Monotipia30

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XXX 30 edições. Parece que foi ontem. Quem venham os próximos dois anos e meio. Martins de Castro Editor Ricardo Coimbra Capa http://monotipia.tumblr.com www.facebook.com/monotipia @monotipia Receba nosso informativo http://eepurl.com/um3j5


AndrĂŠ Lasak https://www.facebook.com/quimeraufana



Tempero Decupando o cúmulo do tempero Descobre-se que água tem cheiro Que cor e sabor são meros recheios Que salgado e doce pode-se ver Que amargo e azedo é viver Que prato de porcelana não derrete como plástico Que mais de quatro queijos é desperdício Que meio-dia é almoço, e meia-noite é ceia Que cheiro de queijo pode ser também de meia Que meia dose é inteira, dependendo do ponto de vista Que turista bom é turista morto Que canibalismo ainda é crime Que creme de leite combina com qualquer molho branco Que aspargo é sopa ou salada Que posta é de peixe, mas bosta sai de todo mundo Que canela vai no doce, mas dói quando acerta a cadeira Que panela prepara-se de tudo, de culinária à bruxaria Que brioche vale mais do que um pãozinho Que penne a putanesca é prato, não pornografia Que foto de comida não tem gosto Mas indigestão pode dar desgosto. Afinal, no destempero da boa mesa Vale tudo, se se tudo for de comer À milanesa.




Ânfora Têmpera da Destemperada miséria Desmedida Destrambelhada Desmistificadamente Temperada Têmpora da Amargurada riqueza Arremetida Amarfalhada Artificialmente Temporada.


Pimenta de Cheiro Tempero que causa alarde Chega cedo mas vai embora tarde Isso quando vai Temperamento Ora leve Ora considerável Mesmo assim passível Quiçá ponderável Teu cheiro resume o desejo De te querer cada vez mais Teu gosto marcante Arde em meu corpo Enrijece sentidos Purifica. Satisfaz.





Monotipia: Fale sobre sua formação, enquanto quadrinhista. Milena Azevedo: Bom, posso dizer que minha formação nos quadrinhos veio sendo construída desde tenra idade. Mesmo antes de eu saber ler, os olhinhos já corriam pelas páginas das HQs da Turma da Mônica e da Disney, apreciando as imagens. Fui crescendo e não abandonei os quadrinhos em nenhum momento. Ia sempre à procura de títulos que me chamassem atenção, e preferia as histórias fechadas, em especial as graphic novels. Nessas leituras, a narrativa sempre me atraia mais do que as imagens, tanto que eu decorava os nomes dos roteiristas, e os desenhistas ficavam meio que em escanteio. Em 2006, já atuando como proprietária e gerente de uma comic shop (a Garagem Hermética Quadrinhos, em Natal), dei o primeiro passo para passar de leitora à produtora de quadrinhos. Meus primeiros roteiros foram bem simples, curtos, primando pelas histórias do cotidiano. Depois, senti necessidade de estudar mais e me aprimorar na fascinante arte da escrita de roteiros. Fiz alguns cursos em eventos Brasil a fora (com Bá e Moon, com Juan Díaz Canales) e comprei os livros do Will Eisner, do Syd Field e do Robert McKee (esse último é meu mestre mor), debruçandome com afinco sobre neles, analisando vários filmes, seriados de TV e HQs. Ainda tenho vontade de fazer um curso de roteiro específico pra cinema com o próprio McKee ou, sendo mais realista, com o Bráulio Mantovani ou com o Jorge Furtado. Aliás, quando morei no Rio Grande do Sul, aproveitei todas as

oportunidades que tive para assistir a palestras com grandes nomes do cinema gaúcho, como o roteirista Giba Assis Brasil, por exemplo. MT: Quais influências, no que se refere a movimentos e/ou artistas, você identifica no seu trabalho? MA: Eu quero um dia conseguir escrever um roteiro com a sensibilidade do Eisner e a eloquência do Alan Moore. Esses dois são minhas referências mais contundentes, meus mestres. Eles são narradores de mão cheia. Na verdade, a literatura e o cinema me dão mais suporte do que os quadrinhos na hora de escrever meus roteiros. Embora eu não me prenda a nenhum movimento em particular, tenho influência dos romancistas russos do século XIX (principalmente Gogol e Tostói), da literatura norte-americana do final da década de 1930 até meados dos anos 60 (John Fante, J.D. Salinger, Bukowski, Kerouac, Isaac Asimov, Philip K. Dick), da literatura contemporânea (José Saramago, Mia Couto, Javier Cercas, Joca Terron, Lourenço Mutarelli). No cinema, Billy Wilder e Robert Towne são meus eixos norteadores em se tratando da escrita de roteiros. Essa forte ligação com a literatura, aliás, rendeu meu projeto Visualizando Citações. MT: Conte sobre a dinâmica de produção dos seus roteiros. MA: Antes de começar a escrever, fico pensando em alguns temas que podem render histórias legais. Foco em um ou dois e começo a escrever o argumento, que é a descrição detalhada da trama. Sabendo qual história quero contar e



como irei contá-la, começo a moldar os personagens, criando a biografia de cada um, desde os protagonistas e o antagonista até alguns figurantes. Aí entra um trabalho de pesquisa grande, pois tenho que imaginar todo o cenário no qual esses personagens existem, para transmitir veracidade ao leitor, embora seja uma obra fictícia. Quanto mais o roteirista sabe sobre o universo de seus personagens, melhor ele conseguirá explorá-lo, criando boas sub-tramas, as quais irão dar corpo à trama principal. Ah, outro ponto importante antes de escrever o roteiro para quadrinho é definir em qual estilo ele será desenhado, pois um faroeste gótico ou uma comédia com estilo realista não é o mais prudente a ser feito. Com todo esse trabalho em mãos, parto para a escrita do roteiro. Aí, depende muito. Posso escrever entre 3 a 10 páginas por dia, mas prefiro escrever devagar. Em geral, o que escrevo de manhã e à tarde, releio e refaço à noite. Tomo cuidado com o valor de abertura da cena e o valor de virada da mesma, com as transições, com os pontos de virada da trama, ou seja, vou escrevendo e lapidando ao mesmo tempo, para não perder o foco. Também gosto de interpretar algumas cenas pra sentir qual é o melhor enquadramento ou expressão que o personagem fará, por exemplo. Tudo isso demanda tempo. Tem dias que fico “matutando” uma sequência a manhã toda e/ou a tarde toda e só à noite me sinto segura para descrevêla corretamente. E, às vezes, “perco” um dia reescrevendo várias páginas. Há situações de referências diretas a uma cena de um filme, aí paro tudo pra rever o filme e extrair especificamente o que eu preciso. Claro que já precisei escrever roteiro “nas carreiras”, mas não é o ideal. A escrita de um bom roteiro

é igual à de uma partitura, tem muito mais matemática envolvida do que os leigos imaginam. MT: Quais costumam ser suas preocupações narrativas, no que concerne à construção de um ritmo visual, em suas HQs? MA: Eu gosto de sugerir o layout de cada página para o desenhista, e em meus roteiros todos os quadros têm posicionamento de câmera e enquadramento especificado (que acredito ser fundamental para o roteiro para quadrinho, pois no roteiro para cinema quem faz essas indicações é o diretor). Os enquadramentos e a forma como cada quadro é posicionado na página imprimem emoções e, de certa, ditam o ritmo/andamento de leitura de cada sequência para os leitores. Cada cena e/ou sequência precisa ser bem pensada e desenvolvida da melhor maneira possível, pois a forma como são “montadas” equivale à percussão na música; ou seja, elas cadenciam a informação que está sendo passada ao leitor. Uma sequência de perseguição entre antagonista e protagonista, por exemplo, tem um ritmo bem distinto de uma sequência de um casal de idosos chegando numa praça e relembrando como se conheceram. No entanto, é de bom tom trocar figurinha com o desenhista, porque muitas vezes as soluções visuais que eles trazem acabam sendo, em geral, mais precisas. É uma questão de procurar passar a informação da melhor maneira possível. MT: Fale sobre seus projetos atuais. MA: Meus projetos atuais se delinearam em meados de 2011 e no ano passado começaram a se concretizar, como o Visualizando Citações e a Força Verde



(que em inglês iria se chamar The Green Team, e já tem o aval da atriz e ativista ecológica Daryl Hannah). Outros estão sendo desenvolvidos esse ano, como a coleção “pocketinho” e a adaptação de uma peça de teatro para quadrinhos. Também tenho projetos à espera de um desenhista, como a série Loquazes. MT: Como é a rotina de trabalho dentro de cada um deles? MA: Eu só sei fazer uma coisa por vez. Quando me concentro em um projeto, preciso estar totalmente envolvida naquele universo, conhecendo bem o chão no qual estou pisando, bem como os personagens que compõem a trama. MT: Quais as suas preocupações com o quadrinho, enquanto objeto físico? MA: Eu sou old school total. Prefiro segurar o quadrinho nas mãos a lê-lo na tela do PC. Gosto de ter HQs nas estantes para poder folheá-las na hora em que eu quiser ou sentir necessidade de consultar determinada sequência, por exemplo. Gosto de sentir o cheirinho do papel, da tinta. Sem falar que um título expressivo, seja ele clássico ou moderno, merece ter sua edição de luxo devidamente adquirida. Um quadrinho bem escrito e desenhado, e que traz um acabamento bacana, é um objeto de arte, passível de admiração. Hoje em dia, fazer webcomic é a saída para os artistas independentes. Foi dessa forma que o Visualizando Citações pôde ser implementado num primeiro momento. Porém, quando uma webcomic começa a ganhar leitores fieis, esses leitores passam a pedir uma versão impressa.

Quais foram os critérios de seleção dos desenhistas, para eles? MA: Sempre que desenvolvo o argumento de uma HQ, penso logo que traço/estilo poderá maximizar a ideia e o gênero da trama. Então, especifico isso junto com a sinopse e passo a procurar os desenhistas que trabalham dentro daquele estilo. Em algumas ocasiões, já cheguei a escrever especificamente para um determinado desenhista. À medida que a gente vai fazendo parcerias com diversos desenhistas, vamos conhecendo seus métodos de trabalho, e aí já dá para saber, também, quem desenha bem sob pressão (com prazos curtos) e quem é extremamente perfeccionista, necessitando de mais tempo para concluir as páginas; quem passa esboço e aceita discutir as páginas, e aqueles que já entregam a página finalizada; quem sabe trabalhar em equipe e quem se acha “o artista”, impondo sua palavra como a final. Levo tudo isso em conta ao convidar os desenhistas para meus projetos. MT: Quem estará na primeira edição da revista (Visualizando Citações)? MA: Muitos quadrinistas conhecidos do grande público, como Bira Dantas, Hemetério, Geraldo Borges, Daniel Brandão, além de artistas potiguares incríveis, como Williandi Albuquerque, Giovana Leandro, Wendell Cavalcanti, Wanderline Freitas, Leander Moura, e diversos desenhistas de várias cidades brasileiras que estão começando a se projetar no cenário local/nacional, como Rodrigo Chaves, Márcio Rampi, Érika Ferreira. Ao todo são 26 artistas.



MT: Quais seus outros planos para este ano? MA: A grande novidade de 2013 será a inauguração do selo MBP, que eu e o cartunista Rodrigo Brum estamos criando. Futuramente atuaremos como uma editora, publicando não apenas os nossos trabalhos, mas também de quadrinistas de todo o Brasil. A princípio, teremos duas coleções: pocketinho e tiras. Brum lançará uma coletânea com algumas de suas tiras, no final do mês de junho, no Rio de Janeiro, e em julho, aqui em Natal, lançaremos O Guardavidas. Também fiz uma HQ, junto com Wanderline Freitas, para a coletânea Máquina Zero (como o resultado da “peneira” ainda não saiu, então não sei dizer se essa história vai entrar mesmo). Já o Visualizando Citações pleiteará uma versão impressa das HQs produzidas em 2012, junto às que estão sendo produzidas esse ano, através do financiamento colaborativo. Tem uma peça do Marcos Sá de Paula que acabei de adaptar para quadrinhos e será desenhada por Geraldo Borges e colorida pelo Brum (mas o trabalho pronto mesmo só deverá sair no final de 2014, pois será inserido numa lei de cultural local). Também quero ver se levo adiante uma série de cotidiano urbano, chamada Loquazes, que já escrevi o roteiro das cinco primeiras histórias, e uma graphic novel de ficção científica noir (com flertes no steampunk), que apenas escrevi o argumento. MT: Haverá outras publicações para além dessas ainda este ano? MA: O grande projeto mesmo é a Força Verde, uma série de aventura ecológica, feita em homenagem à atriz e ativista ecológica Daryl Hannah (a Elle Driver, de Kill Bill). A Força Verde tem roteiros

meus, desenhos do pernambucano Quihoma Isaac e cores da também pernambucana Wayne Ribeiro. Esse é um daqueles trabalhos super trabalhosos porque demanda muuuuuuita pesquisa, por isso está sendo desenvolvido lentamente. Tenho três roteiros prontos, faltando apenas o quarto pra fechar o primeiro arco. O primeiro número está pronto desde o final do ano passado, e Quihoma começou a desenhar a segunda aventura agora. Enviamos à Daryl Hannah um boneco desse primeiro número, devidamente traduzido para o inglês. Ela, que já havia aprovado anteriormente o projeto, leu tudo e ficou de escrever o prefácio. Mas como ela está entre Hollywood e as questões ecológicas, é claro que esse texto vai demorar um pouquinho a ser escrito, e nós entendemos. A ideia inicial era lançar esse primeiro número até o final de 2013, como aplicativo pago para iPad e iPhone, em três idiomas: português, inglês e espanhol. Também teremos que alterar o nome da série em inglês, que seria The Green Team, uma sugestão do próprio agente da Daryl, pois a DC Comics lançou uma série com o mesmo título, embora a história seja totalmente diferente. Quando concluirmos o primeiro arco, pensamos também em apresentar o material para alguma editora nacional ou norte-americana, para a publicação de um encadernado impresso do mesmo. É um material com enorme potencial de venda, com temáticas bastante atuais e algumas denúncias de práticas antiecológicas no Brasil. Além disso, está sendo feito com muito carinho. Ah, só para deixar claro, não é uma



história de super-heróis. Há uma heroína que até recebe três itens “mágicos”, mas atua com os pés no chão. E para aqueles fãs da Daryl Hannah, estamos “espalhando” referências de seus filmes e até mesmo de sua vida pessoal ao longo das tramas. MT: O que você tem produzido para além dos quadrinhos? MA: Meu desejo é poder um dia sobreviver só escrevendo roteiros. Infelizmente ainda não dá. Parei de lecionar História, mas estou sempre envolvida com palestras, oficinas e cursos sobre roteiro e sobre como utilizar corretamente os quadrinhos em sala de aula, oriento “extra-oficinalmente” TCCs de alunos da UFRN, organizo eventos sobre quadrinhos aqui em Natal e sou curadora do setor de quadrinhos da FLiQ – Feira de Livros e Quadrinhos de Natal, além de editar o PortalGHQ (três vezes na semana) e escrever resenhas de quadrinhos para o Universo HQ. Atuo também como autônoma, fazendo letreramento e diagramação de quadrinhos, e criando logotipos. MT: Por que quadrinhos? MA: Porque é muito instigante trabalhar com a simbiose entre palavra e imagem. E quando um roteiro que escrevo é materializado por um bom desenhista, aí nem tem palavras para descrever a emoção. É um filho ganhando vida e se mostrando pro mundo. MT: Que quadrinhos você tem lido ultimamente? E o que além deles? MA: Caramba, tanta coisa! Gosto de acompanhar algumas séries da TV que têm continuação nos quadrinhos, como

Battlestar Galactica e Farscape. Leio alguns materiais importados (como Essex County Collected, do Jeff Lemire) e acompanho, dentro do possível, os lançamentos nacionais e os quadrinhos independentes (alguns desses últimos estou ajudando a produzir via financiamento colaborativo, como Petisco Apresenta – vol.1 e O beijo adolescente – segunda temporada). No momento, estou focada em trabalhos de meados do século XX, lendo quadrinhos que antes só conhecia por citações em livros, como He done her wrong, do Milt Gross (1930), por exemplo, e acompanhando o início do gekigá, com o Yoshihiro Tatsumi. No geral, sou bem eclética. Só leio pouquíssimo quadrinho é de super-herói mesmo (nunca tive paciência para megassagas). Entre um quadrinho e outro, também sigo lendo alguns livros. Descobri há dois anos uma escritora fantástica, a carioca Ana Paula Maia, e sua “trilogia dos bastardos”, e estou pra ler agora o primeiro livro dessa trilogia, A Guerra dos Bastardos (só consegui comprá-lo após ler os dois últimos), bem como Barba ensopada de sangue, do Daniel Galera, que esteve recentemente em Natal para participar do Ação Leitura 2013.



Ricardo Coimbra

O Obina do Amor no carnaval de Salvador vidaeobrademimmesmo.blogspot.com.br



Monotipia: Fale sobre sua formação, enquanto e quadrinhista. Ricardo Coimbra: Nunca fiz curso de desenho ou coisa assim, então acho que posso dizer que sou autodidata. O pouco que aprendi foi observando, lendo e praticando. Acho que comecei a desenhar com uns 4 anos de idade, tentando copiar o que eu via em animações da TV, gibi de super-herói, Turma da Mônica, tirinha que eu via em jornal, essas coisas. Dessa época, lembro nitidamente de tomar esporro de professor em sala de aula porque ficava viajando naquelas tirinhas que vinham ilustrando texto nos livros didáticos. Tinha Quino, Laerte, Angeli, Henfil, Veríssimo, coisas que eu só ia entender muito mais tarde, mas que já me pegavam pelo desenho. Outra coisa que rolava é que eu herdava muito quadrinho do meu irmão mais velho. Com uns 10 anos mais ou menos, veio, numa tacada só, a Mad, Zéfiro, Chiclete com Banana, Piratas do Tietê. Também começaram a cair na minha mão coisas do Allan Moore, do Frank Miller, Vertigo, quadrinho europeu. Acho que o fim da minha “formação” como quadrinista (se é que se pode chamar isso de formação) foi já na faculdade, quando fui ler com atenção Crumb, Clowes e o José Carlos Fernandes, que pra mim é o maior de todos.



MT: Quais influências, no que se refere a movimentos e/ou artistas,você identifica no seu trabalho? RC: Não sei se aparecem necessariamente em algum aspecto do meu trabalho, mas o que eu destacaria como referência são esses que já falei. Na verdade são 2 tríades: Angeli + Laerte + Glauco e Allan Sieber + Arnaldo Branco + André Dahmer. Essa é a argamassa. Aí vem uma pitada de Clowes e José Carlos Fernandes, um pouco de Simpsons, South Park, Hermes&Renato. É claro que o resultado dessa mistura no meu trabalho é bastante questionável, estou longe de ser como esses caras, embora eles me mostrem direções que eu gosto de seguir. MT: Há alguma predileção no que se refere a formatos e materiais? RC: Os formatos variam um pouco, mas, em termos de materiais, gosto do tradicional: papel e nanquim. Desde que comecei a fazer quadrinho não saí muito disso. O que faço atualmente é desenhar com nanquim descartável (ou caneta comum) no papel sulfite (ou qualquer outro que estiver à mão), escanear e pintar de cinza no baldinho do photoshop. Se você me perguntar o porquê do processo ser assim acho que a única resposta honesta será: porque é mais fácil.



MT: Conte sobre a dinâmica de produção das suas e HQs. RC: Isso é uma questão complexa porque sou bastante preguiçoso e indisciplinado. O processo geralmente começa com alguma idéia que eu já tenho anotada. Coisas que eu ouço na rua, uma notícia de jornal, uma conversa com amigo, coisas da internet, tudo isso eu vou anotando. Antes eu anotava em blocos de bolso, mas de tanto perder, desisti de usar e hoje em dia quando preciso de uma idéia vasculho os bolsos das minhas calças onde vez por outra acho alguma coisa anotada num guardanapo, num verso de uma filipeta, num extrato de banco. Na medida do possível vou passando a limpo num bloco de notas no computador. Ali vou vendo o que eu acho que rola, escolho uma e vou desenhar. Aí a coisa segue aquele caminho: papel, nanquim, scanner, photoshop, internet. MT: Quais costumam ser suas preocupações narrativas, no que concerne à construção de um ritmo visual, em suas HQs? RC: Não tenho grandes preocupações narrativas. Minhas tiras são bem simples e na maioria das vezes acabo colocando o desenho apenas como um apoio visual para a idéia. Tento fazer o desenho e a diagramação com o mínimo possível de elementos, apenas o suficiente para que a raciocínio da tira seja reconhecível. E isso pra mim acabou até se tornando um vício de criação. Se você ler minhas histórias mais longas, por exemplo, vai reparar que elas não são bem concebidas, falta ambientação, falta cenário, o enquadramento é tosco. São apenas tiras mais demoradas.



MT: O que você tem produzido para além dos quadrinhos? RC: Uma banda de axé progressivo com o Bruno Maron. Será um ritmo afro-existencialista, uma mistura de Cid Guerreiro e Jean-Paul Sartre. Já temos 3 canções: “O Mal-estar na Civilização do Pelô”, “O acarajé como vontade e representação” e “Microfísica do Dendê”. Atualmente estamos em busca de um baixista. MT: Não entendo. Com tanto potencial musical, por que fazer quadrinhos? RC: Falta de porrada, acho. MT: Que quadrinhos você tem lido ultimamente? E o que além deles? RC: Ultimamente tenho mais relido do que lido. Tenho conhecido muito quadrinho novo pela internet, coisas sensacionais, mas acabo sempre voltando no que eu já conheço e gosto, como o “Quiosque da Utopia”, do José Carlos Fernandes, que a cada vez que leio acho melhor. Agora, fora quadrinho, 2 livros que li recentemente e gostei muito foram “O Livro do Mandarim”, do Ricardo Lísias e “Patrimônio” do Philip Roth. Emendei um no outro e quase tive um derrame, mas foi lindo. Recomendo fortemente.



A briga Ana Recalde http://anarecalde.blogspot.com.br/


Eles estavam ali parados há pelo menos 40 minutos. Ele com a sua habitual camiseta preta do Metallica olhava para ela e sóconseguia pensar em como pôde gostar de uma menina como aquela. Afinal, ela usava sombra e rímel na escola. Que absurdo! Estava cansado de ficar ali parado.

porque não está me levando a sério! Ela estava furiosa, sabia que não deveria ter se apaixonado por ele. Oras, um garoto que usa só preto e vive de cabelo preso. Com o cabelo daquele tamanho, pelo menos ele deveria passar um creme para pentear. - Tá bom, fala. Pode completar o que você ia dizer.

- Mas olha só, o Sex Pistols...

- Eu sei bem onde essa sua argumentação vai levar.

- Obrigado! Então, mesmo que certas bandas sejam pobres musicalmente, elas pelo menos tem uma relevância histórica, entende? O Sex Pistols era a representação de toda uma juventude londrina que era massacrada, apesar de ser punk e tal.

- Viu! Eu nem posso falar nada que você já me corta!

- E quem é que diz qual banda tem relevância histórica?

- Eu já sei o que você vai falar...

- Ah, cara... isso fica explícito.

Ela fez aquela expressão de quem ia começar um longo monólogo.

- Certo, então para ter relevância histórica precisa ser amplamente comentado?

- Pode parar! - O quê?

nosso tempo, certo? Afinal é amplamente comentado. Ele achou que tinha caído em uma armadilha bem ali. - Olha, eu sei que você também gosta de bandas só por gostar, porque são divertidas e não tão boas assim. Ele ficou olhando cansado e derrotado para ela. Queria levantar, ir embora e agradar sua namorada, afinal, ele gostava mesmo dela! Não ia admitir, mas ela era linda mesmo. - Tá bom, eu admito. Lady Gaga é legal. Humpft. Ela sorriu vitoriosa. E estava feliz por saber que ele faria aquilo por ela, cederia às vezes. Sabia que um pouco ele já estava cansado e que talvez ele tivesse cedido, mas ele era tão fofo, tão tão... apertável. Ela o abraçou forte e se beijaram.

- “E lá vamos nós”... - Arght, odeio quando você faz isso!

- Mais ou menos. É quando esses caras falam a voz do seu tempo. Quando as pessoas reconhecem.

- Isso o quê?! - Cita pica-pau quando brigamos! Ele abaixou a cabeça e deu um sorrisinho irônico. - Viu! Sempre que você faz isso é

- Hmmmm, entendo. E essas pessoas ficam famosas nas sua épocas. - Claro, isso mesmo! - Certo, então quem emplaca muitos singles na Billboard são vozes do

- Só não conta que eu falei isso pra ninguém, viu!



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