potencial deste recurso, aventa-se a hipótese de o mesmo estar a escassear. De acordo com as fontes orais, esta situação também verifica-se em Zavala, bastião dos copi, bem como nos distritos vizinhos. Este quadro agrava-se com a intensificação da exploração dos recursos florestais em moldes comerciais, quer pelas comunidades, quer por empresas florestais para a produção de lenha, carvão, parquets, dentre outros fins. Acrescenta-se, igualmente, os desmatamentos e queimadas descontroladas para a abertura de machambas e caça. Importa frisar que este facto se arrasta desde o período anterior à Independência Nacional, em 1975. A cera de abelha (phula ya phembe) e a borracha natural (m’bungu), materiais que também participam no fabrico das Timbila estão a escassear na região. Contudo, ainda que possam ser substituídos por materiais sintéticos que não interferem na 47


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sonoridade das Timbila, estas perdem a sua peculiaridade e estética, afectando a sua originalidade. A ameaça à Timbila reflecte-se, igualmente, no campo social. De facto, uma apreciação das orquestras de Timbila revela que as mesmas são maioritariamente compostas por artistas de idade avançada, ou seja, há cada vez menos jovens a integrarem as orquestras de Timbila, o que não garante a transmissão intergeracional dos conhecimentos. Uma das causas da fraca adesão dos jovens reside na sua emigração das comunidades e, sobretudo, do distrito de Zavala, a fim de prosseguirem com os estudos secundários e superiores. Em adição a esta problemática, encontramos o envolvimento dos jovens na prática do “xingwere”55 em detrimento da Timbila. A este respeito, Venâncio Mbande, já citado, contesta este tipo de movimento juvenil, pois, entende que pode significar a “morte” da Timbila.56

3.2. Desafios Como foi referido anteriormente, dentre as grandes ameaças que pesam sobre a continuidade da prática da Timbila consta o desaparecimento do mwenje, uma árvore que cresce espontaneamente na floresta. Embora seja conhecida pelos fabricantes da Timbila e pelas comunidades de Zavala, a maioria da população não reconhece a sua importância, o que tem ocasionado a sua devastação. 55

Estilo musical oriundo do Zimbabwe. Neste contexto, o termo é usado em alusão a algo estranho à comunidade copi. 56

Tamele e Vilanculo, 2003.

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Neste sentido, mostra-se urgente a realização de campanhas de informação e sensibilização das comunidades locais, investindo-se para a sua preservação. O mapeamento desta espécie florestal é outra acção a considerar, para que se tenha a dimensão da sua ocorrência, no país e, sobretudo, o seu real potencial. Este conhecimento permitiria a identificação dos passos a seguir, incluindo o estabelecimento de reservas florestais para a protecção do mwenje, mediante o plantio, reflorestamento, entre outras formas de gestão criteriosa desta espécie57. 57

Existem algumas experiências de plantio a título individual ou colectivo (essencialmente nas escolas locais), mas iniciativas comunitárias praticamente não existem. Duas dessas árvores foram plantadas nos princípios da década de 1980 por Masotxwane, um músico de Timbila, que se destacou na produção de viveiros de mwenje, colaborando com as autoridades locais. Obviamente, essas plantas não podem ainda ser usadas por se tratar de plantas ainda jovens. Na povoação de Nhabete, as autoridades tradicionais cederam 5 ha de terreno para floresta de mwenje, num esforço louvável que, todavia, é insuficiente uma vez que esse é ainda um dos poucos espaços conseguido para o plantio do mwenje no distrito.

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Bibliografia Dicionário de Língua Portuguesa. LIESEGANG, Gerhard. Ngungunyne. Colecção Embondeiro. ARPAC, Maputo, 1996. MATOS, Leonor Correia de. Origens do Povo Chope segundo a Tradição Oral. Instituto de Investigação Científica de Moçambique, 10, Série C, Lourenço Marques, 1973. MUNGWAMBE, Amândio Didi. A Música Chope. Promédia, Colecção Identidades, Central Impressora e Editora de Maputo, 2000. ROCHA, Ilídio. A Morte dos Ngodo Chopes – Uma dramática forma de resistência cultural”, in Moçambique: Aspectos da cultura material. Coimbra, Instituto de Antropologia, Universidade de Coimbra, pp. 33-47. TAMELE, Viriato; VILANCULO, João Armando. Algumas Danças Tradicionais da Zona Norte de Moçambique. ARPAC, Colecção Embondeiro, 21, Maputo, 2003. TRACEY, Hugh. “A Música Chope, Gentes Afortunadas”, Tradução de M. H. Barradas, Separata do Documentário Trimestral Moçambique, no 46 a 55, Imprensa Nacional de Moçambique, Lourenço Marques, 1949.

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ANEXOS Glossário Dikosi (plural-makhosi) = Membrana usada para revestir o orifício lateral da caixa de ressonância. Disokiso = Camisete. Ditaho = Sig. Lit.: Esteira. Estrutura ou armação sobre a qual assentam as makhokhoma e são fixas as caixas de ressonância. Ditlharhi = lança. Ditxowa = Rabo de cavalo, usado como acessório de dança. É aplicado nos ombros dos dançarinos. Kavi = Escudo. Madowo = Acessórios de dança feitos de peles usados por cima de uma camisa ou camisete. Makhokhoma = Tábuas de formato rectangular, de tamanho e espessura variados, talhadas em madeira mwenje para produzir diferentes notas. Mathamba = Também conhecido por masala. Cientificamente designada por strychnos spinosa. É um fruto típico da flora local, de formato esférico e que é seco e esvaziado de sementes para servir de caixa de ressonância. Mawisi = Espécie de saia feita de linhas de cores garridas (vermelho, amarelo, azul, branco). M’bila = Singular de Timbila. Nome atribuído ao xilofone copi.

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M’phula = Cera de abelha usada para fixar as caixas de ressonância ao ditaho. Mugwama = Sig. Lit.: Cesto. O mesmo que ditaho ou murwalo. Murari = Arco feito de madeira que serve para proteger e manter a distância necessária entre o artista e a armação que carrega as makhokhoma e as caixas de ressonância. Murwalo = Sig. Lit.: Aquilo com que se carrega. O mesmo que ditaho ou mugwama. Ngundu = Espécie de chapéu amarrado à cintura, usado como acessório de dança. Nguwo = Pedaço de pano de cor garrida usado pelos dançarinos para exibição. N’kusu = Árvore típica da flora local que é utilizada para o fabrico de partes da m’bila. Por exemplo, o ditaho ou mugwama. Sibembe = Cabaças usadas nas Timbila como caixas de ressonância. Siwaka = Acessórios de dança feitos de pele de ovelha, usados nos pés e nos braços do dançarino. Tikhongo = baquetas de pau com ponta revestida de borracha que servem para tocar as Timbila. Timbila = Plural de m’bila. Conjunto de xilofones copi. Txigomba = Moca.

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Tabela 1: Matéria-prima para o fabrico das Timbila Item

Designação

Utilidade

Dificuldade de acesso

1

Mwenje, (Ptaeroxilon Oblicuum)

Fabrico das lâminas para a produção de notas

Difícil acesso

Mukusu ou mafurreira, (Trichilia Emetica)

Fabrico do ditaho ou mugwama , estrutura de madeira onde assentam as notas e se fixam os ressoadores

Muito fácil acesso

3

n’dani (espécie local de madeira)

Fabrico do murari ou ulaho

Fácil acesso

4

Mathamba ou masala (frutos da flora local)

Fabrico de ressoadores para os xilofones agudos

Muito fácil acesso

5

Sibembe (cabaças)

Fabrico de ressoadores para os xilofones txikhulu

Fácil acesso

6

Phula ya phembe (cera de abelha)

Fixação dos ressoadores e das membranas vibratórias. Também utilizado no processo de afinação

Difícil acesso

Mafutha (óleo da semente de mafurra)

Produto adicionado à phula ya phembe para obter a consistência necessária à fixação dos ressoadores e das membranas vibratórias

Muito fácil acesso

Mbungu (borracha natural)

Borracha para as baquetas

Difícil acesso

2

7

8

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