O caçador e a caipora

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ESTE FOLHETO É PARTE INTEGRANTE DO ACERVO DO BEHETÇOHO EM FORMATO DIGITAL, SUA UTILIZAÇÃO É LIMITADA. DIREITOS AUTORAIS PROTEGIDOS.


INFORMAÇÕES SOBRE O PROJETO O Acervo Eletrônico de Cordéis do Behetçoho é uma iniciativa que pretende dar consequências ao conceito de (com)partilhamento dos artefatos artísticos do universo da oralidade, com o qual Behetçoho e Netlli estão profundamente comprometidos.

INFORMAÇÕES SOBRE A EQUIPE A equipe de trabalho que promoveu este primeiro momento de preparação e disponibilização do Acervo foi coordenada por Bilar Gregório e Ruan Kelvin Santos, sob supervisão de Edson Martins.

COMPOSIÇÃO DA EQUIPE Isabelle S. Parente, Fernanda Lima, Poliana Leandro, Joserlândio Costa, Luís André Araújo, Ayanny P. Costa, Manoel Sebastião Filho, Darlan Andrade e Felipe Xenofonte


JOSENIR AMORIM ALVES DE LACERDA

O CAÇADOR E A CAIPORA



O sertão sempre descrito Na fé e na singeleza Tem o seu relato escrito Pela mão da Natureza Traz o folclore na alma A crença pura se espalma Se transforma em realeza.

A fé e a superstição Se misturam sem medida Estória de maldição LOBISOMEM, alma perdida Caipora, mula estradeira Dita como verdadeira Faz parte da sua vida. Acatando esse mistério Da crendice popular Pois o sertanejo é sério Não gosta de debochar Chamei a inspiração Que chegou de prontidão Na estória que vou contar.


Num canto desse sertão Bem no pezinho da serra Residia um cidadão E se a memória não erra O seu nome era Raimundo Um respeitador profundo Do mistério que há na terra.

Raimundo Salustiano Era um grande caçador Pra caçar não tinha plano Caçava seja onde for Não escolhia animal E só pra fazer o mal Matava a te beija-flor.

Era homem destemido Valente que nem leão Desconhecia o gemido Medo, pavor e aflição Mas tinha uma experiência Trazia consigo a crença Cria da Superstição.


Quando ia pra caçada Arrumava o embornal: Rapadura, carne assada Farinha seca com sal O agrado da “caboclinha” Em forma de fumo vinha Regrar o material. Lá num ponto da floresta Um grande toco existia Diziam que grande festa Nesse canto se fazia Nas noites de lua cheia A caipora campeia Fazendo a sua folia.

Ali naquele lugar Quando ia pra caçada Seu Raimundo ia deixar De fumo boa lapada Agradava a “caboclinha” E a boa caçada vinha Parecendo encomendada.


Cumprindo a obrigação Seu Raimundo se animava Muito alegre e folgozão Na mata ele se embrenhava Já não temia a caipora E a partir daquela hora Qualquer bicho ele matava. Seu Raimundo um belo dia Saiu para ir caçar Mas o fumo que trazia Só dava pra ele fumar Aí veio a confusão Se ele fumava ou não Se no toco ia botar.

Se boto o fumo no toco Pensou ele sem falar Para mim é um sufoco Pois não passo sem fumar Mas se engano a caiporinha Aí perco a minha linha Na certa vou apanhar.


Mas o vício que é mais forte Supera até a razão Determinou sua sorte Mostrou sua direção Seu Raimundo foi caçar Procurando não pensar Naquela superstição.

Pela mata se embrenhou Os dois cachorros na frente O pensamento mudou Estava alegre e contente Quando ouviu cada cachorro Acuar por trás de um morro De maneira diferente. Procurando o animal Seu Raimundo se alegrou De garrucha e embornal Aramado se aproximou Mas só viu a cachorrada Ganindo desesperada Com sombroso ele ficou.


Chegou-se bem devagar Tentando em vão entender Os cachorros a ladrar Só faltavam enlouquecer Rebolavam pelo chão Era queda, intrupicão Em sofrido padecer. Seu Raimundo de avechou Suou frio e quis correr O olhar se abuticou Pernas bambas a tremer Do seu canto não saia O corpo não se movia Não sabia o que fazer.

Assim meio abestaiado Só então se alertou Quando um ruído estalado No seu ouvido passou Uma lapada no lombo Quase que lhe dá um tombo E o furdunço começou.


Na mata toda se ouvia A chicotada no ar Quem batia não se via Ali em nenhum lugar Seu Raimundo então lembrou Do fumo que não deixou Para a caipora fumar. Apanhou que nem menino O coitado do sujeito E desandou sem destino Perdeu de homem o respeito Lapada por todo canto Já não segurava o pranto Chorava sem preconceito. Foi tão grande a confusão Que estremeceu a terra Grito, latido e cão Até parecia guerra Seu Raimundo correu tanto Que foi parar noutro canto Do outro lado da serra.


Em casa ele foi chegar No final do quarto dia Fazia até dó olhar A sua fisionomia Vê seu estado tristonho Igual um bicho medonho Dava até uma agonia. A roupa toda rasgada Poeira de testa ao pé Uma canela esfolada Resultou do rapapé A roupa que era clara Tava ali com outra cara Preta da cor de café.

Por conta dessa carreira Perdeu tudo quanto tinha A garrucha, a baladeira Chapéu, facão e bainha O embornal se enganchou La no galho ele deixou Com tanto medo ele vinha.


A mulher de Seu Raimundo Dona Zefa Sabugueiro Assustando, olhando o mundo Se encontrava no terreiro Tristonha e preocupada Se perguntando alarmada Do marido o paradeiro. Quando a figura avistou Surgindo La da floresta De susto branco ficou O suor pingou na testa Pensava que Seu Raimundo Era alma do outro mundo Ou aparição funesta.

Entre soluço e gemido Pra mulher ele contou O que tinha acontecido Como foi que se passou Tomou banho com meizinha Depois foi pra camarinha Sete dias La ficou.


Abandonou as caçada Ficou lerdo sem ação Pois aquela presepada Deu-lhe uma grande lição: Quem com fogo quer brincar Iludir, ludibriar Pode até virar tição. Assim mesmo sem caçar Mantém do medo o efeito O fumo manda botar Quem apanha a caipora Lembra disso toda hora E lhe tem grande respeito. A notícia se espalhou Na serra de ponta a ponta A estória ele contou Tanto que perdeu a conta Quem ouvia se espantava Se benzia e suspirava Sentia a cabeça tonta.


Muito tempo já passou Que esse fato aconteceu Mas na memória ficou Ninguém mais esqueceu Seu Raimundo e a Caipora Virou lenda mundo afora Foi uma lição que valeu.

Quando esse fato passado Acaso alguém rememora O Raimundo encabulado De vergonha logo cora Pois por causa desta trama Todo mundo agora o chama De Seu Raimundo Caipora FIM



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