Os sete - andre vianco

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nem traço de cansaço. Parecia ter recebido energia extra. Corria mais rápido do que de costume. Imprimiu mais velocidade às pernas, sem acreditar que podia correr tão rápido. Ia em direção ao portão de acesso, de costas para os soldados ocupados em guardar sua retarguarda. Ficando de costas para um assassino. Sem poder enxergar um ponto de luz vermelha ziguezagueando em suas costas. Dois minutos atrás, o sargento apanhara junto a um de seus atiradores um rifle de longo alcance, equipado com mira a laser. Ajeitou-o no ombro e olhou pelo pequeno, porém potente, telescópio. Localizou seu alvo correndo pela estradinha. De repente, o homem parou. O telescópio era excelente, mesmo à noite e no meio daquele temporal. Tudo ficou silencioso para Bernardo. As vozes dos soldados desapareceram. Apenas tinha a sensação do tamborilar das gotas de chuva em cima de seu boné de náilon verde-oliva. Tudo ficou silencioso. O telescópio era excelente. Ele podia ver Tiago encurvado no meio da estradinha que levava ao topo do terreno onde ficava o portão de acesso. Ele podia ver o rapaz tentando fazer funcionar o mini-rádio preso à orelha. Podia ver os lábios dele se moverem, querendo se comunicar com a base de retaguarda. Porém nenhum som chegava à sua unidade. O rádio de Tiago estava quebrado, era isso. Era isso que só ele, o sargento, vira. O silêncio. A vida do rapaz estava em suas mãos. Poderia abandonar a decisão de Brites; afinal, não era desobediência do civil. Seu rádio estava quebrado. A culpa era do próprio Exército. Dos relâmpagos, talvez. Poderia enviar um soldado em um jipe, mas isso ia demorar uma eternidade. Ainda mais agora que o rapaz voltara a correr. E como corria! Parecia o canadense Ben Johnson, vitaminado, voando para os cem metros. Poderia mandar alguém. Mas poderia demorar demais e ferrar tudo. Nada seria mais rápido do que uma bala. Nem Tiago, nem Ben Johnson, nem o Superman. Bernardo acionou a mira a laser. Uma bolinha vermelha surgiu na estrada e subiu pelas pernas do corredor até chegar às suas costas. Tudo permaneceu silencioso. O sargento pôs o dedo trêmulo no gatilho. Sentiu o coração gelar quando teve certeza de que ia atirar e matar. Matar. Era a primeira vez que o sargento mataria um homem. Tiago estava quase no portão. Suas pernas continuavam leves e sem cansaço nos músculos. Ouviu um trovão. Sentiu um forte impacto contra suas costas, arremessando o corpo para a frente. Conhecia aquela sensação. As pernas bambearam, tirando-lhe o equilíbrio. A respiração falhou enquanto era arremessado para a frente, caindo de bruços no chão tomado pela lama. Um brilho intenso e cegante invadiu-lhe os olhos. Ouviu um trovão poderoso arrebentando no céu. Um estalido. Havia levado um tiro. Um tiro do Exército. Os vampiros não estavam ali. Só podia ter sido coisa dos militares. Por quê? Só estava correndo na direção dos malditos. Correndo para Eliana. Seu pulmão voltou a falhar. Uma dor lancinante cortou seu tórax. Já havia experimentado aquilo no passado. Sabia como era morrer. Fechou os olhos, sentindo a chuva acariciar sua cabeça. A água descia forte pela estrada inclinada, levando o sangue que vertia de seu ferimento. Tiago estremeceu e, por alguns segundos, perdeu os sentidos.


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