Revoluções literárias: manifestos das principais vanguardas modernistas

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Revoluções literárias Manifestos das principais vanguardas modernistas Roberto Acízelo de Souza (Org.)



Revoluções literárias Manifestos das principais vanguardas modernistas


Perspectivas


Roberto Acízelo de Souza (Org.)

Revoluções literárias Manifestos das principais vanguardas modernistas

Chapecó, 2022


Presidente Vincenzo Francesco Mastrogiacomo Vice-Presidente Ivonei Barbiero

Reitoria Reitor: Claudio Alcides Jacoski Pró-Reitora de Graduação e Vice-Reitora: Silvana Muraro Wildner Pró-Reitora de Pesquisa, Extensão, Inovação e Pós-Graduação: Andréa de Almeida Leite Marocco Pró-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento: Márcio da Paixão Rodrigues Pró-Reitor de Administração: José Alexandre de Toni Diretora de Pesquisa e Pós-Graduação Stricto Sensu: Vanessa da Silva Corralo Este livro ou parte dele não podem ser reproduzidos por qualquer meio sem autorização escrita do Editor.

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Revoluções literárias: Manifestos das principais vanguardas modernistas / Roberto Acízelo de Souza (Org.). – Chapecó, SC: Argos, 2022. 198 p.: 23 cm. – (Perspectivas; 60). Contém bibliografias ISBN: 978-65-88029-51-0

1. Literatura - Estudo e ensino. 2. Poesia. I. Souza, Roberto Acízelo de. II. Título.

CDD: Ed. 23 -- 807

Catalogação elaborada por Viviane Formighieri Müller CRB 14/1598 Biblioteca Central da Unochapecó

Todos os direitos reservados à Argos Editora da Unochapecó Servidão Anjo da Guarda, 295-D – Bairro Efapi – Chapecó (SC) – 89809-900 – Caixa Postal 1141 (49) 3321 8218 – argos@unochapeco.edu.br – www.unochapeco.edu.br/argos Coordenadora: Rosane Natalina Meneghetti Silveira Conselho Editorial Titulares: Clodoaldo Antônio de Sá (presidente), Cristian Bau Dal Magro (vice-presidente), Rosane Natalina Meneghetti Silveira, Andréa de Almeira Leite Marocco, Cleunice Zanella, Hilario Junior dos Santos, Vanessa da Silva Corralo, Rodrigo Barichello, André Luiz Onghero, Circe Mara Marques, Gustavo Lopes Colpani, Odisséia Aparecida Paludo Fontana, Andrea Díaz Genis (Uruguai), José Mario Méndez Méndez (Costa Rica), Suelen Carls (Alemanha). Suplentes: Maria Assunta Busato, Rodrigo Oliveira de Oliveira, Josiane Maria Muneron de Mello, Reginaldo Pereira, Idir Canzi, Márcia Luiza Pit Dal Magro.


Para Francisco Venceslau dos Santos, in memoriam.



Sumário

Nota introdutória

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1. Jules Romains 15

Os sentimentos unânimes e a poesia

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2. F. T. Marinetti 23

Manifesto do futurismo Manifesto técnico da literatura futurista Suplemento ao Manifesto técnico da literatura futurista

25 34 44

3. Valentine de Saint-Point 49 Manifesto da mulher futurista

51

4. D. Burliuk / A. Kruchënik / V. Maiakovski / V. Klebnikov 59 Bofetada no gosto do público

61

5. Guillaume Apollinaire 63 O espírito novo e os poetas

65


6. Tristan Tzara 83

Manifesto do Senhor Antipirina Manifesto Dadá

85 87

7. Kasimir Edschmid 101

Sobre o expressionismo poético 103

8. André Breton 113 Manifesto do surrealismo 115 9. Pierre Garnier 171 Manifesto por uma poesia nova, visual e fônica 173 Notas biográficas sobre os autores 185 Bibliografia 193


Nota introdutória

Do início do século XX pode-se dizer que foi nada menos do que esfuziante. Seja qual for o ângulo pelo qual contemplemos esse período, observa-se nele um dinamismo frenético e sem precedentes. Na economia, uma segunda onda de industrialização consolida as grandes cidades mais ou menos como as conhecemos hoje, com multidões apressadas, trânsito intenso de veículos, centros vibrantes, bairros aristocráticos, subúrbios, periferias. A sociedade, por seu turno, ordena-se numa estratificação homóloga à organização do espaço citadino. Os maiores beneficiários da expansão capitalista – industriais, banqueiros, grandes comerciantes – ocupam as áreas nobres, próximas ao centro; a classe média – mais heterogênea, comportando uma escala que vai de comerciários a profissionais liberais e funcionários públicos graduados – se estabelece nos subúrbios; e a massa de operários habita vilas humildes construídas por seus patrões próximas às fábricas, concentra-se em zonas degradadas do centro e dos subúrbios ou se abriga nos confins das cidades. Não menos expressivas desse clima de transformações aceleradas que caracteriza a época são as aplicações técnicas do conhecimento científico, que revolucionam o dia a dia das pessoas. Nos transportes, inicia-se a era do automóvel e do avião; nas comunicações, surgem o telégrafo sem fio, o telefone, o rádio; no âmbito dos cuidados com a saúde, observa-se a expansão do uso de vacinas, a produção industrial de meNota introdutória

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dicamentos, o aperfeiçoamento dos anestésicos, a criação dos antibióticos sintéticos, a invenção da radiografia, sem falar na crescente popularização da maravilha higiênica representada pelas escovas e pastas de dente; e a eletricidade se põe a serviço do bem-estar humano, movendo máquinas e iluminando as casas e as ruas. Numa palavra, a ideia de progresso, produto de especulações – quase profecias – filosóficas dos séculos XVIII e XIX, dá sinais enfáticos de plena realização. Não tão plena, porém. Na verdade, a melhora espetacular das condições materiais e culturais da vida não só esteve longe de alcançar a humanidade como um todo, como também se viu marcada, desde o início, por efeitos colaterais perversos não previstos pelas especulações proféticas mencionadas. Assim, nos países industrializados, à medida que crescia a prosperidade de certos segmentos sociais, correlativamente aumentava a pobreza e a miséria dos grandes contingentes de trabalhadores urbanos, enquanto as comunidades rurais permaneciam quase completamente à margem dos benefícios proporcionados pelos avanços técnicos e econômicos. No plano global, por sua vez, reencontrava-se assimetria análoga, no contraste entre a afluência das nações imperiais e a pobreza extrema de suas vastas possessões ultramarinas submetidas à exploração colonial. Além disso, esse tempo de prosperidade e paz aparentes, saudado nas últimas décadas do século XIX como uma belle époque, revelou o seu avesso de modo brusco e trágico em 1914: disputas políticas e econômicas entre nações europeias acabam envolvendo países de todos os continentes num conflito bélico de proporções inéditas e de consequências século XX afora, e que, encerrado em 1918, mas de certo modo continuado em outra conflagração global que se estendeu de

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1939 a 1945, entraria para a história com o nome de Primeira Guerra Mundial. Ora, essas grandes contradições, recalcadas no pragmatismo de um cotidiano alienado e alienante, isto é, satisfeito com o progresso ou absorvido pela necessidade de sobreviver e adaptar-se às novas condições sociais, tornaram-se, contudo, objeto de reflexão no campo das humanidades e das concepções e práticas artísticas. Nas humanidades, definiram-se sistemas de pensamento radicalmente críticos, entre os quais a instrumentalização das ideias de Marx para experiências político-sociais, bem como se reformularam os estudos sobre a vida psíquica da sociedade e dos indivíduos, nas investigações de Freud, que resultariam na constituição da nova disciplina que veio a chamar-se psicanálise. No domínio das artes, por seu turno, assistiu-se à proliferação de grupos e movimentos consagrados a rever, com um radicalismo nunca antes visto, o que até então se entendia como pintura, escultura, música, literatura. Assim, esses coletivos de artistas reflexivos, com ânimo polêmico e combativo, declararam guerra às convenções estéticas estáveis e consensuais de então, o que lhes valeu, por justa analogia com formações militares, o nome geral de vanguardas, isto é, na acepção etimológica da palavra, guarnições que vão à frente dos exércitos, abrindo caminho para a conquista de territórios às hostes inimigas. No caso, o inimigo era a tradição, concebida como síntese de normas artísticas conformadas a um presente social visto simplesmente na sua superfície de autossatisfação e otimismo, depurado, portanto, do seu lado sórdido e sombrio. Um escritor brasileiro, aliás, particularmente quanto às artes da palavra, definiu, com uma frase plástica e pitoresca, esse conformismo Nota introdutória | 11


tradicionalista contra o qual se insurgiam as vanguardas: “A literatura é como o sorriso da sociedade.”1 Essas vanguardas, abstração feita de diferenças secundárias que distinguiam umas das outras, apresentavam traços que lhes eram comuns. Em primeiro lugar, assumem posições de arrojada contestação de princípios artísticos amplamente aceitos, no que se alinham a experiências estéticas que, no século XIX, mantiveram-se mais ou menos como pontos isolados em relação às correntes hegemônicas, casos das obras de Baudelaire, Lautréamont, Rimbaud, Mallarmé, para ficarmos com exemplos tomados à literatura. Além disso, identificam-se também pelo recurso a manifestos para a expressão de suas ideias, gênero literário praticamente inventado por elas, caracterizado pelo desenvolvimento de uma argumentação cerrada que, nos casos mais típicos, não hesita em assumir tons sensacionalistas, apelando para a estridência, a ironia, o sarcasmo e o cabotinismo, com vistas a desfazer das concepções alheias e exaltar as próprias, para assim alardear alto e bom som seu espírito contestador. Por fim, é predicado comum às vanguardas a autoconsciência e o caráter reflexivo, aliás notável até no gesto de autonomeação, pois, ao contrário de uma constante na história das artes, conforme a qual os rótulos dos estilos coletivos – como classicismo, barroco, romantismo, etc. – constituem atribuições a posteriori da lavra de críticos e historiadores, termos como futurismo, expressionismo, surrealismo, entre outros, são proposições originais de cada um desses movimentos.

1

Afrânio Peixoto. Panorama da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Cia. Ed. Nacional, 1940. p. 5.

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A era desses ismos de vanguarda, que seriam recolhidos na categoria historiográfica de modernismo, inicia-se na primeira década do século XX, puxada pelo unanimismo (1905) e sobretudo pelo futurismo (1909), estendendo-se com vigor até o surrealismo (1924), e reverberaria ainda, embora já em reflexos pálidos, nas décadas de 1950 e 1960.2 Hoje verifica-se que o intelectualismo que os caracterizava não resistiu à massificação da cultura que sobreveio a partir da segunda metade do século, frustrando assim o prognóstico de um dos seus integrantes brasileiros, que, a propósito da resistência do público à ousadia de seus experimentos poéticos, teria afirmado, cheio de confiança na excelência da própria obra e no futuro de sua recepção: “A massa ainda comerá dos biscoitos finos que fabrico.”3 É inegável, porém, que, mais uma vez cingindo-nos à literatura, diversas conquistas técnicas inventadas ou aperfeiçoadas pelas vanguardas integraram-se de vez ao repertório de recursos literários. Estão nesse caso, por exemplo, o verso livre, a rejeição de enredos lineares e a

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O rol dos ismos literários de vanguarda resulta bastante extenso em alguns inventários, que incluem não só os autonomeados, mas ainda outros discernidos e batizados pelos críticos, e até correntes que, embora novecentistas, como os movimentos propriamente vanguardistas, talvez melhor se caracterizem como propostas que os questionam. Assim, combinando as sistematizações de Guillermo de Torre com as de Gilberto Mendonça Teles, respectivamente em Historia de las literaturas de vanguardia e Vanguarda europeia e modernismo brasileiro (ver referências na Bibliografia), chegamos à seguinte relação: unanimismo, futurismo, expressionismo, cubismo, cubofuturismo, dadaísmo, espiritonovismo, surrealismo, imaginismo, ultraísmo, personalismo, existencialismo, neovanguardismo, letrismo, concretismo, neorrealismo, iracundismo, frenetismo e objetivismo.

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Frase usualmente atribuída a Oswald de Andrade, talvez pertencente a algum pronunciamento oral do autor, pois, que seja de nosso conhecimento, não consta de seus escritos.

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assunção do caráter artificial das encenações, respectivamente na poesia, na narrativa e na dramaturgia. Por isso, nestes tempos que pelo menos há uns trinta anos se dizem pós-modernos, e quando o modernismo brasileiro alcança seu centenário, a presente posição ambígua dessas vanguardas novecentistas, por um lado mortas e por outro sobrevivendo por via de suas heranças, justifica que as revisitemos, revitalizando seus documentos fundadores, mediante novas traduções e edições anotadas. Quem sabe assim se possa verificar, nessas antigas novidades modernistas, o que delas hoje se tornou relíquia de museu, e o que ainda conserva a força das coisas novas. ______ /// ______ Neste volume se reúnem dez manifestos, e mais um artigo e um ensaio que funcionam como manifestos, instauradores de sete movimentos das vanguardas novecentistas: unanimismo, futurismo, espiritonovismo, dadaísmo, expressionismo, surrealismo e espacialismo. Os textos conservam as notas dos autores e das edições-fontes, e se lhes acrescentaram notas dos tradutores e do organizador. As notas dos autores, das edições-fontes e dos tradutores têm a sua procedência explicitamente indicada após os respectivos textos, entre parênteses; as desprovidas dessa indicação, por sua vez, constituem notas do organizador. Estas em alguns casos terão sido supérfluas, e só foram mantidas por excesso de zelo didático, pelo qual desde já nos desculpamos.

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Este livro está à venda:

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Argos Editora da Unochapecó Título

Organizador Coleção Coordenadora

Revoluções literárias: Manifestos das principais vanguardas modernistas Roberto Acízelo de Souza Perspectivas, n. 60 Rosane Natalina Meneguetti Silveira

Assistente editorial

Caroline Kirschner

Assistente comercial

Luana Paula Biazus

Editor de textos Divulgação

Carlos Pace Dori Amanda Guindani Hunttmann

Distribuição e vendas

Luana Paula Biazus

Projeto gráfico

Caroline Kirschner

Capa

Caroline Kirschner

Imagem da capa Diagramação Revisão

A mão (1940), de Jindrich Styrsky (1899-1942) Caroline Kirschner Carlos Pace Dori

Formato

14 x 21 cm

Tipologia

Minion Pro

Papel

Capa: Supremo 250 g/m2 Miolo: Pólen Soft 80 g/m2

Número de páginas

198

Tiragem

300

Publicação Impressão e acabamento

2022 Gráfica e Editora Pallotti - Santa Maria (RS)


Nas primeiras décadas do século XX – com ressonâncias até os anos 1950/60 –, uma onda arrebatadora de renovação agitou o mundo literário, nele operando transformações tão radicais que bem as descreve a palavra revolução. Alastraram-se então grupos e movimentos, empenhados em sair na frente e abrir caminho para ideias arrojadas sobre a literatura e seu papel, por via de batalhas e campanhas culturais. Logo esses movimentos seriam conhecidos sob o nome comum de vanguardas, que lhes servia à maravilha, se tivermos em conta a origem do termo – a guarnição dianteira de um exército –, dado o espírito de luta e combate que os animava. Neste volume reúnem-se documentos representativos dessas vanguardas – unanimismo, futurismo, dadaísmo, expressionismo, surrealismo, espacialismo –, isto é, textos que contêm seus respectivos programas de propaganda e ação, os famosos manifestos, e mais um artigo e um ensaio que funcionam como tal.

Perspectivas

ISBN 978-65-88029-51-0

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