A chegada de lampião no céu

Page 1


ESTE FOLHETO É PARTE INTEGRANTE DO ACERVO DO BEHETÇOHO EM FORMATO DIGITAL, SUA UTILIZAÇÃO É LIMITADA. DIREITOS AUTORAIS PROTEGIDOS.


INFORMAÇÕES SOBRE O PROJETO O Acervo Eletrônico de Cordéis do Behetçoho é uma iniciativa que pretende dar consequências ao conceito de (com)partilhamento dos artefatos artísticos do universo da oralidade, com o qual Behetçoho e Netlli estão profundamente comprometidos.

INFORMAÇÕES SOBRE A EQUIPE A equipe de trabalho que promoveu este primeiro momento de preparação e disponibilização do Acervo foi coordenada por Bilar Gregório e Ruan Kelvin Santos, sob supervisão de Edson Martins.

COMPOSIÇÃO DA EQUIPE Isabelle S. Parente, Fernanda Lima, Poliana Leandro, Joserlândio Costa, Luís André Araújo, Ayanny P. Costa, Manoel Sebastião Filho, Darlan Andrade e Felipe Xenofonte


JOSÉ PACHECO

A CHEGADA DE LAMPIÃO NO CÉU



Para me certificar Da mote de Lampião Arrumei o matulão E andei pra me acabar Não escapou-me um lugar Do Brasil nem estrangeiro Percorri o mundo inteiro Procurando a realeza Até que tive a certeza Da morte do cangaceiro

Andei nas areias gordas Pilão sem boca e macumba As ribeiras de cazumba Estas eu remexi todas Passei na varsea das poldras Fui à baixa da folia Levei uma companhia Deixei no bico da pata Passei nas brechas da gata Dormi na boca do jia


Fui a serra do sambão Desci na jumenta prenha Mandei Chico Tomaz lenha No engenho de Filipão Pindoba de Damião Fica perto da furada Lá deixei meu camarada Caminhei mais d’uma légua Dormi na baixa da égua Perto da teba lascada

Depois eu fui a quizanga O engenho de seu melo Subi para o birimbelo Cheguei na chã da muganga Três cacetes de Zé panga Já fica outro do lado Fui ao cambito quebrado Do rodete do pinheiro Deixei o meu companheiro Na bargada do cavado


Passei na chã da risada Desci na fazenda mole Fui a usina do fole De Bertulina Pelada Segui pela mesma estrada Do alto da geringonça Do tapado de Mendonça Puxei para o virador E mandei um portador Dormir na boca da onça

E atravessei os mares Montando em um planeta Que no som d’uma trombeta Vinha descendo dos ares Visitando aqueles lares Terra de santos e de fadas Naquela mesma jornada Encostei no arrebol Cheguei na terra do sol Na casa da madrugada


Ela me deu um abraço Prestou-me bem atenção Mandou chamar o verão No reino do mestre espaço Depois chegou o mormaço E saiu muito vexado Porque estava ocupado No palácio da manhã Tratando de sua irmã Mulher do vento gelado

Continuei a viagem Com boa capa e de luva Porque a terra é de chuva E mora dona friagem Seu palácio era na margem Do rio major relento Descansei no aposento Da velha sêca, puxada Nessa noite a trovoada Deu uma surra no vento


No reino da branca aurora Encontrei a brisa mansa Que vinha trazer lembrança A princesa deusa da flora A neve naquela hora Em sua alcova dormia Depois o sol lhe surgia Desfazer lhe do regaço Enquanto pelo espaço A neve branca corria Pra saber de Lampião Qual foi a parada sua Subi a terra da lua Escanchado num trovão Encontrei um ancião Velho, barbado e corcundo Que vinha do fim do mundo Me viu e foi me contando Que viu S. Pedro açoitando Um espirito vagabundo


Chegou no céu Lampião A porta estava fechada Ele abriu à calçada Ali bateu com a mão Ninguem lhe deu atenção Ele tornou a bater Ouviu S. Pedro dizer: Demore-se lá que é? Estou tomando café Depois vou o receber

S. Pedro depois da janta Gritou por santa Zulmira: Traz um cigarro caipira... E acendeu no S. Panta Apertou o nó da manta Vestiu a casaca e veio Abriu a porta do meio Falando até agastado: Triste do homem empregado Que só lhe chega aperreio


Abriu na frente o portão Ficou na trave escorado Branco da cor de um finado Quando avistou Lampião Mas, com a trave na mão Não temeu de lhe falar E disse: aqui não se dar Aposento a gente mau Se não quer entrar no pau Acho bom se retirar

Lampião lhe responde: Não venha com seu insulto Você é um santo bruto; Que ofensa lhe fiz eu? Mesmo o céu não é seu Você também é mandado Portanto esteja avisado Se não deixar eu entrar Nós vamos experimentar Que é que tem bom guardado


Você não entra atrevido S. Pedro lhe disse assim, Ingresso a quem é ruim Nesta porta é proibido Não sabes que és bandido Roubador da vida humana? Alma ferida e tirana Coração cruel e perverso? Como queres um ingresso Nesta mansão soberana?

─ É certo que fui bandido Perverso, estrompa e voraz Porem quem foi não é mais É mesmo que não ter sido Mesmo eu sou garantido Por um proverbio que tenho Escrito por um desenho Por pessoas elevadas O qual diz águas passadas Não dão voltas a meu engenho


─ Não quero articulação Você aqui nada tem; ─ É como você também; Lhe respondeu Lampião, É porque do seu patrão Você transmite o mandado? Eu tenho visto empregado Sair do trabalho expulso Sem direção, sem recurso Por qualquer trabalho errado Ali falou São Bernardo Que tambem vinha chegando Pedro você está brincando Com este cabra safado? Vá me chamar São Bicardo E São Francisco da Penha Diga a S. Tomé que venha E chame São Juvenal Traga um pau de quintal E uma lasca de lenha


S. Pedro ergueu-se nos pés E disse de cara feia: Pra dar num cabra de peia Não precisa oito nem dez, E gritou pó São Moisés: Vamos dar no bandoleiro Saltou no meio do terreno Até preparando a faca Gritando quebra uma estaca E arranque 1 pan do chiqueiro S. Paulo estava na quinta Mas ouviu a discussão Apertou o cinturão E botou a faca na cinta Encontrou santa Jacinta Que já vinha no caminho E disse a Santo Agostinho Retorcendo o bigode: Arreda que tú não pode Eu pego o cabra sozinho


Porém antes de pegar Deceu um grande corisco Jogado por S. Francisco Da porta do quinto andar Num tremendo rebombar Um trovão também desceu O espaço escureceu Veio um forte pé de vento Lampião neste momento Dali desapareceu

Poeta tem liberdade Sagrado dom da natura Conforme a literatura Escreve o que tem vontade Também a propriedade Precisa o dono ter Pelo menos vou dizer Se meu espirito não mente Poeta tambem é gente Também precisa viver FIM



Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.