Boletim do Kaos #11

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Skate Manobra do Bem CauĂŞ Angeli Gilberto Yoshinaga Deencanto, a grife da quebrada.


DISTRIBUIÇÃO & Redação Qualquer pessoa ou entidade interessada em distribuir o Boletim do Kaos na sua quebrada (ou não), pode retirar em quantidade (50, 100, 200 ou pacote com 400 exemplares) na nossa redação. É grátis.... querendo agendar, email abaixo. Ou vá às terça-feira, das 20h às 22h durante o SARAU SUBURBANO.

EDITORIAL

LIVRARIA SUBURBANO CONVICTO

Já sabiamos, só comprovamos. Com a edição que comemorou a volta da circulação gratuita do Jornal Boletim do Kaos em julho de 2013 com Edi Rock e César Tralli na capa, só confirmamos o que já sabiamos. O povo quer sim informação “com conteúdo”. E está sempre foi a meta do nosso Boletim do Kaos, desde quando era fanzine e mesmo depois que virou jornal. Grande parte da tiragem (70%) de 20 mil exemplares sumiram, se espalhou por diversas quebradas em 15 dias e depois só fomos levando o restante em todos eventos e atividades que realizamos ou participamos. O Kaos é uma injeção de sonhos possíveis quando chegamos em um evento e podemos distribuir pra “todos os presentes”. Isso é trafico de informação pesado. Por isso o “conteúdo” precisa ser de acordo com a responsabilidade. Agradecemos a Faculdades UNINOVE por acreditar e patrocinar. Sen isso seria inviável, porque nosso jornal não é cheio de espaço publicitário, nem traz foto de político sorrindo.

Mas que antes disso tem uma trajetória. Sou (Buzo), autor de 10 livros, além de 7 coletâneas literárias, diretor do filme Profissão MC (junto com Toni Nogueira) e fiz 3 anos de quadro “BUZÃO” no Programa Manos e Minas da TV Cultura, antes dos 2 anos (completados em 30/09/13) de Globo. O SPTV me fez popular ao extremo, impossível sair 1 dia de casa e não ser reconhecido nas ruas. Mas pra quem viveu toda dificuldade que a vida e o sistema pode oferecer, atender os fãs na rua é nada mais que um prazer.

Redação do Boletim do Kaos Rua 13 de Maio, 70 - 2o andar Bela Vista São Paulo - SP - CEP: 01327-000 (11) 2569-9151 suburbanoconvicto@hotmail.com Pontos de Distribuição O Boletim do Kaos é encontrado em diversos endereços nas periferias de São Paulo, de eventos culturais ao comércio local.

Nosso “QG” é a Livraria Suburbano Convicto do Bixiga, única do país especializada em literatura marginal, é a Redação do Jornal e palco toda terça (a mais de 3 anos) do Sarau Suburbano, apresentado por mim e pelo Tubarão Dulixo. Entrada grátis, só chegar pra participar ou assistir. O Sarau Suburbano por ser semanal é a possibilidade de “qualquer um” se aproximar de mim, trocar uma idéia, tirar uma foto. Não quero ser visto só na TV, quero continuar como sempre no meio do povo que batalha por mais cultura na periferia. Porque na moral, eu acredito que a cultura aliada ao esporte e educação é capaz de combater a violência.

Menos presídios e mais escolas. O papo aqui é cultura de periferia, seja literatura marginal, hip-hop ou qualquer Pra essa edição preparamos muita coisa bacana além de uma super matéria de 4 pagioutra iniciativa. nas com o pai do hip-hop nacional, o mestre A partir dessa edição (numero 11) volta- Nelson Triunfo. mos a circular mensalmente. Outubro, novembro e dezembro de 2013..... 2014 a Além de entrevistar o Nelsão, falamos com o Gilponês que escreve a biografia e com Deus pertence. Cauê Angeli que é diretor do filme TRIUNFO. Somos pra quem pegou esse jornal na rua e não conhece, da Suburbano Convicto Mas tem muito mais.... Produções, idealizada e administrada Então, deixa eu rolar a bola, boa leitura. pelo escritor, cineasta a apresentador de TV “Alessandro Buzo”, que aos sábados Alessandro Buzo apresenta o quadro SP CULTURA no te- Editor do Kaos lejornal SPTV 1a edição da Rede Globo. www.buzo10.blogspot.com TWITTER: @Alessandrobuzo

Jornal Boletim do Kaos Alessandro Buzo Editor e repórter Jessica Balbino Reportagens Alexandre de Maio Diagramação Suburbano Convicto Produções - Distribuição Rua 13 de Maio, 70 2o andar - Bela Vista - São Paulo SP - Cep: 01327-000 Fale com o KAOS boletimdokaos@gmail.com


‘Social Skate Manobra do Bem’ em Calmon Viana, faz a diferença em Poá, SP Por: Alessandro Buzo Sandro Soares ou Testinha, como é conhecido, é skatista desde sempre e arte-educador na área há mais de 10 anos. Atuou, por uma década, no projeto ‘Skate na Casa’ na antiga Febem (hoje Fundação Casa), para tirar os jovens do crime por meio da liberdade do esporte e seus valores: caiu? Levante e faça de novo. A experiência serviu para a criação do projeto ‘Skate Social Manobra do Bem’, quando Testinha deixou a Febem após uma troca de administração. Os primeiros alunos foram os dois filhos e alguns amigos deles e o skatista contou com parceria da esposa, Leila Vieira, que é pedagoga. Atualmente o projeto acontece para crianças do bairro Calmon Viana, em Poá (SP) e para o professor, a necessidade de atuar com crianças é preventiva e ficou claro após 10 anos tentando, dentro dos muros altos, recuperar internos. Hoje, Testinha tenta resgatar os valores de crianças que sofrem com o descaso e as poucas opções de lazer nas ruas de um bairro carente como tantos outros nas periferias do Brasil. Nessa entrevista exclusiva para o Boletim do Kaos, Sandro conta um pouco mais sobre esse projeto que tem mudado vidas. Buzo: Como surgiu o ‘Manobra do Bem’? Sandro Soares: O ‘Manobra do Bem’ é a versão melhorada do ‘Skate na Casa’ (Febem), que era um trabalho de prevenção caro e pouco eficaz devido ao histórico de vida da ‘molecada’ da fundação. Já o ‘Social Skate Manobra do Bem’, é mais barato e muito mais eficaz. Um verdadeiro trabalho de prevenção. O que você (professor de skate) e sua esposa (pedagoga) tentam passar nas aulas de skate? O skate é mais um bom meio de atrair a ‘molecada’ para formamos um grupo, uma família que acompanha ou tenta acompanhar a vida escolar e familiar dessa criançada, pois a escola e a família são eixos essenciais para pensar e progredir nesse mundo que vivemos hoje. Mas como somente o skate, ou o esporte não podem mudar essa realidade. o trabalho de uma pedagoga é indispensável nessa missão. Como é trabalhar com a própria esposa ? Bom, pois já nos conhecemos há muito tempo, aí fica mais fácil concordar e/ou discordar de algo, ponto primordial para resolvermos as questões que envolvem o projeto.

O projeto surgiu na porta de sua casa em Poá? É isso? Sim. Após 10 anos na Fundação Casa, o Governo do Estado realizou mudanças nas contratações de funcionários e eu tive que ser dispensado da fundação, então com o dinheiro do Fundo de Garantia (FGTS) e incentivado pela Leila montamos a documentação do projeto e começamos em frente casa com água, luz e cozinha da nossa residência mesmo, sem esperar nada de ninguém, apenas querendo realizar a transformação em nossa comunidade. Hoje vocês tem apoio do poder público. Como foi essa aproximação ? Essa aproximação foi da forma que acredito que tenha de ser sempre, o próprio prefeito de Poá tomou conhecimento da ação e propôs contratar as atividades para serem levadas para a pista publica de skate da cidade. Na verdade são duas ações diferentes, mas utilizando o método do ‘Social Skate Manobra do Bem’ e mostrando que estamos na direção certa. O que vocês pretendem pro futuro do projeto e o que te motiva ? Bom, temos ainda que conquistar mais algumas coisas, como a nossa sede própria, um transporte utilitário para as rampas e um coletivo para a criançada. E por que não dizer a nossa própria pista de skate com salas de aula para cuidarmos dessa garotada no horário que não estão nas escolas e levar mais do skate e muita educação e cultura ao alcance de todos?!. Seus filhos participam das aulas juntos dos alunos? Quantos alunos são? Sim, os nossos filhos participam sim. No total temos cerca de 50 crianças, não deixamos “inchar” muito, pois ainda temos poucas condições de receber mais do que isso. Além do que não adianta termos 200 alunos e não saber o nome de cada um ou quem é e quem são seus pais. Nossas crianças são carentes também de reconhecimento, de se sentirem parte de algo e isso só acontece quando são reconhecidas de forma individual, pois cada ser humano é diferente do outro.

O que é preciso para quem é da região participar ? Tem de se aproximar ficar um mês em teste de ‘experiência’ e depois disso se a criança estiver disposta a continuar e seguir nossas regras de educação e respeito ela se efetiva e passa a participar das ações internas e externas da nossa entidade.

Serviço – Para saber mais sobre Sandro Testinha, acesse a página www.socialskate.com.br ou contate pelo e-mail socialskate@hotmail.com


NELSON TRIUNFO O pai do Hip-Hop Entrevista Alessandro Buzo Foto:Marilda Borges Numa tarde no final de agosto de 2013, recebemos Nelson Triunfo na Livraria Suburbano Convicto do Bixiga. Para uma entrevista exclusiva pro Boletim do Kaos. Chamados por alguns de NELSÃO e considerado por muitos o pai do hip hop brasileiro, abrimos a conversa querendo saber dele como é ter essa responsabilidade, Nelson nos disse que “na verdade nunca tinha me percebido isso, o pessoal falava, falava e eu nada. A primeira vez que caiu a ficha foi no Sesc Itaquera, aquele mundão de gente ao ar livre”. - Naquele show dos Racionais Mc´s ? - Isso, isso. Estava também o Africa Bambaataa e tal, eu estava lá em cima com meu moleque e ele fez uma pergunta: - Pai, como se sente tendo sido um dos responsáveis por isso ? Nelsão diz que nem respondeu, as lágrimas desceram. - Precisou seu filho te alertar ... Sim, precisou.

- Qual dos seus filhos ? - O Jean que faz Beat Box e joga basquete. Sim, a família do Nelsão traz a cultura na veia também e hoje se apresentam com ele. Ainda sobre o fato de ser o pai da nossa cultura perguntei: - É uma responsabilidade boa, né ? - É boa, mais é uma parada que se você é mesmo um griot verdadeiro, você fica numa encruzilhada, você não pode errar, você está sendo observado por todos os lados. No mesmo momento que você da liberdade pros outros, você perde a sua própria liberdade – respondeu. Quis saber se o Nelsão acha que o hip-hop está num bom momento. Ele respondeu: - Estamos num bom momento, mas o maior inimigo do hip-hop hoje somos nós mesmos. Tem gente que só se preocupa em mostrar os erros dos outros e esquecem desse fortalecer entre si. Você vai fazer palestra em qualquer lugar do Brasil e as perguntas são sempre procurando uma picuinha, uma besteira. Nós precisamos por na cabeça desses meninos é que não podemos evoluir sem nos respeitar de verdade. Precisamos mostrar as nossas coisas boas. Este é o maior erro das religiões, mostrar sempre o que a outra tem de ruim. Igual partido político. Nelsão ainda complementa esta reflexão: - Aí o cara quer sobreviver do hip-hop, mas não deu essa sorte ainda. Aí lá do bairro dele, nas redes sociais, ele quer falar pelo hip-hop nacional e não é por ai. Tem muita coisa boa, moleques rimando pra caramba, até essa nova geração de Projota, Emicida, são bons.... tem em Brasília, no Amazonas, no Ceará. Se você andar pelo Brasil vai ver muita coisa boa. Eu vi na Bahia,

umas meninas de minas que cantavam de chinelo e vestido branco, faziam um freestyle. Buzo: - Eu fui no Acre sem saber o que iria encontrar e tinha muito hip-hop. Nelsão: Isso, tem dançarinos maravilhosos. Lá em Manaus, uns meninos que dançavam mais no ar do que no chão. Isso em um terreno de chão batido. Eu acho que o hip-hop está maravilhoso. Pode não ter aquele “sucesso”, mas ele está cada vez melhor. Temos produtores melhores, tem tipo você que é um escritor. Nelson Triunfo foi pioneiro em estar na “mídia” ao participar como dançarino da abertura da novela Dancin´Days em 1978. Mas atualmente, 35 anos depois, muita gente ainda entra em conflito quando alguém da periferia ou do hip-hop vai a um canal televisivo ou concede entrevistas. Buzo: Estes dias você foi até o programa “A Fazenda” e lá fez o mesmo que faz em qualquer outro ligar: colocou o povo para dançar, ou seja, sabendo chegar, é possível ir em qualquer lugar? Nelsão: Com certeza, eu costumo dizer que adoro o Paulinho da Viola, ele tá velhinho, de cabelo branco de tanto ir na televisão e não deixou de ser o Paulinho da Viola por isso, não deixou de ser original, o Martinho da Vila também, entendeu? É a postura da pessoa. Foi importante, lá atrás na nossa história, os Racionais dizerem ‘NÃO’, porque eles aprenderam que a gente também diz NÃO. Só que eles fizeram isso como escudo e se eu reclamo de um programa é porque eu tenho em mente como seria um programa que eu gostasse. Não gosta de nada? Então é outra coisa. Precisamos saber o que queremos. Quando eu vou na televisão, não é para fazer besteira, nem para zuar. Em todo programa que eu chego, faço a minha, igual quando eu fui no ‘Troca de Família’. O pessoal ficou medo, diziam “o mestre vai lá pagar mico”. E eu tomei o programa de assalto e fiz um programa de educação ‘fodido’. Então, a inteligência vem em primeiro lugar. Depois, o que teve de mensagem dizendo que nunca tinham visto tal programa, mas que viram porque era eu. Também não quer dizer que ele vai continuar vendo depois (risos). Buzo: Você vai na mídia, se vendeu, você ganha dinheiro com seu trabalho no hip-hop, é vendido. Vejo em outros estilos musicais o povo ganhando dinheiro alto, sertanejo universitário, até o funk agora.... Por que só no hip-hop o cara não pode viver e ter um conforto com o dinheiro ganho trabalhando? Nelsão: Primeiramente nós tivemos uma falta de sorte, porque manos que eram nossos porta-vozes tinha uma posição, até por defesa, mais rude e nisso foi mal porque trouxe junto o machismo. Nós falávamos de preconceito, mas éramos os mais preconceituosos, porque nós não aceitávamos as outras culturas, por isso nos afastamos. Nós eu falo, muita gente, eu sempre tive uma postura mais de mistura. O cara ter jeito de mau. Acho que ser mau deve ser a ultima defesa do ser humano. Por isso hoje tem muitos moleques em favela achando que é bom ser mau. Eles acham bonito. Ai esse mau é ligado ao sistema e automaticamente quem tinha dinheiro eram nossos inimigos. Aí se criou essa coisa de distância. Legal é ser feliz na favela onde eu nasci e os caras que nos jogaram lá moram nas mansões, em redomas de vidro, isso foi criado pelo preconceito, foi uma defesa na época, mas foi um tiro que saiu


pela culatra. Durante a entrevista, Tubarão Dulixo estava presente e quis saber o que ele acha do funk carioca. Tubarão Dulixo: Esses dias o Bambaataa estava no Brasil e metade do set dele foi em cima do funk carioca, quero saber como você vê esse funk de hoje, carioca, paulista.... esse funk é hiphop também e se ele é bom pra quebrada, o estilo musical, não esse conteúdo de hoje, ou se ele é o vilão. Nelsão: Pergunta foda. É o seguinte, vamos ser éticos, o funk carioca antes nós chamávamos de ‘Miami bass’, também tem outro nome que o Bambaataa falava que era o Eletro Funk (faz a batida)..... isso é uma coisa. O que tem de errado no funk carioca? A batida é maravilhosa é beat dançante, que os b. boys dançavam.... o que pega é as letras que são uma merda, sem generalizar. Outra forma é como os caras acharam pra curtir isso, não preciso falar, quem está na quebrada sabe que quando se curte o funk, o que se tem ao redor dessa curtição, não quero dizer se é certo ou errado, quem sou eu pra julgar. Mas eu acho que a quebrada precisava de letras mais conscientes, vejo menininhas de 10 anos ai que estão dançando o quadradinho, o oito, sei lá o nome. Isso é sexo explicito, isso não é dança, se chama sexo explicito, entendeu ? - É mau o sexo? Nelsão pergunta e ele mesmo responde: - Não, é uma das coisas mais maravilhosas que existe na face da terra, mas não assim..... tão aberto. Porque uma criança não sabe direito o que é o sexo, ele vai fazer sexo cada vez mais cedo, não vai ter uma defesa porque ela já se criou vendo aquilo ali. Os índios andam nus e não é vergonha pra eles, porque foram criados assim. Então tudo é o que você vive uma coisa de formação. Antes na quebrada os caras que faziam o “movimento” tinham um cuidado com a criança, hoje não vejo mais isso. Deveriam repensar... eu até posso fazer meus movimentos, mas não queria que meu filho fizesse. Nelson Triunfo fez questão de dizer que o hip-hop são 4 elementos, ele acha que se criarem o quinto elemento, daqui a pouco vão querer criar o sexto, etc..... Quanto ao CONHECIMENTO, defendido por muitos como o quinto elemento, ele é contra. A pessoa leu um livro que dizia a história e na história eram quatro elementos, como explicar agora que são cinco?! - No meu ponto de vista o quinto elemento é só pra polemizar mesmo. Não vejo nenhum elemento do hip-hop que não tenha conhecimento. Eu (Buzo) disse pro Nelson Triunfo que respeito a opinião dele, mas perguntei em seguida. - Se eu separar a Literatura Marginal do quinto

elemento, não estou falando que é o quinto elemento, mas queria saber o que você pensa dessa literatura ? Nelsão: É o seguinte, tudo que cresce toma um espaço, o conhecimento é isso. Ao nosso redor tem muita coisa e quem ia escrever sobre isso, o cara lá da faculdade? NÃO !! Eram vocês que estão no meio, então simplesmente vocês são os nossos porta-vozes do conhecimento, não digo o quinto elemento, mas um grande complemento. Essa leitura marginal talvez seja o que faltava na academia. Aproveitando o gancho quis sabe: - Nelsão, o hip-hop combina com educação? Ele responde: - O hip-hop é isso, você mesmo já é estudado na faculdade, você é um MC também. A educação precisa de informação concreta da periferia, os caras de fora vem e não sabe entrevistar a gente, eles vem e quer ficar falando do meu cabelo. Tem várias formas de se tratar de hip hop nas escolas, com cordel etc.... “Precisamos de pessoas que saibam chegar, ter uma formação pra isso. Uma coisa é você ser o jogador, outra é ser o técnico, é diferente. Então precisamos estar,sem bater de frente com o pessoal lá da educação, porque eles tem o mundo deles, ai gera conflito e não se trabalha, nem um, nem outro. Não é fácil, mas é possível”, completa o mestre. Vem ai..... TRIUNFO - O FILME, quis saber o que ele achava disso. Triunfo o filme vai mostrar um pouco de mim dentro do mundo artístico mesmo, Nelsão como cidadão, um militante que vem de uma cidade pequena e depois ganhou o mundo. E também um cara que sempre foi discriminado pelos próprios manos da cidade pelo sotaque. Lembro que eu era pra gravar o primeiro disco de rap e quando cheguei lá na gravadora a mulher disse que eu tinha problema na língua e depois descobri que o problema era o sotaque. Hoje é diferente, mudou muita coisa. Eu quebrei muito preconceito. Imagina no tempo da ROTA, militarismo fodido e eu com aquele black power nervoso. Como eles se sentiam mal com a minha presença e eu me sentia tão bem em perturbá-los. Então é isso o filme, um pouquinho do Nelson Triunfo, a história não é minha, é nossa. Hoje o Alessandro Buzo está com 10 livros, a história passa a ser pública. Acho que o filme não retrata só a história do Nelson Triunfo, só estive dentro dela. Buzo: Não é uma super produção, que captou dinheiro, mas pelo trailler já da pra perceber a qualidade. Como fazer com qualidade sem dinheiro. Nelsão ri e complementa: - Como você fez e eu

faço até hoje, os caras lá em Hollywood fazem os efeitos especiais e nós fazemos os DEFEITOS ESPECIAIS e conseguimos fazer. É uma alternativa. Porque quando eu vou ensinar dança na quebrada a pessoa aprende mais rápido do que nos Jardins. Porque os caras dos jardins não tiveram tanta preocupação de se defender disso ou daquilo e os caras da quebrada sempre tiveram que estar pulando muro, correndo da polícia, então eles aprendem as coisas mais rápido porque são mais ligeiros. (risos) Buzo: Nelsão, as filmas já acabaram, vai primeiro correr alguns festivais e quando que podemos ver eles aqui nas telas: Nelsão: Nós estamos precisando de uma coisa, porque pra fazer saiu uma merrequinha daqui, outra dali, mas coisa que mal pagou transporte, isso ou aquilo. O filme está contemplado na Lei Ruanet e ela precisa de uma empresa que invista e depois abate do imposto e tal. Mas aí tem o problema de não ser fácil. O governo também não da ponto sem nó. Buzo: Qual é esse valor? Nelson Triunfo: São R$ 900 mil reais, que daria pra pagar quem participou, o direito das músicas usadas e tudo mais e pagaria a distribuição. Ai vem um cara que escreve sobre a VACA QUE PULOU DA SERRA e pega R$ 2 milhões. Cara, isso ai não é justo, eu sou um cara que passei muito frio e chuva nos ponto de ônibus e precisava ser feliz um pouquinho, pra garantir a faculdade do meu filho, meu plano de saúde. São coisas assim.... Estou com 58 anos, apoiei muito cara que hoje está no estrangeiro, fala 10 línguas e o Governo nunca vai reconhecer isso, não faço nada em troca, mas também tenho o direito de ganhar com isso. Buzo: Nelsão, a gente torce pra que esse dinheiro apareça, até porque é um valor baixo perto da riqueza da sua história, mas qual a estratégia se ele não aparecer ? Nelsão: Se não aparecer a gente faz como fez até hoje, só não vai ter aquela logística que merecia, até porque essa grana não é pra mim e sim pra uma equipe grande. Com ou sem dinheiro vai ser com qualidade, como você mesmo disse, se os caras vacilar a gente põe lá no Oscar. Enfim, falar com Nelson Triunfo não é uma entrevista, é uma aula de vida e hip-hop....


quando ele nos contou sua história de vida, entendemos que ela precisava e merecia ser contada com o tempo e a dedicação de um longa. Nelson foi um artista independente a sua vida inteira, sua trajetória se confunde com a história do próprio hip-hop, na ocupação do espaço público, das ruas, e por fim, também com as condições da nossa produção. É nesse tipo de filme que acreditamos aqui na produtora, nós jogamos nossas energias para realizar, fazer o filme acontecer, não nos deixamos paralisar pela falta de recursos. Dois anos e meio depois, estamos tirando um belo documentário do forno. Buzo: É um documentário ? Longa metragem ? Cauê Angeli: Sim, é um longa metragem. O documentário tem 90 minutos. Nele, o rapper Thaíde faz as vezes de um DJ, ou locutor, de uma rádio. Na medida em que ele vai apresentando seu programa, conta a trajetória do Nelson Triunfo, fazendo um paralelo com a história do movimento black, até o nascimento da cultura hip-hop no Brasil. É um filme digital, cheio de cores e com uma trilha sonora de balançar.

Cauê Angeli Nelsão no cinema Foto: Divulgação Pra falar mais do filme entrevistamos Cauê Angeli, diretor da obra. Confira agora..... Por: Alessandro Buzo Buzo: Qual a importância de retratar em filme a história do Nelson Triunfo ? Cauê Angeli: O Nelson dançando com aquela atitude e pegada que só ele tem encantou e encanta muitas pessoas até hoje, assim influenciou muita gente. Em todos os lugares que fomos filmar, as pessoas falaram com muita admiração e muito respeito sobre ele. O Nelsão não é chamado de “o Pai do hip-hop” à toa, o cara é um ativista do movimento, entende o hip-hop como uma ferramenta para a educação de crianças que muitos preferiram esquecer. Foi, durante vinte anos coordenador da Casa do Hip-Hop em Diadema, onde fez um importante projeto social com a comunidade, tirando os jovens das áreas de risco e de violência, apresentando a eles os quatro elementos dessa cultura: grafite, dança, Dj, e Mc. Nosso objetivo no filme é fazer um paralelo entre a história do Nelson e o nascimento da cultura black no Brasil, é uma época pouco conhecida ao grande público, os bailes black balançaram

os anos 1970 e o Nelsão fez muito barulho de lá pra cá. Enfim, é uma história que merecia ser contada e esse documentário veio pra essa missão. Buzo: Defina o Nelsão ? Cauê Angeli: O Nelsão é uma pessoa vibrante e principalmente contagiante. Dessa forma, quando resolveu sair de dentro dos bailes e mostrar sua arte pelas ruas, ele despertou algo novo em muitas pessoas, foi assim que influenciou tanta gente na década de 1980. Mas, para isso é preciso também ser ousado e muito persistente: ele foi o cara que colocou um radião na rua, em frente ao Mappin, no coração de uma cidade como São Paulo e começou a dançar James Brown em plena Ditadura Militar. E ele continua assim, até hoje, já com 58 anos. Recentemente, quando filmamos em Berlin, ele entrou em um baile, começou a dançar e em minutos o baile inteiro estava dançando no seu ritmo. Além disso, ele é uma figura difícil de esquecer. Em suas apresentações nos bailes, era conhecido como O Homem Árvore, por causa da sua altura e do seu cabelão frondoso, vamos dizer assim. E quando jovem, morando ainda na cidade de Paulo Afonso na Bahia, formou um grupo chamado “Os Invertebrados”, porque sua dança é de tal maneira flexível e ágil, que dá a impressão de que aquelas pessoas não devem ter ossos. Então, Nelson tem uma personalidade e imagem extremamente marcantes. Por tudo isso vejo o Nelsão como um artista de verdade. Buzo: Quando e como surgiu o interesse em fazer esse filme ? Cauê Angeli: Nelson veio à produtora para conversar sobre o projeto de um curta, mas

Buzo: É um filme independente? Cauê Angeli: Esse projeto nasceu totalmente independente, com a produtora Canal Aberto financiando os custos durante o seu primeiro ano de realização. O incentivo veio de um edital da Secretaria Estadual de Cultura de São Paulo, com o qual conseguimos fazer a viagem para Nova Iorque, e pagar os custos das filmagens. Agora estamos batalhando a captação de recursos pela Lei do Audiovisual, então teríamos aprovação da ANCINE para a finalização do filme. Buzo: Distribuição, patrocínio ? Cauê Angeli: O filme ainda não tem distribuidora e estamos buscando também patrocínio para fazer as cópias de exibição, e conseguir coloca-lo nas salas de cinema. Buzo: Qual a programação? Festivais? Exibir no circuito? Cauê Angeli: A ideia agora com o filme pronto é inscrever em festivais de cinema aqui e fora do país. O filme está sendo traduzido para o espanhol e o inglês, porque nosso desejo é que o filme atinja o maior número de espectadores possível. Primeiro vamos aos festivais e depois vamos lança-lo no circuito comercial. Buzo: Acompanhamos as últimas gravações? Nada mais a filmar? Cauê Angeli: A cena final era uma grande roda de break que reuniu Nelson, a velha e a jovem guarda do movimento no viaduto Santa Efigênia. Essa foi realmente a nossa ultima gravação, agora é sentar na ilha e terminar de montar o filme. Os próximos passos são a masterização do som, o tapa final na cor do filme, e a copiagem. Depois disso o documentário está pronto para a sala de cinema. Buzo: O que o povo que curte hip-hop, os fãs do Nelsão, pode esperar de: TRIUNFO - O FILME? Cauê Angeli: Podem esperar um filme tão contagiante quanto Nelson pelas entrevistas com grandes personalidades, contando os meandros dessa trajetória, pelo resgate de imagens históricas em foto e vídeo, pelas belas imagens captadas, de gente nas ruas, de gente dançando, todas tratadas com muito cuidado, e também pela trilha sonora do filme, que é em boa parte original - composta pelo Inquérito - e de levantar qualquer um da cadeira.


A história de Nelson Triunfo é tão rica que além do filme está sendo retratada por Gilberto Yoshinaga em livro, mas assim como o filme, sem patrocínio ainda, mas em fase final de preparação também, pra encerrar essa matéria incrível sobre o mestre NELSÃO, falamos também com o autor do livro pra saber como anda essa obra. Alessandro Buzo: Nos fale do seu livro “NELSON TRIUNFO: DO SERTÃO AO HIP-HOP”? Gilberto Yoshinaga : Eu já era fã do Nelsão, e nesses quatro anos de trabalho me surpreendi ainda mais conhecendo histórias dele que a maioria das pessoas nem imagina. Além de ser um multiartista talentosíssimo, Nelsão é um guru, um filósofo, um professor da disciplina chamada Vida. Acredito que por meio deste livro todos vão aprender muito com a trajetória de vida dele.

Gilberto Yoshinaga Nelsão na literatura Foto: Divulgação uma história fantástica é o Seu Osvaldo, o primeiro DJ de São Paulo, tio do Grand Master Ney. Também acredito que Gerson King Combo, Tony Tornado, Miguel de Deus, Nino Brown, KL Jay, GOG, todos rendam ótimos livros. É muita gente, não cabe aqui se eu quiser citar todos!!

Buzo: Qual a importância de retratar histórias como a do Nelsão em filme e no seu caso em livro? Gilberto Yoshinaga : A história do Nelsão responde a muitas questões que nos perturbam hoje, com relação a temas sociais, étnicos, culturais e mesmo políticos. Acredito que retratar essas peculiaridades é, antes de mais nada, lançarmos um olhar sobre a história contada por um legítimo representante da maioria - o povo. Nelsão prova que, independente de onde venha e de quais obstáculos encontre, qualquer pessoa pode ser protagonista de sua própria vida e de sua própria história. Buzo: Tem editora, data de publicação ? Gilberto Yoshinaga : Optei por fazer uma primeira tiragem independente e ainda estou estudando algumas possíveis parcerias, mas com gente nossa, do hip-hop, da literatura alternativa. A expectativa é ter o livro nas ruas ainda neste ano, mas como se trata de um projeto independente prefiro não estabelecer prazos. Vou deixar as informações no meu blog, www.biografiadenelsontriunfo.blogspot.com Buzo: Por que será que uma importante biografia como essa não tenha ainda uma grande editora, assim como o filme Triunfo é independente ? Gilberto Yoshinaga : No meu caso, o caminho independente foi uma opção, para que o livro chegue ao moleque da quebrada por um preço acessível. Bens culturais costumam ser muito caros no Brasil, e por isso nem cogitei uma editora comercial. Mas não descarto essa possibilidade para edições futuras, desde que gananciosos que não trabalharam na parte mais pesada do projeto não queiram morder a maior fatia do bolo - e fazer o leitor pagar injustamente por isso. Buzo: O Brasil não valoriza suas grandes personalidades ? Gilberto Yoshinaga : Infelizmente, o Brasil tem como cultura renegar seus verdadeiros heróis e mártires em vida. Temos inúmeros exemplos disso na música, nas artes plásticas, na literatura... É certo que a obra de um mestre nunca morre, mas acho que é preciso agradecê-los e recompensá-los em vida. Fico feliz de poder fazer um pouco disso pelo Nelsão. Buzo: O Nelsão é um triunfo ? Gilberto Yoshinaga : Nelsão sempre repete que “Triunfo é sinônimo de vitória”, e acho que ele ter

nascido na cidade com esse nome foi coisa predestinada. Ele é o triunfo em pessoa. Derrotou vários preconceitos, resistiu à repressão policial na época da ditadura, foi pioneiro em quase tudo o que fez e triunfou com sua arte, seu cabelão e seu sotaque pernambucano. Buzo: O que te motivou a contar essa história ? Gilberto Yoshinaga : Este livro é a realização de um sonho, literalmente falando, porque a ideia de escrevê-lo surgiu enquanto eu dormia, em junho de 2009. Quando acordei desse sonho fiquei maravilhado com a ideia, obtive o consentimento do próprio Nelsão e decidir colocar mãos à obra. Buzo: O Toni C acaba de lançar a Biografia do Sabotage, como vê ícones da nossa cultura tendo suas histórias narradas em livros ? Gilberto Yoshinaga : Aliás, parabéns ao Toni C. pelo brilhante trabalho! Acredito que isso já era uma tendência. A cultura marginal, periférica, sempre teve muitos heróis com histórias maravilhosas. Muitas não foram registradas e se perderam, outras ainda correm o risco de se perder... Acredito que a periferia percebeu que todos têm sua história, sua importância, independente de status ou classe social. Espero que surjam mais registros como esses, com valores que possam ser deixados para a posteridade, educando as futuras gerações sobre como realmente foi essa nossa caminhada. Buzo: Quem mais daria um bom livro além do Nelsão e do Sabota ? Gilberto Yoshinaga : Na cultura negra e no hip-hop, acredito que muitas pessoas têm ótimas histórias para passar como exemplo. Acho importante registrá-las antes que elas se percam. Por exemplo, quem tem

Buzo: Hip Hop é ? Gilberto Yoshinaga : Para mim é algo muito maior que rap, breaking e graffiti. Eu vejo o hip-hop como uma energia espiritual, um conjunto de valores que deve nortear uma pessoa em suas ações pessoais, no trabalho na sua relação com o mundo... Hip-hop deve ser um instrumento de luz, e não o foco dela. Buzo: Mais alguma coisa que queira nos dizer? Sobre o livro ou não ? Gilberto Yoshinaga : Façamos jus à vida porque ela é curta. Com mais amor, mais sabedoria, mais valor à boa música e à boa literatura. Como “boa”, defino aquela cultura que não ofende nem à vovó, nem a uma criança. Parabéns pelo trabalho e muito obrigado pelo espaço! É isso...... espero que tenham curtido conhecer um pouco mais de Nelson Triunfo, breve em filme e livro. Quem viver verá.


ESPAÇO VIP DA POESIA Na madruga, onde viaduto é bom pra quem ta por cima. A malandragem passou batido. Mas a humildade colou. No balanço do sangue de boi. Perguntando por trocados que amenizariam a dor. Então busco algo real, que tenha mesmo algum valor. Mas já é tarde...... Madrugada...... Vai $$$ mesmo. Tubarão Dulixo

Reintegração de posse O terreno que era baldio O povo sem medo ocupou De sol a sol construiu A casa que sempre sonhou O proprietário não gostou do viu E a posse na justiça buscou O nobre despacho serviu Para o cão de guarda bastou O povo inconformado reagiu A força e a coragem buscou Paus e pedras na mão reuniu E contra a violência revidou Armado o cão de guarda vil Tiros e bombas disparou Reintegração de posse cumpriu Mas justiça mesmo faltou Ruivo Lopes

DICA DE LEITURA Por Alessandro Buzo Indico o livro 762 dias de Angústia, do Hostil da Zona Sul de São Paulo, é o primeiro livro que leio relatando o sofrimento da família de uma pessoa que vai presa no sistema carcerário, o filho do Hostil passou 762 dias privado da liberdade e quem paga a conta, justamente a família que não abandona. Diferente de livros que relatam a vida de um detento/reeducando, essa obra deixa claro uma coisa: - O crime não compensa.

www.sarausuburbano.blogspot.com


ESPAÇO DAS PALAVRAS

Amizade São Paulo, 17 de dezembro de 2010 Flora, coragem! Ontem o Romário foi demitido da empresa. Aqui, ele era meu único amigo. Antes dele chegar, era eu o “Bahia”, mas depois ficou sendo ele. Gostava de conversar com o Romário porque a gente se entendia bem; bastava um olhar pro outro e dizer: eta pleura; da gota; vixi, cabrunco. Era decente! Sabe, quase todo dia ele me mostrava aquele retrato no Ibirapuera com a mulher e suas duas filhinhas na garupa daquela bicicleta azul. Os olhos do Romário – assim como o de todas as pessoas tinham estrelas, mas toda vez que falava da família e dos planos de voltar pra casa, os olhos dele se enchiam de constelações. E eu achava bonito escutar seus sonhos, podia medir o universo em suas palavras. Pelo menos pude abraçá-lo antes que ele fosse embora. Sentirei falta, e é ruim pensar que não nos veremos mais... Sei lá. Pior deve ser não ter de quem sentir saudade, não ter de quem lembrar, não sentir. Filha, queria ter dito que sentia mor orgulho de tê-lo como amigo e que era pra ele não ficar triste, nem desanimar, porque merecia coisa melhor que isso aqui. Enfim... mas talvez ele nem acreditasse. Achasse que eu só tivesse querendo fazer média ou tentando consolá-lo... essas coisas. Mas é verdade, eu admiro cada um dos meus amigos; todo retirante é meu conterrâneo.

Acho que ainda essa semana vão colocar outra pessoa para fazer o mesmo trabalho que ele fazia aqui. Afinal, tem sempre um Bahia procurando emprego. Ontem voltei pra casa pensando como vai ser o Natal do Romário. Pensando se vai ter “Papai Noel” pra trazer presente pras filhinhas dele. Porque é só chegar novembro e já tem Papai Noel na cidade toda. Até no ônibus tem. Não é certo que falte logo na casa do Romário, logo agora. Não quero te desanimar, mas Papai Noel não é um cara legal. Filha, você deve estar se perguntando porque estou lhe falando essas coisas. Pois bem. Ninguém jamais escreveu sobre o Romário, sobre um pião, um desempregado. E escrevo isso porque talvez ninguém diga que o meu amigo vai fazer falta, que ele não pode ser substituído só porque existe outra pessoa que sabe apertar os mesmos botões, que sabe repetir os mesmos gestos de máquina. Lhe contei essa história porque você precisa saber que eram Bahias os homens e mulheres assassinados na Candelária, Nagasaki, Hiroshima, Jerusalém e, dia desses, aqui perto de casa. Também foram os Bahias que inventaram a ginga, o groove, as greves, as guitarras. Não criamos a guerra. Nós somos o revide! Woodstock, a Tropicália, o Pasquim, o Manguebeat: tudo movimento de Bahias. Garrincha, Elis, Chaplin, Dercy Gonçalves, João do Pulo, Bruce Lee, Jesse Owens, Lima Barreto... nenhum deles era baiano; eram todos Bahias. Os livros de história não falam da gente; ninguém quer registrar nos filmes nem nas fotografias a grandeza do meu amigo. Mas ele existe. E é por isso que tou lhe escrevendo agora. Para que saiba que é bom conhecer e ter orgulho das pessoas, não porque elas são bem sucedidas, mais inteligentes ou chamam a atenção das outras. É bom gostar dos amigos exatamente pelo que eles são: humanos, amigos. Flora, defenda com honestidade os seus sonhos. Que nunca falte sol em seu coração e amor para fazer acender constelações em seus olhos. Porque tanto faz ser um Bahia ou o filho do rei, sem luz nem amor, a gente é nada. Com todo coração, seu pai. - Ni Brisant


Sem rótulos, Akins Kintê passeia pela literatura, cinema e música da periferia Artista multicultural fala sobre cinema, maioridade penal e poesia erótica Por Jéssica Balbino* De segunda-feira a sábado, a partir das 9h, Fábio Monteiro Pereira, de 29 anos está no bairro Santa Efigênia e garante a renda como vendedor, mas pouca gente sabe disso. Aliás, pouca gente o conhece assim. Estamos falando do Akins Kintê, que tem este nome de batismo por uma questão de resgate africano e que fora do sobe e desce das vendas, é uma personalidade multicultural da cena literária, musical e cinematográfica paulistana. Distante dos rótulos e das definições, ele explica que mescla literatura e cinema – e longe da academia – acredita que os versos soem como arma. Inclusive os eróticos. “Estas artes que produzi são sonhos realizados com muito

Foto:Marilda Borges custo e sofrimento. Essa sina louca nossa de meter o dedo do pé, a mão e coração onde nunca fomos chamados”, resume. Dos campos de várzea para o cinema Apaixonado pelo futebol de várzea, Akins Kintê gravou, em 2010, o filme “Várzea, a bola Rolada na Beira do Coração”, onde conta a relação entre a poesia e o futebol das quebradas. Mas, antes disso já tinha se aventurado pelo cinema, o que tornou-se uma grande paixão e fez dele um dos nomes mais lembrados no audiovisual periférico do Brasil. O material audiovisual levou três anos para ser concluído e traz entrevistas com pessoas que tem envolvimento direto com a “bola véia”, como ele mesmo costuma brincar. “Passei pelos campos de terra e fiz este filme dedicado às comunidades que nos finais de semana se articulam para que aconteça o futebol dos moradores de periferia”, conta.


O vídeo percorre as décadas de 1950 e 1960 e resgata a memória de times antigos, nomes de agremiações e campeonatos “varzeanos”, além das brigas e da presença feminina. A trilha sonora foi composta exclusivamente para o filme. Mas, a paixão pelo cinema é antiga. “Cada dia gosto mais de cinema. Minha vontade de aprender é grande. Gosto de documentar e ouvir os nego véio. É um grande prazer contar histórias através da lente. É uma questão de aprendizado e carinho. Uma foram de cuidar da história. O registro é muito importante. Eu posso dizer que meus três filmes nasceram do coração, da minha paixão: literatura, futebol e samba. Devo isso a mim mesmo e às quebradas e amigos com quem ando junto até hoje. Foi um prazer trabalhar com estes documentários”. O primeiro vídeo dirigido por Akins Kintê foi o “Vaguei os Livros me Sujei com a Merda Toda”, onde várias pessoas ligadas à literatura negra contam sobre episódios de racismo e compõe o documentário com experiências próprias. “O filme traz histórias reais sobre como os negros vivem em uma espécie de prisão e os livros são instrumentos de tortura pelas constantes imagens negativas dos livros”, relata. Com o dedo na ferida do preconceito e da exclusão racial – também bastante presentes na obra de Akins Kintê – o documentário passeia pela literatura africana e ressalta a importância da poesia e dos contos na luta pelas independências em países africanos. “O filme dá também a ideia de que o hip-hop nos trouxe para a leitura e oralidade dos saraus”. E o artista é versátil também enquanto diretor. Em 2012 inovou no tema e lançou o documentário “Zeca, o Poeta da Casa Verde”, com a história de um dos mais representativos compositores do samba de enredo de São Paulo (SP). O Zeca da Casa Verde, que além de compositor atuou também em peças de teatro de Plínio Marcos e em programas de rádio e ajudou a construir a história do samba paulista. “Ele é consagrado por sua melodia cadenciada e poesia simples, além de ter se eternizado no cenário carnavalesco, então contamos esta história que interliga-se com a história do samba de São Paulo, que teve início com a chegada de trabalhadores dos cafezais, que antes viviam no interior e passaram a habitar a cidade”, conta. Pelas letras, eróticas ou não, a literatura Apesar da paixão pelo cinema, de acordo com ele, o que mais o identifica é poder declamar poesias. “Sempre que estou falando um poema, sinto como se fosse o último momento da minha vida”, pontua. Feliz é quem tem a honra de encontra-lo, por exemplo, no Sarau Suburbano Convicto e pode acompanhar os versos cadenciados – muitas vezes eróticos – e saber mais sobre o trabalho, que mais recentemente envolve a participação na antologia Cadernos Negros 35, Poetas do Sarau Suburbano – Vol. 2 e Antologia do Sarau do Binho. O lançamento individual foi batizado de “Quarto Escurto” e reúne quatro cartões eróticos com desenhos do artista Coyote que ilustram as poesias. Mas, antes destes trabalhos, Akins Kintê já dividiu as páginas de dois livros com mulheres. O primeiro deles, “Punga” foi escrito em parceria com Elizandra de Souza. Em seguida, escreveu o “InCorPoros” com Nina Silva, onde reforça a veia literária erótica, embora fuja do ‘rótulo’. “Foram experiências importantes. Estou construindo com quem quer construir e sei que as meninas com quem fiz os livros estão nessa busca por uma sociedade mais justa e sem violência. Acho ruim ser chamado apenas de poeta erótico porque já produzi outras coisas bem diferenciadas. O que interessa saber é que essa indústria do sexo funciona a milhão e a literatura erótica que estamos produzindo tem um cunho político fora dos padrões impostos pela sociedade. Buscamos o respeito pela mulher, pelo homossexual, pelo povo negro e fugimos do padrão de poesia burguesa-branco-machista. Incitamos e excitamos que os nossos devem e posem sentir o prazer e ir ao encontro do orgasmo”, destacou. Para o poeta, quem não segue o padrão elitizado pela literatura – especialmente a erótica – e busca felicidade no prazer sofre perseguições duras, além de solidão. “As mulheres e homossexuais são bruscamente humilhados em uma sociedade como a nossa, quando buscam o prazer pelo sexo. O povo negro teve o corpo sequestrado e consequentemente o prazer também foi. Então, essa busca

pelo prazer é uma busca pela liberdade. Nossa literatura erótica beira uma afronta à sociedade e é diretamente política sem perder a ginga na arte gostosa da leitura”, acrescentou.

Rap Contra Maioridade Penal Mesmo sem se considerar músico, Kintê encabeça o projeto “Rap Contra a Maioridade Penal”, onde atua diretamente com o ritmo e a poesia para protestar contra as discussões a fim de reduzir de 18 para 16 anos a maioridade penal no Brasil. “Esse movimento nasce com a campanha burguesa de deixar mofando nas cadeias do Brasil os adolescentes que não tem seus direitos respeitados e não se adequam a uma vida de escravidão que atravessamos até hoje, porque da senzala para o salário mínimo não mudou muita coisa. Essa ação busca sensibilizar as pessoas”, explica. Com o amigo e também poeta Tubarão DuLixo, eles já tem 41 vídeos com mais de 20 mil visualizações na web, mas ainda não se livraram dos comentários racistas. “A maioria das pessoas que é a favor da maioridade penal e comentou no vídeo não tem um debate sensato. São reacionários, burgueses vingativos e por isso estamos à frende da conscientização”, dispara. *Jéssica Balbino é jornalista


Eliane Brum

“Antes da literatura marginal nossa vida era mais pobre”, diz Eliane Brum Jornalista e escritora fala sobre o novo livro “A Menina Quebrada”, a literatura produzida nas periferias e a arte de saber ouvir e reportar Foto:Marilda Borges

“Escrevo porque a vida me dói”. Essa é a frase que abre a apresentação do livro ‘A menina quebrada’ da jornalista Eliane Brum. E dói mesmo. Dói tanto quanto ler a coluna semanal dela ou a seleção reunida no livro lançado recentemente. Dói tanto quanto o título, que nos lembra que as pessoas quebram, mas quem fica em pedaços somos nós, ao absorver tantos temas que nos fogem ao cotidiano, mas que são inerentes à vida ‘moderna’. Eliane Brum parte o leitor em pedaços com suas palavras de verdade ao escrever sobre os invisíveis e nos junta na próxima coluna, no próximo assunto, mas uma coisa é certa: após ler seus escritos nos quebramos, sentimos sua dor e nunca mais voltamos a ser os mesmos. É ela também que acompanha, observa e admira a literatura marginal e acredita que esta mesma, produzida na última década nas periferias brasileiras enriquece as narrativas. “Antes desse movimento da literatura marginal/periférica, a literatura brasileira era mais pobre. E, por consequência, nossa vida era mais pobre”, destacou. Em entrevista ao Boletim do Kaos, a autora dos livros “Coluna Prestes”, “A Vida Que Ninguém Vê”, “O Olho da Rua”, “Uma Duas” e “A Menina Quebrada” e diretora dos documentários “Uma História Severina” e “Gretchen – Filme Estrada” resume a ligação entre o ser humano, a escrita e a arte como uma linha de transformação, espe-


cialmente na literatura marginal. “Acho que são muitas as dores do mundo. E o fascinante do humano é essa capacidade de transformar dor em arte – e então transcender. A literatura, assim como também a reportagem, é o nosso esforço de dar sentido ao caos que é a vida. Mas há algo da vida que sempre escapa da palavra. Esse é o fracasso, ao qual quem escreve está condenado. Mas essa é também a graça, já que, se a palavra desse conta, nossa busca cessaria. Acho que a literatura periférica/marginal nasce de dores comuns a essa identidade periférica/marginal, mas também de dores que a transcendem”, resumiu. E é desta maneira que nos mais de 60 textos reunidos no “A Menina Quebrada”, Eliane nos lembra a importância da humildade em ouvir e se despir dos preconceitos, depois de mais de 20 anos escutando histórias reais e reportando personagens invisíveis. E vai além, se incomoda com o que todos não querem ver e coloca o dedo na ferida de temas como abordo, solidão, vítimas e algozes, política, família, periferia e pedofilia. Isso tudo com a difícil tarefa de ser jornalista e se posicionar sem condenar. “A dificuldade de escutar, de fazer o movimento fundamental da reportagem, que é se desabitar por um momento para ser habitado pelo mundo que é o outro, afeta não só parte do jornalismo dito tradicional, mas também a mídia alternativa. Mas sou otimista com relação a esse momento histórico. São tempos difíceis, mas ricos de potencialidades. Acredito que, depois das mudanças operadas pela internet, o jornalismo só se reafirmará como uma narrativa fundamental sobre a sua época histórica se souber reforçar a sua diferença, que é a reportagem. E reportagem só faz quem sabe escutar”, pontuou. Questionada sobre o motivo que a levou a olhar, respeitar e reportar os invisíveis, a jornalista lembra que a arte de contar ‘pequenas grandes histórias’ veio de casa, do pai, que sempre se preocupou em transmitir estas visões. “Ele sempre nos mostrou que, por ter podido estudar, tínhamos um compromisso com todos aqueles que não tinham tido essa chance”, lembrou. Ponto para ele quando Eliane conquistou a coluna “A vida que ninguém vê” no jornal Zero Hora em Porto Alegre (RS) – que também virou livros - e daí em diante não parou mais. “Na nossa família, a vida de cada um só ganhava sentido pela capacidade de fazer a sua parte para melhorar as condições coletivas de vida. Ao mesmo tempo, desde muito pequena, eu sempre me interessei pela história das pessoas ditas comuns, eu sempre fui uma ‘escutadeira’ da vida dos outros, e sempre tive um olhar muito aguçado para a desigualdade e para a injustiça. E sempre fui apaixonada pela literatura. O curioso é que a matéria da literatura é o homem e a mulher comum. Heróis são muito planos e chatos. Mas, na reportagem, muitas vezes os homens e mulheres comuns aparecem como números – ou melhor, desaparecem como números. Quando me tornei repórter, foi natural para mim me interessar em contar a vida da maioria, aquela que, em geral, ganhava apenas notas de rodapé ou nem sequer existia na narrativa jornalística cotidiana. Para mostrar, entre outras coisas, que não existem vidas comuns, só olhos domesticados”. Por isso, no novo livro, Eliane Brum se despe das ‘regras’ estabelecidas nos grandes manuais e fala em primeira pessoa, narra com os olhos dos personagens, e reflete sobre clichês, homossexualismo, psiquiatria, língua portuguesa, criminalidade, religião e estupro. E tudo isso sem se ater apenas a números, mas a histórias. Histórias de pessoas reais que só podem ser reportadas a partir do momento em que se subverte a visão já viciada de mundo. No livro encontramos a menina quebrada do título, a boneca inflável de cada um, a Dilma que é nossa

presidente e ‘mete medo’, a vítima que foi rejeitada pela sociedade porque não crucificou seu sequestrador, a vida simples e real na melhor pior praia do mundo – onde nos encontramos com a Eliane para além da jornalista, mas a mulher, a filha, a mãe, a que vive, sente e pulsa – a vida dois andares abaixo do dela (e talvez do nosso próprio) e a gordofobia que é tão invisível, mas que machuca tanto, assim como qualquer forma de impor padrões e segregar. Para ela, este é um exercício do jornalismo, que ela enxerga com otimismo para aqui em diante. “O jornalismo, especialmente no século 20, foi a narrativa hegemônica sobre a história em movimento. Assim, aqueles que não eram contados, não existiam. Essa invisibilidade tem um efeito brutal sobre a vida das pessoas. Aos poucos, minha escolha se tornou mais consciente e me dediquei ao que pode ser chamado de “desacontecimentos” e a dar voz a quem não tinha. Hoje, com a internet, as narrativas se multiplicaram, assim como os narradores, e isso tem uma potência transformadora maravilhosa”. De novo, a literatura marginal aparece e Eliane Brum reverencia a produção que emerge das periferias. “Me interesso especialmente pela linguagem como a vida é expressada e me agradam mais as obras em que essa linguagem aparece. Não pelo truque fácil, mas por uma busca bem mais profunda. Quando Carolina Maria de Jesus, em Quarto de Despejo, diz que a fome é amarela, por exemplo, é um achado e uma revelação. A forma como ela constrói a sua narrativa faz com que a gente sinta não fome, mas a fome”, detalhou. Nesta aproximação dos mundos é que Eliane Brum vai além do jornalismo ou da literatura, se transforma em ouvidos e voz dos invisíveis, dos excluídos e embaixadora de temas que quase ninguém quer abordar, mas que são justamente estes os necessários. Ela é quem nos apresenta a Catarina, que com 1 ano e 8 meses descobriu que as pessoas se quebram e que é impossível serem coladas ou consertadas e voltar a ser como eram antes. Com sua literatura/ jornalismo, Elaine nos quebra. Nos parte em vários pedaços. E é impossível voltar a sermos os mesmos depois de sua leitura. É ela, que em sua narrativa tão pessoal, ensina a Catarina e a todos nós que “Viver é rearranjar nossos cacos e dar sentido aos nossos pedaços, os novos e velhos, já que não existe a possibilidade de colar o que foi quebrado e continuar como era antes”. Serviço – Eliane Brum escreve às segundas-feiras no site da Época http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/eliane-brum/ Jéssica Balbino é jornalista


RAP É COMPROMISSO Que RAP É COMPROMISSO a gente sabe, Sabotage já nos disse. O FAVELA TOMA CONTA no Dia das Crianças é o MEU COMPROMISSO, desde 2004. Proximo ao Jd Olga, Região do Itaim Paulista. Quando surgiu o evento, eram três à quatro vezes por ano, por isso que são 9 anos e 27 edições. Hoje em dia é só nessa data (DIA DAS CRIANÇAS, 12 de Outubro), ou algum evento especial, como foi ano passado no SÃO PAULO MAIS LIMPA, promovido pela Rede Globo. Fazer o sorriso de centenas de crianças no dia delas é saber que nem tudo se paga com dinheiro. Esse evento, é o meu compromisso (Alessandro Buzo), com o RAP, com a molecada do CDHU Itaim Pta e com a minha quebrada. Quero fazer mais pelo (e no) Itaim Paulista, mas esse apoio $$$ “AINDA” não chegou. Um dia voltaremos com o “ESPAÇO SUBURBANO CONVICTO”, mas no momento o que está tendo é o FAVELA TOMA CONTA e a festa é garantida pela presença do THAÍDE, Sarau Suburbano, Slow da BF direto do RJ, e representando a quebrada, Poder Bélico da Favela e Só D´Manos, doces e brinquedos pra eles, os donos da festa. AS CRIANÇAS. Favela Toma Conta Desde 2004 Mais que um evento, uma atitude

RAP É COMPROMISSO


Grife Deeanto investe em estampas para valorizar e fortalecer cultura negra na periferia Roupas em tamanho ‘especial’ e com estampas de guerrilheiros conquistam adeptos da marca Por Jéssica Balbino* “Os produtos da Deeanto são carregados de identidade própria”, disse o poeta Ni Brisant ao se referir às roupas confeccionadas pela grife Deeanto – neologismo da palavra adianto – gerida pelo casal Marilene Raquel da Silva Lemos e Levi de Souza, o Fuzzil desde 2008 em São Paulo (SP). Ele é um dos artistas que faz, sob encomenda, roupas pela marca que confecciona estampas ligadas a identidade e o fortalecimento da cultura negra, a grife que surgiu no bairro do Capão Redondo, no extremo sul da capital paulista trouxe, inicialmente, estampas com figuras como o atabaque de origem africana, Zumbi dos Palmares, Anastacia, Malcom X, Lauryn Hill, entre outros, hoje produz estampas de artistas da cidade e de outros locais sob encomenda. “Não cabe ‘despretensão’ nos produtos Deeanto. É tudo luta, principalmente nas coisas mais bonitas. As camisetas são as bandeiras modernas e eles preocupam-se em reviver causas importantes em suas estampas”, resumiu Ni Brisant. O surgimento da grife marca um momento de ‘independência’ na moda e nos investimentos da periferia, comumente chamado de empreendedorismo cultural, ou seja, quando artistas, coletivos ou pequenos grupos criam grifes, marcas e apoiados em ideologias, espalham as roupas entre amigos, outros artistas, eventos segmentados e quebradas. No caso da Deeanto, as roupas – batas, túnicas, camisetas, saias e vestidos - são feitas por uma costureira, da própria região em que o casal vive. Ela é quem corta e costura as peças, que em seguida recebem

as estampas em silk screen – técnica utilizada para colocar figuras sobre tecidos – no ateliê da Deeanto. Com preços que variam entre R$ 20 a R$ 80,00, as vendas são feitas pelo blog ou pela página do Facebook da marca. O pagamento é feito via depósito bancário e o produto entregue pelos Correios. Por enquanto, o casal não sabe contabilizar o quanto fatura com a Deeanto mensalmente, já que possuem outras ocupações além da dedicação a grife. “Pensamos sempre em uma arte que tenha a nossa cara, que a gente se identifique. Os desenhos são criações nossas e temos também parceria com alguns grafiteiros da nossa quebrada”, contaram. Tal posicionamento rende também ao casal convites para exposições em feiras e eventos ligados à cultura negra e mais do que isso, gera o ‘combustível’ de que precisam para seguir investindo no sonho. “Muitas pessoas nos questionam querendo saber o motivo de determinadas artes, a questão do nosso logotipo e da cor das camisetas e nós entendemos que através do nosso produto, as pessoas se adianta, isso para nós é muito importante. Deeanto não é só vestir camisetas, mas ter atitudes”, resumiram Raquel e Fuzzil. Por falar em atitude, Raquel se posiciona quando conta que por estar ‘acima’ do peso e não se sentir representada pelas grifes do mercado, resolveu encabeçar o projeto. “Eu percebi que não me sentia bem com as roupas oferecidas, tampouco representada. Com a Deeanto, valorizamos a cultura e a personalidade das pessoas sem se limitar a

uma moda exclusiva para pessoas ‘fora do padrão’. Tentamos atender nossos clientes e amigos da melhor forma possível”, pontuou a criadora da grife. Desta forma, a ideia da Deeanto, que já completou 5 anos, é classificada como uma boa experiência pelos idealizadores. “Através do empreendedorismo cultural buscamos fortalecer a identidade negra, resgatamos personalidades importantes na luta e militância, valorizando em especial a mulher, seus cabelos e sua essência”, acrescentou Raquel. Serviço – Mais informações sobre a Deeanto podem ser acessadas no blog http://deeanto.blogspot.com.br/ Jéssica Balbino é jornalista.



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