Os sete - andre vianco

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quase perfeita em seu corpo. Percebeu que Guilherme produzira a mesma bagunça, rasgando e abrindo mais uma porção de caixas. Manuel vasculhou entre as peças soltas, procurando uma camisa de seda que lhe agradasse. Encontrou uma de tecido vermelho, com duas estreitas faixas negras na altura do peito e colarinho negro, longo e pontudo. Sentia-se mais vampiro com elas. Os punhos discretos não lhe agradavam de todo, mas também não havia por que reclamar. Estava agora mais bem-vestido. Sem o forte fedor de suor que o humano emprestara às roupas velhas. Agora, nem mesmo o melhor cão de Tobia poderia farejá-lo. Zelaria por aquelas roupas. Até voltarem ao castelo, não poderia se dar ao luxo de carregar um guarda-roupas completo nas costas. Guilherme encontrou uma camisa completamente preta para cobrir o tórax, muito mais elegante do que a imunda do aldeão. Como a de Manuel, possuía colarinho comprido e pontudo. Para complementar, valeu-se de uma peça que, pela etiqueta explicativa, se chamava sobretudo, toda preta, patenteando um ar soturno ao vampiro congelante. Apanhou mais um sobretudo e o ofereceu ao amigo. — Toma. Acredito que vais apreciar esta vestimenta. Manuel vestiu o sobretudo, cuja barra quase arrastava no chão. A peça só não parecia ridícula na figura porque Acordador, apesar de baixo, era visivelmente robusto, do tipo que faria um valentão pensar duas vezes antes de decidir atacá-lo. Tinha mãos grandes, braços fortes e ligeiros, bem longe de lhe atribuírem um ar franzino e desprotegido. Trajando o sobretudo e as demais peças, Guilherme parecia ainda mais alto e magro. Também tinha garbo, que lhe denotava força e respeito. O ar soturno e sombrio lhe imprimia um jeito misterioso, afastando dele muitas intenções maldosas. Por mais alguns minutos fuçaram as caixas, procurando outras peças interessantes. Sem encontrar mais nada que lhes agradasse, queriam agora chegar à cabeça da fileira de carros assombrados. Queriam ver como aquela coisa mágica funcionava. Saltaram para fora do vagão, voltando ao topo. O veículo estava em uma parte curva da estrada, permitindo aos dois observarem o primeiro compartimento, que aparentemente era o responsável por arrastar todos os demais. Contaram dezesseis repartições, desde a primeira. Desta, escapava um rolo de fumaça negra para o céu, que se perdia na escuridão, deixando no ar um rastro espectral com um cheiro impregnante. As duas primeiras repartições da serpente metálica eram de ferro pintado de vermelho, como puderam perceber, particularmente diferentes dos caixotes de trás. Inverno agora ia na frente, atento aos obstáculos que apareciam esporadicamente. Postes enviesados, fixos, marginais à estrada de ferro, atravessavam por cima da serpente, obrigando-os a se abaixarem hora e outra. Quando alcançaram o penúltimo carro, vermelho como a ponta, o som das curtas e ritmadas explosões já era avassalador. Do primeiro carro, por um tubo curto e grosso, a fumaça fedorenta era cuspida para o alto. Perceberam que as duas seções no extremo da serpente, diferentemente dos caixotes retangulares, possuíam uma espécie de corredores laterais, por onde seria possível um homem caminhar com certa segurança. Trataram de saltar para


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