Edição 264

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15 DE OUTUBRO DE 2013 • ANO XXIII • N.º 264 • MENSAL GRATUITO DIRETORA MARIA EDUARDA ELOY • DIRETORA ADJUNTA DIANA CRAVEIRO

Luísa Sobral em discurso direto

acabra

“Começo a afastar-me do jazz”

JORNAL UNIVERSITÁRIO DE COIMBRA

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Direção-Geral reduz dívida de 500 mil euros para metade

DG/AAC conseguiu “reduzir a despesa” e “aumentar a receita”. Ricardo Morgado garante que o contrato que celebrou com a empresa Unicer foi “um grande empurrão financeiro de liquidez”. Pelo caminho, fica ainda por resolver o dinheiro que o InTocha e o OAF devem à AAC, um montante que ultrapassa os 250 mil euros PÁG. 4 DIANA CRAVEIRO

DG quer fiscalização das normas de Ação Social pelo TC PÁG. 5

OCCUPY

FUTSAL

Teatro de intervenção

Pró-secção resiste com orçamento equilibrado sem intervenção direta da Associação Académica

Um quarto na Casa da Esquina é o espaço da ação de Occupy. Tragédia e comédia dão as mãos nesta peça de realismo social.

Apesar de os associados da OAF não terem votado a cedência dos direitos desportivos do Futsal à AAC, a modalidade vai ser constituída como Organismo Autóno-

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mo até ao final do ano. O presidente da pró-secção garante que a AAC não tem, nem vai ter que dispensar verbas para o Futsal. A modalidade sobrevive, agora,

longe da alçada do Organismo Autónomo de Futebol (OAF), com um orçamento controlado e o apoio dos sócios. O Pavilhão Engenheiro Jorge Anjinho per-

manece, para já, associado ao PÁG. 9 Futsal.

@

Mais informações em

acabra.net

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2 | a cabra | 15 de outubro de 2013 | Terça-feira

DESTAQUE Editorial

BEATRIZ DIOGO

A angústia do amadorismo 1. Apesar do jogo do empurrão, que se arrasta desde maio deste ano entre as direções do Organismo Autónomo de Futebol (OAF) e da Associação Académica de Coimbra (AAC), o Futsal vai sobrevivendo. O apoio dos sócios é um dos fatores mais apontados para a continuidade da modalidade, que se viu excluída do OAF, depois da direção do organismo ceder os direitos desportivos à AAC. Independentemente de os direitos terem sido pedidos pela DG ou oferecidos à força pela direção do OAF, o que choca é a facilidade com que interesses económicos se sobrepõem à manutenção de um projeto que dá grande visibilidade à cidade, dentro de modalidades desportivas amadoras. Lamentável é que, em vez de pensar em alternativas para travar o despesismo e assegurar em simultâneo a continuidade do Futsal, os responsáveis do OAF tenham optado pela alternativa mais fácil para economizar e tenham deitado fora o bebé, junto com a água do banho. 2. Lidar com uma dívida de meio milhão de euros e, ainda assim, tentar manter o funcionamento normal de uma instituição não é fácil. Compreendem-se as críticas que são dirigidas à DG/AAC quanto ao contrato que foi celebrado com a Unicer, já que o processo podia ter decorrido com mais transparência e com uma maior comunicação entre secções, núcleos e DG. No entanto, a situação em que a AAC se encontra é grave e sufocante. Os valores em dívida são demasiado altos para que uma estrutura consiga funcionar. Ainda assim, numa altura em que o ensino superior sofre cada vez mais ataques, o trabalho reivindicativo de uma académica não pode ser deixado de parte.

A situação em que a AAC se encontra é grave e sufocante.

A nível local, a DG/AAC pode procurar apoio junto dos movimentos estudantis para que não deixe de haver atividades apenas porque não há orçamento. 3. Numa nota final, sem festas, de forma despercebida, a Secção de Jornalismo assinalou no dia 3 de outubro, 30 anos. Foi quase por acidente que descobrimos a efeméride redonda. Não há documentos oficiais, apenas os fundadores se recordam de como e quando começou. Para que não se esqueça novamente, aqui fica a nota e a auto-crítica de vivermos tão absorvidos com a produção de conteúdos da secção, que nos esquecemos que não somos os primeiros a ocupar este espaço. O nosso muito obrigado aos fundadores da SJ/AAC. A direção

Ficha Técnica Jornal Universitário de Coimbra - A CABRA Depósito Legal nº183245/02 Registo ICS nº116759 Propriedade Associação Académica de Coimbra Diretora Maria Eduarda Eloy Diretora-Adjunta Diana Craveiro Equipa Redatorial Andreia Isabel Gonçalves, Carla Sofia Maia, Daniela Gonçalves, Daniela Proença, Ian Ezerin, João Martins, Joel Saraiva, Luís Grilo, Pedro Martins Ilustração Wanda Dias Publicidade Diana Craveiro - 239828096 Impressão FIG - Indústrias Gráficas, S.A.; Telf. 239499922, Fax: 239499981, e-mail: fig@fig.pt Tiragem 4000 exemplares

Paginação António Madureira, Catarina Carvalho, Ian Ezerin, Rafaela Carvalho, Tomás Capa Colaborou nesta edição Cátia Cavaleiro, Eduardo Carvalho, Mariana Ribeiro, Miguel Malato, Teresa Borges Colaboradores permanentes João Gaspar, José Neves, Pedro Martins, Pedro Treno, Rita Leonor Barqueiro, Rui Craveirinha, Samuel Ferreira Fotografia Andreia Isabel Gonçalves, Beatriz Diogo, Catarina Carvalho, Daniel Eloy, Diana Craveiro, Joel Saraiva, Maria Eduarda Eloy, Rafaela Carvalho Produção Secção de Jornalismo da Associação Académica de Coimbra Agradecimentos Reitoria da Universidade de Coimbra

“A UC fez este regulamento com os estudantes que conseguiram construir propostas para o tornar melhor” Ricardo Morgado


15 de outubro de 2013 | Terça-feira | a

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DESTAQUE

Novo Regulamento Pedagógico reúne consenso entre estudantes Melhorias e regimes de avaliação foram as principais alterações do novo regulamento da UC, aprovado em agosto. O documento, que recebeu propostas de estudantes, foi criado numa tentativa de uniformizar as faculdades. A FEUC abriu exceções que DG e núcleos de estudantes estão a contestar. Por Maria Eduarda Eloy, Carla Sofia Maia e João Martins

O

s estudantes da Universidade de Coimbra (UC) têm um novo Regulamento Pedagógico (RP), publicado a 23 de agosto no Diário da República. O documento revoga o regulamento que já estava em vigor desde 2008 e apresenta mudanças sobretudo ao nível das melhorias de classificação e regimes de avaliação. O presidente da Direção Geral da Associação Académica de Coimbra (DG/AAC), Ricardo Morgado, explica que “a UC fez este regulamento com os estudantes, entre núcleos e DG, e conseguiram construir propostas para o tornar melhor”. Para além da participação destes elementos, a vice-reitora da UC, Madalena Alarcão, ressalva que houve um período de discussão pública, aberto a todos os estudantes, através de comentários e mensagens de correio eletrónico em que as propostas foram “mais pontuais e pessoalizadas” mas também objeto de análise e ponderação. Do mesmo modo, o representante dos estudantes no Conselho Geral (CG), Luís Bento Rodrigues, considera que “todas as opiniões foram levadas à letra”, pelo que o documento “acrescenta alguns direitos aos estudantes”. De uma forma geral, o novo regulamento tem sido bem aceite por todos os visados. O provedor do estudante, Rogério Leal, confirma as reações positivas dos alunos e considera-o “muito melhor do que o anterior”. “Para além da disponibilização na página da UC”, Madalena Alarcão adianta que foi “feita uma notificação aos estudantes sobre o assunto e divulgada, pelo Ucorreio, uma informação sobre as principais alterações”. Um dos objetivos da elaboração do novo RPUC, segundo a vice-

-reitora, foi “criar alguma transversalidade a todos os estudantes da UC”. Apesar disso, a direção da Faculdade de Economia da UC (FEUC) aprovou um modelo que limita as melhorias e as reinscrições a 12 ECTS cada, enquanto que as outras faculdades dispõem de 24 ECTS para uma das modalidades. A DG e os núcleos de estudantes da FEUC estão a contestar essa medida, sem sucesso até ao momento. Ricardo Morgado defende que se “o estudante paga a mesma propina, tem o direito de gastar o mesmo tempo a estudar”. A par disto, Luís Bento Rodrigues conclui que “a FEUC, como qualquer outra faculdade, terá que rever os seus regulamentos pedagógicos, porque, uma vez que o documento entre em vigor, tem eficácia para todas estas unidades orgânicas”.

Melhorias com maiores alterações

A vice-reitora da UC garante que a revisão dos regulamentos não teve motivações económicas, mas “pedagógicas”. Segundo Madalena Alarcão, a necessidade de “acompanhar as transformações e os ensinamentos que vão ocorrendo” foi uma das razões que determinou a criação deste regulamento, que não se diferencia em função dos ciclos. Em relação às modificações verificadas, a vice-reitora afirma que uma das principais novidades é a possibilidade de realizar uma melhoria de classificação “em qualquer unidade curricular, independentemente do ano em que foi feita e da possibilidade de a mesma já ter sido objeto de melhoria anterior”. De acordo com o artigo 17º do RPUC, é ainda possível fazer melhoria de classificação de todas as componentes de avaliação, e não

apenas dos exames escritos ou frequências, bem como de unidades curriculares creditadas e dissertações, estágios ou trabalhos de projeto. No entanto, e ao contrário do que acontecia anteriormente, para melhorar a classificação numa unidade curricular o estudante tem agora de se inscrever de novo nessa unidade no ano letivo em que pretende realizar a melhoria. Rogério Leal considera que o novo procedimento “é mais lógico, do ponto de vista de análise do trabalho que o estudante deve desenvolver”, mas admite poder ser “limitativo em algumas situações”, uma vez que esta inscrição tem de respeitar os limites de crédito disponíveis. Neste sentido, admite ser preferível que as reinscrições tenham um menor peso “para os ECTS totais em que a pessoa se pode inscrever”.

“A FEUC terá que rever os seus regulamentos pedagógicos, porque, uma vez que o documento entre em vigor, tem eficácia para todas estas unidades orgânicas”. Luís Bento Rodrigues

O RPUC passou a vigorar após a sua publicação, mas existem disposições transitórias que “permitem que neste ano letivo e no próximo, o regime das seis melhorias após conclusão de curso se mantenha em vigor”, conforme explica Luís Bento Rodrigues.

Regimes de avaliação mais claros

“A definição muito mais clara do que são os regimes” é também, na opinião do provedor do estudante, um dos pontos que melhoraram com este regulamento. A partir de agora, segundo Rogério Leal, “é bem claro que todas as cadeiras têm de ter uma avaliação, pelo menos em recurso, por exame, exceto em casos devidamente justificados e que o Conselho Pedagógico reconheça como válidos”. “Mas, antigamente, essa definição não era tão clara”, salienta. Quando questionado sobre o cumprimento ou não do regulamento por parte dos professores, Rogério Leal garante que “não têm outro remédio”, visto que o documento “é da universidade” e, por isso, “é para ser seguido”. Por seu lado, Luís Bento Rodrigues diz que “é preciso esperar um tempo para verificar a aplicabilidade, ou não, destas normas pelos professores”. Apesar disso, ambos concordam que essa verificação vai ter de ser feita pelos próprios estudantes. O representante dos estudantes no CG acrescenta ainda que “a maior parte do trabalho vai ter que ser feita agora, na consciencialização dos professores para as normas do RPUC, para os direitos dos estudantes, para os prazos e para as avaliações.” Até ao fecho da edição, o jornal A Cabra não conseguiu obter resposta do diretor da FEUC, José Reis.

O QUE PENSAM OS ESTUDANTES DO REGULAMENTO PEDAGÓGICO?

Penso que traz benefícios para os estudantes relativamente ao regulamento anterior. Não é necessário gastar dinheiro para fazer melhorias, gastando-se antes créditos”. Carolina Alves Engenharia Biomédica

Parece-me injusto que tenha menos créditos que noutras faculdades”. André Gomes Gestão

Tenho créditos a mais porque fiz as cadeiras todas do primeiro ano portanto, eu poderia utilizar esses créditos para fazer melhorias se estivesse interessada, é uma maneira de os ocupar”. Inês Videira Português

Acho que devem encontrar uma melhor forma, porque ocupar créditos com essas cadeiras, acho que já são demasiado poucos créditos que temos disponíveis para melhorias, mas não acho uma boa solução”.. Carina Soares Ciências da Educação

É bom fazer melhorias mas é um bocado roubar a oportunidade de fazer outras cadeiras. Depende da situação de cada aluno. No meu caso era capaz de me beneficiar um bocado, porque tenho algumas cadeiras com 10 que se calhar até gostava de melhorar” Pedro Miguel Línguas Modernas

“Acho que pode prejudicar porque como ocupa créditos, implica mais carga horaria”. Marta Magalhães Medicina


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ENSINO SUPERIOR

Dívida da AAC reduzida para metade A Direção-Geral da AAC já conseguiu reduzir a sua dívida de cerca de 500 mil euros para metade. Os limites na despesa e a celebração de um contrato com uma cervejeira, a Unicer, estão na origem da redução da dívida. Ricardo Morgado garante estar satisfeito com os resultados atingidos. Por Diana Craveiro

N

CATARINA CARVALHO

o último ano, as contas da Associação Académica de Coimbra (AAC) têm sido alvo de muitas críticas. O cenário traçado pelo presidente da Direção-Geral (DG) da AAC, Ricardo Morgado, quanto ao atual estado financeiro, não é positivo. “Estamos mal. Em primeiro lugar por dívidas que existiam [antes de tomar posse] e porque nestes últimos três anos houve uma quebra de receita”, avança. No total, a DG enfrentava, no início do mandato, uma dívida na ordem dos 500 mil euros, que conseguiu, desde o início deste ano, reduzir para metade, cerca de 250 mil. Segundo o presidente, o valor da receita foi muito afetado pela diminuição do lucro da Queima das Fitas (QF), que é depois distribuído pela DG, pelas secções culturais, desportivas, e pelos núcleos. Morgado explica que, em 2012, a QF teve apenas um lucro “à volta de 500 mil euros” quando, “há poucos anos, era à volta de um milhão”. Ao mesmo tempo que a receita foi diminuindo em dois anos consecutivos, a empresa que detinha a concessão do bar nos jardins da AAC, InTocha, “deixou uma dívida gigante” de mais de 200 mil euros. Além dos processos em que a AAC é credora, a DG foi adiando pagamentos a fornecedores de “segurança, limpeza, entre outros”. Para agravar ainda mais a situação, a Festa das Latas e Imposição de Insígnias 2012 apresentou também prejuízo, algo que a DG “não estava à espera”.

Dívida externa e dívida interna

Para contabilizar as dívidas, a DG distingue os valores que estão diretamente ligados à DG, dos que estão relacionados com as secções. Ou seja, além da “dívida externa”, esclarece o presidente, existe também uma “dívida interna”, cujo valor “anda à volta de 150 mil euros” e onde a maior fatia cabe “ao Conselho Desportivo”. Ao mesmo tempo, várias secções da AAC enfrentam dificuldades financeiras. Para perceber qual o estado de cada secção, a DG avançou, este verão, com uma auditoria. O processo foi despoletado por duas penhoras que ocorreram em junho à Secção de Desportos Náuticos e à QF, devido a dívidas que pertenciam à Secção de Karaté e à Secção de Basquetebol. Morgado lembra que “a dívida das secções, tal como a da DG, é uma dívida da AAC” pelo que é muito importante “perceber a situação real que existe”. Para ajudar no processo, o presidente avança que está a tentar ter “consultoria financeira profissional” porque são “26 secções desportivas, 16 culturais, 26 núcleos, três conselhos e ainda

A quebra acentuada dos lucros da Queima das Fitas 2013 e as dívidas a fornecedores foram problemas com os quais a DG/AAC teve que lidar a QF, sob o mesmo número de contribuinte”.

Como resolver o problema?

No início do mandato, em janeiro, a DG/AAC percebeu que havia a necessidade de “reestruturar a casa”, o que, segundo Morgado, é “um misto entre reduzir despesa e potenciar receita”. A primeira ocorreu sobretudo “ao nível de serviços, desde a segurança à limpeza, e às avenças com advogados”. Ao mesmo tempo, a DG optou por “fazer um sacrifício na maior parte das atividades que teve”, fazendo coisas que eram “autossustentáveis” ou não realizando, de todo, atividades que se revelassem dispendiosas. A par com a contenção nos gastos, a DG conseguiu aumentar, nos primeiros meses deste ano, a receita. O principal trunfo passou pela celebração de um contrato com a empresa Unicer que, segundo o dirigente associativo, “deu um empurrão de liquidez bastante grande”. Apesar de não adiantar

pormenores sobre valores, devido a cláusulas de confidencialidade do acordo, Morgado garante que se trata de um montante “muito elevado”. O contrato obriga a que todas as secções, desportivas e culturais, e todos os núcleos trabalhem com esta empresa, que é uma das principais fornecedoras de marcas de cerveja a nível nacional. Para o presidente da DG, este é um contrato que traz vantagens para todas as partes, porque “se todos o potenciarmos ” e “se trabalharmos em conjunto, seja num convívio de estudantes, na queima ou na latada, quanto mais conseguirmos potenciar o consumo de cerveja, mais nós vamos ganhar”; logo, “mais dinheiro dá para distribuir por todos para as nossas atividades”.

Falta de consenso

Apesar de Ricardo Morgado garantir que o contrato traz vantagens para todas as partes, essa visão não é partilhada por todos. Segundo o secretário-geral do Conselho Cultural (CC), Paulo Abrantes, o

acordo apenas “beneficia a DG e as Secções Desportivas” porque, neste caso, o “CC não é abrangido pelos apoios dados à AAC”, “não vê nenhum dinheiro”. Quanto ao processo de elaboração do contrato com a Unicer, Paulo Abrantes é crítico porque considera que o CC não fez parte da discussão e que “devia ter havido um concurso público”. “O CC e o Conselho Desportivo têm que estar na discussão e fomos completamente arredados”, conta. A única informação que chegou ao CC, explica, foi quando a DG “teve o cuidado de informar”, através do seu administrador, que “se quiséssemos fazer convívios tinha que ser com a Unicer”. Da mesma opinião, a presidente do Núcleo de Estudantes de Medicina, Daniela Borges, que levou o contrato a discussão no Conselho Inter-Núcleos (CIN), diz não ter ficado “satisfeita” com a forma com que o contrato foi feito. Apesar de ter sido debatido em CIN, a estudante defende que “nunca ficou claro para os núcleos que iriam ser

condicionados por esse contrato” . Ricardo Morgado rejeita as críticas e garante que “houve um concurso”, já que reuniu “as duas principais cervejeiras do país, a Central de Cervejas e a Unicer”, e fez um “convite com as mesmas condições”, tendo a DG decidido “pela melhor proposta”. Quanto à falta de comunicação, Morgado lembra que “a DG é o órgão responsável por tomar este tipo de decisões”, e que apenas tem que “consultar os conselhos”. O dirigente garante que houve muitas “sugestões” dos conselhos que aplicou “no contrato ou que serviram de argumentação para a sua escritura”, acrescentando ainda que este foi um tema que esteve em “discussão em Assembleia Magna”. Apesar da situação em que a AAC se encontra, o presidente faz um balanço muito positivo do seu mandato até agora: “se continuarmos por este caminho, conseguimos travar a dívida, e a AAC pode ganhar muito em qualidade no trabalho que faz”.


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ENSINO SUPERIOR

DG quer que Constitucional fiscalize normas de Ação Social

RAFAELA CARVALHO

O presidente da DG/AAC acredita chegar ao Tribunal Constitucional e ajudar os estudantes mais necessitados nos últimos meses do mandato

Diana Craveiro

Luís Grilo Daniela Proença Todos os anos, cerca de um milhar de estudantes fica sem bolsa de estudo, porque alguém no seu agregado familiar tem dívidas à Segurança Social e às Finanças. O número é dado pelo presidente da Direção Geral da Associação Académica de Coimbra (DG/ AAC), Ricardo Morgado, que defende que “o estudante não tem que ser prejudicado” mesmo que alguém na sua família deva “nem que seja um cêntimo” a estas instituições. O dirigente associativo justifica que, uma vez que “a dívida tem titular, não pode ser transmissível”e, acrescenta ainda que a situação é injusta porque “a bolsa é um contrato do estado com os estudantes”, e não com os seus familiares. Ricardo Morgado duvida que a penalização dos estudantes nesta situação esteja de acordo com a lei. Nesse sentido, planeia, em conjunto, com outras Académicas, avançar com pedido de fiscalização ao Tribunal Constitucional. A proposta partiu da AAC, segundo Ricardo Morgado, e foi apresentada no Encontro Nacional de Dirigentes Associativos (ENDA), realizado em setembro, no Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP). O presidente da DG espera ter

A DG/AAC procura apoio de grupos parlamentares e Provedor de Justiça para chegar ao TC matéria jurídica consolidada até ao fim do mês de outubro para reunir com os grupos parlamentares, com o objetivo de conseguir a subscrição de 23 deputados necessários para a entrega da proposta ao Tribunal Constitucional (TC). Além do apelo na Assembleia da República, as académicas vão também solicitar a intervenção do Provedor de Justiça, José de Faria Costa.

Medidas locais

A nível local, a DG/AAC pondera “avançar por medidas judiciais mais imediatas, nomeadamente a providência cautelar”, segundo Ricardo Morgado. O dirigente associativo adianta que “caso todos os parceiros da AAC indiquem que há a possibilidade para tentar, pelo

menos a nível local, travar esse processo”, vão avançar com a medida, para que “que nenhum estudante em Coimbra fique excluído de bolsa por esse tipo de dívida”. Alguns elementos do corpo docente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC) estão a colaborar com a DG no sentido de construir a matéria jurídica, como revela Morgado. O presidente da DG revela ainda que há situações em que estudantes carenciados contactam a AAC a fim de conseguir algum tipo de apoio. Salienta que “é importante que nessas situações os estudantes não tenham vergonha de falar, seja anonimamente ou frontalmente” porque, acredita, que podem ter ajuda para “resolver a situação” através da mediação entre a AAC

e os Serviços de Ação Social da UC. O facto de as condições de acesso ao ensino superior terem piorado, na perspetiva de Ricardo Morgado, indica o desinvestimento nas futuras gerações. “Continua-se a olhar para o ensino superior e para os estudantes como algo que não é visto como uma prioridade por parte do estado”, constata o presidente da DG. “Há cada vez mais estudantes que não põem a possibilidade de ir para o ensino superior”, revela. Ricardo Morgado acrescenta que esta situação “é muito grave” porque “podemos correr o risco de ter uma geração que vai ser menos preparada do que a anterior e isso nunca aconteceu na democracia portuguesa”. com Maria Eduarda Eloy e Ian Ezerin

Propinas perdem relevo na contestação da AAC Entre julho e setembro, a luta contra as propinas acalmou a nível local e a concertação entre académicas assumiu a linha da frente nas prioridades da DG Maria Eduarda Eloy Ian Ezerin Ao efetuar o balanço de um verão de atividade associativa, o presidente da Direção-Geral (DG) da AAC, Ricardo Morgado, questiona se vale a pena continuar a lutar por mais fundos para a Universidade de Coimbra (UC), uma vez

AAC já tem três listas candidatas

que “os estudantes voltaram a sair prejudicados num momento em que a UC tinha que lhes dar uma resposta”, sublinhando que “não era a eles que tinha de se ir buscar mais financiamento”. Ao longo do verão sucederam-se Encontros Nacionais de Académicas (ENAs) e Encontros Nacionais de Dirigentes Associativos (ENDAs) nos quais a Associação Académica de Coimbra (AAC) teve participação ativa. As resoluções de luta académica por uma ação social de qualidade renovam-se, enquanto que em Coimbra a universidade aumenta a propina, contra a vontade dos dirigentes associativos locais. A partir deste ano letivo, os estudantes da UC passam a pagar 1.065,72 euros de propina. O valor

foi aumentado em 30 euros, por recomendação do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP). Daí a um protesto consertado a nível nacional, foi um pequeno passo. Do ENDA de setembro, saiu a decisão de protestar semanalmente, nas chamadas “5as Feiras Negras do Ensino Superior”. A contestação consiste em intervenções semanais, à quinta-feira. Passa por publicidade em jornais, reuniões e apresentação de um caderno reivindicativo a entidades governamentais e a setores associados ao Ensino Superior (ES), como a Presidência da República ou o CRUP. Ricardo Morgado explica que o objetivo é obter, neste início de ano letivo, “algumas respostas a nível da ação social e do

financiamento do ES”. Justifica ainda a falta de um protesto local contra o aumento da propina, que avançou como possibilidade ao jornal A Cabra em julho, pelo empenho nas atividades reivindicativas concertadas entre todas as académicas. “Há muito tempo que não havia um protesto de âmbito nacional, e isso não fecha a que depois haja novos protestos ou que continuem”, declara. Ao terminar o balanço, garante que “as associações académicas continuam em contacto direto através do ENA” e que, “no fim deste processo, será feita uma nova reunião do movimento associativo, para decidir as futuras ações a desenvolver”. com Luís Grilo e Daniela Proença

A Associação Académica de Coimbra (AAC) já conhece três projetos candidatos aos seus órgãos gerentes. Apesar de ainda não estarem marcadas, as eleições para a Direção-Geral (DG), que devem decorrer no final do mês de novembro, já mobilizam os estudantes. Um dos candidatos já esteve aos comandos da direção-geral como vice-presidente em 2012, entre outros cargos. Samuel Vilela, doutorando na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC), acredita que a experiência que tem o pode ajudar “porque a estrutura [da AAC] é bastante complexa”. O estudante de 25 anos, ex-presidente do núcleo de Relações Internacionais, avança com a lista “Mais Academia”, considerando que a “continuação da reestruturação do funcionamento administrativo da AAC” é uma das prioridades para o projeto. Ao mesmo tempo, é necessária uma maior aproximação à academia, um processo que deve funcionar de uma maneira diferente do que tem acontecido. Samuel Vilela considera que a aposta deve passar “pelas saídas profissionais, pela pedagogia e pela ação social”. Da Faculdade de Direito da UC surge Bruno Matias, ex-presidente do núcleo, com o projeto “Tu tens lugar”. O estudante de 22 anos, atual membro do Senado da UC, explica que a candidatura surge para “dinamizar a AAC”, já que é necessária “uma postura mais forte a nível político” e uma “aproximação efetiva aos estudantes”. O projeto, que teve apresentação oficial ontem, 14, tenta fazer um equilíbrio entre “estudantes mais jovens, com sangue novo” e estudantes “que já passaram por vários órgãos da universidade, das faculdades e da AAC”. Ainda sem candidato mas já com projeto definido, a plataforma ‘Universidade contra a Austeridade’ vai também avançar com uma candidatura aos corpos gerentes da AAC. Segundo Igor Constantino, um dos elementos do movimento, a lista vai apostar na “luta pelo ensino superior público”. Igor Constantino avança ainda que a plataforma vai convidar, oficialmente, o movimento “A Alternativa és tu”, para que haja “uma lista unitária à esquerda”, já que é “trágico haver sempre duas listas com o mesmo programa mas com cores partidárias diferentes”. O atual presidente da DG/AAC, Ricardo Morgado, diz que “ainda não tomou uma decisão” quanto a uma nova candidatura.


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CULTURA

Latada resiste a corte orçamental Parceria com a Queima das Fitas, menor despesa total e bilhetes gerais a baixo custo garantem sustentabilidade do evento

O cartaz resulta, assim, de uma forte aposta na “imensa qualidade dos artistas nacionais”, que o tesoureiro espera que seja bem sucedida. Uma das medidas adotadas foi, ainda, a descida do preço do bilhete geral. Apesar do aumento do custo das entradas registado com a aproximação da data de início das Noites do Parque, “ainda assim o

preço é mais baixo do que nos anos anteriores”, garante Luís Lobo.

Latada mais solidária

O grande objetivo da organização, realçou o tesoureiro, é dar a possibilidade de todos os estudantes poderem participar nesta festa académica. “Nós somos uma associação de estudantes, representamos os estudantes e com esta crise enorme

são cada vez mais os que abandonam o ensino superior”, afirma. Neste sentido, é apoiado o Fundo Solidário do Estudante. “À semelhança do que foi feito na Queima das Fitas do ano passado, foi estipulado um donativo em troca de convites, um euro para os pontuais e três euros para os gerais”, explica Luís Lobo. O valor doado pode ser maior, caso os portadores dos CATARINA CARVALHO

Cátia Cavaleiro Mariana Ribeiro De 17 a 23 de outubro de 2013, no Parque da Canção, decorre mais uma edição da Festa das Latas. Sete noites, um cartaz assente na qualidade nacional e bilhetes gerais a preço de saldo caracterizam a primeira festa académica deste ano letivo. Com uma redução na ordem dos 40 por cento, o orçamento para a realização da Festa das Latas implicou um corte na despesa total do evento. O resultado negativo de 11 mil euros no ano passado e a constatação de uma quebra na venda de bilhetes gerais, devido às capacidades financeiras dos estudantes, foram um alerta para a adoção de medidas que garantam a qualidade e sustentabilidade da Latada. Segundo o tesoureiro da Direção Geral da Associação Académica de Coimbra (DG/AAC), Luís Lobo, a solução passou por uma “parceria com a Queima das Fitas”, a nível de infraestruturas e com uma “redução de cerca de 40 por cento no valor gasto com as bandas”. CULTURA AAC

CEC - CENTRO DE ESTUDOS CINEMATOGRÁFICOS

até

31 de outubro

Inscrições em Curso de Cinemalogia Caminhos do Cinema Português

Centro de Estudos Cinematográficos Entre 555€ e 795€

7 de novembro Ciclo “20 Anos de Cinema Português” - A Comédia de Deus

A Festa das Latas tem, em 2013, um cartaz mais económico, para compensar orçamento menor

SECÇÃO ESCRITA E LEITURA

SECÇÃO DE FOTOGRAFIA

segundas e quartas

24 de outubro

Ensaios Orquestra Típica e Rancho

Clube do Livro

26 outubro a 10 novembro

SECÇÃO DE FADO

Sala Tó Nogueira 19h - 20h30 • Entrada Livre

SECÇÃO FILATÉLICA

24 e 26 de outubro

SOS ESTUDANTE

18 de outubro

Todo o Dia • Entrada Livre

Recrutamento de Voluntários estudante.sos@gmail.com

14 de novembro

até

27 de outubro

Cursos de Informação, Locução e Técnica

Inscrições na secretaria da RUC 10h às 12h das 14h às 17h

14 de novembro Workshop Fotografia Dikas e trukes com Pedro Frias

Ateneu de Coimbra

Sala de Formação - Campo Stª Cruz

16h - 19h

15h - 18h30

Entre 50€ e 100€

5 a 13 novembro

20€ a 40€ CÍCLO DE ARTES PLÁSTICAS DE COIMBRA

Curso Fotografia Digital

até

RÁDIO UNIVERSIDADE DE COIMBRA

22h • Entrada Livre

21h30

Secção Filatélica

22h • Entrada Livre

Mini-Auditório Salgado Zenha

SESLA

Trocas de Selos

Mini-Auditório Salgado Zenha

Ciclo “20 Anos de Cinema Português” - A Bruxa de Arrois/Balas e Bolinhos

“A Insustentável Leveza do Ser” de Milan Kundera”

Curso Fotografia Preto e Branco

convites o entendam, aquando do levantamento das entradas. O presidente da DG/AAC, Ricardo Morgado, destaca a importância de se criar “formas e mecanismos para ajudar os estudantes com mais dificuldades.” Gerido pelo Instituto Justiça e Paz, o Fundo Solidário do Estudante é um desses exemplos, que, todos os anos, apoia dezenas de estudantes em dificuldades da Universidade de Coimbra. É “uma forma simples de angariar dinheiro que ajuda muita gente”, assevera o dirigente associativo. Ricardo Morgado desafia, ainda, a promoção de outras atividades do género, lançando o mote às diversas secções da AAC. Apesar dos cortes orçamentais e com os gastos na contratação de bandas, as expectativas da organização, em torno de mais uma edição da Latada, são fortes. Uma novidade é a disponibilização de um posto médico avançado durante o cortejo, numa parceria entre a Cruz Vermelha e a Proteção Civil de Coimbra, bem como uma ação de sensibilização promovida pelo projeto des.Liga da Liga Portuguesa Contra o Cancro, nos dias 18 e 19 de outubro. Com origem no século XIX, a primeira festa académica dos novos estudantes tem início com a Serenata e o seu ponto alto é o cortejo, no dia 22. O bilhete geral das Noites do Parque pode ser adquirido a 30 euros, na AAC ou nas diversas bilheteiras distribuídas pelas faculdades.

CORO MISTO UNIVERSIDADE DE COIMBRA

15 de outubro Convívio do Coro Misto da Universidade de Coimbra

até

Sala de Formação - Campo Stª Cruz

“A Vanguarda está em ti | 55 anos do círculo de artes plásticas de coimbra

| fragmentos de uma

17h30 - 20h30

colecção”

Entre 65€ e 100€

Centro Cultural de Ílhavo Todo o dia - Entrada livre

7 de novembro Workshop Fotografia By Night com Raul Botelho

Bar e Jardim da AAC

das

Bar RS

27 de outubro

Secção fotografia

21h30 - 04h00 20€ a 40€


15 de outubro de 2013 | Terça-feira | a

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CULTURA

A utopia do Bando à Parte DANIEL ELOY

Multiculturalidade foi o fio condutor do segundo ciclo do projeto pedagógico d’O Teatrão. Nove jovens de cinco países deram corpo ao Bando à Parte durante o últimos anos Teresa Borges Efim, de 19 anos, natural da Rússia, é o que mora mais longe d’O Teatrão. Cerca de nove quilómetros separam a Adémia do Bando à Parte, mas isso não é um problema. Afinal de contas, afirma, “o que conta é a vontade de ir”. Alguns moram mais perto, outros mais afastados, mas ao fim do dia fica sempre a vontade de voltar. Gostam do grupo, gostam das aulas, gostam de teatro. Ao contrário de todas as atividades extracurriculares que Carolina, também de 19 anos, experimentou, o teatro é o único onde se conseguiu manter e não desistiu ao fim de poucos meses. Os pais compreendem a sua decisão e não se opõem. Pelo contrário, incentivam a ida ao teatro. A cumplicidade é clara entre os nove jovens que formam o segundo ciclo do projeto Bando à Parte. Brasil, Angola, Ucrânia, Rússia e Portugal: são vivências diferentes que se misturam, e que formam este grupo multicultural. Um grupo onde o esforço e o trabalho estão presentes, mas ao qual se encontra sempre inerente o prazer de pensar. “O impacto que a atividade artística tem é algo que não se vê a curto prazo, mas que é imprescindível para qualquer pessoa”, explica a coordenadora do projeto pedagógico d’O Teatrão, Cláudia Pato. Criada em 2010, a iniciativa “Bando à Parte: Culturas Juvenis,

Nove jovens de cinco nacionalidades constituíram o segundo grupo do Bando à Parte, cuja atividade terminou este mês Arte e Inserção Social” foi concebida para “ligar a atividade artística com a questão da cidadania”, uma ideia defendida pela companhia. A formação artística foi dada a jovens entre os 14 e os 20 anos, oriundos de bairros sociais, municipais e da periferia de Coimbra. Depois de uma primeira equipa, entre 2010 e 2011, o segundo grupo teve início em janeiro de 2012 e terminou com uma apresentação final no início de outubro. Ao longo dos últimos dois anos, os participantes tiveram uma formação específica nas áreas do teatro, música e dança. Para além da componente de formação, puderam assistir a espetáculos e visitar espaços culturais, exposições e zonas históricas.

Uma nova perspetiva da arte

A formação artística levou os elementos do projeto a olhar para o teatro de uma forma diferente. “Hoje em dia o teatro está muito desvalorizado: há pouca gente capaz de comprar um bilhete”, refere Daniela Duarte, de 19 anos. “ Eu própria também não o fazia, mas esta experiência alterou a minha visão”, revela. O facto de trabalharem com idades mais jovens é um aspeto que, para a diretora artística da Oficina Municipal do Teatro (OMT), Isabel Craveiro, é estimulante para os formadores. “A arte é utopia, há sempre a ideia de que o mundo pode ser diferente e que podemos mudar algo, mas vivemos

Um protesto em forma de arte Fechada num dos quartos da Casa da Esquina, a peça Occupy pretende incitar o público à ação e ao corte com a passividade social Maria Eduarda Eloy “A cultura é o lugar em que o poder encontra sempre os seus cúmplices”. A frase ouvimo-la em Occupy, o mais recente projeto da Casa da Esquina. Longe de se acomodar ao contexto social do presente, a peça pretende levar os espetadores para fora das suas

zonas de conforto e lutar pela afirmação dos seus direitos, enquanto cidadãos. As máscaras dos três atores - a balaclava, o capuz, a cara de Guy Fawkes – são elementos fortes de Occupy, que recordam ao espetador a ligação à atualidade mediática e o transporta para um cenário de contestação à crise financeira atual. “Uma das questões é esta: quando tu vais ver um espetáculo e dizes ‘muito bem, vamos mudar o Mundo mas chegas a casa e sentas-te, tomas o teu chá e vais ver televisão - esta coisa às vezes irrita-me”, desabafa, em tom humorístico e, ao mesmo tempo, amargo, o encenador e ator de Occupy, Ricardo Correia. O projeto partiu do festival britânico “The-

atre Uncut”, para o qual foram criados os textos que são interpretados na peça. Com ritmos e tons distintos, vários escritores de múltiplas nacionalidades retrataram a crise económica internacional. O resultado final reflete-se nos cinco textos selecionados para integrar Occupy. “São várias peças sobre a crise, mas não são peças cinzentas, são peças com muitas cores e com muitos olhares diferentes de países tão distantes mas que provocam identificação no espetador”, resume Ricardo Correia. Há sátira crua ao capitalismo, drama e terrorismo subvertido, entre metáforas que abundam e que são potenciadas pelo próprio espaço de cena: um pequeno quarto na Casa

num país onde as pessoas estão desiludidas e acham que tal é impossível”, sublinha. “Eles vão ter as suas vidas e é importante que cresçam com a ideia de que esta utopia é necessária“, acrescenta. Com a formação sentiram-se capazes de fazer coisas com as quais não sonhavam. Catarina Pratas, de 17 anos, refere que mudou psicologicamente e, ao longo do projeto, começou a “ganhar confiança”, a conhecer coisas sobre si própria “que não sabia que existiam”. O exercício final, HomeSweetHome, foi apresentado no início do mês na OMT. Segundo Cláudia Pato, esta é uma iniciativa que “não pretende formar atores, mas dar-lhes a oportunidade de contar

DIANA CRAVEIRO

com referências artísticas às quais não teriam acesso de outra maneira”, ressalva. Os jovens participantes mostram vontade de continuar no projeto, e alguns decidiram mesmo estudar teatro, algo que para a diretora artística é muito importante, pois prova que “se sentem motivados para investir o seu tempo e tentar perceber o mundo de outra maneira”. A direção d’O Teatrão vai fazer um balanço destes últimos anos para perceber o que ainda pode ser melhorado. Para Isabel Craveiro, a avaliação já é positiva: “é muito bom quando eles dizem que querem fazer algo mais sério, significa que querem evoluir, correr outros riscos e ter outros desafios”.

da Esquina. A atriz Adiana Silva comenta que as pessoas se sentem “mais intimidadas” e há um “contacto mais próximo com o público porque não se está num espaço convencional”. Há, mesmo, nalguns momentos mais intensos da peça, uma sensação de claustrofobia e de confronto. São sensações negativas, que o ator Miguel Lança espera que incitem o público à atividade. “Estamos a viver um momento em que é preciso levar alguns murros no estômago”, afirma. Até 9 de novembro, Occupy é interpretada todos os dias, pelas 21h30, na Casa da Esquina. Os bilhetes variam entre os cinco e os sete euros. com Diana Craveiro


8 | a cabra | 15 de outubro de 2013 | Terça-feira

DESPORTO Basebol da AAC: à procura de um home run MARIA EDUARDA ELOY

Passados 25 anos da criação da modalidade em Coimbra, a Secção de Basebol volta à atividade e relança o Torneio da Latada Maria Eduarda Eloy Miguel Malato

Assinalam-se este mês, 25 anos de Basebol em Coimbra DESPORTO AAC

ACADÉMICA/OAF - FUTEBOL

20 de outubro

Estádio do Restelo

16 e 17 de outubro

19 de outubro

16 de novembro

20 de outubro

Torneio de Bilhar “Festa das Latas 2013”

Académica VS Leões Porto Salvo

Académica VS Belenenses

N un ’A lv . G ondomar VS AAC F emininos

16h00

16h00

Pavilhão Engº Jorge Anjinho

Pavilhão Engº Jorge Anjinho

26 de outubro

SECÇÃO DE PESCA

Vários Horários Estádio Cidade de Coimbra SECÇÃO DE BASEBOL

SC Braga VS Académica

terças, quintas, sábados e domingos

Liga Zon Sagres

Treinos de Basebol

Estádio AXA

Vários Horários Campo de Stª Cruz

3 de novembro Académica VS Benfica

Liga Zon Sagres Estádio Cidade de Coimbra

16 de novembro Académica VS Penafiel

Taça da Liga Estádio Cidade de Coimbra

MARIA EDUARDA ELOY

PRÓ-SECÇÃO DE FUTSAL

Cascais VS Académica

27 de outubro

basebol pode “parecer um bocado secante e muito parado, mas para quem está dentro é adrenalina constante”. Também a jogadora do CHC Basebol, Lucie Esteves, conta como chegou à secção de basebol. “Cativou-me conhecer as regras e conhecer um novo desporto”, recorda. O mais importante para Lucie Esteves é o “convívio, dá para nos divertirmos em conjunto”. De momento, a SB/AAC planeia voltar a uma atividade mais regular com a reintrodução do Torneio de Basebol da Latada ainda este ano. A competição consiste no confronto entre duas equipas apenas, porque “um jogo de basebol pode demorar três horas e, às vezes, um torneio com mais equipas pode tornar-se complicado”, comenta Sandro Saltão. Este torneio celebra 20 anos dia 14 de novembro, desde a primeira edição. Até à data de fecho da edição, não foi possível contactar um dos fundadores da SB/AAC, Sérgio Medeiros.

SECÇÃO DE BILHAR

Belenenses VS Académica

Taça de Portugal

A primeira equipa de basebol de Coimbra formou-se há 25 anos. No dia 24 de outubro de 1988, dois irmãos, Sérgio e Bruno Medeiros, na altura estudantes da Escola Secundária Infanta Dona Maria, criaram a Black Tigers Team. Com a evolução da modalidade em Coimbra, a equipa deu origem à Secção de Basebol da Associação Académica de Coimbra (SB/AAC). O presidente da SB/AAC, Sandro Saltão, que aos 18 anos, segundo dados fornecidos pela secção, é a pessoa mais jovem na história da AAC a assumir a presidência de uma secção desportiva, faz um balanço dos tempos mais recentes da secção. “Nos últimos cinco ou seis anos, a Académica estava quase para acabar a secção de basebol”, revela. Sandro Saltão acrescenta que, ao fim de dois anos de luta, conseguiram “um campo não cheio, mas meio cheio” e “abateram todas as dívidas” deixadas por direções anteriores. Mas, “mesmo não tendo dívidas, não existem muitos recursos disponíveis”, nem apoios, lamenta. “Quando a secção é bem gerida, o basebol tem

um grande impacto quer na cidade quer no resto do país, mas quando passa a ser mal gerida e o dinheiro é mal usado, qualquer desporto vai abaixo”, acusa o presidente. O principal objetivo da secção, neste momento, segundo o presidente, é “tentar criar uma estrutura de maneira a que o basebol em Coimbra seja sustentável”. De momento, a SB/AAC não está inscrita na Federação Portuguesa de Basebol e Softbol, mas participa em competições amadoras. Outra intenção da direção atual, nas palavras de Sandro Saltão, é “criar um grupo forte, de maneira a que daqui a uns anos a Académica consiga ganhar campeonatos”. No presente, existe uma equipa principal mista e núcleos de captação, como o Clube Hospitaleiras Coimbra Basebol (CHC Basebol). Uma das jogadoras da equipa principal, Joana Neves, explica que no início veio “por curiosidade e porque era mais barato”. Acabou por gostar e ficar. Afirma que, visto de fora, o

SECÇÃO DE XADREZ

18h00 Pavilhão Guilherme Pinto Basto

20 de outubro

Académica VS Vila Verde

16h00

10 de novembro Portugal Académica Super 2013

Choupalinho

Pavilhão Engº Jorge Anjinho

6 de novembro Torneio da Secção de Xadrez

9 de novembro

20h30

SC Braga VS Académica

Edifício AAC

16h00 Pavilhão Desportivo de Gualtar

26 de outubro C. N ac . G inástica VS AAC M asculinos

E storil

Campeonato de Clubes

Penacova

2 de novembro

G ondomar

27 de outubro AAC VS CV A veiro - F emininos

E stádio U niversitário , C oimbra

2 de Novembro

SECÇÃO DE VOLEI

AAC VS CV O eiras M asculinos

19 de outubro

E stádio U niversitário , C oimbra

AAC VS CV L isboa - M asculinos

E stádio U niversitário , C oimbra

3 de Novembro B oavista FC VS AAC - F emininos

P orto


15 de outubro de 2013 | Terça-feira | a

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DESPORTO

Futsal: um “filho” entre duas casas

CATARINA CARVALHO

A DG/AAC exige ao OAF a adjudicação do Pavilhão Engenheiro Jorge Anjinho ao Futsal como uma das medidas para evitar corte de relações entre as duas entidades

A direção atual da pró-secção de Futsal rejeita comparações com as antecessoras. O objetivo é sobreviver, pelo menos, até ao final da época com um orçamento controlado. Entretanto, a DG/AAC e o OAF mantêm divergências por resolver. Por enquanto, o Pavilhão Jorge Anjinho continua adjudicado ao Futsal, que tenta manter as rotinas, apesar de ser a razão da discórdia. Por Maria Eduarda Eloy

A

Associação Académica de Coimbra (AAC) pode estar em vias de cortar relações com o Organismo Autónomo de Futebol (OAF), caso as exigências da Direção Geral (DG), presidida por Ricardo Morgado, não sejam atendidas. A degradação das relações entre as duas entidades tem-se acentuado de forma progressiva ao longo dos anos, mas a cedência de direitos desportivos do Futsal à AAC, em maio passado, foi o ponto que marcou a rutura mais visível. Ricardo Morgado acusou, a 9 de outubro, em conferência de imprensa, a direção do OAF de “falta de academismo”, não só pela exclusão do Futsal do organismo, mas também por ter transparecido em Assembleia Geral (AG) de sócios do OAF, realizada dois dias antes, que os direitos desportivos da modalidade tinham sido passados para a AAC a pedido da DG. Ricardo Morgado exige a retração das palavras do presidente do OAF, José Eduardo Simões e demanda, também, que o Pavilhão Engenheiro Jorge Anjinho seja adjudicado ao Futsal. Como medida adicional, para manter unidas as duas casas, Morgado quer ainda que os lucros da sala do bingo do Estádio Cidade de Coimbra sejam pagos à

AAC, como definido em contrato, mas não concretizado em anos recentes. Estas exigências estão todas interligadas, de alguma forma, com a história do Futsal. Este desporto começou por ser integrado no OAF, para que o organismo tivesse modalidades amadoras que ajudassem a conquistar a gestão da Sala de Bingo de Coimbra. O regulamento do concurso de concessão incluía essa cláusula específica e a AAC cedeu o Futsal ao OAF. Como contrapartida, a casa-mãe recebia proveitos da gestão da sala. Contudo, segundo Ricardo Morgado, há anos que a AAC não lucra com o acordo e o valor que a OAF tem em dívida para com a associação aproxima-se agora dos “50 mil euros”.

Futsal mantém orçamento controlado

Apesar de não estar alheado destas questões, o destino do Futsal de Coimbra está já traçado. As únicas questões que ficam por decidir, para já, são o futuro dos direitos desportivos da atual pró-secção, em breve Organismo Autónomo (OA) e a utilização do Pavilhão Engenheiro Jorge Anjinho, que serve de base ao Futsal. O presidente da pró-secção, João Almeida, admite que os di-

reitos do Futsal, que por agora são detidos pela AAC, possam voltar para o OAF, caso o pretendam. No entanto, adverte que depois de o Futsal se tornar OA, a situação muda: “aí já partirá do Futsal ceder, ou não, os direitos ao OAF”. Para já, e apesar de a pró-secção se manter na agenda da discussão pública, o trabalho da equipa e os treinos mantêm-se sem qualquer percalço aparente. A DG requer também que o pavilhão Jorge Anjinho seja adjudicado ao Futsal, para que a prática da modalidade não sofra com a reestruturação da pró-secção. João Almeida mostra-se confiante em relação a este ponto. “Estamos a trabalhar com base num compromisso assumido pelo OAF de nos ceder o pavilhão e as bases necessárias para o funcionamento normal da secção de futsal”, explica. O presidente da pró-secção acredita que o presidente do OAF “irá a continuar a cumprir o compromisso que assumiu”, em relação ao funcionamento do Futsal no pavilhão. João Almeida defende que, ao contrário do que se tem comentado, em particular após a AG de 7 de outubro, o Futsal é “um ‘filho’ completamente independente e não necessita de qualquer tipo de apoio financeiro por parte da

AAC”. A personificação surge a propósito das vozes de alguns sócios que, segundo João Almeida, comentaram que Ricardo Morgado via no futuro OAF Futsal um filho indesejado para a casa-mãe. O presidente do futuro OA, que se deve constituir como tal até ao final do ano, explica que “o Futsal tem zero euros cedidos pela AAC e é independente”. Vinca que, em anos anteriores, “não havia receitas que ajudassem a manter a estrutura”, que “tinha um custo próximo dos 170 mil euros” e arrecadava 25 mil euros em receitas. O saldo negativo foi contrabalançado pelo orçamento do OAF, que garantiu o financiamento do Futsal, nos anos que o atual presidente da pró-secção caracteriza como “poço sem fundo” e de gestão “sorvedora de dinheiro”. No entanto, João Almeida destaca a rutura da sua direção com o passado. “Neste momento temos uma época que está paga e que tem fundos para conseguir sobreviver até ao final da época”, ressalva.

Uma decisão surda

O projeto conta também com o apoio dos novos associados. “Em dois meses, a pró-secção conseguiu mais de cem sócios”, revela.

João Almeida destaca ainda que grande parte dos novos membros “são também sócios do OAF, que gostam de Futsal e querem que a modalidade continue”. Um dos fundadores do movimento “Académica 100% dos Sócios”, Nuno Oliveira, afirma que “os sócios estão indignados com a forma como o processo decorreu da parte da direção do OAF”. E adianta que, na sua opinião, “o espírito que esteve subjacente à decisão da última AG foi o de os sócios não quererem pôr em causa o Futsal”. No entanto, complementa, “não se discutiu verdadeiramente se pretendiam que a modalidade permanecesse no OAF ou transitasse para a DG/ AAC”. O antigo vice-presidente do OAF, e responsável pelo Futsal até maio, Carlos Clemente, salienta, a propósito, que “a direção da Académica não cumpriu em seu tempo com os estatutos, conforme foi afirmado e assumido pelo departamento jurídico da OAF”, ao negociar com a AAC, sem submeter aos sócios a aprovação da cedência dos direitos desportivos do Futsal. Até à data de fecho da edição não foi possível estabelecer contacto direto com o presidente da Académica OAF, José Eduardo Simões.


10 | a cabra | 15 de outubro de 2013 | Terça-feira

CIÊNCIA & TECNOLOGIA

Menos biodiversidade, mais eucaliptos JOEL SARAIVA

O cenário previsto para a situação florestal portuguesa passa por um crescimento exponencial da monocultura de eucaliptos, devido à implementação de um novo decreto-lei Eduardo Carvalho Joel Saraiva O decreto-lei 96/2013 prevê a abolição das restrições na arborização e rearborização do ecossistema nacional. Esta alteração legislativa, publicada a 19 de julho, vai favorecer a plantação de espécies de rápido crescimento e de lucro imediato, das quais se destaca o eucalipto. A nova legislação permite que, em áreas inferiores a dois hectares não seja necessária qualquer autorização formal para plantação. Os proprietários apenas necessitam de contactar os serviços florestais. O presidente da QUERCUS, Nuno Sequeira, adianta que o decreto-lei “pode vir a ter um impacto relevante, na medida em que a área de eucaliptos em Portugal venha a aumentar”. No entanto, a plantação descontrolada de eucaliptais tem sido associada a um empobrecimento do solo, isto é, o terreno fica cada vez mais seco e perde nutrientes, o que faz com que não tenha a mesma produtividade em culturas posteriores. Se a tendência da plantação de espécies exóticas, como o eucalipto, se confirmar, corre-se o risco de degradação do panorama florestal de Portugal, na medida em que as espécies autóctones começam a ser cada vez mais colocadas de lado por parte dos proprietários. O representante da direção nacional da Liga para a Proteção da Natureza (LPN), Pedro Bingre do Amaral, afirma que “neste momento, um privado só planta carvalhos no seu terreno se tiver um especial afeto por eles”, porque “para um carvalhal ser rentável precisa pelo menos

há entre 200 mil a 300 mil que produzem 15 a 20 metros cúbicos de madeira”, sustenta. “Mas nas pequenas propriedades, mal geridas, não se obtêm sequer cinco metros cúbicos”, adverte o engenheiro agrónomo. Para além do desaproveitamento da área, existe uma minimização dos lucros, dado que todas as despesas relacionadas com a manutenção e exploração dos terrenos são as mesmas independentemente do seu tamanho. “A empresa que vai colher o eucaliptal tem que deslocar as máquinas: o preço da deslocação das máquinas e da limpeza é o mesmo tanto para dois hectares como para 400”, explica o especialista. “Portanto, o pequeno proprietário não tira rendimento, não limpa, não gere, e, muitas vezes, nem colhe”, lamenta Eugénio Sequeira.

Deflagração de dios em eucaliptais

O corte do eucalipto para produção de madeira é feito, em média, aos sete anos de idade de 80 anos”. O presidente da QUERCUS alerta que cabe às pessoas e aos proprietários não deixar que a nova legislação piore a situação florestal nacional, já que o eucaliptal, “apesar de ser uma fonte de rendimento mais imediata tem problemas muito maiores a nível da conservação

do solo”. As espécies autóctones tornam-se mais rentáveis a médio e longo prazo, visto que não provocam uma degradação tão forte do solo e são menos suscetíveis à propagação de incêndios. O eucalipto é uma das espécies economicamente mais rentáveis em Portugal, representando 400

milhões de euros por ano, em pasta de papel, como indica o engenheiro agrónomo especialista em solos, Eugénio Sequeira. Contudo, o especialista explica que é possível aumentar ainda a rentabilidade desta espécie sem que seja necessário o aumento da área cultivada. “Dos 800 mil hectares existentes,

incên-

O eucalipto é uma espécie propícia à propagação de fogos visto que “quando há um incêndio que entra nos eucaliptais, os próprios óleos essenciais que existem nas folhas ajudam a combustão”, explica o coordenador para a área das florestas da QUERCUS, Domingos Patacho. Devido aos óleos voláteis presentes nas folhas, o fogo deflagra com facilidade, e por isso as folhas, “muitas vezes incandescentes”, e, também, a casca do eucalipto, podem “causar os chamados focos secundários”, ressalva. O risco existente na formação destes focos pode advir da libertação de tubos da casca dos eucaliptos, que é uma forma de seleção natural para eliminar as trepadeiras na zona onde os eucaliptais são autóctones. Os tubos fazem “chaminé” e o fogo que arde no solo consegue subir rapidamente até à copa das árvores e mais facilmente se propaga a outras árvores. “Quando o fogo está a arder dentro desses tubos, a parte de cima do tubo aquece mais, queimando-se mais depressa”, esclarece Eugénio Sequeira. “Desta forma, o tubo solta-se da árvore e, se está vento, esse tubo vai arder e faz uma projeção de fogo”, conclui. com Pedro Martins PUBLICIDADE


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CIDADE CENTENÁRIO DO MUSEU NACIONAL DE MACHADO DE CASTRO

Museu projeta internacionalização ARQUIVO - RAFAELA CARVALHO

O MNMC comemora o seu primeiro centenário de abertura ao público. A direção viabiliza a projeção internacional e pretende a curto prazo arrancar com a segunda fase de obras.

Momentos Marcantes

1911-1913 Fundação do Museu no antigo Paço Episcopal e abertura ao público.

1933-1935

Andreia Isabel Gonçalves João Martins O Museu Nacional de Machado de Castro (MNMC) festejou os cem anos de abertura ao público. As comemorações tiveram início em maio de 2011, “e começámos por fazer um conjunto de iniciativas para dentro da instituição, para criar aqui o sentimento da importância de estarmos neste local”, refere a diretora do MNMC, Ana Alcoforado. Os festejos irão prolongar-se até 11 de dezembro deste ano, com uma agenda diversificada, e terminam com o lançamento da publicação “100 Anos, 100 Obras”, que reúne as peças mais emblemáticas do espólio do museu. A responsável explica que esta “é a obra de todos quantos trabalharam aqui durante estes cem anos”. Criado a 26 de maio de 1911, o MNMC abriu portas na cidade a 11 de Outubro de 1913, e “antes de o primeiro diretor tomar a decisão de instalar aqui [no paço episcopal] o museu, o próprio edifício em potencial já era um museu”. A instituição alberga em si um espólio que compreende um vasto período cronológico – desde o século I até ao século XX - destacando-se essencialmente a coleção de escultura em pedra e as galerias romanas. Numa altura em que a conjuntu-

Início das primeiras intervenções na área correspondente à igreja românica e início do desaterro do criptopórtico.

1952-1962

As galerias do piso superior do criptopórtico são totalmente desentulhadas e procede-se ao restauro das abóbadas.

Entradas gratuitas no centenário do museu provocam grande afluência no passado fim de semana ra de crise tem vindo a acentuar o decréscimo de número de visitantes nos museus nacionais, o museu “está em contra ciclo”, conta a diretora do MNMC. Ana Alcoforado garante que se registou um número crescente de visitantes graças à recente reabertura depois das obras, que triplicaram o espaço museológico, entre 2004 e 2012. “É muito bom perceber que as pessoas compreenderam” o motivo do encerramento, salienta Ana Alcoforado, e este é justificado pelo feedback positivo que o museu tem recebido. A visitante Ilda Gonçalves comprova-o afirmando que “foi uma boa obra para a cidade. Demorou tempo demais, mas valeu a pena”.

Novas atividades de promoção

A curto e médio prazo, a diretora ambiciona avançar com a segunda fase de obras, que passa pela adaptação da antiga Igreja de São João de Almedina a um auditório, devido às necessidades do museu. Um dos objetivos da direção é, também, a sua promoção internacional. Ana Alcoforado conta que algumas estratégias já estão em curso em parceria com a empresa Turismo de Portugal. No entanto, a diretora alerta para a necessidade de se obter “alguns apoios institucionais e mecenáticos para poder avançar com uma campanha de divulgação”, mas lembra que “Coimbra não é uma cidade fá-

cil” a esse nível. Entre as hipóteses possíveis, a representante revela que para a divulgação do museu irá ser realizado um vídeo institucional. A instalação de um núcleo de conservação e restauro até ao final deste ano é outra meta. Ana Alcoforado divulgou que a instituição “obteve recentemente uma classificação em que foram atribuídas competências de apoio para a conservação e restauro da escultura em pedra a nível nacional”. Neste momento, o apoio é feito através de consultadoria e sensibilização, e posteriormente, “havendo recursos humanos, passará também por intervenções na conservação e restauro das obras”, acrescenta.

Anos 70

Abertura do primeiro piso do criptopórtico romano.

Anos 80 Início do processo de aquisição de terrenos adjacentes para a ampliação do museu.

2004 Encerramento do museu para as obras de ampliação.

2012 Reabertura total do museu.

Biblioteca Joanina procura “mecenas” a nível mundial ARQUIVO - RAFAELA CARVALHO

A Biblioteca Joanina é agora um elemento com mais visibilidade a nível mundial com a aprovação da sua candidatura à lista bienal do programa World Monuments Watch Andreia Isabel Gonçalves A Universidade de Coimbra (UC) submeteu a candidatura da Biblioteca Joanina à World Monuments Fund (WMF) viabilizando um reforço de reconhecimento mundial deste monumento. A vice-reitora da UC, Clara Almeida Santos, explica que a UC espera encontrar “potenciais mecenas” que estejam interessados em defender e proteger o bem. A WMF é a mais importante organização

privada sem fins lucrativos dedicada à preservação de lugares de herança cultural em todo o mundo. É nesta que está inserido o programa World Monuments Watch que anunciou, no passado dia 8, a inserção da Biblioteca Joanina na sua lista bienal e que, segundo a vice-reitora da UC, “abre muitas janelas”. Este programa tem como fim a angariação de fundos para a sua salvaguarda e a estimulação das autoridades locais e da comunidade a desempenhar um papel ativo na proteção do património. Através da sua lista de 2014, a World Monuments Watch alerta internacionalmente para os perigos que ameaçam o património mundial. Infiltrações, humidade e florescência de sal e problemas de gestão das condições climatéricas do interior da Biblioteca Joanina são os problemas apontados pelo

World Monuments Watch. São “questões estruturais, não são resolúveis com pequenas intervenções”, justifica a vice-reitora. No entanto, a vice-presidente do WMF em Portugal afirma que o edifício está a precisar de imensos trabalhos na área da sua conservação e manutenção, senão os problemas apresentados podem tornar-se “mais graves, colocando em risco o próprio património”. Ainda assim, garante que os objetivos da UC “estão muito bem traçados”.

Intervenções futuras

A UC projeta agora um trabalho de limpeza e saneamento dos mais de 50 mil livros que se encontram no edifício e, a médio prazo, uma “intervenção em maior escala”, conta o diretor da Biblioteca Geral, José Augusto Bernardes. Com o aumento da procura turística, Clara Almeida

Santos assegura a continuidade dos intervalos entre as visitas dos grupos de modo a serem repostos os níveis de humidade e temperatura. Apesar de os recursos terem de ser assegurados unicamente pela UC, o diretor da Biblioteca Geral lembra que a “Universidade não pode suportar sozinha os encargos que resultam da sua manutenção e do seu aproveitamento”. Com o novo corte de verbas que foi anunciado em reunião do Senado na passada quarta-feira, 9, “torna-se difícil cumprir com todas as missões”, relembra Clara Almeida Santos. A manutenção do património tem um custo de dezenas de milhares de euros por ano e a intervenção de fundo, referida por José Augusto Bernardes, implicará gastos muito superiores, mas “quietos é que não podemos ficar” lembra a vice-reitora da UC.


12 | a cabra | 15 de outubro de 2013 | Terça-feira

PAÍS & MUNDO

Agricultura europeia sofre mudança DANIEL ELOY

Aprovação do orçamento da UE precipita reforma da PAC. Setor vitivinícola sofre revisão. Quotas dos laticínios e do açúcar são abolidas Pedro Martins A Política Agrícola Comum (PAC) foi alterada durante o passado mês de Junho, uma década após a última grande mudança. Os três principais órgãos de decisão da União Europeia (UE) - o Parlamento Europeu, a Comissão Europeia e o Conselho de Ministros - chegaram a um acordo sobre o conteúdo, que vai vigorar nos próximos sete anos. A mais recente reforma foi uma consequência direta da aprovação do Orçamento da UE para o período entre 2014 e 2020. Tal como afirma o porta-voz do Comissário Europeu para a Agricultura e Desenvolvimento Rural, Roger Waite, “o momento em que se decidiram quais os Estados-membros que recebem dinheiro, mostrou ser o momento certo para decidir como gastar esse dinheiro”. Uma das alterações mais notórias resultou do envelhecimento dos agentes económicos do setor agrícola. De acordo com o eurodeputado do Partido Socialista (PS), Luís Capoulas Santos, “a idade média dos empresários é elevadíssima”. Num esforço para inverter essa tendência, a comissão estabeleceu como objetivo atrair as gerações mais jovens para a agricultura. Um dos mecanismos introduzidos para alcançar esse fim foi o pagamento direto. Roger Waite assevera a importância deste mecanismo ao referir o receio sentido pelos jovens, que veem “o investimento no setor como algo demasiado arriscado”. Em Portugal, a concretização deste objetivo tem criado expectativas positivas entre os agentes políticos. “Hoje temos cada vez mais jovens a virarem-se para a terra, muitos deles com formação superior”, assegura a eurodeputada do Partido Social Democrata (PSD), Maria do Céu Patrão Neves. A eurodeputada assevera ainda que “a inovação será trazida pelas novas gerações e permitirá que haja uma agricultura mais sustentável”. Contudo, a prossecução deste objetivo não pode ser desligada do desenvolvimento rural. Nas palavras da secretária adjunta da Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas (CONFAGRI), Aldina Fernandes, “as pessoas só se instalam nos meios rurais se dispuserem de um conjunto de infraestruturas que garantam uma vida minimamente digna para elas e para a sua família”. Com as competências da UE limitadas a nível do desenvolvimento rural, a comissão tomou a decisão

“Hoje temos cada vez mais jovens a virarem-se para a terra, muitos deles com formação superior”, assegura Maria do Céu Patrão Neves de “sumarizar o número de opções e deixar a cargo dos estados-membros o delinear dos programas que considerem adequados”, assevera Waite. A eurodeputada assume uma posição condicente, ao referir que “o espaço rural de um país como Portugal não tem qualquer semelhança ao de um país como a Holanda ou como a Polónia”. Acrescenta que existe o risco de “uma norma idêntica e inflexível, comum a todos os estados-membros, servir melhor a uns e menos bem a outros”.

Reforma no setor vitivinícola gera controvérsia

Nem todas as alterações obtiveram reações positivas. A substituição do regime de direitos de plantação do setor vitivinícola, a partir de 2016, gerou bastante controvérsia entre os intervenientes portugueses. Os estados membros passam a ter possibilidade de aumentar a área de plantação de vinhas, o que se reflete nas quantidades da sua produção. De acordo com Roger Waite, o objetivo desta mudança foi “criar a opção de expandir a produção, dando resposta à procura crescente no mercado internacional”. Contudo, “o risco da descida de preços em resultado do aumento exponencial da produção”, nas palavras de Capoulas Santos, levou à intervenção moderadora do Parlamento Europeu.

EM QUE CONSISTE A REFORMA DA PAC? A nova reforma da Política Agrícola Comum (PAC) resultou numa mudança em diversos domínios. Anteriormente, os subsídios eram atribuídos aos agricultores em função das quantidades que produziam. Este sistema criava duas grandes desvantagens: alguns setores eram favorecidos em detrimento de outros, por produzirem maiores quantidades, da mesma forma que os países com vantagens naturais em certos produtos saíam beneficiados em relação aos restantes. Alguns agricultores chegavam a produzir aquilo que garantia subsídio, em vez de produtos que fossem mais necessários ou para os quais tivessem mais aptidão. Essa situação muda com esta reforma: deixam de existir setores subsidiados por produzirem mais. Os agricultores passam a receber uma ajuda por hectare, podendo produzir aquilo que quiserem. Da mesma forma, ao serem abolidas as quotas nos setores do açúcar e dos laticínios, chega também ao fim o mecanismo do set-aside, que consistia em pagar aos agricultores para estes abandonaram a produção de determinados produtos. Outra marca desta reforma, reside nas chamadas “medidas de greening”, com vista a alcançar uma PAC mais ecológica. Para que possam receber os subsídios que pretendem, os agricultores são obrigados a contribuir para a biodiversidade, por exemplo, deixando pequenos espaços que sejam santuários onde os animais se possam reproduzir ou onde a flora espontânea possa florescer. O acordo final acabou por estabelecer o limite “de aumento da área de plantação de vinha entre zero e um por cento”, afirma. “Mesmo um estado-membro como Portugal pode reduzir a zero esse direito de plantação”, acrescenta o eurodeputado. O mesmo receio existe relativamente à qualidade do produto. “Sempre se privilegiou a qualidade em relação à quantidade” afirma a eurodeputada do PSD, que acrescenta que “o aumento da produção poderá não ser favorável a Portu-

gal”, posição partilhada com Capoulas Santos e com Aldina Fernandes.

Açúcar e leite com quotas abolidas

A abolição de quotas do setor dos laticínios representou uma das derrotas para o Parlamento Europeu. De acordo com Capoulas Santos “infelizmente, a proposta da comissão venceu, porque teve o apoio de uma maioria de deputados e de grande parte dos ministros da agricultura presentes no conselho”. O eurodeputado do PS alerta que, com o

aumento da produção resultante do fim do regime de quotas, “os preços tenderão a baixar para as explorações que têm mais dificuldades em competir, como é o caso das portuguesas”. Porém, Capoulas Santos refere a possibilidade de esta subida de preços não se concretizar, graças “à crescente procura de produtos lácteos por países terceiros”. No setor do açúcar, prevê-se que as quotas sejam abolidas até 2017, data “resultante do compromisso entre a comissão, que propôs que fosse em 2015, e o parlamento, que propôs 2020”, como refere Roger Waite. Ao contrário do que sucedeu no setor do leite, os efeitos da abolição das quotas açucareiras preveem-se favoráveis a Portugal. Maria do Céu Patrão Neves afirma que “uma das principais preocupações, neste momento, é a de garantir que a refinadora portuguesa tenha matéria-prima suficiente para continuar a laborar”, abrindo-se maiores possibilidades de importação. O final das quotas do açúcar abriu também a hipótese ao regresso, até 2015, ao cultivo da beterraba sacarina, “cuja produção foi abandonada em 2006”, refere a eurodeputada. “Os antigos produtores de beterraba consideram que têm boas condições para regressar ao cultivo: a fábrica, que entretanto foi desativada, tem todo o interesse em voltar a investir”, acrescenta.


15 de outubro de 2013 | Terça-feira | a

cabra | 13

OPINIÃO Cartas à Diretora que esperas tu? RAFAELA BIDARRA*

Esta manifestação ecoou por todo o país e mesmo assim apenas no dia 10 (cinco dias depois do comunicado ter sido lançado) houve mais do que uma resposta automática aos inúmeros e-mails enviados para a reitoria da UC.

Em 2010, também n’A Cabra, escrevi sobre a performance realizada pelo TEUC, organismo autónomo da Associação Académica da Universidade de Coimbra, por ocasião dos 123 anos da AAC. “Homos Associativus procurava levar os espectadores numa viajem pelo tempo, fazê-los recordar, mostrar a importância que se dava ao usar um traje em Coimbra, ao peso da praxe e da tradição na nossa cidade noutros tempos - “FRE era assim mas já não é!”. Exaltar a discrepância entre os valores que antes se defendiam, e pelos quais a comunidade universitária, em geral se regia, e o que hoje acontece, como se vive hoje a vida universitária. (…) esta performance não pretendeu colocar--se contra nada, mas antes colocar cada um de nós, pertencente à universidade, à academia perante um espelho do nosso próprio modus operandis. (…) a comunidade estudantil de Coimbra, vinha ao edifício da Associação Académica em busca de formação nas mais diversas áreas, e nos corredores podiam ouvir-se as guitarras e fadistas, os ensaios dos grupos e havia uma força de jovens que trabalhavam em conjunto e defendiam ideais e ideias que julgavam ter objectivos maiores. Havia, talvez, uma consciência de que somos nós que desenharemos o futuro do nosso país, e como tal a própria academia tinha uma voz revolucionária forte e credível no meio político português.(…) Hoje em dia, o que vejo, é um interesse crescente

nas festas regadas a cerveja, no lucro monetário e na diversão por si só, os estudantes conhecem a Associação Académica pelos bares que nela tem instalados e pelas festas e convívios que lá se realizam. Não posso, perante este cenário, deixar de lamentar esta realidade, quando há uns anos atrás se juntavam pessoas no jardim a tocar e conviver e hoje temos lá plantado mais uma ramificação do bar e uma televisão gigante, quando é permitido que tal se instale mesmo ao lado da Sala de Estudo, e de salas de organismos e secções.” Passados três anos é com tristeza que constato que as políticas que gerem este edifício (agora pertencente ao Património Mundial da Humanidade) se mantêm. No passado dia 7 de Outubro o TEUC estreou a sua mais recente produção em colaboração com o Projecto D – vitral – um espectáculo criado por Leonor Barata. Ironicamente este estreou às escuras, não por capricho ou opção estética mas como forma de protesto. Um protesto que procura colocar cada um perante a sua responsabilidade, que procura respostas sérias e que procura ainda que quem de direito se manifeste. Uma forma de denunciar a indiferença a que estão sujeitas as manifestações culturais dos organismos da Associação Académica da Universidade de Coimbra. Esta manifestação ecoou por todo o país, tanto a nível da imprensa como das redes sociais e mesmo assim apenas no dia 10 (cinco dias depois do co-

municado ter sido lançado) houve mais do que uma resposta automática aos inúmeros e-mails enviados para a reitoria da Universidade de Coimbra. Ainda assim, não passou de uma conversa informal, seguida de um telefonema que também não representa um compromisso. Nos últimos anos o TEUC tem vindo a sofrer profundos cortes nos apoios que lhe são concedidos, tanto pela parte da UC e entidades a ela agregadas como por parte da Câmara Municipal de Coimbra. Esta realidade levará a um estrangulamento tal que, associado às práticas mais apreciadas e largamente fomentadas no edifício da AAC, levará à morte do teatro universitário e das manifestações culturais dos outros organismos que aqui exercem as suas actividades. No ano em que a Universidade de Coimbra foi classificada de Património Mundial da Humanidade pela UNESCO e cito o Magnífico Reitor da Universidade de Coimbra, Professor Doutor João Gabriel Silva: “mais do que o reconhecimento do valor arquitectónico do complexo universitário de Coimbra, esta decisão da UNESCO sublinha o valor universal da cultura e da língua portuguesas e reconhece o papel central que Portugal teve na formação do Mundo, tal como hoje o conhecemos”. É ainda mais irónico que se descure os valores culturais desta Universidade permitindo a estreia e respectiva temporada às escuras do Teatro dos Estudantes da UC. Não estará também na génese do Teatro

Universitário em Portugal, o valor universal da cultura e da língua portuguesas? Não será necessário voltar a evocar o papel de resistência cultural que o TEUC – à semelhança de tantos outros organismos autónomos – desempenhou no domínio da cultura portuguesa. Muito menos queremos voltar a repetir um elenco vasto e variado de todos aqueles que aprenderam no TEUC os princípios básicos de uma cidadania activa. Percebo bem as contingências a que todo o país está sujeito. Todavia, não me conformo com cortes cegos, não justificados e camuflados em redes de autorizações burocráticas. Há que chamar as coisas pelos nomes e chamar à responsabilidade quem deve ser chamado. Neste triste e lamentável episódio da história do TEUC é a própria Universidade de Coimbra e por acréscimo quem a representa. Paremos de viver na sombra de galardões ganhos com histórias passadas e assumamos de uma vez por todas a responsabilidade que de facto temos em cumprir a sua missão e valores. Só assim se pode manter o bom nome desta universidade e aceitar de forma justa o reconhecimento que lhe tem sido dado. O que fica desta semana intensa é a pergunta de que rumo queremos dar ao país em que vivemos e que papel queremos assumir na mudança que desejamos ver acontecer. *Presidente do TEUC, membro da comunidade estudantil e cidadã activa

DR

Cartas à diretora podem ser enviadas para

acabra@gmail.com


14 | a cabra | 15 de outubro de 2013 | Terça-feira

ARTES FILA K

A destruição das Fontainhas, antigo bairro da Amadora, e o desenrolar de várias figuras dentro deste: seria perfeitamente ridículo reduzir “No Quarto da Vanda” a esta descrição, porque não só seria redutor como se perderia toda a brilhante e lúcida complexidade que se encontra em cada plano. Porque o quarto começa com as irmãs Vanda e Zita (o quarto é delas) mas logo se expande para outros espaços e, com estes, vêm todos os outros (o quarto também é deles). A vida no bairro está presente sob a forma de rituais: a droga consumida no escuro do interior (“foi a vida que fomos obrigados a viver”, diz Pango), os churrascos feitos na rua, a venda de couve e colheres

de pratas parecem passar indiferentes ao barulho e poeira das demolições. O filme representa uma ruptura no método de filmagem de Pedro Costa, uma ligação íntima com cada rosto que permite um olhar bem denso sobre o tempo que resta naquele espaço. Os seus trabalhos anteriores foram como que a preparação para esta intimidade, a construção de uma linguagem para depois a esquecer. O realizador recusa a categorização de documentário, que entidades e público estabelecem, porque sabe perfeitamente que a vida é bem mais ficcionada do que aquilo que aparenta ser, e que a discussão sobre o que é, ou não, “real” é completamente dispensável.

Há pequenos e inesperados deleites cinemáticos que enchem as nossas telas de forma vibrante. O regresso de Ousmane Sembéne em 2001, quase dez anos depois da sua última obra cinematográfica, veio confirmar o seu estatuto de lenda entre os seus pares no cinema da região do Sub-Sahara. Aos 78 anos o escritor e realizador senegalês mantém-se fiel a si mesmo e ao que o celebrizou, apresentando em Faat Kiné mais um fruto pujante de uma árvore já com anéis de experiência. A forte crítica social marca as películas de Ousmane Sembéne e, desta feita, faz uso de uma estigmatizada empresária e mãe solteira como veículo condutor para a criação de uma teia reveladora e crítica da sociedade patriarcal pós-colonial

da África Ocidental e as suas dinâmicas socioeconómicas. É através da sua personagem matriz, Kiné, que nos deleitamos com o desenrolar do cotidiano da classe média de Dakar em todo o seu esplendor cultural, religioso, social, económico e supersticioso. Com um ritmo temperado, apanágio já conhecido do realizador, realçam-se as cores vibrantes e soberba captação do fervor da vida de uma sociedade na capital africana Dakar. Com factores cómicos magistralmente encaixados de forma a quebrarem a toada taciturna de diferentes aspectos da vida de Kiné, Faat Kiné é um espelho daquilo que Ousmane Sembéne tem para oferecer e uma óptima e imperdível adição às Sessões de Carvão.

Para ver como alguém apaixonado, temos de afastar as teias, limpar os óculos, encarar o possível e enveredar numa trama subtil, de natureza débil e idealista, evitando a realidade pela melancolia. As pessoas que amamos são feridas abertas para sempre na carne interior, que ardem ao som de livros e músicas dormentes, no desconforto da luz e dos reDe flexos, entre planos transparentes e Abbas Kiarostami densas paredes. Mesmo quando algo Em Exibição não é o que parece, é tudo o contrário 25 de Novembro disso, é a verdade seca, posta às avesTAGV sas: não se pode amar mais claro. Ei-la, uma sophisticated lady (call girl japonesa) e a sua família improvisada, relações mutáveis em espaços confinados, filmados com desprezo pelo ritmo vulgar do temCRÍTICA DE RITA LEONOR BARQUEIRO po, de sombras sonolentas amar-

radas em cintos de segurança e fios de telefone, concebidas à imagem e semelhança de um inquietante rosto proteico, auto-retrato dela, com um papagaio que lhe serve de ponto. Kiarostami, nesta sua terceira longa afastada das suas raízes iranianas, tem um modo de fazer perverso e enigmático na forma de poesia, onde o que não se vê é tão ou mais importante do que o que se vê. Chama-nos para jogar às escondidas e quebra-nos o raciocínio num constante efeito de reconhecimento. Like Someone In Love inventa-nos, dá-nos o silêncio, um par de asas tortas e voamos sem tédio pela sua gravidade. Tudo acaba num plano quebrado, literalmente, pelo excesso, mas sem ditar um fim – que sera, sera. Apesar de tudo.

No Quarto da Vanda” De Pedro Costa Em Exibição 30 de Outubro Casa das Caldeiras

No quarto como no bairro CRÍTICA DE PEDRO TRENO

SESSÕES DO CARVÃO

Faat Kiné” De Sembène Ousmane Em Exibição 30 de Outubro Casa das Caldeiras

Um ribombar no deserto CRÍTICA DE SAMUEL FERREIRA

CINEMA À SEGUNDA

Like Someone in Love ”

AGENDA

E já não és senão como te sinto SESSÕES DO CARVÃO

CINEMA À SEGUNDA - TAGV

FILA K

16 de outubro

21 de outubro

4 de Novembro

5 de Novembro

19 de Novembro

Emitaï (1971)

Uma família respeitável

Viagem a Tóquio

The Most Beautiful Women

No Quarto da Vanda (2000)

Sembène Ousmane

Massoud Bakhshi

Yasujiro Ozui

23 de outubro

28 de outubro

11 de Novembro

12 de Novembro

26 de Novembro

Ceddo (1977)

Ouro

O Gosto do Saké

Roger e Eu (1989)

10 on Ten (2004)

Sembène Ousmane

Thomas Arslan

Yasujiro Ozu

Michael Moore

Abbas Kiarostam

Andy Warrol

Pedro Costa


15 de outubro de 2013 | Terça-feira | a

cabra | 15

FEITAS OUVIR

LER

Strange Pleasures”

O

sonho é uma experiência que se regenera em vários sentidos: para Still Corners, Quase um homem, como para S. Freud, o sonho é um quase uma mulher mundo paralelo, onde o sonhador vive os desejos que, com tanto empenho, tenta camuflar na gasta narrativa do dia-a-dia. Como num obscuro truque de magia, os dois amigos coloridos reaparecem para nos hipnotizar uma vez mais, num simples piscar de olho de um pop submerso em efeitos retroactivos, de um potencial alucinador sem prazo de validade (we don’t know the time / we only want to feel the light, yeah). Na verdade, Still Corners não é um duo, mas é como se o fosse – o texano Greg Hughes é o líder do De gang, que escreve e compõe os teStill Corners mas, dados à luz pela voz de Tessa Murray, inerte personagem lynEditora chiana, o foco de todos os frames. Sub Pop Os dois conheceram-se numa plataforma deserta do metro de Londres, 2013 algures numa esquina do mapa da cidade, um momento que ditou o destino do projecto musical em jeito de história lamechas, photoshopada em todas as entrevistas. Depois do etéreo Creatures Of An Hour, regressam dois anos depois com Strange Pleasures, renovação de um pacto com a Sub Pop, editora de Seattle, concebida nos anos 80 para explorar o pop subterrâneo. Numa autobiografia emprestada, tornam a recriar aquele passado esquecido, numa atmosfera cinematográfica, reencarnado por dois miúdos que decidem boicotar o último dia de aulas para irem andar de patins em câmara lenta, num salão sinistro, onde se limitam a trocar olhares. Esses miúdos entretanto desapareceram, tornaram-se desconhecidos, fantasmas do tal mundo paralelo. Voltamos sempre ao ponto de partida com The Trip, num loop enjoativo, onde a dado momento já nada se distingue, como num interrail de mochila às costas, onde já todas as caras nos parecem iguais e só nos resta o instinto de sucumbir a qualquer estranho prazer, dançar sozinho num espaço público, onde ninguém nos consegue ver. Este último disco de Still Corners vai pairando assim nos nossos ouvidos, numa sonoridade assombrada por sintetizadores oldschool, a construir uma intimidade irritante, como se nos tivesse expiado os diários riscados de memórias pirosas da pré-adolescência, sem nunca chegar bem a falar de sentimentos, respirando somente na superficialidade de um flirt atabalhoado de referências só para fazer bonito; aqui não se aprende nada – e não poderia ser de outra maneira. RITA LEONOR BARQUEIRO

Cornwell mostra-nos a guerra como ela realmente é

De Bernard Cornwell Editora Saída de Emergência 2013

O Fantasma do 4º Echelon regressa

GUERRA DAS CABRAS A evitar Fraco Podia ser pior Vale a pena A Cabra aconselha A Cabra d’Ouro

Artigos disponíveis na:

N

esta sua já velha saga, só recentemente traduzida para português, Bernard Cornwell transporta-nos para uma das épocas mais negras da história. “Inimigo” tem como pano de fundo a Guerra Civil Americana, contando-nos a terceira parte da odisseia de Nathaniel Starbuck, um soldado vindo de Boston que passa para as fileiras sulistas. Mas desenganem-se aqueles que esperam ver nesta obra o clássico confronto entre os santos federais e os demónios confederados. Cornwell mostra-nos a guerra como ela realmente é: crua, sangrenta e devastadora, sem espaço para heróis virtuosos ou vilões imorais. Famílias dividem-se. Pais e filhos combatem-se no mesmo campo de batalha. Há histórias de traição, de crueldade. De pilhagens e de roubos sob o pretexto de se estar a travar uma guerra. As palavras do alcoólico coronel Swynyard num diálogo com o protagonista da obra, enquanto este se encontrava injustamente aprisionado, demonstravam bem a sensação da maior parte dos soldados: “De certa forma convenci-me que conseguia passar sem o uísque, desde que pudesse ser um soldado a sério outra vez. Queria redimir-me, está a ver? Um novo país, um novo exército, um novo começo.” No entanto, a obra de Bernard Cornwell não nos fala apenas do lado

JOGAR

Plataforma Disponíveis PS3, Xbox 360, Wi U Editora Ubisoft 2013

B

Inimigo”

negro da guerra. Há também histórias de companheirismo, de soldados que dão a vida pelos seus irmãos de armas e que se emocionam como ninguém perante o sofrimento destes. Há o elogio de todos aqueles que lutam por aquilo em acreditam, seja qual for o ideal. No entanto, no melhor pano também caem nódoas. Embora o mestre da ficcção histórica tenha conseguido mais uma vez humanizar as personagens da sua obra, não tomando partido por qualquer uma, a forma como a acção decorre sofre de uma morosidade só ultrapassável pelos leitores mais entusiastas. Num esforço para descrever as batalhas com o maior realismo possível, Cornwell acaba por cair no exagero, criando um enredo com um decurso lento. Outra ligeira falha está no facto de Cornwell ter sofrido o efeito Cold Mountain, mesmo antes de o filme Cold Mountain ter sido realizado: numa obra sobre a Guerra Civil Americana, a quantidade de escravos negros entre os personagens é estranhamente reduzida. Mas à parte desses pequenos desvios, “Inimigo” continua a ser uma obra capaz de proporcionar uma boa leitura, recomendável a todos os amantes de ficção histórica. Tenham apenas paciência quando a história demorar um pouco a avançar. PEDRO MARTINS

Splinter Cell: Blacklist - PC”

aixem as persianas. Fechem as cortinas. Apaguem as luzes. Mergulhem na imensa escuridão. Sam Fisher está de volta para mais um videojogo da saga “Tom Clancy’s: Splinter Cell”, em “Blacklist”. Desta vez Fisher deixa o ambiente de “Conviction”, que envolve mais acção que os restantes títulos, e regressa ao estilo furtivo de “Chaos Theory”. Percorrendo as sombras, o jogador avança, tentando ao máximo não ser detectado através de movimentos e tácticas que irão cortar a respiração. Claro que quem quiser optar por um método “all-out”, em que tudo é um alvo a abater, tem ao dispor o armamento para tal e pode fazê-lo. Mas tem que ter em atenção que certas missões terão que ser feitas sem ser detectado. O jogo promove discrição, premiando os jogadores que permanecem no escuro, sempre que possível, e esses prémios podem ser usados em melhorias no armamento ou nos gadgets que Fisher dispõe em cada uma das missões. Os mecanismos de auxílio, nomeadamente “mark & execute”, permitem a execução de vários inimigos de forma rápida, silenciosa e sem esforço. Nota-se, com estes mecanismos, uma forma de obrigar o jogador a adoptar uma posição mais agressiva. Mas quem é adepto da máxima discrição encontrará desafios à sua altura.

Uma característica muito cativante em “Blacklist” é o modo “Perfectionist” em que, para além da melhoria na inteligência artificial e resistência dos inimigos, os mecanismos de auxílio não estão disponíveis, obrigando o jogador a adoptar estratégias furtivas de elevada elaboração para evitar baixas e concluir perfeitamente uma missão sem uma única detecção. Os modos de multijogador são um tanto atraentes em “Blacklist”. O modo cooperativo pode não se mostrar tão cooperativo quanto esperamos, dado que os mapas não foram especialmente desenvolvidos para o efeito. Em vez disso, parece mais um modo “dividir e conquistar” mas o que lhe dá destaque são os vários estilos de jogo das pessoas e isso traz diferentes formas de cumprir os objectivos. O outro modo multijogador, “Mercs vs Spies”, é mais atraente. Neste modo, temos duas equipas em jogo: mercenários e espiões. O objectivo dos espiões é infiltrar uma base ou um terminal e o papel dos mercenários é impedir que isso aconteça. Este modo traz um ambiente mais empolgante e com desafios muito mais complexos, já que a inteligência humana ocupa o lugar da Inteligência Artificial. Em suma, “Blacklist” não desilude e proporciona momentos de acção e suspense viciantes que vão deixar os jogadores colados no ecrã até ao fim. JOSÉ NEVES


16 | a cabra | 15 de outubro de 2013 | Terça-feira

SOLTAS NÚCLEOS AAC

29 de Outubro

NEM/AAC

D ebate - “V iver S audável ”

semanalmente

18h

C urso

Centro Cultural Dom Dinis

de

L íngua G estual

16 outubro 14h30

20€ /Mês

30 de Outubro a 15 de Novembro

17 de outubro

C urso

da

NEEEC/AAC

I Jam Session & Torneio de Sueca

Departamento de Direitos Humanos e paz

M ega C onvívio

NEI/AAC

de

Laboratório Chimico

30 de outubro a 6 de novembro

Corta-mato Solidário

Crazy Bowling - Forum Coimbra 3,5€ NEG/AAC

15 de outubro

E

tu tens lata ?

Actividade “2BSafe”

26 de Novembro

NEFLUC/AAC

Escola Secundária José Falcão

16 de outubro

2€/Participante

J antar

D ebate - “A D iferença S aúde ”

26 e 27 de outubro Jornadas do SNS e Carreiras Médicas

e a

18h Centro Cultural Dom Dinis

Auditório do Centro de Congressos dos CHUC

3 de novembro

de

S erenata

da

L atada

Entre 5€ e 10€

29 de outubro a 6 de novembro Torneio de Futebol de 7

10€

00h00

III O phen P harma

Estádio Universitário

Sala dos Núcleos 1€

Claustros FPCE

Parque da Canção

PES 2014

Concurso de video

I Torneio de Basquetebol Misto

B last W eek

18 a 23 de outubro

16h00

10 a 16 de outubro

11 a 15 de Novembro

Entre 2€ e 2,50€

15 de outubro

NEF/AAC

00h59

NED/AAC

Torneio de Bowling

NEPCESS/AAC

S uturas

Bar da FMUC

L atada 2013

DEEC/FCTUC

16 de outubro

Campo de Stª Cruz

NES/AAC

50€/Equipa

15 de Outubro M esa R edonda

de

D outuramento

18h Feuc

O CANTEIRO SEM FLORES

QUE SE ACABEM OS BEN-U-RON PROPOSTA DRAMATÚRGICA SOBRE A LUZ

Por António Meio-Esquisito

E

spaço vazio com uma pessoa no meio (que é para ser fácil e simples e bonito). Luzes ligadas e focadas nessa pessoa. A luz desliga-se e a pessoa vai-se embora. Só se ouve uma voz masculina, grave e soturna, do narrador: NARRADOR: Quis alguém, um dia ou uma noite, que este que vos narra não sabe muito bem se o sol já se tinha posto para outros lados, que a luz de um teatro fosse apagada. Talvez querer não será certo. Quem sabe, essa pessoa desviou apenas os olhos da coisita que lhe passava à frente (não é de bancos, não interessa, não é Facebook, não interessa) e depois…ups, apagou-se. E há-de ter feito aquela cara de menino com o bolo enfiado na boca e a dizer que não o comeu. Ai apagou-se a luz? Há-de ter perguntado, possivelmente com um ligeiro travo de indignação fingida, copiada a tias de outras pa-

ragens. E lá se foi a luz. Que pena, há-de ter dito. Logo esse alguém que era todo das culturas, logo esse alguém que até já leu os russos e os franceses e os alemães, e até um ou outro escritor da América do Sul, que dizem que são bons. Que pena. E lá se foi a luz. As luzes voltam a ligar-se. Surgem duas pessoas, o género não importa, sentadas num sofá. Também não interessa detalhar-me em figurinos, por agora, que a minha sensibilidade para roupas é pouca. Então, estão lá as duas pessoas, e dizem algo do género:

e fazerem a coisa mais intimista. Decerto que fica mais intimista com luz, não acha? ALGUÉM1: Ai, acho com certeza. Dá outro ar, dá calor ao teatro. E o teatro também nem precisa de luz. Como é que se fazia teatro antes da luz? Também se fazia ou não? ALGUÉM2: Ai fazia-se sim! E do bom. Aí é que era, diziam os meus avós, que viam sempre todos os anos, por altura da Páscoa, a ressurreição do menino Jesus interpretada pelos anjinhos lá do seminário. Isso é que era teatro.

ALGUÉM1: A luz é cara. Ainda por cima com os chineses lá a mandar, a conta não há-de ficar barata. Para quê a luz?

ALGUÉM1: O cinema e isso é que precisa de luz. E coisas modernas. Ainda por cima eles gostam tanto de Gil Vicente, bem que podiam fazer com as velinhas.

ALGUÉM2: Arranjam umas velinhas, até podem ir buscar aquelas bonitinhas lá de Fátima

ALGUÉM2: Concordo. E também para que é que está lá? Não consegue concessionar o espaço

quando não precisa? Com boa localização, até conseguia uma concessãozinha, ou dava um lamiré de outra graça, uma coisa mais… sei lá, mais la féria, mais superstar, mais Maria de Matos, ou assim umas coisas extravagantes tipo Joana Vasconcelos. ALGUÉM1: Pois, é que se fizessem dinheiro, mas nem dinheiro fazem. ALGUÉM2: Ou cobram a coisa mais cara, ou põe assim um branding lá pelo meio tipo Redbull lá para o meio do nome, até ficava giro. ALGUÉM1: Mas eles querem é arte. É aquela coisa dos subsídios. Sabe, este país é só subsídiodependentes. Se não faz dinheiro fecha, para quê estar aberto se não lucra? Se não lucra não interessa. A luz desliga-se e as duas pes-

soas lá se vão embora do cenário. Silêncio. NARRADOR: Não há luz. A luz incomoda. A luz faz doer os olhos. Estamos tão bem às escuras. Que acham? Assim, calados, dormentes, de cabeças tapadas pelo cobertor. Desliguemos a luz. Não só deste teatro, mas de todos. Para ficarmos às escuras, pela noite, enquanto as maiores desgraças se sucedem. Vamos viver sem maçadas, sem perguntas. Vamos desligar as luzes dos teatros que é tempo de poupança e o Ben-u-ron está caro. Nota final: O autor não sabe grande coisa de técnicas e regras de escrita dramatúrgica. António Meio-Esquisito antoniomeioesquisito@gmail.com*

*Caso queiram enviar elogios. Se forem críticas, não estou para aí virado.


15 de outubro de 2013 | Terça-feira | a

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ESTATUTO EDITORIAL Qualquer publicação deve divulgar, anualmente, o seu estatuto editorial

Estatuto Editorial do Jornal Universitário de Coimbra A CABRA e do portal informativo ACABRA.NET De acordo com o Artigo 17º, alínea 3, da Lei de Imprensa, qualquer publicação deve divulgar, anualmente, o seu estatuto editorial

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ACABRA e ACABRA.NET são dois órgãos de comunicação social académicos cujo objetivo é constituírem-se – numa simbiose capaz de aproveitar o formato e estilo diferente que cada um possui – enquanto Jornal Universitário de Coimbra.

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ACABRA e ACABRA.NET têm como público-alvo a Academia de Coimbra e é sob este princípio que devem guiar as decisões editoriais.

universitário no sentido amplo do termo – desprovido de preconceitos, criativo, atento, incisivo, crítico e irreverente.

possuem espaço e abertura para conteúdos não informativos, que se pautem por critérios de qualidade e criatividade.

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ACABRA e ACABRA.NET orientam o seu conteúdo por critérios de rigor, criatividade e independência política, económica, ideológica ou de qualquer outra espécie. ACABRA e ACABRA.NET praticam um jornalismo que se quer

ACABRA e ACABRA.NET praticam um jornalismo de qualidade, que foge ao sensacionalismo e reconhece como limite a fronteira da vida privada. ACABRA e ACABRA.NET são na sua essência constituídos por um conteúdo informativo, mas

Princípios e normas de conduta A isenção, imparcialidade e integridade que devem marcar o trabalho no Jornal Universitário de Coimbra implicam por parte dos seus jornalistas o conhecimento e aceitação de regras de conduta. Assim, o jornalista deve:

1. Recusar cargos e funções incompatíveis com a sua atividade de jornalista. Neste grupo incluem-se ligações à Direção-Geral da Associação Académica de Coimbra, à Queima das Fitas e ao poder autárquico, bem como a atividade em gabinetes de imprensa, na área da publicidade e das relações públicas. Este grupo fica impedido, à partida, de escrever na editoria de Ensino Superior dado o conflito de interesses e parcialidade. Quanto ao resto das editorias a restrição anula-se. Deste grupo estão excluídos, por respeito para com o direito do estudante de Coimbra de participar na gestão da Universidade de Coimbra, os cargos em órgãos de gestão das faculdades e da universidade. Cabe à Direção do Jornal Universitário de Coimbra decidir quais os casos em que a atividade jornalística se encontra prejudicada por outras atividades e agir em conformidade. --2. Abdicar do uso de informações obtidas sob a identificação de “jornalista do Jornal Universitário de Coimbra” (ou similares) em trabalhos que não sejam realizados no âmbito do Jornal Universitário de Coimbra. Além disso, o jornalista compromete-se ao sigilo das informações obtidas desta forma. Exceções a esta norma poderão ser autorizadas pela Direção do Jornal Universitário de Coimbra. 3. Recorrer apenas a meios legais

para a obtenção da informação, sendo norma a identificação como jornalista do Jornal Universitário de Coimbra. De forma alguma podem ser usadas informações obtidas através de conversas informais ou outras situações em que o jornalista não se identifica como tal e como estando em exercício de atividade. --4. Abdicar de se envolver em atividades ou tomadas de posição públicas que comprometam a imagem de isenção e independência do Jornal Universitário de Coimbra. Contudo, o Jornal Universitário de Coimbra reconhece o direito inalienável do jornalista universitário a assumir-se como cidadão. Assim, nunca um jornalista do Jornal Universitário de Coimbra será impedido de se manifestar em Reunião Geral de Alunos ou Assembleia Magna, desde que não esteja nessa altura em exercício da sua atividade jornalística, em cujo caso deverá prescindir do seu direito de expressão e voto. De igual forma, nunca será impedido de participar ativamente em qualquer atividade pública. Cabe à Direção do Jornal Universitário de Coimbra decidir quais os casos em que a atividade jornalística se encontra prejudicada por outras atividades e agir em conformidade. --5. Ter consciência do valor da informação e das suas eventuais consequências, particularmente no meio académico de Coimbra, no qual o Jornal Universitário de Coimbra é produzido e para o qual produz. Neste contexto particularmente sensível, o jornalista deve

ter especial atenção à proveniência da informação e à eventual parcialidade ou interesses da fonte (não descurando o imprescindível processo de cruzamento de fontes), bem como garantir uma igualdade de representação em caso de informações contraditórias ou interesses antagónicos, evitando que o Jornal Universitário de Coimbra se torne meio de comunicação de qualquer instituição, grupo ou pessoa. Num meio em que o desenrolar de acontecimentos pode afetar, direta ou indiretamente, o Jornal Universitário de Coimbra, o jornalista tem também que saber manter o distanciamento necessário para a produção de uma informação rigorosa. --6. Garantir a originalidade do seu trabalho. O plágio é proibido. Nestes casos, a Direção do Jornal Universitário de Coimbra deverá agir disciplinarmente e o jornal deverá retratar-se publicamente. --7. Recusar qualquer tipo de gratificação externa pela realização de um trabalho jornalístico. Estão excluídos deste grupo livros, cd’s, bilhetes para cinema, espetáculos ou outros eventos, bem como qualquer outro material que venha a ser alvo de tratamento crítico ou jornalístico; constituem também exceção convites de entidades para eventos que tenham um inegável interesse jornalístico (por exemplo, convites da Direção-Geral da Associação Académica de Coimbra para cobertura do Fórum AAC). Cabe à Direção do Jornal Universitário de Coimbra resolver qualquer questão ambígua.

ACABRA e ACABRA.NET integram-se na Secção de Jornalismo da Associação Académica de Coimbra, perante cuja Direção são responsáveis; contudo, as decisões editoriais d’ ACABRA e d’ ACABRA.NET não estão subordinadas aos interesses ou a qualquer posição da Secção de Jornalismo, nem

aquele facto interfere com a relação sempre honesta e transparente a que ACABRA e ACABRA.NET se obrigam a ter perante os seus leitores.

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A CABRA é um jornal mensal, cuja periodicidade acompanha os períodos de atividade letiva.

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ACABRA.NET é um site informativo, de atualização diária, cuja atividade acompanha os períodos de atividade letiva. PUBLICIDADE


18 | a cabra | 15 de outubro de 2013 | Terça-feira

SOLTAS DE PERFIL Entrevista a Luísa Sobral

por Andreia Isabel Gonçalves

“Foi isso que a música fez, fez-me a mim.” 26 anos • Cantora Acho que nunca pensamos muito quem é que somos, somos e pronto. Eu sou uma pessoa racional, organizada, sei exatamente aquilo que quero. Prezo muito a família. Gosto de estar sozinha, de cozinhar e de idiomas. Sou vegetariana e não bebo álcool. O gosto pela música provavelmente surgiu desde que eu estava na barriga e o meu pai ouvia música em casa. Eu acho que não conseguia viver sem tocar. Acaba por ser uma paixão, que é o meu trabalho. A música tem uma parte muito grande em quem eu sou, na minha personalidade. Foi isso que a música fez, fez-me a mim. Não há bem a necessidade de “ficar para a história”, acho que é um bocado presunçoso dizer que fiz alguma coisa pela música. Sou sarcástica e sou romântica, exponho o meu lado romântico mais nas canções do que na vida, mas ele está lá. Eu tenho a teoria de que os estilos musicais são feitos para organizar a música nas lojas de discos. Para as pessoas do jazz eu sou pop, para as pessoas do pop eu sou jazz. Não que me importe muito. O Tom Waits tem sido uma grande inspiração. Agora, se calhar, começo a afastar-me um bocadinho do jazz, durante um bocadinho e a ouvir outras coisas. Tive essa conversa com o meu manager e ele dizia “Oh, Luísa não te esqueças que és música de jazz”, e eu disse-lhe “não me faças isso”. Eu

não posso pensar enquanto estou a compor, isto não tem que ser nada. A participação no Ídolos foi esquecida depois, graças a Deus. Ajudou-me a dar valor ao que tenho agora, que é uma coisa mais calma e sólida e ajudou-me a perceber que eu não sabia quem era musicalmente e que tinha que me encontrar. Eu não gosto mesmo que as pessoas achem que o sucesso que a minha carreira está a ter tem alguma coisa a ver com o Ídolos, porque não tem minimamente. E acho que esses programas não têm saída nenhuma. Eu fui fazer o 12º ano aos Estados Unidos da América, fiz um intercâmbio. Tirei o curso superior de música em Boston, vivi uns tempos em Nova Iorque e vim para Portugal gravar o primeiro disco. Este novo álbum é um bocadinho mais triste e introspetivo. Tem um lado mais folk. O António Zambujo é meu amigo, já tínhamos cantado 2 ou 3 vezes esta música juntos. A do Mário Laginha foi uma canção que eu escrevi para o Bernardo Sasseti. E o Jamie Cullum foi o mais diferente, eu não gravei com ele, ele gravou lá, e deu uma entrevista a dizer “a Luísa soube que eu era fã dela e pediu-me para eu gravar”. Este disco vai sair na Europa inteira e se calhar nos EUA logo a seguir, por isso vai ser um passo muito maior. Viajar, tocar, compor e conhecer pessoas diferentes, é isso que eu quero fazer.

ANDREIA ISABEL GONÇALVES

30 ANOS DE SECÇÃO DE JORNALISMO REVISITADOS Por Carla Sofia Maia e Maria Eduarda Eloy

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FMI está em Portugal e isso já se faz sentir. A degradação da situação económica, a inflação, os cortes orçamentais e alguma má gestão das verbas da Ação Social dão origem a situações de carência entre os estudantes. Insatisfeitos com esta situação, os 13 mil alunos da Universidade de Coimbra (UC) partem para a contestação e ocupam as cantinas. Exigem uma maior qualidade na alimentação. Querem mais espaço na Associação Académica. O primeiro-ministro, Mário Soares, vem à UC negociar estas

situações com o reitor Rui Alarcão. Na agenda, está também a discussão da autonomia universitária e a criação de um emissor académico, para legalizar a Rádio Universidade. Estamos em 25 de novembro de 1983. Acabou de ser lançada A Cábula, a primeira publicação da recém-criada Secção de Jornalismo. O jornal, que custa 20 escudos, pretende ilustrar o quotidiano estudantil. Apresentada numa data de grande importância para a academia, coincidente com a Tomada da Bastilha, tem conteúdos muito

REGRESSO AO PASSADO: CÁBULA Nº 0 diversos que vão desde a informação até à sátira. A Pedrada Encharcada critica com humor, e anonimamente, a vida académica coimbrã e a atualidade nacional. “Os portugueses descobrem que têm uma das melhores urbanizações de bairros de lata e de construções clandestinas da Europa”, ironiza “apedrada” quando a CEE ainda é uma miragem para o país. Na cidade, “boicotes sistemáticos da administração do Teatro Gil Vicente” provocam conflitos com o CITAC. Ao mesmo tempo, o TEUC celebra 45 anos de existên-

cia, “numa fase mais experimentalista, mesmo de vanguarda”. Estamos em 2013. A UC conta agora cerca de 23 mil estudantes e é Património Mundial da UNESCO. O FMI está novamente em Portugal. A degradação da situação económica, a inflação e os cortes orçamentais dão origem a situações de carência entre os estudantes: exige-se uma Ação Social mais justa. Ainda ocupamos cantinas mas já não temos A Cábula. A Secção de Jornalismo, 30 anos depois, continua a produzir.


15 de outubro de 2013 | Terça-feira | a

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SOLTAS CONTRADIÇÕES NUMA ESTRUTURA Por Paulo Vaz

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undo-me com duas hipotéticas personagens, uma masculina, outra feminina. Rasgo roupas de nós três e saímos de um corpo único. Vulto negro de carne, de pé, estático. Como me vejo. A perspectiva sobe, estamos num filme. Pausa. Olha-se em redor, com a câmara pronta, um quarto mobilado, meio limpo, meio sujo, cama, cadeiras, bibliografia inútil. Não há cartas de amor, não há fotografias à vista. Não filmamos. Fotografo um pensamento – A vida é regulada pelas tensões e pelo fascínio de um pelo outro; todos esses fascínios entram em tensão, está explicado o mundo – muda-se de plano. Amiga mente. Porque valorizas tanto o pensamento? – O meu corpo quer descanso e tormento. Deitou-se no quarto, metade. Está escuro, tem medo. Observo deliciosamente o esforço requerido, requerido. Conhecer todos os seus pensamentos une-me. Desenvolvo ideias para me conceber e consumir totalmente. Chloe não se sonhou. Na metade, entre o sono e o despertar para as cores, o movimento e as indecisões, Chloe pensou em dar o salto. Não o de Woolf. Um salto sem vontade. Contradiz-te e à contradição da vida, mas não te alegres. Deixa cair uma lágrima por todos nós. Verte o cálice do sentimento e derrama-o em frente aos teus, filma-o, dá-o a conhecer. Chloe continua deitada, aproximamo-nos. Chloe abre a boca, boceja. Chloe quer dormir, mas não pode, ainda não, enrola-se como se quisesse conforto. Vazios perfeitos. Pretensões. Sonambulismo. Fraco. Calafrios. Rostos. Os sentidos e o vazio, a fórmula de acreditar num possível futuro. Uma perturbação não é uma deturpação da realidade. É apenas o caminho mais curto da mente, que permite embelezar as vidas, defende ela. Devo acreditar? Demos as mãos. Alteremos todos os dicionários. O erro e a maldade já não têm o mesmo significado. Estamos os três sentados. Chloe, eu e o vulto. Toco em

facebook.com/aac.sesla Chloe, vejo os seus olhos, está muito escuro, ela é pálida e existe. Avatares femininos de mim, contraditórios. Avatares confusos. Somos manequins um do outro, outro. Trocámos cadernos de vácuo, que continham escritas sanguinárias. Nós três, como um grupo ale-

-se, em sentidos opostos e demovem-me de perseguir, perseguir. Sinto uma afinidade umbilical assim que os vejo partir. Somos mais que irmãos, partilhámos sangue e um corpo. Supostamente morreríamos planos, sem extrapolações à vida que nos ensinaram a viver. Con-

não existem chaves para todas as fechaduras. Passou-se algum tempo. As vozes deles calaram-se de vez. Desde que partiram em direcções opostas. Tentei confortar a parte que faltava a meu corpo com máquinas, parafusos, ética, algumas religiões, mas em vão. Era impe-

górico dos loucos, concluímos em conversa que o hiperbólico é o que já não existe, que caímos mesmo na vida e que estes paradoxos, estes entraves faziam parte dela. E rimos. Rimos muito. E chorámos também. Os dois afastam-se, afastam-

tudo, o vício dos corpos é colosso antigo. Não é o corpo que importa, mas o conceito que desenvolvemos dele. Agora deixem-me penetrar fisicamente, mas não mentalmente! Peço-vos. Assim sei que deixo de refletir e ficarei sem saber que

netrável. Serei eu a subalternidade do poder atual? Mero condimento da eletrónica? E jurava de joelhos que não tinha perturbações mentais no histórico clínico. Muito refletiu sobre o assunto. Decorriam demandas inquietan-

tes em si. Primeiro, curvado, em plena cidade ruborizava ao olhar para os carros, para as portas, para as impressoras. Apetecia-lhe fundir-se com os motores. Numa segunda fase, sentia-se intimidado pela velocidade com que esses carros, que minutos antes o faziam sentir-se completo, adquiriam nas estradas e com as expressões faciais de pessoas que acabavam de sair do trabalho ou do mercado da rua principal. Num terceiro momento, Eric acompanhava linearmente o próprio pensamento. Traçou um mapa da sua vida, de todos os traumas que tivera, de todas as vezes que um assunto lhe surgia na mente e chorava. Catalogou namoradas e amigos. Revisitou escritos e filmes antigos. Recalcamentos? Ficaram perguntas por responder, foi o que concluiu. Algo ou alguém com competências linguísticas, que se consegue sorrateiramente escapar, não percebia a sua proveniência… A objectiva aproxima o olhar do técnico de uma massa que flutuava à sua frente. Queria catalogar esta nova forma de vida, este novo órgão. Depois da morte de Eric, na imprensa do dia seguinte, por todo o mundo se celebrava, se teorizava sobre esta evolução espontânea. “Em nós, no século XXI”, diziam, “serei eu a próxima?”, perguntavam. Os jornais contavam a história. Uma narrativa fictícia, conjurada, de um jovem que teve que viver com um órgão desconhecido, uma mutação da mente, agora em estudo e análise. Dramatizaram muito, inventavam teorias da conspiração, especulaWANDA DIAS vam experiências mórbidas que teriam sido levadas a cabo em ruas sujas, por grupos ainda mais sujos. Esperemos pelo resultado. *Este espaço é resultado de uma parceria entre a Secção de Escrita e Leitura da AAC e o Jornal A Cabra.


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JORNAL UNIVERSITÁRIO DE COIMBRA

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10º EXPOSIÇÃO DE ESPANTALHOS Por Catarina Carvalho

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Fotorreportagem em

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