As danação de julita

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INFORMAÇÕES SOBRE O PROJETO O Acervo Eletrônico de Cordéis do Behetçoho é uma iniciativa que pretende dar consequências ao conceito de (com)partilhamento dos artefatos artísticos do universo da oralidade, com o qual Behetçoho e Netlli estão profundamente comprometidos.

INFORMAÇÕES SOBRE A EQUIPE A equipe de trabalho que promoveu este primeiro momento de preparação e disponibilização do Acervo foi coordenada por Bilar Gregório e Ruan Kelvin Santos, sob supervisão de Edson Martins.

COMPOSIÇÃO DA EQUIPE Isabelle S. Parente, Fernanda Lima, Poliana Leandro, Joserlândio Costa, Luís André Araújo, Ayanny P. Costa, Manoel Sebastião Filho, Darlan Andrade e Felipe Xenofonte


JOSENIR AMORIM ALVES DE LACERDA

AS “DANAÇÃO” DE JULITA



Esse verso aconteceu Sem nenhuma pretensão Como sempre obedeceu A lei da inspiração Que bate na hora certa Então a mente desperta Atendendo ao coração.

Duas mulher conversa Na maior animação Eu ali perto escutava Mas sei mereço perdão Pois poeta não escuta Ele aproveita e desfruta Do tema, mote ou chavão. Tudo isso começou Numa conversa informal Uma das dama falou: - Dê noticia do arraial Como vai Zefa Cotia E toda aquela folia Continua sempre igual?


Cumade, preste atenção Casou-se Zefa Cotia Com Severino Rumão Depois dum ano uma fia Chegou na vida dos dois O que aconteceu depois Ainda hoje Arrepia.

Na data treze de agosto Num dia de sexta-feira O sol mal tinha se posto Nem esperou a parteira Nascida de cinco mês Reparem bem vocês Que vida mais bandoleira.

Batizaram a menina Com o nome de Julita Sem saber a sua sina Fizeram a festa bonita Mas passaram mau bocado Na nora do batizado Julita fazendo fita.


Puxou na venta do padre Azunhou o sacristão O padrim fugiu covarde Com medo da confusão Apagou o que foi de vela Depois abriu a goela Berrando feito um trovão.

Quando chegaram no rancho Para haver a Comilança Todo mundo muito ancho Rindo e falando lambança Julita chutou os prato Quebrou bem uns vinte e quatro Atrapalhando a festança. Mas o pior vem depois Dá até dó de contar Virou o prato de arroiz Derramou o aluá E fez tanta latumia Que Zefa deu uma agonia Ficou quase sem tornar.


Mesmo com tanta saúde Um dia a garota arteira Jogou a nêga num açude E desabou na carreira Montou num jumento manco Desinbestou num só tranco Deixando só a poeira.

Outro dia ela sumiu Procuram em desespero Quando em barulho se ouviu Partindo lá do terreiro Tinha afogado dois gato Queimou pinto, frango e pato E derrubou o galinheiro.

Outro fato aconteceu Numa noite de São João Julita, embrabeceu Soltando bomba e rojão Espanto o que foi de véia E na saia de Dorotéia Amarrou um foguetão.


Um dia houve um forró Na casa de seu Raimundo Um grande forrobodó Julita fez num segundo Apagou o candeeiro Assustou o sanfoneiro Que desabou pelo mundo.

Andou por lá um mascate Em outra ocasião Aí haja disparate Foi completa a confusão Julita descia um morro Puxando uns doze cachorro E um jumento cardão.

O mascate já cansado O mesmo morro subia Ficou logo apavorado Quando ouviu a latumia Rebolou que nem uma bola Derrubou caixa e sacola Enquanto os cão lhe mordia.


Quebraram prato e panela Amassaram os caldeirão Rasgara filó, flanela Calça, blusa e jaquetão E o pobre do vendedor Ferido e cheio de dor Gemia a rolar no chão.

O pai e a mãe de Julita Viviam num padecer Numa tristeza infinita Sem saber o que fazer Pois Julita era um tormento Só tinha no pensamento Danação e fuzuê.

Chegaram até a pensar Que fosse uma maldição O padre foram chamar Pra deitar uma benção Mas Julita se danou A água benta pegou Deu um banho no sacristão.


Um casal de namorado Tava na renovação Muito feliz abraçado Na maior afeição Quando Julita chegou Detrás do banco ficou Sondando a situação.

O seu juízo de ateira Começou a imaginar Uma completa maneira De uma peça pregar Aproveitando a ocasião Aplicou um beliscão Num proibido lugar.

A moça pendeu pra trás Muito nervosa e assustada Deu um tapa no rapaz E correu desimbestada O moço nunca entendeu Que bicho foi que mordeu Sua calma namorada.


Nem bem o fato acalmou E esfriou no pensamento Julita já preparou Um outro acontecimento Dessa vez a lavadeira Era o brinquedo da arteira E o novo divertimento.

Um riacho perto havia De água pura e brilhante Onde as lavadeira ia Lavar roupa radiante Bem cedo ia o magota Tomar banho, encher os pote Muito alegre e confiante. Ali porém ninguém ia Quando a noitinha chegava Pois uma lenda dizia Que se fosse, se assombrava Com coisa do outro mundo Que num mistério profundo No lugar sempre vagava.


Julita que não temia Nem sequer assombração Quanto mais quando queria Fazer suas danação Começou a maginar Um meio de esculhambar A água do riachão. Do urucum a semente Um bocado ela ajuntou Amassou bem paciente Num grande saco arrumou Misturou barro amarelo Bôrra, carvão e farelo E depois tudo amarrou.

Quando fui de madrugada Julita o saco pegou Aproveitou a luarada E pro riacho rumou Com pedra o saco cingiu E satisfeita sssitiu Quando a tinta de espalhou.


Quando a água batia Deixando a maior sujeira O riacho se tingia Era grande a lamaceira Julita ria contente Já maginando na mente A cara das lavadeira.

Julita ouviu de repente Um gemido e um fungado Virou-se e topou de frente Cum bicho feio danado Ficou logo agoniada Tremendo e aperreada Diante do assombrado.

O bicho tinha um olhar De fogo que alumiava Um pretume a rebrilhar E de fungar não parava Na testa tinha um mondrongo Soltava urro e estrondo Num pé só ele pulava.


E o bicho estrebuchava Ciscando em cima do chão Grunia e fumaçava Como se fosse um vulcão Fedor de enxofre queimado E de cabelo sapecado Se espalhou na ocasião. Julita ficou parada Tesa parada no chão Com cara de espantada Diante da aberração Seu coração palpitava Dentro do peito pulava Batendo feito um bumbão.

Mas Julita de repente Despertou da emoção Caçou terra pela frente Desabou num carreirão Deixou o bicho pra trás Apegou-se com São Bráz E o padrim Ciço Rumão.


Chegou em casa esbaforida Quase perdendo a razão Tristonha e arrependida Deitou-se mesmo no chão E ali naquele momento Fez consigo um juramento Partindo do coração.

Jurou que ia acabar Com as suas danação Nunca mais aperrear Qualquer vivente ou cristão Ia se moça prendada Distinta e bem educada De causar satisfação.

E de fato aconteceu Tremenda foi a mudança Afirma quem conheceu Julita na vizinhança Sua mãe paba e feliz Para todo mundo diz: “Quem espera em Deus não cansa”.


A mãe lembra o sofrimento E reza com mais fervor Num forte agradecimento Ao divino Salvador Por livrar sua menina Daquela tão triste sina Que causou tanto amargor.

O povo só ignora Uma estranha devoção Julita diz toda hora: - valei-me São Damião Livrai-me por caridade De feiura e da maldade Do bicho de riachão.

Aqui termina a estória Das danação de Julita Não é de luta ou vitória Mas foi contada e foi dita Eis a glória do porta: Divulgar a sua meta Seja cantada ou escrita.

FIM



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