Livro heroi kajika

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M O ÇAM B I QU E

República de Moçambique Ministério da Cultura ARPAC-Instituto de Investigação Sócio-Cultural Delegação Provincial de Niassa

Vida e Obra de Bernabé Adison Kajika (1938 - 1974)


Vida e Obra de Bernabé Adison Kajika

Ficha Técnica: Título: Vida e Obra de Bernabé Adison Kajika Autores: Assumail Raidone, Manuel Vene, Sérgio Patrício e Laurindo Malimusse Edição: ARPAC - Instituto de Investigação Sócio-Cultural Direcção: Fernando Dava Colaboração: Célio Tiane, Arrissis Mudender e José Njato Designer: Cândido Nhaquila Impressão: Académica Tiragem: 1000 Exemplares Número de Registo: 8110/RLINLD/2014 Colecção Embondeiro: Edição Especial


Vida e Obra de Bernabé Adison Kajika

Índice Introdução................................................................................ 4 1. Nascimento e Infância de Bernabé Kajika............................ 6 2. Formação Académica e Profissional de Barnabé Kajika.... 13 3. Vida Profissional de Barnabé Kajika................................... 16 4. Formação da Família de Bernabé Kajika............................ 22 5. O Despertar do Nacionalismo em Bernabé Kajika.............. 26 6. Início da Luta Armada no Niassa........................................ 32 7. Ingresso de Bernabé Adison Kajika na FRELIMO.............. 41 8. Preparação Político-Militar de Bernabé Kajika................... 45 9. Início da Luta Armada na Região Oriental de Niassa......... 48 9.1. Bernabé Kajika na Frente de Niassa Oriental.............. 54 9.2. Bernabé Kajika na Frente de Niassa Ocidental............ 66 10. Bernabé Kajika como Comissário Político Provincial....... 72 11. Circunstância da Morte de Bernabé Adison Kajika.......... 85 Bibliografia............................................................................. 89 Anexos................................................................................... 90


Vida e Obra de Bernabé Adison Kajika

Introdução A Luta Armada de Libertação Nacional que culminou com a Independência de Moçambique da dominação estrangeira, proclamada a 25 de Junho de 1975, resultou da conjugação de sacrifícios desmedidos do povo moçambicano. No âmbito desta Luta distinguiramse algumas figuras pelas suas obras heróicas. Com vista à valorização e exaltação dos seus feitos, algumas iniciativas têm vindo a ser levadas à cabo pelo Governo moçambicano cujo desiderato é a imortalização do seu legado. Desta geração heróica faz parte Bernabé Adison Kajika. Nascido em Chuanga, Distrito de Metangula, Província de Niassa, Bernabé Kajika envolveu-se nos esforços conducentes à libertação da terra e do povo moçambicanos, através da sua integração nas fileiras da FRELIMO, primeiro como combatente na clandestinidade e, depois, guerrilheiro, tendo actuado na Frente de Niassa. O seu engajamento, coragem, zelo e dedicação, contribuíram para que assumisse o cargo de Comissário Político nas regiões Oriental e Ocidental da Província de Niassa. Posteriormente, assumiu o cargo de Comissário Político Provincial, posição que ocupou até a data da sua morte. Na sua qualidade de Comissário Político Provincial, revelou-se um dos esteios da Luta de Libertação em Niassa, por ter se notabilizado na mobilização dos guerrilheiros e da população, em condições adversas, para o seu total envolvimento na causa nacionalista. De igual modo, contribuiu para a criação e consolidação das novas estruturas administrativas nas Zonas Libertadas. 4


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Na Frente de Niassa, fazendo recurso aos conhecimentos e afabilidade adquiridas aquando da sua formação em enfermagem, em conjugação com as suas qualidades de orador eloquente, contribuiu decisivamente para a reversão das difíceis condições da Luta, com que os guerrilheiros se deparavam. A administração colonial pagou, consequentemente, uma factura financeira bastante pesada com o conflito armado, pois, viu-se obrigada a sofisticar os seus meios de combate, aspectos que precipitaram a sua derrota, nos campos militar, diplomático e politico-adminstrativo. Bernabé Adison Kajika perdeu a vida 10 de Maio de 1974, no aquartelamento de colonial de Lupilichi (Nova Olivença), vítima de uma acção inimiga. É no espírito da valorização de sua vida e seu legado que surge esta obra, enquadrada nas celebrações dos 40 anos após o seu desaparecimento físico.

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1. Nascimento e Infância de Bernabé Kajika Bernabé Adison Kajika nasceu a 29 de Agosto de 1938, no Bairro de Chuanga, Localidade de Metangula-sede, Posto Administrativo de Metangula, Distrito do Lago, Província de Niassa. É filho de Adison Kajika e de Matilde Chilondalonda. Este casal teve outros três filhos, que perderam a vida prematuramente. É de salientar que a mãe de Bernabé já tinha uma filha de uma anterior união matrimonial, de nome Verónica Chipolopolo. A zona de Chuanga é predominantemente povoada pelo grupo etno-linguístico Nyanja. Chuanga1 é uma palavra de origem bantu, que traduzida para a língua portuguesa, significa resolver.2 De acordo com as fontes orais, o termo foi atribuído a uma montanha local onde as lideranças e as comunidades se concentravam para resolver problemas de vária índole, com destaque para as lutas tribais entre os régulos Massumba, Chilombe, Massange e Maendaenda.3 Bernabé Kajika pertence ao clã Phiri, um sub-grupo da etnia Nyanja. Tendo como núcleo central a região de Tombuctu, os Nyanja migraram para o Lago Niassa, a partir do século XV. Fazem parte de um grande grupo que foi ganhando designações diferentes em cada lugar onde se estabelecia, o que explica a origem dos Banda, Tonga, Cheua, Nyungue4, entre outros. 1

A grafia usada pelas comunidades locais é Chiwanga. Acreditamos que Chuanga é resultado de uma corruptela adoptada pelos portugueses. 2

Noutros contextos, pode significar iniciar.

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Francisco Evans Saide, entrevista de 26/07/2013. Chuanga, Distrito do Lago.

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Para mais detalhes vide MAZULA, Assahel. História dos Nyanjas. 2ed. Portugal: Minerva Central, 1970..

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Durante a sua infância, Bernabé Kajika foi atribuído, pelo seu avô materno, o nome de Chipongwe. Essa palavra comporta diversos significados na língua ciNyanja, como “abuso”, “malandro”, “irrequieto” e “atrevido”. Este nome foi mais usado até a altura em que iniciou os seus estudos no ensino primário. O pai de Bernabé Kajika era um mineiro de profissão, na Rodésia do Sul, actual Zimbabwe. Essa actividade era prestigiante na altura, pois, as pessoas que a ela se dedicavam adquiriam um “status” especial no seio da comunidade. De facto, a opção por essa profissão era justificada pelas facilidades de acumular recursos financeiros em curto tempo, o que permitia a aquisição de bens valiosos, como bicicletas, máquinas de costura, rádios e roupas diversas. Esta era a razão porque muitos jovens da região do Lago Niassa afluiam ao Zimbabwe. Refira-se que o trabalho migratório para os países vizinhos foi uma prática bastante comum em todo o território moçambicano. Neste sentido, foram observadas diversas vagas tanto para a África do Sul, como para o Zimbabwe, Tanzania e Malawi. A respeito do Zimbabwe, Joel das Neves, descreveu: “Anteriormente a 1913, já se registava um movimento migratório para a Rodésia do Sul, abrangendo as actuais províncias de Tete, Manica, Sofala, Zambézia, Niassa, Gaza e Inhambane (…). a emigração (...) era motivada pelas condições mais atractivas que a economia rodesiana oferecia em relação 7


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a Moçambique, e essencialmente, pelas necessidades de trabalho migrante na Rodésia, ditadas pelos grandes investimentos de capital, que reclamavam um contínuo fornecimento de mão-de-obra barata”.5 A mãe de Chipongwe, Matilde Chilondalonda, era camponesa e dividia os seus afazeres entre a prática da agricultura e os trabalhos domésticos. Os pais de Bernabé Kajika perderam a vida, vítimas de doença, quando este tinha somente 10 anos de idade. Refira-se que o pai perdeu a vida na Rodésia do Sul onde trabalhava, e a mãe pereceu em Chuanga, a 1 de Janeiro de 1948. Em virtude dessa situação, Bernabé e Verónica foram acolhidos pelo avô materno, Micheque Nchombo, que garantiu todo o processo de socialização dos dois irmãos. Verónica Chipolopolo, irmã de Bernabé Kajika, lembrando-se dos momentos de infância, contou o seguinte: “A nossa infância foi muito difícil porque perdemos o nosso pai e logo em seguida a nossa mãe. Eu e o meu irmão fomos acolhidos pelo nosso avô, Micheque Nchombo. Como mulher, tive de assumir muito cedo a responsabilidade de cuidar do Chipongwe e da gestão da casa, porque o vovô ocupava-se da agricultura e pesca, onde obtinha o sustento para a nossa família”.6 5

DAS NEVES, Joel. “O Inicio da Emigração de Mão-de-Obra Moçambicana para a Rodésia do Sul (1890-1913)”. In: JOSÉ, Alexandrino; MENESES, Paula. Moçambique - 16 Anos de Historiografia: Focos, Problemas, Metodologias, Desafios para a Década de 90. Maputo: CEGRAF, 1991. p.283. 6

Verónia Chipolopolo, entrevista de 16/08/2013. Chuanga, Distrito do Lago.

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Verónica Chipolopolo

Apesar de desprovido de significativos recursos, o avô de Chipongwe assumiu com zelo e dedicação a tarefa de cuidar dos seus netos. De facto, com recurso ao trabalho nos campos agrícolas e na pescaria, garantiu o sustento dos mesmos. Nessa altura, produzia-se milho, mapira, mandioca, arroz e algumas leguminosas. Por seu turno, a pesca7, outra actividade secular entre os Nyanja, era desenvolvida no Lago Niassa e rios locais. Estas duas actividades eram complementadas pela pecuária, onde se evidenciava a criação do gado bovino, suíno, caprino e ovino. Chipongwe, desde cedo, manifestou interesse e dedicação pelo trabalho, inspirado na figura do seu avô. De facto, na infância acompanhava-o frequentemente nas actividades de pesca, agricultura, pastagem de gado e, ainda, na construção de palhotas, esta última, igualmente, como fonte de rendimento. 7

Os pescadores com redes de maiores capacidades conseguiam excedentes de pescado, que era comercializado em mercados locais.

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Importa sublinhar que Micheque Nchombo era um excelente conhecedor da arte de fabrico de redes de pesca, localmente chamadas makhoka. Estas eram feitas de materiais extraídos de plantas fibrosas, como thingo e cavumba, em ciNyanja. Chipongwe aprendeu do seu avô as técnicas de extração das fibras para tecer redes. Os dois evidenciaram-se no pescado de ussipa, n’jila e chambo, espécies de peixe existentes no Lago Niassa. Chipongwe dedicou-se, igualmente, a agricultura, ao lado do seu avô, produzindo os alimentos para o sustento da casa. Na companhia de amigos, como Francisco Evans Saide, gostava de caçar gazelas, coelhos e passarinhos, uma actividade que requeria muita habilidade, agilidade e destreza. Lembrando-se desses momentos, este amigo de infância, acrescentou: “Durante a nossa infância aqui em Chuanga, brincávamos juntos. Íamos a pastorícia, a caça e a pesca. Era frequente vê-lo apascentar o gado, em particular o caprino nas margens do rio Lunho. Chipongwe era uma pessoa muito social e gostava de brincar com os outros”.8

Francisco Evans Saide 8

Francisco Evans Saide, entrevista citada.

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As actividades lúdicas também faziam-se presentes no quotidiano da comunidade. Uma das que marcava as crianças dessa epóca era a prática das danças tradicionais, como são os casos de Nganda e Chioda. No entanto, Chipongwe notabilizou-se, na organização e dinamização dos grupos culturais, com maior destaque para o Nyau. Esta dança era praticada nas vésperas da saída das adolescentes, submetidas aos ritos de iniciação, localmente designados por Chiputo. No final destas cerimónias, seguia-se um convívio comunitário no qual os jovens apresentavam danças tradicionais típicas da zona, sendo o Nyau uma das principais atracções. A esse respeito, Francisco Evans Saide, afirmou: “O unyago que, literalmente designa ritos de iniciação, é uma prática tradicional que marca a transição da adolescência para a fase adulta. Para o caso dos rapazes, esta prática é designada por Jando, enquanto para as raparigas por Chiputo, ocasião em que as iniciandas recebem ensinamentos das anciãs sobre a socialização, como o bom comportamento no seio da comunidade, cuidados domésticos e preparação para a vida em casamento. No final desta cerimónia, realizava-se uma grande festa de recepção das iniciadas. Um dos momentos mais altos da festa era a exibição do Nyau. O meu amigo Chipongwe era um dos organizadores do grupo dos jovens da nossa zona”.9

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Francisco Evans Saide, entrevista citada.

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Dançarinos de Nyau

O desporto era outra atracção de Chipongwe. Sempre que podia, entregava-se ao jogo de futebol com os colegas, fosse na escola ou na sua aldeia. Para além de futebol, também praticava jogos tradicionais, com destaque para Mbela e Nguli.

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2. Formação Académica e Profissional de Bernabé Kajika A estrutura social discriminatória implantada pelo regime colonial português em Moçambique, conduziu a adopção de um sistema de ensino e aprendizagem altamente segregacionista. Como consequência, muitos moçambicanos viram-se na impossibilidade de se beneficiarem de uma educação formal adequada. Outros ainda, depararam-se com inúmeras barreiras quando tentavam concorrer com a população de raça branca. Neste contexto, os negros encontraram nas missões cristãs protestantes, alternativas viáveis para a sua formação, pois, elas pautavam por uma ideologia assente em valores nobres, como a solidariedade, a igualdade e a justiça social, contrária à política da administração colonial portuguesa. Na zona do Lago Niassa, a educação era garantida pela Missão Anglicana de São Bartolomeu, que tinha duas escolas em Messumba, São Tiago e São Filipe. O reduzido número de estabelecimentos de ensino não satisfazia a demanda, pelo que a direcção das escolas dava prioridade aos naturais de Messumba. Chipongwe, não sendo natural, mas fazendo jus ao seu nome, transpôs esta barreira, conseguindo convencer aos dirigentes da Escola São Tiago, sobre a relevância da população de Chuanga também ter acesso ao ensino. Na verdade, nesta região poucas pessoas antes tinham conseguido estudar, dadas as dificuldades vigentes. Assim, Chipongwe ingressou nesta escola em 1948, aos 10 anos de idade, onde estudou da 1ª a 4ª classes, até 1956. Como referimos, doravante, passou a ser mais conhecido por Bernabé Kajika. 13


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A frequência das aulas não se mostrava fácil, pois, implicava a travessia do rio Lunho, cujo caudal aumentava significativamente nas épocas chuvosas, pondo em perigo a vida das crianças. Para além deste embaraço, alguns desafios de índole social impuseram-se à Kajika, derivados da disputa no acesso às vagas, em Messumba. Com efeito, em alguns momentos, os alunos vindos de Chuanga eram impedidos de fazer a travessia, por jovens de Messumba. Porém, Kajika não se deixou subjugar, nem se intimidar e, reagiu mobilizando os seus companheiros, encorajando-os a enfrentar esta contrariedade.10 Kajika evidenciou-se durante a sua formação, pela capacidade de assimilação das matérias leccionadas pelos seus professores e, de igual forma, na mobilização dos seus colegas para trabalhos em grupo. Devido ao carácter missionário da escola, os alunos tinham de rezar antes do início das aulas. Bernabé, uma vez mais, ciente dos seus objectivos, notabilizou-se na organização dos seus colegas para o cumprimento desta tarefa. A este respeito, Francisco Evans Saide teceu o seguinte comentário: “Eu fui colega de Kajika na Escola São Tiago da Missão de Messumba. Estudámos juntos na mesma turma. Desde os primeiros momentos, ele revelou ser uma pessoa inteligente nas aulas. Tinha uma grande capacidade de assimilação das matérias leccionadas. Muitas vezes confiávamos nele para esclarecer as matérias que não entendiamos bem.

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Francisco Evans Saide, entrevista citada.

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Kajika tinha paciência de nos explicar. Por isso, as nossas dificuldades eram rapidamente ultrapassadas. Lembro-me que ele se prontificava a organizar e orientar as rezas antes do início das aulas, como era costume na escola”.11 Após a conclusão da 4ª Classe, os graduados tinham basicamente três opções: continuar com os estudos, frequentando o curso preparatório na Missão Anglicana de Messumba, que lhes dava a possibilidade de escolher uma profissão; continuar com os estudos na Vila Cabral (actual Lichinga) ou concorrer ao mercado de trabalho. Importa salientar que nessa altura, em Lichinga apenas existia a Escola Técnica Elementar Dom Francisco de Melo Costa, inaugurada em Setembro de 1941, e ministrava os cursos de Enfermagem, Contabilidade, Agro-pecuária, Carpintaria e Construção Civil. Bernabé Adison Kajika optou por continuar com os estudos em Messumba, apesar das inúmeras barreiras impostas pelo regime colonial, pois, estava ciente de que a formação lhe conferia melhores conhecimentos técnicocientíficos para intervir, futuramente em seu benefício e da sua comunidade. Assim, depois de terminar a 4ª Classe, em 1956, no mesmo ano ingressou no Colégio de São Filipe, onde cursou a Enfermagem, tendo terminado em 1958.12 Neste ano, começou a trabalhar como enfermeiro no Hospital da Missão, em Messumba. 11

Francisco Evans Saide, entrevista citada.

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Importa lembrar que nessa altura o ano académico começava em Setembro e terminava em Julho.

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3. Vida Profissional de Bernabé Kajika O Hospital da Missão de Messumba era de referência, pelo menos dos anos 1959 a 1964, ainda que estivesse dissociado do Sistema de Saúde do Governo colonial português.13 Afluiam a esta unidade sanitária, pacientes oriundos de zonas distantes tais como Cóbuè, Lichinga, Unango, Maniamba e mesmo Malawi, mercê da elevada qualidade dos serviços prestados. Neste período era atendido por cerca de 17 enfermeiros, sendo 8 do sexo feminino. Dentre as doenças mais frequentes, figurava a malária, as diarreias, a asma, a pneomonia e a sarna. Kajika distinguiu-se no atendimento aos doentes que acorriam de forma massiva à unidade sanitária, demonstrando qualidades de um pofissional comprometido, não só com a ética, própria do seu trabalho, mas, sobretudo, com a saúde dos seus concidadãos e consequente melhoria da sua qualidade de vida. Com efeito, desafiando os turnos pesados de 24:00h consecutivas, Kajika não esmurrecia na sua actividade, fazendo-a com elevado sentido de amor ao próximo, dedicação e paciência. 13

O seu funcionamento era garantido por doações provenientes da Europa, particularmente do Reino Unido. Este aspecto pode ser explicado pelo facto do hospital ser propriedade dos missionários anglicanos, cuja sede está no Reino Unido. Este era administrado pelas Senhoras Berta Earling e Joana Anticliff, britânicas que assumiam as tarefas de professora e enfermeira, respectivamente. Esta situação fez com que o hospital tivesse limitações financeiras, o que condicionava o pagamento de salários condignos aos seus trabalhadores. Como alternativa, instituiu um subsídio mensal.

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Kajika, ainda que encarasse a sua profissão como uma oportunidade nobre para ajudar a sua comunidade, prestando assistência médico-sanitária, viu-se obrigado pelas circustâncias políticas e sócio-estruturais, a abandonar o Hospital de Messumba. Na sequência, rumou à vizinha Tanzania em 1959, em busca de condições que lhe permitissem elevar os conhecimentos técnicocientíficos e melhorar a sua situação financeira. A estadia de Bernabé Kajika na Tanzania viria a ser muito curta, por razões que se desconhecem. Todavia, aventa-se a hipótese da situação encontrada não ter correspondido às suas expectativas profissionais. De facto, neste período, o território tanzaniano ainda se encontrava sob o domínio da administração colonial inglesa que, mesmo adoptando um sistema de colonização indirecta, limitava os direitos e liberdades dos cidadãos de origem africana. Neste sentido, Bernabé Kajika regressou ao seu solo pátrio no final de 1960, tendo se fixado em Lichinga. Neste local, Kajika ingressou no curso de intérpretes das línguas ciYao e ciNyanja para o Português. A profissão de intérprete surgiu da preocupação das autoridades coloniais de se comunicarem perfeitamente com a população local. Para o caso do regime colonial português, os intérpretes eram transformados em funcionários régios, recebendo ordenados da administração.14 Terminado o curso em 1962, Kajika foi colocado na Administração de Unango como intérprete, onde permaneceu cerca de seis meses na condição de estagiário. A competência revelada durante o estágio 14

PINHEIRO, Claúdio Costa. Língua e Conquista: formação de intérpretes e políticas imperiais portuguesas de comunicação em Ásia nos alvores da modernidade. sl, s.d. p. 38.

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contribuiu para que rapidamente fosse transferido para Lupilichi, em 1963, passando à efectividade. Neste local, uma vez mais, demonstrou as suas excelentes qualidades e habilidades profissionais, razões que ditaram a sua afectação em Cóbuè, em 1964. Refira-se que esta região tinha uma grande densidade populacional, o que era uma premissa importante para o aumento do volume de cobrança dos impostos, bem como a monitoria da tensão política decorrente do cada vez maior intercâmbio entre os moçambicanos nacionalistas refugiados nos territórios vizinhos, nomeadamente Malawi e Tanzania, e os residentes no interior de Moçambique. Relativamente ao percurso profissional de Kajika, Lúcia Magumbwa15, sua esposa, descreveu o seguinte: “O meu marido começou a sua vida profissional no Hospital de Messumba, em 1958. Este hospital tinha limitações financeiras, pelo que dava apenas um subsídio de cerca de 50 escudos, o que não cobria as nossas necessidades. Em busca de melhores condições, Kajika foi à Tanzania em 1959. Não tendo se adaptado à vida daquele país, regressou no ano seguinte, tendo ido à Vila Cabral onde frequentou o curso de intérprete. Terminada a formação, em 1962, foi colocado em Unango onde permaneceu cerca de seis meses. Posteriormente, foi para Nova Olivença, actual Lupilichi e, depois, para Cóbuè”.16 15 16

Lúcia Magumbwa é prima do Herói Nacional Francisco Orlando Magumbwa. Lúcia Magumbwa, entrevista de 24/07/2013. Metangula, Distrito do Lago.

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Lúcia Magumbwa

A profissão de intérprete abraçada por Bernabé gozava de muito prestígio na época. O intérprete servia de elo de ligação entre os africanos e as autoridades coloniais portuguesas. A figura de intérprete estava sempre presente nos encontros que envolviam os dirigentes coloniais aos diferentes níveis, como chefes de Posto, Admistradores, entre outros. Debruçando-se sobre esse aspecto, Pinheiro17 afirma que o cargo de intérprete, dado o seu prestígio na sociedade, era objecto de disputa entre os negros e os brancos. Apesar do prestígio que a sua actividade lhe conferia, Bernabé Kajika não se deixou alienar pelos interesses coloniais. De facto, este manteve-se firme aos seus 17

PINHEIRO, Cláudio Costa. Op cit. p. 38-39.

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princípios e convicções, bem como a sua identidade como moçambicano, enraizado nas suas tradições culturais. Estrategicamente, Kajika encarava a sua profissão como uma oportunidade de entender as artimanhas e interesses da administração colonial, para melhor defender a sua comunidade, recorrendo à máxima de que “a melhor forma de combater o inimigo é conhecer os seus modos de actuação”. Um dos aspectos que inquietava as comunidades prendiase com a realização de trabalhos forçados nas plantações, construção de infra-estruturas, como vias de acesso, coerção no pagamento de impostos e recrutamento para o serviço militar obrigatório. Nalgumas vezes, as comunidades, a título individual ou colectivo, rebelavam-se contra estas formas coloniais de opressão, discriminação e injustiça social. A título de exemplo, em algumas audiências e sessões de interrogatórios das pessoas que se rebelavam, Kajika preocupava-se, durante a sua tradução, em omitir aspectos que pudessem prejudicar ou incriminar a população local. A esse respeito, Jorge Francisco Chilachila, amigo de Kajika, afirmou: “Eu conheci Kajika em 1965, quando trabalhava como intérprete na Adminitração Colonial em Cóbuè. Era a pessoa que fazia a ligação entre os naturais e as autoridades portuguesas, traduzindo do ciNyanja para português e viceversa. Kajika defendia muito a população local, 20


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instruindo-a sobre o que devia dizer perante os portugueses e, omitindo aspectos que pudessem prejudicá-los durante a tradução. Assim, ainda que Kajika estivesse com os portugueses, a população confiava-lhe”.18

Jorge Francisco Chilachila

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Jorge Francisco Chilachila, entrevista de 05/10/2013. Cóbuè, Distrito do Lago.

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4. Formação da Família de Bernabé Kajika No seio da etnia Nyanja, à semelhança de outros grupos etno-linguísticos moçambicanos, o casamento é o culminar de todo um processo visando a formação da família. Bernabé Kajika, seguidor das tradições seculares do seu grupo etno-linguístico, cumpriu com os procedimentos inerentes à formação da família. Deste modo, o percurso por si seguido compreendeu todas as fases prescritas na sociedade Nyanja, com início no namoro, a cerimónia de chuma19, culminando com a realização do casamento. Segundo as práticas matrimoniais da comunidade Nyanja, o processo de namoro era antecedido pela manifestação de interesse por parte do homem, que transmitia as suas intenções ao seu tio materno. Ainda que esse fosse o procedimento mais comum, não era interdito que o homem exteriorizasse as suas intenções directamente à rapariga, e, só depois, comunicar aos seus familiares. Revelado o interesse sentimental ou afectivo, identificavase um ntenga20, ou seja, intermediário que estabelecia os contactos entre as duas famílias. Como resultado do entendimento entre as partes, era estabelecido o chuma, uma oferta simbólica dada pela família do jovem aos parentes da rapariga. No entanto, os contornos seguidos por Bernabé Kajika foram relativamente diferentes da prática comum. De facto, quis o destino que Kajika conhecesse Lúcia muito cedo. 19

Que se assemelha ao lobolo praticado na zona sul de Moçambique.

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O ntenga tem de ser uma pessoa séria porque deve transmitir aquilo que é mandatado de maneira a não alterar as informações incumbidas. Podia ser uma pessoa jovem, mas regra geral era uma pessoa idosa. O Ntenga em caso de conhecimento de algo negativo da mulher pretendida também informava aos familiares do rapaz, isto é, ajudava a observar o comportamento da mulher.

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O contacto entre ambos deu-se quando eram estudantes em Messumba, particularmente depois de terminarem a 4ª Classe, em 1956. Foi nessa altura, que Kajika começou a demonstrar as suas pretensões sentimentais à Lúcia. Esta não se mostrou indiferente, tendo informado a sua mãe. Lúcia Magumbwa lembrando-se destes momentos, prestou o seguinte depoimento: “Conheci o meu marido em Messumba. Estudámos juntos na missão e terminamos a 4ª Classe no mesmo ano. Posteriormente, juntos fizemos o curso de enfermagem, tendo de seguida trabalhado com ele no hospital da missão. Quando éramos estudantes, Kajika manifestou o seu interesse por mim. Como eu gostasse dele, levei o assunto para a minha mãe e esta fez chegar aos outros familiares. Felizmente, ele foi aceite, pelo que começámos a namorar, respeitando as nossas tradições”.21 Refira-se que a oficialização do namoro entre os Nyanja passa pelo pagamento de um valor simbólico conhecido por chigunda ku khomo22, geralmente entregue aos pais da noiva durante um encontro, no qual uma das condições exigidas é o pagamento de chocambila phaluala23. É nesse encontro que se estabelece o valor de chuma. Bernabé Kajika, sendo homem enraizado nas práticas culturais da sua comunidade, cumpriu com essas formalidades. 21

Lúcia Magumbwa, entrevista citada.

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Pedido de licença por parte dos emissários do noivo.

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Traduzido literalmente significa “abrir a boca”; é um valor que se entrega a uma testemunha da parte da mulher.

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A preparação do casamento era o momento mais importante e que envolvia as famílias do homem e da mulher. Importa lembrar que nessa altura Kajika já trabalhava no Hospital da Missão de Messumba, facto que lhe possiblitou acumular algum recurso financeiro para assumir os encargos da cerimónia. Assim, Bernabé Kajika e Lúcia Magumbwa contrairam o matrimónio no dia 8 de Agosto de 1959, numa cerimónia religiosa realizada na Catedral da Missão de São Bartolomeu de Messumba. Esta foi orientada pelo Padre Zefanias Hansini e teve como testemunhas, Matias Chisancho e Simone Mangue. Do casamento de Bernabé e Lúcia nasceram quatro filhos, nomeadamente, Nema, em 1958; Samuel, em 1965; António, em 1967; e Verónica, em 1973. Refira-se que Bernabé Kajika teve outros dois filhos, designadamente, Rosa e Calisto, fruto do relacionamento com as senhoras Ângela Saíde e Maria Aissa, respectivamente.

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Certidão de Casamento de Bernabé e Lúcia

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5. O Despertar do Nacionalismo em Bernabé Kajika Desde os primeiros sinais de tentativa de ocupação do território moçambicano por parte do Estado português, as comunidades autóctones manifestaram o seu descontentamento e inconformismo. Neste contexto, surgiram vários focos de resistência contra a ocupação colonial como a de Ngungunyane Nqumayo na região Sul, em 1895; Mataaka, no Norte, em 1912 e Makombe no Centro, em 1918. Com a consumação da ocupação efectiva, o regime colonial português implantou um sistema político-administrativo assente na exploração, opressão e injustiça a vários níveis. Apesar do poderio militar da administração colonial portuguesa, os moçambicanos nunca se resignaram perante o sofrimento a que estavam sujeitos. Inspirandose nas lutas de resistência dos seus antepassados, muitos jovens tomaram algumas iniciativas para inverter o cenário, principalmente nos inícios dos anos 1960, lançando os alicerces do nacionalismo moçambicano. Este movimento independentista foi fortemente influenciado por acontecimentos exógenos e endógenos. A nível externo, o movimento pan-africanista iniciado em finais do século XIX cujo mote era a luta pela Independência dos povos africanos, foi a premissa fundamental para o despertar da consciência nacionalista em todo o continente. À seguir, destacam-se as duas Guerras Mundiais (1914-1918) e (1939-1945), onde alguns africanos, em geral e, moçambicanos, em particular, participaram, o que os inspirou a pensarem na sua autodeterminação. A esses acontecimentos juntam-se as 26


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sucessivas independências das colónias britânicas na África Austral, casos da Tanzania (1961), Zâmbia (1964) e Malawi (1964), eventos a que alguns moçambicanos tiveram a oportunidade de vivenciar. A nível interno, a emergência do movimento nacionalista é justificado pelo recrudescimento da opressão e exploração por parte da administração colonial portuguesa, as prisões arbitrárias e torturas, a segregação racial e a discriminação no acesso aos serviços sociais básicos como educação, saúde e habitação. Os aspectos acima arrolados encorajaram alguns moçambicanos exilados nos países vizinhos a criarem movimentos políticos, com o fito de lutar pela autodeterminação. Foi neste âmbito, que surgiu a União Democrática Nacional de Moçambique (UDENAMO), em 1960, na Rodésia do Sul; a União Nacional Africana de Moçambique Independente (UNAMI), em 1960, no Malawi e, a União Nacional Africana de Moçambique (MANU), em 1961, no Quénia. Estes movimentos fundiram-se dando lugar a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), a 25 de Junho de 1962, na Tanzania. A fusão surgiu em reconhecimento de que a conjugação de esforços era a melhor estratégia para enfrentar o inimigo comum do povo moçambicano, contra o colonialismo português. Começou assim, a arquitectar-se a Unidade Nacional sob a direcção visionária de Eduardo Chivambo Mondlane. A notícia da formação do movimento libertador rapidamente difundiu-se para o interior de Moçambique e foi recebida com muito entusiasmo pela população, e encarrada como um sinal de esperança para a libertação da Terra e do Homem. A região de Messumba não se alheou a este movimento, que foi reforçado pela forte presença 27


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dos missionários anglicanos, com um posicionamento contrário à ideologia colonial portuguesa. Bernabé Adison Kajika vivenciando todo esse movimento contestatário e a intensificação das actividades políticas na região, foi amadurecendo a sua consciência e sentimento nacionalista. Kajika viu na FRELIMO um farol que pudesse guiar os moçambicanos à auto-determinação e independência. As acções em prol da liberdade ganharam maior ímpeto ao longo da região do Lago Niassa, com a formação de núcleos clandestinos, com o desiderato de disseminar os objectivos e ideais da FRELIMO, bem como, mobilizar a população para a Luta contra o regime colonial português. Essas actividades foram levadas à cabo de forma corajosa, por emissários enviados pela FRELIMO, destacando-se dentre vários, Sidney Namata, Orlando Polomola, Alexandre Magnus Nchicoma e Chitunga24. Estes, instruídos pela liderança da FRELIMO, criaram o núcleo clandestino de Chigoma25, no Posto Administrativo de Cóbuè, em 1962. A partir do trabalho destes emissários, foi disseminada a informação e criados outros núcleos ao longo do Lago Niassa. De acordo com António Chizoma, citado por Raidone et al26, depois da formação do núcleo de Chigoma, foram criadas secções de informação e propaganda que 24

Não tivemos acesso ao nome completo deste último emissário.

25

O núcleo de Chigoma tinha a seguinte composição: Lesfer Chimenga - Presidente; Orlando Polomola “Vice-Presidente; Sidney Namata - Secretário de Organização e Administração; Alexandre Magnus Nchicoma - Secretário Adjunto da Organização e Administração; Erasto Kamphambe - Tesoureiro e Bernardo Azizi - Adjunto Tesoureiro. 26

RAIDONE, Assumail; VENE, Manuel, MALIMUSSE, Laurindo. Vida e Obra de Francisco Orlando Magumbwa (1940-1973). Maputo: ARPAC, 2013. p. 38

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garantiram a expansão dos núcleos. Foi neste contexto que surgiram núcleos, desde N’gombe junto às fronteiras com a Tanzania à Mandambuze, Messumba e Lichinga. O envolvimento de Bernabé Kajika nos núcleos da Luta Clandestina aconteceu de forma discreta, por razões óbvias, que se podem encontrar na sua “colaboração” directa com as autoridades coloniais. De facto, Bernabé tinha relações de amizade com Alexandre Nchicoma e Sidney Namata, proeminentes dinamizadores dos núcleos. A esse respeito, Jorge Francisco Chilachila, prestou o seguinte depoimento: “Bernabé Kajika trabalhava como intérprete no Posto Administrativo de Cóbuè, pelo que estava sempre presente nas reuniões com a comunidade. A sua aparição ao lado dos portugueses levantava alguma desconfiança na população. No entanto, Kajika era frequentemente visto entre os populares a conversar com o Nchicoma e o Namata. Algumas pessoas sabiam que estes dois faziam trabalho político para a FRELIMO, de forma clandestina, porque já tinham sido sensibilizadas algumas vezes. Provavelmente, Kajika colaborava com eles, mas pela profissão que desempenhava, tinha de ser o mais discreto possível”.27 Jorge Chilachila acrescentou que Nchicoma, na qualidade de Secretário Adjunto de Organização e Administração do núcleo, notabilizou-se na mobilização de novos membros. 27

Jorge Francisco Chilachila, entrevista citada.

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Este tinha encontros regulares com Kajika. As reuniões eram realizadas nas casas dos membros do núcleo, evitando, sempre que podiam, estar na mesma residência mais de uma vez, como forma de ludibriar os agentes da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) e seus informantes. Em Cóbuè, alguns encontros foram realizados nas casas de João Zita Nzaloungue, Orlando Polomola e Udjesse28, dentre outras.29 Lúcia Magumbwa, esposa de Kajika e, igualmente, combatente da Luta de Libertação Nacional, debruçandose sobre o possível envolvimento de Kajika em actividades políticas clandestinas, afirmou: “Não tenho informações precisas sobre a participação do meu marido nas actividades do núcleo de Chigoma e outros. No entanto, lembro-me que nessa altura, Kajica era amigo de Sidney Namata e Alexandre Magnus, responsáveis pela criação do Núcleo de Chigoma, em Cóbuè. Muitas vezes, eles conversavam com algum sigilo, o que no meu entender, podiam estar a preparar acções contra o regime colonial português. A sua relação com esses emissários chegou a levantar suspeitas por parte dos agentes da PIDE. Assim, o meu marido passou a ser alvo de vigia e perseguições constantes pela PIDE. Desconfiavam que ele pertencesse à FRELIMO e que estava a passar informação confidencial a este movimento”.30 28

O informante apenas recordou-se de um nome.

29

Jorge Francisco Chilachila, entrevista citada.

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Lúcia Magumbwa, entrevista citada.

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Vida e Obra de Bernabé Adison Kajika

Por volta de 1963, a intervenção da PIDE em Cóbuè e em toda a faixa litoral do Lago Niassa era cada vez crescente. Kajika passou a ser alvo de perseguições dos agentes da PIDE devido a sua relação com os membros dos núcleos clandestinos. De igual modo, o facto de em muitos interrogatórios os visados serem ilibados das acusações, começou a levantar suspeitas sobre uma eventual protecção aos seus concidadãos. Os agentes desconfiavam que Kajika instruía a população sobre o que dizer diante de qualquer interrogatório ou, simplesmente, não traduzia os aspectos que pudessem incriminá-los. Este facto foi consubstanciado por Francisco Chilachila, nos seguintes termos: “Entre os agentes da PIDE e Kajika não havia um bom relacionamento, ainda que este trabalhasse na administração. Essa situação derivava do facto de Kajika defender os interesses da população que não recebia nenhuma remuneração quando realizava trabalhos solicitados pela administração. Além disso, os membros da comunidade eram desprezados e discriminados”.31 Refira-se que a mobilização da comunidade e dos jovens, em particular, também era feita através da difusão de informação por via radiofónica. Neste âmbito, destacamse os programas passados pela rádio a Voz da FRELIMO e a rádio Moscovo, que foram particularmente influentes no seio dos jovens moçambicanos.

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Jorge Francisco Chilachila, entrevista citada.

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6. Início da Luta Armada no Niassa A Luta Armada na Província de Niassa iniciou a 25 de Setembro de 1964, com o ataque à Base Naval de Metangula e ao Posto Administrativo de Cóbuè. Estas acções militares foram levadas a cabo por cerca de 11 guerrilheiros da FRELIMO, vindos da Tanzania, que se desdobraram em dois grupos.32 Estes guerrilheiros sairam de Kongwa, a 23 de Agosto de 1964, tendo chegado à Songea no dia 28 do mesmo mês, onde permaneceram cerca de duas semanas à espera de armamento proveniente de Dar-es-Salaam. Refira-se que o itinerário seguido para o transporte de armamento da Tanzania para o interior de Moçambique passou por Songea, onde foi carregado por uma viatura da marca Land Rover, pertencente ao comando regional da polícia tanzaniana até Mbamba-bay. Neste local, o armamento foi transportado via lacustre até a Ilha de Likoma, no território malawiano, como descreveu Herinques Calumbaine, um dos integrantes do grupo dos 11 guerrilheiros: “Éramos 11 guerrilheiros escolhidos para entrar no Niassa. No dia 23 de Agosto de 1964, a estrutura máxima do campo de treinos de Kongwa, informou-nos que ninguém devia sair naquela noite. Na mesma noite, fomos levados de carro até a sede da FRELIMO, onde fomos informados que iríamos entrar para o interior de Moçambique. No dia seguinte, partimos para Songea, onde hospedamos num hotel 32

Para mais detalhes vide: NDEGUE, David Francisco Xadreque. A Luta de Libertação na Frente do Niassa. Maputo: JV Editores, 2009. p. 42-54.

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Vida e Obra de Bernabé Adison Kajika

em que o comandante regional da polícia tanzaniana tinha boas relações. Neste ponto, permanecemos cerca de duas semanas e, no fim desse tempo, fomos informados que o material já havia chegado a Songea. O armamento veio no carro da polícia. No dia seguinte, compramos malas para poder colocar as armas de modo a disfarçá-las. Depois, o armamento foi transportado até Mbamba-bay, de onde seria levado via lacustre até à Ilha de Likoma”.33

Henriques Calumbaine

Chegados a Mbamba-bay, no dia 14 de Setembro, os guerrilheiros contactaram o senhor Golden André Salaca, um moçambicano ali residente, proprietário de algumas embarcações que faziam a travessia pelo Lago Niassa. Salaca prontificou-se a transportar o armamento, devidamente camuflado, até à Ilha de Likoma, no Malawi. 33

Henriques Calumbaine, entrevista de 16/03/2009. Distrito do Lago.

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Neste local, o Padre Muenda, um missionário anglicano, orientou para que o armamento fosse escondido numa caverna, na costa da Ilha de Likoma. Golden André Salaca descreveu este processo de transporte de material para o interior de Moçambique da seguinte forma: “O transporte de material para o interior de Moçambique foi feito no dia 14 de Setembro de 1964. Os guerrilheiros queriam partir no dia seguinte, mas eu aconselhei ao comando do grupo para sairmos no mesmo dia. Apelei para viajarmos naquele dia, porque no dia seguinte previa-se a ocorrência das tempestades Muela e Vuma, frequentes nestas águas, e que teríamos dificuldades de transitar pelo Lago Niassa. Essa ideia foi apoiada pelo comandante regional da polícia tanzaniana de Songea, que acompanhava o grupo. De seguida, os guerrilheiros aceitaram sair naquela mesma noite do dia 14 de Setembro. Nesta viagem, foram selecionados para escoltar o material os seguintes guerrilheiros: Barnabé Mateus Malipa, José Teodoro Ntauma, Henriques Calumbaine, Timóteo Matumba e Casimiro Malibane”.34

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Golden André Salaca, entrevista de 06/10/2013. Ilha de Likoma, Malawi.

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Vida e Obra de Bernabé Adison Kajika

Golden André Salaca

Durante a viagem, já no período nocturno, próximo à Ilha de Likoma, começou a tempestade Vuma. Essa situação quase que colocava em risco a vida dos guerrilheiros. Golden Salaca, piloto da embarcação, descreveu esse episódio da seguinte forma: “Eu estive na pilotagem. Quando apareciam ondas gigantes, diminuia a velocidade do barco, depois de passarem acelerava, assim sucessivamente, até chegar a Ilha de Likoma, onde fomos esconder o armamento. No meu regresso apareceu um barco da marinha de guerra da tropa colonial portuguesa a fazer rusga. Mandaram-me parar e fizeram várias 35


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perguntas. O interrogatório durou cerca de duas horas, no entanto, depois deixaram-me seguir a viagem”.35

Local onde os guerrilheiros da FRELIMO esconderam o armamento

Após a chegada do material à Ilha de Likoma, o comandante do grupo, Mateus Malipa, redigiu uma carta ao Senhor Muenhehere, residente em Chigoma, no Posto Administrativo de Cóbuè, para que este criasse as condições de transporte do armamento de Likoma para Moçambique. O destinatário respondeu positivamente ao pedido tendo, no entanto, informado que o barco da marinha de guerra portuguesa tinha saído da zona Norte do Lago Niassa, em missão de patrulhamento na faixa costeira, e que ainda não tinha voltado, por isso, tinham de aguardar. Somente depois do regresso do barco para a zona Sul, é que o material seria transportado para o interior de Moçambique.36 35

Golden André Salaca, entrevista citada.

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Golden André Salaca, entrevista citada.

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Reunidas todas as condições necessárias para o transporte do material, este foi carregado, a partir de Likoma, para o interior de Moçambique através das embarcações de dois senhores, mais conhecidos, um por Nkhuni e outro por Mzunje, ambos residentes no povoado de Mbweka, em Cóbuè. O Padre Muenda comunicou a chegada dos guerrilheiros em Chigoma ao Padre Zefanias Hansini e ao Régulo Chiteji.37 Por seu turno, estes receberam os guerrilheiros da FRELIMO e o material bélico que estava sob a sua responsabilidade e, o Régulo Chiteji mobilizou algumas pessoas do seu povoado para ajudar a carregar o material bélico de Chigoma ao Monte Thumbi, na região de Cóbuè.

Populares transportando material de guerra

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Matias Paulo Macoco, entrevista de 14/03/2009. Distrito do Lago.

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Nessa altura, as autoridades coloniais desdobravam-se em acções que visavam o controlo das fronteiras marítima e terrestre. A título de exemplo, a marinha de guerra portuguesa reforçou a patrulha lacustre com barcos que percorriam as margens das fronteiras marítimas dos países vizinhos.

Lancha de fiscalização pequena (LFP). (Fonte: Afonso e Gomes, 2010)

O grupo que entrou via lacustre juntou-se ao outro que havia seguido de Mbamba-bay via terrestre, no povoado de Mbweca no dia 21 de Setembro de 1964.38 Estes posicionaram-se no monte Thumbi de onde planearam o início da Luta Armada para o dia 25 de Setembro do mesmo ano, tendo como alvos, a base Naval de Metangula e o Posto Administrativo de Cóbuè, criteriosamente definidos, tendo em conta a sua importância estratégica. 38

RAIDONE, op. cit. 60.

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Com efeito, na base Naval de Metangula estava concentrado o maior efectivo das tropas coloniais ao longo do Lago Niassa. Tinham como postos avançados os aquartelamentos de Lunho, Chia, Ngôo, Lupilichi e Miandica. Por seu turno, a zona de Cóbuè era estratégica para a guerrilha da FRELIMO, pois, era um ponto de ligação entre o interior de Moçambique e os territórios malawiano e tanzaniano, um dos principais itinerários usados pelos guerilheiros. A tropa colonial apercebeu-se desta situação pelo que concentrou um grande efectivo militar na região. Em Cóbuè, os guerrilheiros da FRELIMO atacaram o Posto Administrativo local, na madrugada do dia 25 de Setembro, acção que provocou pânico na zona. O chefe do posto, aterrorizado, saiu em direcção à Metangula, onde estava o comando da tropa portuguesa, a busca de socorro. Na sua viagem, o barco atracou em Ngôo. Os guerrilheiros da FRELIMO que haviam atacado a Base Naval de Metangula recuaram para esta zona e aperceberam-se da presença do barco, mas não o atacaram, em defesa da população civil. Neste contexto, operacionalizavam as orientações do Presidente Eduardo Chivambo Mondlane, no sentido de os guerrilheiros evitarem ataques às populações civis, mas sim, concentrando as suas atenções aos agentes da administração colonial, principal alvo da Luta. Esse acontecimento foi descrito por Henriques Calumbaine, nos seguintes termos: “Depois do ataque a Base Naval, partimos para Ngôo onde chegámos durante a noite. No dia seguinte, ouvimos o ruido de um barco que saia de Cóbuè em direcção à Metangula. 39


Vida e Obra de Bernabé Adison Kajika

Aproximámo-nos para averiguar a situação. No local, encontramos dois fiscais que nos informaram que dentro do mesmo estava o chefe do posto e, por isso, nos proibiram de entrar à bordo. Não atacamos o barco porque o mesmo levava populares”.39 Importa referir que nessa altura Kajika trabalhava na administração de Cóbuè e não ficou alheio a esse acontecimento. A PIDE, como reacção, intensificou as suas acções de vigilância e sevícias contra a população local na tentativa de obter informações sobre os guerrilheiros da FRELIMO. Bernabé Kajika foi uma das pessoas-alvo de vigia, pois, já pesava sobre ele a suspeita de que colaborava com os núcleos clandestinos da FRELIMO e que defendia a população perante a administração colonial, aspecto referido anteriormente. Apercebendo-se do perigo que corria, Kajika não vislumbrou outra solução senão a de abandonar o seu trabalho na Administração de Cóbuè e juntar-se, de forma efectiva, à FRELIMO.

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Henriques Calumbaine, entrevista de 16/03/09. Distrito do Lago.

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7. Ingresso de Bernabé Adison Kajika na FRELIMO Com o início da Luta Armada em Niassa, a estrutura da administração colonial portuguesa foi seriamente abalada. Em reacção, a PIDE redobrou os seus esforços, vigiando e perseguindo todas as pessoas suspeitas de ter ligações com a FRELIMO. Como resultado, o número de prisões arbitrárias e torturas aumentou de forma exponencial. A título de exemplo, na região do Lago foram presos Sidney Namata e Alexandre Magnus, em 1963, duas proeminentes figuras no que tange a mobilização da população, à causa revolucionária. Com o ataque a Base Naval de Metangula e ao Posto Administrativo de Cóbuè, a repressão sobre a população, com maior incidência nos jovens, atingiu níveis intolerantes. Todavia, esta acção intimidatória não logrou os objectivos pretendidos, o de fragilizar a base de apoio da guerrilha e aniquilar os combatentes. Contrariamente, muitos jovens sentiram-se galvanizados a se juntarem à FRELIMO, como um movimento libertador da sua Pátria. Foi neste âmbito que Bernabé Kajika, então funcionário da administração colonial portuguesa, decidiu envolver-se de forma mais activa e directa à causa libertária. Ademais, a PIDE apertava o cerco sobre a sua pessoa, sob suspeita de que colaborava com os emissários da FRELIMO. Deste modo, Kajika de forma sigilosa, começou a engendrar o seu plano de fuga, porém, preocupando-se em não pôr em risco a sua família. Assim, estrategicamente, transferiu para Messumba a sua esposa Lúcia Magumbwa e seus dois filhos. 41


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Refira-se que a fuga de Kajika foi precipitada pelo bárbaro assassinato de pessoas indefesas, perpetrada pela tropa colonial portuguesa, em retaliação a um ataque infringido aos seus efectivos em Cóbuè. Com efeito, a 27 de Março de 196540, um grupo de guerrilheiros da FRELIMO emboscou um contingente português na zona de Namisse, a cerca de 3 km da Sede do Posto Administrativo de Cóbuè, onde foi atingido mortalmente um capitão do exército colonial português. Este combate resultou da perseguição que os guerrilheiros da FRELIMO encetavam contra Maico Djadja41, um moçambicano ao serviço da tenebrosa e sanguinária PIDE. Desmascarado pela população, os combatentes da FRELIMO tentaram capturá-lo para obter informações sobre o inimigo, mas aquele escapuliu-se e, em retaliação foi informar à administração colonial sobre a presença de combatentes na zona. Na tentativa de desmantelar os guerrilheiros da FRELIMO, a tropa colonial viria a cair na emboscada anteriormente referida. A próposito deste triste acontecimento, um grupo de sobreviventes do assassinato lembrou-se daqueles momentos de terror, tendo acrescentado, o seguinte: “Em Março de 1965, um grupo da tropa portuguesa perdeu o seu capitão num ataque protagonizado pelos guerrilheiros da FRELIMO. 40

Importa frisar que nesta altura, a Província de Niassa tinha recebido um contingente de cerca de 70 guerrilheiros. Com este reforço, foram lançadas intensas acções guerrilheiras como sabotagens, emboscadas e ataques aos aquartelamentos do inimigo. 41

Algumas fontes indicam que Djadja havia cumprido o serviço militar no exército colonial português, afecto na Índia. Após a sua desmobilização regressou a Cóbuè, sua terra natal, onde foi recrutado pela PIDE, e passou a trabalhar como informante. Djadja encontrou a morte em Maio de 1965, num combate contra os guerrilheiros da FRELIMO, no povoado de Chigoma.

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Esta situação provocou a ira dos militares que, como vingança, descarregaram a sua fúria sobre a população civil, matando cerca de 7 pessoas, na Ponta de Mala, um povoado de Cóbuè. Lembro-me de alguns nomes entre os perecidos, como Gridath Nchissaca, Mukongodjo e seu filho, Mateus e Andrea Ntambo. Uma outra pessoa foi assassinada na sede do Posto Administrativo de Cóbuè”.42 Como consequência, parte da população de Cóbuè fugiu para o Malawi e Tanzania. Outra seguiu para a zona de Mbweca, em Cóbuè, onde estava situada a base de segurança Ndalala da FRELIMO, em busca de protecção. A tese de que Bernabé Kajika já vinha sendo vigiado de forma mais cerrada pela PIDE, e que a sua prisão era iminente foi, igualmente, corroborada por Mateus Chijua, seu contemporâneo e combatente da Luta de Libertação Nacional. De acordo com este informante, Kajika havia sido denunciado por Maico Djadja, como se depreende no seu depoimento: “Conheci Kajika quando era intérprete da administração colonial em Cóbuè. Nessa altura, havia um colaborador da PIDE chamado Maico Djadja que deu informação aos portugueses de que Kajika cooperava com Rupia43. Este era um mobilizador da FRELIMO, morto de forma bárbara aquando da visita do administrador de Maniamba ao Posto Administrativo de Cóbuè. 42

António Gweluca, Paulo Jumbe Nicolau, Elias Pedro Nsinde, entrevista de 5/10/2013. Cóbuè, Distrito do Lago. 43

O entrevistado apenas recorda-se desse nome.

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A tropa colonial ordenou a Rupia para que abrisse uma cova e, de seguida, executou-o, tendo-o enterrado na mesma. Kajika, tendo-se apercebido que corria o mesmo risco, fugiu na noite do mesmo dia para a Base de Segurança de Chitope, em Mandambuzi. Nesta, Kajika foi recebido pelo comandante Francisco Chiulica”.44 Bernabé Kajika ludibriou a PIDE, deixando todos os seus pertences para não levantar suspeitas. Simulando um passeio rotineiro, Kajika embrenhou-se pela mata tendo seguido até a Base de Segurança de Chitope, a cerca de 30 km da sede de Cóbuè. Foi neste local que Kajika, efectivamente, filiou-se à FRELIMO, em Março de 1965. A Base de Segurança de Chitope era um ponto de trânsito. Com efeito, Bernabé Kajika viria a ser encaminhado para a Base de Instrução de Mepoche, no mesmo ano. Fundada no mesmo ano, Mepoche para além de ter servido como uma base operacional da FRELIMO, foi um importante centro de treinos de jovens nacionalistas. Neste local, Kajika teve a sua iniciação militar, recebendo a preparação básica. Refira-se que nessa altura, a Base de Instrução de Mepoche era dirigida por Sebastião Chinguane Marcos Mabote. Tinha como instrutores, José Maria e Mateus Kassonjola.

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Mateus Chijua, entrevista de 09/04/2014. Mandambuzi-Distrito do Lago.

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8. Preparação Político-Militar de Bernabé Kajika A preparação político-militar de Bernabé Kajika começou no interior de Niassa, na Base de Instrução de Mepoche, em 1965. Nesta base, juntou-se a outros jovens nacionalistas, como Francisco Magumbwa, Bernardo Goy-Goy e Erasto Mulembwe. Em Mepoche, os treinos incidiram sobre aspectos relativos à aptidão física, táctica militar e a manipulação de armamento. Nestes momentos os instrutores tinham a oportunidade de classificar e avaliar os instruendos. Importa referir que a preparação de Kajika durou cerca de três meses. Findo o treino, foi seleccionado juntamente com outros colegas para darem continuidade à preparação militar no campo de treinos de Bagamoyo, em Dar-es-Salaam, em Outubro de 1965. Nessa altura, Bagamoyo era o espelho da Unidade Nacional, visto que estavam neste campo jovens provenientes de todas as províncias de Moçambique, simbolizando uma única pátria e o desejo de autodeterminação e independência. Neste campo, Kajika participou em actividades diversas, como estudos políticos, onde era transmitida a linha ideológica da FRELIMO e, em exercícios de natureza militar. No que se refere aos estudos políticos, para além de informações relacionadas com a natureza da Luta do povo moçambicano contra o regime colonial português, eram administradas matérias relativas ao inimigo que devia ser combatido e, sobretudo, a necessidade da construção e consolidação da Unidade Nacional.

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Em Bagamoyo, Kajika45 foi seleccionado para dar continuidade à preparação militar em Simferopol, Ucrânia, na então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1965. Neste território, foi formado na área de comando das tropas de Infantaria durante seis meses, tendo terminado em Maio de 1966. Findo os treinos, Bernabé Kajika regressou a Dar-es-Salaam, de onde posteriormente foi enviado para Nachingwea. Em Nachingwea, o grupo de Kajika foi submetido a sessões de uniformização e compatibilização de comando para adequá-lo à estratégia político­-militar nas operações. Este exercício visava, igualmente, permitir a ambientação dos guerrilheiros às reais condições das frentes de combate. Depois desse período, alguns eram enviados para o teatro de operações, no interior de Moçambique e, outros assumiam responsabilidades em Nachingwea, como instrutores. De facto, na área da formação, na FRELIMO existia uma política cujo objectivo era maximizar a estratégia de “importação” de conhecimentos e técnicas militares. Para este efeito, foram dadas orientações no sentido de todos os quadros se empenharem na disseminação do seu saber aos novos combatentes. Certamente que Nachingwea era o principal centro para o efeito. 45

Este grupo era composto de quarenta e oito (48) homens, na qual se destacam alguns combatentes: Raul Casal Ribeiro que era o chefe do grupo, Velho Muchanga, Artur Throate, Erasto Mulembwe, Xavier Sulila, Bernabé Kajika, Rui Fino Machado, José Simango, Jaime Amansi, Rafael Magune, Matias Juma, Raimundo Simango, Inácio Jonas, Fernando Mucavele, Lúcio Jigueira, Rodrigues Murrebo, José Humberto, Domingos Fondo, Vicente Malhuza Muyambo, Amândio Chongo, João Mangoma, Cândido Jassi, Tobias Sigaúque, José António Sebastião, Alfredo Simango, Ernesto Combo, entre outros.

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Neste contexto, um dos integrantes do grupo de Bernabé Kajika que assumiu a instrução militar em Nachingwea foi Belmiro Obadias Muianga. Importa destacar que a maior parte dos guerrilheiros foram imediatamente destacados para o interior de Moçambique, como forma de conferir um maior ímpeto à Luta Armada. Kajika, na companhia de Lino Abrão, Jonas Mucavele, dentre outros, seguiram para a Frente de Niassa, em 1966, especificamente à região Oriental, aspecto a ser desenvolvido mais adiante.

Guerrilheiros da FRELIMO, em treinos militares

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9. Início da Luta Armada na Região Oriental de Niassa A Província de Niassa, pelas suas características geográficas e dimensão territorial, foi dividida em três zonas operacionais, Ocidental, Austral e Oriental, como forma de conferir uma autonomia às operações militares, maior organização da população para a Luta, dentre outros aspectos. Este procedimento visava, igualmente, criar condições para o avanço da guerra para outras frentes, como Nampula e Zambézia. Consequentemente, a tropa colonial portuguesa viu-se obrigada a dispersar o seu efectivo na tentativa de reagir a esta estratégia adoptada pela FRELIMO. A frente Oriental de Niassa foi aberta em Outubro de 1965, por um pelotão composto por cerca de 46 guerrilheiros, liderados por Samora Moisés Machel, coadjuvado por Solomone Machaque, tendo como Comissário Político André Moyo, e Ernesto Paulo, Chefe de Operações. O grupo estava dividido em três secções chefiadas por Matias Pius, Pedro Malipa e Marcos Ndowana. Estes tinham como destino a zona de Mecula, mas devido às dificuldades encontradas, como as grandes distâncias, a falta de água, a fraca densidade populacional e a forte concentração da tropa colonial na fronteira com a Tanzania, foram forçados a mudar o itinerário, instalandose em Mavago, onde fundaram a Base Kwilambo.46 Nesta região, Samora Moisés Machel e André Moyo contactaram o régulo Mataaka, como forma de sensibilizar 46

Vide a obra de NDEGUE, David Francisco Xadreque. A Luta de Libertação na Frente do Niassa. Maputo: JV Editores, 2009. p. 135 e DOVE, Roberto, et all. Vida e Obra de José Phahlane Macamo (1936-1968). Maputo: ARPAC, 2008. p. 41.

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as lideranças tradicionais para a causa da Luta e, por via destes, a população, “braço” fundamental para a “guerra de guerrilha”. Conforme as palavras de Samora Moisés Machel, proferidas à Revista “Tri-Continental” nº 18/1970, “sem a população o guerrilheiro é como se fosse um cego e surdo, ao mesmo tempo. Não recebe informações, nem orientação e não conhece a posição do inimigo”.47 Mataaka prontificou-se a apoiar os guerrilheiros, o que facilitou a instalação de acampamentos militares da FRELIMO. Com efeito, na sua qualidade de líder tradicional influente e carismático, conseguiu mobilizar as restantes autoridades tradicionais a se juntarem à guerrilha, passando, maior parte a residir junto das bases da FRELIMO. Após esta acção, Samora Machel regressou à Nachingwea, ficando Solomone Machaque, no comando do grupo. Como forma de inviabilizar as acções da FRELIMO na região, a tropa colonial portuguesa estabeleceu barreiras contra a movimentação e infiltração dos combatentes e equipamento militar, através de acções de contra-guerrilha, nomeadamente, a psico-social e o reforço da capacidade ofensiva dos seus aquartelamentos, espalhados ao longo do rio Rovuma. Assim, no que concerne à psico-social, a tropa colonial mobilizava a população para que delatasse os elementos da FRELIMO junto das autoridades coloniais. De igual modo, esta devia recorrer à flechas para atacar os guerrilheiros. A este respeito, Germano Ntaula, combatente da Luta de Libertação Nacional, salientou: “Nos princípios de Outubro de 1965, o chefe do posto de Tenente Valadim (Mavago), reuniu47

http://digitarq.dgarq.gov.pt. PT/TT/SCCIM/A/20-7/38. Cota n º 1170.

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se com a população, onde mobilizou os jovens para pegarem em flechas e lutar contra os guerrilheiros da FRELIMO. De igual forma, ele orientou para que a população recebesse os guerrilheiros e dar-lhes alimentos. Quando estes estivessem a comer, a população devia correr para informar as autoridades coloniais ou, à sua saída, montar-lhes emboscadas com recurso à flechas”.48

Germano Ntaula

Alguns líderes tradicionais encabeçados pelo Ce Salaange Citeemwe (Mataaka VII), não se deixaram corromper pelos portugueses. Na sequência, a 24 de Dezembro de 1965, parte significativa da população juntou-se aos guerrilheiros da FRELIMO. Esta movimentação foi descoberta pelas autoridades coloniais posicionadas no Posto Administrativo de Tenente Valadim, no dia seguinte. Como reacção, destacaram um contingente militar para a zona deste régulo Mataaka, por volta das 14:00h. Para o efeito, foram mobilizados quatro camiões com militares. 48

Germano Ntaula, entrevista de 07/10/2014. Distrito de Mavago.

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Constatada a fuga da população, os militares portugueses regressaram ao Posto Administrativo. Durante o trajecto foram emboscados pelos guerrilheiros da FRELIMO. Esta operação cirúrgica resultou em danos materiais e humanos por parte da tropa colonial, como afirmou Germano Ntaula: “Quando os soldados portugueses regressavam da zona do régulo Mataaka foram emboscados pelos guerrilheiros da FRELIMO. Nesse ataque, houve muitas baixas por parte das tropas afectas ao posto de Tenente Valadim. Dos quatro carros que saíram, três voltaram a ser rebocados devido aos danos causados pelo ataque. Morreram muitos homens da tropa portuguesa porque no dia 26, apareceram três aviões entre as 04:00h e as 06:00h para levar soldados mortos e feridos”.49

Camião destruído, como resultado da acção dos guerrilheiros da FRELIMO 49

Germano Ntaula, entrevista citada.

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A precisão deste ataque despertou às autoridades coloniais de Tenente Valadim sobre a elevada capacidade organizativa e o forte poder de combate da FRELIMO. Não conseguindo retaliar sobre os guerrilheiros, os soldados portugueses lançaram a sua ira sobre a população civil com o objectivo de fragilizar a base de apoio da guerrilha. Germano Ntaula, na altura servente do aquartelamento de Tenente Valadim, descreveu o ambiente vivido no seio da tropa colonial, da seguinte forma: “Eu era servente do aquartelamento de Tenente Valadim. Depois do ataque a nossa situação ficou complicada. Não podíamos sair do aquartelamento. Os soldados vinham ter connosco e acusavam-nos de sermos os culpados pela morte dos seus colegas. Ficávamos permanentemente com medo, pois, chegamos a desconfiar que iriam abrir fogo sobre nós, a qualquer momento. Todos os serventes, decidimos fugir na noite daquele dia ao encontro dos nossos familiares”.50 A intensificação das atrocidades por parte dos soldados portugueses, em colaboração com os agentes da PIDE, dissipou dúvidas sobre a natureza desumana e historicamente caduca do regime colonial. Consequentemente, alguns líderes tradicionais que se mostravam com reservas aquando da mobilização de Mataaka, caso dos régulos Lijombo, Maguta e Assumane, abandoram as suas zonas e na companhia da população foram para locais mais seguros junto dos acampamentos dos guerrilheiros da FRELIMO, concretamente, na zona de Nsipo. 50

Germano Ntaula, entrevista citada.

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O Comando da FRELIMO, ciente da necessidade de proteger a população e manter as posições conquistadas à tropa colonial, enviou um reforço à Região Oriental de Niassa. Na sequência, em Janeiro de 1966, uma companhia saiu do Campo de Kongwa para o Oriente. Este grupo era dirigido por Joaquim Mutamanga, onde Cosme Mitudo assumia o cargo de Vice-Comandante. O restante comando integrava Armando Panguene, Comissário Político, Esau Cagwa, Vice-Comissário Político, José João Zangoma51, chefe do primeiro pelotão, Francisco Mazuze, chefe do segundo pelotão e João Amisse, chefe do terceiro pelotão.52 Por razões estratégicas e de segurança, a base viria a ser transferida de Nsipo para as margens do rio Mbetano, uma zona de difícil acesso. Esta zona reunia condições adequadas para a instalação da base e fixação da população, como água e fertilidade dos solos. Assim, a partir deste local, os guerrilheiros da FRELIMO realizaram várias emboscadas, o que resultou na redução da mobilidade da tropa colonial portuguesa e dificuldade no reforço em efectivos e materiais aos aquartelamentos de Tenente Valadim e Milepa. Em Mbetano, foi constituído o Comando da Região Oriental de Niassa, sendo formado por, Joaquim Mutamanga, tendo Matias Pius, como Adjunto-Comandante, Armando Panguene, Comissário Político e Esaú Ezra Cagwa, Comissário Político Regional Adjunto.53 51

Este era conhecido nos meandros militares por Gandula.

52

NDEGUE, op.cit. p. 146.

53

DOVE, op. cit. p. 42.

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Assim constituidos, os guerrilheiros efectuaram diversos desdobramentos, com o intuito de alargar a área de operações militares, o que levaria a uma maior dispersão das forças coloniais. Nesse contexto, de Mbetano, uma parte dos guerrilheiros dirigiu-se à zona de Nkalapa, outra para Chiconono, um terceiro grupo para Litunde e o Comando Regional para a base de Missangula.

9.1. Bernabé Kajika na Frente de Niassa Oriental O avanço da Luta para novas áreas de combate colocava a necessidade de um suprimento regular em guerrilheiros e material letal. Neste sentido, para além do incremento do recrutamento e treinamento de efectivos nas bases do interior, afigurava-se premente a melhoria da capacidade combativa, através do envio para as frentes de combate de guerrilheiros com uma melhor preparação militar. Assim, em finais de Junho de 1966, a Segunda Companhia do Primeiro Batalhão treinada em Nachingwea, foi enviada para a Frente Oriental de Niassa. A Companhia era comandada por Lino Abrão, sendo seu adjunto Jonas Mucavele. João Facitela Pelembe e Bernabé Adison Kajika ocupavam os cargos de Comissário Político e Vice-Comissário Político, respectivamente. Especificamente, esta tinha como objectivo reforçar o destacamento do comandante Francisco Mazuze, na região de Mtelela, em Majune, progredir para a região de Maúa e desenvolver operações militares em direcção à Marrupa. De Nachingwea, a companhia escalou o Centro Educacional de Tunduru onde o chefe do Departamento de Segurança e de Defesa (DSD), Filipe 54


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Samuel Magaia, inspeccionou o grupo para confirmar a prontidão combativa e transmitir as últimas orientações militares. Posteriormente, os guerrilheiros partiram para Chamba, um dos locais usados para a travessia do rio Rovuma, tendo-se instalado na zona do Régulo Mtarica ou Metarica.54

Guerrilheiros da FRELIMO, atravessando para o interior de Moçambique

Neste período, a região Oriental enfrentava inúmeros desafios no contexto da Luta Armada. De facto, os guerrilheiros debatiam-se com questões relacionadas à vastidão do território, a reduzida população e a alta concentração da tropa colonial na fronteira com a Tanzania. O Oriente era, inequivocamente, a região militar mais extensa, abrangendo cerca de sete distritos, a saber: Mecula, Mavago, Marrupa, Majune, Maua, Nipepe e Metarica. Incluía ainda partes de Muembe. Este cenário PELEMBE, João Facitela. Lutei Pela Pátria: Memórias de um Combatente da Luta pela Libertação Nacional. Maputo: Edição do Autor, 2012. p. 68-74. 54

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condicionava a movimentação dos guerrilheiros bem como a articulação entre os diferentes pontos estratégicos, dificultando, em certa medida, as comunicações entre as várias unidades guerrilheiras, posicionadas nas frentes de operações. Esta situação era agravada pela fraca densidade populacional, aspecto com impacto na estratégia militar assente na guerrilha, pois, numa “guerra de guerrilha” o apoio popular é fundamental para o sucesso das operações. Aliás, a Luta desencadeada pela FRELIMO era uma “Luta Popular”, exigindo a participação de todos os moçambicanos, como escreveu Eduardo Mondlane.55

Samora, observando bombas Napalm 55

.

MONDLANE, Eduardo. Lutar por Moçambique. Maputo: CEA, 1995.

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Na tentativa de cortar os pontos de entrada dos guerrilheiros da FRELIMO e bloquear os itinerários de abastecimento em víveres e armamento, a partir da Tanzania, o exército colonial concentrou um número considerável de tropas na zona fronteiriça. Com esta acção, a assistência ao interior tornou-se mais difícil, situação agravada pelo uso de bombas Napalm, pelo inimigo. Este foi um difícil cenário de guerra que Bernabé Kajika encontrou na região Oriental. Impunha-se a este guerrilheiro, e seus companheiros, a inversão urgente deste quadro para que a Luta avançasse, desafio encarado pelo grupo com frontalidade. Importa referir que responsabilidade acrescida recaía sobre os comissários políticos, porque cabia a estes mobilizar a população que se encontrava dispersa e em número reduzido, bem como elevar o moral combativo dos guerrilheiros, mesmo diante de grandes adversidades. João Pelembe e Bernabé Kajika na qualidade de comissários políticos da Segunda Companhia do Primeiro Batalhão, a partir de Junho de 1966, souberam desenvolver uma actividade exemplar no seio dos guerrilheiros e da população como forma de ultrapassar os desafios existentes na região Oriental. Assim, numa primeira fase, incrementaram a actividade de mobilização dos jovens voluntários, explicando-lhes sobre as razões da Luta que o povo moçambicano estava a desencadear; sobre a relevância da Unidade Nacional e a importância do seu envolvimento nos esforços libertários. Esta acção foi realizada com notável sucesso pela companhia de Kajika, e em seguida, iniciou com o desencadeamento de fortes acções militares. A título de 57


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exemplo, um dos primeiros ataques em que Bernabé Kajika participou na região Oriental de Niassa teve como alvo uma unidade da tropa colonial acampada ao longo do rio Lugenda. Nesta operação, os guerrilheiros da FRELIMO, em sua maior força, mediante a conjugação da artilharia e da infantaria, desferiram um duro golpe à tropa colonial, causando-lhes enormes baixas. No âmbito do prosseguimento das acções combativas, dois pelotões da companhia de Kajika foram movimentados para a zona de Mtelela onde estava situada a base do Comandante Francisco Mazuze. Entretanto, Bernabé Kajika permaneceu em Metarica, com o desiderato de proteger a população. Devido ao sucesso espectacular que os guerrilheiros observaram em Mtelela, foi orquestrada uma operação de grande envergadura contra a antiga ʺCantina do Antónioʺ. Para a materialização desse combate, foi solicitada a participação do pelotão que estava sob a responsabilidade de Bernabé Kajika. A respeito desta operação ofensiva dos guerrilheiros, João Facitela Pelembe revelou que, apesar da superioridade numérica do inimigo e do reconhecimento realizado não ter conseguido localizar com bastante exactidão os locais onde se encontravam posicionadas as suas sentinelas, este foi considerado um bom combate, e que não se observaram baixas do lado dos guerrilheiros. Pelembe salientou: “(…). Para completar a nossa companhia, vimos a necessidade de mandar vir o nosso pelotão que havia ficado na região de Mtarica. Estando a nossa companhia completa com a chegada do nosso pelotão, começámos os 58


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preparativos para o combate, juntamente com o Destacamento do Comandante Mazuze. O alvo desse combate era o inimigo que se encontrava acampado numa antiga loja denominada António. Notámos que o efectivo do inimigo era enorme em relação as nossas duas unidades, pelo que a operação exigia muita coragem e cautela. Depois de todos os preparativos, as duas unidades iniciaram a marcha de combate até ao ponto de partida para alvejar o inimigo. O combate deveria ser às 4:00 horas da madrugada. Confirmada a prontidão das duas unidades, iniciamos o combate, formando uma linha. Note-se que o nosso trabalho de reconhecimento não havia descoberto com toda a exactidão os lugares onde se encontravam posicionadas as sentinelas do inimigo. Mesmo assim, não deixamos de progredir em direcção ao alvo já definido. (…). Como não deixaria de ser, o inimigo respondeu ao nosso ataque com fogo de todo o tipo de armamento que possuía. O combate demorou aproximadamente 45 minutos. (…). Pode-se concluir que o combate foi bom, apesar da superioridade numérica do inimigo. Saímos todos como entramos, sem nenhuma baixa”.56 Ainda que a estadia de Bernabé Kajika e sua companhia na região Oriental tivesse sido curta, as suas acções tiveram um impacto positivo. De facto, a mobilidade da 56

PELEMBE, op. cit. p.77-78.

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tropa portuguesa foi drasticamente reduzida, confinandose os efectivos em Marrupa e Cuamba. A ligação rodoviária entre essas zonas, bem como com Lichinga, Mecula e Mavago foi seriamente condicionada, em virtude das frequentes emboscadas dos guerrilheiros da FRELIMO. Consequentemente, os militares portugueses viram-se obrigados a recorrer a meios aéreos, o que encarecia os custos da guerra.

Aeródromo de Metangula. (Fonte: google image)

Ainda neste cenário, tornou-se extremamente complexo reabastecer os efectivos da tropa colonial portuguesa estacionados na zona fronteiriça com a Tanzania. Este facto resultou num desgaste psicológico do inimigo e na redução forçada das tropas naquales locais, o que permitiu a reabertura das linhas de abastecimento às regiões do interior de Niassa, a partir da Tanzania, por parte do Comando da FRELIMO.

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Imediatamente, começaram a surgir grandes extensões de territórios relativamente livres de acções da tropa colonial, as Zonas Libertadas. Emergiam deste modo, porções de terra livres da dominação colonial. Era o alvor da Independência de Moçambique, que seria alcançada a 25 de Junho de 1975. De facto, a população começou a afluir à estas zonas em virtude da segurança que se assistia. Para sua comodidade, o comando regional implantou algumas infra-estruturas sociais, como escolas e hospitais. A este respeito, um grupo de combatentes em Mavago, mencionou: “Com a desestruturação das tropas inimigas estacionadas ao longo da região Oriental, pela acção dos guerrilheiros da FRELIMO, foram implantadas zonas libertadas em Luquisse, Nkalapa, Msawize e Lukukuti. Esse processo foi acompanhado pela instalação de infraestruturas sociais, como escolas, hospitais, centros infantários, centros de tratamento de pessoas portadoras de lepra e bases de produção agrícola. A população começou a ver os frutos da guerra, o que a motivava para prestar mais apoio aos guerrilheiros”.57 O período que se estende de 1966 a 1968, é bastante sensível na História da Luta Armada de Libertação Nacional. Sem descurarmos o mérito alcançado em vários domínios, pela negativa foi caracterizado por desafios como o tribalismo, o regionalismo, os assasinatos e as deserções. Refira-se, no entanto, que estes aspectos não 57

Maguta Alifa, Mandausse Katapuito, Germano Ntaula, Geraldo Issa Mibaias e Marcelo Anica, entrevista de 07/10/2013. Mavago.

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abalaram estruturalmente este movimento, pois, foram assumidos como típicos de qualquer guerra e, sobretudo, de guerrilha. Enfatizando estes aspectos, sobretudo no que diz respeito às deserções, o Presidente Eduardo Chivambo Mondlane, dirigiu-se, aquando do II Congresso da FRELIMO, nos seguintes termos: ʺO fenómeno da deserção não é uma característica específica da Luta de Libertação de Moçambique. Há deserções na maior parte dos países, mesmo quando estes não estão em guerra. No Movimento de Libertação de Moçambique, as deserções têm várias causas. Muitos camaradas engajam na Luta porque têm uma consciência política nacionalista. Mas há outros cujo sentimento nacionalista é fraco. Há outros ainda que tendo cometido infrações receiam ser condenados pelas autoridades portuguesas (...) os indíviduos com um passado como o destes últimos, muitas vezes, fraquejam, não conseguem suportar as dificuldades da vida dos guerrilheiros (...) desertam. Uma vez fora do movimento, começam a inventar desculpas para se justificarem. Uns lançam boatos para desacreditar os dirigentes, separá-los das massas e desintegrar a Luta. Outros entregam-se aos portugueses. As deserções são crimes graves. Os desertores são inimigos do povo moçambicanoʺ.58 58

DOVE, Roberto, et al. II Congresso da FRELIMO, 20 a 25 de Julho de 1968. Maputo: ARPAC, 2008. p. 27.

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No seio da FRELIMO, um dos marcos do tribalismo foi o envolvimento de Lázaro Nkavandame em acções de mobilização dos chairmen para se desviarem da sua participação na extensão da Luta Armada para as regiões Centro e Sul do País. Esta é a propalada visão regionalista sobre a Luta, defendida por Nkavandame. Neste contexto, passado algum tempo, o contingente no qual fazia parte Bernabé Kajika viveu este fenómeno caracterizado por deserções e tribalismo. Com efeito, surgiram algumas desinteligências no seio da Segunda Companhia do Primeiro Batalhão a respeito da extensão da Luta. Enquanto por um lado, alguns comandantes defendiam uma estratégia sustentável da Luta, baseada no envolvimento das comunidades, reconhecimento das zonas, estabelecimento de bases militares em lugares seguros, outros defendiam uma rápida e insustentável progressão para outras zonas. Consequentemente, estas contrariedades tiveram efeitos negativos nos planos de operação do comando da Companhia. De um modo geral, o desentendimento resultou na inoperacionalidade da Companhia. Em face desta situação, o Comando desfez-se, tendo os chefes regressado à Nachingwea, de onde receberam novas missões. Neste sentido, Bernabé Adison Kajika foi indigitado para a região Ocidental da Província de Niassa; Lino Abrão, Lucas Mucavele e João Facitela Pelembe para a Província de Cabo Delgado. Refira-se que o avanço da Luta nas províncias de Niassa e Cabo Delgado colocava novos desafios no que concerne 63


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ao reforço das frentes de operação militar. Assim, para além do recrutamento local, como se referiu anteriormente, quadros séniores do movimento eram enviados para os teatros de combate, com o objectivo de conferir um maior ímpeto às investidas militares nacionalistas. Neste contexto, após uma breve estadia em Nachingwea, Bernabé Kajika seguiu para a base Mepoche, na região Ocidental de Niassa, como Comissário Político. Com esta colocação, esperava-se maximizar as habilidades demonstradas na região Oriental, para a transposição dos constrangimentos que se verificavam na zona. Com efeito, entre 1967 e 1968, a região Ocidental, entre outras, estava a ressentir-se de alguns desafios, como a emigração da população e o recrudescimento de focos de instabilidade no seio dos guerrilheiros, como resultado das acções de agentes infiltrados da PIDE, os quais fomentavam o tribalismo. Estes aspectos conduziram ao agravamento da fome e à intensificação das deserções dos guerrilheiros das fileiras da FRELIMO. Debruçando-se sobre este assunto, Langa et al59, referiu que na impossibilidade de se movimentar no terreno devido as constantes emboscadas e minas implantadas pelos guerrilheiros da FRELIMO, a tropa colonial passou a fazer o uso massivo de meios aéreos, intensificando os bombardeamentos, principalmente sobre a população civil e os campos de produção, com o recurso a desfolhantes. De igual modo, a PIDE fomentava no seio dos guerrilheiros, tendências tribalistas e regionalistas, cujos efeitos eram bastante negativos nos esforços tendentes a libertação da terra e do povo moçambicanos. 59

LANGA, Elídio et al. Vida e Obra de Romão Fernandes Farinha (1943-1973). Maputo: ARPAC, 2013.

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Como consequência, houve uma acentuada dispersão da população para outras regiões, bem como a emigração para os países vizinhos. A fragilização desta base de apoio da guerrilha resultou na baixa da produção agrícola e consequente escassez de alimentos para os soldados, afectando significativamente o moral dos guerrilheiros. Perante este cenário, ao qual se acrescem os problemas de índole tribal, agudizaram-se as deserções dos guerrilheiros.

Samora Moisés Machel, reunido com populares

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9.2. Bernabé Kajika na Frente de Niassa Ocidental Foi nesta conjuntura de adversidades que Bernabé Kajika assumiu as funções de Comissário Político na base Mepoche, na Frente de Niassa Ocidental. Refira-se que em 1967, era nesta base onde estava sedeado o Comando Provincial de Niassa, composto por Oswaldo Assahel Tazama, Chefe de Departamento de Defesa; Armando Panguene, Adjunto Chefe de Defesa; José Moiane, Chefe das Operações e Sebastião Marcos Mabote, Comissário Político60. Este Comando tinha a responsabilidade de alastrar a guerra em toda a província, consolidar a presença dos guerrilheiros nas diversas zonas, garantir a protecção da população da acção inimiga e criar condições para o avanço da Luta para outras províncias, como Zambézia e Nampula. A Base de Mepoche havia sido fundada em Junho de 1965, e situava-se na confluência entre os rios Mepoche e Mkonompholela. Esta base desempenhou um papel de grande relevo no desenvolvimento da Luta Armada de Libertação Nacional. Uma das suas missões era a de neutralizar o inimigo na estrada Maniamba-MatawaleMetchumwa-Lunho-Cóbuè, um corredor nevrálgico para a tropa colonial. Kajika na qualidade de Comissário Político da base, contribuiu bastante para a materialização deste objectivo. Efectivamente, durante o período que esteve em Mepoche, dando continuidade ao trabalho realizado por Sebastião Marcos Mabote, notabilizou-se na consolidação da estrutura do Comissariado Político no seio dos guerrilheiros e das organizações sociais nas Zonas Libertadas. 60

Sobre esta estrutura vide: NDEGUE, op cit. p. 178; MOIANE, José Phahlane. Memórias de um Guerrilheiro. Maputo: King Ngungunhane Institute, 2009. p. 78.

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Nestas áreas, Bernabé Kajika trabalhava intensivamente com a população civil, interagindo, regularmente com os chairmen, milicianos, chefes de produção, assim como os responsáveis pelos serviços de saúde, educação e cultura. Esta acção conduziu a um maior entrosamento entre as unidades guerrilheiras e civis, contribuindo para a implantação das novas estruturas de governação. Bernabé Kajika distinguiu-se tanto na mobilização da população como dos guerrilheiros. Quando as circunstâncias exigiam, participava directamente nas operações combativas. De entre os combates em que participou, destaca-se o ataque ao aquartelamento colonial de “Cantina Dias”, no qual foram mobilizadas forças conjuntas das bases operacionais de Maniamba e de Unango. Sobre esse combate, Jenala Saíde na altura chefe de Pelotão da Base Maniamba, referiu: “No ataque ao aquartelamento de Cantina Dias, não tínhamos material bélico suficiente, mas conseguimos organizar uma excelente operação, através da colaboração entre as nossas bases operacionais de Maniamba e Unango, cuja organização contou com o envolvimento do Comissário Político Bernabé Kajika. Esta operação combinada tinha como objectivo principal impedir a movimentação do inimigo naquela zona. Foi neste contexto que se planificou o ataque àquela posição. O ponto de intercepcção dos guerrilheiros foi a Base de Unango. O efectivo maior veio da Base 67


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Maniamba onde havia um elevado número de combatentes e com melhor experiência. No ataque não tivemos baixas do nosso lado e como resultado, o inimigo confinou-se nas suas posições, ficando, assim, a zona controlada. Esse combate aconteceu em 1967”.61

Guerrilheiros da FRELIMO, em combate

O ataque ao aquartelamento de Cóbuè foi um outro mencionado pelas fontes orais62 e que contou com a participação directa de Bernabé Kajika. Para esta operação, foram desdobrados três pelotões, um de avanço, um de defesa e o de retaguarda, dirigido por 61

Jenala Saíde, entrevista de 17/10/2013. Mandimba.

62

Mário Daúda, Saide Rajabo Ngamanga, entrevista de 25/07/2013. Tulo, Distrito do Lago.

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Bernabé Kajika. Próximo ao alvo, os guerrilheiros posicionaram-se estrategicamente para que o ataque fosse bem sucedido. Por volta das 05:00h, abriram o fogo que surpreendeu à tropa portuguesa. A intensidade dos disparos cortou qualquer possibilidade de reacção dos soldados portugueses. Importa referir que, devido às condições agro-ecológicas, em conjugação com o trabalho realizado por Marcos Sebastião Mabote e consolidado por Bernabé Kajika, a zona de Mepoche conheceu, rapidamente, um aumento da densidade populacional, em redor da base, contribuindo para o incremento da produção de alimentos. Debruçandose sobre o trabalho realizado por Kajika nesta zona, Jaime Buana Sulamoyo destacou que este foi responsével pela mobilização de muitos jovens que residiam na região para se filiarem à FRELIMO. Integrados nas fileiras do movimento libertador, estes jovens participavam no carregamento de material de guerra e víveres que contribuíam no suprimento em alimentos. Sulamoyo acrescentou o seguinte: “Conheci Bernabé Adison Kajika quando era Comissário Político em Mepoche, em 1967. Ele é que estabelecia o contacto com a população. Encontrei-me com ele quando estava de visita à base Macaco. Nessa altura, estava a fazer a mobilização da população para não ficar longe das bases, para não fugir das zonas libertadas, produzir para alimentar as comunidades e aos 69


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guerrilheiros da FRELIMO e, ainda, participar no transporte de equipamento de guerra e outros materiais”.63 Como se pode depreender, Kajika colaborava constantemente com a população, reunindo-se com ela para explicar as razões da fundação da FRELIMO e os objectivos da Luta Armada de Libertação Nacional. Nas suas reuniões, procurava enfatizar a necessidade de união entre os moçambicanos, através da assunção de que a dominação e opressão coloniais tinham sido possíveis devido a falta de unidade entre os moçambicanos. Referindo-se sobre a importância das reuniões populares na organização e estruturação das zonas libertadas, Samora Machel afirmou: “Na organização da vida nas zonas libertadas, as reuniões populares constituiam uma componente fundamental da sociedade que nascia. Com efeito, era nas reuniões populares que mediante a participação directa e franca das massas se organizava a vida colectiva, se difiniam as prioridades, se distribuiam as tarefas e as responsabilidades”.64 As acções de mobilização realizadas por Kajika contribuíram para uma notável preponderância da zona de Mepoche. Consequentemente, a base tornar-se-ia 63

Jaime Buana Sulamoyo, entrevista de 25/07/2013. Tulo, Distrito do Lago.

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MACHEL, Samora Moisés. Estruturar o Partido para Melhorar a Vida do Povo. Colecção Estudos e Orientações. Maputo: Imprensa Nacional, 1983. p.7.

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num importante centro para a progressão da Luta para outras frentes. Como reacção, as forças do regime colonial decidiram reforçar os aquartelamentos de Lunho, Nova Olivença (Lupilichi) e Miandica, com o objectivo de conter o avanço dos guerrilheiros e dificultar o abastecimento da região. A título de exemplo, o aquartelamento de Lunho devia impedir a movimentação dos guerrilheiros para as suas mais diversas missões e o de Nova Olivença dificultava a entrada dos guerrilheiros para o interior, a partir da fronteira de Mitomoni. Este último tinha uma grande concentração de tropas coloniais e postos móveis que faziam patrulhas ao longo do rio Rovuma.

Aquartelamento de Lunho, alvo de ataques dos guerrilheiros da FRELIMO. (Fonte: google image)

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10. Bernabé Kajika como Comissário Político Provincial No decurso de 1967 e 1968, a Luta Armada de Libertação Nacional alargou-se em todas as frentes. Com efeito, em Cabo Delgado a Luta avançava impetuosamente em direcção à Porto Amélia (actual Pemba), e os guerrilheiros consolidavam as suas posições desde o rio Rovuma ao rio Lúrio. Em Niassa, as forças guerrilheiras tinham atingido a linha Marrupa-Maúa, aproximando-se às zonas limítrofes das províncias da Zambézia e Nampula. Em Tete, os guerrilheiros já tinham reiniciado a Luta, e avançavam para alvos estratégicos do regime colonial. Apesar destes louros, como referimos anteriormente, neste período, assistia-se a alguns constrangimentos no seio da FRELIMO, que viriam a ser debatidos profundamente no II Congresso, realizado em Matchedje, Província de Niassa, de 20 a 25 de Julho de 1968. A Província de Niassa fez-se representar ao II Congresso por delegados e observadores. Entre os delegados constavam Wills Kadawele, Oswaldo Tazama, Alfredo Maria, Sebastião Mabote, Pedro Juma, Fernando Matavele e Bernabé Kajika. Neste Congresso, de forma aberta e num exercício democrático as divergências ideológicas e tácticas, assim como as tendências regionalistas e tribalistas foram debatidas com profundidade. Esta magna reunião tomou decisões cruciais que alteraram significativamente o processo da Luta de Libertação Nacional. De entre as medidas, constam a eleição de novos órgãos sociais, a 72


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reestruturação dos comandos ao nível Central e Provincial, dentre outros aspectos.

Parte dos Delegados ao II Congresso, vendo-se Bernabé Kajika destacado por um círculo

No que diz respeito à Frente de Niassa, o Departamento de Defesa passou a ser chefiado por Pedro Juma e Romão Fernandes Farinha assumiu a pasta de Chefe de Operações. Bernabé Kajika foi indicado Comissário Político, Rodrigues Murebo (Nenhum Fica), Comissário Político-Adjunto, Afonso Nzama, Chefe de Reconhecimento, Víctor Malapende, Chefe de Efectivo, Mónica Chitupila, Chefe do Destacamento Feminino e Luís Nicodemos, Chefe de Engenharia. A indicação de Kajika para esta posição crucial representava o reconhecimento das suas qualidades no desempenho 73


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das actividades, particularmente na moralização dos guerrilheiros e na mobilização da população para a produção agrícola, aliado à sua simplicidade nas relações interpessoais. Refira-se que o novo Comando Provincial conferiu uma maior dinâmica operativa à Frente de Niassa. A título de exemplo, Tiago Kazule, combatente da Luta de Libertação Nacional, sublinhou que logo após a formação do novo Comando foi efectivado um ataque ao aquartelamento de Maniamba, como consta no seu depoimento: “Encontrei-me com Bernabé Kajika em 1968, logo após a formação do novo Comando Provincial. Planeamos imediatamente um ataque à Maniamba. Kajika, na qualidade de Comissário Político Provincial participava pessoalmente nas operações. Pela envergadura da operação foram mobilizados quadros regionais, como Ezra Cagwa, Lúcio Jigueira e Amélia Omar. Destruímos muitas infra-estruturas do aquartelamento. Este ataque foi dirigido por Lúcio Jigueira. Kajika e Kagwa estavam na infantaria, enquanto eu na artilharia”.65

65

Tiago Kazule, entrevista de 18/10/13. Distrito de Cuamba.

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Tiago Kazule

Importa frisar que o Comando Provincial estava situado na Base Ngungunyane66, fundada em 1968, nas proximidades do monte Chissindo, atravessado pelo rio Msinge, no actual Distrito do Lago. A instalação desta base explicase por razões geo-estratégicas. De facto, o rio contribuía para a fertilidade dos solos, aspecto fundamental para a boa produção agrícola. No campo militar, Ngungunyane estava relativamente distante do Lago Niassa, o que dificultava as incursões da Marinha de Guerra Colonial estacionada na Base Naval de Metangula. Ademais, a entrada por Chiwindi para o interior de Moçambique por parte dos guerrilheiros da FRELIMO tinha se tornado numa missão espinhosa devido ao constante patrulhamento no Lago pela tropa colonial. 66

A Base Ngungunyane tinha uma estrutura relativamente complexa. Com efeito, para além do Comando Provincial, estavam estabelecidos na base os Comandos Regional e da Base. O Comando Regional era constituído por Lúcio Jigueira, Comandante Regional, Matias Chissanjo, Comandante Regional-Adjunto, Esaú Ezra Cagwa, Comissário Político, Tiago Kazule, Chefe da Artilharia e Amélia Omar, Chefe do Destacamento Feminino. Por seu turno, a base era chefiada por Mateus Lilanda, tendo como Comissário Político, José Chidassicua.

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Bernabé Kajika, na qualidade de Comissário Político Provincial deparou-se com os mesmos desafios que tinha ajudado a transpor na região Ocidental, nomeadamente, a fome e as deserções. De facto, estas adversidades ainda não tinham, sido completamente resolvidas na Província de Niassa, persistindo com alguma gravidade nas regiões Oriental e Austral. Para o caso da região Austral, um dos principais problemas estava relacionado com a fraca presença da população e os baixos níveis de produção alimentar. Esta situação era agravada pela secular tradição da população desta zona de emigrar para o Malawi e, também, da fome. No que se refere à região Oriental, a intensificação das investidas coloniais através da combinação da artilharia, infantaria e de forças aero-transportadas, que realizavam bombardeamentos indiscriminados, a população viu-se forçada a refugiar-se na Tanzania. Assim, “sem um cinturão humano, num território extremamente vasto”, conjugados com a grave escassez de alimentos, começou a observarse uma preocupante vaga de deserções. Paralelamente, as autoridades coloniais intensificaram as campanhas de desinformação sobre a população, bem como no seio dos guerrilheiros, por via de acções da psico-social. Neste sentido, veiculavam mensagens de que a FRELIMO enganava a população, levando-as para o mato para sofrer. De igual modo, diziam que a guerra nunca seria ganha e que a morte de Eduardo Mondlane significava o fim da FRELIMO. Esta acção agravava o crónico problema de deserções.

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Bernabé Kajika, perante esta conjuntura complexa e difícil incrementou acções de mobilização entre a população e os combatentes, com vista a reverter a situação. Neste contexto, recorrendo a sua experiência acumulada no exercício da actividade de comissariado político nas regiões Oriental e Ocidental, Kajika intensificou as campanhas de vigilância no seio dos guerrilheiros e da população para denunciarem os elementos infiltrados pela PIDE. Devido a uma acção concertada neste sentido, foi possível, como referiu Pedro Chindandale67, descobrir mulheres com carimbos de secções da PIDE na cabeça, no sovaco, por baixo das mamas e, mesmo na zona púbica.

Espião do exército colonial português desmascarado pela FRELIMO

Com o desmantelamento de vários focos de infiltração, a atenção de Bernabé Kajika concentrou-se na sensibilização dos guerrilheiros para que se empenhassem, cada vez mais, à causa libertária, e na população, para o seu pleno 67

Pedro Maurício Chindandale, entrevista de 24/02/2012. Maputo.

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engajamento na Luta de Libertação Nacional. No que se refere aos guerrilheiros, em todas as manhãs, durante a formatura, Kajika insistiu em falar sobre a importância da Unidade Nacional e da necessidade do consentimento de maiores sacrifícios. De igual modo, elogiava aos guerrilheiros e comandantes mais empenhados, e que demonstravam uma bravura excepcional nas frentes de operações. Este comprometimento com a causa nacional e o seu espírito humano, granjearam-lhe uma maior simpatia entre os guerrilheiros. O trabalho de Bernabé Kajika com a população afigurouse, igualmente, de suma importância no contexto da criação das bases para a implantação das novas estruturas administrativas, nas Zonas Libertadas. Efectivamente, nos encontros regulares que Kajika realizava com a população ou seus representantes, insistia em esclarecê-los sobre a importância da Luta, da Unidade Nacional e incentivava para que esta se engajasse, sem reservas, na produção colectiva, assim como, sobre a importância da educação para o sucesso e o avanço da Luta Armada. A respeito da relevância da educação no processo revolucionário, Mondlane realçou: “(...) Temos atribuido sempre grande importância à educação porque, em primeiro lugar, ela é essencial ao desenvolvimento da nossa Luta, visto que o envolvimento e o apoio da população aumenta na medida em que cresce o grau de compreensão da situação; em segundo lugar, um futuro Moçambique 78


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independente ver-se-à em face de grave necessidade de cidadãos instruídos para dirigirem o curso do desenvolvimento”.68

Eduardo Chivambo Mondlane

Bernardo Goy-Goy, depondo sobre a actividade de Bernabé Kajika, em particular, e de comissariado, em geral, referiu que era relevante conciencializar os guerrilheiros e a população de que a guerra não era feita apenas por armas de fogo, mas que a predisposição psicológica era, igualmente, fundamental para o avanço da Luta. Goy-Goy salientou: “O Comissário Político tinha a tarefa de elevar o moral dos guerrilheiros em situação de crise 68

Mensagem da FRELIMO (Comité Central) ao povo de Moçambique, a 25 de Setembro de 1967. in: http://digitarq.dgarq.gov.pt. Código de Referência: PT/TT/SCCIM/20-7/38. Cota n. 1170.

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e problemas internos na FRELIMO. Trabalhar com a população das zonas libertadas e incentivá-la ao trabalho da terra. Igualmente, o Comissário Político revelou-se bastante importante na disseminação das três regras básicas emanadas do II Congresso da FRELIMO: Lutar, Estudar e Produzir. Kajika era uma pessoa que se relacionava muito bem com outras pessoas, sabia dar conselho aos seus amigos e era uma pessoa calma”.69 Jenala Saide realçou o papel do Comissariado Político e do trabalho de Bernabé Kajika, em particular, tendo referido o seguinte: “O nosso sucesso nas operações de guerrrilha era graças a mobilização de Kajika, na sua qualidade de Comissário Político. Devido ao seu trabalho, não tínhamos problemas com a população. Também passamos a não ter dificuldades de alimentação, porque a população trazia às nossas bases. Devido ao seu carisma, eloquência e afabilidade, Kajika ganhou uma imensa popularidade no seio da população. Por essa razão, passou a ser tratado, carinhosamente, Che Kassoka, em alusão a um machadinho que ele habitualmente portava”.70

69

Bernardo Goy Goy, entrevista de 12/12/2012. Cidade de Lichinga.

70

Jenala Saide, entrevista de 17/08/2013. Mandimba.

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Jenala Saide

Como resultado do sucesso que a FRELIMO ia conseguindo no teatro de operações, a tropa colonial decidiu orquestrar uma operação de grande envergadura contra a FRELIMO, conhecida por Nó Górdio, liderada por Kaúlza de Arriaga, em 1970. Com esta intervenção, a administração colonial propunha-se disferir um duro golpe à Luta Armada. A operação foi a maior e a mais dispendiosa campanha militar portuguesa em Moçambique, pois, compreendeu o uso das forças de comandos, pará-quedistas e fuzileiros. Essa investida do exército colonial provocou um abalo nas estruturas da guerrilha. Na Província de Niassa, o seu impacto fez-se sentir, sobretudo, nas Zonas Libertadas, com destaque para Chissindo, Mepoche, Msawize e Mitomoni. Nestas áreas, a tropa colonial abriu pistas para 81


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o lançamento de bombardeamentos aéreos, recorreu a desfolhantes para arrasar as machambas, bloqueou os acessos dos guerrilheiros para as suas posições e incrementou as campanhas de desinformação. Perante este cenário de fogo intenso, cabia ao Comissário Político Bernabé Kajika empenhar-se, ainda mais, na mobilização da população e dos guerrilheiros, de forma que estes enfrentassem, com determinação as acções inimigas. A este respeito, Jenala Saide acrescentou o seguinte: “Durante a operação Nó Górdio do General Kaúlza de Arriaga, a tarefa do Comissário Político Provincial, Bernabé Kajika era de mobilizar, dar coragem aos combatentes e à população, porque naquela altura havia grandes focos de deserção dos guerrilheiros e fuga da população. Nós já tínhamos recebido ordens para que andássemos em grupos de três guerrilheiros. Para a plena implementação desta medida, o trabalho de Kajika mostrou-se valioso, porque ele explicava as vantagens da implementação desta decisão da Direcção da FRELIMO. Sem dúvida que a nossa vitória não foi conseguida somente através das armas, mas, sobretudo, pela acção moralizadora da actividade do Comissariado Político. Por isso mesmo, pode-se afirmar que o Comissário era o dono da guerra. O comandante 82


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não podia fazer seu plano sem dar informação ao comissário. Era, portanto, o dono das armas. Entenda-se, as armas não eram apenas aquelas que carregávamos, mas aquelas que recebiamos através do encorajamento dado pelo Comissário Político. Na guerra não era apenas importante a presença física dos guerrilheiros, mas também era necessária a motivação e o seu acompanhamento psicológico, para que estes estivessem aptos a enfrentar os obstáculos, com ânimo e determinação”.71 Como se referiu anteriormente, Bernabé Kajika também se envolvia activamente nas operações combativas. Uma dessas operações, refenciada por Tiago Kazule teve como alvo o aquartelamento de Lunho. Importa frisar que esta posição inimiga, devido a sua proximidade às bases da FRELIMO, era constantemente atacada pelos guerrilheiros. A respeito de um destes ataques, no qual Bernabé Kajika fez parte, Kazule revelou o seguinte: “O ataque ao aquartelamento de Lunho foi dirigido pelo comandante da infantaria, Gabriel Cássimo. Kajika também fez parte desse ataque, cujo objectivo era encorajar os guerrilheiros na frente de combate. Eu estive na artilharia e ele estava a frente com os camaradas, na zona do fogo. Depois de nos posicionarmos, o comandante deu sinal para 71

Jenala Saíde, entrevista de 17/08/2013. Mandimba.

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iniciarmos com o fogo, recorrendo primeiro à artilharia. Esta estratégia visava desmoralizar e enfraquecer as tropas inimigas com o impacto das armas pesadas. Depois actuou a infantaria onde estava Kajika, enquanto isso, nós da artilharia desmontávamos o material para recuar. Nesse ataque houve intensa troca de tiros, mas conseguimos criar danos às suas infraestruturas e reduzir a sua capacidade operativa durante algum tempo”.72

Guerrilheiros da FRELIMO em acção

72

Tiago Kazule, entrevista citada.

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11. Circunstâncias da Morte de Bernabé Adison Kajika Bernabé Adison Kajika perdeu a vida a 10 de Maio de 1974, vítima de balas da tropa colonial portuguesa, no aquartelamento de Nova Olivença (Lupilichi), na sequência de um ataque que as forças da FRELIMO realizaram contra esta posição das tropas coloniais. A operação contou com a participação de quadros do escalão provincial, nomeadamente, Bernabé Kajika, Comissário Político, Afonso Nzama, Chefe de Reconhecimento, Matias Upinde, Chefe de Artilharia, e Pedro Canizio, AdjuntoChefe de Artilharia. Refira-se que o aquartelamento de Lupilichi estava situado numa planície, próximo ao rio Msinge, a cerca de 28Km de Mitomoni. Era o posto mais avançado da tropa colonial portuguesa em Niassa. Nessa altura, o efectivo era formado pela Terceira Companhia de Caçadores, pertencente ao Batalhão de Caçadores (BC) 1891, estacionado em Macaloge. Este era composto por elementos dos Grupos Especiais (GE) e comandos oriundos de Portugal. O aquartelamento era dirigido por um alferes e quatro furieis. Para a materialização do ataque, a FRELIMO organizou uma operação que contou com contingentes provenientes das regiões Ocidental e Oriental da Província de Niassa. Pela primeira vez, tinha a seu dispôr, canhões B11, de calibre 122 mm, com um alcance de cerca de 8Km, vindos da Tanzania. Pela importância deste tipo de armas, a sua introdução em Niassa foi feita secretamente, acção dirigida por Sebastião Marcos Mabote, Chefe Nacional de Operações. 85


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O contingente da FRELIMO vindo da região Ocidental tinha sido preparado na Base Provincial Ngungunyane. Tiago Kazule, um dos participantes do combate, descreveu a organização da operação nos seguintes termos: “As nossas forças foram preparadas na base Provincial de Ngungunyane. O chefe da base indicou os pelotões e os respectivos chefes que deviam fazer parte da operação. Reuniuse connosco na formatura antes de partirmos à Mitomoni, para dar algumas orientações. A nossa chegada à Mitomini, juntámo-nos a um outro contingente, e ficamos às ordens de Sebastião Marcos Mabote e Pedro Juma”.73 Pedro Juma destacou um grupo de três guerrilheiros, chefiado por Júlio Braga74, para fazer o reconhecimento táctico e estratégico ao aquartelamento, acção que durou cerca de 3 dias. Cumprida a missão, o grupo elaborou o seu mapa, que foi debatido e aprovado pelo Comando Provincial, o qual integrava Sebastião Marcos Mabote, Chefe Nacional de Operações. Neste contexto, a 10 de Maio, o contingente, composto por cerca de 888 guerrilheiros, partiu de Mitomini até as margens do rio Msinge, num percurso de cerca de 28 Km. Chegados ao local, puseram em prática a estratégia previamente desenhada, que consistiu no posicionamento dos pelotões na parte Norte do aquartelamento. A infantaria colocou-se mais próximo do alvo, com o objectivo de neutralizar a acção inimiga, enquanto os artilheiros instalaram os morteiros e canhões B10 e B11 a cerca de 5/8 Km do alvo. Por volta das 17:00h, o Comandante 73

Tiago Kazule, entrevista citada.

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Júlio Braga, entrevista de 29/05/2014. Cidade de Maputo.

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do ataque, Lúcio Jigueira deu ordens para o início da operação, pelo que a artilharia abriu fogo na sua máxima potência. Aquando da troca de tiros, Bernabé Kajika, que estava junto a infantaria, viria a ser atingido por estilhaços deflagrados por um obús lançado pela tropa colonial portuguesa. A respeito desta acção militar, Júlio Braga acrescentou: “O ataque foi preparado com bastante sigilo pela sua importância e pelo tipo de armamento pesado que seria usado, canhões B10 e B11, acabados de chegar de Nachingwea, numa operação dirigida por Sebastião Marcos Mabote. Foi um ataque preparado ao mínimo detalhe e em grande força, pois, pretendia-se que fosse o sucesso das forças da FRELIMO contra a tropa colonial portuguesa em Niassa. Então, saímos da zona de Mitomoni, e seguimos até ao aquartelamento de Lupilichi. Chegados ao local, tomamos as devidas posições, conforme o reconhecimento previamente realizado. As 17:00 horas abrimos fogo intenso da artilharia complementada pela infantaria, onde estava Bernabé Kajika. Após uma hora de ataque, o aquartelamento estava seriamente desestruturado. No entanto, durante a troca de tiros, um grupo residual do inimigo saiu do quartel munido de um morteiro de 81mm, que num acto desesperado começou a abrir fogo de forma indiscriminada. Foi nesta ocasião que, enquanto Kajika movimentavase entre os guerrilheiros dando orientações, um obús deflagrou-se muito próximo de nós. Tentámo-nos proteger, mas quando me levantei notei que Kajika continuava no chão. 87


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Ao me aproximar, constatei que Kajika havia sido atingido por vários estilhaços. Tentei reanimá-lo, mas este estava em agonia. Assim, chamei os outros camaradas que improvisaram uma maca para o seu transporte. Recuamos até uma distância relativamente segura onde acampamos. De madrugada, continuamos a marcha. Eu fui na dianteira até Mitomoni, onde prestei relatório ao Chefe Nacional de Operações. Os chefes decidiram que deviamos sepultá-lo nas margens do rio Chipinje, junto a fronteira com a Tanzania”.75

Júlio Braga

A morte de Bernabé Kajika foi um duro golpe para os guerrilheiros da FRELIMO, que tinham nele um exemplo de abnegação, sacrifício e dedicação. No entanto, ao invés de se vergarem diante desta fatalidade, os guerrilheiros da FRELIMO assumiram, com determinação, a necessidade de vingar a morte do seu carismático e eloquente Comissário Político. 75

Júlio Braga, entrevista citada.

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Anexos

Lista dos entrevistados António Chizoma António Gweluca Bernardo Goy-Goy Elias Pedro Nsinde Francisco Evans Saide Geraldo Issa Mibaias Germano Ntaula Golden Andre Salaca Jaime Buana Sulamoyo Jenala Saide Jorge Francisco Chilachila Júlio Braga Lúcia Magumbwa Maguta Alifa Mandausse Katapuito Mário Dauda Mateus Chijua Matias Paulo Macoco Paulo Jumbe Nicolau Pedro Maurício Chindandale Raúl Candulo Tiago Kazule Verónia Chipolopolo.

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Maria Aissa, mãe de Calisto Kajika

Ângela Saide, mãe da Rosa Kajika

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Filhos de Bernab茅 Kajika, de cima para baixo e da esquerda para a direita: Nema, Samuel, Ant贸nio, Ver贸nica, Calisto e Rosa

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