Revista Leis&Letras Família e Sucessões

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Leis&Letras Revista Jurídica | Edição 29 | 2015

Família e Sucessões

www.leiseletras.com.br

ISSN 189-331 ISSN 189-331

R$ 16,9 12, R$

BATALHA JUDICIAL

“SOU FILHA DA MÃE, MAS EU TENHO PAI”

MARCOS DUARTE, ADVOGADO DA ATRIZ SIMONE SOARES EM PROCESSO DE PATERNIDADE



ÍNDICE Leis&Letras Revista Jurídica | Edição 29 | 2015

Família e Sucessões

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ISSN 189-331 ISSN 189-331

R$ 16,9 12, R$

BATALHA JUDICIAL

“SOU FILHA DA MÃE, MAS EU TENHO PAI”

MARCOS DUARTE, ADVOGADO DA ATRIZ SIMONE SOARES EM PROCESSO DE PATERNIDADE

Foto da capa: Germano Preichardt

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Escola Superior de Advocacia do Ceará integra a Nova Sede da Ordem

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Nova sede da OAB-CE: um marco histórico para a advocacia do Ceará

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Luiz Cruz de Vasconcelos inicia a conquista de sedes próprias da entidade

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Família ou famílias“s”?

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Guarda compartilhada e guarda alternada: não dá para confundir!

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O Direito Sistêmico e a Alienação Parental, novas possibilidades.

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Notas sobre empresa familiar e governança

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A presunção de paternidade pela recusa

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Marcos Duarte: doutrinador cearense com atuação internacional no Direito de Família

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Paz, a nossa justa causa – justiça pela paz em casa

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“Sou filha da mãe, mas eu tenho pai”

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Relações de família e direitos fundamentais

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Por que fazer Planejamento Sucessório?

40 O Prefeito da OAB-CE 42

O fim do pai visitante

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Almoço em Família pauta os desafios do judiciário no combate a violência doméstica

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O Novo CPC e as questões do Direito de Família no Brasil

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Mãe, mulher e advogada


AO LEITOR

A Revista Leis&Letras é uma publicação da Leis&Letras Editora e Serviços Educacionais Ltda

MARCOS DUARTE, advogado especialista em Direito de Família e Sucessões, Presidente-executivo da Revista Leis&Letras

E

m quase dez anos de circulação nacional, a revista Leis & Letras noticia o Direito de Família no Brasil. São questões relacionadas à adoção, multiparentalidade, guarda e casamento homoafetivo. Ações positivas, a exemplo do trabalho promovido pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) contrastado, muitas vezes, pela lentidão do Judiciário e a insensibilidade do Ministério Público. A cultura influencia os avanços e retrocessos da lei. O Novo Código do Processo Civil, em vigor a partir de março de 2016, restituiu a separação, mas trouxe novidades. O tema violência doméstica ganha destaque, no ordenamento jurídico, pelo desafio que representa aos operadores do direito brasileiro e o intenso debate nos tribunais internacionais. A história da legislação sobre o reconhecimento paterno obteve significativos resultados mas ainda registra dramas antigos. Quanto a inserção feminina nos espaços de poder da OAB, o entendimento de que a instituição avança é um consenso, embora os desafios persistam. A advocacia, em especial a do Ceará, tem muito a comemorar. Cresce na defesa das prerrogativas e inaugura a Nova Sede, concretizando o trabalho, fruto da dedicação de gestores eficientes.

ATENDIMENTO AO CLIENTE Fortaleza - CE Avenida SantosDumont, 3131, sala 1001, Torre Del Paseo, CEP.: 60.150 -162 Fortaleza, CE Fone:(85)34563500 Fax: (85) 3264-0357 editor@leiseletras.com.br CNPJ08.007.537/0001-95 www.leiseletras.com.br Presidente-executivo Marcos VeniciusMatosDuarte diretor@leiseletras.com.br Diretora de Marketing e Eventos Mirna Duarte marketing@leiseletras.com.br Diretora de Circulação e Assinaturas Marília Duarte assinaturas@leiseletras.com.br Jornalista Mara Rebouças MTB 3463/CE Colaboradores: Maria Berenice Dias, Conrado Paulino da Rosa, Ana Carolina Carpes Madaleno, Manoela Queiroz Bacelar, Paulo Lobo, Rolf Madaleno, Sérgia Miranda, Gladston Mamede & Eduarda Cotta Mamede, Melissa Telles Barufi. Coordenação de Fotografia Paulo Figueiredo e Germano Preichardt Departamento Comercial/Publicidade MR Publicidademarketing@leiseletras.com.br Fone:(85)3264.0012 Impressão Quadricolor - Impressa no Brasil As opiniões emitidas em artigos assinados são de inteira responsabilidade dos seus autores e não refletem, necessariamente, a posição desta publicação TODOS OS DIREITOS SÃO RESERVADOS É proibida a reprodução total ou parcial, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos e videográficos ou qualquer outro meio ou processo existente ou que venha a ser criado. Leis& Letras® é marca pertencente a M&R Publicidade e Propaganda Ltda, registrada no INPI — Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Esta publicação cumpre o Depósito Legal na Biblioteca Nacional previsto na Lei 10.994/2004

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CONTRAPONTO

Escola Superior de Advocacia do Ceará integra a Nova Sede da Ordem

Por iniciativa do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil secção Ceará (OAB-CE) Valdetário Andrade Monteiro, a Escola Superior de Advocacia (ESA) passa a funcionar em novo endereço, a partir de 2016. Entre os objetivos, a expansão da oferta de módulos presenciais e à distância e a continuidade do Preparatório Para o Exercício da Advocacia. A ESA foi criada, em 1988, como Fundação Escola Superior de Advocacia (FESAC) e convertida recentemente em pessoa jurídica, por recomendação do Conselho Federal da OAB. Contempla “cursos de extensão e especialização, além de áreas

como informática, inglês e oratória", explica Vanilo de Carvalho, advogado e diretor executivo. A coordenadora Léa Feitosa ressalta que a abertura da entidade vai além da formação de profissionais da advocacia, abrangendo áreas relacionadas ao Direito. De acordo com o advogado Emmanuel Furtado, diretor acadêmico da instituição, os módulos da educação à distância já são os mais procurados. São preferidos por uma questão de administração do tempo, a exemplo do que faz o advogado Gaudênio Santiago. Ele destaca o papel da ESA na capacitação e o aperfeiçoamento da categoria.

Violência contra crianças e adolescentes lidera estatística de agressão aos Direitos Humanos No primeiro semestre de 2015, o Disque 100 recebeu 66.518 denúncias de agressão, sendo 42.114 contra crianças e adolescentes. A negligência dos responsáveis foi identificada em 76,3% dos casos, seguido do registro de violência psicológica reportada em 47,7% das chamadas. Quase metade das vítimas são meninas. De acordo com o Instituto Brasileiro de Direito de Família, mais de 50 % dos registros foram encaminhados ao Ministério Público. A Secretaria de Direitos Humanos enviou 36,4% dos casos aos Conselhos Tutelares, que atuam desde 1990, por designação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

A primeira eleição unificada para conselheiros tutelares ocorreu em 2015, quando foram escolhidos mais de 30 mil em votação simultânea, para um mandato de quatro anos, que começa a partir de janeiro de 2016. As demais denúncias abordaram a violência contra idosos, ficando em segundo lugar, com 24,2% do total. Depois, as pessoas com deficiência, em restrição de liberdade, grupo LGBT e em situação de rua. As populações quilombolas, indígenas, ciganas, comunicadores, religiosos e vítimas de conflitos agrários e fundiários estão contabilizadas em 1,4% das ligações.

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REPORTAGEM

Nova sede da OAB-CE: um marco histórico para a advocacia do Ceará A estrutura unificada de serviços da Ordem dos Advogados do Brasil secção Ceará (OAB-CE), inaugurada no final de 2015, está projetada para crescer fisicamente pelas próximas décadas. Resulta da análise quanto ao fluxo de pessoas, o número de funcionários e a demanda por espaços.

Da esquerda para a direita, membros da diretoria: os advogados Jardson Cruz, Ricardo Bacelar (vice-presidente), Valdetário Monteiro (presidente) e a advogada Roberta Vasques.

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redimensionamento superou o administrativo da OAB, sediado na rua Lívio Barreto; a Caixa de Assistência dos Advogados (CAACE), no bairro de Fátima; e a Escola Superior de Advocacia(ESA), na avenida Pontes Vieira. São duas décadas de luta, sucedidas pela concepção de um projeto arrojado para otimizar custos operacionais e atender os mais de 30 mil inscritos, destaca o presidente da OAB-CE Valdetário Monteiro. A nova estrutura integra também o Centro de Apoio e Defesa ao Advogado e Advocacia (CADAA) e a Academia Cearense de Letras Jurídicas (ACLJ). Com dois blocos iniciais, reúne 5 andares, incluindo o terraço aberto para eventos no primeiro pavimento e o subsolo destinado à garagem. O auditório de 300 lugares foi projetado para seminários e lançamentos. As salas de aula, cada uma, têm capacidade para 60 alunos. O Conselho Seccional ganhou um auditório para receber até 160 convidados. A estrutura contempla uma sala de estudos 24 horas, creche, biblioteca e centro de memória. "Encontramos o melhor local, na avenida Washington Soares, 800. Ganhamos ainda uma praça de 10 mil metros de área para o advogado fazer cooper, jogar futebol e andar de bicicleta. É um marco histórico", completa o tesoureiro Marcelo Mota. "Queremos que seja a casa da cidadania. Aos poucos o endereço será reconhecido como a Curva da OAB", enfatiza o presidente Valdetário Monteiro.

Aquisição do terreno

A OAB-CE conquistou o terreno, com aproximadamente 6 mil metros quadrados, na avenida Washington Soares, através do Projeto de Lei Municipal 10.222 de 2014. A escritura pública

definitiva foi assinada pelo prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio, e o procurador geral do município, José Leite Jucá. Por atuar na defesa do Estado Democrático de Direito, a entidade "se envolveu pessoalmente no diálogo com as famílias desapropriadas. Indenizou cada um dos barracos. Foi responsável pelo aluguel social, em uma conversa franca com os moradores que já estão realocados no programa Minha Casa Minha Vida", detalha Valdetário Monteiro, presidente da Ordem. O tesoureiro Marcelo Mota recorda que o local era habitado por dezenas de famílias, sem qualquer assistência de tratamento sanitário de água e esgoto. A região concentrava muitos ratos e os moradores tinham problemas dermatológicos. "Fizemos um trabalho social e certa vez, uma jovem mãe falou que a OAB mudou a vida dela para melhor. Isso vai ficar guardado nas minhas melhores lembranças". Ao receber o novo terreno, a entidade criou o Portal da Transparência para fornecer informações referentes a despesas e tramitações burocráticas. Após o registro no cartório de imóveis, a diretoria visitou os prédios do entorno e reforçou o contato com a comunidade através da Associação de Moradores do Guararapes, firmando compromissos. "Na praça, uma imagem de Nossa Senhora, fruto da vontade de mais de 80 % dos moradores; o busto do Professor Jáder de Carvalho, a ser fornecido pela família e um largo dedicado a Sra. Zefina Alves do Nascimento, uma das primeiras moradoras do local", explica o Presidente. A cerimônia de lançamento da Pedra Fundamental ocorreu no início do ano, na presença do advogado Marcos Vinícius Furtado Coelho, presidente do Conselho Federal.

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REPORTAGEM

Administração da obra

A obra é administrada pela OAB-CE, de forma que é possível economizar aproximadamente 20 % do custo que teria com a contratação de uma empresa terceirizada, explica o vice-presidente Ricardo Bacelar. "Temos o próprio engenheiro. Estamos conseguindo construir depois de uma luta muito grande, com a mobilização de todas as comissões da OAB". A Comissão de Acompanhamento da Obra da Nova Sede, criada pela Portaria 1/2013, é presidida pelo Secretário Geral da entidade, o advogado Jardson Cruz. Também engenheiro civil e administrador de empresas conduz o trabalho de verificação das publicações no Portal da Transparência e analisa a evolução das atividades no canteiro de obras.

Captação de recursos

O volume de recursos captados para viabilizar o projeto inclui os R$ 4 milhões repassados pelo Conselho Federal e a indenização de R$ 3,5 milhões obtida com a desapropriação do prédio da OAB, localizado na avenida Pontes Vieira.

COMISSÃO DE ACOMPANHAMENTO DA OBRA DA NOVA SEDE Presidente: Jardson Saraiva Cruz, advogado e Diretor Secretário Geral da OAB Ceará. Vice-presidente: Marcelo Mota Gurgel do Amaral, advogado e Diretor Tesoureiro da OAB Ceará. Secretário: Pedro Bruno Amorim e Vasconcelos, advogado, Conselheiro Seccional/OAB Ceará e presidente da Comissão Direito Desportivo. Membros: Raimundo Bezerra Falcão, advogado, professor e ex-presidente da OAB Ceará. José Maria Rios, advogado e ex-Conselheiro Federal da OAB. Carlos Rodrigo Mota da Costa, advogado, Conselheiro Seccional/OAB Ceará e presidente da Comissão Direito Imobiliário

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OPINIÃO “A excelência do projeto arquitetônico e a qualidade da obra representa um avanço considerável”, declara o advogado Sabino Henrique. Ele destaca a nova sede como relevante para associados e cidadãos de uma maneira geral, que terão conforto e praticidade, ao buscar os serviços da OAB-CE, em um ambiente sustentável. Para o advogado Paulo Franco Lima, a concentração de serviços na nova sede é relevante para assimilar o que está a disposição do advogado, diante da rotina assoberbada de funções. Ressalta a estrutura como a mais eficiente e moderna para “ o pleno exercício da advocacia, notadamente aos profissionais vindos do interior”.

Memória e História da OAB-CE No ano de 1933, os advogados Edgar Cavalcante de Arruda, José Martins Rodrigues e Clodoaldo Pinto se reúnem para instalar a seccional do Ceará, no Solar do Pachecão, à Praça do Ferreira, em Fortaleza. O prédio é considerado a primeira sede da entidade. Posteriormente, a Diretoria da OAB-CE se instalou em diferentes endereços do centro histórico, como a Associação dos Funcionários Públicos do Estado, o Edifício da Corte de Apelação, o Excelsior Hotel, a Secretária de Segurança Pública e a sede do Clube do Advogado. Para preservar essa história, a OAB-CE tem o intuito de integrar um espaço de memória, na Nova Sede, de forma que as próximas gerações conheçam o ponto de partida da advocacia cearense. Uma das iniciativas foi a retirada de placas de bronze da sede Luiz Cruz de Vasconcelos, além da catalogação do acervo fotográfico e bibliográfico.

Luiz Cruz de Vasconcelos inicia a conquista de sedes próprias da entidade A primeira sede foi edificada em 1984, na avenida Pontes Vieira e é importante ressaltar que o advogado Luíz Cruz de Vasconcelos chegou, ele próprio a carregar cimento, areia e tijolos, relata o presidente Valdetário Monteiro. A unidade localizada à rua Lívio Barreto foi a segunda sede própria.Viabilizada em 1997, pelo então presidente do Conselho Federal Ernando Uchoa, em parceria com o advogado Cândido Albuquerque, à época presidente da OAB-CE, será desativada para otimizar custos. ”Nasceu apertada e sem vagas de estacionamento, apesar do subsolo, aos poucos ocupado pelo administrativo", explica o

atual Presidente. Em 2010, o projeto de expansão da unidade foi surpreendido pela Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (SEUMA) de Fortaleza, com a desapropriação para a construção de um viaduto e do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). "A SEUMA disse que poderíamos utilizar apenas 390 metros dos 3 mil de área total", explica o tesoureiro Marcelo Mota. No local, funcionavam a Escola Superior de Advocacia (ESA), o Centro de Apoio e Defesa ao Advogado e Advocacia (CADAA) e a Academia Cearense de Letras Jurídicas (ACLJ).

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ARTIGO MARIA BERENICE DIAS, Advogada e Vice-Presidenta Nacional do IBDFAM www.mbdias.com.br www.mariaberenice.com.br www.direitohomoafetivo.com.br www.estatutodiverisdadesexual

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Acabaram os juízes a assumindo a responsabilidade de assegurar direitos às novas estruturas familiares que surgiram a partir das mudanças de paradigmas. Foi assim com o reconhecimento do concubinato, que acabou chamado de união estável. Foi assim também com as uniões homoafetivas. ”.

Família ou famílias“s”? O

sonho do amor eterno, na pobreza, na doença e na tristeza - se é que um dia existiu - acabou! O chamado débito conjugal, que servia para impor a procriação, até a morte, também. Quando isso ocorreu, até não se sabe, mas se consegue identificar um punhado de causas. Talvez o mais significativo foi ter a mulher de objeto de desejo tornado-se sujeito de direitos. Surgiram os métodos contraceptivos, caiu o tabu da virgindade, a engenharia genética opera milagres. Agora para ter filhos, não é preciso ter um par e nem fazer sexo. Estas mudanças precisam ser reconhecidas. Não só pela sociedade. Também pelo Estado. A forma é inseri-las no sistema jurídico, através de leis que retratem e regulamentem a vida como ela é. Não há outra maneira de fazer justiça senão retirando da invisibilidade quem encontrou formas de amar que só fazem bem e não prejudicam ninguém. Enquanto tal não acontece, o jeito é bater às portas do Poder Judiciário. Acabaram os juízes a assumindo a responsabilidade de assegurar direitos às novas estruturas familiares que surgiram a partir das mudanças de paradigmas. Foi assim com o reconhecimento do concubinato, que acabou chamado de união estável. Foi assim também com as uniões homoafetivas. Tudo isso graças à constru-

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ção de todo um arcabouço centrado na ética das relações de convívio. A partir de tais mudanças é que se reconheceu a filiação socioafetiva, como geradora de direitos e o dano afetivo a impor obrigações. Como todos estes avanços precisam ser consolidados em lei, o IBDFAM – Instituto Brasileiro de direito de Família, apresentou Projeto de Lei (PL 2.285/2007), que foi aprovado pela Câmara dos Deputados, mas foi barrado seu encaminhamento ao Senado. A solução foi atualizar e reapresentar o Estatuto das Famílias no Senado Federal (PLS 470/2013). Certamente com o propósito de induzir em erro os menos avisados, foi apresentado o Estatuto da Família (PLC 6.583/2013), que, de forma para lá de retrógrada define entidade familiar como a união entre um homem e uma mulher. A tentativa de engessar a família dentro deste conceito, além de flagrantemente inconstitucional, significa descabido retrocesso. Às claras que a intenção é impor um moralismo encharcado de preceitos religiosos, criando inclusive conselhos da família, perigoso mecanismo de controle estatal no âmbito das relações familiares. Algo para lá de injustificável, em tempos de respeito ao direito à felicidade.


ARTIGO CONRADO PAULINO DA ROSA, Advogado. Mediador de conflitos. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM / Seção RS. Doutorando em Serviço Social – PUCRS. Mestre em Direito pela UNISC, com a defesa realizada perante a Università Degli Studi di Napoli Federico II, na Itália. Professor do UNIRITTER e FADERGS Laureate Universities. Coordenador da Pós-Graduação em Direito de Família Contemporâneo e Mediação da FADERGS. Autor do livro “Nova Lei da guarda compartilhada”, lançado pela editora Saraiva, 2015. www.conradopaulinoadv.com.br

Guarda compartilhada e guarda alternada: não dá para confundir! T

oda a vez em que, ao longo de nossa vida, realizamos a entrega de algo que é valioso para alguém, a utilização da expressão “guarde bem isso” é inevitável. Assim, podemos verificar que, desde a rotina diuturna até as mais complexas situações jurídicas, o que se encontra inserido no termo “guarda” é a necessidade de cuidado, atenção em relação a algo que necessita de especial atenção. No âmbito do direito de família o sentido da terminologia e, acima de tudo, a sua finalidade, expressa a complexa rede de proteção de necessária aos cuidados das crianças e adolescentes. Os filhos, em razão de sua fase de desenvolvimento, necessitam de segurança e estabilidade para que, na vida adulta, possam repetir bons modelos parentais nos cuidados com sua prole. O Código Civil Brasileiro (Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002) entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003 e, em sua redação original, trazia apenas a modalidade de guarda como a atribuída a apenas um dos pais. Conforme a redação originária do CCB, no artigo 1.584, sem que houvesse entre as partes acordo, quando da dissolução da união, quanto à guarda dos filhos, será ela seria atribuída a “quem revelar melhores condições para exercê-la”. Falar de guarda compartilhada no direito brasileiro não é novidade há, pelo menos, seis anos. Isso porque desde 2008, quando da edição da Lei 11.698, temos essa possibilidade prevista em nossa codificação civil. Contudo, desde então, o instituto foi reiteradamente confundido com a guarda alternada, que sequer tem possibilidade de ser fixada em nosso ordenamento jurídico. De forma equivocada, falava-se em divisão estanque do tempo em cada uma das casas, como se o filho passasse a ter sua mochila como o único lugar seguro na sua vida. Justamente para evitar esse quadro, em 22 de dezembro de 2014, foi sancionada a Lei 13.058/2014. Entre outras alterações, a nova legislação alterou a redação do artigo 1.584 § 2º do Código Civil Brasileiro, passando a estabelecer que: “mesmo quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será instituída a guarda compartilhada”.

Com a nova redação do Código Civil, nada se alterou quanto as possibilidades de determinação de guarda: ou ela será unilateral – ficando um dos pais com o poder de decisão a respeito das diretrizes da vida do filho – ou compartilhada quando, de forma conjunta, ambos os genitores tomarão as decisões quanto a escolaridade, saúde, lazer e demais deliberações que cabem aos pais e que são inerentes à vida de uma criança. A fixação de qual das residências a prole irá residir, ou seja, com qual dos genitores ficará a custódia física, é consequência direta do estabelecimento do compartilhamento da guarda, podendo acontecer, inclusive, segundo a nova redação do Código Civil, que os pais residam em Cidades diferentes. Nesse caso, a “cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos” (1.583 § 3° CC). Um dos genitores continuará pagando pensão alimentícia para o custeio das despesas do filho e, além disso, o tempo de convivência dos filhos deverá ser “dividido de forma equilibrada entre a mãe e o pai”. Imperioso ressaltar, nessa esteira, de que guarda e convivência são institutos distintos. Embora comumente confundidos, o primeiro diz respeito ao modo de gestão dos interesses da prole – que pode ser de forma conjunta ou unilateral – e o segundo, anteriormente tratado como direito de visitas, versa sobre o período de convivência que cada genitor ficará com os filhos, sendo necessária a sua fixação em qualquer modalidade de guarda. A expressão equilíbrio não induz a períodos iguais e estanques. O que se busca com a nova Lei é evitar convivências restritas a finais de semanas alternados. Destarte, imperioso ressaltar que o compartilhamento da guarda, a partir de agora, passa a ser regra geral nos litígios familiares e deve ser aplicado mesmo nos casos em que exista o litígio e esse, por certo, é um dos grandes avanços da normativa. Bom senso e cooperação seriam sentimentos necessários em todas as etapas de criação dos filhos e, caso eles não estejam presentes, o Judiciário – uma vez chamado para interferir na ótica privada – deve resguardar esses anseios em prol daqueles que são titulares de proteção integral.

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ARTIGO ANA CAROLINA CARPES MADALENO, Advogada, atuante na área de Direito Sistêmico de Família e Sucessões, sócia do Escritório Madaleno e autora do livro Síndrome da Alienação Parental, importância da detecção. Aspectos legais e processuais.

O Direito Sistêmico e a Alienação Parental, novas possibilidades. É

notória a intensa rivalidade e o domínio do masculino sobre o feminino, onde as mulheres se encarregam dos filhos e os homens do sustento. Porém, atualmente parece haver uma nova configuração se alinhavando, com as mulheres - ainda que sem iguais condições, mas em grande número - tomando o mercado de trabalho e os homens buscando seu novo papel. O pai agora parece não possuir um lugar nem na família nem na sociedade, pois as mulheres já sustentam seus próprios lares, cuidam da prole, escolhem até mesmo criar os filhos sem a presença do genitor, sendo assim, atualmente este conflito parece buscar novas formas e estes pais e mães sem mais papéis definidos querem interagir em novos ambientes. Nestes novos tempos, os pais buscam uma maior aproximação com os filhos e as mulheres buscam sua maior independência através de suas carreiras, mas, nem todos estes novos interesses ocorrem no mesmo tempo e no mesmo local, dando origem a diversos conflitos, entre eles, a chamada Alienação Parental que a cada dia ganha mais força ante a ausência de tomada de medidas pelo Judiciário, ainda firmemente calcado na supremacia da genitora, acerca deste tema. Estas condutas geralmente tem seu estopim após a separação de um casal e a consequente disputa judicial pela guarda dos filhos e alimentos - momento no qual sentimentos como os de rejeição, abandono e raiva são aflorados, sentimentos estes que muitas vezes sequer tiveram sua origem no casamento ou no relacionamento, mas sim em tenra idade, ainda na formação da personalidade do indivíduo. É também bastante comum a presença da alienação ou exclusão de um genitor ainda durante o casamento, são geralmente aqueles pais que buscam a atenção do filho só para si ou um aliado contra o outro genitor.

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A Alienação Parental é uma campanha liderada principal, mas não exclusivamente, pelo genitor guardião em desfavor do outro, onde a criança ou adolescente é literalmente programada para odiar, sem justificativas plausíveis, o alienado e/ou sua família, causando assim, uma forte dependência e submissão do menor com o alienante. Este processo é lento e gradual, sendo muitas vezes tão sutil que é quase impossível detectá-lo. Tal campanha pode se dar de diversas formas, geralmente iniciando com comentários até mesmo inocentes, mas que destroem a imagem do alienado e fazem com que a criança se sinta insegura em sua presença, como por exemplo, o simples fato de amedrontar a criança dizendo para que se cuide e telefonar caso não se sinta bem na outra casa. Ou ainda, criar sempre uma programação melhor no dia da visitação para que o filho realmente não queira ver o outro pai, ameaçar a prole ou mesmo contra sua própria vida quando o filho demonstra carinho e interesse pelo alienado, ou seja, o rol de exemplos é infinito, porém acaba sempre caindo no lugar comum, geralmente o alienante faz parecer estar disposto a colaborar, mas na prática sempre ocorrem situações em que o menor é impedido deste contato. Também acontece, em sua maioria, de forma gradativa sendo classificada em etapas ou estágios, sendo eles o leve, moderado e grave. A Lei nº 12.318/10 é um grande avanço no sentido de reconhecer esta prática, antes tida como normal, uma vez que o detentor da guarda era praticamente o dono do filho e o visitante se contentava com uma rápida aparição a cada quinze dias, pois assim não atrapalhava sua nova vida. Com medidas que vão de multas à troca da guarda, a Lei da Alienação Parental é muito válida, porém, não muito eficaz, pois sua aplicação ainda é escassa no Judiciário, isto em virtude da


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falta de preparo, do desconhecimento tanto dos atos quanto das consequências da alienação em uma família, principalmente aos menores, ou ainda em razão do receio de decisões precipitadas ou errôneas em tais casos que muitas vezes são permeados por acusações de abuso até mesmo sexual. É necessária uma equipe multidisciplinar treinada especificamente para detectar a Alienação Parental e diferenciar a dinâmica das falsas alegações de abuso das reais, pois como se depreende da lição da psicóloga Andreia Calçada1, em cada sugestão, mesmo com o intuito de ajudar, pode ser acrescido um novo detalhe a uma história inverídica, pois a criança desde muito pequena aprende a ler com clareza os sinais não verbais e faz exatamente aquilo que esperam dela ou aquilo que lhe faça ser mais aceita. Atualmente os operadores do Direito encontram sérias dificuldades tanto no cumprimento da Lei nº 12.328/10 quanto na própria detecção da Alienação Parental, mesmo tão comentada, tal situação parece não encontrar soluções práticas, apenas mais conflito e mais crianças em situações de desespero como joguetes nas mãos de adultos, sendo imprescindível a busca por novas formas de atuação, seja em terapia, mediação ou na própria conscientização de que a Alienação

Parental existe e causa danos gravíssimos aos envolvidos. Um novo modo de pensar o Direito encontra agora seu espaço, o chamado Direito Sistêmico, cuja principal característica é a visão do indivíduo não de forma isolada, mas sim inserido em diversos sistemas, sendo o primeiro e mais importante, a família, bem como suas relações e interações. Para tal, utiliza-se de métodos que buscam a raiz dos conflitos e a tomada de responsabilidade por parte dos envolvidos, um destes métodos é a chamada Constelação Familiar - uma inovadora técnica terapêutica fenomenológica breve, mas com efeitos profundos, difundida e aprimorada por Bert Hellinger2, filósofo, teólogo, pedagogo e terapeuta alemão que ao longo de sua vida detectou três leis ou ordens que regem os sistemas e, tal qual a lei da gravidade, atuam nos indivíduos e suas relações, de forma inconsciente e percebida principalmente por padrões que se repetem. De forma resumida, estas leis dizem respeito à hierarquia, ou seja, cada um tem seu papel na família; ao pertencimento, no qual todos tem o direito de pertencer ao sistema e por fim, ao equilíbrio nas relações. A observação destas leis ou também chamadas ordens naturais demonstrou que a sua quebra gera consequências, no caso da Alienação Parental - que é a clara exclusão de um membro familiar, ou seja, ele literalmente perde seu direito de pertencer àquela família – isto implica em uma série de problemas de relacionamento ou mesmo doenças. As crianças por necessitarem deste pertencimento de ambos os pais sofrem uma grande crise de lealdade, além de sentirem esta rejeição como algo pessoal, pois entendem em seu íntimo que são a junção destes dois seres – pai e mãe - no momento que um ataca o outro, para a criança, é a prova de que parte dela não é boa o suficiente e é igualmente atacada, ainda que de forma velada ou indiretamente. O Direito Sistêmico, ao reconhecer estas ordens naturais observadas por Bert Hellinger, busca detectar em que momento foram quebradas, restabelecendo assim a ordem nos relacionamentos e trazendo alívio aos conflitos por demonstrar suas reais causas, sem buscar culpados, apenas fatos, o que ameniza os ânimos já acirrados por inúmeras acusações e agressões mútuas, facilitando o diálogo entre as partes. Sendo, desta forma, um novo olhar sobre os mesmos problemas, um olhar que inclui ao invés de excluir.

1 CALÇADA, Andreia. Perdas Irreparáveis. Alienação Parental e Falsa Acusações de Abuso Sexual. Rio de Janeiro:Publit, 2014.

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A Alienação Parental é uma campanha liderada principal, mas não exclusivamente, pelo genitor guardião em desfavor do outro, onde a criança ou adolescente é literalmente programada para odiar, sem justificativas plausíveis, o alienado e/ou sua família, causando assim, uma forte dependência e submissão do menor com o alienante.”

HELLINGER, Bert. As Ordens do Amor. São Paulo:Cultrix, 2007.

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ARTIGO

MANOELA QUEIROZ BACELAR, Advogada, Mestre em Direito, Sócia do Queiroz Bacelar Advogados e Consultores Associados

Notas sobre empresa familiar e governança “U

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ma mãe é capaz de manter dez filhos, mas nem sempre dez filhos são capazes de manter uma mãe”; “Pai rico, filho nobre, neto pobre”; “Dos estábulos às estrelas aos estábulos”; “Mangas de camisa a mangas de camisa em três gerações”; “De tamancos a tamancos em três gerações”; “As riquezas nunca se mantêm por três gerações”.1 Vários países assistem às histórias de ascensão e queda de empresas familiares2. Não à toa, tantos são os provérbios vaticinando o universo das famílias empresárias no que toca sua temporalidade. São ditos e repetidos, através das gerações e para as gerações, notadamente em seminários específicos sobre o tema que interessa, diretamente, 2/3 das empresas no mundo. O objetivo não é agourar, mas conscientizar fundadores, gestores, acionistas, herdeiros, familiares e executivos da necessidade de racionalizar, sistematizar e preparar esse modelo organizacional, tão peculiar, quanto desafiador. Uma teoria bastante disseminada sobre a dinâmica da empresa familiar foi desenvolvida por John Davis3, catedrático da Universidade de Harvard. A doutrina pressupõe três círculos representativos da realidade que envolve as instâncias de qualquer empresa familiar: (1) família, (2) propriedade ou sociedade, (3) empresa, negócio ou gestão. Essa abstração contempla áreas de interseção total, com temas comuns; áreas de interseção parcial e áreas exclusivas, com assuntos pertinentes a uma só instância. A relação harmônica entre os três círculos permitiria o equilíbrio necessário ao desenvolvimento saudável da empresa familiar. Como garantir a relação harmônica das instâncias? Quais as ferramentas disponíveis para tanto? Qual

o papel do consultor jurídico em questões dessa natureza? Uma ferramenta que pode contribuir para a longevidade das corporações familiares (e não familiares) é a governança corporativa4, sistema que tem como princípios essenciais (1) transparência, (2) equidade, (3) prestação de contas e (4) responsabilidade corporativa. A rigor, esses princípios irradiam regras de freios e contrapesos dentro da companhia, propiciando um clima interno de confiabilidade que ecoa externamente e, com isso, otimiza o valor da organização no longo prazo. Pode soar um tanto simplista num primeiro momento, mas um dos requisitos para acesso a capital e expansão do negócio é ter uma governança forte, bem desenhada e com bom funcionamento; o que demanda vontade, planejamento, compromisso e exercício com disciplina5. A governança define e sistematiza o processo decisório e, portanto, esclarece as relações entre sócios6, conselho de administração, executivos, diretores, colaboradores em geral; com repercussões no ambiente externo à organização, perante fornecedores, clientes, parceiros, poder público, enfim, todas as partes relacionadas7. Na empresa familiar, a governança ganha novas cores e novos olhares em função de componentes emocionais, simbólicos e afetivos, presentes nas instâncias da organização. Ou seja, os familiares, além de possuírem laços de afeto entre si, são, ao mesmo tempo, sócios e, em algumas situações, trabalham no negócio. Daí, uma outra indagação: que chapéu usar em dada circunstância – familiar, só-

1 “Dalle stalle alle stelle alle stalle”, para os italianos; “Shirtsleeves to shirtsleeves in three generations”, para os ingleses; “Padre bodeguero; hijo millionario; nieto pordiosero”, para os mexicanos; “De tamancos a tamancos em três gerações” e “Fu bu guo san daí”, para os chineses.

5 Exemplar no quesito disciplina, a família Moraes (Grupo Votorantim) foi premiada em 2005 como a melhor empresa familiar do mundo pelo IMD-LODH Award, promovido pelo instituto suíço IMD Business School.

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Como empresa familiar entende-se aquela em que uma família detém o controle.

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In: http://johndavis.com/

7 Stakeholders ou partes que assumem algum grau de risco nas relações com a organização empresarial e o negócio.

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4 O Instituo Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC desenvolve estudos e oferece vasta gama de cursos e publicações sobre a temática da governança corporativa para diversos setores.

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Shareholders ou proprietários do capital.


cio ou gestor? A justaposição de funções ou de papéis pode representar uma vulnerabilidade, sanável ou mitigável pela governança e pela preparação de acionistas e herdeiros. O aprendizado conduz o familiar a compreender o significado de sua responsabilidade na geração de valor. Identificar o nível de propensão a conflitos e as áreas sensíveis é ponto importante na construção da governança corporativa, familiar e, consequentemente, jurídica, cujo objetivo central é segregar e definir alçadas, atribuições, funções e processos decisórios. A governança educa, no sentido de consolidar conhecimentos e internalizar condutas que preparam os familiares para a realidade da empresa familiar. Tudo isso sem perder a alegria de ser família, sem perder o sentimento de pertencimento, sem olvidar a memória e a história dos fundadores, a contribuição das gerações passadas e o núcleo de valores compartilhados por aquele grupo de pessoas. O trabalho inicial de implantação da governança é um processo de médio prazo. No entanto, o aprendizado nunca se perfaz. A cada revisão periódica das escolhas revelam-se a dinamicidade da empresa e a impermanência das necessidades. A organização, acompanhada por consultores especializados, segue cada etapa do trabalho e, em determinados momentos, decisões são tomadas e documentos são gerados. Nesses estágios, há a necessidade premente de assessoria jurídica. O aconselhamento jurídico visa adequação de linguagem, verificação da compatibilidade do conteúdo produzido com a legislação aplicável e exame das consequências jurídicas que podem advir da assunção de compromissos. Assim, tem-se, no bojo do trabalho de governança, uma porção importante destinada ao consultor jurídico, a quem cabe a formação e a formatação da chamada governança jurídica. Direto de família e de sucessões, societário, empresarial e tributário são ramos cujos temas aparecem nas análises de governança, sem prejuízo de outros ramos a depender da situação concreta. Zelo, cautela e prevenção são essenciais na empresa familiar, quando da construção da governança e da composição de suas estruturas, como conselho de administração, conselho de família, conselho de sócios, entre outros. Bem assim, na confecção de documentos como acordo de sócios, código de conduta, reestruturação societária, escolha

do regime de bens, testamentos, contratos de namoro, entre outros, o aconselhamento jurídico é imprescindível. Ao lado de questões centrais que preocupam qualquer corporação, tais como mercado, inovação, gestão de talentos, tecnologia da informação, estratégia, risco, sucessão, capital, modelo de negócio, sustentabilidade, eficiência e investimentos, a família empresária lida, ao mesmo tempo, com questões de natureza diversa, que podem repercutir nefastamente na gestão, nas relações societárias e nos vínculos familiares. Morte, doenças graves ou incapacitantes, divórcios, guarda de menores, conflitos de sócios e refregas por poder são fatores de vulnerabilidade que ganham outra dimensão nas organizações familiares e que não podem prescindir do viés jurídico para o deslinde mais adequado e menos arriscado. De outro lado (nem tudo está perdido!), há dados muito alvissareiros: (a) pesquisas apontam que empresas familiares apresentam melhor desempenho no logo prazo, (b) são mais atrativas para colaboradores e (c) podem ser mais ágeis em momentos de crise8; (d) grande parte do PIB global é gerado por empresas familiares; (e) segundo a mais recente pesquisa da PWC (2014)9, as empresas familiares no Brasil expandiram mais do que a média global. Eis algumas constatações que traduzem a força e a pujança das empresas familiares! Perpetuar o legado material e imaterial é o maior desafio para as famílias empresárias e passa, necessariamente, pela preparação das gerações futuras – mãos, mentes e espíritos que recebem essa missão. Parafraseando o advogado James E. Hughes Jr., sexta geração de uma família norte-americana ligada à prática jurídica, “a riqueza de uma família consiste no capital humano e intelectual de seus membros. O capital financeiro da família é a ferramenta que sustenta o crescimento desse capital humano e intelectual”10. Conciliar essas três dimensões do capital e articulá-las com as dimensões da governança é uma chave para a perpetuação do valor nas organizações familiares. 8

Dados divulgados em seminários sobre o tema. Cf. HSM Family Business.

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Pesquisa realizada com empresas familiares em mais de 40 países.

10 Hughes, James E. Riqueza familiar: como manter o patrimônio por gerações. Tradução Vânia Buchala, André Setti e Eliana Alckmin. São Paulo: Saraiva: Letras e Lucros, 2006, p. 13.

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ARTIGO ROLF MADALENO, Advogado em Porto Alegre e São Paulo. Professor de Direito de Família e Sucessões na PUC/RS. Diretor Nacional do IBDFAM. Conselheiro Federal OAB/RS. Autor do Curso de Direito de Família, 6a edição, editora Forense.

A presunção de paternidade pela recusa N

o plano instrumental a recusa imotivada do investigado em submeter-se ao teste em DNA representa forte indício da paternidade ou maternidade, capaz de conduzir à procedência da demanda por presunção absoluta, alcançado 100% de certeza, tão só pelo comportamento omissivo do investigado, quando, em realidade, deveria apenas conformar mais um elemento de prova a ser confrontado com outras informações processuais, onde o comportamento processual da parte é valorado, porquanto, a negativa somada a outras provas, autoriza sim, o juiz a sentenciar contra o investigado, à semelhança de uma confissão ficta. Não há como superar os demais meios de prova em troca apenas da presunção da paternidade pela recusa de submeter-se ao exame genético; por isso, nunca a negativa ao exame poderá ser suficiente para interpretar em favor da paternidade, sendo essencial confrontá-la com o restante da prova tradicional, pois tão só a recusa não significa reconhecer a procedência da investigatória, sem nenhum outro dado de prova, apenas calcada na negativa do investigado. Deve, sim, prevalecer a extrema cautela diante desse impulso processual de ordenar a imediata realização da perícia em DNA e que tem sido prática corriqueira no Judiciário de determinar de plano a perícia genética, e de levar à consequência de ser pai por presunção quem se nega sem causa justificada à prova pericial, incorrendo em súbita confissão ficta. Tal resistência não passa de um indício a ser apreciado pelo julgador no exame conjunto das provas, unindo ao que ademais foi apurado na demanda a despeito da coincidência temporal das relações sexuais com a concepção; assim como a existência de caracteres antropológicos entre o acionado e o investigante, dentre outra interminável e ampla sede probatória, valorizando e apreciando a prova judicial no seu conjunto, para, sob esse prisma, sim, ser realmente capaz de permitir ao julgador associar o ato de recusa ao exame, como sério indício de paternidade, tudo tendo sido posto em confronto com os demais meios

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probatórios amplamente oportunizados às partes. A legislação brasileira carece de regras regulamentando os exames biológicos de paternidade ou de maternidade, onde toda a sorte de profissionais e de laboratórios habilitados pesquisam cientificamente os vínculos genéticos humanos pelo DNA, em território de livre-atuação, como é de domínio público, numa prática que vai de encontro ao rigor e à transparência que devem atestar o progresso da ciência médica. Legítimo o direito de oposição ao exame direto de DNA, quando a perícia não reúne elementos suficientes de seriedade e, pois, dessa transparência ressentem-se aqueles laboratórios que não operam com pessoal técnico capacitado, apto a superar todos os pressupostos de pesquisa preestabelecidos, utilizando a quantidade mínima de marcadores recomendada e trabalhando com tábuas populacionais próprias da raça mista que compõe a população brasileira, e não de amostragens importadas. Existem outros elementos que fragilizam a capacidade probatória dos testes de DNA, como a possibilidade de mistura ou degradação do material biológico a analisar, assim como eventuais erros na transcrição gráfica dos perfis genéticos e com a possibilidade de um mesmo indivíduo produzir diferentes representações gráficas com pequenas diferenças. Zulmar Vieira Coutinho, professor de medicina legal na Universidade Federal de Santa Catarina afirma que para ser admitido o resultado final de um teste como verdadeiro é preciso que “a instituição, para ser qualificada e reconhecida para fazer teste através do DNA, tem de ter nível científico, controle de qualidade, programa de teste de qualidade e experiência e, por sua vez, o método utilizado para ser reconhecido como válido tem de ser um método já publicado em revistas científicas ou realizado por, pelo menos, dois grupos científicos diferentes, de aplicabilidade demonstrada com amostras simples e de confirmação a qualquer momento por outro laboratório.”1 1 COUTINHO. Zulmar Vieira. Exames de DNA, probabilidades de falsas exclusões ou inclusões: 100%? Florianópolis: OAB/SC, 2006. p. 51.


Os artigos 231 e 232 do Código Civil brasileiro regulam a presunção legal de paternidade diante da recusa ao exame médico, sendo esses dois dispositivos induvidosamente endereçados às perícias em DNA formuladas nos processos de investigação de paternidade ou de maternidade, ou nas denominadas ações de investigação da parentalidade. Entretanto, a recusa ao exame de perícia genética em DNA não pode levar à presunção da paternidade com essa força absoluta preconizada pela Súmula n. 301 do STJ, especialmente diante das possibilidades de equívoco em seu resultado e necessidade de conjunção com os outros meios lícitos de prova ampla e constitucionalmente garantidos em Direito, devendo a recusa ser avaliada com extrema cautela. Essa noção de que a recusa ao exame em DNA não se constitui em presunção absoluta e na rainha das provas, criou corpo e independência com o advento do parágrafo único do artigo 2°, da Lei n. 12.004, de 29 de julho de 2009, a qual alterou a Lei n. 8.560/1992, e passou a regular a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento. Conforme o citado parágrafo único da Lei n. 12.004/2009 a recusa do réu em se submeter ao exame de código genético – DNA, só gerará a presunção de paternidade depois de apreciada em conjunto com o contexto probatório, deixando a negativa de se constituir em uma prova soberana e preponderante, sob a desculpa de que a injustificada recusa do investigado em realizar a perícia genética constituiria por si só um fundamento suficiente e verossímil para assinalar o acionado como pai. Portanto, na nova intelecção do Código Civil, da Súmula n. 301 do STJ, e da Lei n. 12.004/2009, só incidirá a presunção de paternidade ou de maternidade quando, diante da recusa injustificada ao exame médico de DNA, já houver alguma prova mínima de verossimilhança entre o relato da petição inicial e os fatos aprioristicamente demonstrados, pois não pode existir lugar para exigir a prova biológica sem antes o autor demonstrar por qualquer meio de prova que o fato da filiação demandada é viável, demonstrando, pelo menos, que teriam existido relações íntimas entre a mãe e o indigitado pai ou o tratamento paterno-filial entre as partes. A recusa nem sempre será indício de admissão de paternidade, como comodamente sugere a Súmula n. 301 do STJ e cuja falha parece ter sido corrigida com a edição da Lei n.

12.004, de 29 de julho de 2009, que acrescentou o artigo 2ª à Lei n. 8.560/1992 e cujo parágrafo único estabelece deva a presunção da paternidade, quando gerada da recusa em se submeter ao exame de código genético ser apreciada em conjunto com o restante do contexto probatório. Evidentemente guarda muito mais peso a negativa de um pai que está vivo e que se recusa a realizar o exame de DNA, do que outras pessoas ligadas aos fatos e ao processo, e que resistem igualmente à realização da perícia genética. Outros valores se sobrepõem e podem ser suficientes para retirar a presunção de negativa de paternidade do ato de recusa de um filho ao exame em DNA, não permitindo inferir que essa atitude passiva dê, de plano, margem judicial à presunção de inexistência ou de existência da filiação, pois sequer existe uma lei brasileira que sancione a paternidade pela presunção de negativa do filho; da mãe; ou de outros parentes, em se submeterem ao exame pericial de DNA, embora o artigo 232 do Código Civil determine que a recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame. Como a Lei n. 12.004, de 29 de julho de 2009 estabeleceu que apenas a recusa do réu pode gerar a presunção de paternidade, não havendo nenhum dispositivo determinando que a negativa de suposto filho ou de outros parentes também implique supor presente ou ausente a filiação biológica, deixando evidente que apenas a recusa do indigitado pai induz à presunção, se faz emergencial a aprovação do Projeto de Lei do Senado n. 415/2009, e que tramita no Congresso Nacional, cujo propósito, é de também permitir a presunção juris tantum de paternidade no caso de recusa por parentes do suposto pai, contudo, sem esquecer as conquistas já alcançadas de preceder alguma prova mínima de verossimilhança entre o relato da petição inicial e os fatos demonstrados, pois não pode existir lugar para exigir a prova biológica sem antes o autor demonstrar por qualquer meio de prova que o fato da filiação demandada é viável, demonstrando, pelo menos, que teriam existido relações íntimas entre a mãe e o indigitado pai ou o tratamento paterno-filial entre as partes, assim convencendo juiz e aos parentes acionados em substituição processual, de serem fortes os indícios de parentalidade, e que somente o derradeiro exame em DNA trará o veredicto apaziguador das almas inquietas pela verdade colacionada dentro dos preceitos constitucionais da mais ampla defesa.

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ENTREVISTA

Marcos Duarte | O Novo Código do Processo Civil

MARCOS DUARTE:

doutrinador cearense com atuação internacional no Direito de Família O Dr. Marcos Venícius Matos Duarte é pioneiro no Brasil em pesquisas relacionadas a subtração internacional de crianças. Dedicado ao Direito de Família, o doutrinador cearense debate questões de guarda, tutela, pensão alimentícia, herança, parentalidade, divórcio e patrimônio, através dos eventos que realiza com a participação de colegas advogados, promotores e magistrados.

P

residente da Comissão de Direito de Família da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Ceará, presidiu no Estado, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), até 2013. É pós-graduado em Comunicação Social e autor dos livros "Direito das Famílias", "Panoramas do Judiciário" e "Alienação Parental". Em entrevista à Leis&Letras abordou as implicações do Novo Código do Processo Civil (CPC) e questionou os rumos do do sistema de justiça brasileiro em decisões do Direito de Família. Leis&Letras: A Lei da Guarda Compartilhada data de 2008 mas a legislação, praticamente, não é aplicada. A que se deve o contexto ? Marcos Duarte: A Lei da Guarda Compartilhada não tem aplicabilidade. Torná-la preferencial no fim de 2014 foi um grande equívoco, fruto do interesse de entidades de pais e da vontade de imitar a Alemanha e os Estados Unidos. Até esses países estão repensando e fazendo o caminho de volta. A relação mãe e pai é funcional. Mais sistêmica do que de papéis pré-determinados. O rompimento do casal com uma carga muito grande de litígio gera uma guarda alternada e não compartilhada. Existe muita confusão por parte do legislador, do intérprete da lei e de advogados. No Ceará, por exemplo, se não for através de um acordo, juiz nenhum dá uma guarda compartilhada porque não resolve nada. Eu nunca vi !!!! Olhe que eu estou todos os dias no fórum !!!

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Leis&Letras: Quais questões tornam a Lei da Guarda Compartilhada inaplicável ? Marcos Duarte: Nós temos uma cultura muito adversarial entre os pais, principalmente no Nordeste do Brasil. A lei veio com a carga de tentar dividir o poder. Antes de ser uma solução de interesse do filho, é uma disputa, fruto da dificuldade do casal em lidar com os lutos, decepções e os desencantos da separação. Nenhuma lei ou norma resolve problemas emocionais. É uma questão muito mais para o psicólogo. O juiz é a pessoa menos indicada para resolver a questão. É um terceiro não familiarizado com as dificuldades de perda que fará uma imposição muito generalista e prejudicial. Leis&Letras: Então, temos um judiciário despreparado para resolver questões de família ? Marcos Duarte: Sim !!!! Despreparado tecnicamente e estruturalmente, sem apoio interdisciplinar. As Varas de Família são todas da justiça estadual e estão muito mal no Brasil. Eu advogo no interior do Pará, em São Paulo, Ceará, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Brasília. A realidade é uma só. Existe uma falência do sistema de justiça no Brasil. O juiz não decide mais nada, não instrui o processo e não dá uma liminar ou uma decisão interlocutória. A mediação não funciona. É tudo lindo enquanto instituto doutrinário mas, não temos cultura, nem estrutura. Os juízes praticamente obrigam as partes à entrar no acordo.


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ENTREVISTA

Marcos Duarte | O Novo Código do Processo Civil

Virou uma paranóia e todos saem achando que perderam e foram abandonadas pelo Estado. Eu estou num ponto que digo para o meu cliente não aceitar mais fazer acordos. São absurdos, impostos !!! Leis&Letras: E a atuação do Ministério Público em questões de guarda ? Marcos Duarte: O Ministério Público sai da função de fiscal de aplicação da lei, no melhor interesse da criança e do adolescente, para a função punitiva. E o pior, fala com base em convicções pessoais. Tem promotor que afirma “o filho é muito pequeno, deve ser da mãe” e lança sentenças condenatórias sem fundamentação legal. Então, um bebê de 7 meses que a mãe faleceu está condenado ? O Ministério Público parece intocável e não se mistura. Promotor não participa de eventos. É distante e encastelado, quando deveria sair do salto alto, baixar a bola e cumprir a sua verdadeira função. Leis&Letras: Quais iniciativas o senhor realiza para dialogar com os atores do Direito no Brasil ? Marcos Duarte: Busco o diálogo, como advogado, junto ao Ministério Público e a Defensoria, para cumprir o meu papel de doutrinador, palestrante, pesquisador e agitador cultural. Sempre quis trazer o Judiciário e o Ministério Público para a revista. Mas, é como se houvessem castas. Advogado é pedinte, juiz acha que é Deus e promotor tem certeza. Não vejo advogado nenhum falar sobre isso. Eu estou tendo a coragem de dizer na Leis e Letras, com a experiência de quem promove eventos há 15 anos. Leis&Letras: A Defensoria Pública, enquanto integrante do sistema de justiça, dialoga com a advocacia ? Marcos Duarte: A Defensoria Pública hoje é apagada. Não dialoga com a advocacia. Foi, mas não é mais, uma parceira importante como no tempo da Dra. Francilene Gomes na Defensoria Geral. Na verdade, vivemos em um país mergulhado na crise institucional. As vaidades, os melindres, os egoísmos e estrelismos são muito grandes na área jurídica e isso atrapalha. Era hora de juntar OAB, Defensoria, Ministério Público e Associação de Magistrados para conseguirmos equalizar. Leis&Letras: Qual a importância do advogado nas questões do Direito de Família ? Marcos Duarte: O advogado tem um papel muito mais importante que o do julgador. Aliás, é o primeiro juiz da causa. Ao receber o cliente identifica a angústia e o drama fami-

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liar. No meu escritório criei um modelo como se fosse uma sala de estar para quebrar a distância com o cliente. Evito que o problema vá para a justiça. Às vezes só com uma consulta, apresento um direcionamento e uso a percepção que tenho sobre casos e realidades. Leis&Letras: O papel do psicólogo é valorizado pela justiça, na resolução das questões de família ? Marcos Duarte: Está escrito há muito tempo no Código Civil, antes de Lei da Guarda Compartilhada e da Lei de Alienação Parental, a obrigatoriedade do psicólogo, em questões do Direito de Família. O Novo CPC e o Estatuto da Criança e do Adolescente também falam a mesma coisa. Mas, todos os dias participo de audiência com o juiz fazendo uma verdadeira inquirição da criança sem a presença do psicólogo. Eu, como advogado, leio sobre psicologia mas não sou psicólogo. O juiz também não é. O assistente social e o médico também são extremamente importantes como instrumentos de auxílio ao juiz, que é a pior pessoa para resolver esses assuntos. Digo isso, não pelo despreparo, mas a função jurisdicional é pesada para entrar no privado com tanta força. Os conflitos de guarda devem ser tratados preferencialmente pelos pais que batem à porta do pior lugar para resolver o conflito, a do judiciário. Leis&Letras: Decisões sobre Alienação Parental são cumpridas, na prática ? Marcos Duarte: Nunca vi uma sentença de alienação parental no Ceará com efetividade e olhe que defender causas do Direito de Família e Sucessões é somente o que faço na minha vida. Os relatórios do setor psicossocial são sentenças mal elaboradas, apesar do esforço. A falta de estrutura prejudica a qualidade do conteúdo. Não têm como dá conta do quantitativo e muito menos do qualitativo. Leis&Letras: Como se comportam as decisões que envolvem dados de identidade genética e afetividade ? Marcos Duarte: Existe muita confusão entre identidade genética e paternidade. São totalmente diferentes e o legislador deveria prever a distinção. Imagine um adolescente com 15 anos, que sempre teve contato com o pai afetivo mas o pai biológico aparece. O filho tem o direito a saber a sua identidade genética. É um direito da personalidade, de conhecer a ancestralidade. Isso não é paternidade. Um dado genético não se sobrepõe ao afeto. Se existe uma identificação genética com o critério afetivo, ótimo. Quando não, a adoção é a grande prova.


Leis&Letras: A multiparentalidade é uma saída viável para essas questões ? Marcos Duarte: Hoje já existem certidões de nascimento com dois pais e duas mães. Entra o nome do pai biológico e o pai afetivo. O IBDFAM trabalha nos últimos dez anos, nesse sentido. É o conceito de multiparentalidade que influencia decisões judiciais no Brasil inteiro.

Nenhuma lei ou norma resolve problemas emocionais. É uma questão muito mais para o psicólogo. O juiz é a pessoa menos indicada para resolver a questão. É um terceiro não familiarizado com as dificuldades de perda que fará uma imposição muito generalista e prejudicial”

Leis&Letras: O DNA é relevante para provar a paternidade ? Marcos Duarte: O exame de DNA tem um lado extremamente negativo fazendo com que os juízes praticamente desprezem o outro processo do conjunto probatório. Mesmo sendo uma revolução no Direito porque dá a certeza dos indícios de identidade genética, o DNA ficou sacralizado no processo como uma forma de se livrar. O juiz manda fazer o exame. Deu positivo ? É pai. Deu negativo? Não é. E dá a sentença. Leis&Letras: Quando o pedido de reconhecimento de paternidade envolve filhos adultos existe o reconhecimento do direito patrimonial ? Marcos Duarte: O Direito de Família envolve sensibilidade e é preciso analisar caso à caso. Por exemplo, no Caso H Stern, eu defendo que o pedido de DNA pode provar a identidade genética e não a paternidade. A análise foi realizada com os possíveis filhos de mais de cinquenta anos. Leis&Letras: Qual a relação entre o sigilo do banco de sêmen e a questão patrimonial ? Marcos Duarte: Isso ainda está muito confuso no ordenamento jurídico. O doador do material genético garante o sigilo por uma norma do Conselho Federal de Medicina. O nosso Código Civil diz que temos o direito de saber nossa identidade genética. Uma norma não pode se sobrepor ao Código Civil. Então, o filho de inseminação artificial pode querer saber quem é o seu doador. Mas, imagine se for um milionário ou tiver um patrimônio considerável. Essa pessoa tem o direito de reivindicar direitos patrimoniais? Leis&Letras: Como o senhor avalia o Direito de Família no Brasil, nos últimos dez anos ? Marcos Duarte: Não existe revolução no Direito de Família como se prega. As normas de guarda compartilhada, alienação parental, alimentos gravídicos, direitos homoafetivos e divórcio são apêndices criados para tentar justificar um sistema de justiça quebrado. Tudo isso já se resolvia com o Código Civil e com a Constituição Federal, uma das mais bem sucedidas cartas republicanas segundo o Professor Pau-

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ENTREVISTA

Marcos Duarte | O Novo Código do Processo Civil

lo Bonavides. Nela, já constam o direito da criança, igualdade entre cônjuges, solidariedade familiar, proteção integral e socioafetividade. Existe uma inversão muito perigosa no Brasil, onde a Constituição é interpretada a partir de leis inferiores, quando deveria ser o contrário.

No meu escritório existem casos em que as pessoas consideram o divórcio precipitado, por convicção religiosa ou por acreditar que podem resgatar o casamento. Nesse sentido, é bom que os efeitos de separação permaneçam. Mas ainda assim é muito questionável porque ninguém fica casado com quem não quer.

Leis&Letras: Quais os pontos positivos do novo CPC? Marcos Duarte: O Novo Código do Processo Civil vem para atualizar o que está em vigor desde 1973. O magistrado terá maior responsabilidade para fundamentar as decisões e as tutelas de evidência. O advogado agora é responsável para intimar e levar as testemunhas, o que em tese agiliza. A petição inicial não pode ser vista pela parte de imediato porque o discurso pesado acirra o litígio. O Novo CPC fortaleceu a Lei de Alimentos de 1968, reconhecendo, por exemplo, que o devedor pode protestar, embora isso já aconteça através de resoluções de algumas corregedorias do Brasil.

Leis&Letras: Quando o tema subtração internacional de crianças chegou ao seu escritório pela primeira vez ? Marcos Duarte: Três crianças francesas foram trazidas para Fortaleza em 2006 e esse caso chegou ao meu escritório. Eu fui o advogado do pai francês. Hoje, acompanho também questões de subtração de crianças para outros países, em vários estados brasileiros. Tenho ainda o caso de um pai americano que não tem como ver a criança no Brasil. O tema é muito fascinante e passei a estudar, desde essa época. Pesquisei sobre a Convenção de Haia, que data de 1980. Como resultado, lancei um livro em 2010, com a segunda edição publicada em 2014.

Leis&Letras: A culpa passa a valer, novamente no Novo CPC. É viável ? Marcos Duarte: Objetivamente a culpa existe, em questões de família, de acordo com o Novo CPC porque pessoas podem cometer atos ilícitos. Mas, no geral a culpa é uma desculpa para justificar fracassos e limitações, atribuindo a alguem uma responsabilidade que é sua. Existe um entendimento pacificado de que não se questiona mais a culpa. O Novo CPC porém, ressuscitou. É de certa forma delicado e dependendo da ótica pode ser um retrocesso. Está sendo muito discutido.

Leis&Letras: O livro trata de quais aspectos da Alienação Parental ? Marcos Duarte: A família se globalizou com o casamento entre pessoas de nacionalidades diferentes. No livro, apresento um estudo sobre os Direitos da Criança e do Adolescente, as políticas internacionais de proteção e a competência da Justiça Federal para tratar do assunto no Brasil, que antes juízes e desembargadores não sabiam de quem era. Falo sobre a guarda e uma questão consequente, o direito de visita internacional. A matéria é delicada, as editoras acham que o assunto não é comercial. Lancei o livro pela minha editora, a Leis e Letras.

Leis&Letras: Com o Novo CPC, o juiz pode suspende a audiência para advogados mediarem. A decisão legislativa beneficia o sistema de justiça ? Marcos Duarte: Existe uma propaganda enganosa sobre a conciliação e a mediação para tentar justificar a inoperância da prestação jurisdicional. Advogado não sabe mediar e vai levar anos para que aprenda, no Brasil. É diferente da Europa, onde a mediação é ensinada para as crianças nas escolas. Querem uma lei para mudar a cultura, mas é impossível. Na verdade, a cultura muda a lei ou promove a sua aplicabilidade. Leis&Letras: A separação como caminho para o divórcio foi retomada pelo Novo CPC. É benéfica para a sociedade ? Marcos Duarte: A separação, no prazo do divórcio, era um caminho tortuoso. O CPC retomou mas, não como fase obrigatória. Antes da Emenda 66/2010, você tinha que ingressar com a separação judicial. Decorridos dois anos, ocorria o divórcio de fato.

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Leis&Letras: As pesquisas são realizadas sobre Alienação Parental no Brasil, com profundidade nos dias atuais ? Marcos Duarte: O meu livro foi pioneiro e motivou a produção de monografias. A professora Nádia de Araujo, doutrinadora do Direito Internacional Privado é uma pesquisadora de destaque. A Ministra Ellen Grace criou um grupo para que os juízes federais conheçam a matéria. O Dr. Jorge Mauri, da Justiça Federal, é o juiz de ligação, responsável por informar colegas. Leis&Letras: O senhor presidiu o IBDFAM entre 2005 e 2013. Quais ações destacaria ? Marcos Duarte: O IBDFAM é a maior instituição de Direito de Família do Brasil. Creio que dei minha contribuição de uma forma muito atuante, através de eventos em Fortaleza. Aproximei do Ceará nomes como Maria Berenice Dias, Roulf Madaleno, Paulo Lobo, Zeno Veloso e tantos outros doutrina-


Marcos Duarte: Na primeira gestão do presidente Valdetário, a comissão era composta por mim e outros dois advogados. No segundo mandato já temos mais de 20 membros. É uma das mais atuantes da OAB Ceará. Somos responsáveis pelo evento Almoço em Família, que já entrou para o calendário jurídico do estado. Conquistamos, junto à Corregedoria de Justiça, o fortalecimento do protesto dos devedores de alimentos. Obtivemos o fim da competência exclusiva de guarda na 16a Vara de Família, que concentrava 5 mil ações em Fortaleza.

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O Novo CPC fortaleceu a Lei de Alimentos de 1978, reconhecendo, por exemplo, que o devedor pode protestar, embora isso já aconteça através de resoluções de algumas corregedorias do Brasil”

dores. Foram 8 anos divulgando em todas as mídias. Levei a desembargadora Maria Berenice para discutir o documentário “A Morte Inventada” no cinema, com juízes, promotores, advogados e professores. O IBDFAM é responsável por grandes conquistas no Ceará. A luta pela igualdade, pela pluralidade familiar e as conquistas do direito homoafetivo. Como outras instituições, o IBDFAM ficou muito grande, sob o comando de meia dúzia de pessoas para um batalhão que segue o eixo. Mas, é sem dúvida nenhuma o maior produtor de cultura jurídica de Direito de Família e Sucessões do Brasil e do mundo. Leis&Letras: O senhor preside a Comissão de Direito de Família da OABCE. Qu ais contribuições classifica como mais relevantes ?

Leis&Letras: Qual o cenário do mercado da advocacia no Ceará e no Brasil ? Marcos Duarte: Nos últimos 20 anos, houve uma explosão na área jurídica. Não se fala mais em advogado empreendedor. Todo mundo quer fazer concurso e todo jovem estudante quer fazer Direito. De repente, isso virou a única solução para muita gente. É legítimo que todos queiram a advocacia. Quanto mais cultura e mais estudos no Brasil, melhor. Porém, advogar exige vocação, renúncia e sacrifício. É preciso buscar os honorários desprestigiados por alguns clientes e juízes, na aplicação da sucumbência. A pregação do fim do Exame de Ordem é muito preocupante também porque representa o caos e promove a vulgarização de uma atividade tão importante. Leis&Letras: Como vê as disputas políticas pela Ordem dos Advogados do Brasil, secção Ceará ? Marcos Duarte: O uso da instituição com interesses particulares de grandes escritórios é muito preocupante. Pessoas querem a Ordem sem vocação, como palanque para disputar cargos. Mas, ressalto que temos no Ceará a OAB antes do presidente Valdetário e a OAB depois do presidente Valdetário. É o grande marco. Um verdadeiro líder da advocacia, que abdicou da vida pessoal. Será muito difícil alguem com o perfil dele nos próximos 20 anos. Torço para que o processo eleitoral se aprimore cada vez mais, com menos disputa de vaidades e mais doação à entidade. Leis&Letras: A mulher advogada tem espaço na OABCE ? Marcos Duarte: Mais da metade dos inscritos na OABCE são mulheres que precisam conquistar ! Vir ! Participar! E estão vindo. Eu, quando muito jovem, fui gerente de uma multinacional farmacêutica e um dos primeiros a defender a participação da mulher como representante. Dei uma palestra, recentemente, no interior só para advogadas. O discurso de que não vêm porque são donas de casa e precisam cuidar dos filhos está sendo superado. Simplesmente, é preciso fazer reuniões em horários que a mulher possa participar e isso já está acontecendo.

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ARTIGO

SÉRGIA MARIA MENDONÇA MIRANDA, Desembargadora TJ-CE

Paz, a nossa justa causa – justiça pela paz em casa E

m Isaías 32;17 temos que o fruto da justiça será a paz e a obra da justiça proporcionará tranquilidade e segurança eternas. A paz não é obra a ser edificada somente pelos grandes potentados, não é privilégio dos tratados internacionais, ela começa em casa, na harmonia do ambiente doméstico e familiar e daí se espraia transformando tudo por onde passa. Se o amor é o único sentimento capaz de transformar vidas, a paz transforma a família, a escola, a sociedade e contagia todo ambiente com os seus sintomas: harmonia, igualdade, fraternidade. Imbuídos do desejo de afastar a violência doméstica e familiar para ensejar a Paz em Casa, os Tribunais de Justiça do Brasil se reuniram no dia 27 de janeiro com a Ministra Carmem Lúcia para traçar metas com a finalidade movimentar os processos envolvendo o assunto. Isso porque é alarmante o número de feitos em tramitação, somente para reflexão, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro quase 95 mil processos tramitam nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar. As mulheres brasileiras saíram do casulo, perderam o medo, ganharam confiança nas instituições depois da Lei Maria da Penha cujo avanço é inquestionável. Trata-se de uma lei protetiva que visa não somente a proteção da mulher, mas da entidade familiar, haja vista que a violência contra a mulher é na verdade violência contra a família. O resultado desse trabalho foi notável. Talvez muito mais importante do que a movimentação processual tenha sido o trabalho educativo e de conscientização levado a efeito em todo país. Magistrados e magistradas se irmanaram nos estádios de futebol no Dia Internacional da Mulher visitando o templo masculino para pedir paz e falar de amor. Atendimentos nas praças e escolas feitos em unidades móveis pelas equipes multidisciplinares se espalharam no país, palestras sobre os mais diversos temas foram proferidas durante toda semana, sem falar dos momentos de

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elevação da autoestima feminina. Tudo ocorrendo ao mesmo tempo, numa avalanche de boas práticas visando a disseminação da PAZ EM CASA. No Estado do Ceará, obtivemos êxito na realização de 295 audiências para agilização dos processos em tramitação no estado, os quais ultrapassam a expressiva marca de 34.000 ações. Faz-se mister destacar que a concretização das audiências e dos julgamentos só foi possível mediante o apoio do Ministério Público Estadual, da Defensoria Pública, da OAB (Ordem dos Advogados Brasileiros – Seção Ceará) e também das Delegacias Especializadas, órgãos que somaram esforços ao Tribunal de Justiça do Estado do Ceará para realização dessas atividades. As reuniões entre os diversos órgãos constituíram-se em espaço precípuo ao debate de questões pertinentes ao aperfeiçoamento da prestação jurisdicional no tocante à matéria de tamanha complexidade, tais como a necessidade de padronização de rotinas e procedimentos das ações relacionadas à Lei Maria da Penha; as dificuldades advindas no levantamento de dados fidedignos, problemática enfrentada pelas Secretarias de Justiça e de Segurança Pública do Estado; bem como a imprescindibilidade de instalação de novas Delegacias e de Juizados Especializados no estado. Ao longo da Semana da Justiça pela Paz em Casa, a sociedade civil foi incentivada a refletir e posicionar-se perante a questão. No maior estádio de futebol da região Norte/Nordeste – Arena Castelão, em Fortaleza, numa partida de futebol entre os dois maiores clubes do Ceará, cuja rivalidade costuma extrapolar a esfera do esporte, o público foi agraciado pela entrada histórica em campo das esposas e dos filhos dos capitães dos times, todos devidamente uniformizados, demarcando a diferença dos clubes adversários, mas unidos na fraternidade, no respeito e no clamor pela paz nos lares.


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Uma escola estadual de ensino médio situada no bairro com o maior registro de boletins de ocorrência de toda capital cearense (Bairro Messejana) recebeu a exposição “Senhoras da Justiça”, cujo acervo narra a trajetória de mulheres na carreira da magistratura, tais como Auri Moura Costa, Ellen Gracie e Patrícia Accioly. Visitada por mais de 1.200 estudantes, a exposição proporcionou o resgate das lutas históricas do movimento de mulheres pela igualdade entre os gêneros” A sociedade foi também diretamente beneficiada a partir de uma sequência de atividades desenvolvidas por meio da Unidade Móvel da Lei Maria da Penha, a qual prestou atendimentos a mais de duas mil mulheres mediante escuta de profissionais especializados, orientações e encaminhamentos à rede de apoio sócio-assistencial e jurisdicional do Ceará. Houve ainda especial atenção à promoção de ações de prevenção à violência e fomento à igualdade de gênero, notadamente a partir da intervenção com adolescentes da rede de ensino estadual do Ceará. A escola, como locus privilegiado de debate e de construção do conhecimento, é espaço propício ao desenvolvimento de práticas de prevenção à violência, ao fomentar o agir baseado no respeito às diferenças e no diálogo em detrimento ao manejo agressivo dos conflitos. Uma escola estadual de ensino médio situada no bairro com o maior registro de boletins de ocorrência de toda capital cearense (Bairro Messejana) recebeu a exposição “Senhoras da Justiça”, cujo acervo narra a trajetória de mu-

lheres na carreira da magistratura, tais como Auri Moura Costa, Ellen Gracie e Patrícia Accioly. Visitada por mais de 1.200 estudantes, a exposição proporcionou o resgate das lutas históricas do movimento de mulheres pela igualdade entre os gêneros. Faz-se mister destacar que trabalhos de tal magnitude junto aos jovens, seres em fase de desenvolvimento e maturação, contribuirá para que as novas gerações adotem modelos relacionais fundamentados no respeito às diferenças, nas responsabilidades individuais e no estabelecimento de relações mais igualitárias entre os homens e as mulheres. Outras iniciativas de destaque empreendidas no período foram as parcerias para acompanhamento dos casos atendidos pelas Medidas Protetivas de Afastamento preconizadas pela Lei 11.340/06 – Maria da Penha. Os projetos objetivam acompanhamento das mulheres atendidas nas providências acautelatórias pelas autoridades de segurança, minimizando a possibilidade de novos episódios de violência e, principalmente, o crime de homicídio. Em Fortaleza-CE, o monitoramento será realizado pela Polícia Militar; já no município de Maracanaú-CE, pela Guarda Municipal. Tais projetos têm a proeminência enfatizada pela articulação de diferentes poderes – Excecutivo e Judiciário – na proteção das vítimas e sedimentação da aproximação do Estado na garantia da integridade física, moral e psicológica dos atingidos. Em recente artigo intitulado À Flor da Pele, a Ministra Carmem Lúcia assim falou: esconde-se o rosto, maquia-se a ferida da pele e da psique, toca-se a vida. Não poucas vezes, toca-se para a morte. A desdita é companheira de tremores de muitas mulheres. Agride-se o filho, desfaz-se a casa. Os sinos dobram por todos nós. Cada tapa numa mulher me esbofeteia. Toda mulher é Maria. Com grande honra. Também com enorme sofrimento. Quer-se seja mais com intensa alegria. Essa também se elabora. Assim, não obstante às importantes realizações, continuaremos nossa trajetória à frente da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará cientes de nosso compromisso e dos desafios a nós conferidos, os quais vêm sendo abraçados com o esmero, a eficiência e a determinação dos que tomam para si a responsabilidade na efetivação do direito à paz.

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REPORTAGEM

“Sou filha da mãe, mas eu tenho pai” Idealizadora da campanha "Sou Filha da Mãe mas tenho pai", Simone Soares transformou a luta pelo reconhecimento da identidade paterna em missão.

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o ano de 2006, gravou a novela O Profeta, para a TV Globo. Interpretou Zélia, que vivenciou a multiparentalidade, para não perder o vínculo com a filha adotiva. O drama influenciou a vida real da atriz, que enquanto filha biológica continua à espera do pai. Incansável em seus ideais de família, ressalta valores sólidos com base no respeito e na união e como mãe gostaria de ver a filha brincando nos braços do avô. Desde a infância em Taubaté, interior de São Paulo, conviveu com os avós paternos e guarda as melhores lembranças da padaria do tio. No entanto, do pai, apenas o nome no convite de casamento que faria com sua mãe e anos de espera por alguém que mudou de cidade, constitui nova família e nunca a registrou como filha. Da família dele sempre ouviu “seu pai é difícil e ele não quer que toque no seu nome”. Nas noites de Natal, recorda Simone Soares, era uma verdadeira peregrinação entre as comemorações na casa dos avós paternos, o encontro de família promovido pelo padrasto e a ceia natalina com os avós maternos. Após quase 20 anos de espera, ela teve um rápido contato em Fortaleza, onde o pai se estabeleceu como empresário e disse que não a registraria, fazendo de tudo para atrapalhar caso recorresse à justiça. O folhetim da vida real começou na justiça do Rio de Janeiro. O exame de DNA foi feito com os tios mas o resultado sumiu. Por indicação do colega Tom Cavalcante (humorista cearense), procurou o escritório do Dr. Marcos Duarte, advogado especialista em Direito de Família. "Meu

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processo só andou depois que ele assumiu. Sua competência faz toda a diferença. Nossa parceria com certeza ainda será de muito sucesso". Simone Soares quer o amor do pai biológico, “apesar do carinho que sempre recebeu de um padrasto maravilhoso”. Ela apoia outras campanhas para dar visibilidade ao problema e defende que filhos e filhas precisam buscar. Afinal, "o nome do pai representa a sua história, sua cidadania, sua herança genética, sua vida. Muitas crianças não têm e não sabem quem são seus pais. Isso é uma dor muito grande". O Censo Escolar 2011 estimou que aproximadamente 5,5 milhões de estudantes brasileiros não tinham o registro paterno na certidão de nascimento e ficavam impedidos de receber herança e pensão alimentícia. A estatística foi levantada pelo Conselho Nacional de Justiça através do Programa Pai Presente. Criado pelo Provimento n. 12, de agosto de 2010, é desenvolvido em parceria com os tribunais, a Associação dos Registradores das Pessoas Naturais (Arpen) e a Associação dos Notários e Registradores (Anoreg). Muitos filhos, porém, a exemplo da atriz Simone Soares buscam apenas reconhecimento afetivo através do registro. “Ela não tem pretensão patrimonial. Isso ficou bem claro desde que chegou ao meu escritório. A Simone luta pelo afeto do pai porque sempre teve o contato com a família paterna. Isso é muito evidente. O Direito de Família é sensibilidade e o advogado tem que ter essa percepção”, explica o Dr. Marcos Duarte.


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O nome do pai representa a sua história, sua cidadania, sua herança genética, sua vida. Infelizmente muitas crianças não têm e não sabem quem são seus pais. É uma dor muito grande” (Simone Soares)

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REPORTAGEM

Processo de Reconhecimento

A função paterna é assegurada pela Constituição Federal de 1988. O direito ao nome do pai, que a atriz luta para ter na certidão de nascimento é garantido pela lei nº 8.560 de 29 de dezembro de 1992. Foi criada para regular a investigação de paternidade dos filhos concebidos fora do casamento. Através dela, o reconhecimento é garantido sem a possibilidade de anulação. Pode ocorrer ainda por escritura pública ou escrito particular, com arquivo em cartório; por testamento; ou através de manifestação expressa e direta perante o juiz. Quando a paternidade é alegada pela mãe, o suposto pai recebe uma notificação judicial para que se manifeste. De acordo com o artigo 2o do texto da lei nº 8.560 de 1992, «o oficial remeterá ao juiz certidão integral do registro, o nome e prenome, profissão, identidade e residência do suposto pai, a fim de ser averiguada oficiosamente a procedência da alegação». Com a paternidade confirmada, o termo de reconhecimento é enviado para o registro. Caso a notificação não seja atendida dentro de trinta dias, ou a paternidade negada, o juiz remete o processo ao Ministério Público, para que decida pela continuidade ou não da investigação.

Paternidade Presumida

Quando o suposto pai não quer se submeter ao exame de DNA, pode ocorrer a presunção da paternidade, de acordo com a Lei nº 12.004, de 2009. Para o advogado de família Rolf Madaleno, o gesto de recusa ao exame é ilícito porque afeta diretamente à “autoestima, desconsiderado o adolescente no âmbito de suas relações e impedindo que conte com a identidade civil.” O artigo 379 do Novo Código do Processo Civil, no entanto, apresenta um aspecto curioso quanto a invesetigação de paternidade, que merece no mínimo uma reflexão, completa Rolf Madaleno. ”Fica preservado o direito de não produzir prova contra si. Aparentemente, permite que alguém se recuse à perícia de DNA contrariando a Súmula 301 do STJ que presume a paternidade na recusa do suposto pai”. Através do Novo CPC, a presunção fora do casamento, fez desaparecer literalmente a investigação de paternidade biológica, acredita o advogado de família Rolf Madaleno. “A mulher solteira ou a companheira pode registrar o filho em nome do pai da criança, seu companheiro ou mero namorado, situação que antes só existia

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na presunção da filiação do casamento”. A nova realidade, porém, abre espaço para eventuais impugnações. “Os pais serão apontados no registro civil pelas mães e se realmente contestarem sua vinculação genética, terão de tomar a iniciativa da impugnação processual, quando no passado aguardavam a investigação.” Recusar o filho pode acarretar ao pai a condenação por dano moral, porque a situação ofende a reputação social, entende Rolf Madadelo. “Não vejo como afastar a reparação civil pelo inquestionável dano provocado pelo genitor que sabendo ter seu filho, tudo faz para evitar o registro”. A filiação sociológica, que surge com a adoção está embasada legalmente no Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei n.º 8.069 de 1990; e no Código Civil Brasileiro. O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) requereu, no último mês de junho, junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a padronização do reconhecimento voluntário da parentalidade socioafetiva no Registro Civil, que já é admitida pela doutrina e a jurisprudência.

O filho no registro civil

O princípio da igualdade entre os filhos surgiu com a Constituição de 1988. A medida passou a valer também para os filhos adotivos e biológicos fora do casamento. Antes, o Código Civil de 1916 dividia a filiação biológica em legítima, ilegítima e legitimada. Com a Lei nº 12.004 de 2009, o registro não pode mencionar a origem quanto a concepção extraconjugal ou referir-se a ordem de um filho em relação aos outros irmãos. Os documentos anteriores podem ser corrigidos por ordem da justiça.

Novo CPC e a Lei de Alimentos

O Novo Código do Processo Civil aumentou a efetividade da cobrança de alimentos, através da “possibilidade de cumular o protesto judicial com a pena de prisão ou penhora, assim como também viabiliza a penhora de salário para pagamento”, explica o advogado Rolf Madaleno. Ele ressalta que o Novo CPC permite ainda a penhora dos próprios alimentos quando exceder o montante de 50 salários mínimos mensais. A Lei n. 5.478 de 1968, conhecida como Lei de Alimentos, estabelecia o limite de dois meses para a prisão, decorrente do não pagamento de pensão. “O Novo CPC aumentou para até três meses”, explica.


Rolf Madaleno advogado na área do Direito de Família e Sucessões. Ministra aulas em cursos de graduação e pós-graduação no Rio Grande do Sul. É professor convidado em outros estados do Brasil. Atua no Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Foi Vice-Presidente do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul (IARGS), Conselheiro e DiretorTesoureiro da OAB/RS e Juiz Eleitoral Efetivo do Tribunal Regional Eleitoral.

Marcos Duarte Doutrinador brasileiro com atuação em questões do Direito de Família e Sucessões, preside a Comissão de Direito de Família da Ordem dos Advogados do Brasil - seccional no Ceará, onde também é conselheiro estadual. Diretor do Instituto Proteger, presidiu o Estado no Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).

Simone Soares A atriz brasileira Simone Soares, nascida em Taubaté (SP), luta desde 2006 pelo reconhecimento da identidade paterna. Desempenhou papeis na TV Globo nas novelas O Astro, O Profeta, Escrito nas Estrelas, Flor do Caribe e Em Família. Também integrou o elenco do filme “Assalto ao Banco Central”.

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ARTIGO PAULO LÔBO, Doutor em Direito pela USP, Professor Emérito da UFAL, Professor Visitante da UFPE, Diretor Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família, Conselheiro do CNJ (2005/2009).

Relações de família e direitos fundamentais 1. DIREITOS FUNDAMENTAIS E FAMÍLIA

Os direitos fundamentais, entendidos como direitos humanos positivados nas constituições dos países, ou nos tratados e convenções internacionais que os países se obrigaram a respeitar, tiveram longa história de afirmação, principalmente durante o tumultuado século XX. Sua finalidade essencial era a garantia de um conjunto básico de direitos dos cidadãos que podiam e podem opô-los ao poder político, que tem o dever de não violá-los (dever de abstenção, ou dever negativo). Sua evolução fez despontar novas dimensões, que não foram cogitadas em sua configuração tradicional, notadamente os deveres positivos de prestação, imputáveis ao poder político e, para o objeto desta exposição, sua oponibilidade às pessoas exclusivamente privadas entre si, ou aplicabilidade nas relações privadas. A aplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações meramente privadas desafia a argúcia dos juristas, pois, na maioria dos casos, provoca a colisão dos direitos fundamentais das pessoas em conflito. Esse problema não existia na formulação tradicional dos direitos fundamentais, porque apenas o cidadão é titular deles e o Estado não, figurando apenas como devedor de prestação negativa. Entre o titular de direitos fundamentais e o Estado não pode haver, em princípio, colisão. Entre titulares de direitos fundamentais, todavia, a colisão é inevitável, tornando exigentes os critérios de solução, diferentes dos anteriormente pensados e praticados, máxime em razão do uso de princípios normativos. No âmbito das relações de família, pautadas pela diretriz constitucional da igualdade entre cônjuges, companheiros, filhos e entidades familiares, não se pode pensar a simetria entre cidadão e poder político – referida por muitos doutrinadores -, e entre titular de direitos fundamentais hipossuficiente ou vulnerável e titular de direitos fundamentais portador de poder privado. Tendo desaparecido o poder marital e o pátrio poder, em nosso direito,

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não se pode mais identificar integrantes das entidades familiares como portadores de poderes privados, tutelados juridicamente. O poder familiar, que substituiu o pátrio poder, é muito mais serviço no melhor interesse dos filhos, do que propriamente poder; sua natureza é de autoridade reconhecida e legitimada, que existe em razão dos destinatários, porque não há mais relação de sujeição dos filhos em face dos pais. Tanto pais quanto filhos são sujeitos recíprocos de direitos e deveres, que ocorre, por exemplo, com o direito/dever à convivência, inclusive quando os pais se separam. 2. VIRAGEM PARA OS PRINCÍPIOS E A MUDANÇA SOCIAL

A compreensão da força normativa própria dos princípios jurídicos, da sua superioridade hierárquica em relação às demais normas jurídicas e da sua peculiar estrutura, como modelo normativo aberto, têm constituído a contribuição relevante do direito brasileiro nessa matéria, tanto na doutrina quanto na corrente jurisprudência de nossos magistrados e tribunais, notadamente a partir do advento da Constituição de 1988. A viragem para os princípios resulta do comprometimento da aplicação do direito com a mudança social. O significado mais importante dessa viragem é a aplicação direta e imediata dos princípios e demais normas constitucionais, quaisquer que sejam as relações privadas, particularmente de duas formas: a) quando inexistir norma infraconstitucional, o juiz extrairá da norma constitucional todo o conteúdo necessário para a resolução do conflito; b) quando a matéria for objeto de norma infraconstitucional, esta deverá ser interpretada em conformidade com as normas constitucionais aplicáveis. Portanto, as normas constitucionais sempre serão aplicadas em qualquer relação jurídica privada, seja integralmente, seja pela conformação das normas infraconstitucionais.


Os civilistas brasileiros, promotores do direito civil constitucional, nunca tiveram dúvidas sobre a força normativa da Constituição e dos princípios. Não faz sentido, na contemporaneidade, a discussão sobre se as normas constitucionais, principalmente de conteúdo indeterminado, como os princípios, dependem da interposição do legislador infraconstitucional para que possam produzir seus efeitos jurídicos. A fase das normas constitucionais meramente programáticas ficou para trás. Ainda que não seja este o espaço para se discorrer sobre esses temas, amplamente discutidos no âmbito do direito constitucional e da teoria do direito, perfilhamos o entendimento de que as normas constitucionais, todas com força normativa própria, classificam-se em princípios e regras, distinguindo-se por seu conteúdo semântico e, consequentemente, pelo modo de incidência e aplicação. A regra indica suporte fático hipotético (ou hipótese de incidência) mais determinado e fechado, cuja concretização na realidade da vida leva à sua incidência, confirmando-a o intérprete mediante o meio tradicional da subsunção (exemplo na Constituição, art. 226, § 4º: “Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”; ou seja, toda vez que uma pessoa passar a conviver com um filho, seja ele biológico ou não biológico, ainda que sem a companhia de cônjuge ou companheiro, a regra incidirá para assegurar a constituição de uma entidade familiar; em outras palavras, a norma constitucional incidirá sobre esse suporte fático concreto e o converterá no fato jurídico por ela previsto, que passará a produzir os efeitos jurídicos por ela tutelados). O princípio, por seu turno, indica suporte fático hipotético necessariamente indeterminado e aberto, dependendo a incidência dele da mediação concretizadora do intérprete, por sua vez orientado pela regra instrumental da equidade, entendida segunda formulação grega clássica, sempre atual, de justiça do caso concreto. Tome-se o exemplo do princípio da dignidade da pessoa humana, referido expressamente no § 7º do art. 226 da Constituição: o casal é livre para escolher seu planejamento familiar, mas deve fazê-lo em obediência ao princípio da dignidade da pessoa humana, cuja observância confirmará o intérprete apenas em cada situação concreta, de acordo com a equidade, que leva em conta a ponderação dos interesses legítimos e valores adotados

pela comunidade em geral. Outro exemplo é o princípio da igualdade entre cônjuges e entre filhos de qualquer origem, estabelecido nos arts. 226 e 227 da CF, que representou verdadeira revolução no direito de família, consequentemente revogando a legislação civil anterior. Essa orientação restou dominante na jurisprudência dos tribunais, de 1988 até 2003, quando entrou em vigor o novo Código Civil. Se prevalecesse a tese tradicional da conservação da legislação anterior até que a norma constitucional fosse regulamentada por nova legislação infraconstitucional, então não se teria emprestado força normativa real à Constituição, que restaria com efeito meramente simbólico, permanecendo as desigualdades jurídicas, nesse período. Notou-se que as forças vivas da sociedade influíram efetivamente nas opções do constituinte de 1988, muito mais que na elaboração de códigos, cuja natureza técnica inibe a participação até mesmo dos parlamentares. Por essa razão, a Constituição, além de ser a norma hierarquicamente superior a todas as outras, determinante do sentido do ordenamento jurídico, absorveu de fato os valores que a sociedade conseguiu veicular, para servir de fundamento ou base à organização social. Esses valores foram vertidos em princípios ou regras que colorem o direito como um todo. Como se vê, os princípios não oferecem solução única, segundo o modelo das regras. Sua força radica nessa aparente fragilidade, pois, sem mudança ou revogação de normas jurídicas, permitem adaptação do direito à evolução dos valores da sociedade. Com efeito, o mesmo princípio, observando-se o catálogo das decisões nos casos concretos, em cada momento histórico, vai tendo seu conteúdo amoldado, em permanente processo de adaptação e transformação. A estabilidade jurídica não sai comprometida, uma vez que esse processo de adaptação contínua evita a obsolescência tão frequente das regras jurídicas, ante o advento de novos valores sociais. Os princípios constitucionais são expressos ou implícitos. Estes últimos podem derivar da interpretação do sistema constitucional adotado ou podem brotar da interpretação harmonizadora de normas constitucionais específicas (por exemplo, o princípio da afetividade). No Capítulo VII do Título VIII da Constituição há ambas as espécies, particularmente pela especificação dos princípios mais gerais às peculiaridades das relações de família.

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ARTIGO

O conceito de princípio constitucional não se confunde com o de “princípio geral de direito” empregado pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. O art. 4º dessa lei, como sabemos, estabelece a regra de non liquet, proibindo o juiz de não julgar quando a lei for omissa, determinando que, se não houver costumes, devem ser aplicados os princípios gerais de direito. Estes teriam, consequentemente, função supletiva, ou seja, primeiro a lei, depois os costumes, e por fim os princípios, como normas de clausura ou de completude do sistema jurídico. Ao contrário, os princípios constitucionais explícitos ou implícitos não são supletivos. São inícios, pontos de partida, fundamentos que informam e conformam a lei. A operação hermenêutica que estava invertida foi devidamente reposicionada: em primeiro lugar o princípio constitucional, depois a lei fundamentada nele. A opção do Código Civil de 2002 pelos princípios realimentou os argumentos contrários dos tradicionalistas, principalmente quanto ao receio do chamado “ativismo judicial” dos magistrados. Esses receios e riscos são injustificáveis, pois os juízes brasileiros estão lidando razoavelmente com os modelos abertos de interpretação, que incluem não apenas os princípios, mas as cláusulas gerais e os conceitos indeterminados. São, por outro lado, ponderável preço a pagar pela constante adaptação do direito às mudanças sociais, que a ductilidade dos princípios permite alcançar com mais eficiência, em virtude, exatamente, do que é considerado problemático pelos críticos, ou seja, a indeterminação de seus conteúdos. 3. APLICABILIDADE DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E DOS PRINCÍPIOS JURÍDICOS ENTRE PARTICULARES Na Alemanha, durante a segunda metade do século XX, indagou-se sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, ou seja, se estes seriam oponíveis por um particular diretamente a outro particular (teoria da Drittwirkung, correspondente a “eficácia em relação a terceiros”). A tradição dos direitos fundamentais reduziu-os à oponibilidade de um particular ao Estado, tendo-os como destinatário direto apenas o Estado e não outro particular, dentro da concepção das liberdades públicas. Várias correntes se formaram, entendendo: a) que não seria possível estender a eficácia dos direitos fundamentais a terceiros particulares, restringindo-se sua oponibilidade ao Estado; b) que a eficácia seria sempre mediata e indireta, tese que terminou por prevalecer na Alemanha; c) que seria possível a

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extensão, com a eficácia imediata, mas indireta, devendo a pretensão ser deduzida contra o Estado, em virtude dos deveres deste de proteção dos direitos fundamentais do particular, em face da violação por outro particular; c) que seria possível a pretensão de um particular contra outro, de modo direto e imediato, sem a mediação ou interposição do Estado. No Brasil, não há dúvida da aplicabilidade imediata e direta dos direitos fundamentais, em virtude, principalmente, da ocorrência de norma expressa — inexistente na Constituição alemã — na Constituição de 1988, assim disposta (art. 5º, § 1º): “As normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. A aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais abrange não apenas as liberdades públicas em face do Estado, mas igualmente as relações jurídicas entretecidas entre os particulares, pois a Constituição não faz qualquer restrição. O sentido de aplicação imediata inclui a aplicação direta, razão por que não depende de interposição do Estado, que não é necessariamente parte, quando a violação de direito fundamental for imputada a particular contra particular. Respeitando as instigantes discussões havidas no direito europeu, temos de concluir que as soluções alvitradas não servem para o direito brasileiro. A doutrina brasileira do direito civil constitucional construiu caminho próprio, no rumo da aplicabilidade direta e imediata das normas constitucionais, nas duas modalidades acima indicadas, sem se impressionar com as interferências políticas, ideológicas e econômicas do refluxo do Estado de bem-estar social na Europa, nos países em que as demandas sociais encontram-se razoavelmente satisfeitas e que foram beneficiários diretos da globalização econômica. Em razão da abrangência da norma constitucional brasileira, não vemos como aproveitável a discussão, alimentada na doutrina, em torno da denominada eficácia externa dos direitos fundamentais, oriunda principalmente do enunciado do art. 1º, 3, da Constituição alemã, o qual prevê que os direitos fundamentais “vinculam, como direito diretamente aplicável, os poderes legislativo, executivo e judicial”, parecendo limitar ou impedir sua aplicabilidade direta entre os particulares. Daí a tendência, entre os juristas alemães, de entender que entre os particulares a eficácia dos direitos fundamentais é indireta, dependente da interposição do Estado. As correntes que propugnam a aplicabilidade indireta, ou seja, que os destinatários diretos dos direitos fundamentais são apenas os poderes públicos, são fortemente influenciadas pelo ideário liberal de que a função da Constituição é controlar o Estado e não as relações


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A aplicabilidade direta dos princípios e dos direitos fundamentais nas relações privadas é uma experiência bem-sucedida na jurisprudência dos tribunais brasileiros, desde o advento da CF de 1988. A rica casuística consolidou esse entendimento. ” privadas, o que nega a própria natureza do Estado social. A aplicabilidade direta dos princípios e dos direitos fundamentais nas relações privadas é uma experiência bem-sucedida na jurisprudência dos tribunais brasileiros, desde o advento da CF de 1988. A rica casuística consolidou esse entendimento. Os tribunais superiores, notadamente o STJ, também têm reunido um conjunto de decisões que permitem entrever a franca adoção da aplicabilidade direta e imediata, com destaque para o princípio da dignidade da pessoa humana. A Corte Constitucional brasileira (Supremo Tribunal Federal) não faltou ao enfrentamento do tema, em algumas decisões paradigmáticas, ainda que não fundamentadas explicitamente na doutrina da aplicabilidade direta dos direitos fundamentais. Curiosamente, algumas estão contidas em processos criminais — habeas corpus —, como a relativa à garantia ao cidadão de não se submeter, contra sua vontade, a exame de DNA (HC 71373). Nesse caso, julgado em 1994, oriundo de ação de investigação de paternidade, apreciou-se decisão judicial de se levar “debaixo de varas” o réu ao laboratório, para dele se extrair forçadamente material genético. Mas, a primeira decisão do STF em que a doutrina da aplicabilidade direta aflorou de modo explícito e serviu para fundamentá-la foi o julgamento do RE 201819, em 2005, no caso de exclusão de associado da União Brasileira dos Compositores, vinculada ao ECAD, tendo a maioria do tribunal entendido que a liberdade da associação — o estatuto previa a hipótese de exclusão — deve respeitar as garantias constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa. A minoria entendia que a matéria não tinha repercussão constitucional e deveria ser resolvida a partir

das regras do estatuto social e da legislação civil em vigor. Decidiu o Tribunal que “as violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados na Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à prestação dos particulares em face dos poderes privados” e que os princípios constitucionais são limites à autonomia privada. 4. COLISÃO E OS PROBLEMAS DECORRENTES

A colisão dos direitos fundamentais, nas relações privadas, se dá de vários modos, mas elegemos três problemas como mais relevantes: 1º problema: A aplicabilidade direta dos princípios e direitos fundamentais pode ocorrer quando não houver desigualdade de poderes entre os particulares, ou apenas quando despontar um poder privado hegemônico (familiar, social, econômico, cultural)? Esse tema tem sido constantemente debatido na doutrina nacional e estrangeira. Entendemos que não se pode adotar uma restrição que a CF não faz. Essa é a correta orientação do STF, como se observa no caso do DNA referido. Em confronto estavam duas supostas filhas biológicas, em investigação de paternidade, e um suposto pai, portanto partes com poderes sociais presumivelmente iguais. Como salientamos, nas entidades familiares atuais, a relação jurídica de poder/sujeição entre seus integrantes não tem acolhida na Constituição e no direito infraconstitucional; os poderes de fato são repelidos pelo direito, inclusive com imposição de penas civis e penais. 2º problema: Quais os critérios para afastar a incidência dos princípios? Não há padrão satisfatório, o que leva à crítica do eventual componente arbitrário do julgador. No RE 215984, o STF entendeu que a publicação não consentida de fotografia de uma conhecida artista de televisão viola os princípios constitucionais de garantia da intimidade e da imagem, facultando a indenização por dano moral. Mas, no AI-AgR 220459-RJ, o STF não viu ofensa aos princípios da intimidade, da vida privada, da honra, da vedação de tratamento degradante, na revista pessoal das operárias em indústria de roupas íntimas, porque seria feita por amostragem. 3º problema: Há hierarquia entre princípios, de modo a se estabelecer prima facie qual o que prevalece na hipótese de colisão? O entendimento dominante na doutrina brasileira é de que não há hierarquia normativa entre os princí-

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pios, inclusive quando o confronto se der com os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade. Sustenta-se, todavia, que subsiste uma espécie de hierarquia axiológica, que se extrai do caso concreto. Sabe-se que o conteúdo do princípio apenas emerge de cada caso, dando-se nova configuração à velha lição dos antigos greco-romanos da submissão do intérprete à equidade, entendida como justiça do caso concreto. Assim, não há, prima facie, prevalência de qualquer princípio sobre outro. Os princípios podem estar em aparente colisão dentro da própria legislação. Na Constituição — que é fruto de composição de ideologias conflitantes — ocorre colisão de princípios ou entre princípios e regras, a exemplo do princípio da igualdade entre as entidades familiares, no caput do art. 226 e a parte final do § 3º desse artigo, que estabelece dever o legislador facilitar a conversão da união estável em casamento (regra da facilitação), acrescentado por forças conservadoras na Constituinte, que pretenderam privilegiar o casamento. A regra do § 3º do artigo 226 da Constituição não impõe requisito para que se considere existente união estável ou que subordine sua validade ou eficácia à conversão em casamento. Configura muito mais comando ao legislador infraconstitucional para que remova os obstáculos e dificuldades para os companheiros que desejem casar-se, se quiserem, a exemplo da dispensa da solenidade de celebração. Em face dos companheiros, apresenta-se como norma de indução. Contudo, para os que desejarem permanecer em união estável, a tutela constitucional é completa, segundo o princípio de igualdade que se conferiu a todas as entidades familiares. Não pode o legislador infraconstitucional estabelecer dificuldades ou requisitos onerosos para ser concebida a união estável, pois facilitar uma situação não significa dificultar outra. Nessa hipótese, é tarefa do intérprete a superação da antinomia, harmonizando-os em enunciado conjunto. No exemplo dado, a interpretação harmônica entre princípio e regra que se impõe é: o casamento e a união estável são entidades familiares diferentes porém iguais em direitos e deveres entre cônjuges e companheiros, tendo estes a liberdade de converter sua união em casamento, para o que o legislador deve facilitar o exercício desse direito. Se há solução, então a antinomia é aparente, ou seja, não há antinomia, porque os princípios ou o princípio e a regra hão de ser interpretados e aplicados de forma harmônica e integrada. 5. SUPERANDO A COLISÃO

Em qualquer situação de colisão de direitos fundamen-

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tais entre os particulares, o intérprete ou aplicador valer-se-á da ponderação entre os princípios concorrentes, definindo-se por aquele que, na situação concreta e ante as circunstâncias que a cercam, deve ter um peso maior, o que fundamentará a decisão, longe de qualquer escolha proveniente de prévio juízo de valor subjetivo. A “lei da ponderação”, segundo Robert Alexy, se enuncia assim: “quanto mais alto é o grau do não cumprimento ou prejuízo de um princípio, tanto maior deve ser a importância do cumprimento do outro”. A ponderação é realizada em três passos: o primeiro é a comprovação do grau de não cumprimento ou de prejuízo de um princípio; o segundo é a comprovação do cumprimento do princípio em sentido contrário; o terceiro é a comprovação de que o cumprimento do princípio em sentido contrário justifica o prejuízo ou não cumprimento do outro princípio. Situação recorrente da necessidade de ponderação é a colisão entre direito à informação e direito à intimidade e à honra, que provocam reflexos nas pessoas ofendidas e em seus familiares. Nas ocasiões em que tem sido provocado a decidir, o STF tem conferido maior peso à informação, ainda que a intimidade e a honra fiquem comprometidas. Texto jornalístico reproduziu trecho de afirmação gravada que acusava presidente de tribunal de mau uso de verbas públicas, nepotismo e tráfico de influência. A decisão recorrida condenou o órgão de imprensa em danos morais, com fundamento na inviolabilidade da honra, da intimidade e da imagem (art. 5º, X, da CF). Todavia, o STF (RE 2086851) reformou a decisão por entender que, no caso, a notícia reproduziu denúncia encaminhada ao tribunal superior, e que “a colisão será solucionada levando-se em conta o peso ou a importância relativa de cada um. A solução, portanto, não pode deixar de lado os conhecidos princípios da razoabilidade e da ponderação dos bens envolvidos. Na espécie, o dano moral pretendido pelo recorrido somente se justificaria se positivado o abuso do direito de informar”. O que importa é que nenhum direito fundamental é maior que o outro, quando seus titulares se encontram em situação de colisão. Nem o direito fundamental, nem o princípio que o tutela. Daí a dificuldade da solução do conflito. No modelo tradicional de subsunção, verifica-se simplesmente se a situação concreta corresponde à hipótese normativa; em se verificando a correspondência, a norma, a única norma, incide e lhe imprime as consequências previstas. Duas normas jurídicas, pelo modelo da subsunção, não podem colidir: é uma ou outra. A única norma é ou não a matriz da subsunção da situação concreta: é o tudo ou nada.


Os direitos fundamentais têm seu destino vinculado, na quase totalidade das hipóteses, aos princípios, para os quais o modelo da subsunção é inadequado. São poucas as regras jurídicas constitucionais – por sua natureza, são dotadas de conteúdo determinado – que tutelam diretamente os direitos fundamentais. Veja-se o exemplo do art. 226 da Constituição. O caput encerra o princípio implícito da igualdade de direitos e deveres das entidades familiares. O § 5º consolida o princípio explícito da igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges. O § 6º, com a redação dada pela EC-66/2010, é regra que assegura o direito fundamental dos cônjuges de se divorciarem sem requisitos objetivos ou subjetivos prévios. Ocorre que os direitos fundamentais dificilmente encerram-se em regras. Estas se abrem em interlocuções com os princípios, que lhe dão densidade e delimitam seu alcance. No exemplo do § 6º do art. 226 da Constituição, o breve enunciado da regra estabelece que os cônjuges são livres para desconstituírem o casamento (princípio da liberdade ou da autodeterminação), o que afasta a consequência que havia no direito anterior de responsabilidade pela culpa dessa desconstituição. Apenas se lhe pode atribuir a consequência pela extinção do casamento e de seus consectários, como os deveres que a lei determina aos cônjuges, de modo paritário. Nessa hipótese – divórcio – a colisão de direitos fundamentais é aparente, pois o direito de constituir família pelo casamento (também abrigado pelo princípio da liberdade) não pode impedir o exercício do direito de desconstituí-la pelo divórcio. A necessidade de superação da colisão apenas se impõe quando o confronto de direitos fundamentais é real e não aparente. No exemplo citado da submissão forçada ao exame de DNA, evidencia-se a colisão de direitos fundamentais: o direito ao conhecimento da origem genética e o direito à intangibilidade do corpo humano. Ambos são direitos da personalidade, inerentes à pessoa humana, que despontam como espécies do gênero direitos fundamentais. A maioria do STF, que rejeitou a submissão forçada ao exame, buscou fundamento em princípios constitucionais como os da dignidade da pessoa humana, da intimidade, da integridade física e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer. A minoria do STF, igualmente, valeu-se do princípio da dignidade da pessoa humana, não enxergando violação da intangibilidade do corpo. A concepção prevalecente da maioria foi a de que a intangibilidade do corpo não pode sofrer qualquer violação, inclusive quando determinada por agente estatal (o juiz); a concepção da minoria é que seria irrelevante a tangibilidade pela obten-

ção de pequenas porções de material genético, ou seja, o sacrifício seria pequeno (um dos votos chega a denominá-lo de risível), em prol do resultado pretendido. Independentemente do apoio a uma ou outra orientação, o que interessa para o fim desta exposição é que o voto majoritário conferiu mais peso à dignidade da pessoa humana do réu do que às das autoras, ante o caso concreto. Vê-se, pois, que não há, na aplicação dos princípios e da colisão dos direitos fundamentais, uma única resposta para a decisão judicial, porque esta é determinada pelas circunstâncias que cercam o caso concreto. Um direito fundamental não é mais nem menos superior ao outro. São iguais. Quando colidem, a situação concreta permite identificar qual deve prevalecer, pela ponderação dos valores e interesses. De certa forma, a força atual dos princípios e a perplexidade da colisão de direitos fundamentais entre particulares, recuperam a sabedoria dos antigos, seja da prudência tópica dos romanos, seja da justiça pela equidade dos gregos. Assim, não há, prima facie, prevalência de qualquer princípio sobre outro, ou de um direito fundamental sobre outro. A operação hermenêutica dos princípios, na hipótese de colisão é muito mais exigente da aplicação da ponderação ou do balanceamento dos valores ou interesses emergentes da situação concreta. A decisão apenas diz respeito à situação concreta, que é entendida como singular e irrepetível. Por isso, a decisão, no que respeita à sua configuração material, não pode servir de precedente valioso para outra situação fática, que pode ter solução completamente diferente. O que servem como precedentes são os fundamentos e argumentos utilizados para a incidência do princípio, desconsiderando-se as circunstâncias que envolveram a situação concreta. 6. COLISÃO COM DEVERES FUNDAMENTAIS

Vivemos ainda a era da afirmação dos direitos fundamentais, notadamente pelas múltiplas dimensões que vêm apresentando desde quando foram recepcionados pelas constituições dos países democráticos. Cogita-se, além dos clássicos direitos fundamentais individuais (liberdades públicas), de direitos fundamentais sociais (direitos de solidariedade) e de direitos fundamentais transindividuais, que superam a pertinência ao titular individual (como os direitos ao meio ambiente). Essas novas dimensões dos direitos fundamentais, diferentemente da clássica, puseram no mesmo patamar os deveres fundamentais correspondentes. Antes, o único devedor era o Estado. Agora, todos nós somos devedores reciprocamente, não apenas como indivíduos, mas como integrante

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de grupos determinados ou indeterminados. A Constituição, no art. 225, estabelece que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, mas todos são responsáveis por sua proteção, incluindo o Estado e a coletividade. As atuais gerações são devedoras dessa proteção em face dos titulares dos direitos, que são as futuras gerações, ou seja, grupo indeterminado de pessoas que ainda não existem. São titulares pessoas não existentes, o que converte as pessoas existentes em titulares, cada uma em face da outra, e devedoras recíprocas, umas em relação às outras, além de devedoras em relação às não existentes. A concepção de sujeito futuro, mas já titular de direito, é uma revolução copernicana. A Constituição, no que respeita às relações estritamente familiares, também imputa deveres fundamentais ao Estado, à sociedade e à família. Para o direito atual, o Estado é pessoa jurídica, a sociedade é coletividade indeterminada e a família é entidade não personificada. Os três são grupos sociais integrados por pessoas. O integrante da família, em virtude dessa específica circunstância, é titular de direitos fundamentais oponíveis a qualquer um desses grupos, inclusive à própria família, que surgem com devedores. Não são pessoas determinadas que são devedoras, mas o Estado, a sociedade e a família, enquanto tais. Os grupos não são titulares de direitos fundamentais, mas apenas de deveres fundamentais. Cogita-se de dimensão objetiva dos direitos fundamentais em virtude da responsabilidade comunitária dos indivíduos. O conceito de família, como sujeito de deveres fundamentais, é expandido para além da família nuclear, principalmente quando o titular dos direitos fundamentais é qualificado como pessoa vulnerável. O art. 227 da Constituição estabelece que é dever da família assegurar à criança e ao adolescente os direitos fundamentais que elenca, considerados necessários à sua formação e à garantia de sua dignidade. O art. 230, por seu turno, estabelece que é dever da família amparar as pessoas idosas, defender suas dignidades e garantir-lhes o direito à vida. Os direitos dessas pessoas vulneráveis não dependem da existência real de convivência familiar, bastando a relação de parentesco. Os parentes não podem opor seus próprios direitos fundamentais, pois, nessas circunstâncias, prevalecem os deveres fundamentais. 7. CASOS EXEMPLARES

No âmbito do direito de família, três situações podem ser consideradas exemplares de colisão de direitos fundamentais, dentre os casos julgados pelo STF e pelo STJ: o do exame forçado de DNA, já comentado, o da penhorabilidade do bem de família do fiador e os da filiação socioafetiva.

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A Constituição, no que respeita às relações estritamente familiares, também imputa deveres fundamentais ao Estado, à sociedade e à família. Para o direito atual, o Estado é pessoa jurídica, a sociedade é coletividade indeterminada e a família é entidade não personificada. ” No RE 407688, a maioria do STF decidiu que não há impedimento para a penhora do bem de família de fiadores nos contratos de locação, por não lhe parecer sólida a alegação, sustentada pela minoria, de violação do direito constitucional à moradia (art. 6º da Constituição) e do princípio da dignidade da pessoa humana, que não se sujeitam à lógica do mercado. Prevaleceu o princípio da autonomia privada do fiador e de que o direito à moradia não é direito subjetivo oponível diretamente, mas “direito a prestações”, dependente de atividade mediadora dos poderes públicos, pouco importando que o fiador e sua família sejam desalojado de sua moradia, para satisfação do direito do crédito. Alegou-se, ainda, como razão de decidir, evitar-se o prejuízo que adviria para a oferta de imóveis para locação. Nesse caso, o princípio da razoabilidade, reconhecidamente admitido pelo STF como implícito na Constituição, não foi mencionado, o que poderia fortalecer a orientação da minoria, pois, além da fiança, a lei brasileira admite outras garantias do crédito do locador, ou seja, o seguro de fiança locatícia, a cessão fiduciária de fundos de investimento e a caução de bens móveis, de bens imóveis ou de dinheiro depositada em caderneta de poupança vinculada. A crítica da ponderação feita pelo STF não desmerece, contudo, a importância e a excelência desse método para a superação da colisão de direitos fundamentais. Em diversas decisões, o Superior Tribunal de Justiça foi sistematizando os requisitos para a primazia da socioafetividade nas relações de família, notadamente na filiação, em situações em que a origem genética era posta como fundamento para desconstituir paternidades ou maternidades já consolidadas. O tribunal acolheu a dou-


trina familiarista que se desenvolveu nos últimos anos, que realça o papel fundamental da afetividade e a natureza cultural do parentesco. Nesses pleitos, subjaz o interesse eminentemente patrimonial, máxime em relação à sucessão hereditária do pretendido genitor biológico, às expensas das histórias de vida das pessoas envolvidas e dos estados de filiação consolidados no tempo. Nos REsp 932692, 1067438, 1088157 os critérios utilizados pelo tribunal correspondem aos que se encontram difundidos pela doutrina especializada brasileira: em primeiro lugar, abandona-se a exclusividade da fundamentação biológica da filiação; em segundo lugar, a verdade socioafetiva tem tanta importância quanto a verdade biológica; em terceiro lugar, não se pode destruir o estado de filiação, constituído na convivência familiar duradoura, em prol da origem biológica; em quarto lugar, não há vício de consentimento em quem registra conscientemente uma pessoa como seu filho, até porque a lei não exige a origem biológica para fins de registro. Nos casos concretos, esses critérios puderam ser utilizados como essenciais para a ponderação e decisão, ante a colisão de direitos fundamentais, tanto dos que pretendiam a desconstituição das relações de filiação hauridas da convivência familiar duradoura quanto dos que pugnaram por sua preservação. Às vezes, todavia, a consideração do caso concreto forja outra ponderação, apontando-se para o prevalecimento da origem biológica, notadamente quando não se prova que houve convivência familiar duradoura, apesar da paternidade ou maternidade contidas no registro civil. 8. PREVENINDO A COLISÃO: O PAPEL DO LEGISLADOR

A colisão de direitos fundamentais nas relações familiares pode ser evitada quando o legislador antecipa-se ao conflito e estabelece modelos de regulação que correspondam aos valores da sociedade, o que simplifica a delicada operação hermenêutica da ponderação. A atuação preventiva do legislador configura-se na definição mais clara dos elementos de exercício dos direitos fundamentais. Não compete ao legislador infraconstitucional criar novos direitos fundamentais, mas torná-los exequíveis, estabelecendo os deveres fundamentais correspondentes. Essa atuação não evita a eventual colisão, porque os direitos fundamentais constitucionalmente implícitos ou explícitos são plasmados em cada momento histórico e de acordo com os valores sociais. Mas, certamente, a lei contribui para maior determinação de seu conteúdo, reduzindo o potencial de conflito, que sua na-

tural textura indeterminada provoca. Alguns exemplos de adequação ou inadequação da legislação brasileira sobre direito de família são esclarecedores: a) A Lei 12.398, de 2011, assegurou aos avós o direito fundamental de convivência com seus netos, quando negado pelos pais ou por um deles, que detenha a guarda. Havia decisões judiciais que inauguraram essa possibilidade, mas a incerteza era constante. A tormentosa evolução do direito de visita para o direito de convivência esgotava-se na relação entre pais e filhos, reduzindo-se à família nuclear. A convivência dos netos com os avós era tida como concessão dos pais, mas não como legítimo direito dos avós. Os direitos à convivência entre avós e netos consistem em direitos fundamentais de ambos, que não podem ser suprimidos pelos iguais direitos dos pais. As decisões dos tribunais e do legislador foram iluminadas pela afirmação crescente do princípio do melhor interesse da criança. b) A Lei 12.344, de 2010, elevou para setenta anos a idade máxima do nubente para escolher livremente o regime de bens matrimonais. A partir dessa idade a lei impõe o regime de separação de bens. A elevação da idade, todavia, não afastou a inconstitucionalidade da norma do Código Civil reformada pela lei, porque persiste o defeito de origem de redução do direito do idoso, que colide com a dignidade da pessoa humana e com a liberdade de escolha de pessoa capaz. A lei mitigou a violação a esses princípios constitucionais, mas a manteve, obstando o exercício dos direitos fundamentais consequentes. c) O art. 1.595 do Código Civil estabelece que o parentesco por afinidade na linha reta não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável. O parentesco por afinidade que se instaura entre o padrasto ou a madrasta com seus enteados é inextinguível, a demonstrar que os direitos de convivência entre eles hão de se assegurar em harmonia com os mesmos direitos dos pais separados. Não pode haver colisão, mas compartilhamento do direito à convivência, no melhor interesse da criança ou adolescente. d) O art. 1.634, VII, do Código Civil estabelece que, no exercício do poder familiar, os pais podem exigir dos filhos os “serviços próprios de sua idade e condição”. Para que não haja colisão dessa regra com o princípio da dignidade da pessoa humana dos filhos, impõe-se interpretação conforme, admitindo-se apenas situações de colaboração nos serviços domésticos, sem fins econômicos, e desde que não prejudique a formação e educação dos filhos, mas nunca para transformá-los em trabalhadores precoces.

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GLADSTON MAMEDE & EDUARDA COTTA MAMEDE, Autores de Planejamento Sucessório (Editora Atlas, 2015), dentre outros livros sobre empresas e famílias

Por que fazer Planejamento Sucessório? A

morte resolve [põe fim a] tudo, diziam os romanos: mors omnia solvit. No instante em que alguém morre, naquele exato instante, todos os seus bens transferem-se para os seus herdeiros, sejam legítimos, sejam testamentários (artigo 1.784 do Código Civil). Parece tão simples que a maioria das pessoas não se preocupa com a sucessão. Mas há desafios que são lhe inerentes e que recomendam uma intervenção do advogado para otimizar esse momento tão delicado e difícil. É neste contexto que se coloca a proposta de se realizar um planejamento jurídico da sucessão para, assim, permitir que sua efetivação se faça da melhor maneira possível. O planejamento jurídico-sucessório é apenas mais uma das ferramentas da advocacia moderna, ou seja, mais uma inovação tecnológica que se consolidou recentemente na sociedade brasileira. Noutras palavras, tecnologia jurídica Neste contexto, há advogados que se capacitam para oferecer aos seus clientes serviços diferenciados, confiáveis, especialíssimos. Há uma arquitetura jurídica de ponta: seu objeto é a organização em si, a empresa em si, o patrimônio em si, a atividade negocial em si. É preciso organizar adequadamente o patrimônio e o Direito é uma ferramenta básica, elementar, para isso. É preciso perceber que já passou o tempo em que o Direito se identificava com as ações judiciais, o processo, assim como o advogado se identificava como o profissional das demandas. Essa é uma postura atrasada, tacanha e nefasta para indivíduos, empresas, patrimônio, negócios. O melhor trabalho exercido por advogados, em nosso tempo, é planejar, responder a consultas preventivas, negociais, assessorar a realização de operações que sejam vitoriosas. Exemplo são os escritórios especializados em prestação de serviços a famílias empresárias (family offices), bem como nas assessorias que se dedicam à gestão de grandes fortu-

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nas (asset manegement). O trabalho desses escritórios envolvem a gerencia do patrimônio vultoso de pessoas que se dedicam a gozar a vida ou a tocar outros negócios, o que envolve questões jurídicas relevantes, a exemplo de aspectos fiscais, societários, civis etc. O desafio principal dessa nova condição da advocacia está nas competências e habilidades que o profissional deve revelar para responder às demandas de seus clientes. Afinal, o segredo mais elementar de um planejamento jurídico é um advogado preparado, qualificado, que se mantém atualizado sobre as inovações jurídicas. Não é algo simples, contudo. É preciso que advogado tenha capacidade de compreender as necessidades específicas de seu cliente e, até, o seu perfil para, assim, decidir como deve agir. Há clientes que recomendam posturas defensivas, há clientes que requerem posturas – e medidas – mais ousadas. É uma virtude profissional do advogado revelar a capacidade de perceber o perfil de seus clientes, oferecendo-lhes serviços na medida de suas necessidades/possibilidades (suitability), o que amplia as chances de que a relação entre ambos seja proveitosa para todas as partes. Por medo ou egoísmo, muitos não se interessam pelo tema da própria morte. Não é um problema para eles, mas para os herdeiros. Eles que resolvam, quando a hora chegar. Não há dúvida que é o melhor a fazer quando haja patrimônios pequenos, com poucos bens, famílias simples, com poucos herdeiros. Mas há sempre um risco e é tolo achar que tudo se resolverá bem no fim das contas, ainda que se estranhem um pouco com isso ou aquilo. O problema é que a sucessão pode se tornar o fato negativo na vida de um família, o ponto em que as coisas desandam e nunca mais voltam a ser como antes. Esforços para constituir uma estruturação técnica e prévia da sucessão não são medida que sirva ou que inte-


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É preciso compreender que a multiplicidade e diversidade de bens tornam mais possível o conflito entre os herdeiros e, pior, torna mais difícil a sucessão. São notórios os riscos, para as organizações produtivas, de processos não planejados de sucessão no comando da empresa. Pode-se perder todo o trabalho de uma vida, quando não o trabalho de algumas gerações.” resse a qualquer um. Mas, por outro lado, a utilização de planejamento sucessório não é uma realidade exclusiva daqueles que detém fortunas e/ou que estão ligados a grandes empresas ou grupos econômicos. Pelo contrário, é um instrumento jurídico que pode ser útil mesmo aqueles que têm patrimônio pequeno ou médio, além de microempresas, empresas de pequeno porte e empresas medianas. Por exemplo, fazer seu planejamento sucessório pode ser algo que interesse – sirva – ao proprietário de uma pequena fazenda. É um grande equívoco achar que se trata de assunto que interessa apenas aos muitos ricos. É preciso compreender que a multiplicidade e diversidade de bens tornam mais possível o conflito entre os herdeiros e, pior, torna mais difícil a sucessão. São notórios os riscos, para as organizações produtivas, de processos não planejados de sucessão no comando da empresa. Pode-se perder todo o trabalho de uma vida, quando não o trabalho de algumas gerações. Também se pode evitar a eclosão de conflitos na definição de quem fica com o que, assim como é possível evitar uma desaconselhável fragmentação de participações, afastar a constituição de condomínios que podem evoluir

para disputas, bem como desenhar uma sucessão que atenda aos projetos e vocações individuais, deixando para cada um aquilo que lhe será mais útil. De qualquer sorte, planejamento sucessório faz-se mediante emprego de tecnologia jurídica (quando não seja necessário, concomitantemente, usar tecnologia contábil e de administração empresarial). Portanto, é indispensável que os procedimentos sejam levados a cabo por profissional qualificado, que tenha domínio sobre as implicações do que está fazendo. Mais do que isso, não é possível fazer planejamento empresarial, familiar e/ou sucessório implantando as mesmas soluções para todas e quaisquer situações. É um erro propor o mesmo plano, a mesma estratégia para todos os clientes. Pessoas diversas, famílias diversas, patrimônios diversos, empresas diversas e mesmo tempo e lugares diversos pedem soluções diversas. O planejamento sucessório é um mecanismo marcado por diversidade intrínseca. Usar o mesmo modelito, por melhor que seja, não seria solução, mas o começo de um grande problema. Contudo, não é isso o que ocorre, habitualmente. O que se verifica com mais frequência são escritórios que, alcançando algum sucesso – ou seja, chegando a um nível mínimo de sustentabilidade financeira – acomodam-se e passam a viver uma rotina de serviços simples, reiterados. Não se motivam por um desejo constante de superação para, assim, atender melhor às questões que lhe são trazidas: adormecem-se na rotina das repartições burocráticas, satisfeitas com um padrão médio de atuação. A advocacia deixa de ser desafiada pelo Direito e pela inovação, para amoldar-se à morna sucessão dos causos e honorários. A rotina da atividade profissional faz com que os advogados tendam a abrir mão de certa determinação em atender seus clientes da melhor maneira possível, acomodando-se a um jeito constante de fazer as coisas, o que pode amesquinhar seu futuro, turvar seu horizonte. É indispensável que o amadurecimento da banca não se faça em prejuízo do impulso e combatividade juvenis, mais atentos à conquista das causas do que ao faturamento. É essencial manter a fé no direito como meio para dar a cada um o que é seu, vale dizer, como ferramenta para satisfazer os interesses legítimos e direitos de seus clientes.

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PERFIL Jardson Cruz

O Prefeito da OAB-CE A

dvogado, engenheiro civil e administrador de empresas, Jardson Saraiva Cruz é Secretário-Geral da Ordem dos Advogados do Brasil seccional Ceará (OAB-CE), onde reúne atribuições sobre patrimônio, contratos e recursos humanos. Denominado o “Prefeito da OAB-CE”, pelo presidente Valdetário Monteiro, em decorrência da quantidade de ações efetivadas em benefício da classe. Ao longo de quase 20 anos dedicados à advocacia, tem vasta participação em conselhos e comissões, iniciando como membro diretor da Comissão de Defesa do Consumidor, em 1997. Posteriormente, representou o Ceará como suplente do Conselho Federal e presidiu a Comissão de Sociedade de Advogado. Ressalta que não basta ser conselheiro federal, sendo necessário o intercâmbio da pauta com representações estaduais para efetivar medidas pertinentes. Defende o maior acompanhamento de ações em tramitação e a defesa das prerrogativas da advocacia. Ressalta o papel do poder judiciário na solução de conflitos e busca por soluções, de forma que ninguém pode ir aos tribunais com um problema e sair com um monte de pendências. Na situação, entra o papel do operador do Direito, que se faz determinante na busca por um judiciário moderno e diferenciado. Jardson Cruz enfatiza o trabalho desenvolvido na relatoria das Súmulas 4 e 5 editadas para proteger o parecerista que dispensa licitação em contrato público.Trabalha pela

defesa do advogado associado e participa das discussões sobre o novo Código de Ética. Atuou pela inclusão da advocacia no Super Simples. Destaca a participação na luta para impedir parlamentares de sabatinar futuros ministros, se tiverem processos no Supremo Tribunal Federal. Ressalta a contribuição que efetivou através do Conselho Federal em questões de reforma politica, tributária e civil. Em parceria com o advogado Benedito Bizerril, trabalhou pelo fim do financiamento de campanha política por pessoas jurídicas. No exercício de suas atribuições como Secretário Geral da OAB-CE, o advogado Jardson Cruz mobilizou a elaboração do primeiro Plano de Cargos e Carreiras e firmou um acordo coletivo de trabalho com o sindicato dos funcionários. Como presidente da Comissão de Acompanhamento de Obras da Nova Sede checa relatórios sobre contratos, gastos e cronogramas. Também esteve na vice-presidência do Instituto Cearense de Direito Administrativo (ICDA). Dirigiu a Associação Brasileira de Advogados (ABA), com seccional no Estado. Integrou o Instituto Brasileiro de Advocacia Pública (IBAP), a Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) e a União Internacional de Advogados (UIA). Representou a OAB-CE no Conselho Estadual de Saúde. É membro do Instituto Brasileiro de Advogados do Terceiro Setor (IBATS).

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O Secretário Geral destaca como bandeira a defesa intransigente das prerrogativas do advogado e o maior acompanhamento das ações do poder judiciário. Enfatiza a contribuição do Conselho Federal da Ordem em questões de reforma politica, tributaria e do Novo Código do Processo Civil.”

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ARTIGO MELISSA TELLES BARUFI, advogada inscrita na OAB/RS sob n.68.643, Presidenta da Comissão da Infância e Juventude do IBDFAM, Diretora Geral da Comissão do Jovem Advogado da OAB/RS e presidenta do Instituto Proteger.

O fim do pai visitante A

Constituição Federal de 1988 no seu artigo 227 incumbiu o dever à família, à sociedade e ao Estado de assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. O Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90 – consolidou a doutrina da proteção integral, e no seu artigo 4º reproduziu o artigo constitucional acima citado, dispondo no seu Capítulo III especificamente sobre o Direito à Convivência Familiar e Comunitária. Essa convivência familiar não implica no fato de a criança necessite residir diariamente, sob o mesmo teto com ambos os genitores, mas sim, ter uma vivência saudável, onde ambos os genitores possam realizar de forma completa os deveres oriundos do poder familiar a eles conferidos, bem como desfrutar de seus direitos. A relação pessoal dos pais com os filhos é importante para ambos, sendo que os filhos possuem a necessidade de conviver com seus genitores que obtenha um desenvolvimento saudável. A família é antes de tudo, “[...] uma estruturação psíquica, onde cada um dos seus membros ocupa um lugar, uma função. Lugar do pai, lugar da mãe, lugar do filho [...]” . Esses papéis estruturantes da personalidade da criança e do adolescente devem estar sempre presentes em todas as etapas do seu desenvolvimento, que busca nos referenciais se identificar e descobrir o seu próprio lugar, primeiro, na família, e, depois, na sociedade. Evidenciando-se a presença do princípio do desenvolvimento da personalidade . 1

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1 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Pai, por que me abandonastes? In: PEREIRA, Tânia da Silva. O melhor interesse da criança – um debate interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 36. 2 Com a idéia de dignidade, originando uma nova perspectiva capaz de garantir a felicidade e a busca da plenitude torna-se indispensável que seja observado o princípio da dignidade da pessoa humana sob a ótica da perspectiva dos direitos da personalidade. Neste sentido, esclarece Ingo Sarlet que a dignidade da pessoa apenas estará assegurada “quando for possível uma existência que permita a plena fruição dos direitos fundamentais, de modo especial, quando seja possível o pleno desenvolvimento da personalidade”

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Boschi relata: Assim é que fundados no princípio da paternidade e da maternidade responsável (artigo 226, § 7º, da Constituição Federal), os genitores devem assegurar ao filho convivência, criação e educação no seio da família (art. 227, caput, da CF/88) garantindo-lhe a mais ampla assistência (art. 229 da CF/88), devendo tê-lo em sua companhia (art. 1634, II, CC/02), a fim de que possam colaborar para seu integral desenvolvimento (art. 4º da Lei n. 8.069/90) . 3

Entretanto, apesar da legislação existente, evidenciava-se nos tribunais brasileiros que a convivência familiar era cada vez mais restrita quando havia o rompimento conjugal dos genitores. Apesar de o artigo 1.632 do Código Civil prever que “a separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos”, após o rompimento do vínculo conjugal, o genitor a quem fosse atribuída a guarda unilateral, passava a exercer quase que exclusivamente o poder familiar, sendo que ao genitor não-guardião restava apenas o dever de pagar alimentos, fiscalizar o exercício da guarda, e o direito de visitar os filhos quinzenalmente, em finais de semana, muitas vezes com hora e local pré-estabelecidos. O artigo 1.589 do Código Civil prevê que ao pai ou a mãe que não exercer a guarda dos filhos poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, bem como fiscalizar sua manutenção e educação. O próprio termo “direito de visitas” passava a impressão de que se tratava apenas de um direito que o genitor não-guardião possuía de visitar seu filho, que “poderia” ou não exercer. O jurista Paulo Luiz Netto Lôbo leciona que “o direito de ter o filho em sua companhia é expressão de direito de (SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 10 ed. rev. atual. ampl.; Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 311). 3

BOSCHI, Fábio Bauab. Direito... op. cit. p. 94


convivência familiar, que não pode ser restringido em regulamentação de visita. Uma coisa é a visita, outra a companhia ou convivência” . A interpretação equivocada do “direito de visitas” perdurou por muitos anos. Esquecia-se que não só o genitor possuía o direito de estar com seus filhos, mas os filhos também tinham o direito de estar, não só com o genitor não-guardião, mas também com a extensão de sua família. Um passo positivo foi a Lei nº 12.398/2011 que estendeu aos avós o direito de visitação aos netos, incluindo o parágrafo único ao referido artigo art. 1.589 do CC, e garantindo inclusive meios cautelares para efetividade desse direito, no art. 888, VII do CPC. Iniciava-se o reconhecimento da importância da convivência familiar para as crianças e adolescentes, bem como para os parentes que buscavam a convivência. Nas palavras de Maria Berenice Dias: 4

A visitação não é somente um direito assegurado ao pai ou à mãe, é direito do próprio filho de com eles conviver, o que reforça os vínculos paterno e materno-filial. Talvez o melhor seria o uso da expressão direito de convivência, pois é isso que deve ser preservado mesmo quando pai e filho não vivem sob o mesmo teto. Não se podem olvidar suas necessidades psíquicas. Consagrado o princípio da proteção integral, em vez de regulamentar as visitas, é necessário estabelecer formas de convivência, pois não há proteção possível com a exclusão do outro genitor. 5

Assim, foi se verificando que a visitação não era o mais adequado para o desenvolvimento sadio dos filhos, eis que gerava uma convivência limitada com o genitor não-guardião e a família extensa. Isso quando não ocorre a alienação parental por parte do guardião, que impede a convivência dos filhos com o não-guardião e sua família (art. 2º, §único, inciso IV, da Lei 12.318/2009). A importância da convivência familiar é tão evidente que em casos em que o não-guardião não exerce esse direito-dever, pode ser aplicado multa em processo judicial. 4

Lôbo, Paulo Luiz Netto. Direito Civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 174.

5 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8ª Ed. Rev. E atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 447-448.

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A interpretação equivocada do “direito de visitas” perdurou por muitos anos. Esquecia-se que não só o genitor possuía o direito de estar com seus filhos, mas os filhos também tinham o direito de estar, não só com o genitor não-guardião, mas também com a extensão de sua família” E, em casos mais extremos, onde não há convívio, e ocorre o abandono afetivo, o filho pode ingressar com ação pedindo a indenização pelos danos causado pelo abandono de seu(s) genitor(res). A luz disso, em dezembro de 2014 foi promulgada a Lei nº 13.058 que tornou a Guarda Compartilhada como regra, e não mais a exceção, dando esperança de que a legislação Brasileira tenha, de fato, avançado na direção de atender aos novos arranjos familiares – pelo menos no que tange à convivência familiar -, que há muitos anos vem se debatendo para receber o espaço que merece e necessita, ante o fato de colaborar com a efetivação da proteção integral da criança e do adolescente. O instituto da guarda compartilhada surgiu anteriormente, em 2008, pela Lei nº 11.698, que visava instituir e disciplinar esse instituto, o qual foi conceituado como a “responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns”. Porém, essa lei não foi muito efetiva, e seguiu-se aplicando a guarda unilateral, bem como a visitação quinzenal dos pais aos filhos. Então, Lei 13.059/2014 além de estipular a guarda compartilhada como regra, dentre outras alterações, modificou o artigo 1.583, §2º, fazendo constar que “na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido

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ARTIGO

de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos”. Com isso, verifica-se a intenção de fazer com que os filhos possam conviver de modo equilibrado com ambos os genitores, nos limites das condições fáticas de cada caso e de acordo com os interesses dos filhos. Desse modo, não há mais que se falar em “pai visitante”, “pai que só paga pensão”, “pai recreativo”, “pai de fim de semana”, “pai de parque de diversão”. A confusão entre exercício da guarda e o exercício do poder familiar resultava na atribuição de “poder” ao genitor guardião sobre as decisões acerca da vida dos filhos, bem como a exclusão do outro genitor dos atos cotidianos da vida das crianças, limitando-se apenas – quando o fazia – a informar o outro não-guardião sobre a vida e o desenvolvimento das crianças. Assim, a nova lei da guarda compartilhada busca não só que o exercício do poder familiar seja pleno por ambos os pais, mas também o compartilhamento dos deveres da guarda jurídica, e a ampliação da convivência familiar dos filhos com o genitor que não exercer a sua guarda física e a sua família extensa. Há o objetivo de que o pai não seja mais visita ao filho, mas sim que ambos os genitores estejam presentes na vida dos filhos e sejam responsáveis pelo cumprimento dos deveres e direitos inerentes ao poder familiar, pela criação dos filhos de forma responsável e cooperativa. E nesta cooperação aquele que não detém a guarda física terá de se responsabilizar, dever esse que vai muito além de brincar e passear em fins de semana alternados (se assim for acordado ou estipulado, pois nada impede, que mesmo com a guarda compartilhada os pais necessitem organizar os fins de semana de seus filhos e os seus próprios). A verdadeira relação paterno-filial se faz nas trocas mais verdadeiras, onde a espera e a incerteza não se fazem presentes. No momento em que há maior participação diária e elasticidade nos períodos de convívio, traz ao menor e ao adolescente uma maior segurança e sentimento de pertencimento. Com a convivência ao invés de visitas, minimizam-se os danos às partes envolvidas, uma vez que ao invés de existir horário e dias limitados, restará um livre acesso ou, no mínimo, maior contato entre pais e filhos. A própria mudança na nomenclatura produz um substrato moral de maior legitimação que era aquele do visitante. Passa a existir o convivente. Assim, os filhos ganham o que nunca deveriam ter perdido: o direito de ter ambos genitores em sua companhia. A família ganha, a sociedade ganha, todos ganhamos, pois a

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Assim, a nova lei da guarda compartilhada busca não só que o exercício do poder familiar seja pleno por ambos os pais, mas também o compartilhamento dos deveres da guarda jurídica, e a ampliação da convivência familiar dos filhos com o genitor que não exercer a sua guarda física e a sua família extensa.”

nova lei é mais um passo em direção a efetividade dos preceitos constitucionais. O Estatuto da Criança e do Adolescente que estabeleceu normas protetivas que ganharam destaque em função da “condição peculiar de desenvolvimento” da criança e do adolescente, começa a ser efetivado para a garantia da proteção integral dessas pessoas em crescimento. Desse modo, não há mais espaço para que haja o exercício do cargo de “pai visitante”. Devemos tornar efetivo o direito à convivência familiar e comunitária da criança e do adolescente, em sua plenitude, aplicando a guarda compartilhada, e buscando o aumento no convívio dos filhos com o genitor e com toda a família extensa. Ressalta-se, o fato de não residir na mesma casa, e até mesmo na mesma cidade, não afasta a possibilidade do exercício da guarda compartilhada. Apenas há limitação da guarda física, mas a guarda jurídica com todos seus encargos será plenamente possível, cabendo a intervenção judicial quando os genitores não entrarem em consenso quanto às suas obrigações para com os seus filhos. Deixo-os ao final com as palavras da professora Annie Rehbein de Acevedo: Os filhos precisam de imagens positivas do pai e da mãe como base para construir sua própria imagem. A criança precisa ver o lado bom de ambos os pais, para conseguir encontram também o seu . 6

6 ACEVEDO, Annie Rehbein de. Separação saudável, filhos estáveis. São Paulo: 2007, passim.


NA ROTINA CORPORATIVA, TEMPO É DINHEIRO

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cenário da crise econômica impulsiona empresas a aplicação de estratégias de recuperação de passivos, mediante a contratação de uma equipe terceirizada. O objetivo é otimizar o tempo, aumentar a lucratividade e manter a clientela, gerando novas oportunidades de negócios. Bancos públicos e privados, instituições financeiras, lojas varejistas de grande porte e administradoras de cartão de crédito recorrem a profissionais dedicados exclusivamente a recuperar passivos para superar a inadimplência. A empresa Cobcred, fundada em Fortaleza, no ano de 2004, atua na recuperação de crédito, em todo o país. Os profissionais de recursos humanos criam ações de desenvolvimento alinhadas a princípios estratégicos para promover crescimento, transparência e responsabilidade social. Como missão, a excelência em recuperação de créditos,

através de colaboradores treinados e motivados para atender as expectativas dos clientes e parceiros. A visão da instituição é manter e superar a liderança entre as empresas de cobrança a nível nacional, através da qualidade nos serviços e da promoção do desenvolvimento humano. Agrega como princípios o tratamento ético e respeitoso, o incentivo ao desenvolvimento humano e profissional dos nossos colaboradores, as ações de responsabilidade social, o respeito e a valorização da parceria com nossos clientes, a busca incansável pelo o aprimoramento contínuo, a estrutura e uso da tecnologia como parte fundamental da prestação do serviço. As operações da CobCred são realizadas em ambientes com PA`S de trabalho de acordo com as exigências da normativa – NR – 17. Os profissionais têm bom relacionamento interpessoal e capacidade para atender as demandas.


REPORTAGEM

Almoço em Família pauta os desafios do judiciário no combate a violência doméstica Com um público predominante de advogados, alguns juízes e apenas uma promotora de justiça (sim, apesar do convite, ainda existe resistência do Ministério Público em participar dos eventos promovidos pela advocacia), começa a 3ª edição do Almoço em Família, ao meio dia, no Grazie Restaurante, em Fortaleza. 46

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MARA REBOUÇAS

Almoço em Família no Grazie Restaurante, em Fortaleza

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á quase uma década foi sancionada a Lei 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha. Também, estamos muito próximos de quinze anos da humilhação pública sofrida pelo país perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O motivo, a inoperância do judiciário em defender a mulher da violência doméstica. Tema que continua na pauta dos tribunais internacionais e desafia operadores do Direito no Brasil. São várias as tentativas de resposta, entre as quais, a Campanha Justiça Pela Paz em Casa, idealizada pela Ministra Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF). A desembargadora Sérgia Miranda, presidente da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica, do Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE) abre o evento à convite da Comissão de Direito de Família, da Ordem dos Advogados do Brasil, com seccional no Estado (OAB-CE). ESTATÍSTICAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

A casa é o lugar mais inseguro para as vítimas, onde "48 % de-

las foram agredidas por homens; e 3 em cada 5 jovens sofreram violência nos seus relacionamentos, de acordo com a pesquisa do Instituto Avon em parceria com a Data Popular", afirma a desembargadora Sérgia Miranda. É preocupante saber que mais da metade dos homens "admite ter cometido alguma forma de agressão como xingamento, empurrões, tapas, socos e 77 % é cometida semanal ou diariamente". De acordo com o Ligue 180 da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, o percentual de agredidas com algum vínculo afetivo passa de 80 %, afirma a desembargadora. "Inclui a atual ou ex-companheira, cônjuge, amante, namorada". PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

Através da Campanha Justiça pela Paz, foram realizadas no Ceará, em 2015, "duas semanas de julgamento de processos referentes a violência doméstica. A primeira, em março, por ocasião do Dia Internacional da Mulher. A segunda, em agosto, no aniversário da Lei Maria da Penha".

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REPORTAGEM

No mês de março foram totalizadas 295 audiências, 4 juris de feminicídio (mulheres vitimas em decorrência de sexo) e 247 sentenças. Em agosto, o número subiu para 781 audiências, 5 juris , 332 sentenças e 374 despachos de processos, detalha a desembargadora. DELEGACIAS ESPECIALIZADAS

Muitos casos de violência doméstica não chegam a reduzida quantidade de delegacias especializadas do Ceará. Entre os motivos estão a vergonha da mulher em registrar a agressão e a falta de clareza dos boletins de ocorrência quanto a violência de gênero, ressalta a desembargadora Sérgia Miranda. Os tribunais também sofrem com a carência de varas e é importante destacar que, na condução legal, o acervo do crime é absolutamente diferente do que existe na Lei Maria da Penha, completa a magistrada. Então, o contexto pode ser ainda mais grave porque os dados são mascarados. Apesar do esforço da justiça em apurar "tramitam, no Rio de Janeiro, mais de 45 mil inquéritos. No Rio Grande do Sul, quase 40 mil. O Ceará é o estado do Nordeste com mais processos. Ultrapassam os 6 mil inquéritos." Quanto ao número de ações penais que chegam às Varas de Família, são 16 mil no Rio Grande do Sul, seguido por 15 mil no Mato Grosso e 11 mil processos no Pará; no Ceará, são 2 mil processos penais, relata a magistrada. "As medidas protetivas não estão dentro desse número. O Ceará tem 12 mil medidas no Juizado de Violência Doméstica de Fortaleza. Em Maracanau, aproximadamente 3 mil processos. Em Sobral, em torno de 2 mil. No Cariri, por volta de 4 mil processos de violência doméstica". A inoperância do sistema de justiça na segurança das mulheres presas pode ensejar mais um motivo de condenação nas instâncias internacionais, observa Sérgia Miranda. "Situações dentro dos presídios, como a maioria que proíbe, por exemplo, o uso de sutiã e não distribui absorventes de maneira regular". VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA

É importante destacar, lembra a desembargadora, que a mulher vítima de violência doméstica também é alvo de coação psicológica, independente de classe social ou intelectual, sob o risco do drama familiar não ser apurado pela justiça. "É a violência sexual, psicológica, patrimonial. Quanto mais letradas e de maior poder aquisitivo mais vergonha de dizer que são violentadas. Já tive contato com magistrada que usa uma conta conjunta com o marido, mas tem que pedir dinheiro quando precisa comprar um batom." Existem casos em que a mulher da condição de violentada pelo abandono do marido torna-se violentadora do

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SÉRGIA MENDONÇA Presidente da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, Sérgia Miranda é desembargadora desde novembro de 2009. Membro da Comissão de Virtualização do 2º Grau. Integrante do Conselho da Editora do TJCE. Coordenadora do curso de pós-graduação da Escola Superior de Magistratura (Esmec). Diretora da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará.

DRA. REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA

Presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões - (ADFAS www.adfas.com.br). Conselheira do Instituto dos Advogados de São Paulo. Consultora de duas comissões da Ordem dos Advogados do Brasil, com secção em São Paulo, a de Direito de Família e Sucessões e a da Mulher Advogada. Pós-doutora pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Ministra aulas na Escola Superior de Advocacia de São Paulo e nas Escolas de Magistratura de vários tribunais brasileiros.


filho em relação ao pai, afirma a desembargadora. "É o drama da alienação parental que não passa pelos juizados especializados e vai para as Varas de Família. A mulher quando procura o Juizado vai pelo acumulo de violência". QUESTIONAMENTOS

Ao final da palestra, a programação seguiu com perguntas e considerações do público. O advogado Marcos Duarte, presidente da Comissão de Direito de Família, abriu o espaço, ao recordar a criação de duas unidades de violência doméstica no Ceará, sob a coordenação da Desembargadora Celeste. Ele observa que dos 600 processos iniciais aos 5 mil em andamento, a equipe não foi ampliada. A desembargadora Sérgia Miranda concorda que os números inviabilizam a resposta em tempo hábil. "É um volume descomunal. Pedimos a presidência do Tribunal de Justiça do Ceará para criar novas Varas de Violência Doméstica e nos deparamos com a questão de orçamento. Pedimos, ao menos, nas cidades onde existe delegacia especializada de Crime Contra a Mulher, como Sobral, Juazeiro do Norte e Limoeiro". Por enquanto, são apenas dois juizados, um em Fortaleza e o outro no Crato, com abrangência sobre Juazeiro do Norte e Barbalha. Em seguida o Professor Antônio Jorge, do Mestrado e Doutorado da Universidade de Fortaleza questiona a possibilidade de acompanhamento acadêmico, através de atividades de pesquisa. Conforme relato da desembargadora, a Ministra Carmem Lúcia objetiva solicitar junto a reitores o acompanhamento de estagiários de Direito, Psicologia e Serviço Social.

Já, a advogada Rosângela Carvalho questiona a não efetividade do trabalho com o homem agressor, apesar da previsão legal. A desembargadora explica que os grupos de apoio existem em todo o Brasil, mas a reincidência continua. "No Ceará, tem um no âmbito do Juizado de Violência Doméstica. O outro, na Vara de Execução de Penas Alternativas". Mas, ressalta a magistrada, é importante dizer que a ministra Carmem Lúcia destaca a função da lei para a proteção à mulher. "Então, deixe que o executivo faça isso (iniciativas pelo homem agressor) porque nós do judiciário temos que focar na mulher", explica Sérgia Miranda ao reproduzir as considerações da ministra.

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REPORTAGEM

O Novo CPC e as questões do Direito de Família no Brasil “O Novo CPC teve um longo período no Congresso Nacional, especialmente na Câmara dos Deputados. Trata-se de uma legislação amadurecida”. A afirmativa é da Dra. Regina Beatriz Tavares da Silva, durante o 3° Almoço em Família. Ela integrou a Comissão Especial da Câmara dos Deputados, responsável pela análise do Novo CPC. Durante o evento, ocorrido em Fortaleza, a jurista pontuou as principais mudanças da legislação que entra em vigor em março de 2016. SEPARAÇÃO

O instituto da separação foi mantido. “É uma luta minha e não foi fácil !!! Tinha sido retirado, em razão da Emenda Constitucional 66”, afirma a Dra. Regina Beatriz. Ela justifica que existe a possibilidade de reconciliação do casal, além de motivações religiosas que discordam do fim do vínculo conjugal e o entendimento de que os deveres de fidelidade e respeito não passariam de meras recomendações. “No Direito Francês, um dos mais evoluídos na área de Família, a separação convive com o divórcio. Os países mais desenvolvidos, como a Alemanha, que eliminaram a separação se arrependem até hoje”. A advogada afirma ainda que não se sabe exatamente quais são os efeitos, inclusive patrimoniais em uma separação de fato, acarretando problemas gravíssimos. É relevante considerar, porém, que o julgamento antecipado parcial do mérito é uma importante medida do Novo CPC para a dissolução do casamento porque a sentença pode ser julgada em partes, explica a Dra. Regina Beatriz. É um instituto doutrinário desenvolvido inicialmente pelo processualista Cândido Rangel. “O juiz pode julgar parcialmente decretando o divórcio, logo no início do processo e durante a tramitação julgará a culpa”. A manutenção do sobrenome após a separação constitui direito de personalidade equiparável à vida e à honra, além de ser relevante para o ambiente profissional e social. Existem situações, porém, em que a mulher poderá perdê-lo, afirma a jurista Regina Beatriz. “Imagine a família do homem que sofreu tanto com a infidelidade daquela senhora e ela não necessita usar a identidade ali colocada. Nome é algo muito importante.” Sobre a oitiva do menor, o juiz deve ser acompanhado por especialistas (assistente social, psicólogo), para ouvir a criança ou o adolescente e decidir por guarda compartilhada ou medidas de combate a alienação parental, afirma a advogada.

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PRAZOS E CELERIDADE

Os advogados das partes podem negociar prazos e em conjunto peticionarem uma prorrogação ao juiz. “É uma novidade muito importante. Nós advogados sabemos disso”. Uma ação cautelar seguida de uma principal é substituída pelo pedido cautelar com o posterior aditamento. “Se for o caso, no prazo de 30 dias ou no prazo negociado.” Aos pedidos de liminares ou deferimentos, advogados recorrem com muita frequência a agravos de instrumento, lembra a Dra. Regina Beatriz. “Com o Novo CPC os recursos vão sofrer uma limitação imensa. Eu fui contra, mas a idéia é celeridade”. Ela detalha que a novidade abrange decisões de mérito, de tutela de urgência e de evidência, inclusive as cautelares, decisões de deferimento ou indeferimento da gratuidade processual e decisões sobre a desconsideração da personalidade jurídica em execuções. “No Direito de Família lidamos com fatos e os fatos dependem de provas. Na matéria de prova não teremos mais o agravo de instrumento”. O incidente de resolução de demandas repetitivas foi apresentado como uma das novidades relevantes do Novo CPC. É solicitado ao presidente do tribunal, tanto por iniciativa do juiz como do advogado ou Ministério Público e Defensoria Pública. “Desde que a demanda se mostre realmente repetitiva, o juiz deverá suspender os processos pendentes, enquanto se julgue o incidente, no prazo de um ano. Não sei efetivamente do benefício que essa regra trará”. PENSÃO ALIMENTÍCIA

O Novo Código de Processo Civil fez muito pouco em matéria de alimentos, afirma a Dra. Regina Beatriz. “Manteve-se a Lei 5.478 de 1968, já superada pelos juízes. Foi uma das críticas que eu fiz quando participei da última etapa do projeto”. A possibilidade de protesto, em que o devedor de alimentos é condenado a pena de prisão, em regime fechado, já é reconhecida pela jurisprudência, aponta a Dra. Regina Beatriz. MANDADO DE CITAÇÃO

O mandado de citação vem com uma novidade importante, porque o advogado tem acesso aos autos, mas não fica com a informação para levá-la ao cliente, reduzindo as motivações para o acirramento do litígio. “Ele conversa com o seu cliente e na audiência terá uma maior chance de fazer a composição. Essa foi uma sugestão minha porque, segundo o projeto, o advogado do réu não teria acesso aos autos e seria um absurdo”.


EVENTO

Almoço em Família

Durante a cobertura do evento, a revista Leis & Letras conversou com membros da Comissão de Direito de Família (CDF) e convidados. Abordou as discussões relacionadas ao Novo Código do Processo Civil e a evolução dos direitos da mulher. Advogada Roberta Vasques “O Almoço em Família representa mais um evento que conta com o integral apoio da OAB/CE, pois promove um amplo debate. Está alinhado com as lutas pela igualdade de gênero e maior representação feminina nos espaços de poder”. Advogada Telry Lane Furtado Benevides “O objetivo do evento é fomentar as discussões com toda a comunidade, sobre a questão da multiparentalidade e as transformações que com o Novo CPC, no Direito de Família”.

Advogada Roberta Vasques

Advogado Daniel Farias Porto “O Direito de família é o mais transformador dos direitos. Ele interfere nos costumes e a família está se modificando a passos largos. E interessante trazer, encontros como esse e opiniões antagônicas”.

Advogada Anislay Romero da Frota Moraes “O Almoço em Família proporciona o debate entre juízes, promotores, advogados e estudantes. É um encontro para tratar o tema que afeta a todos. A contribuição feminina é muito importante”. Advogada Emmanuelle Alcântara de Oliveira “O evento é importante para evidenciar tópicos do Direito de Família. Dá uma ênfase e mais celeridade. Os palestrantes têm um foco muito grande na justiça”. Advogado Glauber Furtado Teixeira “Há pouco tempo não tínhamos jurisprudência sobre união estável e casamento socio-afetivo. Eventos como esse fazem com que a sociedade e operadores do Direito se atualizem sobre discussões doutrinárias”. Promotora de Justiça Camila “A palestrante trouxe contrapontos do Novo CPC, no Direito de Família. E o que chamou atenção foi o retorno da separação judicial. O evento encabeçado pelo Dr. Marcos é pioneiro no Brasil e está de parabéns”. Juiz de Direito Evaldo Lopes Vieira “O evento trouxe novidades sobre o Novo CPC, para advogados e juízes. Na ação cautelar, por exemplo, não é mais necessário a ação principal. Em relação a execução de alimentos, trouxe a figura do protesto”. Advogada Ana Karine Moreira “É o primeiro Almoço em Família que venho e vejo todos bem participativos. Uma conversa informal da comissão, muito importante para a advocacia e o Direito de Família”.

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ENTREVISTA

Andréa Nogueira | Vida pessoal e carreira

Mãe, mulher e advogada A tríplice constitui desafio superável mediante o conhecimento das características de gênero e do entendimento quanto a limitações e oportunidades. A reflexão é da advogada Andréa Nogueira, que ressalta a importância da mulher para a atividade institucional da Ordem dos Advogados do Brasil e reconhece os avanços da participação feminina, mas reforça a necessidade de maior abertura política da instituição.

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ndréa Nogueira iniciou a carreira jurídica na Paraíba como procuradora do Município de Itabaiana. Militante em questões da classe, desde 2010, está na subseccional da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio Grande do Norte como presidente da comissão de Direito Agrário e integrante da comissão de Direito de Família. Ministra aulas sobre Direito Civil. Está presente em associações e atua como parecerista e conteudista do Instituto Tecnológico Brasileiro de Direito do Trabalho e do Consumidor. Em entrevista à Leis & Letras aborda questões sobre a participação feminina na OAB e a política da entidade. Revista Leis&Letras: Quais os desafios enfrentados pela mulher no exercício da advocacia no Nordeste do Brasil ? Andréa Nogueira: A tríplice: mulher, mãe e advogada é bastante desafiadora, não porque as dificuldades profissionais esbarrem na profissão, mas na pessoa que se reveste da advocacia. É difícil para a mulher desenvolver sua profissão sem o constante receio de estar abandonando sua cria e o lar. Não posso afirmar que as dificuldades enfrentadas na carreira são diretamente relacionadas ou proporcionais à região geográfica. A mulher moderna adapta-se ao tempo presente e age com todas as características e limitações do período em que vive. Revista Leis&Letras: Então, é possível conciliar a rotina de mulher com a vida de mãe e a trajetória de advogada ? Andréa Nogueira: É mais fácil harmonizar quando conhecemos profundamente as características peculiares

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do nosso gênero. Somos mais tolerantes conosco e encorajadas a nortear pensamentos ou atos nas oportunidades apresentadas. Um dia, tranquilizei-me ao ler: “Me mostre uma mulher sem peso na consciência e eu lhe apresento um homem”. O contexto da frase falava sobre os desafios para o sucesso do ser humano. Revista Leis&Letras: Está na hora de mais participação feminina na política da OAB, já que as mulheres inscritas representam quase a metade da advocacia em todo o Brasil? Andréa Nogueira: A participação feminina na política da Ordem vai além do desejo das advogadas. Ainda existe a característica predominantemente machista e sutilmente disfarçada em nossa classe, através de declarações como "é difícil para uma mulher explicar em casa que terá reuniões das 19h às 23h... afinal, tem os filhos, tem o marido...”. Se admitíssemos uma OAB predominantemente feminina teríamos reuniões em outros horários. E porque não imaginar, sem deboche, espelhos na sala da presidência ou nas paredes da sede, já que pertencem ao universo feminino ? Revista Leis&Letras: Existem situações que sutilmente afastam o interesse de advogadas na política da classe ? Andréa Nogueira: Ainda não contamos com um incentivo à preservação de características femininas. A advogada não precisa abrir mão do gênero para se inserir no universo político da instituição. Seria fácil imaginar brinquedotecas nas sedes das subseções e espaços para apoiar bolsas quando mulheres sentam para compor uma mesa de autoridades. Mo-


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É mais fácil harmonizar quando conhecemos profundamente as características peculiares do nosso gênero. Somos mais tolerantes conosco e encorajadas a nortear pensamentos ou atos nas oportunidades apresentadas”

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ENTREVISTA

Andréa Nogueira | Vida pessoal e carreira

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Tenho a sensação de retrocesso. Constatar de quem é a culpa atrapalha a conciliação, rompe a celeridade e transforma o judiciário numa verdadeira lavanderia, onde os casais acabam deixando de brigar em casa para discutirem diante do juiz” vimentos femininos e cotas não serão suficientes, enquanto predominar o entendimento. Ouvimos desde sempre histórias do papel da mulher especialmente definido para o lar e do homem para administrar o restante. Revista Leis&Letras: Quais situações reforçam o entendimento preconceituoso da divisão de tarefas, que colocam a mulher sempre responsável pelo lar ? Andréa Nogueira: São histórias sutis, bem contadas e repetidas, que muitas acreditam na submissão natural e no perfil profissional e institucional dos homens. É sempre um marido que administra tudo ao lado de sua mulher que o contempla. Revista Leis&Letras: Mas, já existem mudanças relevantes na carreira jurídica feminina ... Andréa Nogueira: Podemos dizer que avançamos. Há mais mulheres na OAB do que em qualquer outra época. Elas já perceberam que são protagonistas da sua história. O plano de valorização da mulher advogada neste ano de 2015 é um fruto da participação feminina crescente. Se não existe para o homem advogado, o motivo é pontual. Revista Leis&Letras: Como membro da Comissão de Direito de Família e presidente da Comissão de Direito Agrário da OAB-RN, quais os pontos de interseção entre os dois movimentos ? Andréa Nogueira: Percebo o trabalho desenvolvido em nome de uma mesma instituição em prol da sociedade e da classe. O Rio Grande do Norte tem 71,50% de área rural, o que representa um Estado minimamente urbano. Não existem ações em comum. Mas, o Direito de Família e o Direito Agrário são dois ramos com naturezas diferentes, igualmente impregnados na vidas das pessoas. Revista Leis&Letras: A 4ª Conferência de Segurança Alimentar e Nutricional do Rio Grande

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do Norte (CONSEA/RN) abordou o tema “Comida de verdade no campo e na cidade”. O Estado assegura esse direito à população? Andréa Nogueira: As conferências estimulam o compromisso na Política e no Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. A expressão comida de verdade faz referência aos alimentos não industrializados. A busca por práticas não saudáveis é um obstáculo à segurança alimentar. Por isso não devemos esperar somente do Estado. É preciso a participação popular com o real interesse em comida de verdade. Revista Leis&Letras: A ressurreição do instituto da culpa na separação pelo novo Código de Processo Civil é positivo para o Direito de Família ? Andréa Nogueira: Tenho a sensação de retrocesso. Constatar de quem é a culpa atrapalha a conciliação, rompe a celeridade e transforma o judiciário numa verdadeira lavanderia, onde os casais acabam deixando de brigar em casa para discutirem diante do juiz. Já tínhamos percebido tudo isso com a Emenda Constitucional n. 66, que resolveu dissolver o casamento pelo divórcio, extinguindo a separação. Agora, resta confiar na força da Emenda e torcer por uma unidade jurisprudencial. Revista Leis&Letras: A resolução de conflitos através da mediação, arbitragem e conciliação atrapalha o mercado da advocacia ? Andréa Nogueira: O advogado não é facilmente substituído. Formas céleres de resolução de conflitos devem ser estimuladas e comemoradas. Não devemos acreditar que o nosso ofício depende de um litígio. Uma de nossas promessas ao juramentar é “defender a rápida administração da justiça”. São meios alternativos do exercício de tolerância e de boa convivência. Também vejo como uma oportunidade de desconstrução da “indústria do dano moral”, ou a “insignificância do sofrimento”.


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