Mulheres do cariri mortes e perseguição

Page 1


ESTE FOLHETO É PARTE INTEGRANTE DO ACERVO DO BEHETÇOHO EM FORMATO DIGITAL, SUA UTILIZAÇÃO É LIMITADA. DIREITOS AUTORAIS PROTEGIDOS.


INFORMAÇÕES SOBRE O PROJETO O Acervo Eletrônico de Cordéis do Behetçoho é uma iniciativa que pretende dar consequências ao conceito de (com)partilhamento dos artefatos artísticos do universo da oralidade, com o qual Behetçoho e Netlli estão profundamente comprometidos.

INFORMAÇÕES SOBRE A EQUIPE A equipe de trabalho que promoveu este primeiro momento de preparação e disponibilização do Acervo foi coordenada por Bilar Gregório e Ruan Kelvin Santos, sob supervisão de Edson Martins.

COMPOSIÇÃO DA EQUIPE Isabelle S. Parente, Fernanda Lima, Poliana Leandro, Joserlândio Costa, Luís André Araújo, Ayanny P. Costa, Manoel Sebastião Filho, Darlan Andrade e Felipe Xenofonte


SALETE MARIA

MULHERES DO CARIRI: MORTES E PERSEGUIÇÃO

JUAZEIRO DO NORTE 2004



Nosso velho Cariri Que tanta beleza ostenta Onde a flor do pequi Deixa a boca sedenta Não só pela natureza É lembrado com tristeza Por tanta morte sangrenta A Chapada do Araripe De cristalinas nascentes Onde já subi de jipe Vi riquezas imponentes Virou palco de tragédia (Antes fosse uma comédia) Matar mulher inocente. Seja na linda Barbalha Seja em Crato ou Juazeiro A maldade se espalha Talvez por muito dinheiro


Hoje uma, outra amanh達 A tal gang de sat達 Desferiu golpe certeiro. No ano de dois mil e dois Estampadas nos jornais Li v叩rias vezes depois Manchetes! Nada de paz! Uma onda de terror Espalhando medo e dor Foi crueldade demais Um dia a desconhecida No outro, nossa vizinha Depois a irm達 querida A colega da madrinha A amiga professora Fosse morena ou loira Aos monstros tudo convinha


A violência crescia O medo se agigantava A população torcia Pra ver se tudo acabava A polícia impotente A justiça incipiente O bandido festejava Revólver, faca e pau Usados para extinguir A vida (e não o mau) Quem ousava reagir? Os corpos dilacerados Haviam dedos cortados Findava então o porvir Mesmo o tempo passando De nada adiantava Peritos averiguando Gente inocente pagava


Os corpos se decompondo Cada crime hediondo Histórias que nos chocava Depois de muita peleja Erro, acerto, tentativa Um poderoso gagueja Vem com sua comitiva Dizem ser um dos mandantes Gente de mente infamante Mas poder tudo cativa Mais de trinta execuções Autoria, só de quatro Muitas especulações De concreto, pouco fato O crime aqui compensa É o que diz a imprensa Em pensamento exato


Todos a se perguntar Quem está por trás de tudo? A grande questão no ar Será um peixe graúdo? ‘Se fosse um pé-rapado Um pobre, um molambado Já tinham prendido tudo’ Crimes não elucidados A família ainda sente Um corpo violentado Um golpe triste na mente A impunidade impera O povo já não tolera Justiça incompetente Às ruas vão as mulheres Exigir uma resposta Vítimas não são talheres Para ficarem expostas


Querem do governador Do juiz, do promotor Atitude que arrosta Desejam ver assassinos Condenados e reclusos E não cérebros suínos Com discursos obtusos Querem ter para o futuro Um Cariri mais seguro E não processos confusos Querem em todo espaço Fazer lembrar os delitos Falar sem ter embaraço Denunciar os conflitos Para que ninguém esqueça E um dia apareça A verdade, e não mitos.


Por isto a liberdade De usar da expressão Deixar pra posteridade Nossa indignação Por muitas vidas ceifadas Outras tantas cerceadas Ante a perseguição Denunciar o machismo Esta mazela medonha E fazê-lo sem cinismo Sem que ninguém se oponha Na academia, na feira Na URCA, na Batateira Para findar a vergonha Não esquecer de falar Das companheiras de luta Que ousam denunciar Toda espécie de conduta


Que auxilia homicida Estuprador, latrocida Noutro nível de disputa Mulheres que se dedicam A construir a história Que dia-a-dia acreditam Resgatarem a memória Daquelas que já partiram Que em vida construíram Sua própria trajetória Mulheres que se associam Pra defender as conquistas Que às vezes presenciam Diante de suas vistas Descalabros, falcatruas Mas que ocupam as ruas Porque não são egoístas


Mulheres que aos jornais Denunciam interventor Capitães e generais E também governador Quem ouse nos reprimir Verão todas reagir Num grande e justo clamor Contra todos os machistas Violentos, canastrões Demagogos, populistas Cafajestes e babões Maníaco-predador Assassino, malfeitor Oportunistas, ladrões Contra o sistema cretino Que nos tira o direito De fazer nosso destino E depois bater no peito:


Nascemos pra ser feliz E não viver por um triz Neste Cariri sem jeito Enquanto nos depararmos Com a morte no quintal Enquanto nos encontramos Para mais um funeral Enquanto houver perigo Perseguição e castigo A luta será igual Seja em nosso domicílio No trabalho ou na escola Nada será empecilho Gritaremos sem demora Nós não queremos morrer Amar, lutar e viver É o que sonhamos agora!


Se você tem compromisso Sei que vai participar Não se pode ser omisso Nem ter medo de falar Temos horror à malícia E a quem chama a polícia Querendo nos dispersar Todo dia a gente fala: Cadê a democracia? Ao assassino se iguala Quem persegue o nosso dia Em bom som vamos gritar: Estão querendo matar A nossa autonomia Nem morta, nem perseguida Tampouco discriminada Nem louca, nem preterida Nem muda, nem estuprada


Nem sozinha, nem distante Viva, alegre e militante Por esta terra encantada. FIM



Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.