Jornal Aduff-SSind / outubro 2017

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Comunidade acadêmica sai em defesa do Morro do Gragoatá

Manifestações contestam liminar da ‘cura gay’

Acordo da Reitoria com construtora e Prefeitura é contestado por docentes, estudantes e técnicos

Ato no Rio, em setembro

Luiz Fernando Nabuco

Associação dos Docentes da UFF Jornal da ADUFF

Seção Sindical do Andes-SN Filiado à CSP/Conlutas

Outubro/2017 www.aduff.org.br

Cortes no orçamento ameaçam universidades públicas e pesquisa Cortes previstos para o orçamento de 2018, ainda em tramitação no Congresso Nacional, e o contingenciamento dos recursos em 2017 colocam em risco o funcionamento da UFF e das demais universidades públicas federais e ameaçam desmontar a pesquisa e a área de Ciência e Tecnologia no país. A Aduff-SSind convida a comunidade universitária a se unir e somar forças com outros setores para reverter esse quadro, ainda em disputa, e impedir que se aprofundem as reformas e projetos do governo Temer (o mais rejeitado desde o fim da ditadura empresarialmilitar), que eliminam direitos trabalhistas e previdenciários e ameaçam a existência dos serviços públicos. Páginas 2 (Editorial) e 3

Aduff convoca assembleia dos docentes da UFF Dia 10 de outubro, 14h, no campus Gragoatá, Bloco G, em Niterói. Pauta: Informes; Conjuntura; Discussão política sobre as Resoluções do III Congresso da CSP-Conlutas; Encaminhamentos.

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Editorial

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ivenciamos um contexto de cortes das verbas de Ciência e Tecnologia nas Universidades Públicas. A política de ajuste fiscal de Temer põe em risco o funcionamento da universidade. O decréscimo dos recursos destinados no orçamento federal às instituições de ensino põe em evidência o desmonte da educação pública. Em paralelo a isso, o Ministério da Fazenda, de forma absurda, recomendou o fechamento das universidades estaduais do Rio de Janeiro, demonstrando como a perspectiva neoliberal é lesiva aos interesses da sociedade. As manifestações no dia 14 de setembro demonstraram que o movimento organizado tem como construir a unidade e a mobilização necessárias para resistir aos ataques. No tocante à Universidade Federal Fluminense, a paralisação foi um sucesso, sendo palco de muitas atividades e atos, espraiando-se, inclusive, pelos campi fora de sede, onde a denúncia da precarização se fez ouvir. Estudantes do Instituto de Angra dos Reis, por exemplo, realizaram ocupação das instalações, denunciando a falta de assistência estudantil e o corte de verbas que inviabilizaram bolsas e a continuação das obras. Diante de tal cenário de penúria, chama atenção a decisão do reitor Sidney Mello de abrir mão de cerca de 85% da área do Morro do Gragoatá, terreno que está em litígio na Justiça. A opção por ceder à especulação imobiliária, em detrimento da questão ambiental e dos próprios interesses de nossa Universidade, evidencia o frequente desrespeito às instâncias internas decisórias. No último Conselho Universitário, o reitor afirmou que não voltaria atrás, mesmo ciente de que a comunidade acadêmica e a sociedade civil organizada mostraram-se contrárias a

O mês de outubro nos chega com a comemoração do centenário da Revolução Russa, apontando o quão perverso é o sistema capitalista e a necessidade de denúncia e de transformação de suas estruturas

tal medida – manifestação que afronta a democracia interna, sempre necessária e mais ainda diante de um cenário geral de ataques às liberdades e à universidade pública. Esperamos, no entanto, que o reitor respeite a democracia interna e convoque uma audiência pública, para que a comunidade acadêmica possa ser ouvida e decida sobre a propriedade e o uso do Morro do Gragoatá. A falta de democracia e respeito à diferença grassa em nosso país. O caso recente do fechamento de uma exposição de quadros associada à questão LGBT, assim como o episódio da Justiça permitir tratamento para uma suposta ‘cura gay’ por psicólogos, demonstra o quão retrógra-

do está o cenário político atual. Somadas a tais questões, a tentativa de criminalizar qualquer tipo de aborto e o crescimento da intolerância religiosa apontam para o crescimento do conservadorismo em nossas terras. Porém, absolutamente nenhuma dessas pautas deixou de ter resposta do movimento combativo. O que se assistiu foram diversas organizações de atos e protestos contra tais descalabros. Enquanto isso, sabemos que a impunidade toma conta dos donos do poder. Se, por um lado, o caso do jovem Rafael Braga demonstra a face seletiva da Justiça, que somente concedeu um habeas corpus diante da gravidade da doença do detento, por outro lado, a desfaçatez com que vemos a condução no tocante a Aécio Neves, que mesmo tendo sido flagrado pedindo dinheiro a empresário e tendo sido afastado pelo STF, deve conseguir perdão de seus pares senadores, que optam sempre pelo corporativismo e tramam um acordão para liberar o seu colega. O mês de outubro nos chega com a comemoração do centenário da Revolução Russa, um marco nas possíveis transformações sociais para a humanidade, e que evidencia ainda mais o quão perverso é o sistema capitalista e a necessidade de denúncia e de mudanças de suas estruturas. No fechamento desta edição, recebemos a notícia do falecimento do intelectual marxista István Mészáros, autor, entre outros, de “Para Além do Capital”. Mészáros teve uma vida de dedicação à causa socialista e sempre foi parceiro dos movimentos sociais brasileiros. Tendo estado por diversas vezes no Brasil para a divulgação de sua obra, deixa um legado de que outros outubros virão, sempre na crença de que outro mundo é possível.

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Presidente: Gustavo França Gomes • 1º Vice-Presidente: Gelta Terezinha Ramos Xavier • 2º Vice-Presidente: Juarez Torres Duayer • Secretária-Geral: Kate Lane Costa de Paiva • 1º Secretário: Douglas Ribeiro Barbosa • 1º Tesoureiro: Carlos Augusto Aguilar Junior • 2º Tesoureiro: Edson Teixeira da Silva Junior • Diretoria de Comunicação (Tit): Kenia Aparecida Miranda • Diretoria de Comunicação (Supl): Marcio José Melo Malta • Diretoria Política Sindical (Tit): Adriana Machado Penna • Diretoria Política Sindical (Supl): Bianca Novaes de Mello• Diretoria Cultural (Tit): Renata Torres Schittino • Diretoria Cultural (Supl): Ceila Maria Ferreira Batista • Diretoria Acadêmica (Tit.): Antoniana Dias Defilippo Bigogmo • Diretoria Acadêmica (Supl): Elza Dely Veloso Macedo

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Editor Hélcio L. Filho Jornalistas Aline Pereira Lara Abib

Filiado à CSP/Conlutas

Outubro/2017 Biênio 2016/2018 Gestão: Democracia e Luta: Em Defesa dos Direitos Sociais, do Serviço Público e da Democracia Interna

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Aduff defende unidade para deter desmonte da universidade e da pesquisa Cortes no orçamento federal ameaçam sobrevivência da universidade pública e da pesquisa; forte adesão à paralisação de 14 de setembro demonstra rejeição ao ‘ajuste fiscal’ de Temer a reunião do Conselho Universitário em que a comunidade acadêmica pautou o debate em torno das ameaças que pairam sobre o patrimônio da Universidade Federal Fluminense, o professor Gustavo Gomes, presidente da Aduff-SSind, ressaltou que o “governo ilegítimo” de Michel Temer definiu como “inimigo número um não só o servidor em geral e os serviços públicos, mas a Ciência e Tecnologia e as universidades”. Isso se expressa, disse, nos cortes previstos para essas áreas na proposta de orçamento da União para 2018. A redução de recursos é gritante e aprofunda uma tendência observada desde 2015, ainda no governo de Dilma Rousseff, e que assume proporções consideradas alarmantes para o próximo ano.

Cortes A Proposta de Lei Orçamentária, enviada pelo governo federal ao Congresso, para 2018 prevê um corte de 56% em valores nominais nos investimentos destinados à Ciência, Tecnologia e Inovação, que cairiam de R$ 6,2 bilhões para R$ 2,7 bilhões. Os cortes previstos para a Capes, também em termos nominais, sem considerar a inflação, são de 32% no orçamento total, de 44% nas bolsas para educaProfessores, técnicos e estudantes das universidades públicas participaram de atividade na Praça Mauá, no 1° sábado de setembro, que marcou a etapa carioca da 2ª edição da Marcha da Ciência, evento que ocorre em várias cidades do mundo em defesa do conhecimento científico. No Rio, o ato criticou os cortes nos orçamentos da educação, da saúde, da pesquisa e da ciência e tecnologia

ção básica e de 31% nas bolsas para educação superior e pós-graduação. As verbas de custeio para as instituições federais de ensino superior são mantidas nos defasados valores de 2017, que tiveram uma redução nominal de 6,74% em relação a 2016, perdas acrescidas da não reposição da inflação, que foi de 6,2% no período.O orçamento do Reuni é reduzido em quase 11%, também em valores nominais e sem considerar a inflação. A preocupação e as incertezas com relação aos orçamentos para investimento nas instituições de ensino superior também são grandes. A retenção dos insuficientes recursos orçamentários previstos para 2017 – apenas 75% do orçamento de custeio e 45% do de capital foram liberados até agora – já coloca em risco o funcionamento das universidades federais nos últimos meses do segundo semestre de 2017.

Dia de protestos A insatisfação com as políticas que eliminam direitos sociais e trabalhistas e ameaçam a própria existência das universidades públicas e da pesquisa expressou-se, na UFF, com a enorme adesão à paralisação de 24 horas ocorrida no dia 14 de setembro. A manifestação integrou o

Manifestação na av. Rio Branco, na paralisação do dia 14 de setembro

dia nacional de protestos do funcionalismo, organizado pelo Fonasefe, o Fórum Nacional das Entidades Sindicais dos Servidores Federais. Nova data de mobilização foi indicada para 27 de outubro. O presidente da seção sindical propôs que, dentro e fora da UFF, se construa a unidade dos que defendem os serviços públicos e a manutenção de todos

os direitos, conquistas da classe trabalhadora ameaçadas de serem eliminados por um governo mergulhado em denúncias de corrupção, denunciado pela segunda vez pela Procuradoria-Geral da República e que ostenta a maior rejeição já registrada na história pelos institutos de pesquisas de opinião. “Temos que definir uma agenda comum de luta que nos

unifique, em defesa da universidade pública”, disse Gustavo, ao defender a articulação de campanha que detenha a política de desmonte e privatizações que o Ministério da Fazenda já recomendou,em documento oficial, para as universidades estaduais – UERJ, UEZO e UENF – e que está desenhada para as instituições federais de ensino no orçamento proposto para 2018.

Pressão sobre deputados do Rio para reverter cortes nos orçamentos

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“Fórum Rio: Debates Críticos sobre Alternativas”, formado por universidades, institutos e centros de pesquisas federais no estado, reuniu-se com 13 deputados da bancada do Rio para defender o apoio na luta pelo descontingenciamento das verbas de 2017 e contra os cortes orçamentários das instituições federais de ensino em 2018. A reunião aconteceu, no dia 29 de setembro, no CoLuiz Fernando Nabuco

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légio Brasileiro de Altos Estudos da UFRJ, no Flamengo, e contou com representações da UFF, UFRJ, Unirio, Cefet-RJ, IFF, Fiocruz, Museu de Astronomia e Colégio Pedro II, entre outros. O Fórum, pensado para enfrentar o cenário de crise que afeta a educação, a ciência e a tecnologia do Brasil, defende para 2018 um orçamento equivalente, no mínimo, ao ano de 2016, corrigido pela inflação. Na reunião, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), disse avaliar ser possível revisar o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) de 2018 para as universidades e institutos federais de pesquisa e educação. “Vamos fazer uma primeira reunião para compreender quais são as soluções”, disse, destacando que convidará o relator setorial do tema e três ministérios para discutirem o assunto: Educação, Planejamento e Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). O vice-reitor da UFF, An-

tonio Claudio da Nóbrega, que participou da reunião, disse acreditar que as perspectivas de recuperação do orçamento para este ano e de ajustes para o ano que vem são concretas. Para o reitor da UFRJ, Roberto Leher, a constituição do fórum é um marco nas lutas das instituições universitárias federais, de educação tecnológica, do CP II e dos institutos de pesquisa vinculados ao MCTIC e da Fiocruz. “Todas as instituições participantes compartilham a perspectiva de que não é a competição pelos recursos cada vez mais escassos que pode salvar cada instituição; ao contrário, é a força da união, da interação, da cooperação e do compartilhamento de projetos de futuro que abre alternativas para a crise”, comentou em sua página pessoal, nas redes sociais. Na reunião, o Fórum comprometeu-se a entregar um documento com as principais reivindicações das entidades participantes ao Congresso Nacional.


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Destino do Morro do Gragoatá mobiliza UFF em Niterói Aline Pereira e Hélcio Lourenço Filho Da Redação da Aduff

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ocentes, técnicos e estudantes da UFF estão contestando a decisão do reitor Sidney Mello de assinar acordo judicial com a construtora privada Planurbs, na 4° Vara Federal, no qual abre mão de disputar quase 85% da área do Morro do Gragoatá, em litígio na Justiça. Para além da questão objetiva em relação ao patrimônio, o caso recoloca em evidência a questão da democracia interna e o respeito às instâncias coletivas deliberativas da universidade. Mesmo sem estar na pauta, o assunto tomou quase toda a sessão do Conselho Universitário de 27 de setembro, na Praia Vermelha – a poucos metros da referida área. Conselheiros contrários ao acordo propuseram uma audiência pública para tratar do assunto em todas as suas implicações – tanto no aspecto da posse e propriedade, quanto ambiental – e a aprovação

de recomendação à Reitoria para que suspendesse o ato. O reitor não pôs em votação a possível suspensão e disse que mesmo que o CUV se posicionasse contra o acordo, ele não reveria a decisão. “O Conselho Universitário não vai me fazer voltar atrás no acordo que assinei porque ele está balizado na lei", disse. A Reitoria alega que a UFF não pagou a desapropriação e, por isso, o patrimônio jamais lhe pertenceu. Sidney concordou com a audiência, mas a quer restrita à questão ambiental, o que não agradou. Há uma segunda ação, na 3° Vara Federal, na qual o que está em questão é se a área é de preservação e se é edificável ou não. O terreno de 60 mil metros quadrados, extensão que se equipara ao próprio campus da Praia Vermelha, segue em litígio judicial há anos, após ter sido desapropriado pelo governo federal em favor da UFF há quatro décadas. A especulação imobiliária está de

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Decisão do reitor de abrir mão da disputa da área é contestada pela comunidade acadêmica, que soube do ato pelos jornais

O presidente da Aduff, Gustavo Gomes, fala no CUV, marcado por críticas à decisão

olho no local: quer erguer um condomínio habitacional de oito prédios de seis andares. A Escola de Arquitetura e Urbanismo elaborou uma carta na qual analisa as características da área e propõe o uso dela em benefício da população e da pesquisa. A carta foi apresentada no CUV pela professora Louise Lomardo, muito aplaudida ao final.

“Hoje temos estudos sobre clima urbano, sobre a biologia local e não é possível que a especulação imobiliária venha tomar uma coisa de que a UFF sempre exerceu posse, sempre cuidou, zelou, construiu a sua proteção. Não podemos deixar isso passar”, disse. O presidente da Aduff-SSind, professor Gustavo Gomes, defende a unidade

da comunidade universitária para defender a UFF e lutar contra a política de privatização do governo federal. "Os conselheiros do CUV deixaram claro que não abrem mão do terreno da UFF e muito menos do debate na comunidade acadêmica. A Aduff vai cobrar a realização da audiência e participar da sua convocação", disse.

Contra a 'cura gay'

"Caberia ao psicólogo a terapia de embranquecimento?" Lara Abib Da Redação da Aduff

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stão querendo que psicólogos possam orientar aqueles que voluntariamente pedem para ser reorientados. Nos causa estranheza que (...) não se coloca, em momento algum, em análise de que maneira uma demanda se constrói e de que maneira o desejo do sujeito se constrói, em especial quando vivemos no país que mais mata pessoas LGBTs no mundo. Nesse país, me parece bastante razoável que pessoas LGBTs queiram deixar de ser LGBT. Como também não parece estranho que pessoas negras queiram deixar de ser negras, já que vivemos em um país racista

e LGBTfóbico”, disse Pedro Paulo Bicalho, diretor-secretário do Conselho Federal de Psicologia (CFP), em conversa promovida pelo Instituto de Psicologia da UFF de Niterói, no dia 26 de setembro, no campus do Gragoatá. O evento debateu a liminar concedida parcialmente, em 15 de setembro, pelo juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, da Justiça Federal do Distrito Federal, relacionada à resolução 01/99 do CFP. A decisão manteve a integralidade do texto, mas determinou que o conselho a interprete de modo a não proibir que psicólogos façam atendimento de reorientação sexual. O CFP recorreu da decisão. “A grande pergunta é se ca-

beria ao psicólogo a terapia de embranquecimento para que pessoas negras deixassem de sofrer racismo. Se isso não faz sentido, também não faz o menor sentido pensarmos em terapia de reorientação para que pessoas deixem de sofrer LGBTfobia. O que se está construindo é uma culpabilização e uma individualização de uma questão que não é do sujeito. O problema da LGBTfobia não é das pessoas LGBTs. Reorientá-las para que deixem de sofrer é reificar ainda mais uma violência que não se dá apenas a partir do momento em que contamos corpos no chão, mas violências de múltiplos sentidos, entre elas a violência das chamadas reorientações sexuais”, continuou Pedro Paulo, que

Luiz Fernando Nabuco

O questionamento foi feito em debate na UFF pelo psicólogo Pedro Paulo Bicalho, do Conselho Federal de Psicologia, ao criticar a decisão judicial que tenta permitir terapias para 'cura gay'

também é professor do Instituto de Psicologia da UFRJ. A resolução do CFP não somente ratifica a ideia – defendida pela Organização Mundial da Saúde desde 1990 – de que a homossexualidade não é patologia, mas vai além, ao dizer que não representa distúrbio ou desvio e, portanto, não cabe reorientação. “Quando ela foi criada, em 1999, não

existia nada parecido em nenhum conselho profissional do mundo, então ela é pioneira, garante muitos direitos. Fizemos uma pesquisa e percebemos que, em 100% das ações judiciais que resultavam na concessão de adoção por casais homoafetivos, os juízes tomaram essa decisão citando a resolução 01/99, por isso é tão questionada”, frisou.


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Em Angra, estudantes ocupam para resistir Ocupação de terreno no qual deveriam ser construídas novas edificações da universidade reflete a luta pela permanência e sobrevivência estudantil, que também se repete nos demais campi diante dos cortes de verbas do governo federal

O “Movimento Ocupa Retiro - Iear Resiste” reúne estudantes dos cursos de graduação em Políticas Públicas, Geografia e Pedagogia da UFF, que, desde o dia 2 de setembro, estão mobilizados por melhores condições de estudo e de permanência no campus da instituição na Costa Verde do Estado. O corpo discente ocupa o Polo do Retiro – terreno cedido pela prefeitura, há dois anos, para a construção de novo conjunto de edificações para o Instituto de Educação de Angra dos Reis, projeto que não saiu do papel. Os alunos também pedem a conclusão das obras no atual prédio do polo, cuja reforma foi paralisada após o corte de verbas na UFF. O terreno no bairro do Retiro, local da ocupação, abrigava antiga instalação do Sesc e,

A Reitoria prometeu viabilizar micro-ônibus,emergencialmente, para garantir o transporte dos alunos, e elevar de R$154 para R$200 o valor do auxílio-alimentação. O professor Rafael Vieira, que atua na unidade, defende toda a solidariedade ao movimento de ocupação, simbólico em relação à situação que vivem a universidade e o ensino superior público. “Além de sua pauta imediata, urgente e necessá-

de acordo com os alunos, conta com infraestrutura que poderia ser readequada para moradia estudantil, biblioteca, salas de aulas. “Estamos com a turma lotada e temos aula no auditório porque não temos mais sala de aula”, explicou o estudante do 4º período de Geografia Raphael Atallah. A reportagem da Aduff-SSind entrou em contato com a Reitoria da UFF por e-mail e, até o fechamento desta edição, não obteve resposta. Foi informada pelos discentes que representantes da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (Proaes) estiveram no campus para falar com os estudantes. Os gestores lamentaram a política de contingenciamento de verbas do governo federal e ouviram as reivindicações estudantis, que passam por maiores investimentos em políticas de assistência estudantil.

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ste país precisa de pessoas com coragem para lutar pela reforma agrária e por uma vida digna. É uma luta que precisa de coragem para dormir na beira da BR, acampado em lona, enfrentar a repressão da polícia, que é muito dura. Mas que também dá ânimo, mostra que a gente tá viva”. A fala é de Vera Lúcia Lima, 61

anos, do assentamento Cantagalo, em Rio das Ostras, que participou da audiência pública realizada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), no auditório da UFF de Rio das Ostras, no dia 31 de agosto, com pauta única sobre vistoria das terras improdutivas no estado, em especial no Norte Fluminense. Vera Lúcia contou, na ocasião, que seu pai trabalhou como pessoa escravizada na

Sem autorização legal, dois guardas-municipais e o superintendente de Segurança Pública de Angra dos Reis e major da PM, Francisco de Assis

Os docentes das instituições federais de ensino superior aprovaram, no 62° Conselho Nacional do Andes-SN, em Niterói (RJ), resolução que propõe a busca de uma atuação conjunta com o movimento estudantil e sindicatos dos técnicos para enfrentar o problema da assistência estudantil e das condições de acesso e permanência, o que inclui os casos de adoecimento na universidade. A professora Elizabeth Barbosa, do curso de

Trabalhadora sem-terra diz, em audiência pública na UFF em Rio das Ostras, que luta pela reforma agrária não pode sair de pauta

Lara Abib, enviada a Rio das Ostras Da Redação da Aduff

Denúncia

Canella Seixas, tiraram fotos e interpelaram alunos na ocupação, no dia 18 de setembro. A ação gerou nota de repúdio assinada pela comunidade do Iear/UFF, que reafirma o terreno como um espaço pertencente à Universidade Federal Fluminense e destaca o caráter tranquilo da ocupação, com a realização de “atividades regulares no local”. (veja a íntegra do documento em www.aduff.org.br).

Docentes aprovaram atuação conjunta pela permanência estudantil

“Estamos vivos”

Audiência pública na UFF em Rio das Ostras, em setembro

ria, a ocupação dá visibilidade à asfixia financeira promovida pelos sucessivos cortes de verbas do governo federal, e que tendem a se intensificar com a Emenda Constitucional 95”, disse Rafael.

Fazenda Cantagalo, latifúndio improdutivo desapropriado para reforma agrária. “Entrei para ocupação para vingar o sangue de meu pai. Aquela terra era nossa também”. Hoje assentada, Vera Lúcia continua participando das marchas e atividades em defesa da reforma agrária. “Vim apoiar a luta e pressionar o Incra para realizar as vistorias. A vida de muita gente depende disso”, ressaltou. A audiência pública na UFF foi agendada com a Superintendência Regional do Incra no Rio de Janeiro desde o início de julho, mas, ainda assim, o Superintende Carlos Castilho do Nascimento cancelou a participação dias antes, mandando o substituto Newson Monteiro. O secretário do Meio Ambiente, Agricultura e Pesca de Rio das Ostras, Ivan Noé Freitas Antunes, também participou da audiência. A Aduff-SSind esteve representada na audiência pelo professor Edson Teixeira, que integra a direção da seção sindical. Antes da reunião, o MST realizou uma marcha

Enfermagem da UFF em Rio das Ostras, afirma que a queda do número de bolsas e do valor da alimentação já causam consequências evidentes no adoecimento e no aumento da evasão. “Se você não tiver percepção, o aluno vai embora, ele abandona a universidade. É algo sobre o que a gente tem que se debruçar, fazer a discussão com o movimento estudantil, ajudar a fazer esse enfrentamento. O papel nosso tem que ser esse, não pode ser outro”, disse.

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Aline Pereira Da Redação da Aduff

O professor Edson Teixeira reafirmou o apoio da Aduff a essa luta

em Rio das Ostras, que pautou a necessidade da reforma agrária na região e protestou contra a lentidão e a falta de comprometimento dos setores envolvidos na parte administrativa do processo. De acordo com Newson, o Incra começará as vistorias na segunda quinzena de outubro. “É uma satisfação enorme para nós, enquanto universidade pública, poder contribuir com a criação desse espaço de debate, encontro, de planejamento e de projeção da luta pela terra”, afirmou, na audiência pública, o professor Ramiro Dulch, do curso de Serviço Social da UFF de Rio das

Ostras. “A luta continua, apesar desse cenário nacional e estadual trágico e desafiador, de um ano de golpe. Essa política que intensifica a retirada de direitos agrava um quadro que faz aumentar a pobreza, o desemprego, e aumenta a violência social em todas as diferentes formas de expressão. A violência contra os jovens, a violência racial e a violência sexual têm aumentado em todo o Brasil, especialmente em nossa região, marcada pela renda petrolífera e pela concentração histórica da terra. O latifúndio continua firme e fortalecido com o governo Temer”, criticou o docente.


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Notas da Aduff Luiz Fernando Nabuco

Pelo direito ao aborto legal No Dia de Luta Pela Legalização e Descriminalização do Aborto (28 de setembro), ato no Centro do Rio de Janeiro reivindicou o direito ao aborto legal no SUS, 100% público, estatal e com qualidade. A manifestação saiu da Praça XV e terminou na Tiradentes, cantando em defesa da vida das mulheres e pelo direito delas decidirem sobre o próprio corpo. A PEC 181/2015 foi repudiada, manobra que pode vetar o aborto em qualquer caso no país, inclusive nos já previstos por lei – em caso de estupro, anencefalia do feto ou gravidez com risco de morte para a mãe.

Quem morre O aborto no Brasil é considerado crime. Esta realidade não faz diminuir os índices de abortamento entre mulheres. Segundo dados da OMS, cerca de 1 milhão de brasileiras submetem-se a abortos clandestinos por ano. Ao mesmo tempo, o abortamento clandestino se constitui como a 5° causa de morte materna no país, na maioria das vezes mulheres pobres e negras.

Revolução Russa I

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A Revolução Russa de 1917 foi apontada como o acontecimento mais importante do século 20, e que marcou decisivamente a história da humanidade, durante o debate promovido pela Aduff no Bloco O do campus do Gragoatá, no dia 19 de setembro. O evento "A Atualidade da Revolução Russa" teve como debatedores os docentes Felipe Demier (Uerj), Wanderson Melo (UFF), Henrique Canary (USP) e Robério Paulino (UFRN).

Contra a intolerância

Fernando Frazão/abr

Debate "A Atualidade da Revolução Russa", no campus Gragoatá

Manifestação em Copacabana

Milhares de pessoas participaram de um ato contra a intolerância religiosa na Praia de Copacabana, no dia 18 de setembro. A manifestação, que chega à sua 10° edição, reuniu principalmente integrantes do Candomblé e da Umbanda, mas também contou com a participação de igrejas cristãs, da comunidade judaica e de outras religiões (Baha'i, Wicca, Kardecismo, Budismo, e Hare Krishna). O ato repudiou os recentes ataques a casas das religiões de origem africana.

Andes-SN apoia O Sindicato Nacional dos docentes defende a luta pela descriminalização do aborto no seu 34º Congresso, realizado em Brasília (DF), em 2015. A posição do Andes-SN foi reafirmada no 35° Congresso, em 2016, e no 36° Congresso, realizado este ano, em Cuiabá (MT).

Revolução Russa II Para celebrar o centenário de um dos maiores eventos da história da humanidade, a Aduff-SSind lançou edital para apoiar a iniciativa de docentes da UFF que queiram refletir e debater sobre o significado, os avanços, os limites e a atualidade da Revolução Russa. O edital pode ser lido na íntegra em: goo.gl/ewVUtV.

Revolução Russa III Três atividades já estão confirmadas: "Ciclo Cinema & Revolução: de O Jovem Marx a Adeus, Lenin?", nos dias 27 e 28 de outubro - atividade proposta pelo professor Roberto Della Santa; "100 anos da Primeira Greve Geral no Brasil: Debate com o documentarista Carlos Pronzato", no dia 8 de novembro, na UFF de Rio das Ostras - atividade proposta pelo docente Wanderson Mello; e "Mostra Cinema Soviético de Mulheres", entre os dias 28 e 30 de novembro, no auditório da Escola de Serviço Social, em Niterói - atividade proposta pela professora Marina Tedesco.

A luta de Rafael Braga

Escola laica?

A decisão do ministro Rogério Schietti, concedendo a Rafael Braga o direito à prisão domiciliar, foi a primeira vitória do jovem negro e pobre detido nas manifestações de junho de 2013 e condenado por portar uma garrafa do desinfetante Pinho Sol. Rafael está em casa e recebe tratamento para a tuberculose, contraída na penitenciária. A decisão foi comemorada pelo movimento Liberdade Para Rafael Braga, mas que imediatamente postou: "a luta continua".

A decisão do STF, por seis votos a cinco, a favor do ensino confessional em escolas públicas brasileiras, vinculado a uma religião específica, provocou críticas de professores em defesa da escola laica. “A crise estrutural do capitalismo leva ao avanço do conservadorismo; Estado e Religião passam a estar juntos – o que é grave, pois os alunos, como cidadãos, têm direito a uma Educação que não esteja alinhada a nenhum tipo de dogma”, disse Kate Lane Paiva, professora de Artes do Colégio de Aplicação da UFF (Coluni) e diretora da Aduff.


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LIVRO - Heleno de Troy

"Tempos sombrios exigem respostas coletivas e corajosas" de vários conflitos pessoais e amorosos, mas na esfera de torcedor de futebol. Como é que isso acontece com a comunidade LGBT que curte futebol, mas se sente às vezes expulsa dos estádios por causa das manifestações misóginas, homofóbicas".

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Luiz Fernando Nabuco

Ao lançar 2° romance, Luiz Fernando Braga, docente da UFF, defende reação a ataques à arte e às liberdades

O futebol

"V

ivemos tempos perigosos, vivemos na berlinda da história", disse o professor e escritor Luiz Fernando Braga ao lançar o seu segundo romance - "Heleno de Troy" em uma noite de autógrafos, conversa e um breve discurso na sede da Aduff-SSind, em setembro. O professor de literatura do Colégio Universitário Geraldo Reis (Coluni/UFF) disse ainda que "tempos sombrios" exigem respostas coletivas, afirmativas e corajosas. A mensagem está inserida no momento que atravessa o país e faz referências ao que ocorrera poucos dias antes em Porto Alegre (RS), com o cancelamento pelo banco Santander da exposição “Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira”, após críticas e ataques raivosos protagonizados pelo grupo MBL (Movimento Brasil Livre), aliado do movimento Escola Sem Partido. Mas, como se verá nos trechos da entrevista concedida na mesma noite ao jornalista Hélcio Lourenço Filho, do Jornal da Aduff, é de alcance muito mais amplo. Assim como a sua primeira incursão no gênero (“Romance Hipocondríaco”), “Heleno de Troy” também aborda o universo homoafetivo e questões ligadas à opressão contra a comunidade LGBT.

O livro "O livro também aborda a questão queer. Aborda a questão identitária, que é a minha linha de trabalho. Ele trata

"A questão é a seguinte: Eu, como gay, faço parte de uma geração que foi praticamente expulsa do futebol. Na educação física, nós não podíamos participar do futebol, a gente tinha que buscar outras atividades, nós nunca erámos escolhidos para jogar por sermos gays. E, naquela época, nos anos 80, o vôlei não tinha muita tradição no Brasil, era algo meio de mulher ou de gay. (...) Eu queria jogar bola, eu tinha fascinação por aquilo. Aí eu passei a ter antipatia por aquele universo, era um universo que me agredia. (...) Futebol é lugar para macho alfa, para sujeitos que não tenham nenhum traço de afetação, tanto que a gente tem alguns exemplos tristes, como o do Richarlyson, que era jogador do Atlético-MG".

"Não se falava nisso na escola" "Nos anos 70, 80, essas questões não eram discutidas, não havia sequer a expressão bullying, um termo que veio da Inglaterra nos últimos dez anos. Como é que era a vida de um gay naquela época? Era o armário completo. E na escola não se falava nisso. A gente sofria agressões físicas, agressões verbais. Os professores sabiam, mas nunca tomavam partido. Era algo praticamente institucionalizado. A homofobia era institucionalizada. O que se vê hoje em algumas escolas, sobre o combate à intolerância, o combate à homofobia, LGBTfobia, transfobia, isso não existia nos anos 80". Queermuseu "Esse episódio afeta a todo

Lançamento do livro, ocorrido na sede da Aduff-SSind

e qualquer grupo minoritário, não é apenas ao grupo LGBT. (...) O que aconteceu em Porto Alegre ataca diretamente a liberdade de expressão artística e, especificamente, a cultura gay, mas no rastro dele tem um monte de outras manifestações de intolerância... de racismo, intolerância religiosa, a cada dia tem um centro de Candomblé ou de Umbanda depredado, destruído, demonizado... pessoas atacadas, pessoas agredidas, então não atinge só a mim".

Mordaça na escola "Eu acho que isso está dentro dos aparelhos ideológicos do Estado como um todo. Veja bem, há muitos anos, eu sou assumidamente gay para os meus alunos. Trabalhei em várias escolas católicas e tenho certeza que o que segurava o meu trabalho era a minha competência profissional, mas eu era vigiado o tempo todo. Havia uma vigilância especial em relação aos professores gays. Os dispositivos de controle do discurso do que se pode dizer, do que se vai dizer, do que se vai ensinar, esses dispositivos de controle sempre aconteceram. O que vejo agora na onda reacionária é um retrocesso sem precedentes, porque se fala de escola sem partido como

se fosse possível desideologizar a educação. (...) Não existe nenhum grupo social sem ideologia. O que se deve discutir é se a ideologia é opressora ou é libertadora. E o que a gente está vendo hoje é que as ideologias opressoras querem ocupar um espaço, cercear, vigiar, colocar olheiros dentro de sala de aula para filmar professor".

Como reagir "Resistir sempre, discutir sempre. Nunca fugir da discussão. E de uma discussão profunda, uma discussão que seja madura, respaldada em

boas leituras. Não simplesmente combater discurso de ódio com discurso de ódio. De forma alguma..."

Por que romance? "Porque a ficção é o lugar em que eu consigo falar melhor. É que eu me sinto em uma plenitude de criação muito mais do que em gêneros mais formais, como a esfera jornalística, textos técnicos. O romance é o meu canal de expressão em que eu consigo me dizer melhor e também entrar em contato com a própria palavra como em nenhum outro gênero".

ROMANCE

Luiz Fernando Braga Editora: Metanoia 284 páginas 40 reais pelo site metanoiaeditora.com.br Aduff oferece espaço para sindicalizados A Aduff-SSind oferece aos docentes sindicalizados espaço em sua sede para o lançamento de livros e outras atividades culturais. Para fazer a solicitação, cuja confirmação dependerá de disponibilidade, basta enviar mensagem para seção sindical (aduff@aduff.org.br).


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Outubro/2017 • www.aduff.org.br

Jornal da ADUFF

‘O problema não são os gastos’

Hélcio Lourenço Filho Da Redação da Aduff

A

economista Denise Gentil faz uma análise do cenário político e econômico do Brasil que desconstrói a propaganda e a argumentação difundida pelo governo federal e pela mídia comercial. O problema não é fiscal, afirma a professora da UFRJ. Não são os gastos públicos que são elevados, mas a receita que despencou em decorrência de uma política macroeconômica que está jogando o país na recessão econômica pelo terceiro ano seguido. Política que, garan- Denise Gentil e o professor Victor Leonardo, da te, é a potencial causa dos problemas Economia da UFF, que coordenou a mesa do debate de uma previdência pública que não é deficitária, e não o aumento do número de benefícios ou a questão demográfica. “O governo não diz que estamos vivendo o ápice do envelhecimento da população e que, na década de 20, teremos o ápice da população jovem no mercado de trabalho”, afirma. Crítica das taxas de juros altas, que considera uma anomalia, enquanto em todo o mundo se pratica taxas próximas de zero, Denise está convencida de que a crise fiscal e a recessão foram consequências de uma política intencional adotada no país para criar condições propícias para o rebaixamento salarial, as reformas e as privatizações. Foi o que sustentou no debate “O Fim da Previdência Pública”, ocorrido na UFF, no Gragoatá, no dia 4 de setembro, organizado pelo Núcleo de Estudos em Economia e Sociedade Brasileiras, quando, falando majoritariamente para um público de estudantes, fez um apelo à reação popular: “Vamos assistir como ovelhas, como gados, ao que estão fazendo com nosso futuro?”, disse. A seguir, trechos da palestra.

O que disse a professora Denise Gentil

uma rede ampla de proteção social. O déficit público não é causado pelo excesso de gastos, e, sim, pela compressão das receitas”.

Déficit da Previdência

Receitas

“O que é interessante é o grau de precisão que se chega a esse número de 11,3% [do Produto Interno Bruto] em 2060. É um tanto quanto irônico que a gente não consegue nem prever o PIB do próximo trimestre, mas consegue dizer qual é o déficit [da Previdência] de 2060.”

“O governo teria enfrentado sustações de receitas sequenciadamente há três anos. Isso até é interessante porque os números comprovam a queda brutal das receitas, mas o governo pouco fala sobre isso, o governo pouco dá um diagnóstico sobre por que as receitas caem. Toda a visibilidade da questão fiscal está em cima dos gastos. Por que não é incomodado o lado da receita? Se você fosse recuperar a receita, você mexeria com interesses econômicos, principalmente interesses financeiros, poderosos. Daí a tentativa de fazer a lei de teto dos gastos; o governo não fala em lei de meta de arrecadação”.

Problema não são os gastos “Para que a economia estivesse mais dinâmica, era preciso que o Estado tivesse mais envolvimento nos rumos do crescimento e do desenvolvimento econômico. Para isso, teria que ser muito mais intervencionista, teria que intervir muito mais na infraestrutura, tanto econômica quanto social. O Estado teria que investir muito mais em políticas sociais, como educação, ciência da tecnologia,

Política econômica “Vou lançar uma hipótese polêmica: nós não temos problema fiscal. O que determina,

Luiz Fernando Nabuco

Professora de Economia da UFRJ, Denise Gentil afirma em debate na UFF que a crise econômica não decorre de gastos elevados, mas da queda de receitas em decorrência de uma política macroeconômica planejada para justificar e permitir rebaixamentos salariais, privatizações e reformas que eliminam direitos trabalhistas e previdenciários

Vejam o reducionismo da política pública a meta é fazer a reforma da Previdência. Nada a dizer sobre política industrial ou agrícola do país, nada a dizer [sobre Ciência e Tecnologia]... quer dizer, tem a dizer: não vai haver, pois 40% de corte no orçamento significa que você afundou a Ciência e Tecnologia

de fato, o resultado da Previdência Social? A Previdência tem o seu resultado determinado de fora para dentro. Não é a idade da aposentadoria, o tempo da contribuição ou a taxa de correção do benefício. O que determina é a política macroeconômica. Essa política faz um corte radical nos investimentos do governo federal. Sabe-se hoje que existem mais de três mil obras paradas do governo federal; isso tem um impacto gigantesco sobre o setor privado, porque o governo é um grande contratante. No governo Dilma, falava-se em mil obras paradas,Temer aumentou esse número para três mil”.

Renúncias “O governo adotou uma política fiscal de renúncia de contribuições sociais na expectativa de que o aumento da margem de lucro das empresas – elas deixam de pagar tributos e, portanto, uma parte dos tributos vira margem de lucro – seria convertido em investimentos; isso não aconteceu, foi para a esfera financeira, onde há um lucro líquido, rentável e seguro, que são os títulos públicos”.

Questão demográfica “O argumento demográfico é muito conveniente, particularmente para os beneficiados pelo ajuste fiscal. Tem duas coisas que o governo não diz: que nós estamos passando pelo ápice da taxa de crescimento da população idosa no Brasil, que daqui para frente ela vai crescer em termos absolutos, mas cresce a taxas cada vez menores; e que, ao contrário, entre 2022 e 2026, nós teremos o ápice da força de trabalho jovem no Brasil. E o governo em vez de dizer o que faremos pela juventude nos anos 20, [está] preocupado com os idosos de 2040, 2060. É como se o governo tivesse um senso de responsabilidade com relação ao futuro da Previdência que ele não tem com relação à educação, à saúde, à seguran-

ça pública, à Ciência e Tecnologia. Vejam vocês o reducionismo da nossa política pública: a meta é fazer a reforma da Previdência. Nada a dizer sobre política industrial, sobre política agrícola do país, nada a dizer [sobre Ciência e Tecnologia]... quer dizer, tem a dizer: não vai haver política de Ciência e Tecnologia no país, pois 40% de corte no orçamento significa que você afundou a Ciência e Tecnologia”.

Interessados “Os bancos são grandes interessados no sucateamento da Previdência (...), para justificar as reformas. Mas é importante também para fazer os salários caírem, e o desemprego é o grande auxiliar para isso (...). A recessão é funcional ao capitalismo, é tão produzida numa prancheta quanto é o desenvolvimento econômico. O Estado é o agente que faz isso”.

Desemprego “Para você passar coisas tão impopulares que significam apenas a precarização e a miséria da sociedade brasileira, você tem que estar diante de um enorme desemprego, porque, o desemprego, ele desmobiliza os movimentos sociais, ele fragiliza a reação dos sindicatos, das centrais dos trabalhadores, ele provoca uma desesperança, uma paralisia. Então é absolutamente necessário fazer a depressão econômica, porque senão você vai ter reação.”

Privatização “Você não consegue privatizar se não tiver uma recessão econômica. Como é que você vai dizer que vai privatizar empresas que são saudáveis, que são estratégicas, empresas que qualquer país do mundo que fosse subdesenvolvido e tivesse essas empresas agarraria com unhas e dentes, como a Eletrobrás e o Pré-sal, estratégicos recursos para imprimir uma marcha de desenvolvimento?"


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