Edição 319 - Jornal Universitário de Coimbra - A CABRA

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Cidade para turista ver

Edifícios históricos e eventos tradicionais sofrem comercialização e gentrificação crescente que afasta habitantes locais. Falta de apoios estatais apontada como principal justificação.

ENSINO

- PÁG. 03 -

Dirigentes da Casa refletem sobre “comercialização” da Queima das Fitas e desvalorização das atividades tradicionais.

CULTURA

- PÁG. 07 -

Entre processos de escrita e discussões políticas, Sérgio Godinho relembra como “tudo passa a fazer sentido” no pós Revolução dos Cravos.

DESPORTO

- PÁG. 08 -

Com obstáculos semanalmente, equipa masculina de Basquetebol desce de divisão. DG/AAC com olhos em abril de 2025 para Fases Finais da FADU.

REPORTAGEM

- PÁG. 06 -

Secção de Xadrez encontra prodígio de 14 anos. Treinador, presidente da estrutura, e pai do jovem demonstram apoio e esperança para o futuro.

CIÊNCIA

- PÁG. 09 -

Regulamentação de IA na UE vem reforçar dimensão ética num meio em evolução. Especialistas preveem maior confiança na utilização destes algortimos.

CIDADE

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Do Teatro Avenida às Galerias Avenida: o edifício que já foi um coração cultural para Coimbra está, agora, assombrado por corredores vazios.

SUPLEMENTO

Encontro Nacional de Jornalismo UniversitárioorganizadoemCoimbrano últimofimdesemanademarçoestáa desenvolver documento reivindicativopelojornalismoacadémico.

01 14 de maio de 2024 14 DE MAIO DE 2024 ANO XXXIIII Nº319 GRATUITO PERIÓDICO DIRETORA ANA FILIPA PAZ
EXECUTIVAS DANIELA FAZENDEIRO E CLARA NETO
EDITORAS
Simão Moura

Inundações intensificam discussão sobre requalificação da AAC

- POR CATARINA DUARTE & LUÍSA MALVAAdministrador da DG/AAC refere possibilidade de realocação de estruturas da Casa para Cantina dos Grelhados durante obras. Secretário-geral do Conselho Cultural esclarece que intervenção vai ter em conta “necessidades logísticas e técnicas”.

Na sequência das inundações na madrugada do dia 30 de março, que causaram a evacuação da Associação Académica de Coimbra (AAC), a Reitoria da Universidade de Coimbra (UC) convocou uma reunião com a Direção-Geral da AAC (DG/AAC) de modo a discutir o estado do edifício. No encontro, foi apresentado um projeto da Reitoria que prevê a reabilitação das estruturas e a reparação das salas mais afetadas pela chuva, como a Secção Filatélica e a Rádio Universidade de Coimbra.

Este plano, ainda não aprovado, procura resolver os problemas infraestruturais do edifíciosede, como a instabilidade arquitetónica, a humidade, o envelhecimento e o mau isolamento. Com previsão para o começo das intervenções “no final de maio”, segundo o administrador da DG/AAC, Carlos Magalhães, o projeto visa também repensar o planeamento das salas. O secretário-geral do Conselho Cultural, Vítor Sanfins, corrobora que as obras vão ter lugar ainda antes do próximo ano letivo.

A discussão relativa às infraestruturas da AAC não é recente. Já em 2020, secções culturais, organismos autónomos e uma secção desportiva assinaram uma carta-aberta que contestava as condições de segurança do edifício.

Em resposta, o reitor da UC, Amílcar Falcão, desvalorizou as estruturas ao declarar que existe “uma grande diferença entre irreverência e parvoíce”.

Segundo Vítor Sanfins, na reunião convocada pela Reitoria foram discutidas “em pormenor” as infiltrações e “uma eventual remodelação”. Esclarece que as obras vão ter em conta “as necessidades logísticas e técnicas de cada estrutura”. Por sua vez, o administrador da DG/ AAC explica que, além da recuperação das salas

afetadas pela chuva, o projeto conta com o planeamento de “uma cablagem correta a nível elétrico”. Acrescenta que o plano inclui uma verificação do uso das salas, que consiste na otimização dos espaços em termos de dimensão e qualidade. Carlos Magalhães refere que a DG/ AAC encontra-se à espera de uma confirmação por parte da Reitoria, já que o projeto ainda não foi aprovado.

O administrador da DG/AAC declara que, caso seja necessário realocar alguma estrutura, “nunca vai ser com o intuito de prejudicar qualquer uma”. Explica que “se for preciso juntar duas estruturas, estas vão ser contactadas primeiro”. Se a junção não for viável, “as secções podem ser realocadas temporariamente para outro espaço”, acrescenta.

Carlos Magalhães considera que a Cantina dos Grelhados e a Cantina das Massas são adequadas para albergar estruturas da Casa. Segundo o dirigente, a otimização do espaço e o fim da “cortina de ferro” (divisória colocada na antiga Cantina dos Grelhados pela Reitoria sem aviso prévio à comunidade académica) seria “um bom começo”. Usa a Cantina das Massas, sob gestão da Secção de Fado da AAC, como exemplo, pois considera que “funciona bem em termos de otimização de espaço”. A seu ver, maximizar a utilização de propriedades da UC poderia resolver “a falta de dimensão em certas secções”. Segundo Vítor Sanfins, o plano não conta com uma restauração “em concreto” dos espaços adjacentes ao edifício-sede, na medida em que “não se recorda de um projeto de requalificação paisagística do jardim”.

“O edifício foi construído em 1961 e não se encontra preparado para durar mais do que 50 anos”, informa o administrador da DG/AAC.

Garante que a Casa precisa de ser “recapacitada para garantir boas condições”. Contudo, não considera que esteja “inoperável” porque encontra-se “favorável para o desempenho do trabalho das secções e da própria DG/AAC”. Acrescenta que “a infraestrutura não corre o risco de ruir, como foi descrito na comunicação social”, na sequência das cheias ocorridas na Páscoa.

Neste momento, o plano de intervenção que está a ser seguido tem três fases, esclarece Carlos Magalhães. Este é constituído pela manutenção das infiltrações, seguida pela recuperação das instalações sanitárias, e, por fim, pelas instalações elétricas. Porém, acrescenta que “foi ajustado recentemente devido às inundações”. O projeto encontra-se no final da primeira etapa. “As obras nas instalações sanitárias não vão começar enquanto as infiltrações não estiverem resolvidas”, explicita o administrador da DG/AAC. Acredita que, “se tudo correr bem”, no final do seu mandato ou no próximo vai avançar-se para a segunda fase. Carlos Magalhães pensa que o primeiro momento levou um longo período a ser finalizado devido à dependência de resposta por parte da empresa responsável pelas renovações. Remata que o processo acabou por se atrasar, também, por causa da correção de intervenções ao edifício que não ficaram finalizadas em mandatos anteriores.

Apesar de inúmeras tentativas de contacto, o Jornal Universitário de Coimbra – A CABRA não conseguiu entrevistar o vice-reitor do Património, Edificado e Turismo, Alfredo Dias.

14 de maio de 2024 02 ENSINO SUPERIOR
Catarina Duarte

“Comercialização” da Queima das Fitas prejudica a tradição

Com mais de um século de história, evento académico não perde vertente tradicional, apesar de queda na adesão. Noites no Parque da Canção competem com atividades antes repletas de estudantes.

- POR DIOGO TELES MATEUS -

AQueima das Fitas (QF) de Coimbra é a festa académica mais antiga do país. Deste evento saiu a base para as restantes, que proliferam de norte a sul de Portugal. Apesar do crescente distanciamento da comunidade estudantil à tradição, o dux veteranorum da Universidade de Coimbra (UC), Matias Correia, entende que são “as atividades tradicionais que fazem a QF única e a distinguem das outras festas académicas”.

Matias Correia justifica esse afastamento com “a massificação e globalização que levaram as pessoas a deixar de ter apego ao que é local e passarem a preferir aquilo que está na moda”. O estudante considera que houve uma “comercialização” da festa académica que “decorreu de forma natural, ao acompanhar a evolução da sociedade”. Acrescenta que “as novas modas evoluíram no sentido em que a maioria dos estudantes presta mais atenção à QF pelas noites no Parque da Canção do que pelas suas atividades de índole tradicional”.

Também o presidente da Secção de Fado da Associação Académica de Coimbra (SF/AAC), Diogo Ferreira, acredita que há uma “comercialização” da festa que a aproxima a um festival. Para o dirigente, existiram alterações devido ao crescente número de estudantes do Ensino Superior na cidade, o que “implica uma reestruturação a nível logístico e organizacional”, a acrescentar à falta de apoios estatais para a AAC. Estes fatores culminaram na transformação da QF numa “fonte de receitas” por necessidade, remata.

Se, por um lado, há uma migração noturna massiva à margem esquerda do rio Mondego durante oito noites de maio, por outro, há atividades na margem direita que vão perdendo fôlego. A Récita das Faculdades é um dos eventos com baixa adesão. O comissário para a Tradição na Comissão Organizadora da Queima das Fitas (COQF) 2024, Gonçalo Pereira, refere uma “eventual falta de conhecimento” da atividade, mas assegura que a organização a “tenta publicitar ao máximo”.

No entanto, se compararmos a Récita das Faculdades, um evento tradicional, e o ‘warm-up’, atividade que começou a ser realizada em 2022 e que ocorre igualmente nos Jardins da AAC, a adesão é díspar. O estudante aponta duas razões para a diferença de audiência: o horário em que se realizam e as atuações em palco. O primeiro evento é integrado por alunos da UC e o segundo tem artistas nacionais convidados. “Às vezes, o interesse pela tradição

não é tão grande como o interesse por esse tipo de festas”, completa.

Gonçalo Pereira menciona que “cada vez mais se profere que a QF tem perdido alguma vertente tradicional”, mas acredita que “isso tem que ver com o público”. O estudante defende uma posição similar à dos entrevistados já mencionados: “as pessoas preferem ir para um ambiente festivo do que participar em atividades de índole tradicional”. Ainda assim, entende que a tradição coimbrã, “por já ter mais anos e outro tipo de estofo, vai ser sempre diferente, independentemente da adesão”.

Também o Sarau de Gala, que decorre no Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV), tem uma plateia reduzida. O evento, que reúne grupos académicos, é “das noites mais importantes, onde há a oportunidade de partilhar o trabalho feito ao longo do ano”, diz a presidente das Mondeguinas – Tuna Feminina da UC, Rita Neves. Desabafa que “gostava que o evento tivesse o reconhecimento devido” e que, a seu ver, “não só não o alcança, como tem vindo a perder” importância junto da comunidade estudantil. Admite ainda que o público compõe-se pelos pais dos elementos e pelos outros grupos que, no momento, não estão a atuar.

O tratamento dado aos grupos académicos no Sarau de Gala é “um problema estrutural que se alonga há bastantes anos e deixa muito a desejar”, defende Diogo Ferreira. Mesmo que isto não os faça abandonar a atividade, admite que “é uma luta ainda muito longe de terminar”. Rita Neves acredita que, “para a COQF, nem existia Sarau de Gala” e adianta que já chegou a atuar em momentos sem a presença de qualquer elemento da organização por estarem no Parque da Canção. “Eles fazem o Sarau para nos deixar felizes”, remata.

No entanto, a fraca adesão a estas atividades não foi sempre uma realidade. António Esteves, que frequentou a Faculdade de Direito da UC entre 1983 e 1989, relata que “todo o programa da QF era consumido em pleno” e com uma “adesão massiva” pelos universitários. O antigo estudante conta que, no Sarau de Gala, “as pessoas ficavam à porta” e a sala estava cheia, com público a assistir em pé.

Segundo António Esteves, a Récita das Faculdades também era muito popular. “Os alunos não iam a tudo, mas o que era em recinto fechado, como o Baile de Gala, o Sarau ou o Chá Dançante, enchia”, acrescenta. Perante a imagem atual de uma sala do TAGV quase vazia, o antigo estudante confidencia que “não poderia imaginar que alguma vez o Sarau não tivesse gente a mais”.

Apesar da maior ou menor adesão entre atividades características desta festa académica, o dux veteranorum garante que “a Queima das Fitas sem noites de parque continua a ser a Queima das Fitas”. Em contrapartida, finaliza: “se tirarem a componente tradicional, deixa de ser Queima das Fitas e passa a ser um festival igual a todos os outros”.

03 14 de maio de 2024 ENSINO SUPERIOR
Ana Filipa Paz

As missas do hip-hop na Roda O Centro

Comunidade pretende unir artistas e amantes do movimento cultural em busca do seu reconhecimento. Falta de apoios estatais preocupa organizadores.

- POR BÁRBARA MONTEIRO -

Criada em agosto de 2023, a Roda O Centro é uma organização sem fins lucrativos que reúne artistas de diferentes vertentes do hip-hop para se expressarem e partilharem a sua arte. Esta comunidade conta já com centenas de participantes e espectadores que, todas as quintas-feiras, se juntam para valorizar as rimas, a dança, o ‘beatbox’, o ‘graffiti’, a pintura, a poesia e tudo o que compõe o movimento cultural. A iniciativa tem como objetivo impulsionar este estilo a nível local e quebrar os estereótipos que assombram os artistas de rua. A comunidade começou por ser uma ideia entre um grupo de amigos. Porém, foi Luís Vieira, conhecido por ‘Shark’, que deu vida ao projeto.

Tudo começou quando o fundador, que conhecia artistas de ‘freestyle’ de outras zonas do país, os convidou para se reunirem no Parque Municipal de Skate de Coimbra, local onde, hoje, fazem a cultura do hip-hop acontecer. A incerteza na possibilidade de concretização do projeto levou o organizador a agir sozinho: “como ninguém queria tomar iniciativa, percebi que tinha de ser eu”.

Com encontros marcados semanalmente às 20 horas, as “missas” exploram as diferentes formas de arte acima mencionadas, que se desenvolvem sob forma voluntária e, por vezes, de improviso. Luís Vieira acredita que, para a arte da improvisação acontecer, é necessário uma desinibição completa por parte dos artistas. “Uma pessoa tem de se sentir nua, o mais pura possível”, confessa. Quem quiser participar deve falar com os organizadores para ser inserido num grupo de ‘WhatsApp’, onde pode confirmar a sua disponibilidade para os futuros encontros.

fácil acesso digital à cultura hip-hop e o local onde decorrem estes encontros resultam numa maior dificuldade em reunir público, segundo a produtora. Refere ainda que, “uma vez que a Roda O Centro não consegue construir uma plateia, como acontece em casas de ‘shows’ pagos, o público tende a não “levar a sério” o que é produzido e apresentado de forma gratuita.

Gonçalo Guiné, outro produtor da iniciativa, menciona que a Roda O Centro contribui para uma visão mais séria do hip-hop a nível local. “Hoje, a outra malta que trabalha para o movimento cultural olha para o de Coimbra com mais seriedade”, considera. O artista crê que

CMC não quer saber destes locais”, comenta.

A desmistificação do hip-hop

De acordo com Betina Monteiro, a cultura hip-hop não é muito popular em Portugal, o que conduz a uma conceção errada do seu verdadeiro significado. “A maioria das pessoas não tem contacto com este movimento porque, na cultura portuguesa, a arte de rua não é reconhecida como essencial”, declara.

o elevado número de jovens na cidade é uma mais-valia para a progressão desta arte na zona Centro. Contudo, assume que Coimbra “sempre ficou aquém” no que diz respeito ao hip -hop, em comparação com os “grandes polos”, Porto e Lisboa, o que representa um obstáculo para o crescimento do género como parte da cultura da cidade.

A Roda O Centro despertou um novo tipo de entretenimento gratuito, que promove também o convívio. Betina Monteiro, de alcunha “Maldita”, e uma das responsáveis pela produção dos encontros, acredita que falta este género de entretenimento gratuito em Coimbra. “Existe uma carência muito grande de um movimento cultural feito de jovens para jovens, para nutrir a cultura e não ter apenas um espaço programado para ser pago”, explica. O

Na sua maioria, a Roda O Centro é uma iniciativa composta por voluntários, pelo que não recebe qualquer apoio financeiro por parte do Estado ou de outras organizações. Desta forma, o material adquirido resulta de doações e dos bolsos dos organizadores e membros da comunidade. ‘Shark’ critica a falta de ação, em especial por parte da Câmara Municipal de Coimbra (CMC), no que toca à manutenção dos ‘skateparks’, lugares que servem de palco para as suas atividades. A falta de condições leva à degradação do espaço e à impossibilidade de usufruir das áreas. “A

A produtora refere que, desde cedo, as crianças são educadas com uma ideia do hip-hop que não corresponde à realidade. “As pessoas estão muito acostumadas a encarar esta arte do lado comercial e não veem que não é um produto, é uma cultura feita na rua”, argumenta. Luís Vieira partilha da mesma opinião e realça a importância deste género no ensino dos mais novos, ao exclamar: “90% dos jovens que vêm para a universidade não tiveram contacto com o hip-hop desde cedo”. Nesse sentido, a comunidade procura realizar atividades mensais em escolas, de forma a “estimular a criatividade das crianças” e lhes dar a conhecer esta cultura. Para quem por lá passa, a Roda O Centro tornouse num crescente espaço de união e autoconhecimento, onde as pessoas têm a possibilidade de “consumir arte e aprendê-la da forma que preferirem”, conta Betina Monteiro. Para Maria João Ventura, praticante de dança ‘freestyle’, a descoberta da comunidade deu-se na altura da sua criação, através de amigos, e o interesse foi imediato, pelo que nunca mais deixou de ir. O mesmo aconteceu com Laura Santos, também bailarina, que participa nos encontros da Roda desde novembro.

As artistas reforçam que este tipo de iniciativas são importantes para a cultura local e defendem que deve haver uma maior valorização do hip-hop. De acordo com as jovens, e em consonância com a crença dos produtores, a disseminação desta arte permite a desconstrução de estereótipos sobre o género e os artistas de rua. Por fim, ao descrever a Roda O Centro, surge uma palavra comum entre os artistas e os espectadores: família.

14 de maio de 2024 04 CULTURA
Bárbara Monteiro
“O que em ti queres destruir?”

Na Casa das Artes, tudo

Entre cantos escuros e acabados e outros cheios de cor e energia, a CABB abre portas nunca destrancadas ao público mais curioso. Da cave ao sótão, dezenas de obras oferecem experiência única aos visitantes.

- POR LUÍS ALMEIDA -

ACasa das Artes Bissaya Barreto – Sá da Bandeira (CABB) vai sofrer uma intervenção a fundo que a vai manter fechada nos próximos três anos. De momento, o edifício acolhe uma exposição – bLast – que pretende oferecer uma experiência imersiva e interativa a quem visita o espaço. Desde a cave, antes inacessível, ao sótão abafado, são 38 os projetos artísticos que se podem observar. Resultam de uma ‘open call’ e de convites a dezenas de artistas que trabalharam, ao longo de semanas, para dar vida e cor à CABB, enquanto transmitem as mais variadas mensagens.

O objetivo desta exposição é ser uma “despedida da Casa”, como conta Lia Cachim, uma das curadoras da bLast. Explica que foi dada “liberdade total” aos artistas para usarem o edifício como quisessem nas suas obras. Desde buracos nas paredes a pinturas e manchas de tinta por todo o lado, os intervenientes desta exposição tiveram como único limite a segurança do espaço.

A visita do Jornal Universitário de CoimbraA CABRA começou na cave. Do lado esquerdo, ao fundo das escadas, encontra-se um monte de jornais que dá pelo joelho, antes perdidos pela Casa e agora ali expostos. Dentro da sala logo ao lado, um aríete feito de portas pendurado no teto deu origem a um buraco na parede. Ao olhar com mais atenção, dentro deste buraco pode encontrar-se um quarto em miniatura. Uma pequena cama, uma mesa, dois copos e uma garrafa de vinho meio cheia enchem o pequeno espaço escondido. É nesta divisão que se encontram as primeiras pistas de um tema recorrente na exposição: a crise da Habitação. De volta ao piso de entrada, atrás de uma cortina, encontra-se uma sala com uma instalação sonora e algumas pinturas. Lia Cachim esclarece que este espaço e os artistas responsáveis pela obra têm como objetivo mostrar que “o erro faz parte da arte” e do processo criativo, processo este que está presente através da sonoridade. Os sons da preparação

desta obra foram captados e acompanham quem visita este espaço.

Na sala ao lado, numa porta no meio de portas, pode ler-se: “e se esta porta se abrir para uma porta que se abre para uma porta que se abre para uma porta” repetido dezenas de vezes porta abaixo. Até que, por fim, a pergunta faz um desvio e a porta torna-se numa “janela que se abre para a noite”. Construído com portas do edifício, este projeto pretende levar a uma “reflexão sobre a fugacidade da própria existência”, de acordo com a descrição da obra.

Ao subir as escadas, é impossível ignorar as manchas de vermelho sangue – no tom e na intenção - na parede, bem como a frase “Maria is dead”. Já no piso superior, observa-se um corredor que dá destaque à crise da Habitação. Forrado com imagens de manifestações, casas e cartazes com palavras de contestação, esta obra dá pelo nome de “Habita-te!” e coloca o holofote num poema em letras garrafais ao fundo do corredor. Ali pode ler-se sobre casas, tendas e lares “onde o sonho basta” e espaços com “meio sossego”. No entanto, para os autores, o grande protagonista desta instalação é o artigo 65º da Constituição da República Portuguesa, onde está consagrado o direito à Habitação. Percorrendo os espaços deste piso, encontram-se expostos objetos que foram descobertos um pouco por toda a Casa, bem como uma peça de gesso que se destaca por sair da parede em direção ao centro da sala onde está. Fica-se a saber, pela explicação de Lia, que a obra simboliza a desconstrução e reconstrução da própria CABB; é o edifício a sair de si em direção aos escombros para, mais tarde, renascer. Do outro lado, à direita do poema já referido, há um corredor com paredes onde pouco espaço sobra. Ali, os visitantes podem pegar em giz guardado em gavetas coladas à parede e deixar um desenho ou uma mensagem. Por fim, no sótão da CABB, encontram-se elementos têxteis suspensos, construídos com vários tecidos encontrados pela Casa. Preten-

dem dar destaque à “dimensão telúrica da mulher”, como revela um poema escrito na parede. Este pequeno excerto literário descreve a mulher como “a que deita a semente à Terra, e a faz germinar/ a demiurga, criadora artesã/ a mágica, que concebe, prevê e lê o mundo/ nos seus fenómenos naturais e extraordinários”. Noutra parte do sótão, lê-se por cima da porta “O que em ti queres destruir?” e faz-se o convite aos visitantes para escreverem a sua resposta num envelope e a colocarem numa antiga caixa de correio. Os conteúdos, no entanto, vão continuar um mistério, pois vão fazer parte dos escombros a que a Casa vai ser reduzida. E assim terminou a visita.

Em jeito de introspeção, Lia Cachim considera que o público conimbricense está a sofrer uma mudança de interesses. Revela que, na inauguração, não havia espaço para circular, tal foi a adesão. A curadora acredita que existe um aborrecimento do típico meio académico e um crescimento de outros espaços culturais, que já existiam e tinham a sua produção cultural, mas estão agora a ganhar relevância. Sobre a bLast, destaca o equilíbrio entre artistas da cidade e de fora e, ainda, a particularidade da liberdade total para usar a Casa, algo que não vê como habitual.

No dia 16 de maio vai haver um ‘Warm-Up’ do Palco RUC para iniciar o encerramento da exposição. No entanto, o adeus definitivo dáse no dia 18, com direito à desconstrução, e até destruição, de elementos expostos. Para Lia, esta foi a melhor despedida (ou “até já”) possível, pois conseguiu criar uma “maior intimidade entre o espectador e o espaço” ao darlhe acesso a cantos da CABB nunca visitados. Outro momento importante para a curadora é a possibilidade de interação com os artistas no encerramento da bLast, de modo a entender melhor as suas obras e torná-las menos efémeras na mente de quem passou pela exposição ao longo destes dois meses.

05 14 de maio de 2024 CULTURA
Luís Almeida

A ciência da primeira jogada

Atleta da Académica dá primeiros passos no xadrez. “Dentro de um ou dois anos, vai dar um grande salto”, declara treinador Bruno Pais.

- POR MIGUEL SANTOS -

Há muito que se esconde no deslize silencioso de cada peça, ou no toque discreto dos dedos sobre o relógio das partidas. Vista de fora, a atividade parece resumir-se ao que os olhos observam: duas pessoas caladas, movimentos mecânicos calculados, faces trancadas, e, às vezes, um nervosismo impossível de mascarar. Mas Ricardo Araújo, jogador da Associação Académica de Coimbra (AAC), é um exemplo que contraria essa visão. E vem mostrar que a modalidade é mais profunda do que se pensa.

O prodígio

Ricardo tem 13 anos e está na primeira época do escalão sub-14. Ligado ao clube há seis anos, integra a equipa de múltiplas idades da Académica, atuante na terceira divisão nacional. A época passada subiu cerca de 20 mil posições no ranking mundial da sua categoria e conta com uma atual pontuação de 1930, muito alta para a idade. Em todas as provas compete pelos primeiros lugares, e, em cada época, que dura do início ao fim do ano, procura brilhar. O desportista, cujo sonho é chegar à primeira divisão e a competições europeias, “tem dado muito bons indicadores”, segundo o treinador Bruno Pais.

Dentro do mundo quadriculado, os maiores gostos do jovem são “o desafio de competir”, assim como “a resolução de problemas”. Evidencia, ao analisar a época passada, os

“torneios em que ficou bem classificado e que continham opositores fortes de todas as idades”. Quando joga, sente “muitas emoções”. Menciona também a eterna questão: ser-se adversário de si próprio. “Por ter de imaginar as jogadas do oponente, chega-se a ver coisas que nem lhe passam pela cabeça”, pronuncia o rapaz.

O treinador

O seu atual mestre é Bruno Pais. Ligado à secção há 34 anos, declara que, desde o início desta longa relação, tem registado uma “adaptação dos tempos paralelos”. Antes, a modalidade era algo que “todos faziam”, depois houve uma “fase de acalmia ao surgirem as tecnologias de massa” e, nos últimos anos, o desporto “voltou a estar na moda”, destaca. O técnico frisa a “acessibilidade” e o “baixo custo” da modalidade. Aponta ainda que “houve uma altura de elitismo na qual quem jogava era rotulado de grande inteligência, o que não é de todo verdade”.

O mister do Ricardo elege o xadrez como a sua “segunda pele”, dado que está todos os dias ligado à secção. Os seus treinos são “adequados aos presentes”, pois tenta sempre “encontrar um ponto de coincidência entre aquilo que se está a dar e os erros dos alunos”. Acrescenta ainda que “há aprendizes superiores ao treinador”, mas que “não é necessário ser melhor para os conseguir encaminhar”.

Um destes casos em que o pupilo supera o mestre é precisamente Ricardo Araújo. De acordo com Bruno Pais, que se revela “apaixonado, em primeiro lugar, pelo conceito de ensinar”, o jovem jogador é “muito rápido a pensar”. Ainda que qualquer xadrezista consiga prever as jogadas do adversário, o rapaz em questão “calcula as jogadas acima da média”, segundo a perspetiva do treinador. “Demoro um minuto a calcular dez combinações, enquanto ele demora dez segundos”, realça.

“Para se ser melhor não basta trabalhar”, sentencia Bruno Pais. Enumera também os ingredientes do sucesso como um “bocadinho de talento, estabilidade mental e emocional, e capacidade de concentração e memória”. Complementa ao relembrar que “há atletas com técnicos a tempo inteiro, com seis a oito horas diárias de treino”, e que há apenas uma forma de combater isso: “inovar”.

Ao focar no percurso do Ricardo, o técnico observa “uma grande evolução”. A nível interno do clube, há inclusive algumas complicações derivadas deste melhoramento, como “a recusa dos colegas em jogar contra ele, por se saber com antecedência o resultado”, declara. Em seguida, a perspetiva lançada para com o jogador foi a de que, “dentro de um ou dois anos, vai dar um grande salto”.

Torneio da última época

No âmbito das competições axadrezadas,

14 de maio de 2024 06 REPORTAGEM
Miguel Santos

existem campeonatos nacionais individuais, de equipas, de rápidas, de lentas, e de superrápidas. “Há várias modalidades dentro desta modalidade”, compreende o treinador. A regularidade semanal dos torneios obriga à participação assídua, sob pena de fazer descer com rapidez a pontuação individual. Uma das provas que marcaram a época anterior da jovem promessa da AAC foi o Torneio Internacional dos Galitos, em Aveiro.

A iniciativa, que aconteceu de 9 a 11 de junho. Começou da melhor maneira, com uma vitória clara. O segundo duelo ficou marcado pelo surpreendente domínio na maior parte do tempo, embora tenha perdido na fase final. Neste encontro, a disputa deu-se contra um homem “próximo dos 27 anos, do top 50 de Portugal”, nas palavras do presidente da secção, Eduardo Nunes, que acompanhou o torneio de modo presencial. Do ponto de vista de Bruno Pais, o aluno “esteve todo o jogo a ganhar, mas distraiu-se no final”. O mesmo justifica este descuido com a inexperiência do atleta e pela hora tardia do desafio.

“Estava a destruir um adversário que, à partida, seria muito melhor que ele”, releva o professor. Consciente da idade reduzida do rapaz, conclui que tais características revelam que “vai ser um jogador sério”. As vitórias voltaram na quarta disputa, realizada no dia 10 de junho, porém Pais refere o “acuso de cansaço”, causado pela “longa extensão dos torneios”, condição que “afetou o seu desempenho”.

Todos os jogos de um atuante contribuem para o seu ranking individual. Porém, o treinador confessa que, “neste desporto, os resultados demoram muito a aparecer”. A prova mencionada estava longe do encerramento da época. O jogador iria participar em mais dois torneios internacionais, no distrital absoluto, e o Europeu era uma possibilidade que só se concretizou este ano. Ricardo vai representar Portugal na categoria sub-14, em Praga, após ter sido campeão nacional no seu escalão.

O Presidente

Eduardo Nunes, no primeiro mandato na presidência, confirma os elogios do colega: “o Ricardo está a dar ótimos sinais”. Principiou a sua associação ao clube em 2007 e faz parte da direção da secção “há vários anos”, como indica. Pelos seis anos de idade, começou a jogar e nunca mais parou. “O xadrez não é só o mover de peças que se vê”, afirma, e completa ao admitir que “a imensidão de possibilidades de jogada em cada jogo foi sempre uma das suas grandes atratividades”.

O presidente destaca também a componente mental, que é fundamental no desporto. “Há posições em que é preciso confiança para iniciar um ataque, outras nas quais a resiliência sustenta a necessidade de defender”, revela. Contudo, mantém-se positivo para com o trabalho realizado no segundo clube com mais filiados em Portugal.

Em relação ao atleta em foco, concluiu ser positivo o confronto com oponentes mais ve -

lhos. Declara que “o xadrez não tem idades, mas pode notarse a inexperiência quando se defronta jogadores de superior maturidade”. O praticante mais velho em Portugal tem 94 anos, não obstante “ser habitual ver crianças de cinco anos para cima nos torneios”, constata. Terminou ao expressar o desejo de que o Ricardo fique ligado ao emblema por muitos anos.

O Pai

Hugo Araújo não esperava redescobrir a paixão pelo tabuleiro através do filho.

Conta que foi em 2018 que Ricardo começou a jogar, depois de ter gostado das aulas e, sem que tardasse, foi convidado a integrar a equipa da Académica. O incentivo do rapaz para jogar foi o seu “jeito natural” para o mosaico, indica o familiar.

De acordo com o mesmo, o xadrez ajuda o filho “a sentir-se bem consigo próprio”. Acrescenta que foi graças ao desporto que ele “conheceu outros miúdos com os quais partilhar interesses”, fator que ajuda a combater a sua “elevada timidez”. Destaca ainda o “percurso muito acima da média”, o que o torna alguém “já conhecido no ambiente nacional da modalidade”. Declara ainda que, apesar de a criança “ganhar distritais e obter bons resultados nos nacionais”, aquilo de que o praticante mais se orgulha são as “boas prestações nos torneios internacionais, sem discriminação de idades”. Tal ficou comprovado pelo “bom torneio” que o Ricardo avalia ter feito em Aveiro. No que diz respeito à conciliação da modalidade com as outras partes da vida, o parente considera que “a agenda não é diferente da dos pais que acompanham os filhos noutros desportos”. Ricardo Araújo tem uma aula por semana na secção, e, por vezes, aulas extraordinárias com Bruno Pais. Quando vai buscar o jogador, Hugo Araújo revela que “fica um pouco nas aulas, e chega a participar”. No entanto, nem ele nem a sua mulher fazem “pressão para que o filho siga carreira profissional”, pois o importante é ele “conseguir interessar-se pelas coisas”.

Ao abordar o torneio em Aveiro, confessa que o xadrezista “fica mais entusiasmado em dias de prova”. Viu com “bons olhos” o terceiro lugar do filho nesta competição, que estava “radiante” com o resultado. Acrescentou que “é

cansativo participar nestas edições”. As “viagens, os horários, os jogos bidiários que podem demorar quatro ou cinco horas, manutenção dos hábitos de sono e alimentares apropriados durante a prova” provocam fadiga tanto no jogador quanto em seu acompanhante.

Antes dos jogos, o pai é confrontado com perguntas como “será que vou ganhar?”, “será que vai ser difícil?”, “será que vou fazer alguma asneira?”. Cabe ao recetor “acalmar e dar confiança”, aponta o encarregado. “O xadrez é muito violento: é possível deitar tudo a perder depois de horas de esforço e bom desempenho”, refere, e complementa que a modalidade “ajuda no controlo das emoções”.

Como último destaque, Hugo Araújo lembra as quatro vitórias, os dois empates e a derrota desse desafio de sete partidas na cidade dos moliceiros. Teve também em conta, da quadra de triunfos mencionada, a vitória contra a campeã nacional absoluta, Mariana Silva, a par do igual êxito sobre um dos melhores jogadores do Torneio Internacional dos Galitos.

A presente época tem sido uma continuação fiel da última: o potencial tem-se comprovado e a expectativa tem crescido. Há a possibilidade de a equipa subir de divisão, Ricardo tem ganhado e empatado contra jogadores fortes e fez pódio em vários torneios. O desportista da AAC está a ter um início mais que promissor. Por enquanto atenta-se, como com as peças, no desenrolar após a primeira jogada na carreira deste jovem atleta.

07 14 de maio de 2024 DESPORTO
Cedida

Anatomia de uma descida de divisão

Lesões inesperadas, falta de financiamento e de espaços de treino afetaram rendimento da equipa sénior masculina da Secção de Basquetebol da AAC. Presidente da estrutura acredita que próximo mandato pode reverter situação.

- POR IRIS JESUS -

Abola da Secção de Basquetebol da Associação Académica de Coimbra (AAC) roda em volta do cesto. Depois de duas épocas marcadas pela falta de financiamento e espaços para treino, bem como por adversidades internas na equipa sénior masculina, a estrutura vive enredada na fórmula ideal para uma descida de divisão. Apesar de ter integrado o primeiro escalão da competição nacional na época de 2021/2022, o clube passou os últimos anos na segunda divisão, a Pró-Liga. O grupo manteve o estatuto até ao passado mês de abril, altura em que os estudantes foram derrotados pelo Imortal Desportivo Clube B e desceram para a terceira liga nacional, a CN1. Ao longo desta época, a equipa debateu-se com uma troca de local para treinar, visto que não mantêm um pavilhão fixo, acabando por disputar os últimos jogos em Montemor-o-Velho. “O espaço onde treinamos as equipas de formação não está alugado para a sénior masculina, tivemos de

encontrar soluções entre vários ginásios dentro e fora da cidade”, atesta o presidente da estrutura, Fabrice Schurmans. Com efeito, aquando do envio do mapa de jogos pela Federação Portuguesa de Basquetebol, o plantel já sabia que “os dois últimos jogos que poderiam ser importantes não seriam disputados propriamente em casa”. Dos 24 jogos enfrentados pela Académica, 18 foram derrotas. Na visão do presidente, tal deveu-se a “lesões inesperadas e a jogadores bons que passaram a época mais fragilizados”. A isto acrescenta-se a troca de treinador, em dezembro de 2023, bem como o recâmbio de jogadores estrangeiros que “não estavam tão em forma como a secção esperava”. Fabrice Schurmans admite que as mudanças não resultaram, sendo que foram bastante limitadas por uma dívida monetária que a estrutura enfrenta, devido à passagem da equipa sénior masculina pela Liga. “Há pouco dinheiro disponível em Coimbra” para apoiar a estadia

no primeiro escalão, conta, apesar de a estrutura manter alguns apoios do tecido industrial da cidade.

Na visão do dirigente, de forma a complementar os apoios da Direção-Geral da AAC e da Câmara Municipal de Coimbra, a secção devia poder contar com mais contribuições de instituições particulares da cidade. Neste âmbito, a estrutura regista “apoios pontuais, o que é insuficiente para a manutenção da equipa na Liga”. Tendo isto em consideração o presidente estabelece que, ao longo do seu findado mandato, o foco principal foi a aposta nos escalões mais jovens e nas equipas femininas. Após a vitória da Lista X nas eleições da secção, encabeçada por João Frazão, Fabrice Schurmans define as suas esperanças para o novo mandato: continuar a apostar nas políticas dos anteriores órgãos sociais e recolocar a equipa sénior masculina na Pró-Liga.

Coimbra recebe fases finais de desporto universitário em 2025

Vice-presidente da DG/AAC idealiza evento como não sendo “unicamente desportivo”. Equipas de Coimbra estão diretamente qualificadas para fases finais.

- POR PEDRO CRUZ -

Em colaboração com a Câmara Municipal de Coimbra e com a Universidade de Coimbra (UC), a Associação Académica de Coimbra (AAC) vai ser a organizadora das fases finais do Campeonato Nacional Universitário (CNU) de 2025. Promovido pela Federação Académica do Desporto Universitário, o evento vai contar com a presença de equipas das zonas Norte, Sul e Centro (NCS) do país. Assim, em abril do próximo ano, as modalidades de basquetebol, andebol, voleibol, futsal, tanto para a categoria masculina como para a feminina, e o futebol de 11, que, tradicionalmente, só existe para a equipa masculina, vão convergir em Coimbra. Diogo Lopes, vice-presidente da Direção-Geral da AAC (DG/ AAC), admite a possibilidade de trazer o futebol feminino para as fases finais ou, então, envolver outras modalidades e garantir “algo novo”, do ponto de vista competitivo. Realça que não

há nada garantido: “pode ser que nenhuma das duas propostas aconteça e que tenhamos as fases finais a acontecer da forma tradicional”.

A participação nestas etapas competitivas é consequência da classificação das equipas nos campeonatos regionais, que decorrem ao longo do ano letivo. Isto é, são apuradas as duas mais bem classificadas do Porto, de Lisboa, e dos jogos da NCS. Enquanto organizadora, a AAC tem acesso direto às fases finais.

O vice-presidente da DG/AAC comenta que a Casa pretende fazer com que o evento não seja “unicamente desportivo”, uma vez que pondera a participação tanto da comunidade académica como da cidade. Também explica que vai ser realizado um estudo da DG/AAC, em colaboração com a Faculdade de Economia da UC, de modo a analisar o impacto socioeconómico do evento para Coimbra. “É um dado importante que mostra como o desporto pode

movimentar a cidade e ser positivo para a academia”, acrescenta.

Diogo Lopes esclarece que uma das motivações para que Coimbra seja sede do evento passa pela ligação histórica da AAC com o desporto universitário. “Há muitos anos que a associação promove esse conceito, através da dualidade”, refere o estudante. Exemplifica com a participação dos atletas estudantes nas secções.

No CNU de 2024, em Aveiro, a AAC foi representada em sete competições diferentes, desde remo, a andebol, basquetebol e futsal feminino. Destas modalidades, a Casa conquistou a medalha de ouro em todas as categorias de remo, além de um troféu coletivo, bem como o vice-campeonato da equipa de futsal.

14 de maio de 2024 08 DESPORTO

União Europeia é pioneira na regulamentação de IA

Nova legislação vem “equilibrar novidade e transparência” destes sistemas, defende professora da FDUC. Além da parte jurídica, especialistas destacam importância de literacia digital.

Oprimeiro regulamento sobre a Inteligência Artificial (IA) foi aprovado em abril de 2024 por todas as instâncias da União Europeia (UE). A proposta, que surgiu em 2019, aparece como resposta à “imprevisibilidade” destes sistemas, que abrem portas a “alguns desafios no plano jurídico e ético”, explica Susana Aires de Sousa, professora associada da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC). Num contexto de “crescente avanço da IA”, a nova legislação pretende apostar em normas que “garantam que esta tecnologia seja compatível com os direitos fundamentais definidos na UE”, sintetiza a docente.

A proposta vem trazer “um conjunto de regras para quem desenvolve estes sistemas”, esclarece Nuno Lourenço, investigador e professor na Faculdade de Ciências e Tecnologia da UC (FCTUC). Além de ajudar na elaboração de algoritmos de IA, o regulamento é, para o cientista, uma forma de reduzir as preocupações sociais que contornam este setor. “Permite que as pessoas saibam que estas tecnologias estão a ser produzidas com o cuidado de não as prejudicar”, reforça. A docente assume que, em conjunto com estas garantias, as leis são fruto de uma “longa discussão sobre a ausência de regulação jurídica na área”.

Susana Aires de Sousa denota que a UE continua a valorizar a inovação e o progresso no setor. As novas imposições são um meio para “equilibrar a novidade e a transparência” de modo a que haja confiança na utilização destes sistemas, desmistifica. Ao nível da transparência, Nuno Lourenço acredita que a redução dos receios que envolvem a IA é uma consequência da “abertura da discussão” sobre o tema. “Hoje em dia todos estão em contacto com estes sistemas”, pontua o docente para justificar a necessidade de diálogo sobre o desenvolvimento da IA em todas as camadas da sociedade. Prevê-se que o regulamento entre em vigor daqui a dois anos, “sem necessidade de transposição a nível nacional”, aponta a professora da FDUC. Vão ser abrangidos pelas novas medidas todos os sistemas que caibam dentro das definições salvaguardadas pela UE e que sejam usados no contexto europeu. A docente esclarece que, neste sentido, as empresas estrangeiras que queiram entrar com os seus produtos na Europa “precisam, tal como as instituições endógenas,

de se adaptar à nova legislação”.

A iniciativa estabelece uma diferenciação entre as normas a seguir, de acordo com o grau de risco da respetiva IA. Esta é “uma escolha da UE, entre outros meios de classificação”, que distingue a forma como os sistemas afetam a vida da população, informa o investigador da FCTUC. “O regulamento tem 103 artigos e incide, na sua maioria, nos denominados sistemas de risco elevado”, clarifica a professora. Estes apresentam efeitos negativos a nível da segurança ou dos direitos fundamentais estabelecidos pela UE. São exemplos os programas de ‘deepfake’, que podem “culminar numa ameaça à democracia”, conclui Susana Aires de Sousa. Em adição, a nova legislação introduz a categoria de “risco inaceitável”. Programas que se encaixam neste conjunto, como sistemas de ‘ranking’ social, são proibidos de circular nos países membros da UE. “Deve-se continuar o desenvolvimento, sempre com precauções e domínio da aplicação na sociedade”, reforça Nuno Lourenço. Apesar de admitir os diferentes riscos e concordar com as limitações, o professor sublinha que a aposta no setor vai trazer “benefícios suficientes para colmatar os aspetos negativos que a IA pode trazer”. Evidencia também os medos relacionados com a

substituição de empregos que vêm associados a novas tecnologias, mas exalta a “nova janela profissional” que acompanha a evolução deste campo “bem regulamentado”.

Apesar de assinalar as novas medidas como uma “resposta importante”, a docente da FDUC não considera a regulamentação destes sistemas solução para todos os problemas ligados ao setor. “Antes da legislação devia haver uma preocupação em educar as pessoas para estas novas tecnologias”, assevera Susana Aires de Sousa. Os imprevistos intrínsecos à IA são algo que a professora relembra e que, a seu ver, só podem ser “limitados com a aposta na literacia digital em conjunto com a vertente jurídica”. Nuno Lourenço também acredita que o trabalho do novo regulamento não é independente à maior consciencialização da sociedade sobre a IA. O professor atesta: “não conseguimos competir com estes sistemas em várias coisas, mas o espírito crítico é o nosso diferencial”. Para ambos os docentes, a nova legislação edifica a sua importância pela maior visibilidade que vem dar ao tema. “As regras jurídicas pretendem perdurar no tempo, mas a IA é dinâmica, por isso, o objetivo é educar a sociedade sobre as suas pluralidades”, finaliza Susana Aires de Sousa.

09 14 de maio de 2024 CIÊNCIA E TECNOLOGIA
Bruna Fontaine - POR BRUNA FONTAINE -

Histórias contadas por um músico em liberdade

Sérgio Godinho é um dos rostos da música de intervenção em Portugal. No entanto, não se considera um artista político, mas um contador de histórias. Emigra aos 20 anos e é em Paris que começa a produzir os seus primeiros temas. Regressa em 1974, na festa da Liberdade, e, de repente, “tudo passa a fazer sentido”.

Como é a relação que tem com a cidade dos estudantes?

Eu tenho uma relação próxima e familiar com Coimbra, portanto estou próximo, sei o que é A CABRA e conheço bem a cidade.

Os artistas que passaram por Coimbra, principalmente no que toca à música de intervenção, fomentaram um grande centro de discussão e criação de arte. Inclusive a Canção de Coimbra é uma manifestação artística da luta antifascista. De que forma é que a juventude académica pode promover a criação de grupos, não só de intervenção e de índole política e social, mas de discussão?

Acho que a palavra “intervenção” é sempre mal empregada. Intervenção é tudo. É evidente que quando se deu a Crise Académica de 1969 em Coimbra, que resultou daquela intervenção, aí sim, intervenção, do Alberto Martins na inauguração do Departamento de Matemática, fundou-se um movimento que se alastrou e foi prenúncio do 25 de Abril. Não estou a dizer que isso provocou a Revolução dos Cravos, mas foi um movimento estudantil muito importante que se espalhou até Lisboa e o Porto. Nunca tinha havido um movimento assim tão alargado de estudantes, até porque muitos foram depois, como castigo, enviados para a Guerra Colonial. Lá, propagaram o que estava a acontecer em Portugal, o que acabou por ser um tiro no pé.

A nível musical, o que aconteceu foi o aparecimento, sobretudo, de Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira, António Portugal, Manuel Alegre na poesia, entre outros. Começaram a ter um esboço de uma canção mais empenhada e engajada com linhas sociais e com a Direção-Geral da Associação Académica de Coimbra de então. O Zeca depressa se autonomizou da Canção de Coimbra. Nunca podemos esquecer-nos do Carlos Paredes e do que ele fez da guitarra de Coimbra, estilo de guitarra muito diferente da do Fado de Lisboa. São movimentos de estudantes que entroncam com o que estava a acontecer política e socialmente.

A sua juventude também foi passada com esta envolvência política?

Não, é diferente. Eu sou do Porto, ainda estudei na Universidade do Porto até aos 20 anos e, aí, envolvi-me com movimentos associa-

tivos, mas nunca tive uma intervenção muito ativa em movimentos políticos. Eu sou de uma família que sempre foi contra o regime, embora não muito praticante, e sempre cresci com essa informação. Depois parti de Portugal: estudei Psicologia em Geneve, andei pela Europa toda à boleia, trabalhei na cozinha de um barco, atravessei o Oceano, até que fui para Paris e vivi o Maio de ‘68, que também foi muito importante na minha formação política. Foi em Paris que conheci o José Mário Branco, o Luís Cília. Comecei a colaborar com o José Mário Branco e gravámos os primeiros discos em 1971, ano em que gravei o meu primeiro projeto, "Os Sobreviventes". Tenho dois discos antes do 25 de Abril: “Os Sobreviventes” e o "Pré-Histórias", que acabaram por ser importantes em Portugal. Às vezes eram permitidos, outras, proibidos. Repare-se que em Portugal vivia-se o tempo do Marcelismo, já não estava Salazar no poder, mas Marcello Caetano, que ora abria o regime, ora o fechava. Era um tempo de decadência do regime. Mesmo a censura não sabia muito bem o que fazer com ela própria.

Começou a fazer música em Paris ou já fazia antes?

Comecei um pouco antes, mas comecei a sério em Paris. Em ‘71 já tinha um conjunto de canções que vieram a ser os temas d'"Os Sobreviventes", desde "Que força é essa", que abre o disco, até “Maré Alta”, que o fecha, músicas que ainda canto. O “Maré Alta” até está, de momento, no alinhamento dos nossos espetáculos, que diz "a liberdade está a passar por aqui". Na altura, a liberdade não estava a passar por aqui, mas era um desejo e uma vontade de afirmação, e quando voltei e a cantei para o público, logo após o 25 de Abril, tudo fez sentido. De repente, o presente estava em consonância com aquilo que eu tinha cantado.

Como é que era olhar para Portugal de fora?

Tinha outra perspetiva?

Eu recusei fazer a Guerra Colonial, isso foi logo uma atitude. Saí de Portugal legalmente, visto que fui estudar para a universidade, ou seja, estava adiado da tropa, da Guerra Colonial, que entretanto tinha começado. Sempre tive uma visão muito crítica, tanto que não quis fazer a guerra nem voltar.

Tinham essas discussões lá fora, quando encontrou o José Mário Branco em Paris?

Claro que tínhamos. Com ele e outros, não tão conhecidos. Havia muita consciência política do que se passava. Havia de tudo. Havia muita gente com intenções políticas diferentes e com pequenos partidos, ou esboços de partidos, partidos maoistas e partidos comunistas ortodoxos, etc. Eu nunca pertenci a isso, sempre fui ferozmente independente, mas as minhas ideias não andavam longe. Nunca me relacionei com isso porque não está no meu ADN.

Como é que começou a escrever música de cariz político? Foi devido às pessoas com que se relacionava?

Não, eu falo da vida. A vida também é política, também são as mudanças sociais. Acho que nunca fiz canções só políticas. Falo da sociedade, das pessoas. Através

14 de maio de 2024 010 CENTRAL
Arlindo Camacho - Cedida

disso a política também se infiltra, mas não me considero um cantor político, puramente. No meu segundo disco, a canção mais conhecida chama-se "A Noite Passada", tema que não tem nada de político. No terceiro, a canção, "À Queima Roupa", feita em Portugal em '74. Também tenho uma música chamada "Etelvina", que fala de uma rapariguinha do Porto que vive na rua. Gosto muito de compor todos esses retratos sociais que vão para lá da política pura.

Essas letras, mesmo no pré-’74, eram escritas num momento só seu ou havia momentos de tertúlia para escrever?

Nem pensar, é um trabalho solitário. Aliás, até começo geralmente pela música e depois as letras vêm deitar-se sobre uma cama musical. Na criação sempre tive esse trabalho solitário. Há um contraponto nesse processo que é, depois, mostrar as canções ao público. Aí é um exercício de comunicação, de partilha. Acho que essa solidão criativa e o estar perante a plateia são dois aspetos complementares da vida da canção.

Lembra-se da primeira música que escreveu?

Não, mas há um poema que escrevi aos 18 ou 19 anos, que depois mostrei ao José Mário Branco, e que está no seu primeiro seu disco - "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades" - chamada "Cantiga do Fogo e da Guerra". Esse é um texto sobre uma guerra que estava a acontecer ou prestes a acontecer, e que

também menciona as guerras mundiais. Mas não há uma canção inaugural.

Aponta uma diferença entre fazer música antes e depois do 25 de Abril e entre produzir antes e depois de regressar a Portugal? Até na língua, antes em francês e depois em português?

Escrevi em francês antes de escrever em português porque não consegui encontrar uma voz poética em português. Quando aconteceu, foi uma descoberta óbvia. Acho que há um equívoco: a metáfora, que uso muito nas minhas canções, não serve para ocultar, mas para esclarecer, para iluminar a realidade de uma forma simbólica. Não houve uma grande diferença entre o que fiz antes e depois do 25 de Abril. Nalgumas canções, sim. Falei do "À Queima Roupa" num tema chamado "Liberdade" que surgiu depois da Revolução dos Cravos. Chamei-lhe sempre um ‘graffiti’ em rock, era um ‘graffiti’ que estava na parede.

Disse que começou a encontrar a sua voz na música quando começou a escrever em português e, a partir daí, a compor sobre a vida em sociedade. Isso manteve-se ou houve vontade de mudar a página e fazer algo diferente, até a nível de estilo musical?

Foi sempre uma evolução, não uma rotura. Há cerca de dez anos comecei a escrever ficção narrativa. Agora, acabei o meu terceiro romance. Também fiz teatro e música para teatro e filmes. O que une isso tudo é a vontade e a necessidade de criar personagens, situações, ... Tudo isso sempre me moveu.

Isso já é algo que tem na cabeça quando começa a compor ou vai surgindo?

Não, às vezes há um ponto de partida. Há uma canção chamada "Domingo no Mundo" que fala de trabalho infantil, flagelo mundial. Eu queria falar sobre exploração infantil e imaginei uma situação de um rapaz de 11 anos que trabalhava numa fábrica de fogos de artifício, o que, por essência, é algo festivo, mas ele não tem idade para trabalhar. Geralmente, parto de um exemplo concreto. Outras vezes, é algo que vai surgindo ao longo da canção. Tem que se ter aquilo que os ingleses chamam de 'point of view', uma maneira de olhar para a coisa.

Há muitos a fazer música, arte, teatro e a escrever. Também há muitos a lutar para sobreviver através da arte e, por isso, fazem projetos mais comerciais. Acha que se perdeu espontaneidade? "Comercial" é uma palavra que não quer dizer nada. Os grandes nomes também são comerciais e não há mal nenhum nisso. Era muito insuficiente estarmos no palco só com uma guitarra quando nos discos tínhamos instrumentação. Nós temos necessidade de ter espetáculos mais cuidados, com aparelhagem, outros músicos. Aqui em Montemor-o-Velho vou fazer seis canções com três filarmónicas, são

espetáculos fora do baralho. Nós temos necessidade de fazer coisas mais estruturadas como nos discos e não de algo insuficiente como a aparelhagem, em que a gente nem se ouve. Até costumava dizer que, às vezes, era como ter uma cenoura em vez de um microfone (ri). Toda a gente se queixava disso.

Estamos a falar da produção. E nas letras e nas músicas, as inquietações e preocupações são outras?

Não. Independentemente do que estiver a vestir a canção, acho que as preocupações serão ou não serão as mesmas. Não acho que haja diferença por aí, por haver uma profissionalização maior. É positivo que as coisas se tenham tornado mais profissionais. Antes, a seguir ao 25 de Abril, até era um bocado estranho receber por espetáculos, mas a gente tem de pagar a renda ao fim do mês, não é? E tem filhos (ou não), mas tem de pagar a nossa vida e a da nossa família.

Tendo já dito que houve muitas coisas que melhoraram na música, o que é que acredita que falta conquistar? Considera que tivemos alguns retrocessos?

Retrocessos há sempre, porque vamos um bocadinho na corda bamba e os apoios a nível estatal e do Ministério da Cultura e etc. são diminutos. Vivemos um bocadinho do que vai acontecendo. Este ano, à mercê dos 50 anos do 25 de Abril, tenho mais espetáculos. É sempre uma vida um pouco precária, mas aceito isso como parte do risco.

Qual é a sua visão em relação ao estado político atual e ao da nossa sociedade?

Vivemos numa sociedade muito imperfeita, desigual e precária a nível de muita gente poder assegurar o seu dia-a-dia. Quando falo daquelas 'items': a paz, o pão, habitação, saúde, etc., podia acrescentar "justiça" e outras coisas. Cada uma tem de ter conteúdos que a valorizem, senão não fazem sentido, são palavras ocas. Continuam a existir desigualdades sociais enormes, temos de melhorar isso imperiosamente. Esta ascensão da extrema-direita em Portugal é preocupante, e estou em grande desacordo com os valores que eles pregam. É uma ascensão completamente levada à frente por um populismo, uma espécie de solução mágica das situações. Como se votar neles fosse resolver as situações sociais todas.… Não vai.

Visto que somos um jornal universitário, qual acredita ser o papel dos jovens na manutenção da democracia para a luta contra esses movimentos de extrema-direita?

É estar consciente. Estar alerta. Não ser indiferente em relação ao que está a acontecer lá fora. Ser recetivo, discutir e ter consciência de que não há soluções mágicas para as coisas.

Com colaboração de Raquel Lucas e Sofia Moreira

011 14 de maio de 2024 CENTRAL

SUPLEMENTO

Online da Universidade do Minho - COMUM

Universitário do Porto - JUP

Universitário de Coimbra - A CABRA

Jornal Diferencial - IST

14 de maio de 2024 012
Jornal Jornal Jornal

ENJU: uma luta em construção

Primeira edição do Encontro Nacional de Jornalismo Universitário em Coimbra promove discussão sobre precariedade e desafios do jornalismo académico.

Estudantes de todo o país juntam-se para redação de documento reivindicativo.

- POR RAQUEL LUCAS E ANA FILIPA PAZ -

Ocompromisso pela sobrevivência do jornalismo começa nas redações académicas, salas físicas e virtuais que albergam aglomerados de estudantes ansiosos por um futuro com condições de trabalho livre. O Encontro Nacional de Jornalismo Universitário (ENJU) conseguiu juntar estes jornalistas-estudantes, alguns dos quais futuros colegas, e propor uma discussão sobre o jornalismo universitário, as suas individualidades e limitações. Assim, o fim-de-semana de 22, 23 e 24 de março foi preenchido por palestras, mesas de debate, sessões de trabalho e convívio, na sala polivalente da Casa Municipal da Cultura. Uma iniciativa organizada por quatro jornais académicos de todo o país com vista à elaboração de um documento final conjunto que exija um jornalismo livre, de qualidade, transparente e condigno.

Presentes estiveram sete órgãos académicos diferentes, incluindo os membros da organização. Os mais de setenta redatores aspirantes a jornalistas enriqueceram a conversa com testemunhos do seu percurso e deram a conhecer as diferentes realidades de cada redação. O Jornal Universitário de Coimbra - A CABRA foi o anfitrião. Estiveram também integrados na organização do ENJU o Jornal Universitário do Porto (JUP), o Jornal On-line da Universidade do Minho - COMUM e o Jornal Diferencial do Instituto Superior Técnico de Lisboa (IST). Da cidade dos estudantes, a Rádio Universidade de Coimbra (RUC) e a tvAAC marcaram presença na discussão. Contou-se ainda com um membro do jornal online JornalismoPortoNet (JPN), e com os companheiros da capital, o Jornal Académico da Universidade Católica de Lisboa - Pontivírgula.

“Este é um evento que tem potencial para dar muito à comunidade do jornalismo académico e para se perpetuar”.

Inês Miranda, JUP

Assim, em três dias, discutiram-se os problemas e contestações dos diferentes órgãos académicos. Com convidados reconhecidos na área, alguns com história escrita nas folhas de jornais de estudantes, procurou-se arranjar soluções para as condições precárias de trabalho e para a própria evolução dos redatores em formação. Na manhã de sábado, ouviram-se fundadores do Jornal A CABRA, da Revista Binómio e do JUP. A conversa viajou até aos momentos de redação em censura e, mais tarde, à irreverência perante as instituições reitorais. Tito Mendonça, fundador da revista Binómio do IST, sublinha que, na comemoração de cinco décadas de liberdade, é cada vez mais importante relembrar que, em tempos ditatoriais, “pior do que a censura,

era a autocensura por medo das consequências”. Jorge Pedro Sousa, fundador do JUP, acredita que a colaboração com órgãos de comunicação académicos fomenta a “capacidade para entender o mundo”.

Na parte da tarde, exploraram-se os desafios que assolam o jornalismo universitário, desde a descredibilização do trabalho realizado pelos estudantes, ao financiamento dos projetos e à transição digital, que acarreta necessidades como a literacia mediática. A mesa foi preenchida pela presença de Paulo Sérgio e Camilo Soldado, atual jornalista no Público, ambos antigos membros do Jornal A CABRA. Também Diogo Faustino, do Jornal Diferencial, e, de forma remota, Filipa Silva, editora no JPN, contribuíram para este painel. A jornalista trouxe uma perspetiva diferente da experiência de organização de uma redação em contexto de curso de Ensino Superior.

Foram ainda discutidos os entraves no acesso ao mercado de trabalho e a abertura do jornalismo enquanto profissão. No seguimento desta conversa, constituíram-se vários grupos de trabalho, que uniram os estudantes e os amantes do jornalismo em busca por respostas às suas necessidades. Inês Amaral, fundadora do website da COMUM da Universidade do Minho e docente no curso de Jornalismo e Comunicação da Faculdade de Letras de Coimbra, considera que a reflexão deve ser focada no jornalismo universitário e no acesso à carteira profissional. Reforça, assim, que a participação em projetos de jornalismo académico “é essencial para quem estuda Comunicação”, uma vez que estes “servem como espaço de laboratório para errar e experimentar diferentes formatos, com uma maior margem de trabalho”.

No contexto do documento desenvolvido no encontro, a professora incentiva os jovens a procurarem dialogar com as instituições e entidades competentes e, inclusive, o legislador, no sentido de se poder perceber qual o lugar do jornalismo universitário ao nível da carteira profissional. A par disso, alerta para a sensibilização dos colegas para o facto de o acesso à profissão não poder ser baseado em estágios não remunerados, “isso é trabalho escravo”, reitera.

“Foi um fim-de-semana que, além de imperativo, foi super produtivo. Saio daqui cheio de ideias e vontade de ter iniciativas para unir os jornais do resto do país”

No domingo de manhã, no momento de apresentação das conclusões das discussões de grupo, foi possível notar um ponto de destaque entre as preocupações dos estudantes: o desenvolvimento de um estatuto de jornalista académico e, consecutivamente, da denominação oficial dos diferentes órgãos

013 14 de maio de 2024 ENSINO SUPERIOR
Larissa Britto Ana Filipa Paz

como órgãos de comunicação académicos, pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). Assim, com vista a melhorar a produção jornalística nas suas redações, os jornalistas universitários esperam um acesso facilitado às fontes e uma melhor relação com as instituições, além de uma valorização crescente do trabalho produzido pelos estudantes. Sublinhou-se ainda a necessidade de encontrar fundos de financiamento inovadores, que garantam a sustentabilidade dos projetos, e de estabelecer normas de conduta transparentes e isentas.

Na sessão de encerramento, Paula Sofia Luz, representante do Sindicato dos Jornalistas, refletiu sobre a crise do jornalismo: “deixou-nos numa situação complicada e, a vocês, deixou-vos com medo do futuro da profissão”. Para a jornalista, “este é um trabalho, mais do que nunca, muito preciso à democracia”, pelo que, num tom de esperança, apela aos jovens presentes no ENJU que “mudem este estado de coisas”.

“O ENJU serviu para darmos um cheirinho do que pode acontecer. A sindicalização dos jornais académicos, a criação de uma força conjunta e de parcerias, de maneira a que possamos reivindicar alguns direitos que, em bom rigor, não temos, para isto funcionar melhor”.

Afonso Correia, Jornal Pontivírgula

Como seria de esperar de um evento organizado por estudantes de jornalismo, foram várias as notícias publicadas nos órgãos de comunicação académicos envolvidos no ENJU. A par da RUC, que esteve no terreno a acompanhar cada momento do fim-de-semana, também outros órgãos nacionais, como a Antena 1, noticiaram o encontro. Daqui saiu a vontade de criar novos projetos jornalísticos, que surgem da colaboração entre os participantes. Exemplos disso são a elaboração de ‘newsletters’ conjuntas e a dinamização de iniciativas de intercâmbio dentro do país, com estudantes de diferentes redações.

"Os estudantes são um braço importante da nossa luta, como se viu na greve de 14 de março, e como se vai ver no futuro".

Paula Sofia Luz, Sindicato dos

Jornalistas

Em tom de reflexão, a organização conclui que, durante o ENJU, se sentiu alguma angústia e reticência entre os estudantes em relação ao futuro, mas, sobretudo, um sentimento de concretização e pertença numa luta que é também sua. De momento, está a ser desenvolvido um documento pela organização a ser apresentado às entidades competentes para a regulação da profissão e da Carteira de Jornalista ainda antes de terminar o ano letivo.

14 de maio de 2024 014 ENSINO SUPERIOR
Mariana Lopes Rafael Saraiva Rafael Saraiva

Editorial

Da parte do ComUM, recebemos com grande surpresa e com igual satisfação, o convite para organizar o evento. Foram meses de trabalho e planeamento daquilo que posteriormente ganhou vida em Coimbra. Não tínhamos orçamentos definidos, parcerias estabelecidas ou diretrizes claras, só estudantes com uma mão cheia de vontade e confiança de que seríamos capazes de concretizar o evento com sucesso. E assim o fizemos.

Perceber que ainda há esta preocupação dos mais jovens pelo jornalismo e que há profissionais despostos a ouvir os estudantes é motivador. Foi precisamente vontade, essa multidisciplinaridade e partilha de experiências que enriqueceram este encontro.

Saímos do ENJU com um espírito verdadeiramente revitalizado e determinados a revolucionar a profissão e os nossos jornais. Retiramos também experiências partilhadas e conversas que nos ajudaram a perceber que é possível implementar mudanças e elevar o jornalismo académico, e acordar ideias e vontades suprimidas por vozes que diziam para desistir.

Guardamos boas recordações e esperamos que se torne uma iniciativa anual. Foi apenas o primeiro passo para um novo começo que visa moldar o futuro do jornalismo académico e dos seus profissionais.

Lara Freitas, coordenadora COMUM

Ojornalismo universitário sempre foi um dos pilares fundamentais da vida estudantil. No tempo da ditadura, era um dos principais meios de oposição ao regime na academia, publicando ativamente informações sobre presos políticos e manifestações. Nos últimos anos, no entanto, muitos jornais universitários reduziram a sua atividade, alguns até deixaram mesmo de existir, e os que sobraram foram ficando cada vez mais isolados. Foi precisamente esse sentimento de isolamento que nos levou no Diferencial a ter a ideia de organizar uma espécie de encontro nacional que juntasse vários meios de comunicação universitários. Na altura, contactámos A Cabra, o ComUm e o JUP, sem grandes expectativas, para ver se haveria hipótese de tornar isto uma realidade. Felizmente, todos ficaram tão entusiasmados com a ideia como nós e passámos os 6 meses seguintes a planear o ENJU. Juntaram-se quase 80 pessoas em Coimbra, de todo o país, para discutir jornalismo universitário durante um fim de semana inteiro, pela primeira vez em décadas. Estabeleceram-se linhas diretivas para o futuro do jornalismo universitário, mas talvez mais importante do que isso, criaram-se laços entre instituições que antes não se conheciam de todo. O jornalismo universitário saiu maior e mais coeso do ENJU.

Oconvite para participar na organização do ENJU foi inesperado e um desafio que abraçámos com hesitação, mas que superou as nossas expectativas. Organizar um Encontro Nacional à distância tem obstáculos logísticos acrescidos; no entanto, com a contribuição de todos conseguimos concretizar uma iniciativa que já não acontecia há muitos anos. Isto é, por si só, significativo, mas os laços que se formaram entre os participantes mostram ainda melhor a importância de fomentar a colaboração entre órgãos de comunicação universitários.

Experienciar o ENJU foi, acima de tudo, partilhar experiências: dificuldades e frustrações, mas também sonhos e objetivos. Foi aprender que diferentes projetos têm formas distintas de trabalhar, todas igualmente válidas, e trazer para casa ideias de como melhorar e dinamizar o trabalho que fazemos no JUP. Foi trocar opiniões sobre como podemos melhorar as nossas condições. Foi um espaço de discussão e fermentação de propostas que, espero, possam alavancar um futuro mais promissor e com mais recursos para o jornalismo académico.

O ENJU tem espaço para crescer e para chegar a cada vez mais projetos e estudantes com vontade de fazer a diferença. O meu principal desejo é que não se fique por aqui. A nossa voz merece ser ouvida!

Inês Miranda, coordenadora JUP

Aprimeira vez que se realizou um Encontro Nacional de Imprensa Universitária foi em fevereiro de 1961, em Lisboa, nas comemorações do Dia do Estudante. Momentos antes da crise académica rebentar, jovens jornalistas juntaram-se para servir o propósito último da profissão: mudar o mundo. No microcosmos que é a academia de Coimbra, A CABRA tenta fazê-lo constantemente. A luta estudantil mantém-se, assim, sob reivindicações semelhantes e tantas outras novas. E o jornalismo universitário continua a ser fundamental na valorização e promoção da voz dos estudantes. Por isso, fez todo o sentido receber um Encontro de Jornalismo Universitário em nossa casa e o desafio lançado pelo Diferencial foi o empurrão certo. Sentimos uma grande honra de poder ter sido anfitriões de tantos amigos igualmente empenhados nesta causa. Daqui saímos com uma perspetiva mais abrangente sobre as diferentes formas de fazer jornalismo académico e as exigências que cada redação tem. Percebemos que ainda temos um caminho longo a traçar para resolver os problemas laborais e legais que enfrentamos e o documento reivindicativo que daqui vai sair é um primeiro passo na direção certa. A nível formativo, foi super enriquecedor, a nível pessoal, uma luz de esperança em relação a um futuro que é acima de tudo coletivo.

Jornal Universitário de Coimbra - A CABRA Depósito Legal nº478319/20

Registo ICS nº116759

Propriedade Associação Académica de Coimbra

Morada Secção de Jornalismo

Rua Padre António Vieira, 1 300-315 Coimbra

14 DE MAIO DE 2024 ANO XXXIIII SUPLEMENTO

Diretora Ana Filipa Paz

Equipa Editorial Daniela Fazendeiro & Alexandra Guimarães (Ensino Superior), Raquel Lucas & Sofia Moreira (Cultura), Larissa Britto (Desporto), Ana Cardoso & Eduardo Neves & Sofia Ramos (Ciência & Tecnologia), Clara Neto & Luísa Rodrigues (Cidade), Sofia Ramos (Fotografia)

Colaborou nesta edição Francisca Costa, Daniela Fazendeiro, Iris Jesus, Raquel Lucas, Camila Luís, Ana Filipa Paz, Inês Reis

Conselho de Redação Luís Almeida, Francisco Barata, Tomás Barros, Joana Carvalho. Carina Costa, Inês Duarte, Filipe Furtado, Leonor Garrido, Hugo Guímaro, Luísa Mendonça, Margarida Mota, Bruno Oliveira, João Diogo Pimentel, Paulo Sérgio Santos, Pedro Emauz Silva

Fotografia Larissa Britto, Mariana Lopes, Ana Filipa Paz, Rafael Saraiva Paginação Ana Filipa Paz

Impressão FIG - Indústrias Gráficas, S.A. Telf.239 499 922, Fax: 239 499 981, e-mail: fig@fig.pt Produção Secção de Jornalismo da Associação

Académica de Coimbra Tiragem 1000

015 14 de maio de 2024
FICHA TÉCNICA

Marcas da

mudança

na Sé Velha aos olhos de quem a vive

Verifica-se “grande apetite para transformar o local numa zona turística”, segundo elemento da direção do Ateneu de Coimbra. Falta de condições nas habitações e aumento de custo de vida afastam habitantes do centro histórico.

Àsemelhança do que acontece em vários locais do país, Coimbra tem sido alvo de mudanças urbanísticas na zona histórica da Alta e Sofia. Gentrificação é o nome que designa a substituição social e valorização imobiliária que se verifica nestes locais. Casas vazias e degradadas e o surgimento de Alojamentos Locais (AL) são consequência do envelhecimento e do aumento do turismo.

A zona da Sé Velha é então uma das comunidades de Coimbra que mais sofre com este cenário, sendo habitada, na sua maioria, por estudantes e residentes de longa data. António Manuel, proprietário do Restaurante Sé Velha, considera que o aumento do turismo que se tem verificado na cidade veio dinamizar o centro histórico. “Os preços começaram a ficar inacessíveis porque é a lei do mercado a funcionar”, isto é, há um aumento de procura e, por consequência, o custo da habitação sobe também, refere. A criação de mais AL surge em resposta ao crescimento do turismo, explica Carlos Tomás, artesão de cerâmica no Largo. Para os comerciantes e residentes, é unânime que a classificação da Universidade de Coimbra como Património Mundial da UNESCO tenha sido um fator de aumento do turismo. António Manuel defende que o facto de a Sé Velha estar no centro histórico faz com que exista uma grande pressão por parte dos senhorios sobre os moradores para que procurem novas casas, com o objetivo de requalificá-las e melhorar a oferta para estrangeiros. Fátima Januário, membro da direção do Ateneu de

Coimbra, assevera que existe um “grande apetite para transformar o local numa zona turística”. Neste sentido, relata casos em que existem barreiras de resistência por parte dos senhorios para restaurar os edifícios para quem atualmente os ocupa, sendo exemplo disso o Ateneu de Coimbra. Apesar disto, a dirigente garante que a coletividade não vai sair do local onde sempre esteve, “nem que tenha de virar a cidade ao contrário”. Defende que “não se pensa nos idosos nem nos estudantes, só nos turistas”, tendo em vista o lucro fácil e rápido. Acrescenta: “os visitantes vão e vêm, são pessoas de passagem, e um país não se faz só disso”.

“Os visitantes vão e vêm, são pessoas de passagem, e um país não se faz só disso.”

Os moradores e comerciantes encontram várias razões para as pessoas não quererem residir na Sé Velha. A falta de condições nas habitações é o principal problema apontado pelos membros desta comunidade. Contudo, Paulo Marques, um dos proprietários da casa Zeca Afonso, que atualmente funciona como AL, considera que existem ainda outros fatores que impedem as pessoas de se fixarem neste local, como a falta de garagens ou de estabelecimentos de primeira necessidade. Carlos Santos, residente, destaca também o barulho que existe na zona à noite, proveniente dos bares, o que desincentiva muitas pessoas a viverem no local.

Paulo Marques julga que, atualmente, não tem havido novos projetos de AL, acreditando que, neste momento, já existe um equilíbrio entre a oferta e a procura. Sendo assim, o proprietário considera este género de imóvel como apenas um dos fatores contribuintes para o fenómeno: “dizermos que é o AL a principal causa da gentrificação é estarmos a ver uma árvore e não uma floresta”.

Os efeitos da gentrificação são sentidos por todos os que habitam, trabalham ou frequentam o centro histórico. Os comerciantes reconhecem que o fluxo de turistas também pode ser positivo, porque estes acabam por dinamizar a economia local, como constatam Carlos Tomás e o proprietário do café Oásis, Arsénio Silva.

“Ao transformar-se todo o mercado que existia em comércio turístico, não se estão a criar condições para se viver ali nem a criar proximidade entre pessoas”

Contudo, o lamento pela perda do bairrismo e sentido de comunidade que outrora se vivia aqui é um sentimento comum a todos. “Ao transformar-se todo o mercado que existia em comércio turístico, não se estão a criar condições para se viver ali nem a criar proximidade entre pessoas”, declara Fátima Januário. Para tentar combater este fenómeno, os habitantes consideram que devem existir apoios por parte das autarquias e do Governo.

14 de maio de 2024 016 CIDADE
- POR JOANA ALMEIDA - Joana Almeida

Requalificar o passado para construir o futuro

CMC aposta em edifícios esquecidos para acolher mais eventos culturais na cidade. Antigo Hospital Pediátrico de Coimbra e Manutenção Militar entre potenciais centros artísticos.

- POR AFONSO DE VASCONCELOS & LEONOR VIEGAS -

Coimbra é uma cidade de tradição e as suas ruas e monumentos são espelho de um passado carregado de vida. Com o passar dos anos, estes espaços mudaram. Alguns têm um novo propósito e outros acabaram por ser esquecidos. O Jornal Universitário de Coimbra - A CABRA foi procurar conhecer mais sobre a história de alguns dos edifícios que a poeira do tempo cobriu.

Mosteiro de Santa Clara-a-Nova É um dos edifícios emblemáticos da cidade e encontra-se a caminho de ser restaurado e transformado num hotel de luxo. O património foi construído no século XVII, de modo a suprir as falhas estruturais do Mosteiro de Santa Clara-a-Velha e para acolher a Ordem das Clarissas. Conforme noticiado pela RTP, em maio de 2012, o edifício já se encontrava em risco de colapso e a necessitar de reformas estruturais.

Na edição 317 do Jornal A CABRA, o presidente da Câmara Municipal de Coimbra (CMC), José Manuel Silva, classificou como “fundamental” a existência de um “fortíssimo investimento” na requalificação do espaço. O mosteiro recebe a Bienal de Arte Contemporânea - Anozero desde 2017 e o autarca garantiu que a iniciativa, realizada pelo Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, seria preservada. Ainda assim, o diretor do evento cultural, Carlos Antunes, considerava, na altura em que o monumento estava aberto a concurso público, que as obras impossibilitavam as condições mínimas para a realização da mostra.

Casa das Caldeiras

Situada na Rua Padre António Vieira, destina-se à gastronomia e à cultura coimbrã, fu-

gindo à sua atividade original. Inaugurada em 1940, começou por ser a Central Térmica dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC). No entanto, em 1987, após a construção do novo hospital, o espaço acabou por ser desativado. Um ano depois, a Universidade de Coimbra (UC) concedeu a gestão do estabelecimento ao Centro de Estudos Fotográficos para a nona edição dos “Encontros de Fotografia de Coimbra”. O edifício foi reabilitado pelo arquiteto João Mendes Ribeiro num projeto que se iniciou em 1992. Inaugurada como Casa das Caldeiras em 2009, só abriu portas em 2010 devido a problemas de construção e acabamentos. O plano inicial de requalificação previa a adaptação da sala das caldeiras para um café-bar com esplanada e uma livraria de arte. Foi ainda construída uma sala de exposições e, nos andares superiores, espaços que englobavam um arquivo, um laboratório fotográfico, uma biblioteca, um centro de comunicação, residências de artistas e gabinetes administrativos.

O objetivo era que a Casa das Caldeiras funcionasse como um complemento ao ensino artístico em Coimbra e desse lugar à pós-graduação, ao mestrado e ao doutoramento do curso de Estudos Artísticos da Faculdade de Letras da UC (FLUC). Porém, o local não se destinava apenas à formação artística, mas também a atividades culturais, exposições, conferências, apresentações de livros e workshops.

Antigo Hospital Pediátrico de Coimbra (HPC)

Funcionou durante muitos anos sob condições desgastadas e, apenas em 2011, surgiu como novo Hospital Pediátrico do Centro Hospitalar da UC. As obras iniciadas em 2005 deixaram o antigo HPC inutilizado, ainda que

sob a alçada do Estado.

A autarquia aprovou, em abril deste ano, o pedido de transferência da gestão do hospital para a CMC. Atualmente, o imóvel ainda não está sob a alçada do município. No edifício pretende-se instalar a Casa das Comunidades: o Centro Transdisciplinar de Apoio à Criação Artística, pois, conforme o despacho veiculado por José Manuel da Silva, “o antigo pediátrico tem condições para o desenvolvimento de projetos diversos na área da cultura”. Esperase que o novo espaço potencialize o encontro de profissionais, criadores e o público, e atenue outras necessidades de Coimbra, como a falta de salas de ensaio, residências artísticas e salas de exposições.

Manutenção Militar

Em 1899, a Manutenção Militar abriu a primeira sucursal fora de Lisboa, localizada em Coimbra. A infraestrutura servia para o abastecimento militar e geria os recursos do exército português. Constituído por três prédios urbanos, o edifício voltou oficialmente para a posse da autarquia em 2017, quando o Ministério da Guerra o deixou de usar para fins militares. Num avançado estado de degradação, a sucursal localizada na Avenida Sá da Bandeira vai ser inserida no projeto de construção do novo Centro de Arte Contemporânea de Coimbra (CACC). É um dos espaços da cidade sujeito a requalificação à responsabilidade da CMC e, depois do programa ter ocupado a Escola Secundária Jaime Cortesão, prevê-se que a Manutenção Militar seja o seu destino final.

017 14 de maio de 2024 CIDADE
Leonor Viegas Leonor Viegas

A memória e sobrevivência das Galerias Avenida

No coração da cidade nasceu uma “rua na vertical” que enfrenta desafios e mudanças ao longo dos anos. Lojistas levantam pontos de vista diferentes sobre estado atual do espaço.

As “Galerias Avenida”, como a cidade de Coimbra conhece hoje, não é o edifício que os conimbricenses frequentavam antes da década de 80. O tempo alterou não só o espaço, como também o nome e o papel cultural único da Casa, passando a dividir lugar com a vertente comercial. A proposta que transformou o “Teatro Avenida” nas “Galerias Avenida” projetou uma “rua na vertical”, sob o olhar do arquiteto Carlos de Almeida e do engenheiro Celestino Quaresma. Com calçada portuguesa e lojas dispostas como numa rua citadina, o espaço era uma novidade, como aponta a administradora do imóvel, Cátia Almeida. No início dos anos 2000, quando surgiram em Coimbra centros comerciais projetados para receber lojas de grande dimensão, como o atual Alma Shopping, “houve um período de diminuição e uma quebra significativa da afluência” nos comércios locais, explica Cátia Almeida. “A intenção não é competir, porque isso não é possível, mas ter uma proposta distinta”, acrescenta.

“A intenção não é competir [com outros centros comerciais], porque isso não é possível, mas ter uma proposta distinta”.

O fator mais atrativo do Teatro Avenida era mantido nos cinemas, as “lojas-âncoras”, que tinham um perfil de cinema de bairro e ofereciam um ambiente mais intimista do que aqueles que surgem nas grandes superfícies comerciais, ilustra a administradora. No entan-

to, aponta que após a falência destes cinemas “houve uma demora para perceber que era possível continuar a funcionar e a oferecer coisas diferentes”. Tendo a seu favor a localização e a circulação de pessoas, Cátia Almeida acredita que estes fatores se podem transformar numa “oportunidade de capitalizar” quem percorre os andares d’As Galerias.

Em 1989, quando foi aberta a fase superior do edifício, do oitavo ao quarto piso, havia já autorização para desmantelar a inferior. Na época, o Teatro Avenida já não funcionava e necessitava de obras. Contudo, “quem estava ligado à cultura não queria que o espaço fosse desativado e passasse a ter uma função comercial”, ressalta a administradora.

João André, membro da Cooperativa Bonifrates e professor catedrático aposentado, compartilha o seu conhecimento sobre a história do Teatro Avenida. Em 1961, começou a frequentar a exibição de filmes e espetáculos e, em 1989, o Teatro Estúdio Bonifrates foi transferido da sua sede inicial para este lugar.

Acerca do antigo Cine-Teatro Avenida, o também dramaturgo exalta como “a transformação foi total porque, a determinada altura, as instalações foram deitadas abaixo e construiu-se um novo edifício”. Sobre a evolução do Avenida, informa que “o cine-teatro transformou-se num centro comercial”. Exemplifica a polivalência do prédio, que engloba “cafés, restaurantes, livrarias e prontos a vestir” e, ainda, as antigas instalações da rádio TSF.

O membro da Cooperativa Bonifrates sublinha os resultados da metamorfose do edifício:

“o Centro Comercial Avenida nasceu como um projeto grande, colocado no coração da cidade”. Porém, refere que a nova proposta “acabou por se transformar, acidentalmente, num espaço de passagem da Avenida Sá da Bandeira para a Rua Antero de Quental”.

João André considera que a transformação do Avenida se tratou de uma “questão de sobrevivência”, já que “era um edifício antigo que estava a degradar-se”. Argumenta que, em contraste com a “febre” dos grandes centros comerciais da época, se tentou criar um lugar que também incluísse“valências culturais”, concretizadas numa estação de rádio, em três salas de cinema e num teatro-estúdio. Para o dramaturgo, “isto não representa uma subalternização da cultura, mas um esforço de sobrevivência e de manutenção de zonas culturais”. Desta forma, as pessoas e os proprietários entenderam, na altura, que “só seria possível sobreviver se abrissem espaço para a atividade comercial”, admite.

“Só seria possível sobreviver se abrissem espaço para a atividade comercial”

Sobre o futuro do edifício, o membro da Cooperativa Bonifrates elogia a intervenção da autarquia na compra do cinema-estúdio do piso 0 para cedência do espaço à Casa do Cinema de Coimbra. Conclui que o Avenida é um “eixo cultural extremamente importante que a câmara municipal deve valorizar” e que há “uma memória por detrás do edifício que é essencial conservar”.

14 de maio de 2024 018 CIDADE
Arquivo Galerias Avenida Arquivo Galerias Avenida
- POR GUILHERME BORGES & FRANCISCA COSTA -

Avenida no presente

Cátia Almeida reconhece que o imóvel precisa de obras de manutenção: “as salas de cinema estiveram muito tempo fechadas e agora carecem de uma requalificação”. Explica também que as Galerias Avenida estão num processo de reconhecimento das necessidades emergentes.

Um dos principais contributos à renovação tem sido a exposição de artistas plásticos portugueses intitulada “Valha-nos Santa Bárbara” que, com sede nas Galerias Avenidas, “permitiu que muita gente voltasse ao local”, destaca a administradora. Isto fez com que as pessoas perdessem “os preconceitos cristalizados de que o edifício estava abandonado”, adiciona. Quando a exposição foi realizada, as galerias tinham quarenta lojas vazias e, atualmente, têm apenas cinco.

Por sua vez, o tráfego de pessoas é reduzido, à exceção do quarto piso, onde as duas fases do prédio se unem. Cátia Almeida acredita que o edifício se transformou num ambiente natural para incubadoras e que há dois fenómenos que caracterizam o arrendamento das lojas: enquanto umas crescem e se mantêm, outras fecham por incapacidade de resposta.

A intenção de converter a sala de cinema do sétimo piso numa incubadora de indústrias criativas tem por objetivo ligá-las à cultura e, assim, mantê-la ativa. “A aposta neste caminho para as Galerias Avenida vai ao encontro da criação de um alinhamento de prédios com foco cultural, uma vez que o edifício que pertencia à Manutenção Militar está a ser projetado como Centro de Arte Contemporânea”, clarifica a administradora.

“A aposta neste caminho para as Galerias Avenida vai ao encontro da criação de um alinhamento de prédios com foco cultural (...)"

Ao percorrer os pisos do Avenida, os ecos das vozes guiam os visitantes aos cantos que acolhem restaurantes. Tatiane Xavier, proprietária do Burger Carioca há um ano, no piso 0, recorda ouvir do dono anterior do seu espaço que o centro comercial “estava cheio de gente, para baixo e para cima”. Confessa ser “difícil de acreditar quando as pessoas falam de antigamente” ao ver a atual realidade dos corredores vazios.

Natural de Brasília, Patricia Pradera gere a loja Patricia Pradera Hairdresser. É cabeleireira há 27 anos e está no Centro Comercial Avenida há dois. Conta como o ‘marketing’ digital é essencial ao seu negócio, sendo “a adesão à loja feita através das redes sociais”. Por esse motivo salienta como “é difícil ter clientes novos” e reflete que quem passa pelo seu piso “são, geralmente, moradores locais que usam o piso 4 como caminho entre os elevadores”, corroborando com a visão de Cátia Almeida.

A cabeleireira considera que o arrendamento do espaço “compensa, porque o custo é razoável e menor do que se fosse uma loja de rua”. Explica que tem uma “estrutura de conforto para oferecer aos seus clientes e o edifício proporciona segurança”. Além disso, expressa que, “mesmo sendo um prédio antigo”, existe um grande esforço da administração para manter tudo a funcionar e em ordem. Flaviane Pessoa, do estado da Paraíba, é proprietária da loja Flaviane Pessoa Nails Designer e está no edifício há oito meses. A esteticista compartilha do ponto de vista de Patricia Pradera, acreditando que “a internet é fundamental para captar clientes”. Destaca a ajuda prestada pelas páginas das redes sociais do

Avenida, que republicam o conteúdo que os lojistas querem disponibilizar. Desta forma, conclui que o relacionamento com a administração é “muito bom” e que a área dos cuidados de beleza é “favoravelmente movimentada”. Em relação ao empo de ocupação das lojas, as Galerias Avenida testemunham duas perspetivas. Se, por um lado, há quem tenha acabado de chegar e veja vantagens no ambiente, Palmira Alves, costureira no centro comercial há 31 anos, já não vê pessoas a circular. Apesar de a maioria dos estabelecimentos não estarem desocupados, partilha: “quase não falo com ninguém, porque neste andar quase só existem escritórios que trabalham de porta fechada”.

“Quase não falo com ninguém, porque neste andar quase só existem escritórios que trabalham de porta fechada”.

Telma Marques, vendedora na loja O Caloiro e Ronaldo Silva, gerente da Tasca do Ronaldão, admitem que, por causa das obras em frente ao edifício, o movimento diminuiu muito. Como destaca Cátia Almeida, “talvez este seja o período mais ingrato para o imóvel”, mas deixa numa nota de esperança: “o paciente tem de piorar para depois melhorar”.

019 14 de maio de 2024
CIDADE
Guilherme Borges Tomás Araújo Barros

Um ponto de partida obrigatório

Tendemos a olhar para as nossas experiências passadas e refletir à luz do saber que, entretanto, acumulámos. Quando olhava para trás, para os meus vários momentos de universidade, havia algo em concreto que me chamava a atenção: a pouca atenção que se dá à forma como comunicamos, seja por escrito ou oralmente.

O mercado de trabalho mostrou-me outra competência crucial que a formação universitária, muito interessada no saber específico, desvaloriza: como podemos ser realmente produtivos. E é isso que me traz ao livro de Ali Abdaal, que descobri no YouTube, através da minha esposa, durante a pandemia.

Ponto prévio: há na atualidade um debate enorme sobre produtividade, alinhado por uma perspetiva económica. É dito com frequência que somos um país pouco produtivo e os baixos salários são uma consequência disso. Quando vejo ou ouço algo que utiliza este argumento, reviro os olhos. A produtividade é um conceito multifatorial amplo. E Ali Abdaal vai explorando essa multiplicidade ao longo do livro, recorrendo a imensos estudos de Psicologia e outros campos (há 15 páginas de bibliografia no final).

Quando saltamos para o mercado de trabalho, vindos diretamente dos anfiteatros de madeira da universidade, há muita coisa em falta. É óbvio

e esperado. Mas se a formação que temos não é suficiente, temos de ir atrás dela. "Feel Good Productivity" é um bom ponto de partida. Lê-lo de forma tranquila vai deixar algumas sementes sobre o que deve ser uma boa postura laboral e, por acréscimo, produtividade.

Ser produtivo não é ser a pessoa que produz mais parafusos, ou escreve mais artigos, ou defende mais casos em tribunal. Num mundo ideal, sim, mas não é o que temos. Ser produtivo é entender que temos de nos sentir bem, de cuidar de nós próprios, descobrir o nosso ritmo e, talvez uma das competências mais desvalorizadas, saber dizer que não.

Porque, no final, tudo se resume ao tempo que temos disponível. Trabalhar mais horas não é ser mais produtivo. "Tendemos a pensar que podemos fazer tudo. É um mito. Produtividade sustentável significa reconhecer as limitações do nosso tempo. Toda a gente as tem" (p. 198).

Se há frase de Ali Abdaal que marca o livro, é precisamente essa. Tenho mergulhado nestas questões da produtividade pela associação à saúde mental e física. E se há correlação que, para mim, fica clara é entre sentir-me bem e ser produtivo. Não poderia recomendar mais este livro, pela sua mensagem e pela sua simplicidade.

“MADVILLAINY”

DE: ALI ABDAAL

EDITORA: VOGAIS

2024

Um Génio do Mal

-

Faz vinte anos que MF DOOM conquistou o mundo da música.

O ano era 2004, as músicas do momento eram “Drop It Like It`s Hot” de Snoop Dog, “Somewhere Only we Know”, dos Keane e “Força” da Nelly Furtado - o hino do Europeu de futebol organizado por Portugal e que fatidicamente pendeu para os gregos com o perverso cabeceamento de Charisteas.

Nesse mesmo ano e também perverso, maldoso, desbocado e impiedoso foi o supervilão que irrompeu com o seu álbum colaborativo com o famoso produtor Madlib, intitulado “Madvillainy”. A dupla baptizou-se Madvillain e este clássico do hip hop abstrato revolucionou o género por completo.

A debitar rimas na terceira pessoa, esta persona cartonesca baseada no supervilão da Marvel Doctor Doom criada por Daniel Dumile atingiu o seu apogeu discográfico, muito devido ao

seu ‘flow’ hipnótico, ao seu esquema rimático único e pela sua voz cavernosa.

Madvillainy não era, pelo menos na altura, o típico álbum de rap, tratava-se de uma colagem meticulosa de melodias, excertos de banda desenhada e lírica impressionista que, em conjunto, pintavam uma confusão engendrada até ao detalhe. Refrões? Vilões não respeitam regras. Não existem refrões, existe rima, após rima, numa estética em que a letra pinta este universo de banda desenhada em que MF DOOM é dono e senhor na qualidade de narrador da sua própria história.

E como não discorrer sobre o outro supervilão que desenhou ao milímetro o arranjo de todos os planos maléficos deste disco. Madlib foi ao Jazz e aos Blues, como muitos outros produtores, é verdade, mas nenhum saberia encapsular a loucura conceptual, o tom e a abstração deste projeto de melhor forma.

Como não mencionar a música “Accordion”, em que um acordeão, sim, um acordeão, é usado e passa a ser a atração principal da música. Um álbum tão abstrato ser tão coeso parece um paradoxo, mas a verdade é que, nesta ascensão ao que existe de etéreo no abstracionismo, respeitando a malvadez deste descortês malfeitor, a identidade que

A CABRA aconselha

existe neste projeto é palpável e nem por um segundo dissonante.

Não é um mero chavão afirmar que este álbum abriu o caminho para todo um subgénero, bem como serviu como uma influência para todo o rap que o sucedeu. Este disco, mesmo que não influenciasse toda a indústria, porque o fez, encapsularia em si todo o abstrato que não existia, pelo menos nesta medida.

Esta dupla conquistou o mundo do rap e as pessoas entregaram-se com naturalidade a esta nova ordem mundial em que os supervilões são os novos monarcas do universo musical.

14 de maio de 2024 020 ARTES FEITAS
LITERATURA MÚSICA
‘FEEL GOOD PRODUCTIVITY’

CABRA DA PESTE

- POR DUARTE NUNES -

SECÇÃO FILATÉLICA

- POR JOSÉ CURA -

OJardim Botânico da Universidade de Coimbra foi criado em 1772, por iniciativa do Marquês de Pombal no âmbito da reforma pombalina dos estudos universitários e estende-se por mais de 13 hectares, em terrenos doados pelos frades Beneditinos. Teve como objetivo inicial o complementar do estudo da História Natural e da Medicina, sendo Domingos Vandelli o principal responsável pela sua organização, sendo postariormente continuada por Avelar Brotero, professor de Botânica e Agricultura. O Jardim foi, a nível artistico, desenhado à moda italiana, pelo que, além de integrar diferentes níveis, escadarias e avenidas, é parcialmente cercado por um grandioso gradeamen-

to de ferro e bronze com 5 imponentes portões. Em junho de 2014 os CTT – Correios de Portugal emitiram uma série de 8 selos dedicados aos mais belos jardins de Portugal, a saber: Palácio Fronteira (em Lisboa), Chalet da Condessa D'Edla (Sintra), Palácio Nacional de Queluz, Jardim Botânico da Universidade de Coimbra,Parque de Serralves (Porto), Mosteiro de Tibães (Braga), Parque Terra Nostra (Povoação nos Açores) e Quinta do Palheiro Ferreiro (no Funchal, Madeira). O selo de Coimbra, com valor facial de €072, porte para a Europa, é retratado numa fotografia de António Sachetti num design do AF Atelier. O selo teve uma tiragem de 175 000 exemplares sendo impressos em processo offset na

Casa da Moeda, com picotagem de segurança de Cruz de Cristo e medidas 40 x 30,6 mm.

RECORTA ESTA PULSEIRA E TROCA-A POR UM BRINDE NO JORNAL A CABRA

021 14 de maio de 2024 SOLTAS

CRÓNICAS DO TRODA

- POR ORXESTRA PITAGÓRICA -

25 de abril, sempre?!

“50 anos de abril e não são só os 49 anões atrás de uma Branca de Neve no parlamento que definem o estado da nação. A Academia está de luto, mas dá para se estar de luto quando já estamos mortos?!

A Estudantina Feminina da Secção de Fado esqueceu-se do seu verdadeiro propósito - de não fazer nada - e quis instaurar o seu cântaro com um grito penoso e bastante elucidativo das suas crenças internas. Gritas “25 de abril sempre” na rua? … então tu podes tudo! No meio disto tudo, a secção de fado anda às avessas com a COQF. Por isso, a COQF anda de costas voltadas com a Polícia, que por sua vez, está assim com a Câmara. De quem é que a culpa no meio disto tudo? Dos pilares da Sé Velha? Das pedras da calçada? Mármore? Pedra de Ançã? Haxixe? A Pitagórica vem resolver este problema! Nós tocamos na Serenata Monumental e fazemos um featuring com a Cuca Roseta! 25 de abril, sempre! Fado nunca mais! … ninguém fala dos problemas verdadeiros desta cidade! Já não há shots no NL a 0,50

cêntimos; o Quim dos Ossos transformou-se numa pizzaria; o Samambaia vai deixar de ter baldes de cerveja; querem-nos tirar a dose cavalar de chanfana no Costa e o Notícias de Coimbra continuam a fazer notícias bêbados. Quando é que lhes dizem que Jacks Daniel’s não é o digestivo da hora de almoço? Volta Manuel Machado e diz-nos onde é que bebias aquele tintol matinal! 25 de abril, sempre! Água benta nunca mais!

Boaventura de Sousa Santos que já nos tanto brindou com as suas obras-primas, assume que quer voltar como diretor emérito do Centro de Estudos Sociais da UC. Vão por toalhas nas mesas para que não se possa ver as pernas? Se o convidarem para o Jantar de Gala não se esqueçam de avisar que a sobremesa é servida na parte de cima da mesa! Completamos com uma sugestão: o José Castelo Branco para Reitor! Violência doméstica e assédio (alegadamente, claro está!) …um pack de brilhantismo. O verdadeiro espelho da nossa Academia. 25 de abril, sempre!

Trodos, Trodas e Trodis(porque nós somos inclusivos), no próximo dia 30 de maio vamos estar no palco da Queima das Fitas. Não apareçam por obrigação, mas sim por tesão. Vamos fazer desta uma Queima das Fitas com prejuízos institucionais!

Escrevemos “25 de abril sempre” nos jornais? … então nós podemos tudo! Amo-te, oh Portugal!

“A história não se repete, mas rima”

Àmedida que se folheia toda a documentação acumulada ao longo dos últimos 40 anos é difícil não haver a sensação de que já vimos aquelas palavras, aquelas reivindicações, aqueles capacetes… Os problemas vão reaparecendo, desde a habitação, a propina, a falta de condições e de espaço no edifício da AAC, os problemas pedagógicos, a falta de cantinas, etc…

Todos os anos, a Academia acorda com uma amnésia, como se a vida começasse somente naquele momento. Esquecida das lutas e das soluções, navega nos assuntos como se fosse a primeira vez que os enfrenta, como um herói que desbrava os setes mares sem mapa para o situar e com lendas que lhe assombram os pesadelos.

Além disso, a história também adota contornos e nuances que, muitas vezes, ganham tom de verdade absoluta e dogma bafiento. Afinal, também diz o povo, “quem conta um conto, acrescenta um ponto”. Várias versões do mesmo acontecimento tornam-se factos incontestáveis, sem que se contraponha a veracidade entre duas narrativas que, se

calhar, não são assim tão opostas.

Face à dispersão histórica que tanto caracteriza a nossa Academia, por descuido e falta de manutenção dos registos que se foram fazendo, a ligação muitas vezes dá-se quando, entre finos, algum atual ou antigo estudante começa a desenterrar histórias e a ligar os vários pontos. É neste momento catártico que nos apercebemos que já houve aquela discussão em magna e que o metro de Coimbra está prometido há décadas. No entanto, mais do que entender que os problemas são cíclicos (ou que nunca desapareceram), é entender aquilo que somos capazes.

Há quem ache que a Academia vive linearmente, mas se há coisa que o tempo nos ensina (para quem estiver atento), é que esta não é cristalizada no tempo, mas move-se e os estudantes movemse com ela, ao protestarem (e protestam) contra os problemas, as injustiças e as guerras do seu tempo, e a falarem a uma só voz. E, muitas vezes, os estudantes ganharam.

Conhecimento é poder. Saber a nossa história é

poder. Aprender as lições da história, no seu contexto, é olhar criticamente para o futuro, mas, acima de tudo, é saber olhar para dentro de nós. Torna-nos sábios pela força de uma experiência que não é nossa individualmente, mas partilhada pelos estudantes de geração em geração.

A história é um bem precioso, muitas vezes levado em vasos de barro e que, por falta de iniciativa ou interesses alheios, facilmente é apagada e retira-nos autonomia de fazer as nossas próprias escolhas. É dever de um arquivo que esteja verdadeiramente vivo, estar disponível e acessível a quem precisa dele.

Nos seus dois anos de vida, o Arquivo da Secção de Jornalismo propôs-se (e tem cumprido) a disponibilizar o seu espólio para a comunidade. Num ano em que a nossa atividade duplicou, trabalhámos para que todas as pessoas pudessem aceder à sua história, cultura e identidade, para não a esquecerem. E é este trabalho que nos propomos a fazer, todos os dias, por um amor que une todos os que por aqui vão queimando as suas pestanas.

14 de maio de 2024 022 SOLTAS
- POR JOANA CARVALHO & DISA PALMA – ARQUIVO DA SECÇÃO DE JORNALISMO DA AAC -

Mais de 400 votos... E sem o lápis azul dos

Generais da Academia... Ainda restam dúvidas?

- SECÇÃO DE FADO DA ASSOCIAÇÃO ACADÉMICA DE COIMBRA -

Na audição pública promovida pelo MCV, mais de 400 estudantes votaram a favor da Tradição, não compactuando com a tentativa de comercialização da sua festa e exigindo que a Serenata Monumental da Queima das Fitas se realize no Largo da Sé Velha. Vamos dar corda ao relógio e regressar ao século XIX!

A 23 de maio, meia-noite, três estudantes apresentam-se de capa traçada e tomam a escadaria da Sé Velha como sua, de viola e guitarra portuguesa nas mãos, preparados para arrancar com mais uma serenata à Minerva Portuguesa. Ao soar dos primeiros acordes, surgem pelo Largo estudantes, futricas e curiosos, rebatendo a calçada. Para ouvir o Hilário tocar ou poemas de Antero serem recitados, foi na Sé que, naquela noite, como em tantas outras, Coimbra provou que era ali o seu coração.

A primeira Serenata Monumental da Queima

das Fitas data de 1949, na Sé Velha. Porém, depois de 1969, só em 1980 é ali retomado o bailinho da despedida. Ainda no tempo da porrada e do mal dizer a quem envergasse Capa e Batina, no seio do Movimento Pró Reorganização e Restauração da Praxe Académica de Coimbra, surge a Secção de Fado, com o objetivo de unificar a Academia. Tempos foram estes em que ressurgem também o MCV e a COQF, que ultimamente parecem ter esquecido quem foram seus pais (empoeirados fundadores da SF/AAC).

Ao longo dos anos, a Queima das Fitas passou a ser um mero festival de verão. Este ano, particularmente, oferece um cartaz cheio de diversão, mas pouca tradição. Quantos de vós não vão ao parque para a tendinha ver se safam uma menina, para depois ouvirem um rapper manhoso enquanto esperam para ativar a pulseira? Calma, a culpa não é toda vossa! É dos que dizem em declarações

públicas que são pela Tradição, mas depois, nos Conselhos Internúcleos, Desportivo e Diretivo da COQF, votam contra a mesma, sob as falsas desculpas de “segurança, democratização e questões legais”. Tudo isto na mesma Academia que, em 1920, contra todos tomou a Bastilha; que em 1962 uniu os estudantes de todo o país pela democratização do ensino e liberdade associativa; e que em 1969 pediu a palavra e fez o país abanar, apesar de todas as represálias que daí adviriam. Hoje em dia, só vemos palavras bonitas e cirandagem. Temem envergar a Capa e Batina para se apresentar no dia 23, à meia noite, pela Serenata na Sé Velha. Não sejam como eles!

P.s.: Como gostamos de desafios, vamos realmente “democratizar” a Serenata Monumental e ouvir todos a balada da despedida no Queimódromo! Ganhem juízo...

OBITUÁRIO

- POR CABRA COVEIRA -

Oh Amílcar Salmão, estás no padel, já pensaste em ir pra natação? Se fores à Decathlon vê a nova promoção nas toucas e barbatanas… pode dar jeito. Pode ser que até encontres o Nemo a tentar negociar com a DG por alguma coisa... O que te vale é que a memória deles é como a da Dory, de curto prazo. Já dizia o Sr. Xico: “água mole em AAC dura, tanto bate até que escorre”. O que não escorreu foi um único pingo de vergonha. E agora? Preparate Diogo Ribeiro, que o Renato já começou a apostar na mariposa, e se há coisa que ele sabe, é posar. SUBMARIIIINOS!

Chupa Paulo Portas, a AAC é vanguardistA. Nem os Beatles~! Pescas disto ou já estás a fazer curto-circuito?

Beijinho molhado gluglu.

Tens cá uma lata… Ena Pá, 3000! Não sabia que também queriam inundar a Sá da Bandeira com cerveja. Hold back the river. “Mas oh Cabra Coveira, é pela tradição!” Banhos de cerveja são históricos. 400 pessoas para falar sobre a serenata também, mas não conseguem mobilizar um caloirinho para a magna. Silêncio! Para a COQF não se canta o fado este ano. Se calhar deviam convencer o Charles Rocket a passar a balada em loop: remix brega funk proibidão. Mas não se procupem … que este é o melhor cartaz… outra vez. Bem dito tio Quim, salva-nos! 65 paus não é Excessivo? Pra quem tem protocolar não dói. Vá, vemo-nos na zona vip.

023 14 de maio de 2024 SOLTAS
AACuário FRA - Festa Raramente Académica

Mais informação disponível em

Editorial

- POR ANA FILIPA PAZ -

Com três anos de Jornal A CABRA, vão também três anos de trabalho, emoção, devoção a uma causa maior que eu. Vão, sobretudo, três anos de empenho conjunto pela construção de uma academia cada vez mais próxima daquilo que na verdade ela pode ser. O meu contributo foi apenas mais uma mão, numa corrente que só ganha por estar mais unida. A Associação Académica de Coimbra será sempre um sonho meu, em parte concretizado pela minha passagem por aqui; e a Secção de Jornalismo a manifestação viva de que todos esses sonhos são vividos e desenhados de mãos dadas uns com os outros.

Aos meus amigos (camaradas, vá, deixem-me..) do jornal, fizemos um trabalho do caraças.

Sobre o futuro, que novas flores desabrochem e cresçam com cada vez mais cor. O jornalismo universitário deve ser experimental, transparente e, acima de tudo, pedagógico. É este o espaço para errar e fazer diferente. Para desafiar as normas instruídas e refletir sobre os limites e as circunstâncias do trabalho em redações académicas. O Jornal A CABRA é um espaço privilegiado para que isso aconteça. É

FICHA TÉCNICA

Jornal Universitário de Coimbra - A CABRA

Depósito Legal nº478319/20

Registo ICS nº116759

Propriedade Associação Académica de Coimbra

Morada Secção de Jornalismo Rua Padre António Vieira, 1 3000-315 Coimbra

aqui, em Coimbra, que se continua a apostar em projetos culturais e científicos de serviço público universal e livre.

É também aqui em Coimbra onde se continuam a perpetuar comportamentos autodestrutivos e anti-mudança que o jornalismo deve denunciar. A desvalorização do trabalho dos estudantes, a comercialização das matérias históricas e desvirtuação dos valores basilares da nossa cidade, afastam cada vez mais Coimbra da sua essência cultural. Essência, acima de tudo, popular – escrita por pessoas. Hoje, são também essas as pessoas que se vêm privadas de viver nas suas casas, manter hábitos tradicionais culturais e preservar histórias, memórias, momentos construídos em coletivo e que sobrevivem pelo seu punho.

O Jornal A CABRA deve continuar a trabalhar nesse sentido. Ao reinventar-se, procurar a verdade e propor discussões como estas. A academia deve seguir os mesmos passos, e aliar-se ao trabalho cultural feito na Académica para que ele possa evoluir. Em constante aprendizagem.

Por agora é isso. Brutal! Obrigada.

Diretora Ana Filipa Paz

Equipa Editorial Daniela Fazendeiro & Alexandra Guimarães (Ensino Superior), Raquel Lucas & Sofia Moreira (Cultura), Fábio Torres (Desporto), Ana Cardoso & Eduardo Neves (Ciência & Tecnologia), Clara Neto & Luísa Rodrigues (Cidade), Daniela Fazendeiro (Fotografia)

Colaborou nesta edição Joana Almeida, Luís Almeida, Guilherme Borges, Ana Raquel Cardoso, Francisca Costa, Pedro Cruz, Catarina Duarte, Bruna Fontaine, Iris Jesus, Raquel Lucas, Camila Luís, Luísa Malva, Diogo Teles Mateus, Bárbara Monteiro, Clara Neto, Ana Filipa Paz, Miguel Santos, Afonso de Vasconcelos, Leonor Viegas

“Que mil flores desabrochem. E outras nenhumas não”,
Manuel Alegre

Conselho de Redação Luís Almeida, Francisco Barata, Tomás Barros, Joana Carvalho, Carina Costa, Inês Duarte, Filipe Furtado, Leonor Garrido, Hugo Guímaro, Luísa Mendonça, Margarida Mota, Bruno Oliveira, João Diogo Pimentel, Paulo Sérgio Santos, Pedro Emauz Silva

Fotografia e Ilustração Joana Almeida, Luís Almeida, Tomás Araújo Barros, Guilherme Borges, Arlindo Camacho, Catarina Duarte, Bruna Fontaine, Simão Moura, Bárbara Monteiro, Ana Filipa Paz, Miguel Santos, Leonor Viegas

Paginação Luís Almeida, Ana Filipa Paz, Fábio Torres

Impressão FIG - Indústrias Gráficas, S.A.

Telf.239 499 922, Fax: 239 499 981, e-mail: fig@fig.pt

Produção Secção de Jornalismo da Associação

Académica de Coimbra Tiragem 2000

14 de maio de 2024 024
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