Revista Leis&Letras - Edição Especial 12 Anos - Nº 31 - 2018

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Leis&Letras Revista Jurídica | Edição 31 | 2018

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Fábio Timbó

O HOMEM QUE ERGUEU A BANDEIRA DA OABCE


COBCRED

EXCELÊNCIA EM RECUPERAÇÃO DE CRÉDITO A

CobCred atua na recuperação de crédito a nível nacional e está entre os melhores escritórios do Brasil, quanto a performance e estrutura. Com profissionais qualificados e motivados, em permanente especialização, tem importantes clientes, prestando o serviço para bancos, instituições financeiras, grupos varejistas e outros segmentos. Focada no crescimento contínuo, tem como missão promover a excelência para atender expectativas de clientes e parceiros. Com grandes investimentos em tecnologia, a CobCred conta com uma estrutura de ponta, composta de data center virtual, software de discagem com redundância em cluster, linhas totalmente digitais, servidores de bancos de dados, sistema de back office, portal digital com chat digitalizado e negociação através do aplicativo whatsapp, dentre outros. No intuito de motivar e valorizar os colaboradores, o setor de Recursos Humanos promove ações de desenvolvimento e endomarketing, alinhadas aos princípios estratégicos.

Fundação da Cobcred Tudo começou graças a vocação empresarial do fundador Vicente Costa. Natural de Parnaíba (PI), chegou à Fortaleza na década de 1980. Trabalhou no mercado financeiro e em 2004 resolveu colocar o próprio negócio. Os seus vastos conhecimentos, somados à sua formação em Direito, contribuíram para o sucesso da empresa. A prospecção de mercado começou em Fortaleza, onde fica a sede da CobCred Depois, o trabalho se estendeu para São Paulo, conquistando novos contratos com bancos, grupos varejistas e instituições financeiras. O empresário Vicente Costa, também conselheiro de ética da Associação Nacional de Empresas de Recuperação de Crédito (ASSERC – São Paulo), afirma que o sucesso da CobCred se deve ao compromisso em proporcionar a máxima qualidade nos serviços prestados. “Crescemos com os pés no chão e responsabilidade. Hoje temos uma carteira de cobrança a nível nacional”.

“Crescemos com os pés no chão e responsabilidade. Hoje temos uma carteira de cobrança a nível nacional”

CONTATO COBCRED – Matriz em Fortaleza Rua Pedro Borges, Nº20 - 7º andar - Salas 705 à 708 Fortaleza - CE contato@cobcred.com.br


AO LEITOR

Leis&Letras Revista Jurídica | Edição 31 | 2018

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MARCOS DUARTE, advogado especialista em Direito de Família e Sucessões, Presidente-executivo da Revista Leis&Letras

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Fábio Timbó

Doze Anos de Direito e Informação N

este ano de 2018, celebramos doze anos de criação da Revista Leis&Letras. Nada melhor que uma edição especial para curtir esse momento tão importante de vitória, perseverança, dedicação e contribuição para a cultura jurídica do Ceará e do Brasil. Por conta disso, a revista Leis&Letras, nesta edição, apresenta uma entrevista com a civilista renomada Rosa Andrade Nery, além de uma entrevista especial com a advogado Fábio Timbó sobre a construção da nova sede da OAB Ceará. Ademais, você não deve perder os artigos de conceituados doutrinadores, entre eles Zeno Veloso, o mestre do Direito Sucessório, Rolf Madaleno e Regina Beatriz Tavares da Silva. Para além disso, apresentamos a posse do Conselheiro do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), Valdetário Monteiro, como presidente da Academia Cearense de Letras Jurídicas para um mandato de três anos. Aproveite as dicas importantes do advogado Marcos Duarte sobre as mudanças na remoção do inventariante de acordo com o atual Código de Processo Civil e a reportagem esclarecedora sobre casamento e união estável no Brasil. Comemore conosco esses doze anos da Revista Leis&Letras que atinge um feito extraordinário de se manter no mercado editorial brasileiro apesar de todas as dificuldades, com isenção e compromisso com o direito e a informação. Desejamos-lhes boa leitura e até a próxima edição. Vida longa para nossa revista! Equipe Revista Leis&Letras

O HOMEM QUE ERGUEU A BANDEIRA DA OABCE

A Revista Leis&Letras é uma publicação da Leis&Letras Editora e Serviços Educacionais Ltda

ATENDIMENTO AO CLIENTE Fortaleza - CE Avenida SantosDumont, 3131, sala 704, Torre Del Paseo, CEP.: 60.150 -162 Fortaleza, CE Fone:(85)34563500 editor@leiseletras.com.br CNPJ08.007.537/0001-95 www.leiseletras.com.br Presidente-executivo Marcos VeniciusMatosDuarte diretor@leiseletras.com.br Diretora de Marketing e Eventos Mirna Duarte marketing@leiseletras.com.br Diretora de Circulação e Assinaturas Marília Duarte assinaturas@leiseletras.com.br Jornalista Priscila Alcântara JP 2423/CE Colaboradores: Manoela Queiroz Bacelar, Rolf Madaleno, Gladston Mamede & Eduarda Cotta Mamede, Zeno Veloso, Ciro Barbosa, Valmir Pontes Filho e Regina Beatriz Tavares da Silva Coordenação de Fotografia Paulo Figueiredo e Germano Preichardt Departamento Comercial/Publicidade MR Publicidademarketing@leiseletras.com.br Fone:(85)3456.3500 Impressão Halley Gráfica e Editora As opiniões emitidas em artigos assinados são de inteira responsabilidade dos seus autores e não refletem, necessariamente, a posição desta publicação. TODOS OS DIREITOS SÃO RESERVADOS É proibida a reprodução total ou parcial, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos e videográficos ou qualquer outro meio ou processo existente ou que venha a ser criado. Leis& Letras® é marca pertencente a M&R Publicidade e Propaganda Ltda, registrada no INPI — Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Esta publicação cumpre o Depósito Legal na Biblioteca Nacional previsto na Lei 10.994/2004


ÍNDICE

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Doze Anos de Direito e Informação

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Fábio Timbó

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Portugal vai legalizar 30 mil imigrantes que trabalham no país

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Casamento civil X União estável

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Guarda Compartilhada

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Corte internacional condena Brasil por não investigar morte de Herzog

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DIREITO ADQUIRIDO AO REGIME DE APOSENTADORIA - o princípio da segurança das relações jurídicas, o direito adquirido e a expectativa de direito

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Rosa Maria de Andrade Nery

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Basta de engodo! O casamento e a união estável são monogâmicos!

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É Namoro ou União Estável?

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Filhos adotados em confronto com os filhos destoados do recurso extraordinário 898.060 do STF

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O mais polêmico plantão judiciário da história forense

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DIRETORIA DA ACADEMIA CEARENSE DE LETRAS JURÍDICAS TOMA POSSE NO PALÁCIO DA LUZ

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A Repercussão Geral e a Distinção entre a Eficácia Normativa e sua Eficácia Executiva (Efeito Vinculante)

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Em que era estamos vivendo?

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GILBERTO SIEBRA, Filósofo, Advogado e Jornalista

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Testamento Vital

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Comentários atuais sobre remoção do inventariante

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A moralidade e o jogo de cintura da legalidade

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O atual pra frente Brasil com mais esporte para todos

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ENTREVISTA/CAPA

Fábio Timbó

São 17 anos de carreira. O atual secretário geral adjunto da OAB/CE é um um dos nomes mais fortes da advocacia no estado, colecionando experiências em diversas áreas no judiciário brasileiro. Atuante e ético, prioriza melhorias para a classe, celeridade do sistema de Justiça, apoia uma sociedade mais justa e é firme na luta para erguer uma OAB à altura da advocacia cearense.

“Minha primeira lição foi compreender que o trabalho e a dedicação são essenciais para construção de uma OAB/CE forte” 6

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ENTREVISTA

Fábio Timbó

Revista Leis & Letras: O senhor foi agraciado como um dos advogados mais admirados do Ceará em 2017. Diante deste título, como avalia a sua carreira e a sua postura profissional? Fábio Timbó: Na realidade, sinto-me lisonjeado com o

gentil reconhecimento, porém, creio ser justo reparti-lo com meus tantos outros colegas que, de forma referencialmente combativa, abrilhantam a advocacia cearense. Portanto, manifesto meus sinceros agradecimentos pelo título que me foi conferido, sendo sempre uma grande honra adornar quadros formados por pessoas tão relevantes no âmbito da advocacia cearense. Rememorando os momentos construídos ao longo da minha carreira, avalio de forma positiva os papéis que exerci com desvelo e dedicação, asseverando que a trajetória valeu e continua valendo a pena, sendo certo que, inobstante tantas agruras e empecilhos renitentes que surgem a cada novo passo, não escolheria nem caberia em outra profissão, pois a advocacia é uma arte revelada no meu cotidiano e exercida com independência e ética. Revista Leis & Letras: São 17 anos de Fábio Timbó como advogado. De lá para cá qual a sua análise a respeito do judiciário brasileiro? Evoluiu ou teve um retrocesso? Fábio Timbó: Nós estamos em constante movimento,

assim como o universo. Isso significa que mudanças ocorrem e são necessárias a cada instante. Sob meu ponto de vista, o Judiciário evoluiu dentro de alguns parâmetros, no entanto, há muito trabalho acumulado pela letargia arraigada no nosso sistema de justiça. Somos tomados pela cultura de litigar – e isso já pela falência do estado social nos diversos setores da sociedade – acabamos esquecendo que o apelo ao Judiciário deveria ser uma exceção, e daí vivemos essa “crise”, permeada por problemas políticos, falta de compromisso dos governantes, corrupção e despreparo de uma parcela dos servidores, tudo isso somado à morosidade, estrutura deficiente e má-gestão, tornando o Judiciário Brasileiro um retrocesso, pois encontra-se

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incompatível com as vicissitudes do mundo pós-moderno, onde tudo é muito líquido e transitório. No Poder Judiciário Estadual, assistimos nos dois últimos anos, uma grande involução no que diz respeito ao aumento exacerbado das custas judiciais; um projeto de lei desenhado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará e aprovado, equivocadamente, pela Assembleia Legislativa; e uma tentativa de desagregação da estrutura da máquina judiciária, quando na contramão do crescimento vegetativo da população, desenvolveu-se um plano de reestruturação para desativar 60 (sessenta) comarcas vinculadas, que deveriam ser “anexadas” a outras comarcas-sedes, impactando de forma negativa no acesso do cidadão à justiça, direito consagrado na Constituição da República. Revista Leis & Letras: Do ano passado para esse, um dos assuntos mais comentados é referente à reforma trabalhista. A OAB/CE debateu muito sobre o assunto, mas o senhor, como advogado, é contra ou a favor? Fábio Timbó: A reforma trabalhista, editada e publi-

cada meio a tantas instabilidades políticas, integra o pacote de reformas estruturantes, juntamente com a política, a previdenciária e a tributária, necessárias ao desenvolvimento econômico do Brasil. Lamentavelmente, a publicação da lei não deu oportunidade ao debate prévio junto com os vários setores da sociedade envolvidos neste processo de mudança legislativa. Mas há que se colocar que, por exemplo, foram mantidos intactos os artigos 9º e 468 da CLT que, respectivamente, inquina de nulidade quaisquer atos que objetivem desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação de preceitos da CLT, e que considera ilícitas as alterações contratuais unilaterais, ou mesmo bilaterais se resultarem em prejuízo ao empregado. Não se pode olvidar que o Direito do Trabalho existe pela necessidade de proteção ao empregado, diante da relação desigual com o empregador, que dirige a prestação pessoal de serviços, e o empregado, que trabalha com subordinação hierárquica. As principais críticas à reforma con-


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Sob meu ponto de vista, o Judiciário evoluiu dentro de alguns parâmetros, no entanto, há muito trabalho acumulado pela letargia arraigada no nosso sistema de justiça”

centram-se no temor da desconstrução do direito do trabalho, que decorreria em retrocessos relacionados às garantias sociais, desregulamentação da legislação trabalhista, reduções referentes à responsabilidade social das empresas, entre outros. Porém, a reforma trouxe benefícios para os trabalhadores, entre eles o parcelamento das férias em até três períodos; a garantia de condições iguais para terceirizados; a desburocratização para receber o seguro-desemprego e sacar o FGTS; a permissão da rescisão de contrato de trabalho por comum acordo entre outros, portanto, existem pontos favoráveis sim, em que pese mudanças bruscas em direitos outrora conquistados.

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ENTREVISTA

Fábio Timbó

Revista Leis & Letras: No seu ponto de vista, como a advocacia no Brasil pode “driblar” a crise que vivemos na atualidade? Fábio Timbó: O Brasil atravessa uma crise sem prece-

dentes, sendo a maior do período pós-industrial. O cenário atual não dá espaço para nenhum otimismo, principalmente, pela instabilidade política de um país que ainda tem uma infraestrutura precária, alto nível de desemprego e uma inflação desmedida. Preocupo-me com o pouco investimento na formação de crianças e jovens, pois a capacidade de mudança e melhoria de uma sociedade está ligada à educação, ao investimento em capital humano e não apenas econômico. Ocorre que a educação, a preparação e a formação de um cidadão crítico que possa estar inserido no mercado, continuamente aprendendo e evoluindo, exige certo investimento e bastante dedicação. Assim deve ser o advogado, um profissional cônscio de sua formação contínua, devendo acompanhar as mudanças e reciclar seus conhecimentos, não se permitindo parar no tempo. Revista Leis & Letras: Como o senhor avalia o mercado de trabalho para o advogado no Estado do Ceará? Fábio Timbó: Acredito que o mercado de trabalho no

nosso estado precisa de muitas melhorias e modificações culturais, principalmente no que diz respeito à inserção da jovem advocacia no cenário laboral. A região Nordeste está distante e aquém da realidade das regiões do Centro-Sul no que diz respeito ao reconhecimento profissional, piso salarial, tempo de jornada de trabalho, capacitação jurídica, dentre outros. Refiro-me, em especial, à questão da visão em geral e do empresariado local refletida na resistência em pagar honorários dignos aos advogados e em adotar uma cultura preventiva de orientação, no sentido de prevenir o litígio. Diante disso, são necessários debates conjuntos para novas diretrizes de planejamento, gestão, proteção das prerrogativas, uso de novas tecnologias e etc., no sentido de diminuir a resistência ainda vista na contratação de jovens advogados.

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Revista Leis & Letras: O Poder Judiciário Estadual enfrenta muitos problemas. Na sua visão, qual o maior deles? E a solução? Fábio Timbó: Dentre os vários problemas que per-

meiam o sistema de justiça, aponto como o maior entrave a morosidade refletida pela carência de gestão e uniformização de procedimentos. Na verdade, não há uma padronização a seguir, o que acaba tornando a justiça descontínua, inviabilizando a entrega da prestação jurisdicional a quem precisa. Com as devidas exceções – já que temos muitos magistrados, membros do ministério público, defensores públicos e servidores modelares – temos que ter a coragem de apontar que muitos não possuem poder algum de gestão, deixando um vazio nesse sentido organizacional, o que nos leva a concluir que a mudança deve ser eminentemente estrutural, bem como dirigida à compensação da carência de servidores efetivos e número insuficiente de magistrados, promotores e defensores nas comarcas do Estado. Precisamos enfrentar essa problemática com muita seriedade e determinação. Revista Leis & Letras: A justiça no Brasil, na sua opinião, é realmente falha como muitos dizem por aí? Fábio Timbó: É preciso distinguir o plano entre os atos

singulares da justiça (o resultado de cada processo) e o sistema de justiça. A grande contradição é que, mesmo havendo efetividade em alguns poucos atos sin-


“Preocupo-me com o pouco investimento na formação de crianças e jovens, pois a capacidade de mudança e melhoria de uma sociedade está ligada à educação” gulares, o sistema como um todo pode aparecer como falho em virtude da ineficiência na maioria das causas ou mesmo numa causa em especial. Para além dessa condição lógico-abstrata, na justiça penal, por exemplo, o que se pode constatar, é uma forte seletividade do sistema que funciona bem quando se trata de punir uma classe (entre os quais lideram jovens pobres e negros) e que opera com morosidade quando se trata de pessoas abastadas, descaracterizando a imparcialidade que deve permear a justiça, não fazendo distinção entre aqueles que estão sendo julgados. Revista Leis & Letras: O senhor atua na OAB/ CE desde a gestão do Valdetário Monteiro, ex-presidente e atual conselheiro do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Hoje, o presidente é Marcelo Mota. Ou seja, presenciou e participou de duas gestões. Fazendo um balanço, quais as lições que ficaram deste período? Fábio Timbó: Realmente, minha primeira partici-

pação em gestões na OAB/CE foi com o dileto amigo Valdetário Andrade Monteiro, que promoveu mudanças significativas que foram essenciais para a construção do que hoje se vê na advocacia cearense. Tivemos um forte incremento da interiorização da OAB com a consequente criação de várias subseções em diversas regiões no interior do estado. Vimos a eclosão de uma OAB mais altiva, forte e efetiva na

condução das diretrizes institucionais. Tivemos o destemor e a independência de colocarmos outdoors em cada cidade, denunciando a ausência de magistrados no interior, bem como a aposição de cruzes na rampa do Fórum “Clóvis Beviláqua”, simbolizando o sepultamento do Poder Judiciário Estadual para demonstrar sua inércia, sendo objeto de matéria nacional. Criamos o movimento “Justiça Já” e a implementação do curso preparatório para a advocacia em início de carreira. Valdetário foi o grande idealizador da unificação de todo sistema da OAB (OAB, ESA e CAACE) em um mesmo local, resultando na construção de um dos maiores equipamentos da advocacia no Brasil. A gestão dele ficou conhecida pela sua forma de conduzir, com maestria, o diálogo com todos, mantendo permanentemente aberta as portas da OAB, lidando com a igualdade e o discurso democrático nas diversas questões colocadas. Minha primeira lição foi compreender que o trabalho e a dedicação são essenciais para construção de uma OAB/CE forte. Entendo que o momento atual diverge daquele outrora vivido, face às dificuldades trazidas pela crise econômica em nosso país. Porém, conhecemos os bons marinheiros em períodos de tempestade. Agora, mesmo com dificuldades, a OAB/CE precisa se recompor. Temos que unir todos em busca de um mesmo projeto, capaz de erguer uma OAB à altura da advocacia cearense.

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ENTREVISTA

Fábio Timbó

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“A construção da nova sede da OAB/CE foi a concretização de um sonho almejado pela advocacia cearense, pois sonho que se sonha junto é mais que realizar”

Revista Leis & Letras: Alguns meios de comunicação têm noticiado que o senhor tomou à frente a entrega da nova sede da OAB/CE passando por cima do atual presidente, o que faz as especulações aumentarem sobre a corrida eleitoral deste ano. O que tem a dizer sobre isso? Fábio Timbó: É necessário explanar que o ex-presi-

dente da OAB, Valdetário Andrade Monteiro, e sua diretoria, me oportunizaram participar de toda a idealização da obra da nova sede, das tratativas iniciais, inclusive, nas questões de planejamento territorial e procedimentos imobiliários, dos quais tenho certa aptidão e especialidade, por fazer parte do meu cotidiano como advogado. Tão logo tomei posse, em janeiro de 2016, como Secretário-Geral Adjunto e Corregedor-Geral da OAB/CE, a atual diretoria deu continuidade às execuções dos projetos, confiando-me a tarefa de conduzir e fiscalizar todos os aspectos da obra, até que fosse plenamente entregue à sociedade. Percebo que a sabedoria, como a entendo, está em fazer as escolhas que tenham maior probabilidade de nos satisfazer, mas sem jogar sujo, sem puxar os tapetes, sem usar as armas da covardia, da maledicência, da emboscada, enfim, entender que ser verdadeiro é muito mais fácil

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do que ficar criando versões. Procurei apenas, com muita humildade e determinação fazer o meu papel. As conclusões externas são de cada um e não tenho ingerência sobre isso, cabendo-me continuar na estrada da democracia com retidão. Revista Leis & Letras: Ainda sobre a nova sede da OAB/CE, a construção desse prédio foi motivo de muitas críticas por setores da advocacia cearense, inclusive em relação a possíveis irregularidades. Qual a sua opinião a respeito disso? Fábio Timbó: De forma muito objetiva, o que eu posso

dizer é que não houve nenhuma irregularidade, mas uma grande dificuldade financeira, proveniente de uma enorme inadimplência das anuidades, que contribuíram para a readequação do cronograma de conclusão da obra. A construção da nova sede da OAB/CE foi a concretização de um sonho almejado pela advocacia cearense, pois sonho que se sonha junto é mais que realizar. Revista Leis & Letras: Segurança pública é outro assunto bastante debatido. Como a OAB pode agir junto ao Governo estadual nessa problemática? Fábio Timbó: A OAB pode ser um dos articuladores de

um amplo debate com outros agentes interessados na discussão sobre segurança pública, como os grupos de pesquisa nas universidades, as comunidades, os parlamentares, as associações civis, os coletivos de juventude que militam pela descriminalização das drogas, visando construir consensos políticos a partir da rigorosa investigação e reflexão sobre os dados alarmantes relativos ao número de homicídios, a guerra das facções, a superlotação dos presídios, o encarceramento da juventude negra e pobre e a ocorrência de abuso e violência policial. Pode, ainda, agir na defesa intransigente dos direitos humanos, resguardando a dignidade das vítimas da violência, dos policiais e dos infratores, sobretudo diante da exposição midiática e possível arbitrariedade das autoridades públicas.


Revista Leis & Letras: São 85 anos de OAB no Ceará. O que o senhor pode destacar nesse quase um século de luta e história? Fábio Timbó: Ao olhar para trás, vislumbro um pas-

Revista Leis & Letras: Doutor, como avalia a sua participação direta ou indiretamente nestes anos de OAB/CE? Fábio Timbó: É difícil falar de si mesmo, mas o que posso

sado de lutas e incessante defesa da Constituição, da democracia e dos postulados ético-morais que informam as sociedades livres. A liberdade, durante essas décadas, serviu de estandarte nas mãos dos advogados e advogadas que, numa cívica abnegação, serviram à instituição com o desvelo que a marcou em todas as passagens de sua profícua existência, sobretudo nos momentos mais sombrios de nossa República, em que a entidade se ergueu contra as potestades do arbítrio que preponderaram à época até a efetiva redemocratização do Brasil. Outra bandeira empunhada com bravura foi a da ética, fortalecendo-a no intensivo combate à corrupção e às mazelas administrativas que teimam em deformar o nosso Estado Democrático de Direito. Em nosso estado do Ceará, seio libertário e vanguardista por essência, a OAB sempre protagonizou posturas importantes para o seu desenvolvimento e para valorização de suas instituições, dentro de seu relevante papel social. Neste contexto, é imperioso destacar as significativas contribuições de todos os seus quadros, desde a sua fundação, capitaneada pelos ilustres advogados Edgard Cavalvante de Arruda, José Martins Rodrigues e Dolor Barreira, passando pelas marcantes gestões de Olinto Oliveira, Clodoaldo Pinto, Carlos Roberto Martins Rodrigues, Jesus Xavier de Brito, Vasco Damasceno Weyne, Silvio Braz Peixoto da Silva, Raimundo Bezerra Falcão, Ernando Uchôa Lima, José Feliciano de Carvalho, Cândido Albuquerque, Paulo Quezado, Hélio Leitão, Valdetário Andrade Monteiro, até os dias atuais. Imbuído neste espírito e nessas referências é que apostarei todos os esforços para que a OAB/CE resgate seu status no seio de nossa sociedade, em prol de seu fortalecimento, valorizando a honrosa classe de advogados e advogadas confirmando, igualmente, a sua vocação de trincheira cívica de nosso povo alencarino.

dizer é que durante todos esses anos, tenho procurado me doar de forma incessante em busca de dias melhores para a advocacia cearense. Acredito que venho cumprindo o meu dever com muita coragem e determinação, trabalhando com afinco e ética. Todos nós temos uma missão. Eu procuro cumprir a minha com dedicação e dignidade, orgulhando-me do exercício do meu trabalho e agradecendo a Deus por ter a oportunidade de contribuir para o fortalecimento da advocacia, por uma sociedade mais justa, por lutar por aquilo que acredito e por ter construído grandes amizades. Revista Leis & Letras: E para o futuro, o que podemos esperar? Fábio Timbó: É preciso debater iniciativas que facilitem a

estruturação da modernização na área jurídica ao mesmo passo que a humanização dos colegas deve ser primordial nas relações profissionais e sociais, no sentido que seja rentável, mas essencialmente prazerosa. Sabemos que a atividade jurídica é uma das que mais provoca a mudança de área (mudança de carreira), insatisfação e estresse por conta de uma frustração que assola a atividade e precisa ser observada para que o exercício da advocacia, sobretudo, volte a ser de fato o exercício de uma ciência humana, preservando relações, precavendo litígios e causando impacto social e econômico. O profissional do futuro, quer seja no ramo do direito, negócios ou qualquer outra atividade, deve estar atento para o fato de que nestes aspectos a máquina não poderá substituir o homem. Esta é a consciência que se deve ter hoje. O profissional deve explorar habilidades sociais, emocionais e manuais que não podem ser exercidas por computadores. Na minha opinião, o advogado do futuro deve estar munido de ferramentas capazes de fazer prevalecer a satisfação do cliente, acreditar na mudança do Poder Judiciário, defender e fazer respeitar todas as nossas prerrogativas, procurar a mediação e ter a certeza de que a nossa atuação tem um papel fundamental na sociedade.

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INTERNACIONAL

Portugal vai legalizar 30 mil imigrantes que trabalham no país O Governo de Portugal está disposto a regularizar a situação de cerca de 30 mil imigrantes, que não têm como comprovar que entraram legalmente, mas que já trabalham há pelo menos um ano no país. O objetivo é conceder uma autorização de residência àqueles que entraram sem visto e que, por isso, não conseguem cumprir os requisitos para a legalização. Entre os imigrantes há um grande número de brasileiros, chineses, nepaleses e indonésios. Marieta Cazarré - Agência Brasil - Lisboa

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om a exigência da documentação de entrada legal no país, milhares de imigrantes que estão integrados, trabalhando e recolhendo impostos não conseguem efetivar suas legalizações. Com a aprovação do decreto para regularizar os imigrantes, Portugal faz um movimento contrário ao que se observa na Europa atualmente. Enquanto a maioria dos países encara as migrações com um grande problema, como ficou evidente na última reunião do Conselho Europeu na semana passada, Portugal pode ter nos imigrantes a solução para o forte problema demográfico que enfrenta. Portugal é um país pequeno, com apenas 10,3 milhões de habitantes, e com uma população que vem diminuindo a cada ano. É consenso entre os políticos portugueses de que são necessárias providências para combater o decréscimo da população. O pro-

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blema é que não há consenso sobre quais devem ser as políticas adotadas. De um lado, encabeçados pelo primeiro-ministro António Costa (Partido Socialista), estão os que acham que o país deve atrair imigrantes. De outro lado, estão políticos como os do PSD (Partido Social-Democrata, que acreditam que o incentivo deve estar focado nas políticas de estímulo à natalidade para os próprios portugueses. Enquanto deputados de partidos como o Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Socialista (PS) afirmam que é necessária a entrada de 75 mil imigrantes por ano para que Portugal consiga enfrentar o declínio demográfico; Rui Rio, o presidente social-democrata, defende uma "política para a infância”, que inclui uma ajuda de 10 mil euros por filho (a ser paga em parcelas, até os 18 anos de idade) e creches gratuitas a partir dos seis meses.


MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL

Projeção Independentemente da opção que Portugal faça, os cenários atuais não são positivos. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística de Portugal (INE), entre 2015 e 2080, a população do país diminuirá dos atuais 10,3 milhões para 7,5 milhões de pessoas, ficando abaixo do limiar de 10 milhões em 2031. O número de jovens cairá de 1,5 para 0,9 milhões. Mesmo com aumento na taxa de fecundidade, ainda assim, haverá diminuição do número de nascimentos, motivada pela redução de mulheres em idade fértil, como reflexo de baixos níveis de fecundidade registrados em anos anteriores. O número de idosos passará de 2,1 para 2,8 milhões. O índice de envelhecimento mais do que duplicará, passando de 147 para 317 idosos por cada 100 jovens, em 2080. A população em idade ativa diminuirá de 6,7 para 3,8 milhões de pessoas. Este índice passará de 315 para 137 pessoas em idade ativa por cada 100 idosos, entre 2015 e 2080.

De acordo com o

Instituto Nacional de Estatística de Portugal (INE), entre 2015 e 2080, a população do país diminuirá dos atuais 10,3 milhões para 7,5 milhões ficando abaixo do previsão de 10 milhões em 2031

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REPORTAGEM

Casamento civil X União estável A união estável está cada vez mais comum e para muitos é “igual” a casamento. Mas será que é isso mesmo?

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uas pessoas resolvem morar juntas. Costuma-se dizer que elas estão casadas, mesmo que a situação não tenha sido formalizada no papel. O que muitos não sabem é que há alteridades entre morar junto e estar casado. A união estável e o casamento embora aparentemente semelhantes, são dois institutos que possuem diferenças significativas – até porque, se fossem exatamente iguais, o casamento deixaria de existir e só teríamos a união estável (ou vice e versa). Uma das principais diferenças se dá em sua formação. O casamento é um vínculo jurídico estabelecido entre duas pessoas, para constituírem uma família. Esse vínculo é realizado mediante uma autoridade competente, e baseado em condições descritas pelo direito civil. Já a união estável é a relação mantida entre duas pessoas, sejam solteiras, viúvas ou divorciadas, que vivem sob o mesmo teto, e deve ter caráter duradouro, público e com o objetivo de constituir famí-

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lia. Tanto o casamento como a união estável tem sua relação regida pelo direito de família, garantida pela Constituição de 1988. Porém, a união estável há muito tempo foi confundida com o crime de adultério, que foi revogado do Código Penal em 2005. As pessoas acreditavam que quem convivia com o outro sem estar casado na maioria das vezes mantinha uma relação oculta e de certa forma muitos discriminavam essa forma de relacionamento.


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Antigamente as pessoas viviam de forma livre e o casamento surgiu como instituição, especialmente sob intervenção da Igreja, para controle da monogamia e perpetuidade da relação. Não há como esconder ou ser contra a união estável. É sim também uma forma de constituir família mas que difere do casamento em razão da sua informalidade para sua constituição, mantença e dissolução” Rolf Madaleno, professor e advogado

Para Rolf Madaleno, professor e advogado com exclusividade na área do Direito da Família e Sucessões no Rio Grande do Sul (RS), a união estável é uma realidade que precede ao próprio instituto do casamento. “Antigamente as pessoas viviam de forma livre e o casamento surgiu como instituição, especialmente sob intervenção da Igreja, para controle da monogamia e perpetuidade da relação. Não há como esconder ou ser contra a união estável. É sim também uma forma de constituir família mas que difere

do casamento em razão da sua informalidade para sua constituição, mantença e dissolução”. No Brasil já eram dados os mesmos efeitos jurídicos do casamento à união estável na dissolução em vida desta relação, como partilha de bens em regime estabelecido pela lei de comunhão parcial e o direito à pensão alimentícia dos conviventes, além do direito de habitação em caso de falecimento de um dos companheiros. “O Supremo Tribunal Federal (STF) veio equiparar também os efeitos sucessórios da união estável aos do casamento. É com essa absoluta equiparação que não concordo”, revela Regina Beatriz Tavares da Silva, presidente da Associação de Direito da Família e das Sucessões (ADFAS) em São Paulo (SP).

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REPORTAGEM

A advogada explica: “Na lei que vigorava (art. 1790 do Código Civil), o convivente teria direito sucessório somente aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável. Os bens que foram adquiridos antes e àqueles que o companheiro falecido recebeu por doação ou herança durante a união estável não era de direito do companheiro. Com a equiparação ao casamento, realizada pelo STF, o convivente passou a ter direito sucessório a todos os bens deixados pelo falecido, não importando se foram adquiridos antes ou durante o casamento, nem se a aquisição foi onerosa ou gratuita”. E há quem confunda união estável com namoro ou noivado. Isto porque no direito brasileiro formou-se o entendimento jurisprudencial pelo qual na união estável dispensa-se a coabitação, ou seja, a moradia sob o mesmo teto para a sua configuração. Regina Beatriz se opõem à tese de que pudesse haver união estável entre pessoas que moram separadas. “Na prática, fica fácil esse equívoco. Num dia o casal está jurando amor eterno e no outro se separam. Um dos dois não satisfeito com o término, resolve acionar a Justiça, alegando que eram companheiros em união estável e pede metade de todos os bens adquiridos durante o namoro. E agora? O problema está exatamente no fato de, como a lei não exige que se more junto, muitas vezes namorados são confundidos como companheiros. Namorados moram em casas separadas, e companheiros muitas vezes também”.

Com opiniões diversas pelos estudiosos do direito de família, muitos são contra, mas também há quem é a favor à equiparação e a constante legalização da união estável que está se transformando em um casamento com controle institucional. “Creio que é tempo de legislarem sobre os dois institutos para estabelecer claras distinções e efeitos jurídicos entre ambos, de modo que as pessoas possam não só optar por um deles, de forma clara e consciente, mas que saibam exatamente as consequências legais resultantes das suas escolhas”, enfatiza Rolf Madaleno. De fato, o elemento primordial em ambas situações é a coexistência. O convívio, seja no casamento ou na união estável, é do ponto de vista jurídico um contrato que possui cláusulas que incluem o respeito, a cooperação, a cumplicidade e a lealdade. O papel comprova um estado civil, a declaração da união estável é um documento que menciona uma situação existente entre pessoas, mas os preceitos para uma boa convivência, em qualquer situação, prioriza o respeito e devem estar inseridos mais no coração, na confiança e no amor ao companheiro (a) do que apenas em algum registro.

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União estável homoafetiva Tanto os casais heterossexuais, quanto homossexuais gozam do mesmo direito de terem sua união estável reconhecida. Inclusive o Conselho Nacional de Justiça reconheceu, após reiteradas decisões favoráveis nos Tribunais Superiores, o direito dos casais homoafetivos a converterem a união estável em casamento civil, segundo o editado na Resolução n° 175 de 14 de Maio de 2013. Isso significa que casais homossexuais não só têm o direito de lavrar a Declaração de União Estável homoafetiva em cartório, como também podem oficializar a união através do casamento civil, sem nenhum embaraço, em ambos os casos.

O que permanece igual: CONCEITO DE FAMÍLIA

Para a Constituição, os dois tipos de união formam família. SOBRENOMES

Qualquer um dos companheiros pode realizar a troca de sobrenome. PENSÃO

Em caso de separação, se uma das partes era dependente financeiramente, é possível pedir pensão alimentícia. GUARDA DOS FILHOS

A guarda dos filhos menor de idade, se houver discordância, deve ser decidida em processo judicial.

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ARTIGO PAULO LINS E SILVA, Advogado de Família, Diretor Internacional do IBDFAM, Membro da International Academy of Family Lawyers (IAFL) e Membro da Asociación Internacional de Juristas de Família

Guarda Compartilhada A

sociedade brasileira no passar das últimas décadas sofreu transformações significativas decorrentes de mudanças localizadas no seio familiar, eis que o próprio instituto “família”, por ser considerado um dos pilares da sociedade, está, consequentemente, em constante evolução. Desta maneira, as mudanças substanciais ocorridas no âmbito familiar acabam por refletir na sociedade como um todo e tem o condão de influenciar a produção legislativa do país. Sabe-se que as estruturas familiares atuais são orientadas pelo afeto, solidariedade, lealdade, confiança, respeito e amor entre seus membros. Tempos atrás o casamento era tido como único identificador de uma família. Contudo, nos diais atuais, passou a ser apenas uma das diversas modalidades de formação da família, prevalecendo, sobretudo, o sentimento e vínculo afetivo existente entre os seus membros. No modelo de família contemporânea, importante destacar que a filiação foi separada do casamento. Deste modo, sua conceituação é pautada nas relações de afeto e consanguinidade. Ademais, cumpre esclarecer que a filiação se deslocou do conceito de entidade familiar, devendo, sempre que possível, ser analisada de forma autônoma da família1. Sob esta ótica, se compreende de forma mais cristalina a origem do instituto da guarda compartilhada, recente no ordenamento jurídico brasileiro, eis que, já de forma majoritariamente pacífica, a sociedade civil

brasileira demonstra ampla aceitação ao divórcio. Segundo os dados da pesquisa “Estatísticas do Registro Civil” realizada em 20142, divulgados pelo IBGE no ano seguinte, indicam que foram homologados 341,1 mil divórcios, um salto significativo em relação a 2004, quando foram registrados 130,5 mil divórcios. Esses números representam um aumento de 160% dos divórcios no Brasil na última década. Como é de elementar conhecimento, a maioria dos divórcios é dotada de intenso desgaste emocional e, por conseguinte, os sentimentos a flor da pele acabam esvaziando os diálogos, encaminhando os conflitos conjugais cada vez com mais frequência a terem seu desfecho no Poder Judiciário. Dentre diversas consequências que este fenômeno de judicialização dos conflitos familiares pode ocasionar, a que se mostra mais preocupante é, sem dúvidas, a ausência de proteção aos filhos comuns. Com o intuito de reduzir ao máximo essa drástica consequência, surgiu em 2008 no ordenamento jurídico brasileiro, através da Lei 11.698/08 a guarda compartilhada, como uma alternativa em relação à guarda unilateral. Em momento posterior, Lei 13.058/14, tornou a guarda compartilhada regra geral do direito brasileiro. Antes mesmo da inovação no ordenamento jurídico no ano de 2008, fora aprovado em 2006 na IV Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal, o enunciado nº 335 que dispôs

1 LOCATELI, Claudia. Guarda Compartilhada – efetivação dos direitos fundamentais da convivência familiar e do melhor interesse da criança e do adolescente. P. 141 - 159 2 http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-11/divorcio-cresce-mais-de-160-em-uma-decada

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A partir de uma simples análise do artigo 1.584 e seus subsequentes incisos e parágrafos, extrai-se que quando não houver acordo entre o genitor e a genitora da criança a respeito da guarda do menor, será aplicada a guarda compartilhada, desde que ambos os genitores estejam aptos a exercer o poder familiar” que “a guarda compartilhada deve ser estimulada, utilizando-se, sempre que possível, da mediação e da orientação de equipe interdisciplinar”. A guarda compartilhada surgiu na Inglaterra na década de 60 e percorreu diversos países antes de chegar até o Brasil. O objetivo deste instituto é convocar os pais a exercerem de maneira conjunta a autoridade parental, manter intacta a relação afetiva entre pais e filhos, mesmo após a dissolução da sociedade conjugal, possibilitando assim o desenvolvimento sadio dos pequenos e garantindo o principio do melhor interesse do menor. A necessidade de aplicação do instituto da guarda compartilhada deu-se, principalmente, pela percepção de que a guarda unilateral gera um afastamento da

convivência familiar de um dos genitores, afetando o direito fundamental de convivo familiar, que por sua vez, é assegurado às crianças e aos adolescentes. Com a Constituição de 1988 houve a incorporação ao ordenamento jurídico brasileiro não só da proteção integral da criança e do adolescente, como também de um complexo conjunto de direitos atribuindo aos pequenos uma ampla garantia e proteção. Dentre essas garantias, encontrou-se o direito ao convívio familiar, e diversos outros direitos fundamentais. Posto isso, não restam dúvidas que os motivos impulsionadores da criação deste instituto encontram respaldo em intenções significativamente louváveis. Entretanto, muito embora os benefícios desse modelo sejam muito respeitáveis e de indubitável importância, não se pode deixar de comentar as legitimas críticas realizadas a ele, diante das lacunas que insistem em aparecer. A partir de uma simples análise do artigo 1.584 e seus subsequentes incisos e parágrafos, extrai-se que quando não houver acordo entre o genitor e a genitora da criança a respeito da guarda do menor, será aplicada a guarda compartilhada, desde que ambos os genitores estejam aptos a exercer o poder familiar. Não fosse suficiente a ideia de dividir o poder parental de forma igualitária entre os dois genitores da criança, o legislador se preocupou em comentar a respeito da divisão de convívio entre os pais e o menor. Neste sentido, preceitua o parágrafo 2º do artigo 1.583 do Código Civil: “deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos”.

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ARTIGO

Com a inclusão dos aludidos artigos, torna-se inquestionável a alteração realizada pelo legislador no âmbito do direito de família brasileiro, uma vez que até o ano de 2008, era papel do julgador, diante de um litígio, decidir a respeito da concessão da guarda unilateral do menor. Importante que se ressalte que a jurisprudência anterior ao ano de 2008 era direcionada, em sua enorme maioria, a atribuir a guarda unilateral ás mulheres. No ano de 2007, de acordo com o IBGE3, cerca de 89,2% da responsabilidade da guarda era concedida às mães das crianças. Com o fito de esclarecer de forma ampla a questão em comento, importante comentar a diferença existente entre guarda e autoridade parental. De acordo com o entendimento do ilustre doutrinador Gustavo Tepedino4, a dissolução da sociedade conjugal ou da união estável em nada modifica o poder familiar. Neste sentido, preceitua o artigo 1.632 do Código Civil: “a separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos”. Neste sentido, o legislador apontou no artigo 1.579: “o divórcio não modificará os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos”, bem como no artigo 1.634 do mesmo código “compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos”. Como bem destaca Carlos Roberto Goncalves “a guarda compartilhada busca demonstrar a preservação da unidade familiar, de acordo com o desempenho dos pais no momento de exercê-la, prevalecendo a conscientização dos ex-cônjuges que o fim da vida conjugal não põe fim a responsabilidade e tare-

fas a serem desempenhadas por ambos os pais em relação aos menores”. Posto isso, não pairam dúvidas quanto ao objetivo central da lei que incluiu no ordenamento jurídico a guarda compartilhada, qual seja, a manutenção do direito ao convívio familiar da maneira menos restrita possível, mantendo por sua vez a autoridade parental de ambos os genitores, não só no plano nas ideias como também, no plano fático. A guarda compartilhada reduz a possibilidade de desavenças entre os pais, em tese, pois prima pela continuidade das relações entre pais e filhos, evitando sua exposição aos conflitos familiares, contribui para uma convivência harmônica entre os genitores que deverão tomar decisões em comum acerca da vida de seus filhos. A guarda compartilhada se apresenta como principal beneficio a igualdade nos direitos e obrigações perante os filhos e, por sua vez, garante que os genitores não irão perder o contato com sua prole, eis que poderão tomar decisões relativas a vida do infante de forma conjunta. Sendo assim, percebe-se que as obrigações derivadas da guarda compartilhada são mais justas, sendo divididas entre ambos os genitores e, não deixando recair o peso sob só um dos genitores, flexibilizando a vida pessoal de cada um deles. A maior vantagem da guarda compartilhada recai sobre os filho do ex-casal, permitindo que a criança tenha acesso aos genitores sempre que sentir necessidade, além de haver uma maior disponibilização de tempo na relação entre pais e filhos. Sob esta égide, tornam-se inequívocas as benfeitorias trazidas pelo instituto da guarda compartilhada. Entretanto, a depender das peculiaridades do caso concreto, torna-se inviável a aplicação desse ins-

3 https://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?vcodigo=RGC403 4 TEPEDINO, Gustavo. A disciplina da guarda e a autoridade parental na ordem civil-constitucional. Revista Trimestral de Direito Civil, v. 17, n. 5, p. 41-42, jan./mar. 2004.

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A guarda compartilhada reduz a possibilidade de desavenças entre os pais, em tese, pois prima pela continuidade das relações entre pais e filhos, evitando sua exposição aos conflitos familiares, contribui para uma convivência harmônica entre os genitores que deverão tomar decisões em comum acerca da vida de seus filhos” tituto por uma série de razões que merecem atenção. No ano de 2008, com a modificação disposta no parágrafo 2º do art. 1.594, ficou estabelecido que, quando não houvesse consenso entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, seria sempre que possível, a guarda compartilhada. Naquele ano, muitos foram os debates doutrinários que surgiram acerca da expressão “sempre que possível” ali contida. Prevaleceu-se então, o entendimento de que a guarda compartilhada só seria possível caso houvesse um mútuo consenso. Nesta linha, Rolf Madaleno defendeu em seu livro datado de 2008 que a guarda compartilhada só seria adequada aos casos que houvesse comum acordo entre os genitores do menor: “em processo amistoso de separação judicial, ou de guarda, pois apenas por consenso e consciência dos pais será possível aplicar a custódia compartilhada, que se mostra de todo inviável no litígio, com os pais em conflito”5. Assim sendo, chegava-se a entender ainda que “para

as famílias destroçadas, deve optar-se pela guarda única e deferi-la ao genitor menos contestador e mais disposto a dar ao outro o direito amplo de visitas”6. Contudo, em 2014 o legislador positivou através da Lei 13.058, a guarda compartilhada como regra, excetuando-se os casos onde um dos genitores se manifestarem expressamente no sentido de que não deseja ou não pode exercer a guarda da criança. A partir disso, novas questões foram levantadas eis que parece paradoxal aos olhos de muitos, instituir o modelo de guarda compartilhada quando se está diante de uma situação de litigio, muitas vezes extremo, entre os genitores do menor. Ademais, surgiu nos tribunais brasileiros diversas demandas requerendo a diminuição, ou até mesmo a exoneração de alimentos sob o pretexto que a guarda em vigor era a compartilhada. Sendo assim, os tribunais se posicionaram no sentido de que os mencionados institutos possuem natureza distinta e, em nada, devem se confundir um com o outro. CIVIL. ALIMENTOS. EXONERAÇÃO. GUARDA COMPARTILHADA. IMPOSSIBILIDADE. I. A exoneração do encargo alimentício depende da comprovação de que houve modificação nas possibilidades financeiras de quem os supre ou nas necessidades de quem os recebe (art. 1.699 do Código Civil ). II. A guarda compartilhada, por si só, não afasta a obrigação alimentar, mormente quando o lar de referência não é o do alimentante. III. Negou-se provimento ao recurso. (TJ – DF nº 20150111385846 - Segredo de Justiça 001929314.2015.8.07.0016, Relator: Des. José Divino, Data de Julgamento: 8 de março de 2017, 6ª Turma Cível, Data da Publicação: 14/03/2017) AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. GUARDA COMPARTI-

5 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 360. 6 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um modelo de responsabilidade parental. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 225.

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ARTIGO

LHADA. TUTELA ANTECIPADA. PROVA INEQUÍVOCA. REQUISITOS. INDEFERIMENTO. Necessária a instauração do contraditório, com ampla dilação probatória, a fim de propiciar plena análise do binômio necessidade possibilidade, porquanto a guarda compartilhada não afasta, por si só, a obrigação alimentar assumida. Agravo de instrumento desprovido, de plano. (Tribunal de Justiça do RS - Agravo de Instrumento Nº 70052254760, Relator: Des. Jorge Luís Dall’Agnol, 7ª Câmara Cível, Data de Julgamento:11 de janeiro de 2013). DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ALIMENTOS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. RECURSO DE APELAÇÃO. Observância do trinômio necessidade, possibilidade, proporcionalidade. Alimentando que se encontra na guarda compartilhada de seus genitores. Irrelevância. Pensão alimentícia que decorre do poder familiar. Necessidades Presumidas. Princípio da igualdade entre filhos. Despesas alegadas pelo genitor que não se referem à sua mantença. Percentual fixado em consonância com o entendimento desse TJ/RJ. Recurso desprovido. (Tribunal de Justiça – TJRJ- Apelação 0162230-88.2017.8.19.0001. Des Jose Carlos Varanda dos Santos, Décima Câmara Cível, Data do Julgamento 09/05/2018) Ainda neste sentido, foi aprovado Enunciado nº 607 na VII Jornada de Direito Civil dispondo “a guarda compartilhada não implica ausência de pagamento de pensão alimentícia”. Outro ponto polêmico levado até o Poder Judiciário após a implementação da guarda compartilhada como regra, é a interpretação literal do termo “convivência equilibrada” presente no parágrafo 2º do artigo 1.583. A divisão igualitária na convivência entre o filho e seus pais, não pode ser alcançada com um simples cálculo matemático. O julgador deve direcionar a sua atenção para as peculiaridades existentes no caso concreto, como a idade da criança, a distância existente entre a mora-

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Outro ponto polêmico levado até o Poder Judiciário após a implementação da guarda compartilhada como regra, é a interpretação literal do termo “convivência equilibrada” presente no parágrafo 2º do artigo 1.583. A divisão igualitária na convivência entre o filho e seus pais, não pode ser alcançada com um simples cálculo matemático” dia dela e da escola, da distância existente entre as próprias casas dos genitores, dentre diversos outros fatores capazes de influir na rotina do menor. Tanto assim o é, que a “guarda compartilhada não exclui o regime de convivência” (Enunciado nº 605 da VII Jornada de Direito Civil promovida pelo CJF em agosto de 2015). Inclusive, a jurisprudência pátria tem se posicionado no sentido de fixar uma moradia-base para o menor mesmo em casos de compartilhamento de guarda que ambos os genitores morem na mesma cidade. Opta-se, geralmente, pela preservação da residência habitual da criança antes da dissolução, para atender assim, o principio do melhor interesse do menor. No entanto, o que mais aflige a doutrina são as dúvidas existentes em relação à obrigatoriedade da implementação deste modelo mesmo frente à um enorme clima de animosidade entre ex-casal: O debate principal é se a vigente normativa determina que o magistrado envide máximos esforços para aplicar a guarda compartilhada - seja através da me-


diação, seja da conciliação – ou se vai além e obriga o juiz a impor a guarda compartilhada mesmo diante da absoluta impossibilidade de consenso entre os pais, ou seja, nos casos de tamanha animosidade que nem ao menos se consiga garantir efetivamente que a integridade psíquica dos filhos restará incólume.7 A resposta para a problemática apontada segue na mesma direção de diversas outras envolvendo crianças e adolescentes. Assim sendo, o magistrado não está obrigado a determinar a guarda compartilhada, sem, contudo, verificar se a mesma está em condições de ser determinada. Essa análise por parte do magistrado deve ser realizada sob a ótica do principio da dignidade humana, cumulado com o princípio do melhor interesse do menor8. Desta forma encontra-se o posicionamento da jurisprudência acerca do tema: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE GUARDA DE FILHO MENOR COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA MOVIDA PELO GENITOR. DEFERIMENTO DA GUARDA PROVISÓRIA AO AUTOR. CONFLITO QUE DEVE SER DIRIMIDO À LUZ DO PRINCÍPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA E DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR, EM CONFORMIDADE COM O DISPOSTO NO ART. 277, DA CRFB/88 E NO ART. 4º, DA LEI 8.069/90. PERMANÊNCIA DA CRIANÇA NA RESIDÊNCIA DO PAI, E SOB SUA GUARDA, QUE SE JUSTIFICA EIS QUE IMPORTARÁ EM SITUAÇÃO MAIS CÔMODA E PROVEITOSA PARA A ROTINA DO MENOR, QUE ESTÁ SENDO SUBMETIDO

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O julgador deve direcionar a sua atenção para as peculiaridades existentes no caso concreto, como a idade da criança, a distância existente entre a moradia dela e da escola, da distância existente entre as próprias casas dos genitores, dentre diversos outros fatores capazes de influir na rotina do menor” A DIVERSOS TRATAMENTOS E ACOMPANHAMENTO PEDAGÓGICO NA CIDADE DE RESENDE, ONDE RESIDE SEU GENITOR. DEFERIMENTO DA GUARDA PROVISÓRIA AO AUTOR QUE NÃO TRARÁ QUALQUER ALTERAÇÃO NA SITUAÇÃO DE FATO ANTERIORMENTE APRESENTADA, EIS QUE O MENOR ESTÁ SOB OS CUIDADOS DO PAI DESDE JULHO DE 2013, EM QUE PESE TER SIDO ESTABELECIDA A GUARDA UNILATERAL PELA MÃE, NA AÇÃO DE DIVÓRCIO. INCIDÊNCIA DOS TERMOS DA SÚMULA 59 DESTA CORTE. DESPROVIMENTO DO RECURSO. (Tribunal de Justiça – TJRJ- Agravo de Instrumento 0046121-28.2016.8.19.0000 -. Des Cesar Felipe Cury, Décima Primeira Câmara Cível, Data do Julgamento 28/02/2018).

7 VILELA MULTEDO, Renata. Liberdade e família: limites para intervenção do Estado nas relações conjugais e parentais. Rio de Janeiro: Processo, 2017, p. 145. 8 Com o fito de demonstrar a atuação dos tribunais, no sentido de preservar o melhor interesse da criança, apresenta-se a ementa de um acórdão julgado recentemente, no final do ano de 2017 no Rio Grande do Sul: Apelação cível. Família. Guarda. Nulidade da sentença, por ausência de fundamentação. Inocorrência. Deferimento da guarda unilateral ao genitor, com regulamentação de visitas maternas. Resguardo do superior interesse da criança. 1. Não é nula a sentença que se pronuncia, de forma fundamentada, sobre tese arguida pela parte, e a rejeita. 2. A definição da guarda deve ser norteada pelo resguardo do superior interesse da criança, e não meramente pela vontade dos genitores. O conjunto probatório carreado aos autos aponta, cabalmente, que o genitor é que reúne melhores condições de exercer, ao menos por ora, a guarda do filho, sem prejuízo do direito da criança de conviver com a genitora, direito este que foi assegurado, mediante a regulamentação de visitas. Negaram provimento. Unânime. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação n. 70073059586. Relator: Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, Oitava Câmara Cível, Rio de Janeiro, Julgamento: 23/08/2017).

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ARTIGO

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE GUARDA. TUTELA DE URGÊNCIA. DEFERIMENTO DO PEDIDO DE GUARDA UNILATERAL EM FAVOR DO GENITOR. IRRESIGNAÇÃO RECURSAL DA GENITORA. DECISÃO QUE NÃO SE MOSTRA TERATOLÓGICA. Em ações de guarda, é necessário buscar ao máximo preservar a saúde emocional da criança, sendo importante perceber, através de estudos sociais, com qual genitor o menor se sente mais feliz e seguro; com quem restará preservado o seu convívio social, o respeito às suas tarefas cotidianas, como a ida regular à escola, a convivência com os amigos, vizinhos e qual o melhor ambiente para o seu desenvolvimento pleno, aquele em que terá as condições mais propícias para a construção da sua personalidade. Foi deferida a guarda unilateral do menor em favor do genitor em sede de tutela de urgência. A prova demonstra, por ora, que o menor já possuía contato frequente com o pai em razão da visitação regulamentada em acordo celebrado no ano de 2016, e que se encontra, hoje, sob a guarda do agravado desde 17/04/2017, estando adaptado ao ambiente familiar paterno, além de receber assistência moral, educacional, material e emocional de que necessita. Decisão agravada que é provisória, podendo ser alterada no curso regular do processo e que não se mostra teratológica. Aplicação do verbete sumular 59 deste Tribunal. Recurso CONHECIDO e DESPROVIDO. (Tribunal de Justiça – TJRJ- Agravo de Instrumento 0032944-60.2017.8.19.0000-. Des Cesar Augusto Rodrigues Costa, Oitava Primeira Câmara Cível, Data do Julgamento 30/01/2018).

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O direito de família é um ramo do direito privado e, apesar de determinados assuntos pertencerem a interesse coletivo, o mencionado direito não pode ser visto como uma ramificação do direito público. Sendo assim, não se pode perder de vista, os limites existentes na atuação do Estado em tomadas de decisões que deveriam ser orientadas, sobretudo na autonomia privada”

Deste modo, quando os aludidos princípios não forem ser concretizados com a aplicação da guarda compartilhada, esta, por motivos lógicos, perde a razão de existir no caso concreto9. Curioso observar outro ponto interessante em relação à guarda compartilhada, onde de acordo com a determinação legal, inexistindo acordo entre os genitores, deverá ser empregada tal modalidade de guarda. Ora, essa determinação parece minimamente paradoxal. Deste modo, pode-se considerar muita ingenuidade do legislador, quando este determina que a tomada de decisões em relação ao filho comum, vai se suceder de maneira conjunta entre um ex-casal que possui desavenças extremas entre si. Por esta razão, não é qualquer tipo de desavença que pode

9 Neste sentido, o TJRS se posicionou: Agravo de instrumento. Família. Ação de alteração de guarda, cumulada com revisão de alimentos. Estabelecimento da guarda compartilhada. Lei 13.058/2014. Indeferimento na origem. Manutenção. Inadequado, por ora, o estabelecimento da guarda compartilhada, devendo ser prestigiada a cautela do magistrado singular, que desacolheu o pleito diante da ausência de motivos para modificar a situação fática antes da instrução do processo, o que sinaliza não haver indicativos de que o regime pretendido efetivamente viria a atender aos superiores interesses da criança, que necessariamente devem prevalecer. Agravo de instrumento desprovido. (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento Nº 70066315938, Relator: Desembargador Ricardo Moreira Lins Pastl, Oitava Câmara Cível, Porto Alegre, Julgamento: 12/11/2015).

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ser responsável pela não determinação da guarda compartilhada. Por fim, diante de todo o cenário apresentado, questiona-se a real validade existente na delegação ao Estado de determinadas escolhas que, por sua vez, poderiam ser tomadas em âmbito familiar. Como bem destaca GUSTAVO TEPEDINO “a regulação das instituições familiares deve pressupor da prévia análise e reserva de espaços de autonomia, uma vez que a intervenção estatal pode se colocar em crise a percepção do privado como espaço de liberdade”10. O direito de família é um ramo do direito privado e, apesar de determinados assuntos pertencerem a interesse coletivo, o mencionado direito não pode ser visto como uma ramificação do direito público. Sendo assim, não se pode perder de vista, os limites existentes na atuação do Estado em tomadas de decisões que deveriam ser orientadas, sobretudo na autonomia privada. As críticas existentes em relação às intervenções estatais no âmbito da família são inúmeras. Porém, a inovação positiva jurídica trazida pela Lei 13.058 de 22 de dezembro de 2014 ao cenário das modalidades de guarda, não pode ser anulada diante dos problemas dela decorrentes. Até porque, seus objetivos são louváveis e, visa em sua maneira geral, concretizar um dos princípios fundamentais das crianças e dos adolescentes, o do convívio familiar. Não se pode negar que com o advento da guarda compartilhada, o ambiente familiar tornou-se mais democrático, composto por mais diálogo. Diante da experiência que a família brasileira está vivendo, notam-se comportamentos mais responsáveis e maduros dos pais separados, visando o bem do filho em comum. Neste diapasão, não se pode reputar a guarda compartilhada como um todo, ao mesmo tempo, que não é prudente considerá-la absoluta, sem, contudo,

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Neste diapasão, não se pode reputar a guarda compartilhada como um todo, ao mesmo tempo, que não é prudente considerá-la absoluta, sem, contudo, analisar o caso concreto de maneira individualizada” analisar o caso concreto de maneira individualizada. Nesta égide, é de se considerar que ninguém mais apropriado do que os próprios membros da família, para decidirem o que é melhor para seu núcleo familiar. Para que essa decisão seja tomada com todo cuidado que se requer, as desavenças e os ânimos aflorados devem ser ultrapassados, o que às vezes, mostra-se impossível de ocorrer, motivo pelo qual a intervenção estatal se faz necessária afim de que não recaia sobre o menor, qualquer maleficio evitável. Até porque, por fim, cumpre realizar o seguinte questionamento: não seria a guarda compartilhada prevista pelo legislador o próprio exercício do poder familiar por ambos os genitores? Seria possível afirmar, pois, que o legislador apenas garantiu nome comercial ao intitular como “Guarda Compartilhada” institutos já previstos em nosso ordenamento jurídico como “Poder Familiar” e “Critério de Visitação/ Regime de Convivência”? Resta a reflexão: o que é guarda compartilhada? Que no meu entender é uma expressão midiática, pois ela sempre existiu sob os títulos de Guarda, Critérios de Visitação, Exercicio do Poder Familiar ou do tradicional “Pater Potestas”.

10 TEPEDINO, Gustavo. Editorial. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro, v. 47, 2011).

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DIREITOS HUMANOS

CORTE INTERNACIONAL CONDENA BRASIL POR NÃO INVESTIGAR MORTE DE HERZOG Jornalista foi morto em 1975 no DOI-Codi, em São Paulo. Nádia Franco - Agência Brasil

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ais de quatro décadas depois da morte de Vladimir Herzog, em 24 de outubro de 1975, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH) condenou neste quatro de julho o Estado brasileiro pela falta de investigação, julgamento e sanção dos responsáveis pela tortura e assassinato do jornalista. O Brasil terá de seguir uma série de determinações do tribunal. Para a Corte, o Estado é responsável pela violação ao direito de “conhecer a verdade e a integridade pessoal” em prejuízo dos parentes de Herzog. O documento menciona a mãe, Zora; a mulher, Clarice; e os filhos, André e Ivo Herzog.

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A Corte ordenou o Estado a reiniciar, com a devida diligência, a investigação e o processo penal cabíveis pelos fatos ocorridos em 1975 para identificar, processar e, se necessário, punir os responsáveis pela tortura e morte de Herzog. Também determinou reconhecer, sem exceção, que não haverá prescrição, por se tratar de crimes contra a humanidade e internacionais. A Corte exige ainda que se promova um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional em desagravo à memória de Herzog, que se publique a sentença e que sejam pagas as despesas do processo.


ROVENA ROSA/AGÊNCIA BRASIL

São Paulo - Inauguração de escultura em homenagem ao jornalista Vladimir Herzog, morto nas dependências do DOI-CODI durante o regime militar, realizada Câmara Municipal de São Paulo. A escultura é uma reprodução da obra "Vlado Vitorioso", esculpida pelo artista plástico Elifas Andreato, na praça Vladimir Herzog.

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DIREITOS HUMANOS Verdade O tribunal internacional concluiu ainda que o “descumprimento do direito de conhecer a verdade” foi causado pela versão falsa da morte de Herzog, da negativa, por parte do Estado, de entregar documentos militares e da ausência de identificação dos responsáveis. "A CorteIDH determinou que os fatos ocorridos contra Vladimir Herzog devem ser considerados como um crime contra a humanidade, como é definido pelo direito internacional", diz a sentença de cinco páginas. O tribunal informou ainda que, devido à falta de investigação, o Estado brasileiro também violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial dos familiares da vítima, identificados como Zora, Clarice, André e Ivo Herzog. Em outro trecho, o documento destaca a tensão vivida no Brasil no período em que Herzog morreu, principalmente os atos das forças policiais “cometidos em um contexto sistemático e generalizado de ataques à população civil”. Caso Aos 38 anos, Vladimir Herzog apresentou-se de forma voluntária para depor perante autoridades militares do DOI/Codi de São Paulo. Ele foi preso, interrogado, torturado e morto. Herzog foi declarado morto em consequência de “suicídio”, versão contestada pela família do jornalista e também no processo. O processo ressalta que, na época, o Brasil vivia em plena ditatura e havia ataques contra a população civil considerada "opositora" à ditadura brasileira, e, em particular, contra jornalistas e membros do Partido Comunista Brasileiro. Parentes do jornalista apresentaram, em 1976, uma ação civil na Justiça Federal que desmentiu a versão do suicídio e, em 1992, o Ministério Público do Estado de São Paulo pediu a abertura de uma investigação policial, mas o Tribunal de Justiça considerou que a Lei de Anistia era um obstáculo para investigar.

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ROVENA ROSA/AGÊNCIA BRASIL

São Paulo - O artista plástico Elifas Andreato, Clarice Herzog e Ivo

Após uma nova tentativa de investigação, em 2008, o caso foi arquivado por prescrição, segundo o processo.

Herzog, participam da inauguração da escultura em homenagem ao jornalista Vladimir Herzog, realizada pela Câmara Minucipal, na praça Vladimir Herzog. A escultura é uma reprodução da obra "Vlado Vitorioso", esculpida por Andreato.

Arbitrariedades Durante o processo, o Brasil admitiu que houve prisão arbitrária, tortura e morte de Herzog, causando “severa dor” à família e reconhecendo responsabilidade. "Apesar de o Brasil ter empreendido diversos esforços para satisfazer o direito à verdade da família do senhor Herzog e da sociedade em geral, a falta de um esclarecimento judicial, a ausência de sanções individuais em relação à tortura e ao assassinato de Vladimir Herzog (...) violentou o direito de conhecer a verdade em prejuízo de Zora, Clarice, André e Ivo Herzog", indicou a sentença. A CorteIDH, com sede em São José, na Costa Rica, faz parte da Organização dos Estados Americanos (OEA). As resoluções devem ser acatadas de forma obrigatória. MDH: sentença terá cumprimento integral Em nota, o Ministério dos Direitos Humanos informou que "dará cumprimento integral à sentença". "Este ministério reafirma o seu compromisso com as políticas públicas de direito à memória, à verdade e à reparação, reconhecendo a sua importância para a não repetição, no presente, de violações ocorridas no passado, tais como as práticas de tortura e limitações à liberdade de expressão", diz o texto. A sentença, "ainda que condenatória ao Estado brasileiro, representa uma oportunidade para reforçar e aprimorar a política nacional de enfrentamento à tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, assim como em relação à investigação, processamento e punição dos responsáveis pelo delito", acrescenta a nota.

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ARTIGO VALMIR PONTES FILHO, Advogado e Mestre em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

DIREITO ADQUIRIDO AO REGIME DE APOSENTADORIA - o princípio

da segurança das relações jurídicas, o direito adquirido e a expectativa de direito

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princípio da segurança das relações jurídicas e a obrigatória submissão de todos, governantes e governados, à lei e à jurisdição, constituem o substrato do chamado Estado Democrático de Direito. De regime democrático de governo, afinal, só se pode falar quando a ordem normativa tem origem popular, quando a vontade da lei prevalece sobre a dos administradores e, principalmente, quando o próprio organismo estatal se sujeita, tanto quanto os cidadãos comuns, às decisões judiciais. Numa democracia, dos órgãos governativos o que se espera é uma conduta exemplar, submissa à lei, à moralidade, à isonomia e, notadamente, aos interesses da coletividade, estes bem mais valiosos do que os do Erário. Não é demasiado lembrar, além disso, que não pode haver progresso, notadamente social e econômico, sem permanência e estabilidade nas relações jurídicas, é dizer, que nenhum país do mundo avançou, social e tecnologicamente, sem que a liberdade e a democracia estivessem garantidas por uma ordem jurídica estável, infensa aos caprichos dos eventuais detentores do po-

der (que, na verdade, não passam de meros executores de competências juridicamente definidas). Cabe, portanto, refletir sobre o verdadeiro conteúdo e alcance do instituto do direito adquirido, em confronto com o que se convencionou chamar de expectativa de direito, já que o respeito àquele se mostra essencial à mantença da segurança jurídica. Parece imprescindível revisitar o tema, dantes enxergado sob prisma exclusivamente civilístico, para dele extrair conclusões novas, compatíveis com a sistemática do Direito Público. Romper ou mesmo modificar, unilateralmente, seja por amor a dogmas ou concepções doutrinárias estratificadas, seja em nome de suposto "interesse público", a natureza de relações que se estabelecem, em dado tempo, por força de lei (no sentido lato da expressão), é ou não possível, desde que esse rompimento ou modificação se opere por lei nova? A resposta a essa indagação não pode ser dada, segundo nosso pensar, senão depois de considerados aspectos relevantes, que defluem do já invocado princípio da segurança das relações jurídicas1, sem o qual sequer

1 De que são manifestações pontuais os institutos do direito adquirido, da coisa julgada e do ato jurídico perfeito.

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se pode pensar em convivência público, dos servidores ativos e social harmônica e civilizada. inativos e dos pensionistas, obTalvez seja hora de admitir servados critérios que preserque determinadas relações juvassem o equilíbrio financeiro regime de previdência rídicas, uma vez estabelecidas e atuarial” (art. 40 da Constituide caráter contributivo (legal ou contratualmente), não ção, já com a nova roupagem). e solidário, mediante podem ser objeto de ataques, de Os servidores públicos se vicontribuição do modo a atingir (alterando-as) ram, assim, submetidos a novo as condições para a plena fruirespectivo ente regime de contagem de tempo ção futura, por uma das partes, (agora de serviço e de contripúblico, dos servidores do direito (já adquirido). Assim buição à previdência e não de ativos e inativos e – a não ser que haja concordânmais apenas de serviço público, dos pensionistas, cia por parte de ambos os pócomo dantes) para a aposentaobservados critérios que los da relação – não nos parece doria, vedando-se-lhes ainda, a admissível a modificação, para preservassem o equilíbrio contagem de "tempo ficto" (de torná-los de atingimento mais período de férias não gozadas financeiro e atuarial” difícil ou oneroso, dos pressuem dobro,v.g.). postos originariamente fixados Por conta de outra das para o exercício do direito. Este, mencionadas Emendas modienfim, já está outorgado, estando apenas o seu exerficou-se ainda mais profundamente ainda o regracício pleno dependente de requisitos a serem cummento constitucional, não só outra vez aumentanpridos e que não podem, repita-se, ser outros senão do as exigências para aposentação, mas passando a os ditados quando do estabelecimento da dita relaexigir dos já inativados que voltem a contribuir para ção jurídica. a previdência, como remédio para cobrir um suposEm dadas situações, portanto, aquilo que se to deficit de suas contas, certamente pouco abaladas imaginava ser mera expectativa, já é, com efeito, um pelos desfalques e pela sonegação e, talvez, na presdireito adquirido, cuja mera fruição, repita-se, desuposição de que venham os aposentados a receber pende da satisfação das condições preestabelecidas. alguma retribuição espiritual post mortem. Com o escopo de promover significativa alteIsto, a rigor, revela o que se pode chamar de “inrações no sistema de previdência social já restaram constitucionalidade esférica”, ou seja, aquela vislumeditadas algumas Emendas Constitucionais, por via brável sob qualquer ângulo de observação, mormendas quais vários dos dispositivos na Lei Magna de te por se desejar tenham as ditas Emendas efeitos 1988 sofreram modificações e/ou acréscimos subsretroativos, desconstituinte de direitos adquiridos tanciais. Por via dessas modificações se estabeleceu e atos jurídicos perfeitos (e até de coisas julgadas, “regime de previdência de caráter contributivo e sose, porventura, num caso ou outro, os proventos de lidário, mediante contribuição do respectivo ente aposentação hajam sido fixados por sentença judi-

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ARTIGO

cial transitada em julgado), como se emendas constitucionais existissem desde sempre, e não doravante, como se elas estivessem no início, não a meio caminho do ordenamento jurídico. Absurdo e desarrazoado o objetivo pretendido. Mas sequer disto – quer dizer, da prevalência do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada diante das emendas à Constituição2 – se está a tratar, de forma aprofundada, neste artigo. O que se deseja, realmente, é dirimir dúvidas quanto ao verdadeiro regime de aposentação dos servidores públicos em atividade, tenham ou não eles satisfeito os antigos requisitos constitucionais para a aposentadoria: teriam tais servidores, diante de nova normatização constitucional e legal da matéria, o direito assegurado à percepção de proventos integrais e a pensões? Poderiam eles aposentar-se segundo as regras vigentes anteriormente? A resposta a tais indagações exige, sim, hábil consideração do papel das emendas constitucionais na ordem jurídico-constitucional. Aceitando a tese de que as emendas constitucionais não têm o condão de desconstituir esses direitos, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (comentando a EC nº 20) chega a afirmar “... que a pretexto de efetuar Emendas Constitucionais, o legislador ordinário -- que não recebeu mandato constituinte e cuja posição é juridicamente subalterna -- poderia, inclusive, em comportamento “de fato”, não jurídico, derrocar a Constituição, por si mesmo ou

tangido por algum caudilho, travestido ou não de democrata... Diante de evento de tal natureza, as medidas que fossem impostas perderiam o caráter de Emendas. Converter-se-iam, elas próprias, em novo exercício do Poder Constituinte, tal como ocorreria após revoluções ou golpes de Estado... É claro, entretanto, que nas situações desse jaez estaria rompida a ordem constitucional vigente e inaugurada outra”3. É induvidoso que a ofensa aos institutos do ato jurídico perfeito, direito adquirido e da coisa julgada importa a derruição dos princípios da irretroatividade das leis e da segurança jurídica e, com eles, do próprio Estado Democrático de Direito. À lei, portanto, definitivamente não é dado retroagir para prejudicar os atos jurídicos perfeitos, os direitos adquiridos e as coisas julgadas (Constituição, art. 5º, XXXVI). De retroação só se pode cogitar em relação à lei penal, quando esta for mais benéfica ao réu (CF, art. 5º, XL). Não discordando, ALEXANDRE DE MORAES, cuja lucidez no trato do tema é digna de louvor, cita CELSO BASTOS para lembrar que “... a utilização da lei em caráter retroativo, em muitos casos, repugna porque fere situações que já se tinham por consolidadas no tempo, e esta é uma das fontes principais da segurança do homem na terra”4 . Sem desvio de rumo está o pensamento de IVO DANTAS5. Cabe, então, aplicar aqui o que antes se disse sobre o verdadeiro conteúdo e alcance do instituto do direito adquirido, em confronto com o que se con-

2 Sobre assunto, veja-se artigo escrito por este autor, em parceria com o eminente professor Carlos Ayres Britto. 3 “Curso de direito administrativo”, 11ª ed., Malheiros, São Paulo, 1999, p.212. 4 “Direito constitucional”, Atlas, 7ª ed., p.99. Do mesmo autor a lembrança de que “... a Lei Magna prevê, expressamente, seguindo a tradição constitucional, a imutabilidade das cláusulas pétreas (art.60, § 4º, IV), ou seja, a impossibilidade de emenda constitucional prejudicar os direitos e garantias individuais, entre eles, o direito adquirido (art. 5º, XXXVI). Todos os aposentados e pensionistas, portanto, possuem direito adquirido, não só em relação à existência da aposentadoria, como situação jurídica já concretizada, mas também em relação aos valores e regras de atualização dos proventos recebidos, regidos pela constituição e legislação atuais, inatacáveis por meio de proposta de emenda constitucional... aqueles que já preencheram todos os requisitos exigidos para a aposentadoria, na vigência da Constituição e da legislação atuais, porém continuam a exercer, suas funções, têm a garantia do direito adquirido, não só, repetimos, em relação à aposentadoria,, como também que seus proventos da inatividade regular-se-ão pela legislação vigente ao tempo em que reuniram os requisitos necessários (Súmula 259 do STF) – ob. cit., ps. 100/101. 5 “Direito adquirido, emendas constitucionais e controle da constitucionalidade”, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 1997, ps. 55/62.

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vencionou chamar de expectativa de direito. Nesta última hipótese, a da simples expectativa, afirma a doutrina tradicional que “... não se compôs o ciclo constitutivo do núcleo essencial da incidência da regra jurídica, ou, noutros termos, a fatispécie abstrata, que tem aspecto declaratório, não coincide com a fatispécie concreta”... não passando de “...uma realidade pré-jurídica, vinculada a uma situação de fato ou de direito que ainda não atingiu sua maturidade”. Já quando se alude a direito adquirido, vê-se que “... já se perfez a integração do mundo fático ao jurídico”6. O entendimento clássico, com efeito, é o de que este último vem a ser “... a consequência de uma lei, por via direta ou por intermédio de um fato idôneo”, enquanto a expectativa de direito é “...a faculdade jurídica abstrata ou em vias de concretizar-se, cuja perfeição está na dependência de um requisito legal ou de um fato aquisitivo específico”, residindo a diferença entre uma e outro “... na existência, em relação a este (direito adquirido), do fato aquisitivo específico, já configurado por completo”7. Não se discute, assim, que o servidor público – para aproveitar o exemplo de ALEXANDRE DE MORAES – tem direito adquirido à aposentação e à fixação dos seus proventos segundo as regras constitucionais e legais vigentes no momento satisfez ele, de modo pleno, os requisitos fixados (pela Constituição e pela lei) para a essa aposentadoria, direito esse infenso quer à lei, quer à emenda constitucional superveniente. Induvidoso, também, que a ele é dado ter como definitivamente incorporadas ao seu patrimônio as vantagens a cuja percepção proporcional haja adquirido o direito, de acordo com o seu tempo de serviço. A questão é outra, mais delicada: pode a nova lei (ou a nova emenda à Constituição) alterar, para torná-los de atingimento mais difícil, os requisitos dan-

tes fixados para a concessão da aposentadoria? Ou, em outras palavras: se, por exemplo, em momento anterior, um servidor do sexo masculino podia aposentar-se, com proventos integrais, aos trinta e cinco anos de serviço público, essa condição fática pode vir a ser alterada a posteriori, de modo a alcançar quem ainda não satisfez esse requisito dantes estabelecido? A resposta comumente dada é positiva, pois esse servidor, uma vez não tendo ainda satisfeito esse requisito temporal para a aposentação, apenas seria portador de uma expectativa de direito, de um “direito a se formar” (um “ver-a-ser” jurídico). Inocorrido o fato específico previsto na norma (os “tantos” de idade e de serviço), inexistiria, consequentemente, o direito adquirido à aposentação. Imagine-se, todavia, a seguinte situação (adotado o pressuposto de que, inexistindo a aquisição do direito, as regras disciplinadoras da aposentadoria possam ser modificadas por emenda constitucional): contando, por exemplo, 65 de idade e 34 anos de serviço, um dado funcionário se vê surpreendido por emenda que prorroga o tempo bastante à inatividade para 40 anos, quando antes era de 35; se uma primeira prorrogação é possível, a conseqüência é a de que outras sucessivas também são viáveis (e foi exatamente o que desta feita se fez). Eis que, completados 39 anos de serviço, uma segunda emenda cuidaria de fixar o mínimo de 45 anos de labor para a inativação. Uma terceira, por sua vez, trataria de estipular um mínimo de 50 anos de serviço até que, de emenda em emenda, uma última alteração normativo-constitucional asseguraria ao servidor o direito de aposentar-se quando de sua reencarnação. Dir-se-á, possivelmente, que o argumento é absurdo, desarrazoado, ad terrorem, senão tragicômico. Mas ele serve, ao menos, para que se cogite da possibilidade – exatamente para evitar situações bizarras como esta

6 ÉRITO MACHADO, “A retroatividade da norma constitucional”, Ed. Salvador, 2ª ed., p.37. 7 LIMONGI FRANÇA, “A irretroatividade das leis e o direito adquirido”, 4a. ed., RT, São Paulo, 1982, ps. 240/241.

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ARTIGO

– de existência de direito adquirido a um dado regime de aposentação, fixados pelas normas (constitucionais e/ou legais) vigentes no exato instante em que o servidor ingressa no serviço público. Esse entendimento – embora (ainda) não aceito pela doutrina – privilegia, a desdúvidas, a segurança jurídica, na medida em que dá a cada servidor a certeza de que pode projetar sua vida futura, afastando-se do cargo ou emprego público na época precisa que a lei (lato sensu) estipulou como suficiente para tanto. Esta certeza (e não mera “expectativa”) lhe dará, além de conforto psicológico, o senso perfeito de que, uma vez cumprido aquele lapso temporal (de serviço público, de contribuição à previdência ou outro qualquer), a sua inativação não poderá ser obstaculizada pela obra do legislador infraconstitucional (é dizer, por lei ou emenda). Não se trataria, pois, de mera “aspiração” ou “desejo”, mas de direito adquirido sim, a uma dada previsão normativo-jurídica que se incorporou ao seu patrimônio pessoal. Afinal, se o servidor fez, em dado momento, uma opção de vida profissional, é imperioso conferir-lhe, em homenagem à sua própria dignidade, a prerrogativa de traçar planos para o futuro, especialmente após a inativação almejada. O que não pode o Poder Público é alterar, a seu talante e alvedrio – por “lei de ordem pública” ou em nome de um alegado “interesse público” (secundário, ou seja, da própria Administração, às vezes meramente contingencial) – as condições previstas no sistema jurídico para a aposentação do servidor, de forma a alcançá-lo a meio caminho da inativação. Agora se alega... Se pudesse, ferido de morte restaria um interesse público primário, qual o de ver-se preservada a segurança das relações jurídicas, inclusive e principalmente as que se estabelecem (por lei ou diretamente pela Constituição) entre a Administração e os administrados (entre 8 “Curso...”, 12a. ed., p.94.

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estes, os servidores públicos). Incabível supor que a “ordem pública” agasalhasse tal hipótese. As modificações e alterações haveriam de surtir efeitos, assim, tão só em relação aos que viessem a ter ingresso no serviço público após a edição das novas regras, jamais retroativamente. Em socorro dessa ideia nos valemos da sempre precisa palavra de CELSO ANTÔNIO: "Esta segurança jurídica coincide com uma das mais profundas aspirações do Homem: a da segurança em si mesma, a da certeza possível em relação ao que o cerca, sendo esta uma busca permanente do ser humano. É a insopitável necessidade de poder assentar-se sobre algo reconhecido como estável, ou relativamente estável, o que permite vislumbrar com alguma previsibilidade o futuro; é ela, pois, que enseja projetar e iniciar, consequentemente – e não aleatoriamente, ao mero sabor do acaso – comportamentos cujos frutos são esperáveis a médio e longo prazo. Dita previsibilidade é, portanto, o que condiciona a ação humana. Esta é a normalidade das coisas"8. Não se está aqui defendendo – é bom esclarecer – a tese de que haja, de modo irrestrito, direito adquirido do servidor público a um dado regime jurídico. Nada obsta, por exemplo, que a carreira a que pertença seja reestruturada, que seu horário de trabalho se modifique para atender ao interesse público ou mesmo que gratificações que perceba sejam modificadas ou extintas (desde que respeitada a irredutibilidade remuneratória que a Constituição lhe assegura). Referimo-nos, especificamente, ao regime jurídico previsto para a sua aposentadoria, essencial para que ele possa programar, com um mínimo de certeza e segurança, sua própria existência futura. Esta é uma posição que reconhecemos ousada, mas não desprovida de fundamento. Tanto é que um anteprojeto de Código Civil, elaborado ainda em 1897 por COELHO RODRIGUES, entendia serem direitos adquiridos “... não só os direitos que


o titular ou alguém por ele já pode exercer, como aqueles cujo exercício depende de prazo prefixado ou condição preestabelecida e não alterável ao arbítrio de outrem”. Mais de um século depois, é de reconhecer-se o acerto da propositura, bastando, hoje, que se entenda por “outrem” também o Estado. À luz dessas reflexões, somos forçados a concluir que novas regras atinentes à aposentação, embora veiculadas por emenda constitucional, só são aplicáveis aos que venham a ingressar no serviço público a partir de sua vigência. Assim, cabe concluir, resumidamente: em relação ao servidor que, à data da promulgação da pretendida nova emenda, já haja cumprido os requisitos para a aposentadoria fixados pelas normas constitucionais e legais até então vigentes, é certo que, tendo adquirido o direito à aposentação – não importando se esta já restou formalizada -- a ele não se aplicam as novas exigências a serem estabelecidas, quer as atinentes à idade, ao tempo de serviço e/ou contribuição, quer as relativas à obrigatoriedade de voltar a contribuir para o sistema previdenciário; intocado, demais disso, permanece o seu direito à percepção de proventos integrais, correspondentes sempre à remuneração do cargo em que se aposentou (ou se aposentará); igualmente íntegro remanesce o direito à pensão fixada nos termos da legislação em vigor à época do eventual falecimento do contribuinte; quanto ao servidor que, embora ainda não haja cumprido os requisitos bastantes à inativação quando da vinda a lume da novel normatização, é de se entender que esse eventual novo regramento só se aplica àqueles que ingressaram no serviço público depois de sua edição, descabendo falar-se em “regras de transição” para quem (segundo nossa tese) já adquiriu o direito ao regime de aposentadoria sob o qual logrou aquele ingresso.

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Não se está aqui defendendo – é bom esclarecer – a tese de que haja, de modo irrestrito, direito adquirido do servidor público a um dado regime jurídico. Nada obsta, por exemplo, que a carreira a que pertença seja reestruturada, que seu horário de trabalho se modifique para atender ao interesse público ou mesmo que gratificações que perceba sejam modificadas ou extintas (desde que respeitada a irredutibilidade remuneratória que a Constituição lhe assegura)”

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ENTREVISTA

Rosa Maria de Andrade Nery Mulher forte, de caráter íntegro, opinião firme e que preza a educação e a civilidade em tudo que faz. Assim é a Dra. Rosa Nery, referência no Direito Civil brasileiro. Nesta edição da revista Leis&Letras tivemos a honra de conversar e conhecer um pouco mais dessa profissional que exerce com maestria e excelência o seu trabalho de defender e aprimorar a justiça no país.

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País que não respeita seus professores, não respeita seu povo, não honra a sua história e enterra sua esperança”

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ENTREVISTA

Rosa Maria de Andrade Nery

Revista Leis&Letras: Doutora, a senhora é advogada, professora, consultora, autora de várias obras jurídicas e já foi desembargadora do Tribunal de Justiça do estado de São Paulo, ou seja, uma multiprofissional. Se pudesse escolher apenas uma atividade, a que mais combina com o seu perfil, qual seria? Rosa Nery: Sem dúvida seria a de professora. Esta é

a minha função mais antiga, aquela a que me dedico desde os 18 anos. Fui professora de crianças, do MOBRAL, de jovens, de universitários e agora de pós-graduandos. É uma tarefa difícil, mal compreendida, não devidamente remunerada, mas é a mais gratificante e edificante de todas. Prezo os professores, principalmente os de crianças e jovens, por cujos ombros pesa a civilidade vindoura da Nação. País que não respeita seus professores, não respeita seu povo, não honra a sua história e enterra sua esperança. Revista Leis&Letras: Como concilia todas essas funções? A senhora ainda é mãe, mulher, amiga... Com a rotina intensa de trabalho, a vida pessoal fica em segundo plano? Rosa Nery: Não fica não. Há tempo para tudo: um

pouco para cada atividade, um pouco para cada preocupação, um pouco para cada necessidade, um pouco para o lazer. A tarefa mais difícil de todas é ser mãe, porque ela engloba tudo: saber ensinar, sem ser professora; decidir, sem ser juíza; dar conselhos, sem ser consultora; transmitir cultura, sem escrever e amar sem esperar correspondência. Revista Leis&Letras: Cada vez mais as mulheres vêm desempenhando papeis de destaque, de chefia. A senhora, como referência nisso, enfrentou obstáculos ou sofreu preconceitos por ser mulher? Rosa Nery: Não posso dizer que fui vítima de pre-

conceitos. Convivi muito no meio masculino, mas não me senti alijada de nenhuma participação, por ser mulher. Acho que a cada dia na nossa sociedade as

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Não há espaço para preconceito entre gente civilizada, que se respeita e se relaciona com educação”


mulheres naturalmente vão sendo ouvidas e se fazem ouvir. As diferenças entre as pessoas são sentidas por causa de muitos fatores. O fator fundamental para que nenhuma diferença comprometa a tranquilidade das relações pessoais é a educação, civilidade e delicadeza. Não há espaço para preconceito entre gente civilizada, que se respeita e se relaciona com educação. Revista Leis&Letras: No dia a dia, qual o maior desafio do seu trabalho? Rosa Nery: É tentar fazer o melhor. Superar limites e

dificuldades. Com responsabilidade, boa educação, respeito por todos que se relacionam conosco. Revista Leis&Letras: Trabalhar em família tem o lado positivo e negativo. Pela sua experiência, quais os pontos altos e baixos? Rosa Nery: O ponto positivo é o aprendizado diário de

receber e transmitir cultura com a responsabilidade de quem ama. O ponto negativo é supor que somos capazes de evitar os erros uns dos outros, ou supor que somos capazes de impedir que o outro sofra. Revista Leis&Letras: Em 2016, entrou em vigor o novo CPC (Código do Processo Civil) e esta é uma das áreas que a senhora atua. Qual a sua opinião sobre essa mudança? Nestes dois anos viu melhorias na aplicação das leis brasileiras? Rosa Nery: O CPC novo é bom. O Brasil tem uma

plêiade de cultores de processo civil e é um dos países mais avançados nessa cultura. Temos uma forte tradição de estudo do processo, com raízes e tradições europeias da melhor qualidade. Temos, entretanto, também, um volume de demandas assustador. O mau funcionamento dos serviços públicos, as demandas que envolvem direito à saúde, direito do consumidor e cumprimento de deveres contratuais e de família e o superendividamento da população formam um manancial insuportável que

sobrecarrega o Poder Judiciário. Se nós pudermos fazer uma comparação singela, com outra experiência humana, eu diria que não adianta ter um estoque de curativos se a agressão não cessa e todos os dias temos feridos. É necessário que diminuamos o volume dos agredidos para que os curativos sejam suficientes e eficientes. Assim acontece com o processo. O processo resolve a demanda, mas se não cessa o movimento de cada vez maior e mais intrincadas demandas, a solução do processo será sempre ineficiente e insuficiente. Revista Leis&Letras: Na sua concepção, o que podemos destacar de mais relevante com este novo CPC? Rosa Nery: A cooperação das partes e o fomento que

o juiz pode criar durante o procedimento para que as partes encontrem a melhor solução junto com ele, por transação, negócios processuais, etc. Revista Leis&Letras: Entrando agora no assunto das relações conjugais, qual é a razão jurídica do casamento civil? Rosa Nery: O casamento civil é um instituto sofis-

ticado de paridade e de igualdade entre os cônjuges para a construção do projeto mais ousado do ser humano: gerar, criar, educar novos seres, zelando pelo cuidado e proteção de que necessitam. Ninguém ousaria iniciar uma empresa de alto coturno sem se assegurar do atendimento das exigências necessárias à segurança dessa nova empresa. Por que com o projeto de família seria diferente? Revista Leis&Letras: Qual a realidade da união estável no Brasil? É reconhecida como entidade familiar? Rosa Nery: A união estável foi apontada pela Consti-

tuição Federal para proteger as pessoas da violência do poder estatal contra os seus membros. É uma figura

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ENTREVISTA

Rosa Maria de Andrade Nery

a que o constituinte alçou a uma certa institucionalização como reveladora de todo o espírito de família que ela contém. Mas a Constituição Federal disse, também: caberá ao Estado fomentar sua transformação em casamento civil. Esse comando constitucional tem raízes em um fato muito simples: a institucionalização da família não é algo mal. É bom. É civilizado. É prático. É seguro. Embora se possa concordar com um sociólogo e com um psicólogo no sentido de que o casamento e a união estável sejam a mesma coisa, não posso aceitar que um jurista diga isso impunemente. Ele sabe que não é a mesma coisa. E não é a mesma coisa principalmente porque ela é frágil naquilo em que o direito apresenta sua maior força: ela não dá ao companheiro a mesma certeza jurídica que advém do casamento. Quem disser o contrário, com todo o respeito, não sabe qual a finalidade da Ciência Jurídica. Revista Leis&Letras: No último mês de maio, o CNJ retomou a discussão sobre a poligamia no Brasil. Há votos contra e a favor. O que a senhora tem a dizer sobre isso? Rosa Nery: A poligamia e a poliandria são manifesta-

ções rudimentares do comportamento pessoal/familiar. É mais tribal que civil; é expressão de família com chefe; põe em prática uma dimensão de subordinação de uns pelos outros dentro da casa. O casamento civil moderno já superou esse atraso, que não vejo ser interessante para a experiência brasileira: atenta contra nossa cultura social e religiosa e oficializa a subordinação de pessoas a outras, criando na família a institucionalização da dependência, da obediência, da escravidão, de exclusão. Revista Leis&Letras: Uma das pautas do CNJ é a filiação socioafetiva. A senhora considera que é um fruto da evolução das famílias? Rosa Nery: O Código Civil, em seu artigo 1.693, quan-

do diz que a filiação se dará “por outra origem” cria laços de família em virtude do comportamento de fato

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“...a institucionalização da família não é algo mal. É bom. É civilizado. É prático”


entre duas pessoas. Assim como aquele que se comportou como marido, assume os ônus e bônus dessa situação, o que se comportou como pai também experimenta a vivencia jurídica desse fato. A questão da prova desse fato e de suas consequências é fator de insegurança, que demanda uma largueza maior da capacidade de interpretação do episódio sob análise e coloca os vínculos familiares dependentes, em grande espectro, da interpretação do juiz, outro fator de insegurança jurídica.

Revista Leis&Letras: O direito de família é o que mais sofre influência da doutrina, dos costumes e das mudanças da sociedade. Por quê? Rosa Nery: A família é uma realidade social. O direito

Revista Leis&Letras: Por que a socioafetividade ainda não está expressamente prevista na legislação? Rosa Nery: Ela está. A socioafetividade é cláusula geral

ram que hoje nem os mais sofisticados juristas querem parar para pensar o sentido de um mecanismo institucional que durou 2000 anos para ser compreendido e apurado. Vê-se, a toda hora, perguntas como: “Por que não um casamento entre três pessoas?”; “Por que existem impedimentos para o casamento?”; “Por que não o incesto?”; “Por que não a poligamia?”; “Por que não a poliandria?”. Se não soubermos dar respostas a essas questões com olhos voltados para as razões jurídicas do casamento civil, estamos vivendo a experiência familiar com um certo toque tribal, não civil.

que compõe o sistema semiaberto de normas de direito privado moderno brasileiro e permite ao juiz a interpretação integrativa da norma e a institucionalização do fato que as partes trazem para análise. Se o juiz reconhece o fato e o alça à esfera jurídica, com as qualidades que ele reconhece que o fato tem, o episódio se torna juridicamente relevante e a socioafetividade integra e complementa a norma, igualando situações que já estão prontas juridicamente (filho registrado em nome do pai) com outras que reclamam institucionalização (filhos que não são registados em nome do pai, mas que são filhos “por outra origem”). Revista Leis&Letras: Como a senhora avalia a família do passado, de uns 40 anos atrás, e a família dos dias de hoje? Quais os principais avanços? Rosa Nery: Os avanços são: a igualdade dos cônjuges; a

igualdade dos filhos; a abertura do sistema para que a verdade genética seja amplamente discutida; a presença da mulher como força motriz da vida familiar, econômica e pessoal junto com o seu par; o respeito pelas diferenças; a segurança do patrimônio da família, com institutos como o do “bem de família”. Evidentemente, como percebemos, o modelo de 50 anos está ultrapassado. Contudo, nem toda novidade é para melhor. A discussão no parlamento é o canal para o encontro da solução que a sociedade almeja para as novidades.

de família é uma realidade institucional. O direito cuida da segurança das relações patrimoniais e humanas. Revista Leis & Letras: Qual é o assunto mais controverso atualmente no Direito de família? Rosa Nery: O sentido do casamento civil. Tanto fize-

Revista Leis&Letras: O que a senhora espera para os próximos anos de melhoria, de avanço, nesta área? Rosa Nery: O direito é ciência experimental e cul-

tural. Direito é cultura experimentada. Não há espaço para supor que a sociedade pode ter regras de segurança que sejam melhores do que almejam seus membros. A família é o reflexo de nossa primeira experiência jurídica. Todos nós, antes de sermos empresários, trabalhadores, doutores, empreendedores, professores, empregados, funcionários públicos, cientistas, somos filhos no seio de uma família. A pergunta que a política deve responder, para orientar as respostas jurídicas é esta: que modelo de família põe em prática a dinâmica de igualdade e paridade dos cônjuges? Os filhos têm direito sempre ao conhecimento genético de sua origem? Então, ter um maior entendimento disso é o progresso que nós, cidadãos, queremos.

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ARTIGO REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA, é Doutora pela Faculdade de Direito da USP, Pós-Doutora em Biodireito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Presidente Nacional da Associação de Direito de Família e das Sucessões - ADFAS. Sócia fundadora de Regina Beatriz Tavares da Silva Sociedade de Advogados.

Basta de engodo! O casamento e a união estável são monogâmicos! H

á anos lemos afirmações enganosas como se fossem verdades jurídicas. Aí vão algumas delas. O afeto justifica qualquer relação como familiar, sendo o valor supremo do Direito de Família. Nada importa o que o ordenamento legal estabelece, porque o que importa é o afeto. Não cabe qualquer tipo de intervenção no seio de uma relação marcada pelo afeto. Descabida a intervenção, as pessoas não somente são livres para se relacionarem como bem entenderem, mas também merecem receber os efeitos legais dados às relações familiares. No regramento constitucional da família, realizado pelo art. 226 da Constituição Federal, é perfeitamente cabível a proteção especial do Estado às relações de poliafeto e às relações de mancebia. O dever de lealdade na união estável, imposto pelo art. 1724 do Código Civil, não tem o significado de fidelidade, por serem palavras distintas. O Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou o “poliamor”, ou seja, o relacionamento entre três ou mais pessoas como família no julgamento da ADPF 132 e da ADI 4277 sobre as uniões homossexuais. O concubinato ou mancebia é uma relação de família, equiparável à união estável. Inobstante sejam discrepantes de todos os princípios e normas que vigoram no Direito Brasileiro, essas afirmações ganharam aparência de culto ao Direito de Família. Isto tem uma fácil explicação.

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Todas elas são realizadas em meio a textos sedutores que obnubilam a razão e estimulam os sentidos. Sedutores porque conferem uma liberdade incontida. Essa sensação de inexistência de limites, desde a infância de cada um de nós, é extremamente prazerosa e aí se entende o engodo em que caiu por muitos anos o precioso Direito de Família. Com essas enganosas afirmações, buscava-se a desconstrução do Direito de Família. Desconstruindo-se o ordenamento jurídico das relações familiares, as portas estariam abertas para que trios e amantes recebessem a proteção especial das normas constitucionais e infraconstitucionais que dizem respeito à família. Relações de “trisais” ou mais pessoas deveriam ter os mesmos efeitos de relações de casais, inclusive na geração de filhos. “Relações paralelas” praticadas em adultério deveriam ter os mesmos efeitos de uma relação familiar em união estável. Afinal, só o amor constrói, só o afeto pode justificar os efeitos do Direito de Família, segundo essas ideias que desnortearam o pensamento jurídico durante anos. O CNJ - Conselho Nacional de Justiça -, em razão do Pedido de Providências nº 0001459-08.2016.2.00.0000 realizado pela ADFAS - Associação de Direito de Família e das Sucessões - desvendou todo o engodo que permeava essas ideias, por meio das luzes do Direito. O CNJ, com 13 membros votantes, por 12 votos con-


tra 1, deu procedência ao Pedido da ADFAS de proibição aos Tabelionatos de Notas de lavratura de escrituras públicas de “relações poliafetivas” como “uniões estáveis”. Transcreve-se, a seguir, a ementa do r. acórdão do CNJ, disponibilizado em 29 de junho de 2018 e publicado em 02 de julho de 2018, com os destaques necessários: “PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. UNIÃO ESTÁVEL POLIAFETIVA. ENTIDADE FAMILIAR. RECONHECIMENTO. IMPOSSIBILDADE. FAMÍLIA. CATEGORIA SOCIOCULTURAL. IMATURIDADE SOCIAL DA UNIÃO POLIAFETIVA COMO FAMÍLIA. DECLARAÇÃO DE VONTADE. INAPTIDÃO PARA CRIAR ENTE SOCIAL. MONOGAMIA. ELEMENTO ESTRUTURAL DA SOCIEDADE. ESCRITURA PÚBLICA DECLARATÓRIA DE UNIÃO POLIAFETIVA. LAVRATURA. VEDAÇÃO. 1. A Constituição Federal de 1988 assegura à família a especial proteção do Estado, abarcando suas diferentes formas e arranjos e respeitando a diversidade das constituições familiares, sem hierarquizá-las. 2. A família é um fenômeno social e cultural com aspectos antropológico, social e jurídico que refletem a sociedade de seu tempo e lugar. As formas de união afetiva conjugal – tanto as “matrimonializadas” quanto as “não matrimonializadas” – são produto social e cultural, pois são reconhecidas como instituição familiar de acordo com as regras e costumes da sociedade em que estiverem inseridas. 3. A alteração jurídico-social começa no mundo dos fatos e é incorporada pelo direito de forma gradual, uma vez que a mudança cultural surge primeiro e a alteração legislativa vem depois, regulando os direitos advindos das novas conformações sociais sobrevindas dos costumes. 4. A relação “poliamorosa” configura-se pelo relacio-

namento múltiplo e simultâneo de três ou mais pessoas e é tema praticamente ausente da vida social, pouco debatido na comunidade jurídica e com dificuldades de definição clara em razão do grande número de experiências possíveis para os relacionamentos. 5. Apesar da ausência de sistematização dos conceitos, a “união poliafetiva” – descrita nas escrituras públicas como “modelo de união afetiva múltipla, conjunta e simultânea” – parece ser uma espécie do gênero “poliamor”. 6. Os grupos familiares reconhecidos no Brasil são aqueles incorporados aos costumes e à vivência do brasileiro e a aceitação social do “poliafeto” importa para o tratamento jurídico da pretensa família “poliafetiva”. 7. A diversidade de experiências e a falta de amadurecimento do debate inabilita o “poliafeto” como instituidor de entidade familiar no atual estágio da sociedade e da compreensão jurisprudencial. Uniões formadas por mais de dois cônjuges sofrem forte repulsa social e os poucos casos existentes no país não refletem a posição da sociedade acerca do tema; consequentemente, a situação não representa alteração social hábil a modificar o mundo jurídico. 8. A sociedade brasileira não incorporou a “união poliafetiva” como forma de constituição de família, o que dificulta a concessão de status tão importante a essa modalidade de relacionamento, que ainda carece de maturação. Situações pontuais e casuísticas que ainda não foram submetidas ao necessário amadurecimento no seio da sociedade não possuem aptidão para ser reconhecidas como entidade familiar. 9. Futuramente, caso haja o amadurecimento da “união poliafetiva” como entidade familiar na sociedade brasileira, a matéria pode ser disciplinada por lei destinada a tratar das suas especificidades, pois a) as regras que regulam relacionamentos monogâmicos não são hábeis a regular a vida amorosa “poliafetiva”,

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ARTIGO

que é mais complexa e sujeita a conflitos em razão da maior quantidade de vínculos; e b) existem consequências jurídicas que envolvem terceiros alheios à convivência, transcendendo o subjetivismo amoroso e a vontade dos envolvidos. 10. A escritura pública declaratória é o instrumento pelo qual o tabelião dá contorno jurídico à manifestação da vontade do declarante, cujo conteúdo deve ser lícito, uma vez que situações contrárias à lei não podem ser objeto desse ato notarial. 11. A sociedade brasileira tem a monogamia como elemento estrutural e os tribunais repelem relacionamentos que apresentam paralelismo afetivo, o que limita a autonomia da vontade das partes e veda a lavratura de escritura pública que tenha por objeto a união “poliafetiva”. 12. O fato de os declarantes afirmarem seu comprometimento uns com os outros perante o tabelião não faz surgir nova modalidade familiar e a posse da escritura pública não gera efeitos de Direito de Família para os envolvidos. 13. Pedido de providências julgado procedente.” O voto do Corregedor Nacional de Justiça e Relator do Pedido de Providências, Ministro João Otávio de Noronha, deixou claro, inclusive no vídeo de suas manifestações, que a vontade das partes declarada em escritura pública deve estar em conformidade com o ordenamento jurídico, afinal, cabe ao Notário formalizar “juridicamente” a vontade das partes. Os atos cartorários têm que respeitar as normas legais. Se a Constituição não proíbe explicitamente o “poliamor” ou a poligamia, proíbe pelo sistema jurídico, que é claramente fundado na monogamia. E se a lei não regulamenta o “poliamor” como relação familiar, é porque não reconhece a validade de escritura pública de poliafetividade como união estável. Estas foram as manifestações do Ministro João Otávio de Noronha, que sublinhou, por fim, que, se não fosse dada atenção ao sistema jurídico, seria desprezada a normatização das relações familiares, o que equivaleria a rasgar a Constituição e o Código Civil.

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O voto do Ministro João Otávio de Noronha, foi acompanhado dos votos da Conselheira e Desembargadora do Tribunal de Justiça do Ceará Maria Iracema Martins do Vale, do Conselheiro e Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho (TRT5) Valtércio Ronaldo de Oliveira, do Conselheiro e Juiz de Direito do Tribunal de Justiça de Santa Catarina Márcio Schiefler Fontes, do Conselheiro e Juiz Federal da 2ª Região Fernando César Baptista de Mattos, do Conselheiro e Advogado Valdetário Andrade Monteiro, e da Conselheira e cidadã de notável saber jurídico Maria Tereza Uille Gomes. Por sinal, de nada adianta dizer que foram apenas os 7 votos acima citados que deram procedência ao Pedido de Providências da ADFAS de proibição de lavratura das escrituras de relação poliafetiva como união estável, o que, por sinal, já seria a maioria entre 13 Conselheiros votantes. Na verdade, foram 12 votos que acolheram as razões da ADFAS, já que os 5 votos parcialmente divergentes também foram proferidos pela impossibilidade de lavratura dessas escrituras de “poliamor’ como “uniões estáveis”, enfatizando que aí não há família. Também na divergência foi atendido o Pedido de Providências da ADFAS, porque ali se observou a impossibilidade de equiparação dessas relações à família. Essa divergência parcial de 5 votos pretendia possibilitar as escrituras de trisais como sócios de fato, ou seja, sem direitos de família e outros correlatos. Deve-se lembrar, como bem recordou a Presidente do CNJ e Ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, em sua manifestação durante o julgamento, que sociedade de fato não foi o objeto do processo administrativo instaurado por iniciativa da ADFAS. Assim, não caberia ir além do que foi pedido, isto é norma processual que não poderia ser violada pelo CNJ. Mas, além desse argumento de ordem processual, é preciso lembrar que uma sociedade de fato tem efeitos somente patrimoniais e dependentes de prova da contribuição financeira ou laboral de uma pessoa em prol da aquisição de bens que ficam em nome de outra pessoa, portanto, efeitos que dependem de prova dessa contribuição, a qual certamente não se faz por uma mera declaração


perante um Tabelionato de Notas, de modo que de nada ou pouco serve, data vênia, essa sugestão da divergência. Assim, ficaram vencidos o Conselheiro Aloysio Corrêa da Veiga, que abriu a divergência, acompanhado pelo Conselheiro e Procurador da Justiça Arnaldo Hossepian Salles Lima Junior, pela Conselheira e Desembargadora do Tribunal Regional Federal (TRF3) Daldice Maria Santana de Almeida, pelo Conselheiro e Advogado Henrique de Almeida Ávila e pela Ministra Cármen Lúcia. Note-se que, conforme o mesmo v. acórdão, o Conselheiro e Advogado André Godinho estava ausente justicadamente na sessão de finalização do julgamento, razão pela qual não foi computado seu voto nos cálculos acima apresentados, embora conste da publicação do acórdão, observando-se que dele também consta que na lavratura de escritura pública apenas pode ser declarada a existência de tais relações, sem a aposição de direitos e deveres. Em suam, apenas um voto foi contrário ao pedido de vedação de escrituras de poligamia como uniões estáveis, dado pelo Conselheiro e Juiz do Trabalho Francisco Luciano de Azevedo Frota, que, com todo o respeito, foi levado a equívoco por aqueles argumentos sedutores e contrários à lei brasileira. E aí vai uma outra relevante observação. Foram apenas 2 Tabeliãs de Notas, uma, enquanto exerceu atividade notarial em Tupã e depois em São Vicente, e outra do 15º Tabelionato do Rio de Janeiro, entre os tantos Cartórios de Notas existentes em nosso país, que lavraram escrituras de trios como se fossem casais, ao que se constatou no referido Pedido de Providências ao CNJ. Assim, são poucos os casos de relação poliafetiva existentes no país, de modo que não refletem a posição da sociedade acerca do tema. E, portanto, também falso era o pretexto de que existiriam muitos casos de poliamor no Brasil, quando todos sabem que nosso país adota a monogamia. O afeto, por si só, pode ser considerado como o único elemento relacional entre psicanalistas incautos, que usam argumentos despregados da história e dos tempos atuais. Afinal, onde está a felicidade das mulheres que são

inferiorizadas em relações poligâmicas ou de poliamorismo? Desde quando a teoria freudiana do “ser desejante” diz que a convivência em sociedade não deva ter limites? Argumentos falsos usados também na psicanálise, uma vergonha! E, mais do que isto, interdisciplinaridade é muito relevante desde que seja um caminho de duas mãos e não de mão única, ou seja, um caminho de diálogo entre o Direito e a Psicanálise e não uma sobreposição interpretativa da Psicanálise sobre o Direito! Muito importa o que o ordenamento legal estabelece, porque ordena, organiza, disciplina, sendo o afeto relevante somente em relações lícitas. Cabe e é muito bem-vinda a intervenção em cumprimento do ordenamento legal, porque o afeto não justifica a existência de qualquer relação como familiar. Mal seria se na família não houvesse lei, se não tivéssemos a monogamia como princípio estruturante da união estável e do casamento. Em suma, cada um vive como quiser, mas não pode ignorar a lei e desejar proteção, inclusive de terceiros, órgãos públicos e privados, que a lei não lhe confere. A Constituição Federal estabelece as regras maiores sobre as espécies de Família em seu art. 226, que evidentemente afasta, na interpretação sistemática, qualquer possibilidade de trisais e relações adulterinas terem efeitos familiares. O dever de lealdade na união estável, imposto pelo art. 1724 do Código Civil, tem o significado de fidelidade aos compromissos assumidos, entre os quais a monogamia. O STF autorizou na ADPF 132 e na ADI 4277 das uniões homossexuais a formação de família entre pessoas do mesmo sexo desde que o façam em monogamia. O concubinato ou mancebia não é uma relação de Família, equiparada a união estável, muito ao contrário, é o que diz expressamente o art. 1727 do Código Civil. A pretensão de enterrar o sistema protetivo da Família e das Pessoas que a integram naufragou! Todo engodo, por mais engendrado que seja, um dia se desfaz!

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ARTIGO ZENO VELOSO, professor e diretor do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família).

É Namoro ou União Estável? L

i na coluna de Monica Bergamo que os advogavência como marido e mulher, nem, muito menos, o dos de Luiza Brunet procuraram o escritório de objetivo de constituir uma família, que tem de ser dos advocacia Luiz Kignel, que representa o empresário dois parceiros. Enfim, existia somente um namoro. Lírio Parisotto - que teria agredido a modelo e atriz, A união estável é uma entidade familiar constiem Nova York-, para discutir os termos da separatucionalmente prevista e protegida, tão digna e resção dos dois. Segundo o advogado do rico empresápeitável quanto a que decorre do casamento. Seus rio, os procuradores da bela Brunet pediram R$100 requisitos são apontados no art. 1.723 do Código Cimilhões pelo que seria a formação do patrimônio vil, que diz: “É reconhecida como entidade familiar a durante a união estável. Nem foi oferecida contraunião estável entre o homem e a mulher, configurada -proposta, sob o argumento de na convivência pública, contíque “Não houve união estável nua e duradoura e estabelecialguma. O que houve foi um nada com o objetivo de constimoro, com vários rompimentos, tuição de família”. “É reconhecida como inclusive”. Uma eventual disputa Nem sempre é fácil distinentidade familiar a união na Justiça, observa a bem inforguir essa situação de outra, o estável entre o homem mada colunista, pode ser uma namoro, que também se apredas maiores do país: “Parisotto e a mulher, configurada senta informalmente no meio está entre os 30 empresários mais na convivência pública, social. Numa feição moderna, ricos do Brasil com fortuna estiaberta, liberal, especialmente contínua e duradoura mada em US$ 1,6 bilhão”. se entre pessoas, adultas, mae estabelecida com o Enfim, a polêmica vai ser granduras, que já vêm de relacioobjetivo de constituição namentos anteriores (alguns de. Uma parte vai argumentar que existiu uma união estável, uma bem sucedidos, outros nem de família” entidade familiar, mostrando que tanto), eventualmente com os protagonistas tinham convifilhos dessas uniões pretérivência pública, contínua e duratas, o namoro implica, igualdoura e estabelecida com o objetivo de constituição mente, convivência íntima - inclusive, sexual -, os de família. E mais, que a companheira participou do namorados coabitam, frequentam as respectivas crescimento do patrimônio do companheiro, havencasas, comparecem a eventos sociais, viajam juntos, do o chamado “esforço comum”, pelo que teria direito demonstram para os de seu meio social ou profisa uma indenização. sional que entre os dois há uma afetividade, um reA outra parte diz, simplesmente: “nada disso! Não lacionamento amoroso. E quanto a esses aspectos, houve união estável, coisa alguma”. Não havia conviou elementos externos, objetivos, a situação pode se

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assemelhar - e muito - a uma união estável. Parece, vir de uma ação com pedidos de ordem patrimomas não é! Pois falta um elemento imprescindível nial, alegando-se a existência de uma união estável, da entidade familiar, o elemento interior, anímico, com o rol imenso de efeitos patrimoniais que enseja, subjetivo: ainda que o relacionamento seja prolonquando, de fato e realmente, só havia namoro, sem gado, consolidado, e por isso tem sido chamado de maior comprometimento, algumas pessoas combi“namoro qualificado”, os namorados por mais pronam e celebram o que se tem denominado contrato fundo que seja o envolvimento deles, não desejam e de namoro, sendo que tal avença, substancialmennão querem - ou ainda não querem - constituir uma te, é uma declaração bilateral em que pessoas maiofamília, estabelecer uma entidade familiar, conviver res, capazes, de boa-fé, com liberdade, sem presnuma comunhão de vida, no sões, coações ou induzimento, nível do que os antigos chaconfessam que estão envolvidas mavam de affectio maritanum relacionamento amoroso, lis. Ao contrário da união esque se esgota nisso mesmo, sem Ao contrário da união tável, tratando-se de namoro nenhuma intenção de constituir estável, tratando-se de - mesmo do tal namoro quafamília, sem o objetivo de estanamoro mesmo do tal lificado -, não há direitos e belecer uma comunhão de vida, deveres jurídicos, mormente sem a finalidade de criar uma namoro qualificado -, de ordem patrimonial entre não há direitos e deveres entidade familiar, e esse namoos namorados. Não há, enjurídicos, mormente de ro, por si só, não tem qualquer tão, que falar-se de regime de efeito de ordem patrimonial, ou ordem patrimonial entre bens, alimentos, pensão, parconteúdo econômico. os namorados” tilhas, direitos sucessórios, Sintetizando: as partes depor exemplo. claram, expressa e inequivocaSe os que vivem, conscienmente, sem conotação de fraude, temente, nessa entidade familiar - união estável -, intuito dissimulatório ou ilicitude, observados os já se sentem sufocados com a minuciosa normatiprincípios de probidade e boa-fé, e sem violar norzação de suas vidas, imaginem as preocupações, a mas imperativas, a ordem pública e os bons costuaflição e o medo dos que assumem um relacionames, a inexistência de uma relação jurídica. Em que mento afetivo de simples namoro, e têm o justo relei há uma proibição de que isso seja feito? E se não ceio de que essa situação possa ser confundida com há proibição, em nome do liberalismo, da autonoa da união estável... mia privada, da democracia, vigora o secular prinDiante disso, pela insegurança que envolve o ascípio: permittitur quod non prohibetur = tudo o sunto, para evitar riscos e prejuízos que podem adque não é proibido é permitido.

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ARTIGO ROLF MADALENO, advogado e ex-professor de Direito de Família na Graduação e Pós-Graduação da PUC/RS. Diretor nacional e sócio fundador do IBDFAM. Autor do livro Direito de Família, 8 a edição, editora Forense. www.rolfmadaleno.com.br

Filhos adotados em confronto com os filhos destoados do recurso extraordinário 898.060 do STF A

o final do voto do Recurso Extraordinário 898.060, o Ministro Luiz Fux propõe a fixação da tese para aplicação a casos semelhantes, no sentido de que: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com todas as suas consequências patrimoniais e extrapatrimoniais.” É julgamento ainda em aberto, aguardando os votos pendentes, mas cujas manifestações já conhecidas, permitem extrair a essência da tese que deverá prevalecer para reconhecer a possibilidade de um duplo e concomitante registro de parentesco socioafetivo e biológico, nenhum se sobrepondo ao outro, tendo ambos o mesmo peso e efeito jurídico, e um não invalidando o outro. Esta é por sinal, dentre os votos já revelados, a tese defendida pelo Ministro Dias Toffoli, ao sugerir que: “O reconhecimento posterior do parentesco biológico não invalida necessariamente o registro do parentesco socioafetivo, admitindo-se nessa situação o duplo registro com todas as consequências jurídicas daí decorrentes, inclusive para fins sucessórios. Este julgamento enfrenta duas questões claramente diversas, porquanto, de um lado, atribui efeitos ju-

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rídicos à filiação socioafetiva, que sem assento em texto de lei dependia das diferentes interpretações jurisprudenciais, que, em resumo, por vezes acolhiam a validade e a sobreposição da filiação socioafetiva, quando originária da adoção à brasileira, que se tornava irreversível quando o adotante pretendesse desconstituí-la, e noutras vezes, contraditoriamente, retirava toda esta consistência jurídica dos julgamentos que pesquisassem a origem genética sob o ponto de vista do filho de complacência, afirmando que o filho adotado à brasileira, tinha todo o direito de fazer prevalecer seus vínculos biológicos sobre o elo socioafetivo, mesmo quando presente uma forte e estável filiação socioafetiva. Quanto ao primeiro aspecto deste histórico julgamento do STF e de Repercussão Geral, os vínculos socioafetivos alcançam o status de uma das diferentes espécies aceitas de filiação, como já vinha ganhando corpo na doutrina e na jurisprudência brasileiras, a partir do voto do Ministro Luiz Fux, ao vedar qualquer hierarquia entre a filiação genética e a socioafetiva, admitindo inclusive, a multiplicidade de vínculos parentais, ou seja, o reconhecimento concomitante de mais de um laço de parentesco, inse-


rindo no sistema jurídico brasileiro a pluriparentalidade. Vale dizer, se confirmado como majoritário ou unânime o voto do relator Ministro Luiz Fux, e esta parece ser a tendência do STF, um filho poderá ter dois, três, quatro ou até mais progenitores, com todas as suas consequências patrimoniais e extrapatrimoniais, somando a filiação biológica à filiação socioafetiva que simplesmente se acumulam, conforme se pronuncie o desejo daquele que investiga seus vínculos de parentalidade, para além do mero registro civil, eis que surgirão situações nas quais, ao lado da filiação biológica e da socioafetiva, também poderá imperar uma filiação registral, que por igual poderá conter vínculos socioafetivos surgidos em tempo precedente, coincidente ou posterior ao nascimento do filho registrado como se fosse próprio. Visto sob o constitucional olhar igualitário da filiação, o julgamento do Supremo Tribunal Federal dá existência jurídica à filiação socioafetiva e a ela atribui equivalência hierárquica à da filiação biológica, de forma que, uma filiação não deveria se sobrepor sobre a outra, e muito ao contrário, uma e outra podem ser acumuladas, justamente por carregarem valores absolutamente equivalentes, onde o afeto, representado por uma convivência de amor, proteção e cuidados inerentes à relação entre pai/mãe e filho, tem exatamente o mesmo efeito e exatamente o mesmo valor e reconhecimento de uma filiação biológica. Curiosamente, outras legislações são completamente arredias à multiparentalidade no registro de nascimento, e encontram espaço na certidão de filiação para apenas dois pais, cuja ascendência pode ser composta por um casal de genitores hetero ou ho-

moafetivo, mas nunca mais do que um par de pais, e, portanto, completamente avesso ao registro de qualquer vínculo de parentalidade que não seja exclusivamente binário, de um pai e de uma mãe, ou de dois pais, ou duas mães, mas sempre no limite de dois ascendentes. Isto é o que afirma, por exemplo, o artigo 558 do novo Código Civil e Comercial da Argentina, ao dispor que “nenhuma pessoa pode ter mais de dois vínculos filiais, qualquer que seja a natureza da filiação.” Escreve Eduardo A. Sambrizzi, orientado na lição de Belluscio, se tratar de lógica pura, porém, não supérflua, frente às situações confusas que podem surgir da aplicação, por exemplo, das novas regras relativas à procriação assistida.1 De fato, práticas de procriação assistida heterólogas permitem um somatório de genitores quando consideradas as doações do material genético, ou o empréstimo de útero e o projeto de parentalidade, que pode gerar mais de dois vínculos de filiação, nesta soma dos aspectos genéticos e volitivos de um estado de filiação. Conta Sambrizzi ser esta uma questão de simples sentido comum, e que se depreende da natureza do ser humano, posto que este é concebido pela união de somente dois gametas, um proveniente da mulher e o outro advindo de um varão, ou seja, unicamente de duas pessoas, os pais do nascido e não mais de dois, muito embora as parcerias homoafetivas admitam uma multiparentalidade que também se resume a dois pais, apenas que do mesmo sexo.2 Resulta que o próprio matrimônio ou a união estável no seu equivalente informal, só pode ser formado por duas pessoas, sendo aplicável esta restrição

1 SAMBRIZZI, Eduardo A. La filiación en el Código Civil y Comercial. Buenos Aires: Thomson Reuters La Ley. 2106, p.37. 2 Idem. ob. cit. p. 40.

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ARTIGO

numeral ao casamento constituído por duas pessoas do mesmo sexo, ou por duas pessoas de sexos distintos, pois se forem filhos de outras pessoas, transcreve com igual clareza a legislação brasileira, estes podem ser filhos de outras pais, desde que reste sem quaisquer efeitos jurídicos a filiação anterior. A Carta Federal pretendeu em 1988, terminar com qualquer forma de discriminação em termos de filiação e dentre um destes efeitos oriundos de uma suposta igualdade dos filhos, toda a adoção passou a ser plena, dispondo o artigo 41 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990) que: “a adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com os pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais. Ou seja, se a adoção for oficial e, portanto, realizada em estrito cumprimento à legislação sobre a colocação de criança ou de adolescente em família substituta, ela será irrevogável (ECA, art. 39, § 1°) e atribuirá a condição de filho ao adotado, com relação ao(s) adotante(s), desligando-o de qualquer vínculo com seus pais e parentes, ou seja, a criança ou adolescente que for adotado deixa de ser filho dos seus pais biológicos e passa a ser filho de outro(s) pai(s), ficando sem efeito a filiação anterior (a biológica) e, seguindo rigorosamente a ordem legal de que um filho só pode ter no máximo dois pais, em um lógico sistema binário de paternidade. E mais do que isto, o artigo 49 do Estatuto da Criança e do Adolescente assegura que a morte dos adotantes não restabelece o poder familiar dos pais, ao passo que o artigo 48 do mesmo Estatuto reconhece apenas o direito que tem o adotado de conhecer sua origem biológica, podendo obter acesso irrestrito ao processo de sua adoção, mas sem admitir qualquer efeito jurídico patrimonial ou extrapatrimonial. Contudo, assim agora não acontece se a adoção for à brasileira, ou de complacência e que, estranha-

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mente, não guarda os mesmos efeitos jurídicos que regulamentam a adoção oficial. Curioso tratamento diferenciado, pois para a adoção socioafetiva e informal, do falso registro ou do acolhimento dos filhos do coração, o Supremo Tribunal Federal construiu uma outra interpretação final, ao permitir a cumulação dos vínculos de parentesco, como já procedia o Superior Tribunal de Justiça em uma via de mão única, em uma estrada que deveria justamente levar para as duas direções. Afiguram-se totalmente diferentes as adoções oficiais daquelas informais, da adoção à brasileira, embora em ambas as situações se trate da figura jurídica de uma adoção e no idêntico estabelecimento de vínculos socioafetivos, pois com certeza, em nenhuma das duas espécies de adoções existe qualquer elo biológico e em ambas prevalece um vínculo do mais puro amor, apenas que pelo julgamento da Repercussão Geral, do STF, a filiação adotiva do Estatuto da Criança e do Adolescente é irreversível e destoa inteiramente dos efeitos oriundos da adoção à brasileira, esta, de um amor mais sensível e vulnerável, mas claramente ilegal, pois a adoção de complacência é passível de anulação, porque, ao contrário da colocação em família substituta do Estatuto da Criança e do Adolescente, a adoção à brasileira é reversível ou cumulativa, pois dependendo do caso, ela traz de volta a distante ou ausente filiação biológica, ou a acumula com a filiação socioafetiva, usualmente motivada apenas por interesses exclusivamente materiais, ao contrário da adoção estatutária, que jamais retoma a ascendência biológica, salvo para o propósito único de o adotado conhecer a sua origem, mas sem qualquer outro efeito jurídico, e assim deveria também suceder em todas as formas de adoções. Sejam elas estatutárias ou das adoções à brasileira, pois conforme o vigente direito constitucional, não mais deveria existir qualquer forma de discriminação entre filhos.


ARTIGO LEANDRO VASQUES, Advogado Criminal, Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco e Conselheiro da Escola Nacional de Advocacia – ENA.

O mais polêmico plantão judiciário da história forense U

m plantão judiciário tem sua razão de ser na necessidade de garantir o acesso à justiça de forma permanente. Assim como hospitais, o Poder Judiciário não pode fechar. No entanto, apenas casos específicos podem ser apreciados por juízes plantonistas: basicamente aqueles que não poderiam ter sido previstos antes do plantão e que não podem esperar o dia útil seguinte. São critérios de fácil compreensão, mas o desembargador federal Rogério Favreto os desprezou solenemente no plantão do dia 08 de julho de 2018. Atropelando as normas regimentais do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e do Conselho Nacional de Justiça, bem como desprezando decisões superiores dos seus pares de tribunal e do Supremo Tribunal Federal, Favreto determinou a soltura do ex-presidente Lula. Confira-se que os regimentos internos de cada Corte disciplinam a matéria e, há oito anos, diante de crises e decisões controversas em várias unidades da Federação, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu a Resolução 71/2009, estabelecendo o que pode e o que não pode ser julgado durante o plantão, sendo expressamente vedado que o plantão não se destina à reiteração de pleito já apreciado pela Corte. Sessenta dias após a prisão de Lula e depois de exaustivos recursos no próprio TRF4 e no STF, um habeas corpus nos termos do que foi proposto seria natimorto, por tratar de assuntos rescaldados e incabíveis em plantão judiciário. Risível o argumento de que a sua pré-candidatura era o fato novo que justificava a jurisdição inadiável do plantão – coincidentemente de um magis-

trado historicamente ligado ao PT. De todo modo, ilegal ou não, havia naquele momento uma ordem de soltura prestes a ser cumprida. Entra em cena, então, o juiz federal Sérgio Moro, cuja jurisdição no caso já havia se esgotado com a remessa dos autos à segunda instância, que apreciou os recursos e determinou a prisão do ex-presidente. Mesmo de férias, Moro questionou a decisão do desembargador federal e criou um embaraço para a liberação de Lula, ainda que não tenha sido o destinatário de nenhuma ordem, afinal a decisão do Desembargador Rogério Favreto fora dirigida à Polícia Federal. Após a intromissão de Moro, na mesma tarde, o desembargador federal relator dos processos de Lula em segunda instância, Gebran Neto, avocou para si o habeas corpus em questão. Depois Favreto reiterou a ordem de soltura. O imbróglio só terminou com a decisão do Presidente do TRF4, Carlos Eduardo Thompson Flores, que determinou a remessa do processo ao relator Gebran Neto. Tamanha movimentação em um plantão judiciário, que inclusive tirou um magistrado de suas férias, seria até benéfica em outro contexto. No entanto, o que se viu foi uma sucessão de erros, movidos por sentimentos pessoais inescusáveis, que só contribui para a ruína da credibilidade da Justiça. Se não há respeito nem mesmo dentro do próprio Poder Judiciário, de um juiz singular em relação a um colegiado ou ao Supremo Tribunal Federal, como esperar a confiança de uma sociedade tão carente de justiça como a nossa?

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GENTE DO DIREITO

DIRETORIA DA ACADEMIA CEARENSE DE LETRAS JURÍDICAS TOMA POSSE NO PALÁCIO DA LUZ Valdetário Monteiro, presidente

Em solenidade prestigiada, na noite de 28 de junho, a Academia Cearense de Letras Jurídicas empossou os membros de sua primeira diretoria. Valdetário Monteiro e Paulo Bonavides foram eleitos, respectivamente, presidente e presidente de honra do órgão. Todos os empossados terão mandato de três anos. A criação da ACLJ, oficializada em 23 de setembro de 2017, foi idealizada por personalidades do Direito do Ceará desde 1978. Ricardo Bacelar, Manoela Queiroz Bacelar e Valdetário Monteiro

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Valdetário Monteiro, Rachel e Fábio Timbó

Leandro e Aline Vasques

Caio Falcão, Juliana Falcão e Valdetário Monteiro

Júlio Ponte e Valdetário Monteiro

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Marcos Duarte e Valdetário Monteiro

Damasceno Sampaio e Valdetário Monteiro: Juramento

Mesa de convidados e diretoria

Patriarca Brandão e Valdetário Monteiro

Valdetário Monteiro e Robson Freitas

Diretoria da Academia Cearense de Letras Jurídicas

Ana Karine, Sarah e Valdetário Monteiro

Valdetário Monteiro e familiares

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ARTIGO MARCELL FEITOSA, Tributarista. Sócio de Mota & Massler Advogados. Diretor da ESA-CE.

A Repercussão Geral e a Distinção entre a Eficácia Normativa e sua Eficácia Executiva (Efeito Vinculante) H

á muito se discute sobre a obrigatoriedade de magistrados submeterem-se aos precedentes firmados pelas Cortes Superiores. Entretanto, não se pode confundir a eficácia normativa de uma sentença que declara a inconstitucionalidade com a eficácia executiva, ou seja, o efeito vinculante dessa decisão. O efeito vinculante não nasce da inconstitucionalidade, ele nasce da sentença que declara inconstitucional. O efeito vinculante é da decisão do STF para frente, atribuindo ao julgado uma distinta força impositiva e obrigatória em relação a supervenientes atos administrativos ou judiciais. É importante distinguir essas duas espécies de eficácia (a normativa e a executiva), pelas consequências que operam em face das situações concretas. A eficácia normativa (declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade) se opera ex tunc, porque o juízo de validade ou nulidade dirige-se ao próprio nascimento da norma questionada. Já a executiva não possui eficácia desde a origem da norma. É que o efeito vinculante, que lhe dá suporte, não decorre da validade ou invalidade da norma examinada, mas, sim, da sentença que a examina. Derivando, a eficácia executiva, da sentença (e

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não da vigência da norma examinada), seu termo inicial é a data da publicação do acórdão do STF no Diário Oficial - art. 28 da Lei 9.868/1999. E, consequentemente, eficácia que atinge atos administrativos e decisões judiciais supervenientes a essa publicação, repita-se, não a atos pretéritos. Os atos anteriores já definitivamente julgados, mesmo quando formados com base em norma inconstitucional, somente poderão ser desfeitos ou rescindidos em processo próprio. Justamente por não estarem submetidos ao efeito vinculante da sentença, não podem ser atacados por simples via de reclamação, como se explicitará a seguir. A decisão em controle difuso de constitucionalidade, por essência, é declaratória e tem eficácia subjetiva (efeito inter partes). Consequentemente, independente do órgão prolator, não faz coisa julgada em relação à lei cuja inconstitucionalidade foi declarada na apreciação de um caso específico. Isso porque, na vigência de uma lei qualquer magistrado pode entendê-la como constitucional e continuar a aplicá-la, pelo menos até que o Senado Federal (ex vi o inciso X, do art. 52 da CF/88), emita resolução suspendendo a sua execução. Cabe observar que, a partir da EC 45/2004, nas questões constitucionais de repercussão geral, o STF, anali-


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sando incidentalmente a incons4962; Rcl 1723 AgR. titucionalidade de determinada De igual sorte, não foi à toa lei ou ato normativo, poderá, imeque o STF externou entendidiatamente e respeitados os remento em diversos precedentes Os efeitos sob o ponto quisitos do art. 103-A da CR/88, (ex vi Vide Rcl 5628 e Rcl 8221) de vista da vinculação editar Súmula Vinculante, que acerca do não cabimento de (executoriedade da guardará pertinência temática Reclamação quando a decisão decisão tomada no com o assunto tratado, evitando paradigma foi proferida em Tribunal Superior) da a demora na prestação jurisdisede de Recurso Extraordinário cional em inúmeras e infrutíferas e o Reclamante não foi parte no decisão proferida em ações sobre o mesmo assunto. sede de repercussão geral processo principal. Indicativo A segunda modificação imdesse entendimento é o julgado só alcança os processos portante para a eficácia expanno RESP 1096244, no qual o STJ pendentes de julgamento asseverou: “nada impede que siva das decisões do STF, trazida definitivo” pela EC 45/2004, foi a que instiesta Corte adote orientação intuiu, como novo requisito de adterpretativa que entender mais missibilidade do recurso extracorreta à norma infraconstituordinário, a demonstração da “repercussão geral das cional, uma vez que as decisões proferidas em sede questões constitucionais discutidas no caso, nos terde repercussão geral não têm efeito vinculante.” mos da lei” (art. 102, § 3º da CF, regulamentado nos O Min. Sepúlveda Pertence, Rcl 4335, foi cirúrgico em arts. 543-A e 543-B do CPC/73 e arts. 1.035 a 1.041 seu voto: “e tenho dúvidas se até ai seria vinculante, do CPC/15. porque a dispensa da remessa ao Plenário da argüiOs efeitos sob o ponto de vista da vinculação (exeção de inconstitucionalidade não impede o tribunal cutoriedade da decisão tomada no Tribunal Superior) inferior de alterá-la enquanto não dotada a jurispruda decisão proferida em sede de repercussão geral só aldência do Supremo Tribunal do efeito vinculante, que, cança os processos pendentes de julgamento definitivo. ou decorre, no nosso sistema, de decisões nos processos Tanto o é que todas as providências elencadas no CPC objetivos de controle direto, ou decorrerá da adoção antigo e atual só remontam aos processos em trâmite. solene, pelo Tribunal, da súmula vinculante.” Empregar, pois, a abstrativização de decisão proDestarte, não é sustentável, sob o prisma dogmáferida em controle difuso de constitucionalidade fora tico, a existência de efeitos vinculantes e para todos, dessas hipóteses é tornar obsoleta a figura da Súmula nos julgamentos de recursos extraordinários, mesmo Vinculante e da Resolução de competência do Senaque julgados pelo plenário, pela novel sistemática da do Federal; é deturpar os efeitos da repercussão geral repercussão geral. Ora, se dogmaticamente não é vique são apenas para casos pendentes de apreciação ável, haja vista a inteligência dos artigos 103-A e do definitiva. E é cediço que esses institutos coexistem parágrafo 3º do art. 102, todos da CF/88 e a jurisprue se mantém vigentes. É firme nesse sentido a jurisdência do STF rejeita essa tese, não há como defenprudência do STF: Rcl 5388 AgR; Rcl 12741 AgR; Rcl dê-la, a não ser como lege ferenda.

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ARTIGO HUMBERTO CUNHA FILHO, Doutor em Direito, Advogado da União e Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional - Mestrado e Doutorado - da Universidade de Fortaleza - UNIFOR

Em que era estamos vivendo? Q

ue tempos são esses!? Em que era estamos vivendo!? Essas perguntas e exclamações surgem toda vez que ficamos perplexos com fenômenos e eventos sociais que fogem da rotina desejada e, mais que isso, são tão impactantes, que custamos a crer se efetivamente aconteceram, dada a sensação e até o desejo inconsciente de se tratar de pesadelos dos quais vamos despertar. A violência desmedida costuma ser o elemento mais evidente das nossas preocupações e o revelador de que a engrenagem social está em desordem, do mesmo modo que a febre é o sintoma de que há algo doente no corpo. Não se trata de alarmismo a preocupação com o fato de que no Ceará, em 2017, mais de 5 mil pessoas foram assassinadas e que o despertar de 2018 tingiu de vermelho as ruas de Fortaleza, com o sangue de dezenas de chacinados. E o pior de tudo é que esse fenômeno se repete em todo o Brasil, numa espécie de campeonato mórbido em que as cidades se alternam na indesejável posição de campeãs de violência, formando o cenário perfeito para o florescimento demagógico das soluções fácies e milagrosas, estando a repressão policial e o endurecimento das leis punitivas no topo da lista. Poucos são os que tentam entender que os graves problemas nunca têm única motivação; geralmente as razões são muitas e infraestruturais, para cujo conhecimento é necessário recorrer a todas as ciências, inclusive aquelas que perscrutam o passado, como a História do Direito. A propósito, ao fazer a leitura de “A Ordem Jurídica Medieval”, de Paolo Grossi, jurista-historiador

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vinculado à Universidade de Florença, na Itália, deparei-me com um trecho que me fez pensar não no período que vai do Século V ao Século XV, na Europa, mas no aqui e agora do Brasil: “Pois bem, esse homem tão desprovido de carga crítica é uma presença frequente na era protomedieval, desenvolve-se muito bem num mundo culturalmente asfixiante, permeado por uma dramática crise demográfica, enfraquecido pela peste, pela carestia e por invasões, dominando pela desordem social, incapaz de controlar a natureza bruta com a tradicional técnica agrária”. Não convém especificar as comparações com a época atual, porque seria uma afronta à inteligência de quem me honra com a leitura desse texto, mas cabe destacar que que o acesso às informações desprovido de criticidade, o entendimento de cultura não como cultivo, mas como entretenimento, a percepção das pessoas não como cidadão e seres humanos, mas como cliente e consumidor, são algumas das atitudes responsáveis pela reedição de todos esses degradantes eventos de uma época que, com a soberba própria de quem se acha mais iluminado, é chamada de idade das trevas. A esse respeito, aliás, a exemplo de outros medievalistas desagravadores, Paolo Grosssi precisa a situação atinente ao fluxo formal dos saberes, afastando a equivocada ideia de que o desenvolvimento cultural era inexistente, asseverando apenas seu caráter restrito, mas metódico e profundo nos ambientes religiosos, por paradoxal que aparente. Mas a grande lição que subjaz à obra é a de con-


tribuir para compreensão das razões pelas quais a Idade Média adquiriu as características pelas quais a conhecemos, sendo muito importante a observação de que ela se situa entre a unidade - por assim dizer internacional- do direito emanado do Império Romano, e a construção do Estado-Nação, regido pela ideia de soberania, que nada mais é que a concentração de todos os poderes, principalmente o de fazer e aplicar o direito, na esfera estatal. No entremeio, a diversidade caótica de quem olha o passado por um retrovisor de uma viatura confortável e refrigerada. Eis aqui mais um elemento comparativo que se pode fazer com a situação presente e que poucos enxergam; estamos fazendo o percurso inverso, com algumas anomalias adicionais: mal vivenciamos no Brasil um curto período do Estado-Nação, este já se dissolve celeremente, sendo substituído por uma nova ordem mundial, baseada em valores preponderantemente econômicos, para a qual quanto mais divididos os indivíduos mais controláveis eles são e menos força reivindicatória possuem. Assim, com exceção da linguagem comum para o consumo, cada um fala a própria língua e, em decorrência, a comunicação entre eles só encontra canal pela violência. Assim, estamos numa era em que precisamos enxergar a complexidade da situação para, no convívio real do cotidiano, irmos construindo soluções, que jamais chegarão de forma mágica ou milagrosa; precisamos iniciar agora, sob pena de não ter mais tempo.

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A violência desmedida costuma ser o elemento mais evidente das nossas preocupações e o revelador de que a engrenagem social está em desordem, do mesmo modo que a febre é o sintoma de que há algo doente no corpo”

Obra: A Ordem Jurídica Medieval; Autor: Paolo Grossi; Ano: 2014; Editora: Martins Fontes.

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PERFIL

GILBERTO SIEBRA, Filósofo, Advogado e Jornalista G

ilberto Siebra, nasceu no município do Crato, cerca de 580 quilômetros de Fortaleza. Ele é o segundo do filho no tal de cinco irmãos. Seus pais, Alberto Siebra de Brito e Maria Nauele Monteiro de Brito, decidiram mudar com toda a família para Fortaleza no ano de 1975. O motivo da mudança para a capital era justamente proporcionar um estudo de qualidade para os filhos, principalmente para Gilberto Siebra, que em 1981 licenciou-se em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará; e em 1987 bacharelou-se em Ciências Jurídicas pela Universidade de Fortaleza. A vida no Crato foi comum e simples. A vida alegre e humana que Gilberto teve no Crato contribuiu para sua formação humanista e filosófica, onde os valores de liberdade e democracia passaram a fazer parte de sua concepção de vida. Naquela cidade fez os seus estudos no Colégio Diocesano, onde foi orador e presidente da União dos Estudantes Cratenses. Quando estudante seu objetivo era, e continua sendo, procurar conscientizar as pessoas da importância em lutar pelos seus direitos, para isso, fundou o Jornal “Alerta” que circulava nas Universidades Estadual e Federal, sendo bastante comentados os assuntos públicos no periódico. Concluiu os seguintes cursos de Extensão Universitária: Filosofia Política (1980), Problemas da Lógica Formal (1980), Administração de Recursos Humanos (1979), Psicologia Aplicada à Administração(1979), Encontro com Sartre (1980), Oratória (1982). Prática Forense, (1989), Ajustamento Social (1988), Filosofia no Direito (1989); Reforma da Lei Processual e Lei do Inquilinato (1994); Autor de mais de 200 artigos publicados na imprensa

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local desde 1979, vem colaborando com jornais e revistas abordando diversas questões filosóficas, jurídicas, denúncias e reivindicações feitas às autoridades competentes, tais como: Falta Filosofia nas Escolas, Filosofia na Política, Filosofia e Ciência, Filosofia no 2º Grau, Previdência Improvidente, INSS e as leis, Precatórios nos Tribunais, Participação nas Eleições no Judiciário, Procuração – Prerrogativas do Advogado, Advogado no Novo Milênio, Reforma Previdenciária, Projeto Penaliza Mudança no Sistema Previdenciário, Obrigatoriedade do Advogado no Juizado, Apelo ao Governador, Prefeito de Fortaleza, Apelo ao Presidente da OAB, entre outras. Como colaborador contínuo da imprensa foi reconhecido como Jornalista pela Associação Brasileira dos Jornalistas. Advogado militante em Fortaleza e Brasília, vem atuando há mais de 25 anos no mercado, com escritório na avenida Santos Dumont, tendo sua atuação voltada principalmente para causas administrativas e previdenciárias, embora, realize outros trabalhos na área civil, militar e trabalhista. Os clientes vão em busca de correção de defasagem de aposentadorias, salários, soldos (no caso dos militares), a fim de recuperar o valor real desses rendimentos. O aumento destas ações previdenciárias, administrativas e revisão salarial dos servidores públicos ocorrem devido as mudanças ou não cumprimento das leis. Com um ano de formado abriu o escritório com Jurista o ex-presidente da OAB-CE Itamar de Santiago Espíndola, hoje dando nome a um dos recintos do Fórum Clóvis Beviláqua e da 7ª Unidade do Juizado Especial, sendo referência em seu trabalho. Um dos principais desafios hoje para Gilberto Siebra é conscientizar os servidores Públicos e aposentados da Previdência,


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o advogado é indispensável a administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão”

sobre a necessidade de ter um advogado especialista na área previdenciária. Apesar dos advogados terem um maior interesse pela área, muitos segurados e servidores públicos vão reivindicar seus direitos diretamente nos Juizados Especiais Federais, sem a presença de advogado, ferindo o artigo 133 da Constituição Federal. O artigo diz que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão”. Por ser referência nas áreas previdenciária e administrativa, um dos seus objetivos primordiais é pleitear na Justiça direitos garantidos constitucionalmente, inclusive pacificado nos Tribunais Superiores, para que os clientes não sejam decepcionados com improcedência nas ações judiciais. Algumas ações judiciais: Revisão Salarial para Servidores Públicos, Anuênio, Insalubridade, Periculosidade, Ex-

clusão do Fator Previdenciário, Auxílio Doença, Revisão de Aposentadoria por Tempo de Serviço, por Idade, Aposentadoria Especial e outras ações. Ao dar início ao escritório já conhecia bem a situação de quem procurava corrigir defasagem nos rendimentos dos aposentados e servidores, pois, entre 1975 a 1991, trabalhou no Instituto Nacional de Seguro Social, onde exerceu o cargo de Assistente Jurídico da Procuradoria, e muitos aposentados e funcionários públicos, o procuram para pedir revisão dos seus salários. A sua meta sempre foi fazer valer os direitos dos segurados e servidores Públicos para garantir, através da Justiça, a manutenção do seu valor real. Foi um dos fundadores da Associação dos Advogados Previdencialistas e atualmente faz parte da Comissão de Direito Previdenciário da OAB-CE e afiliado à Associação Brasileira dos Jornalistas.

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ARTIGO CIRO BARBOSA DOS SANTOS, advogado

Testamento Vital N

o Brasil ainda não existe legislação específica publicado no D.O.U. de 31 de agosto de 2.012, disacerca do tema e nenhuma determinação legal põe sobre as diretivas antecipadas de vontade, como para formalização do testamento vital, que se trata de sendo: “conjunto de desejos, prévia e expressamente um documento devidamente assinado, redigido por manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratauma pessoa no pleno gozo de suas faculdades menmentos que quer, ou não, receber no momento em tais, com o objetivo de dispor acerca dos cuidados, que estiver incapacitado de expressar, livre e autonotratamentos e procedimentos as quais desejará ou mamente, sua vontade. não ser submetida, quando venha a ter alguma doPelo fato de inexistir no ordenamento jurídico leença ameaçadora grave da vida, fora de possibilidagislação específica sobre o tema testamento vital, não des terapêuticas e impossibilihá que se falar em uma forma tado de manifestar livremente pré-definida, entretanto, a fim sua vontade, o que não deve ser de dar fé pública ao ato, recoconfundido com eutanásia, que menda-se que o testamento viA importância do seria suicídio assistido. tal seja lavrado por escritura testamento vital é Esse artigo tem como finapública no Tabelião de Notas. uma garantia para o lidade examinar a legislação Para que seja válido, o testaatual e a viabilidade da implanmento vital não pode conter paciente e para que tação do testamento vital no cláusulas leoninas. os médicos sejam ordenamento jurídico brasiIndica-se ainda que o instrueximidos de qualquer leiro, de forma a garantir a digmento público do testamento vital responsabilidade, diante nidade do paciente, respeitanse encontre contido no prontuário da vontade exarada” do o princípio da Dignidade médico, a fim de dar publicidade da Pessoa Humana (art.1, III, ao hospital e à equipe médica acerCF/88), o qual é assegurado a ca dos desejos do paciente. decisão que exara sua não vontade de submeter a Necessário se faz a edição de Lei específica sobre tratamentos médicos diante um diagnóstico de doeste assunto, considerando que a Declaração Prévia ença terminal. A importância do testamento vital de Vontade para o Fim da Vida é um documento é uma garantia para o paciente e para que os médipessoal, intransferível e revisável a qualquer tempo, cos sejam eximidos de qualquer responsabilidade, não havendo óbice para sua inclusão no ordenamendiante da vontade exarada. to jurídico Brasileiro. O Conselho Federal de Medicina, nos termos do O ser humano está acostumado a tomar decisões artigo 1º da Resolução 1.995, de 9 de agosto de 2012, em quase todos os âmbitos de sua existência, entre-

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tanto, quando se refere à incapacidade civil ou à morIndica-se ainda que o instrumento público do teste, me parece que existe uma forte resistência. O obtamento vital se encontre contido no prontuário méjetivo deste artigo é quebrar o paradigma existente e dico, a fim de dar publicidade ao hospital e à equipe tentar propor o diálogo sobre um instrumento jurímédica acerca dos desejos do instituidor. dico relativamente recente em nosso país que é o tesRecomenda-se que a elaboração do testamento vital tamento vital, que tem por escopo constar cláusulas seja supervisionada por um profissional da área médica, antecipadas de vontade pertinente a aspectos de esespecialmente um médico e um profissional da área jurícolha quanto a tratamento de saúde, prolongamento dica, notadamente na pessoa de um advogado, preferenou não da vida de forma artificial, decida os médicos cialmente especializado na área a fim de evitar transtore hospitais, bem como a reprenos e possível nulidade do ato. sentação de um representante e Mais do que estar ou não dismandatário para efeitos da vida posto em lei, o instituto do tescivil, em situações de ausêntamento vital busca resguardar Indica-se ainda que o cia total de capacidade. Trato a vontade do paciente face ao instrumento público da manifestação consciente da hospital, ao médico, aos amido testamento vital se pessoa que disporá por meio de gos e parentes, resguardando, um testamento vital acerca de desta feita, que o anseio pessoal encontre contido no como pretende ser tratada pelos daquele que apostou seu desejo prontuário médico, a médicos, bem como o que perseja efetivamente cumprido. fim de dar publicidade mite que se faça com seu corpo Bem se sabe que a vida é o ao hospital e à equipe em momento futuro, enquanto maior bem que possuímos, no médica acerca dos desejos entanto, os demais direitos funnão puder manifestar. Cumpre ainda esclarecer damentais devem ser respeitados, do instituidor” neste artigo, a diferença entre o especialmente se estiverem apostestamento vital e o testamento tos em um instrumento de direticivil com eficácia após a morvas antecipadas de vontade. te, que também é um instrumento feito em CartóPor fim, encerro minha consideração para que se rio, em que a pessoa realiza a disposição de última venha a regulamentar o testamento vital, garantindo vontade, abrangendo a questões de seus bens, mas constitucionalmente, um tratamento digno e humanilevando em consideração que somente terá efeito zado a todos, em especial àqueles que buscam de forapós a sua morte. Já o testamento vital a pessoa reama antecipada dispor sobre seus anseios no momento liza durante a vida. mais difícil de suas vidas.

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ARTIGO MARCOS DUARTE, advogado especializado em Direito de Família e Sucessões. Presidente da Comissão de Direito de Família e Sucessões da OAB Ceará. Presidente da ADFAS Ceará.

Comentários atuais sobre remoção do inventariante O

atual Código de Processo Civil discorre sobre a hipótese de substituição do inventariante, a pedido das partes ou mediante ordem judicial. Admite-se que a remoção seja determinada ex-officio pelo juiz ou a pedido de qualquer interessado, máxime havendo interesse de incapazes ou de herdeiros ausentes. O art. 995 do CPC/1973 era omisso quanto à possibilidade de remoção de ofício, que agora está expressamente prevista no art. 622, caput, do Novo CPC. A remoção é espécie do gênero destituição. Esta é mais ampla e pode ocorrer sem que haja ato culposo ou doloso do inventariante. Ambas, no entanto, implicam perda do cargo de inventariante. Mas a remoção é determinada em consequência de uma falta, no exercício do cargo, relacionada ao inventário, enquanto a destituição é determinada em razão de um fato externo ao processo. Entre as justificativas, o dispositivo lista a desobediência ao prazo legal para as primeiras e as últimas declarações, o levantamento de dúvidas infundadas ou se praticar atos meramente protelatórios, a deterioração dos bens, o perecimento de direitos por não quitação de dívidas; a ausência de prestação de contas; e a ocultação ou desvio de bens do espólio. Trata-se de lista não exauriente de causas que podem gerar remoção do inventariante. O pedido de remoção pode ser feito a qualquer tempo, no curso do inventário, desde que ocorram situa-

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ções de incúria (negligência), desídia ou má gestão dos bens por parte do inventariante. O incidente da remoção correrá em apenso aos autos do inventário. Os legítimos concorrentes à abertura do inventário podem solicitar a remoção do inventariante. Este, por sua vez, apresenta a defesa em quinze dias e não mais em cinco, como era previsto antes do NCPC. Para decidir fundamentadamente, o juiz considera os argumentos do inventariante e dos requerentes da remoção. Conforme discorre o artigo 489, o magistrado deve explicar a relação da decisão com a causa ou a questão decidida e os motivos concretos da aplicação de conceitos jurídicos. O rol de condutas legitimadoras para remoção do inventariante de que trata o Código não é exaustiva. Em caso de situação diversa das apontadas no art. 622, caberá ao magistrado avaliar se a conduta é incompatível com a boa atuação do inventariante, ocasião em que decidirá se é hipótese suficiente para ordenar a sua remoção. O artigo 622 do Código de Processo Civil prevê também como justificativas para a remoção do inventariante o descumprimento do prazo de apresentação das declarações, o levantamento de questões infundadas para prolongar a tramitação do processo, a deterioração de haveres do espólio, a não quitação de dívidas e a ausência de prestação de contas. O referido dispositivo também se refere a sonegação ou desvio de bens como justificativas para a possível substituição.


De acordo com o artigo 1.994 do Código Civil a ação de remoção do inventariante deve partir dos herdeiros ou dos credores. No artigo 2.022, os bens sonegados, ao serem devolvidos ao acervo hereditário, devem ser partilhados entre todos os herdeiros, assim como os demais bens do espólio. Como ensina Clóvis do Couto e Silva (Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, v.11, t. 1, p. 354) a ação de sonegados é “oblíqua” no sentido de que o autor não pede para si mesmo, mas para que seja o bem partilhado entre os coerdeiros, com exceção de quem sonegou. O inventariante, em processo de remoção, tem direito à defesa. O magistrado não pode deliberar antes das justificativas, discorre o artigo 10 do Novo Código de Processo Civil. Embora, no direito brasileiro, o juiz possa decidir com base em fundamento não suscitado pelas partes, (iura novit curia), deve, antes, proporcionar oportunidade às partes, de que se manifestem sobre ele. Decorrido, porém, o prazo de quinze dias previsto pelo artigo 623 do NCPC, o magistrado decide. Efetivada a remoção, será obedecida a ordem prevista no art. 617. No caso de remoção do inventariante, o art. 625 do novel código processual prevê a entrega imediata dos bens do espólio e acrescentou penalidade correspondente a até três por cento do valor dos bens inventariados. Trata-se de multa equiparável às astreintes: há a

imissão de mandado de busca e apreensão (bens móveis) ou de imissão da posse (bens imóveis) para o caso de resistência à ordem. Se houvesse a remoção do inventariante, o art. 998 do CPC/1973 previa a entrega imediata dos bens do espólio ao substituto e, no caso de inércia ou resistência do inventariante removido, a aplicação de medidas de execução direta (busca e apreensão ou imissão na posse, a depender da espécie do bem). O art. 625 do Novo CPC mantém a mesma regra, mas vai além, prevendo também a aplicação de multa a ser fixada pelo juiz em montante não superior a 3% dos bens inventariados. Entendo que seja sancionatória a natureza dessa multa, de forma a também ser aplicável ao caso concreto a multa (astreintes) como forma de execução indireta para pressionar o inventariante removido à entrega dos bens. O Código Civil, através do artigo 1.995, prevê ao sonegador o pagamento do valor correspondente ao bem, se este não estiver mais em seu poder. Trata-se de haver possivelmente perdido ou alienado. De acordo com a doutrina, além da restituição, aquele que ocultar o bem de forma dolosa, deve ser penalizado com o pagamento de indenização. Mesmo que o sonegador tenha restituído o bem que ocultou, sofrendo a pena prevista nos arts. 1992 e 1994, se com seu ato ilícito, causou danos, terá de indenizá-los, aplicando-se as regras gerais da responsabilidade civil (arts. 186 e 927).

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ARTIGO ANDRÉA NOGUEIRA, advogada (RN) e presidente da ABMCJ RN

A moralidade e o jogo de cintura da legalidade I

mmanuel Kant, conhecido pela filosofia moral, explica a lei moral como uma vontade boa para todos. Ele pontua que cada indivíduo, portador de uma boa vontade, saberia escolher, dentre suas regras particulares, aquela que pudesse valer para todos os demais. A palavra Moral origina-se do latim: morale, relativo aos costumes (mores). Tanto a moral quanto a lei são sociais, pois se apresentam como forma de organização da convivência humana. Mas ambas também são questionáveis, já que tanto uma como outra dependem das instituições sociais que cuidam de sua preservação. Moral e Lei - uma completa a outra. Uma justifica a outra. Uma sociedade organizada não admite uma lei com viés de imoralidade e também não aceita a moralidade sem que possa refletir-se numa lei. Apesar de uma ser “impositiva” (a lei) e outra ser uma “opção do bem” (a moral), não há como separá-las sob pena de desestruturar todo o sistema organizacional de uma coletividade. Em tempos modernos, enfrentamos conflitos entre a legalidade e a moralidade. Algumas leis seguem sobrevivendo ao repúdio social. Por uns é defendida sob o argumento de que são normas positivadas quais devemos obediência e ponto final. Por outros, segue rechaçada sob o argumento de que o repúdio social é suficiente para desmerecer sua força positivada. Um recente debate sobre a moralidade de determinadas normas vem ganhando espaço. Assim, vá-

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rios questionamentos pairam sobre a Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Alguns benefícios restritos à magistratura estão causando um verdadeiro frenesi social. De um lado está a lei. Do outro lado está a realidade fática da maioria dos brasileiros a equiparar-se com uma classe cheia de privilégios ímpares. O Juiz João Marcos Buch (2015), da Vara de Execuções Penais e Corregedor do Sistema Prisional da Comarca de Joinville-SC, certa vez escreveu: “Ao longo dos últimos tempos o Poder Judiciário vem sendo chamado a atuar em muitas mais áreas da vida das pessoas e da sociedade, especialmente porque o Estado Social está em falta nas frentes que lhe são reservadas e obrigadas por imperativo constitucional, como na educação, saúde e segurança, apenas para ficar em alguns exemplos.” (http://justificando.cartacapital.com.br/2015/11/19/ainda-ha-juizes-no-brasil-ou-o-que-e-ser-juiz/). Destarte, numa época de crise nacional, onde os poderes executivo e legislativo passam por grande provação de ilibação, restou para o judiciário o peso da bandeira da imaculação. Mas tamanha responsabilidade acabou atraindo a atenção do povo sobre seus membros, suas funções, suas atribuições e especialmente sobre o quanto custa monetariamente tudo isso. Passaram a ser questionados o auxílio moradia, o auxílio educação, o auxílio alimentação, o auxílio saúde, o vale livro, as férias de 60 dias, a aposentadoria compulsória, entre outros benefícios da categoria. Certa vez, o SindJustiça expôs em rede social: “essa si-


tuação humilha o servidor porque cria discrepância entre as carreiras que não faz o menor sentido”. A obrigatoriedade da lei escrita é o que conceitua o chamado sistema jurídico positivado, ou seja, vale a norma formal e escrita. Contudo, a lei nem sempre é suficiente para manter a harmonia no convívio social, seja por ausência de lei que regule determinada atividade humana ou mesmo por sua inadequação diante da dinâmica social. De fato, outras fontes do direito precisam ser abraçadas para alcançar a pacificação social. Nesta ótica, temos as lições de Tércio Sampaio Ferraz Júnior: “... A justiça é o princípio e o problema moral do direito. Ë preciso, porém, esclarecer uma última questão: como se distingue o direito da moral e como se comporta a validade das normas jurídicas perante as exigências dos preceitos morais de justiça.” O mesmo autor conclui “O direito, em suma, privado de moralidade, perde sentido, embora necessariamente não perca o império, validade e eficácia. Como, no entanto, é possível às vezes, ao homem e à sociedade, cujo sentido de justiça se perdeu, ainda assim sobreviver com o seu direito, este é um enigma, o enigma da vida humana, que nos desafia permanentemente e que leva a muitos a um angustiante ceticismo e até a um despudorado cinismo.” A moral não só deve permanecer a orientar a conduta dos indivíduos em sociedade, como também a sociedade deve utilizar-se das regras morais para julgar uns aos outros e também a própria legislação que os rege.

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Em tempos modernos, enfrentamos conflitos entre a legalidade e a moralidade. Algumas leis seguem sobrevivendo ao repúdio social. Por uns é defendida sob o argumento de que são normas positivadas quais devemos obediência e ponto final. Por outros, segue rechaçada sob o argumento de que o repúdio social é suficiente para desmerecer sua força positivada”

Certa vez, em plena rede social, um magistrado foi provocado a explicar porque ele e sua esposa recebiam auxílio moradia, mesmo possuindo casa própria. Tomando corda, o magistrado escreveu: “o direito em questão foi assegurado a cada magistrado individualmente. Informo ainda que, no meu caso, foi concedido em processo judicial (público), com contraditório, proposto em face a União”. É... nesse ponto a legalidade ultrapassa a moralidade. Haja jogo de cintura.

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REPORTAGEM

O atual pra frente Brasil com mais esporte para todos Copa do Mundo. De quatro em quatro anos ela acontece e de forma universal. Claro que não resolve os problemas econômicos, tampouco sociais. Mas é uma festa. Vale mais que a confraternização do tal dia primeiro de janeiro. Lauriberto Braga, especial para Revista Leis&Letras

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a Copa 2018 na Rússia? No momento que escrevo esta reportagem só tenho a lista dos 16 que avançaram para as oitavas de final e as 16 que foram despachadas na fase de grupo. Grande surpresa a eliminação da Alemanha. Ficou em último no seu grupo com duas derrotas. Mas não tinham sequer ido para Rússia: Itália, Holanda e Estados Unidos. Ficaram na primeira fase ainda a estreante Panamá e as lutadoras Senegal, Marrocos, Tunísia, Costa Rica, Peru, Arábia Saudita, Irã, Nigéria, Austrália, Islândia, Sérvia, Coreia do Sul, Polônia e Egito. Avançaram Brasil, Argentina, Uruguai, Colômbia, México, França, Espanha, Portugal, Dinamarca, Japão, Inglaterra, Bélgica, Rússia, Suécia, Suíça e Croácia. A Copa é do árbitro de vídeo. A Copa é do esquema tático. A Copa é do Mundo do Futebol. Futebol que consagra o povo. O esporte mais democrático. O esporte que com uma bola e um campinho tudo dar certo. Mas foi a Copa do cai cai Neymar Júnior. Da decisão de vaga pelo cartão amarelo. Mas de vibração em frente a telinha ou do telões. A Copa custou a pegar, mas quando pegou foi de marchar acelerada.

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Para 2022 no Katar tem novidades no mês. Não mais junho-julho, mas novembro. Já para 2016, a maior novidade é a tríplice disputa nos Estados Unidos, Canadá e México. Mais nos Estados Unidos. Uma dezena de jogos para o México e outra dezena para o Canadá. Em 2022 será a Copa mais tecnológica. Na de 2026 a mais numerosa. Sairá de 32 para 48 seleções. É o mundo sendo cada vez mais abarcado pela Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa). A canarinha que virou azulzinha é aquela Seleção de 1970, quando 90 milhões em ação pra frente Seleção. Agora somos mais de 200 milhões, porém sem o ufanismo de outrora. Uma Seleção que não sabemos escalar. De jogadores medianos. Craques? Nenhum. Nem mesmo o mais valorizado: Neymar Júnior. Um selecionado de empresários. De valorização pela convocação. Mas o Brasil se vestiu de verde e amarelo. As lojas voltaram a vender bem camisas e adereços para a torcida. As ruas, poucas, é verdade, se pintaram de verde e amarelo. Mas foi o momento de reunião em família, dos bolões e das vibrações.


FERNANDO FRAZÃO/AGÊNCIA BRASIL

A Rua do Lavradio, no centro da cidade, está decorada para Copa do Mundo da Rússia 2018.

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REPORTAGEM

Torcedores acompanham a partida entre Brasil e Sérvia, terceira rodada da Copa do Mundo da Rússia 2018, na Praça Mauá.

Passada a euforia, a Copa segue para daqui a quatro anos. E depois mais quatro. Mais quatro. É a certeza que teremos Copa em 2022, 2026, 2030. Vixe, 2030. Já estaremos entrando na terceira década do Século XXI que começou ontem e já segue rápido para seu fim. Após 2030, tem o Fortaleza 2040 e o Ceará 2050. São planos estratégicos da Prefeitura de Fortaleza e do Governo do Estado para traçar diretrizes para nosso futuro. Futuro de segurança, de mobilidade urbana, de transporte, de saúde, de educação e de esporte. Há um programa em curso de areninhas. Começou por Fortaleza e está em todo o Estado. Não voltando aquelas arenas de gladiadores da Roma Antiga. Mas areninhas de lazer, do futebol de campo jogado em grama sintética. De um Centro de Formação Olímpica que deve ser estipulado para o bom uso em todas modalidades esportivas. A Copa proporciona até planejamento estratégico. Ficou a dever na Copa 2014 no Brasil. Porém mesmo com copas de atraso vem ai o novo aeroporto Fortaleza Fraport. Vem ai a tão sonhada mobilidade com o Metrofor, o VLT, a Nova Aguanambi com a municipalização dos quilômetros urbanos da BR 116.

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E vem mais. É só o torcedor de Copa cobrar. Cobrar investimentos estruturais para os ginásios esportivos e para nossos estádios. A Copa não pode passar sem este legado. Legado do dinheiro público bem aplicado. Legado de termos espaços de lazer amplos e em quantidade. Legado não só dos gols que ficam para a história. Mas legado de obras concretas. Que venha mais copas. Que venham governantes honestos nas eleições que se avizinham em outubro deste ano. Que venham cidadãos com seus direitos respeitados. A Rússia 2018 passou, mas o espírito esportivo deve permanecer e não surgir apenas de quatro em quatro anos. O espírito esportivo deve ser presença marcante no nosso dia a dia. No trabalho, na escola, na família e principalmente no social. Políticas Públicas para o Esporte são reivindicações urgentes, imediatas e necessárias. Políticas Públicas nas esferas municipal, estadual e federal. Pra Frente Brasil com mais Esporte para Todos...é o desejo premente para esta nação que tem um treinador de futebol em cada esquina.


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3a Edição

LE I S& L


ADVOCACIA ESPECIALIZADA Direito de Família e Sucessões, Responsabilidade Civil, Direito do Trabalho, Direito do Consumidor e Advocacia de Apoio, com sedes em Fortaleza - CE e Natal - RN e atuação no Brasil.

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Marcos Duarte - OABCE 15358 Andrea Nogueira - OABRN 9245B


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