Anac - A NOSSA VOZ nº 63

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Publicação Trimestral da ANAC

Ano XXIII • N.º 63 • Outubro / Dezembro 2014 MEMBRO DO GRUPO EUROPEU DE PENSIONISTAS DAS CAIXAS ECONÓMICAS E BANCOS

ED IT O R I A L EDITORIAL Com a aproximação do Natal, o es-

pírito solidário costuma revigorar-se. A data sensibiliza as pessoas, criando um cenário onde deveria representar-se o teatro da vida durante o ano inteiro.

É tradição chegar a esta quadra, olhar em redor, e refletir sobre as desigualdades do mundo em que vivemos. É impossível não reparar na dor de tantos, que, neste momento da nossa vida coletiva, se encontram em fases muito complicadas das suas, por quem o espírito natalício passará sem os fazer sentir mais felizes, a não ser esperar a solidariedade dos outros. E solidariedade é quando nos mobilizamos pelos outros e nos sentimos recompensados em primeiro lugar. Só a solidariedade resgata a grandeza e a dignidade que existem potencialmente em nós. Neste

número do nosso Boletim, relembramos a mensagem do Papa aos membros do G20 em que, por outras palavras, foi recordada a igualdade de oportunidades, a justiça, a verdade dos valores democráticos, a pobreza que também existe nos países economicamente desenvolvidos, a necessidade da existência de trabalho com direitos, a proteção na saúde, a solidão e a pobreza de muitos idosos.

Deseja-se

a todos os sócios da Anac e seus familiares, um Bom Natal e um Feliz Ano Novo.

XIV ENCONTRO NACIONAL Decorreu, no dia 04 de outubro, o XIV Encontro Nacional dos Sócios Efetivos da ANAC, no edifício-sede da CGD. Na parte da manhã, após o minuto de silêncio em memória dos que partiram, tivemos os trabalhos, que decorreram no Grande Auditório da Culturgest, com intervenções da Direção da ANAC, do representante da Administração da CGD (Dr. Rui Soares), do Seniamor (Ondina e Paiva) e da Direção dos Serviços Sociais (Luís Filipe Rocha). Também houve uns momentos dedicados à reflexão livre dos Sócios sobre os temas que julgaram por bem trazer ao debate. As Agências Pinto Lopes e Abreu ofereceram recordações muito interessantes que foram sorteadas entre os Sócios presentes. Os “nossos talentos” foram publicamente reconhecidos. Foi divulgado o Hino da ANAC (com grande sucesso, diga-se de passagem...) e apresentada a nova bandeira da Associação – este número d’”A Nossa Voz” inclui a letra do hino para conhecimento de todos os Sócios. Após um almoço no restaurante do edifício-sede, que foi do agrado da generalidade dos presentes (cerca de 500, vindos de todo o país...), a parte da tarde foi preenchida com mais talentos. Não foram apenas os “nossos” (Grupos Coral e de Cantares) mas também dos SSCGD (Secção de Danças) e os da Capricho Setubalense (Capricho Big Band). Todo o espetáculo foi superiormente apresentado pelo “nosso” Rui Nuno Carvalho. No decorrer do espetáculo foi homenageado o Maestro Manuel Matos que cessou a sua colaboração com o nosso Grupo Coral. Estes encontros bienais de Sócios (tal como os Almoços Nacionais) são momentos de grande emotividade pois proporcionam a oportunidade de reencontro de Amigos. Estes Amigos, por vezes, só se encontram nestes momentos pois a vida separou-os para distâncias de várias centenas de quilómetros e então é comovente assistirmos a manifestações de sincera alegria só possíveis com a manutenção do “espírito de família” que a ANAC proporciona. A organização destes eventos, embora muito trabalhosa e de custos financeiros elevados para a Associação, é sempre gratificante para os que nos esforçamos por obter o melhor resultado para todos. No final, em jeito de lamento, só queremos apelar aos Sócios (sobretudo os da região da grande Lisboa) que se inscrevem nestes Encontros e que, à última hora decidem não usufruir deles – este ano foi mais de meia centena... A ANAC assume as suas responsabilidades perante os prestadores de serviços (em especial de restauração) e depois é forçada a pagar os custos mesmo dos Sócios que não participam mas que se inscreveram… Apelamos ao seu civismo para que se evitem situação idênticas no futuro – afinal são todos os Sócios que pagam pela sua falta de “fair play”. No próximo ano teremos mais um Almoço Nacional e também celebraremos os 30 anos de existência da nossa Associação. Estamos certos de que serão mais duas oportunidades para serem reforçados os laços que nos ligam a todos. A Direção continuará a empenhar-se nesse reforço.  l Cândido Vintém


Carta da AGE para o presidente Juncker sobre o Semestre Europeu de 2014 O que é o Semestre Europeu? O “Semestre Europeu” é um ciclo de coordenação das políticas económicas e orçamentais na União Europeia. Centra-se no período dos primeiros seis meses de cada ano e por isso se chama “semestre”. Durante o Semestre Europeu, os Estados Membros procedem ao alinhamento das políticas orçamentais e económicas nacionais pelos objetivos e regras acordados a nível da UE. Deste modo, o Semestre visa: •  garantir a solidez das finanças públicas •  fomentar o crescimento económico e •  prevenir desequilíbrios macroeconómicos excessivos na UE.

“É preciso fazer mais para enfrentar as realidades sociais dos idosos em 2015” Antes da publicação de uma próxima Análise Anual do Crescimento, a AGE Platform Europe apresenta a sua avaliação dos programas nacionais da Comissão das reformas em 2014 e das recomendações específicas por país, ao presidente eleito Jean-Claude Juncker. Além disso, com base na avaliação dos seus membros, a AGE produziu a análise global das prioridades políticas em relação aos idosos em 2014. A presente posição deve ser tida como um complemento às contribuições relativas ao anterior semestre europeu. Em Novembro de 2013, a AGE enviou uma carta ao Presidente Barroso, convidando-o a reorientar o Semestre Europeu para os objetivos sociais da Europa 2020, a fim de apoiar o crescimento inclusivo, para que seja garantida uma vida digna às pessoas de todas as idades. Em abril de 2014 as organizações membros formularam propostas alternativas, por nós transmitidas à Comissão Europeia, tendo em vista influenciar as recomendações específicas para cada um dos estados-membros também abordados para o efeito. Com estas recomendações visa-se ajudar os governos nacionais a alcançar novos progressos e as instituições europeias a dar resposta com sucesso ao desafio demográfico. Contribuições das organizações de cidadãos idosos, ilustram como estes se desejam empenhar com os decisores políticos sobre as reformas necessárias. Pugnamos para que estes cidadãos possam e devam ser autorizados a expressar os seus pontos de vista na procura de soluções para se alcançar o crescimento económico que seja sustentável e inclusivo para todos. Dinamizando a revisão da Estratégia Europeia para 2020, a AGE reitera o seu apelo aos decisores políticos para que o próximo ciclo político seja um instrumento fundamental para conseguir uma U.E. mais social e mais justa. Tendo em vista a próxima publicação da Análise Anual do Crescimento, a AGE convida a Comissão Europeia a considerar, em especial, os seguintes pontos:

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•  Emprego tem recebido mais atenção no Semestre Europeu 2014 do que nos últimos anos. Se bem que desejável, mais tem que ser feito para combater a discriminação por idade e apoiar os trabalhadores mais velhos, os quais são confrontados com reformas que requerem uma vida ativa mais longa para ter acesso à pensão, continuam a enfrentar barreiras para permanecer no emprego e sofrem com a falta de programas específicos de formação. Mais precisa ser feito para facilitar, em especial, a permanência das mulheres menos jovens no mercado de trabalho, pois além da discriminação de género e idade, têm-se confrontado com o aumento das dificuldades em conciliar as tarefas profissionais com a assistência à família, em consequência da redução dos serviços sociais para idosos e dependentes (medidas de austeridade). •  A pobreza é um impedimento crescente no progresso social da Europa. Para combater a crise social o Semestre Europeu deve incrementar a criação de regimes de rendimento mínimo adequado para aqueles que não podem mais trabalhar, a promoção de políticas de mercado de trabalho inclusivas para todos os grupos etários da população, e garantir pensões mínimas adequadas para uma vida digna. •  Os sistemas de pensões devem tornar-se mais sustentáveis, no interesse de todas as gerações, no entanto a sua reforma deve procurar garantir uma pensão adequada em toda a vida de um pensionista, incluindo as mulheres idosas e os trabalhadores com carreiras interrompidas (hoje em dia a grande maioria dos trabalhadores não pode ou não consegue alcançar uma carreira integral, não podendo reivindicar uma pensão completa, quando se aposentar). Embora se possa entender o prolongamento da vida ativa, a AGE recomenda que seja indexada a idade legal da reforma, à esperança de vida saudável, em vez da expectativa de vida. Esta tem aumentado na U.E. mas o indicador de vida saudável não segue a mesma tendência: vivemos mais tempo mas com mais anos de doenças crónicas e graves e com deficiências que nos tornam inaptos para o trabalho. •  Cuidados de longa duração estão sendo alterados, não só por considerações de ordem orçamental, mas por recomendações do Semestre Europeu. Estas reformas são necessárias para atender às necessidades crescentes da nossa população em envelhecimento, no entanto no contexto de austeridade actual, tendem a reduzir-se os orçamentos públicos para estes cuidados. É preocupante no entanto, a tendência que em alguns países parece não querer considerar os cuidados de saúde e deficiência, como uma responsabilidade colectiva organizada e financiada através de recursos públicos e mutualização de riscos, mas que estes sejam considerados uma responsabilidade dos idosos e suas famílias, devendo as autoridades públicas só intervir nos casos de pobreza extrema. Acreditamos que estes pontos são vitais para que as metas sociais estabelecidas na Estratégia Europa 2020, se tornem uma realidade para os cidadãos mais velhos. l


OS SENIORES E A SAÚDE A IMOBILIZAÇÃO PROLONGADA Um dos riscos que podem surgir na vida de um sénior, é a de imobilização temporária ou definitiva, devido às doenças próprias ao processo de envelhecimento. Dessas situações podem resultar problemas físicos, psíquicos e metabólicos, que no entanto podem ser reduzidos com medidas preventivas, sendo muito importante a atitude dos cuidadores e de quem rodeia o idoso, sendo de evitar a rejeição e o super-protecionismo. As causas mais frequentes são doenças incapacitantes crónicas como a artrite, artrose, Parkinson, acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca grave, cegueira, problemas vasculares, traumatismos e fraturas, afecções dos pés e a dor crónica. Como consequências da imobilização prolongada, podem ser afetados os sistemas orgânicos, com maior ou menor rapidez, dependendo da duração, da gravidade e do estado geral da saúde. Ao nível do sistema cardiovascular, pode haver perda de tónus muscular, o que possibilita a estagnação do sangue nas pernas, aumento do trabalho cardíaco e a tolerância ao esforço diminui. As trombo flebites dos membros inferiores são frequentes devido à estagnação do sangue. A imobilização reduz o apetite e não é raro o idoso sofrer de carência de proteínas. Como consequência perde peso e com a imobilidade torna-se mais vulnerável a feridas de pressão ou a escaras. A imobilização tem normalmente repercussões psicológicas: depressão, ansiedade, reações emocionais exageradas ou até desorientação por privação de estímulos sensoriais. Como prevenir: Deve tentar-se evitar a imobilização através da prevenção de todas as doenças que podem estar na sua origem. Quando tal não é possível, resta a possibilidade de reduzir as suas consequências. Para que o sénior se movimente, em casa ou nos serviços hospitalares, os cuidadores devem procurar sentá-lo e fazer com que se desloque dentro das suas possibilidades. A mobilidade do paciente pode ser passiva, quando é o fisioterapeuta que movimenta os músculos e articulações, ou ativa, quando é o próprio que o faz, sob controlo do fisioterapeuta. O posicionamento adequado na cama é importante. Para prevenir a formação de úlceras de pressão ou escaras, deve mudar-se a pessoa regularmente de posição, providenciar uma higiene exemplar, hidratá-la e alimentá-la bem. É essencial a vigilância atenta da pele do paciente e a utilização adequada de cremes hidratantes para tratamento e manutenção. Para tratar escaras devem utilizar-se pensos ou películas especiais. Para prevenir problemas cardíacos deve colocar-se o paciente numa posição semi-sentada e, determinado pelo médico, a eventual utilização de um anti-coagulante, bem como a previsão de exercícios progressivos para a fase final da imobilização. Para uma função pulmonar correta é importante hidratar o paciente e evitar a estagnação das secreções nos brônquios. Os problemas metabólicos previnem-se com uma boa hidratação e com a ingestão suficiente de calorias e proteínas. Por último é importante ter em atenção os efeitos psicológicos da imobilização, procurando dar apoio emocional, motivar e estimular os pacientes, evitando o isolamento das pessoas nesta situação. l C.G.

Ficha Técnica Propriedade da ANAC – Associação Nacional dos Aposentados da Caixa Geral de Depósitos; Sede: Rua Marechal Saldanha, nº. 5-1º. 1200-259 Lisboa, Tels. 21 324 50 90/3, Fax 21 324 50 94, E-mail: anac@cgd.pt, Blogue: http://anaccgd.blogspot.com; Coordenação: Carlos Garrido; Publicação: Trimestral; Impressão: Gráfica Expansão - Artes Gráficas, Lda., Rua de S. Tomé, 23-A, 2685-373 PRIOR VELHO; Tiragem: 3.500 exemplares; Depósito Legal: nº. 55350/92; Distribuição: gratuita aos sócios; Colaboraram neste número: Cândido Vintém; Carlos Garrido; Peres de Almeida (Delegação da Beira Interior); José Coimbra (Delegação da Região Norte); Maria Teresa Silveira

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E SPAÇO D E REFLEXÃO 5000 QUILÓMETROS A PÉ

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homem é um ser peculiar e nas idiossincrasias da sua vivência, surpreende-nos quando menos esperamos. É o caso do colega Hélder Vieira, empregado da CGD e sócio da ANAC, reformado desde 30/12/2007. Antigo empregado do Banco de Angola, entrou na CGD em 28/02/1977, tendo passado pela DFA, DPA e DMP. Hélder nasceu em Angola, na Baía das Pipas, praia piscatória a cerca de 30 Km da então cidade de Moçâmedes. Senhor de talentos vários, sempre praticou desporto ao longo da vida, futebol de salão, judo e karaté, dedica-se à prática de pintura a óleo, na modalidade de retrato, frequenta aulas de dança e guitarra clássica. Porém a caminhada é a especialidade por excelência que pratica, deslocando-se a pé cerca de 25 quilómetros diariamente. A origem desta paixão está na juventude vivida em Lucira, região de grandes serras e extensas planícies, que muito cedo começou a percorrer com frequência, durante horas e horas na prática da caça, hábito que continuou a praticar em adulto e durante as férias, até vir para Portugal em 1975. Este gosto foi retomado depois da reforma, deslocando-se diariamente a pé cerca de 20 a 25 quilómetros como acima se referiu. Casado, com uma família numerosa, em cujas tarefas diárias participa intensamente, também se dedica a atividades de voluntariado, fazendo parte dos órgãos sociais da EVITA, associação sem fins lucrativos, de apoio a portadores de alterações de genes relacionados com cancro hereditário, que ajudou a fundar em 2011.

Porém o mais surpreendente e que justifica estas linhas é a força e determinação que o levaram a aumentar a amplitude das suas caminhadas, realizando a Volta a Portugal, primeiro, e a volta à Península Ibérica, depois. Estas viagens realizaram-se de 2 de setembro a 24 de novembro de 2012, 72 dias a andar e 12 a descansar, num total de 2430 Km pela fronteira portuguesa e de 4 de Janeiro a 5 de Julho de 2014, 5041,90 Km, em 182 dias, uma média de 30 quilómetros por dia. Após um ano de planeamento, tudo começou no Monte da Caparica, no concelho de Almada, para homenagear o apoio recebido pela União das freguesias de Caparica e Trafaria. Para o cidadão comum, amigo do sofá ou mesmo não sedentário, quais serão as razões que levam alguém aos 65 anos a lançar-se numa aventura desta magnitude? A resposta só poderá ser encontrada na influência que a infância e juventude tiveram no desenvolvimento da sua personalidade, cujas facetas lhe proporcionaram a motivação para causas que privilegiam o lado positivo da vida, o desejo de superar-se a si próprio, a descoberta, o contacto com a natureza. Apesar de caminhar sozinho, foi apoiado pela sua mulher, também ela uma lutadora, pois já venceu duas doenças cancerígenas, e por Paula Ambrósio, antiga colega do BES, ambas viajando numa autocaravana, o que lhe proporcionou todo o apoio logístico de que necessitava para levar a bom porto tarefas de tal envergadura. Mas melhor que quaisquer outras considerações será acompanhar Hélder nos sentimentos e emoções que sentiu ao longo e no fim da longa caminhada, no poema a que deu o nome de

ASSIM VIVI ESTA AVENTURA Querer viver uma aventura Ouvir e sentir a natureza Andar por terra pura De silêncios, sons e beleza

E sempre a andar Por vales, estradas, praias e montes Saudado pelo sol, gente, mar Pássaros, chuva, rios e fontes

Após seis meses de emoções Acontece uma bela manhã de magia Com passos dados mais de dez milhões Quando revejo amigos e família

Foi assim que concebi A volta ibérica dar Rotas, locais, defini Por onde caminhar

Pela tarde de cada dia Era sempre alcançada Com respeitosa alegria Cada meta traçada

De entre todos os apoios Recebidos nesta “viagem” Dois merecem elogios (obrigado Manuela e Paula) Pela presença e coragem

Depois, passo a passo Comecei revivendo E a unir num só traço O que fui percorrendo

Em lugar do cansaço Sentia o ânimo mais profundo Pela admiração, força e o abraço Vindos de todo mundo

Assim vivi esta aventura Feito único desta natureza Caminhada longa e dura Mas de uma enorme riqueza

Ao ritmo dos passos Cinco mil quilómetros são vencidos No prazo, sem embaraços, E aos sessenta e cinco anos vividos

Hélder Vieira Almada, 25 de Outubro de 2014

Depois de tudo isto, só nos resta louvar e admirar Hélder Vieira, pela força e determinação que nos mostra e que continue a viver como gosta, olhar para o seu exemplo de vida, que só por si mostra à saciedade que os 65 anos não são sinónimo de velhice ou decrepitude. Parabéns e muitas felicidades futuras, pessoais e familiares. C.G.

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E SPAÇO D E REFLEXÃO Dada a interligação da actividade da AGE com a opinião sobre as questões europeias, que José Saramago partilhou em conferência proferida em 1999, transcreve-se o conteúdo da mesma pela atualidade que contém.

Que Europa queremos? Do ponto de vista de uma ética abstracta, se tal conjunção existe, a Europa não tem mais responsabilidades no tribunal da História que qualquer outra parte do mundo onde se tenham disputado o poder e a hegemonia. Mas a ética, quando exercida, como é desejável, sobre o concreto social, é porventura a menos abstracta de todas as coisas: embora variável no tempo e no espaço, permanece como uma presença calada e rigorosa que, com o seu olhar fixo, nos vai pedindo contas todos os dias. Gostaria de pensar que estamos vivendo num tempo em que a Europa deveria apresentar ao juízo do mundo o balanço da sua gestão histórica, se não pretende prolongar, com o requinte de métodos que os modernos meios de comunicação de massa possibilitam, o seu vício maior, o seu pecado mortal, que é, ainda hoje, e não apenas no que se refere aos aspectos geográficos e físicos do caso, a existência de duas Europas, a central e a periférica, com o resultante e pesado lastro histórico de injustiças, discriminações e ressentimentos. Pelo que têm de óbvio, não falarei aqui das guerras, das invasões, dos genocídios e das eliminações selectivas que não pouparam nenhum espaço europeu. Falo, sim, da ofensa grosseira que é, tanto como essa outra espécie de deformação congénita a que chamamos eurocentrismo, aquele comportamento aberrante que consiste em ser a Europa cêntrica e eurocêntrica em relação ao seu próprio continente. Para alguns Estados europeus, culturalmente superiores segundo a narcísica opinião que de si mesmos alimentam, o resto da Europa sempre foi algo vago e difuso, um pouco exótico, um pouco pitoresco, merecedor, quando muito, da atenção de antropólogos e arqueólogos, mas onde, apesar de tudo, contando com adequadas colaborações locais, ainda se podiam fazer alguns bons negócios… Não creio que venha a existir uma Europa autenticamente nova se esta em que vivemos não conseguir organizar-se segundo os ditames de uma ética da responsabilidade. E também não existirá se, mais do que os egoísmos nacionais, que frequentemente resultam de meros reflexos defensivos, não forem eliminados da nossa consciência os velhos preconceitos da prevalência ou da subordinação cultural. Tenho presente a importância dos factores económicos, políticos e militares nesta teia perversa de relações, mas, como homem de literatura, considero meu dever recordar que as hegemonias culturais de hoje são consequência, no essencial, de um processo duplo e cumulativo de evidenciação do próprio e de ocultação do alheio que teve artes de impor-se como inelutável, quase sempre favorecido pela resignação, quando não pela cumplicidade das próprias vítimas. É tempo de dizer que as culturas não são melhores ou piores, não são mais ricas ou mais pobres, são simplesmente culturas. Nisso, valem-se umas às outras, e é pelas suas diferenças, assumidas e aprofundadas, que mutuamente se justificarão. Não há, e espero que não, o ser humano. Cada cultura, em si mesma, é um universo comunicante: o espaço que as separa é o mesmo espaço que as liga, como o mar separa e liga os continentes. O mundo inteiro anda a vestir o corpo com as mesmas roupas, ao mesmo tempo que vai usando as mesmas palavras para expressar os mesmos e cada vez mais repetitivos circuitos mentais. Começam, no entanto, a manifestar-se sinais de inquietação em áreas culturais europeias não oficiais. Parece ter-se compreendido não só que os factores culturais tinham vindo a ser praticamente menosprezados, mas também que o próprio processo integrador da União se havia convertido numa espécie de voraz Ugolino, com a diferença de que este de agora, não devorando da mesma maneira todos os seus filhos, e acaso cuidando de um ou outro com especial carinho, parecia comprazer-se nas sucessivas amputações do já de si exangue corpo da cultura europeia. Simplificando um tanto, direi que se enfrentam hoje na Europa dois partidos de forças manifestamente desiguais: o partido, maioritário, dos que têm para a

cultura um projecto mercantilista, como se, tendo herdado espiritualmente Camões, Cervantes e Goethe, não tivessem outra ambição que encontrar o modo mais expedito de os converter em euros, e o partido dos outros, claramente minoritários, que ainda não esqueceram nem querem esquecer a vocação criadora europeia, rica de milénios de invenção e experimentação, e entendem que uma cultura sujeita às leis do mercado acabará fatalmente por estiolar-se. Como já está a suceder. Dando expressão a estas preocupações, chegou a falar-se há tempos na necessidade de uma Europa refundada que afirmasse a sua paixão pelas diferenças culturais, uma Europa de culturas plurais e não de Estados forçadamente unidos, uma Europa de pólos de intensidade, mais do que de capitais, uma Europa não centralizada, mas descentrada. Se não havia então nestas ideias o objectivo meramente táctico de dar aos descontentes algo com que se distraíssem enquanto a lógica implacável do mercado prosseguia o seu caminho, se elas viessem a gerar passos efectivos para uma compreensão multiplamente irradiante da Europa por si mesma e da sua relação cultural com o resto do mundo, então seria talvez possível acreditar na viabilidade da Europa generosa e espiritualmente viva cuja esperança muitos de nós teimamos em guardar no coração. A responsabilidade dos dirigentes políticos comunitários não poderá ficar-se pela ponderação ou resolução mais ou menos afortunadas das questões económicas da Europa, ao mesmo tempo que as questões sociais lhes merecem uma atenção insignificante, se não preferirmos, com muito mais realismo e verdade, chamar-lhe simplesmente indiferença. A um “grand patron” da indústria francesa ouvi eu dizer não há muito tempo: Le social, cher Monsieur, je m’en fout… Não é este o lugar para falar de algumas dessas questões, como o desemprego, a insegurança nas grandes cidades, a marginalização, a precariedade das pensões, as deficiências da assistência hospitalar, o fracasso rotundo da educação de massa. Cingindo-me ao tema, direi que sempre me surpreendeu não encontrar qualquer alusão às questões da cultura sempre que vi abordar o labiríntico conjunto dos problemas sociais. Todos estamos conscientes de que se acabaram as fronteiras entre a política e a economia, que ao redor do mundo a Especulação paira sobre as nossas cabeças como antes se acreditava que o Espírito pairava sobre as águas, e, pela incontornável força das coisas, já não estranhamos que assim seja. O que não parecemos dispostos é a reconhecer que, no seu sentido mais amplo, uma consideração realmente abrangente e integradora do que designamos por «social» nunca será possível enquanto a dimensão cultural da existência social humana não for inteiramente assumida. Não como um território à parte, com fronteiras, alfândegas e pautas proteccionistas, mas como o tecido conjuntivo da identidade própria de cada pessoa e da sua pertença a um grupo, a um país, a uma civilização. Uma Europa de culturas plurais, uma Europa descentrada, uma Europa de diferenças estaria obrigada, por essa nova natureza sua, a fazer observar uma relação de paridade operacional entre as diversas culturas que a compõem, todas elas, sem excepção. Teria de respeitar o espaço próprio de cada uma como parceira de pleno e inteiro direito, sem sujeição a outras que, também por razões de ordem política e estratégia geral, se têm comportado como «imperializantes» por uma espécie de «direito divino», recolhendo daí todos os benefícios, sem esquecer as vantagens grosseiramente materiais que qualquer tipo de hegemonia costuma facilitar. Uma Europa, assim, termo de um binómio complexo em que o outro termo fosse o Universal, nunca seria uma Europa culturalmente colonizada nem dominada por um ou dois dos seus países. Essa Europa, enfim rejuvenescida, seria a da pluralidade de culturas, a desejada Europa sem centro, uma Europa não de clientes, mas de cidadãos, ou, mais simplesmente, uma Europa de pessoas. Sem excepções que matam nem hegemonias que assassinam – o que pressuporia, provavelmente, a necessidade de um entendimento também novo da Democracia. Mas isto já seria tema para outra conversa… José Saramago

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ATIVID AD ES HISTÓRIAS DO CENTRO - ROTA DOS MUSEUS Desta vez foram 45 os Sócios, Familiares e Amigos que se deslocaram para mais uma jornada cultural. O objetivo era conhecermos 5 dos museus (talvez) menos conhecidos da região de Alcobaça/Batalha. O desafio era ambicioso mas foi plenamente superado, embora a chegada a casa fosse algo tardia. A qualidade da documentação e o rico espólio de cada um dos museus foram agradáveis surpresas. Mas ainda mais agradáveis foram os e as jovens que nos acompanharam e nos explicaram tudo o que havia para ver - e fizeram-no de uma forma que consideramos extraordinária.

Os museus da Fábrica Raúl da Bernarda, do Vinho e dos Doces Conventuais estão muito bem documentados. Mas os que surpreenderam todos, pela positiva, foi o Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota e o Museu da Comunidade Concelhia da Batalha. Com tanta informação para digerir e tão bem acompanhados, foi natural que só chegássemos a Lisboa já depois das 21H00 ... mas valeu a pena! l

CONVÍVIOS DA DELEGAÇÃO DA ANAC DA BEIRA INTERIOR CONVÍVIO DE SÃO MARTINHO Realizou-se no passado dia 19 de novembro em Peroviseu, um convívio da Delegação, estando presentes 51 sócios da Guarda, Fundão e Castelo Branco. Enviamos saudações aos sócios que estiveram presentes, desejando que no próximo convívio compareçam muitos mais. l C.G.

CONVÍVIO DE NATAL 2014 No passado dia 6 do mês de dezembro, como tinha dado a conhecer, teve lugar na Covilhã – Hotel Turismo, o almoço de Natal 2014 da Delegação da Beira Interior da ANAC. A Confraternização contou com a presença de 38 amigos e decorreu de forma alegre e fraterna, todos tiveram direito a uma valiosíssima prenda - não se soube quantos quilates coube a cada participante mas foram seguramente muitos.

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Como já vem sendo hábito, a Maria Eugénia brindou-nos com umas eloquentes palavras. Momentos também para, em nome da Delegação, expressar os agradecimentos a todos quantos vão mantendo “a chama” nestes confins do país, dar conta do que se fez e do que está agendado para 2015 e desejar um Novo Ano repleto, com saúde, de realizações pessoais e familiares. l

SÃO MARTINHO Foram 51 os nossos Sócios, Familiares e Amigos que resolveram celebrar o S. Martinho em espírito “família ANAC”. A viagem, que decorreu entre os dias 10 e 12 de

Novembro, foi unanimemente considerada como excelente. Excelente, desde logo e principalmente, o convívio salutar, a alegria, a organização da Agência Abreu (obrigado ao Jorge e à Sandra que nos acompanharam...), a forma como a Drª Maria Manuel Cyrne nos recebeu na sua Casa de Turismo Viscondes da Várzea (que exemplo de vida...!) e todos os “extras” que nos foram sendo desvendados. S. Pedro bem tentou estragar a festa do seu “concorrente” mas nós conseguimos vencer... O Douro (que visitámos desde a Régua até Sabrosa) continua lindo e acolhedor. O Presidente da Câmara de Sabrosa deu-nos o prazer da sua companhia e também de uma lição entusiasmada de história, com relevo para Torga e Fernão de Magalhães. Tivemos oportunidade de conhecer um espetacular duo de atores que recriou um pouco da vida local e dos “benefícios” das sopas de cavalo cansado, tão típicas da região. Em resumo, todo o grupo foi conquistado pela região, pelas pessoas, pela gastronomia e pelos muitos néctares que nos foram sendo apresentados. l

NOITE DE FADOS Superando todas as expectativas, tivemos 81 inscritos para o jantar com fados no restaurante D. Leitão. O jantar foi do agrado da generalidade dos presentes e foram ouvidas 4 vozes com as características próprias que nos recordaram fados mais conhecidos e também alguns novos (de muita qualidade). Os “nossos talentos” também se fizeram representar e foi muito agradável acabar a noite com os membros do Grupo de Cantares presentes a

prestarem homenagem ao “Cante Alentejano” na sequência da sua classificação como Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO. l


ATIVID AD ES ALMOÇO DE NATAL Decorreu, no dia 06 de dezembro, na Quinta dos Gafanhotos, o já tradicional almoço de Natal dos Sócios da região de Lisboa. Como vem sendo habitual, a refeição foi muito boa e o convívio foi excelente. Apesar do menor número de presenças (éramos cerca de 170), o ambiente foi de grande confraternização, camaradagem e o espírito natalício foi muito sentido. Contámos com a presença de muitos Amigos da ANAC pois para além dos Sócios também tivemos os convidados representantes de várias estruturas (SSCGD, CT da Caixa, SBSI, AAEBNU, Seniamor, entre outros). O Dr. Rui Soares (Diretor Central da DPE), ausente de Lisboa, enviou uma mensagem de felicitações que foi lida durante o almoço. Igualmente o Dr. João Martins (Presidente da Direção dos Serviços Sociais) se dirigiu aos presentes, de viva voz. O Presidente da Direção da ANAC desejou boas festas e que o ano de 2015 traga mais felicidades a todos.

SESSÃO DE TEATRO E ATUAÇÃO DO GRUPO DE CANTARES Foi um auditório “cheio como um ovo” que assistiu hoje a dois momentos culturais muito interessantes. O grupo de teatro apoiado pela AATIB apresentou-se pela segunda vez na nossa Sede. Tal como na antecedente, tivemos momentos de muito bom humor e também de reflexão sobre coisas muito sérias mas sempre com o espírito de verdadeiros amadores (i. e., os que amam) do teatro.

Outros amadores (i. e., os que amam), desta vez da música, culminaram de forma muito alegre e participada, esta jornada de confraternização e de intercâmbio – o nosso Grupo de Cantares. Foram cantadas algumas das peças do seu já extenso repertório e a participação do público foi entusiástica. Todos (atores, cantadores, músicos, Direções das Associações) estão de parabéns por esta iniciativa que será de repetir. No final, foi servido um lanche no bar-convívio da nossa Sede e as cantigas seguiram até se fazer noite. l

EXPOSIÇÃO DE PINTURA NA SEDE DA ANAC

Seguiu-se a atuação do Grupo Coral, com o novo Maestro João Pereira a fazer a sua estreia pública a dirigir o nosso Grupo. Foram cantadas algumas cantigas de Natal, a última das quais teve a larga participação do auditório. Como é habitual a qualidade foi muito boa. Depois foram os alunos de violas a apresentar as suas qualidades. Este grupo de excelentes alunos foi surpreendido (fomos todos...) com a inesperada e simpática presença de uma das personalidades mais importantes da música portuguesa – o compositor (como ele próprio fez questão de frisar) João Gil. Com a sua amabilidade enriqueceu a “performance” do nosso grupo e é mais uma razão de motivação para o grupo pois ele prometeu voltar a estar presente em futuras atuações. O Grupo de Cantares deu continuação ao entusiasmo e envolveu toda a “plateia” com as suas cantigas populares. Logo aí começaram a ser dados os primeiros passos de dança. Também a atuação do Grupo de Cantares foi enriquecida com a presença de um intérprete muito querido de todos – o nosso Amigo Rui Nuno Pereira que trouxe o seu acordeão e acrescentou algo de diferente a esta atuação. Tudo terminou em grande baile, como sempre animado pelo André Gomes, que poderemos considerar já como “adotado neto” dos nossos Sócios tal a alegria que nos transmite. l Cândido Vintém

Os “nossos talentos” do ensino de pintura a aguarela, juntamente com o seu professor Francisco Pestana têm em exibição os seus trabalhos na sede da ANAC. A exposição decorre de 02 a 31 de dezembro e ocupa não só as paredes do nosso bar-convívio mas também as da entrada do mesmo e as do corredor de acesso à sala Dr. Pereira da Cruz. l

EXPOSIÇÃO DE PACOTES DE AÇÚCAR (PERIGLICOFILIA) NA SEDE Você sabe o que é a PERIGLICOFILIA? Pois não é nem mais nem menos que o colecionismo de pacotes de açúcar. Os Serviços Sociais têm uma secção de colecionismo onde se integra esta doce e bela atividade. O nosso Sócio José Sardinha é um dos principais colecionadores, a nível nacional. Durante o mês de Novembro esteve patente na nossa Sede uma exposição dedicada à nossa cidade de Lisboa. Ela foi muito apreciada por todos os que regularmente utilizam o nosso bar-convívio e também pelos Sócios que visitaram a Sede nesse período. l Cândido Vintém

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E SPAÇO CU LTU RAL O S N O S S O S TA L E N T O S Respondendo ao desafio da Direção, os “nossos talentos” apresentaram a concurso várias fotografias, poemas, contos, enfim… momentos importantes para todos. Após cuidadosa análise por parte de especialistas em cada uma das áreas a concurso, foram premiados 11 trabalhos. Neste número de “A Nossa Voz” divulgamos os primeiros prémios de fotografia (Diamantino Santos) e de prosa e poesia (Mª Manuela Araújo Félix). Nos próximos números serão divulgados os restantes trabalhos premiados.

SILÊNCIO Convoco os dias ímpares que dizem ser

os mais auspiciosos cavalos fulvos com o seu nariz sonoro para que com asas de vento e Alforges de orvalho o espalhem pelo sonho fora Sete vezes o debruei de lilases e madressilvas sete vezes chamei pelo nome indizível sete vezes abri sem fechar as portas da noite e sobre ele derramei uma miríade de pirilampos A terra abriu-se incandescente e louca e em silêncio fechou-se de novo Ondina

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A Costura enviesada O homem gritava e os ossos da casa sacudiam-se assustados e doridos. Certo de que as paredes tinham ouvidos espias, irado contra as bestas que batiam com os cascos nas vidraças e o perseguiam pelo inverno dentro. Gritava. Atordoado pelo barulho das vozes, perdido de si próprio, batia com os pés na solidão e entrava nu e surdo nas águas da memória. Voltava à tona ainda zonzo, manietado por cordas de conceitos que não lhe permitiam libertar-se. Erguia-se içado por uma haste de inteligência e de humor obsceno. A noite trazia consigo as pragas e o pânico, morcegos estendiam asas de sombra, faziam-lhe figas do teto com esgares de escárnio. O medo cegava-o. Gritava. Ninguém lhe perguntou onde lhe doía. A mulher bordava um silêncio escorregadio, sentada num mutismo gélido. De repente, sem dar por isso, saturada dos berros coléricos do marido, pegou na tesoura e cortou o grito ao meio. Assustado com o que fizera, apressou-se a cozê-lo numa costura rápida e enviesada. A filha condoída, chamou a atenção da mãe: - Aquele tecido da alma do pai, transbordante de emoções e de sentimentos indizíveis, só podia ser cerzido com uma linha de minúsculas corolas de rosas e beijos. A mulher pensou que os seus dias tinham chegado ao fim. Ao sentir o olhar dele no meu pescoço, falei com os meus botões: - Não vale a pena brincar ao faz de conta, fingir que estava arrependida. Fiz o que tinha de fazer, o que há muito devia ter feito. Enfrentei-o. O homem irado, quis correr para ela mas o soalho ou ele próprio lançou uma baba pegajosa que o prendeu ao chão. Quando se soltou atirou-a contra a parede e num som trombo e rouco gritou: - Traidora, maldita, entre o amor e o ódio é em ti que habito! Assim permaneceram durante longo tempo petrificados: A filha abriu a porta da rua e disse: - Magnólia canta contra o esquecimento! Acreditou que pelas janelas, um turbilhão de pássaros entraria, enchendo a casa de música. Gostava de escrever palavras redondas, açucarar o texto mas o silêncio espesso exalava um odor a metais pesados. A culpa, o ciúme, a vergonha, a desconfiança infiltrava-se neles até aos ossos, instalando a Insónia. Minúsculas gotas de lágrimas e rosas escorriam pelo rosto de ambos e transformaram-se num rio cor de púrpura. Neste leito aquoso, atraíam-se, repeliam-se, misturavam-se. SOLAR


E SPAÇO CU LTU RAL VIDA VIVIDA Viviam-se os anos oitenta, do século passado, claro. A CGD para além de ir povoando todo o território nacional e insular com “Balcões”, para que todos os concelhos fossem devidamente cobertos, ia, paralelamente, marcando a sua presença de divulgação de imagem em “Feiras e Outros Certames”, um pouco por todo o País. Era eu, à época, uma jovem gira, alegre, divertida, acabada de colocar, após concurso de recrutamento interno no Gabinete de Relações Públicas. Corria, a par com outros colegas (mas todos em direções diferentes), munida de armas e bagagens, de sul para norte e de norte para sul, a fim de marcar presença, quer nas inaugurações, quer nos ditos certames, nos quais, muito briosamente representava a instituição, cumprimentando, à direita e à esquerda, as forças vivas locais e as forças da Nação que se deslocavam aos stands nos atos inaugurais… De Sá Carneiro a Ramalho Eanes, de Ministros a Secretários de Estado, de políticos a militares, de tudo tive um pouco. Beijos? Recebi muitos. E muito especialíssimos! Ocasiões havia em que até me custava ter de lavar a cara, depois de receber beijinhos de gente tão, VIP …. Episódios engraçados, decidi lembrar hoje aqui este: O local? Vale de Cambra! O mês? Um bem quente, julho, talvez… A ocasião? Uma Feira, claro, onde a DCN (Porto) nos prestava apoio (a nós, as meninas de Lisboa, das Relações Públicas). Pois bem: tinham-me calhado em sorte – para fazer equipa durante nove dias – os colegas Lemos e Daciano (que bom recordar aqui e agora os excelentes momentos que passámos juntos…). Que me não leve a mal o colega Lemos, de quem tenho tanta saudade, forço-me aqui a ter de referir o seu problema de gaguez, senão este relato não surtiria qualquer efeito. Decorria a tarde e estava eu dentro da “colmeia” que então servia de secretária, um perfeito hexágono do qual não podia fugir com facilidade e eis que sou abordada por um jovem agricultor, gago, que desesperadamente se tentava fazer entender e ao qual eu própria, também no auge de alguma aflição, ia tentando interromper, ajudando e falando por ele, para abreviar sofrimento (quer dele quer meu) e procurando tirar-lhe as dúvidas, através de um diálogo meio monólogo, enquanto, olhando em volta, procurava (sem esboçar, todavia, qualquer gesto para me levantar), algum dos dois colegas que me pudesse coadjuvar no atendimento do jovem. O primeiro que vislumbrei e sem realizar sequer que pô-los frente a frente poderia parecer bizarro – foi o Lemos. - Ó Lemos, dás-me aqui uma ajudinha, por favor? – Atirei-lhe eu … Ele aproximou-se, mas assim que o pobre começou a escutar o cliente que, esbracejando, se tentava fazer entender, eis que o vejo empalidecer

um pouco e começar, ele próprio, em silêncio, a busca incessante, com o olhar, do Daciano. No momento, confesso, nem realizei bem a dimensão do problema … Só sei que escutei, da boca dele, proferindo de um só fôlego: - Ó Daciano, podes ajudar este senhor …? Ato contínuo à entrega do cliente noutras mãos, o Lemos fugiu, sumindo-se, como que evaporado da cena … Terminado o atendimento, e ainda sem ter entendido nada, indaguei: - Que aconteceu, Lemos? Fugiste sem deixar rasto, não me digas que era algum inimigo com quem te pus frente a frente … Redentora, a explicação chegou, bem “à posteriori”, como convém, mal consegui interpelá-lo: - Não minha amiga Teresa, livra! …O pru… o pru…o problema é que o gajo era ga… era gago, eu … sou ga … gago, ele ainda havia de ficar a pen… a pensar que eu estava a gu… a gu, a gozar com ele… Esta foi vivida em pleno. E gozada durante longo tempo depois de ocorrida. E isto, amigos, são detalhes de vida que ninguém nos pode roubar. l Teresa Machado 31 de outubro de 2014

HINO DA ANAC Trabalho e dedicação Sempre vencendo barreiras Lealdade e devoção Foram as nossas bandeiras Com orgulho pertinente E unidos numa só voz Cantamos p’ra tod’a gente A ANAC somos nós! ANAC! ANAC! Fala por nós o passado ANAC! ANAC! E o futuro conquistado ANAC! ANAC! Exemplo e recordações ANAC! ANAC! P’rás vindouras gerações Autores: Letra – RUI NUNO PEREIRA Música – JORGE SEBASTIÃO

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D E L E G A Ç Ã O N O RT E

DA

A NA C

Resposta à Rubrica “Quem é o Autor ?” A resposta à rubrica “Quem é o Autor?” publicada no último boletim da Delegação Norte da Anac, é a seguinte: Almeida Garrett in “Portugal na Balança da Europa”. O Colega António Barata e a Colega Maria Manuela Boavida responderam corretamente. A eles enviamos os nossos parabéns e agradecimentos pela participação. A resposta à rubrica deste número, deverá ser dirigida à Delegação Norte da Anac e será divulgada no próximo número deste jornal.

Por Né do

Natal dos Simples

Quem é o Autor ?

Vamos cantar as janeiras Por esses quintais adentro vamos Às raparigas solteiras

Muita neve cai na serra Só se lembra dos caminhos velhos Quem tem saudades da terra

Vamos cantar orvalhadas Por esses quintais adentro vamos Às raparigas casadas

Quem tem a candeia acesa Rabanadas pão e vinho novo Matava a fome à pobreza

Vira o vento e muda a sorte Por aqueles olivais perdido Foi-se embora o vento norte

Já nos cansa esta lonjura Só se lembra dos caminhos velhos Quem anda à noite à ventura

Um dos sobreviventes da Batalha de La Lys

Caldo de Letras

Estamos no Outono. Dos antigos soldados não restam muitos mais. Eu sou o último dos sete saídos da nossa escola. Todos falam de armistício e de paz. Toda a gente aguarda. Se for ainda uma ilusão, será a catástrofe. As esperanças são por demais fortes; não é possível pô-las de lado sem elas fazerem explosão. Se não for a paz, será a revolução. Tenho quinze dias de descanso por ter engolido um pouco de gás. Estou todo o dia sentado ao sol, num pequeno jardim. O armistício vai chegar dentro em pouco; agora também eu o creio. Voltaremos, depois, para as nossas casas; e os meus pensamentos param aqui. Não podem ultrapassar este ponto. O que me atrai e me arrasta são os sentimentos, é a sede de viver, é a atracção do país natal, é o sangue, é a embriaguez da segurança. Mas isto não são intuitos. Se tivéssemos voltado para casa em 1916 com a dor e a força da nossa experiência, teríamos desencadeado uma tempestade. Se agora voltarmos para os nossos lares, estamos fatigados, deprimidos, vazios, sem garra e sem esperanças. Não poderemos já ficar por cima. Já não nos compreenderão, pois à nossa frente está uma geração que, é verdade, passou anos em comum connosco, mas que tinha já um lar e uma profissão e voltará para as suas anteriores posições, onde esquecerá a guerra; por trás de nós cresce uma geração semelhante à nossa de outrora, que nos será estranha e nos afastará. Somos inúteis a nós próprios. Tornar-nos-emos mais velhos; alguns de nós adaptar-se-ão; outros resignar-se-ão e muitos ficarão absolutamente desamparados; os anos passarão e, finalmente, sucumbiremos. Mas pode ser que tudo quanto penso não passe de melancolia e abatimento, coisas que desaparecerão quando estiver de novo debaixo dos salgueiros a escutar o murmurar das folhas. Não é possível que esta doçura, que fazia o nosso sangue agitar-se, a incerteza, a inquietação, a aproximação do futuro e as suas mil facetas, a melodia dos sonhos e dos livros, e o pressentimento das mulheres, já não existam. Não é possível que tudo isto tenha soçobrado sob a violência dos bombardeamentos, no desespero e nos bordéis para soldados. As árvores aqui são uma explosão multicolor e dourada; as bagas da soveira avermelham no meio da folhagem. Estradas muitos brancas dirigem-se para o horizonte e as tabernas, como colmeias, sussurram rumores de paz. Levanto-me; estou muito calmo. Podem vir os meses e os anos. Já em nada me empolgarão. Não me podem já prender. Estou tão só e tão viúvo de esperança que os posso acolher sem receio. A vida que me conduziu através destes anos está ainda presente nas minhas mãos e nos meus olhos. Era o senhor dela? Ignoro-o. Mas enquanto estiver aqui procurará o seu caminho, com ou sem o consentimento desta força que reside em mim e que diz “Eu”. Caiu em Outubro de 1918, num dia em que a frente estava tão tranquila que o comunicado se limitou a assinalar nada haver de novo a oeste. Caiu com a cabeça para diante, estendido por terra, como se dormisse. Quando o voltaram viram que não devia ter sofrido por muito tempo. A cara estava calma e exprimia uma espécie de contentamento por tudo ter assim acabado. Delegação Norte da Anac / Dezembro 2014

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Atividades, Passeios e Viagens

D E L E G A Ç Ã O N O RT E

DA

A NA C Passeio de S. Martinho

Viagem à Galiza (Ourense) Encontro com a Ribeira Sacra

O topónimo "Ribeira Sacra" poderá ter tido origem na Idade Média e durante muito tempo pensou-se que o termo derivasse do latim Rivoira Sacrata, em referência à grande quantidade de mosteiros e igrejas que se encontram nas encostas escarpadas dos monumentais vales profundos da área. A viagem decorreu entre os dias 10 e 12 de Outubro iniciando-se na cidade de Ourense. O Grupo da Delegação Norte da Anac visitou Monforte de Lemos, e o seu centro histórico, passando pelo Escolapios e o Centro do Vinho da Ribeira Sacra com a respetiva degustação; visitamos o Centro Oleiro Rectoral de Gundvós e as Bodegas Regina Viarum com prova de vinhos e apreciação da paisagem sobre o Rio Sil e dos vinhedos em socalcos; Continuamos por A Teixira até ao Miradouro da Galeana, onde admiramos a paisagem, seguindo por Parada de Sil até ao Miradouro de Cabezoá. Visitamos o Mosteiro de S. Pedro de Rocas, esplendoroso monumento escavado na rocha natural e com ocupação desde o ano de 573, assim como o Centro de Interpretação da Ribeira Sacra. Continuamos por Maceda até Banos de Molgas para visitar a fonte termal e prosseguimos até Xunqueira de Ambia, onde visitamos a igreja medieval. Visitamos ainda Allariz com o seu peculiar centro histórico e o Museu do Coiro. Saímos para Celanova onde visitamos o Mosteiro de S. Salvador. Em Ourense visitamos o centro histórico e a sua Catedral . Visitamos também Santiago de Compostela, o centro histórico e a Catedral. Continuamos para Combarro para apreciação desta pequena vila piscatória, símbolo da arquitetura marinheira galega. Por fim fizemos um passeio de barco pelas rias baixas com degustação de vinho e mexilhões, acabando o nosso passeio em Poio com a visita ao Monasterio de San Juan de Poio. O Grupo regressou ao Porto culturalmente mais rico e com a satisfação de ter passado três dias muito agradáveis, em são convívio e conhecendo locais maravilhosos.

Segundo reza a lenda, num dia frio e tempestuoso de Outono, um soldado romano, de nome Martinho, percorria o seu caminho montado no seu cavalo, quando deparou com um mendigo cheio de fome e frio. O soldado, conhecido pela sua generosidade, tirou a sua capa e com a espada cortou-a ao maio, cobrindo o mendigo com uma das partes. Mais adiante, encontrou outro pobre homem cheio de frio e ofereceu-lhe a outra metade. Sem capa, Martinho continuou a sua viagem ao frio e ao vento quando, de repente, como por milagre, o céu se abriu, afastando a tempestade. Os raios de sol começaram a aquecer a terra e o bom tempo prolongou-se por cerca de três dias. Desde essa altura, todos os anos, por volta do dia 11 de Novembro, surgem esses dias de calor, que se passou a chamar “Verão de S. Martinho”. A Delegação Norte da Anac realizou o seu tradicional “Passeio de S. Martinho”, no passado dia 8 de Novembro, na região de Viseu. Visitamos o Centro Histórico de Viseu e o Museu Grão Vasco. Após as visitas, que decorreram durante a manhã, rumamos à Quinta da Magarenha onde decorreu o almoço e a animação de S. Martinho. Este passeio que teve muita participação dos Sócios e Familiares foi mais uma festa da união dos aposentados da Caixa na sua Associação. Parabéns a todos!... Em 30 de Outubro, patrocinamos a apresentação pública do último livro do nosso Sócio António da Costa Neves, intitulado “Canto Livre”. Com apresentação do Dr. António Gomes Marques, a sessão teve também a atuação do Grupo musical da Secção de Música dos SS Porto, do Grupo de Canto Coral dos SS Porto e do Grupo de Cantares da Anac Porto. A sessão finalizou com dedicatórias do Autor e um lanche que a Anac Porto ofereceu a todos os participantes.

Passeios à descoberta do Porto… A Delegação Norte da Anac realizou o Ciclo de Outono dos “Passeios à Descoberta do Porto…”, que teve as seguintes visitas: - Visita guiada ao MUSEU DO DRAGÃO, no dia 01 de Outubro; - Visita guiada ao MUSEU DOS DESCOBRIMENTOS, no dia 15 de Outubro; - Visita guiada à CASA DA PRELADA, no dia 29 de Outubro; e - Visita guiada à BIBLIOTECA MUNICIPAL PORTO, No dia 12 de Novembro. Delegação Norte da Anac / Dezembro 2014

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P L A N O ( P R O V I S Ó R I O ) D E AT I V I D A D E S E M 2 0 1 5 A definir pela MAG – Eleições para os órgãos Sociais da ANAC março

Assembleia-Geral

abril

– dia 17 a 24

XXI Euroencontro

junho

– dia 21 a 1/07

I turno de Estepona Playa Hotel (data a definir)

Cruzeiro nas ilhas gregas com Atenas e Istambul

julho

XXX Aniversário da ANAC

– dia 10

Açores - Grupo Central (data a definir)

agosto

Festas do Povo de Campo Maior (se realizadas)

setembro

II turno de Estepona Playa Hotel (data a definir)

Circuito de 10 dias na Geórgia e Arménia ou

Arménia e Azerbaijão

Almoço Nacional (data a definir)

novembro

São Martinho

– dia 10 a 12

dezembro

Almoço-convívio de Natal da região de Lisboa

PROGRAMA (Prov.) DE PASSEIOS DA DELEGAÇÃO NORTE DA ANAC janeiro

– dia 30

Visita a S. João da Madeira

fevereiro

– dia 25

Visita a Vila Nova de Famalicão

março

– dia 27

Visita a Ovar

abril

– dia 18

Visita a Coimbra

maio

– dia 09

Visita a Torre de Moncorvo

– 9 dias

Viagem a Marrocos

– 8 dias

Viagem a Espanha

– dia 27

Entrega dos Troféus – Torneio dos Aposentados

– 9 dias

Viagem a Itália – Grande Circuito Italiano

– 1 dia

Visita a Alcobaça

– 7 dias

Viagem à Polónia - Varsóvia e Cracóvia

setembro

– dia 5

Viagem ferroviária – Linha do Douro

– dia 11

Programa de férias em Espanha

outubro

– dia 10

Arouca

junho

julho

agosto

Cruzeiro no Mediterrâneo

novembro

S. Martinho

dezembro

Almoço e confraternização natalícia

A solidariedade é o sentimento que melhor expressa o respeito pela dignidade humana. Franz kafka

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