Edição 296 Jornal Universitário de Coimbra - A Cabra

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28 DE MAIO DE 2019 ANO XXIX Nº296 GRATUITO PERIÓDICO DIRETOR PEDRO DINIS SILVA EDITORES EXECUTIVOS LUÍS ALMEIDA E DANIELA PINTO

“Alcoholocausto”: memória e liberdade de e­ xpressão Depois da polémica, a História. Estudantes lamentam que Holocausto não seja mais abordado durante a licenciatura PÁG. 4-5

ISABEL SIMÕES

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ENSINO

CULTURA

DESPORTO

CIÊNCIA

CIDADE

Secções sem direção e com falta de associados em risco de abandonar cultura e desporto da academia

História, evolução e “­rivalidade amistosa” entre Coro Misto e ­Orfeon na rúbrica “Cantos da Casa”

Briosa de ouro e bronze sobe ao Minho para deixar marca nos Campeonatos Nacionais Universitários

Proposta que incentiva recolha e reciclagem de lixo promete reduzir 50 por cento dos resíduos à entrada do recinto

Investimento de quatro milhões da CMC vai ser a maior reforma do Bairro do Ingote desde a sua origem, em 1979


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Estudantes do mundo garantem que cidade do Mondego é passaporte para a vida Grande concentração de jovens estrangeiros em Coimbra promove vida académica fora das salas de aula. Para além de se fazerem representar em núcleos e secções, alunos vivenciam novas experiências - POR GABRIELLA KAGUEYAMA -

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oimbra é a cidade dos estudantes. Porém, nem todos são portugueses. Segundo dados divulgados em 2018 pela Universidade de Coimbra (UC), 20 por cento dos estudantes que frequentam a instituição são de origem internacional. Quando a estes se juntam os jovens inscritos em programas de mobilidade e sob concurso especial de acesso em outras escolas e institutos da cidade, é fácil per­ ceber que Coimbra recebe universitários de todo o mundo. Apesar da dedicação exigida pelo Ensino Superi­ or, a vida de estudante não se baseia apenas na ida às aulas. A necessidade de se relacionar com a comuni­ dade local e de se envolver em atividades extracur­ riculares é, por isso, escolha de muitos estrangeiros. Janne Linder é aluno de mobilidade em Relações Internacionais na Faculdade de Economia da UC (FEUC) e membro do Coro Misto da Universidade

MARIA FRANCISCA ROMÃO

de Coimbra. O universitário de origem alemã adi­ anta que a participação no coro se explica pela vontade de “interagir mais com os estudantes lo­ cais”. Janne Linder tem conhecimentos básicos de língua portuguesa e destaca que fazer parte deste grupo, “onde não existem desculpas para não falar português”, o levou a aperfeiçoar o idioma. O estu­ dante da FEUC reitera que “não força os restantes cantores a falar inglês”. Zhang Yichi, de nacionalidade chinesa, é aluno de mobilidade em Língua Portuguesa na Facul­ dade de Letras da UC. Para si, falar o idioma local nas salas de aula foi necessário ao bom desempen­ ho académico. Zhang Yichi admite que, apesar de a língua não ser um problema, os amigos que fez são todos chineses ou estrangeiros. As atividades fora da universidade e as festas não são atraentes para o estudante, pois “são muito diferentes das da China”, justifica. O privilégio de falar português não é comum a todos os estudantes internacionais na cidade. Um­ berto Banfichi, aluno de mobilidade no Instituto Su­ perior de Contabilidade e Administração de Coim­ bra (ISCAC), teve dificuldades com a integração na comunidade portuguesa. Por todas as disciplinas serem lecionadas em português, as salas de aulas não beneficiaram a sua aproximação com os colegas de turma. O estudante italiano, que não teve dis­ ponibilidade para frequentar atividades extracur­ riculares, acredita que “o contato com a população

local” teria sido mais fácil se o inglês fosse utilizado pelos professores. O convívio com as comunidades locais promove uma interação diferente com a cidade. Para Janne Linder, fazer parte do Coro Misto da UC propor­ cionou experiências que não teria vivido em outras ocasiões. “A Queima das Fitas, a visita à Capela de S. Miguel e os diversos convívios foram os momen­ tos mais interessantes”, destaca o tenor do coral. As múltiplas nacionalidades que a cidade agrupa tam­ bém são um fator positivo para os estudantes. Um­ berto Banfichi salienta que a interação com a popu­ lação portuguesa se restringiu aos poucos colegas de casa, uma vez que “a maior parte dos amigos era brasileira e de outras origens que não Portugal”. Larissa Costa, aluna de Mestrado em Comu­ nicação Social e Novos Media na Escola Superi­ or de Eduação de Coimbra (ESEC), colabora na produtora ESEC TV. Também para a estudante cabo-verdiana a experiência promove uma proxi­ midade maior com Coimbra e com a cultura local. “Sair e fazer gravações trouxe o conhecimento de lugares e personalidades que integram a cidade”, salienta a mestranda. “Não se pode perder o interesse em representar as comunidades de outros países” Para muitos dos estudantes em Coimbra, a vida académica abrange a participação em posições políticas na Associação Académica de Coimbra (AAC). Dada a percentagem de alunos estrangeiros cada vez maior na universidade, estes têm vindo a ocupar cargos de destaque na associação de estu­ dantes. “É importante inserir as necessidades dos alunos estrangeiros nas pautas da academia”, ressal­ va o presidente do Núcleo de Estudantes do Depar­ tamento de Engenharia Química da AAC, Denner Deda. O estudante brasileiro acrescenta que “o en­ volvimento em núcleos e secções da casa faz com que os alunos internacionais tenham a mesma voz que os portugueses”. Nesse sentido, alerta que “não se pode perder o interesse em representar as comu­ nidades de outros países”. Denner Deda frisa a necessidade de “ouvir os es­ tudantes, compreender as problemáticas que estes enfrentam e encontrar caminhos para os ajudar”. O mandato de dirigente acaba este ano, mas o estu­ dante está envolvido noutras atividades académicas. Como sub-coordenador da Comissão de Estratégias para a Internacionalização do Conselho Geral e mentor do programa StartUC, o aluno espera “fazer parte dos quase 730 anos de história da UC”. A participação de alunos de outras nacionalidades em grupos de estudantes locais é vista de forma posi­tiva pelos próprios estrangeiros. Para além da necessidade de se fazerem representar em secções da AAC, admitem que ganham muito a nível pes­ soal. Larissa Costa aponta para a tendência de os alunos internacionais se fecharem entre si, mas aler­ ta para o imperativo de “sair da zona de conforto” e conhecer o que o ambiente tem a oferecer. Para Denner Deda, uma “experiência mais alargada” é a recompensa pela interação fora da universidade. Janne Linder afirma estar “muito grato pela receção e acolhimento que recebeu por parte do Coro Misto da UC”. Larissa Costa acrescenta que a internacionalização das secções promove ganhos para ambos os lados, pois “o estrangeiro traz dife­ rentes visões do mundo e acaba por desenvolver novas atividades”.


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Uma “ilusão” vivida nas secções culturais e desportivas da AAC SECÇÃO GASTRONÓMICA DA AAC Quando em plena ativi­ dade, promovia ‘work­ shops’ com suges­ tões de comidas e receit­ as fáceis. O objetivo passava por celebrar a cultura portuguesa ­atra­­v­és­­ da culinária

CENTRO DE INFORMÁTICA DA AAC O CIAAC juntava quem se interessava pelo funcionamento da internet, pela gestão de redes e por ‘gaming’. Hoje, desabafa que “já ninguém quer saber de informática”

SECÇÃO DE PESCA DESPORTIVA DA AAC Dedicada às compe­ tições nacionais e in­ ternacionais de pesca desportiva em água doce, esta secção é a única da academia com um troféu mundial

SECÇÃO DE TIRO COM ARCO DA AAC Apesar de admitir praticar um desporto com pouca expressão a nível nacional, a secção garante ser um clube pequeno que consegue alguns primeiros luga­ res no pódio

SECÇÃO DE TAEKWONDO DA AAC Arte marcial de origem coreana, o taekwondo conquista uma legião de praticantes por todo o globo. Distingue-se pelos seus movimentos de pontapeio

Quantidade de secções da casa pode não corresponder a 41, o número oficial. Enquanto umas se encontram em vias de extinção, DG/AAC garante que “há um plano preparado para que novas secções nasçam” - POR JÚLIA BERTASSONI E CATARINA MAGALHÃES -

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academia de Coimbra caminha, há 132 anos, de mãos dadas com secções culturais e desportivas que procuram envolver os estudantes no associativismo. Em 2019, cinco destas secções cor­ rem o risco de desaparecer. Ausência de uma direção, falta de membros e escassez de verbas são os princi­ pais responsáveis. Segundo o presidente da Direção-Geral da Associa­ ção Académica de Coimbra (DG/AAC), Daniel Azenha, este “é um problema que se tem ar­ rastado”. Quem o vive são secções sem direção ou que não apresentam atividade há mais de dois anos. O presidente do Conselho Fiscal da AAC (CF/AAC), Francisco Costa, vai mais longe e aponta que “não se pode viver na ilusão de ter 26 secções culturais e 15 desportivas quando, na realidade, tal não se verifica”. Em perigo estão duas secções culturais – a Secção Gastronómica da AAC (SG/AAC) e o Centro de In­ formática da AAC (CIAAC) – e três secções desporti­ vas – as secções de Pesca Desportiva, Tiro com Arco e Taekwondo da AAC. Regra geral, é a falta de membros e de associados que faz com que as secções não consigam formar di­ reção. Os Estatutos da AAC preveem, para estes casos, que se dê início à criação de uma Comissão Adminis­ trativa (CA). O presidente do CF/AAC adianta que esta será, idealmente, constituída por oito associados da secção, aos quais se juntarão o vice-presidente da área, o administrador e o tesoureiro da DG/AAC. Trata-se de um último recurso porque, como afirma, “retira por completo a autonomia financeira à secção”. A Secção de Pesca Desportiva da AAC tem a sua atividade suspensa desde o ano passado. “Os as­ sociados foram embora porque não havia dinheiro para pagar sequer as inscrições”, adianta Joaquim Belisário Borges, sócio fundador da secção. Francis­ co Costa justifica que, quando uma secção deixa de apresentar atividade, as suas verbas são cortadas. É o caso da Secção de Pesca Desportiva da academia que, desde 2017, não possui direção, nem apresen­ ta contas. O presidente da DG/AAC lamenta “ter a única secção da casa, com um título mundial, em risco de extinção”. O tesoureiro da Secção de Tiro com Arco da AAC, Adamo Caetano, revela que foi o próprio CF/AAC a “sugerir o pedido de CA”. Contudo, queixa-se de que “o processo está estagnado desde o mandato anterior do órgão”. O atual presidente do CF/AAC esclarece que esta secção desportiva “está em Comissão de Gestão (CG), algo completamente diferente de uma CA”. Quando em CG, a secção é gerida pela última di­ reção eleita, durante um período de 90 dias. Após esse tempo, o CF/AAC requer à DG/AAC ou ao respetivo Conselho (Cultural ou Desportivo) a criação de uma CA. Assim, “a gestão financeira passa para as mãos da DG/AAC”, elucida o presidente do corpo fiscalizador da casa. A situação da secção passa a ser escrutinada de meio em meio ano, de forma a entender “se vale a pena continuar ou se vai ter um fim definitivo”, expli­

ca Francisco Costa. A Secção de Tiro com Arco da academia possui uma especificidade: são os seus associados quem paga o material e a participação nas competições. O tesoureiro da secção refere que, apesar de serem um clube pequeno, conseguem resultados interessantes e não se importam de representar a Académica. Por sua vez, Francisco Costa revela que não era do intere­s se desta secção “continuar a colaborar com a AAC”, des­ de a sua última tomada de posse, em 2016. Critica o que considera não fazer sentido: “é uma secção que não contribui para a casa e que, no entanto, mantém o seu emblema”. O autoproclamado “presidente fictício” da Secção Gastronómica da AAC, João Martinho, revela que a secção “está a ser mantida administrativamente, há três anos, por uma pessoa”. Além do constrangimen­ to de espaço, a SG/AAC não possuía membros sufi­ cientes. O presidente do CF/AAC assinala que os in­ tegrantes desta secção cultural não conseguiram lidar com a burocracia imposta e “decidiram ir embora”. Desabafa mesmo que o retorno é improvável. De acordo com o CF/AAC, também a Secção de Taekwondo da AAC “deixou de prestar contas à as­ sociação, embora continue a sua atividade”. Até à publicação deste impresso, não foi possível contactar o presidente da secção. O lado B O CIAAC era a secção responsável pela gestão da rede do edifício, refere Francisco Costa. Neste mo­ mento, encontra-se sob alçada administrativa, pois não possui uma direção formada. João Nogueira, um dos encarregados pela gestão do CIAAC, responsa­ biliza “a distância do Departamento de Engenharia Informática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra ao edifício-mãe da AAC pelo declínio da secção”. Confiante, o presidente do CF/AAC acredita que, “por haver interessados”, esta é a secção em risco com “melhores condições para se reerguer”. As secções desportivas de Radiomodelismo e de Voleibol da AAC são a prova de que a possibilidade de dar a volta existe. O presidente da primeira, Jorge Simões, assinala que o problema não é a falta de as­sociados, “mas sim de pessoas que ajudem e tra­ balhem”. O presidente do CF/AAC saúda o facto de esta “estar a renascer”, depois de dois processos de eleição. Por seu lado, a Secção de Voleibol da AAC mantém a dificuldade de “conquistar associados” para fazerem parte das direções, que devem ser cons­ tituídas por 13 membros. Contudo, os desportistas estão a tentar “construir uma lista”. Críticas à burocracia Os Estatutos da AAC vieram acrescentar novas re­ gras à casa. “As maiores secções agradecem a existên­ cia destas regras e controlos”, assume o presidente do CF/AAC. Contudo, para as menores, como o CIAAC, embora “a burocracia confira maior segurança, torna tudo mais penoso”, confessa João Nogueira. Na opini­ ão de Francisco Costa, “as secções não estão habitua­ das a regras e os novos Estatutos vieram impô-las”. Daniel Azenha revela que “não é a primeira vez que uma secção entra em extinção”. Defende que o papel da DG/AAC é “não ter medo” e que, por isso, existe já “um plano para que novas secções nasçam”. Do lado do presidente do CF/AAC chega o veredito de que, se uma secção não demonstra interesse, “não faz sentido continuar ligada à casa”.


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Como um carro da QF’19 reacendeu o pensamento crítico Depois das polémicas nas redes sociais e da carta aberta de professores da Faculdade de Letras da UC, emergem debates sobre memória histórica, cidadania e liberdade de expressão. Docentes consideram que toda a situação reflete falhas no modelo de ensino atual - POR JÚLIA FERNANDES E GABRIEL REZENDE -

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pedido da secretária de Estado da Cultu­ ra, Ângela Ferreira, o carro dos Fitados de História não desfilou com o nome original, “Al­ coholocausto”, segundo revelam o tesoureiro da Comissão de Carro de História 2016/2019, André Oliveira, e o dux veteranorum, Matias Correia. Ao dirigir-se ao reitor da Universidade de Co­ imbra (UC), Amílcar Falcão, e à Câmara Mu­ nicipal de Coimbra, a secretária de Estado terá invocado a própria Constituição da República Portuguesa e alegado que os finalistas dissemina­ ram “um discurso fascista e antissemita” com o nome do carro, recordam ambos. Após o pedido, Matias Correia procedeu a uma inspeção ao veí­ culo e acabou por exigir alterações na sua estru­ tura e arquitetura. Nono entre os cem carros que desfilaram no Cortejo da Queima das Fitas 2019 (QF’19), o Carro de História, até então “Alcoholocausto”, desfilaria com uma réplica da Torre da Univer­ sidade e uma locomotiva na sua frente. O carro levaria ainda um estudante com um ponto de in­ terrogação no lugar da cabeça, símbolo de largas críticas. Se este era o plano inicial, a verdade é que acabou por sair sem nome e remodelado, contra a

vontade da comissão que o concebera. Continuidade da Latada à Queima das Fitas O contexto nasceu durante a Festa das Latas e Imposição das Insígnias, afirma o presidente da comissão, Daniel Oliveira. “O tema da Latada foi escolhido pelo curso, com o intuito de impedir que o Holocausto caísse no esquecimento”, declara o tesoureiro. Na festa, alguns caloiros foram ves­ tidos como judeus de um campo de concentração. Outros representavam uma amálgama de vários elementos nazis. Durante o cortejo de outubro, os estudantes de História distribuíram cravos e panfletos, que continham a data do Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, uma breve explicação do genocídio e a frase “Porque o pas­ sado não é passível de ser esquecido. Não come­ tamos o mesmo erro”. O mesmo panfleto foi distribuído durante a QF’19, segundo revela o presidente dos fitados. Como conta o tesoureiro André Oliveira, a comissão contava com duas opções de nome: “Al­ coholocausto” e “Caravelas dos Encobrimentos”. “Os dois últimos carros do curso já tinham feito alusão a barcos e caravelas, por isso, quisemos inovar”. A comissão revela que ponderou voltar atrás ao perceber “que o nome era suscetível de más interpretações”. Após todo o escrutínio nas redes sociais e “a falta de resposta à tentativa de diálogo”, decidiram não o alterar. Foi neste momento que o diretor da Faculdade de Letras da UC (FLUC), José Pedro Paiva, inter­ veio, a pedido de docentes que o tinham contacta­ do. Após uma reunião entre a comissão e a di­ reção da FLUC, os estudantes comprometeram-se a não levar o nome no carro, apesar de José Pedro Paiva insistir para que alterassem a denominação. Sem o nome, a comissão usou o espaço para tecer críticas. “O nosso objetivo era manter a génese do

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cortejo da Queima das Fitas, que é a crítica”, ex­ plica o tesoureiro. As mensagens originais acusavam a falta de salas na FLUC, as aulas com um número exces­ sivo de alunos, o estado das cantinas e o facto de “não se abordar o Holocausto durante a l i c e n ­ c i a t u r a”, refere Daniel Oliveira. Após as mani­ festações nas redes sociais e a decisão do dux veteranorum, decidiram que a crítica passaria por uma menção ao aniversário da Crise Académica, com os dizeres “Há 50 anos que ninguém nos cala”, e acrescentaram referências a uma “polícia académica” e à censura. Manifestações contra e a favor Quando a polémica chegou a público, Miguel Monteiro e Teresa Nunes, doutorandos de Estudos Clássicos da FLUC, criaram uma petição ‘online’ a pedir a alteração do nome. Com a possibilidade de este se manter, organizaram no Facebook o evento “No Cortejo da Queima das Fitas diz NÃO ao ‘Alcoholocausto’!”. O objetivo era bloquear a passagem do carro no desfile. Miguel Monteiro conta que decidiram mobilizar-se por considera­ rem que “estava em causa um uso impróprio de um crime contra a Humanidade”. À entrada da FLUC, dez dias após o cortejo da QF’19, viam-se cartazes negros em apoio aos comissários de História. Entre críticas e frases irónicas, um dos cartazes declarava “Viva o fascis­ mo! Não o digo literalmente… É uma forma iróni­ ca de contestar a vossa douta censura”. Segundo o presidente da comissão, apesar de os cartazes te­ rem sido feitos por um estudante de História, este não era finalista. Em resposta, Julia Carvalho e Manuella Frat­ tini, estudantes de História da Arte da FLUC, questionaram a manifestação por considerarem ser “uma teimosia”. Insatisfeitas com a inação da UC quanto ao caso, as estudantes colaram car­


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tazes com imagens do Holocausto, textos e a frase “Liberdade de expressão não é desculpa para ba­ nalizar discurso de ódio”. JÚLIA FERNANDES

Carta, Holocausto e memória Com 71 assinaturas, a carta “Memória e Re­ sponsabilidade” foi redigida pelo coordenador do Centro de Estudos Sociais da UC (CES), Antó­ nio de Sousa Ribeiro, em nome dos docentes da FLUC. Na carta, os professores explicitaram o seu desagrado com as menções à censura no car­ ro, com o facto de os comissários se manterem “convictos da justeza da sua opção inicial” e com a questão da liberdade de expressão. Catarina Martins, docente da FLUC, foi uma das signatárias e principais manifestantes con­ tra o nome do carro. A professora considera que, “quando a violência, as violações de direitos e os sacrifícios humanos são transferidos para um contexto de gozo, está-se perante uma banali­ zação que faz perder de vista a dimensão ética das coisas”. Para a docente, a leitura da imagem do carro poderia apresentar uma mensagem antissemi­ ta. “Intervimos em relação ao carro não indica que os alunos sejam fascistas”, garante, mas não

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“NOME DO CARRO NOVE TERÁ SIDO REFLEXO DA PRAXE”

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escolha do nome da Comissão de Carro de História 2016/2019 pode ser reflexo da praxe na sua constituição atu­ a l, consideram ex-estudantes e do­ centes da Universidade de Coimbra (UC). O dux veteranorum, Matias Correia, crê ser necessário fazer remodelações na Quei­ ma das Fitas e lembra que a revisão do código de praxe, iniciada há dois meses, é aberta a todos os estudantes da instituição. Bernardo Almeida Henriques, mestran­ do em História na Faculdade de Letras da UC (FLUC), acredita que os nomes apre­ sentados deveriam passar por um maior escrutínio por parte do Conselho de Vet­ eranos da UC. “Deveria haver uma seleção criteriosa dos nomes apresentados”, alega. Em contrapartida, o dux veteranorum entende que os carros “são das pessoas que os fazem” e que são reflexo da von­ tade de uma geração. “O Conselho de Veteranos quer dar liberdade aos fitados para criticarem e satirizarem aquilo que julgam mais correto”, acrescenta. Ma­ tias Correia teme ainda que este proces­ so abra um “precedente moral do que se deve ou não controlar”. Bernardo Almeida Henriques conta ser praxista, mas, agora “mais maduro”, re­ flete sobre ter participado em excessos. “A praxe acaba por ser uma ode ao consumo de álcool e o nome do carro transparece deixa de alertar para o facto de, enquanto pro­ dutores de mensagens, ser impossível contro­ lar o significado que uma mensagem possa ter. “Num momento em que estão a surgir teses nega­

isto”, explica. O mestrando defende ainda que a praxe “adulterou o que é o cortejo por conta do consumo do álcool” e por van­ gloriar um “transe de desinibição total e de falta de limites”. Embora tenham feito alusão ao álcool no nome do carro, os fitados defendem que criticaram o “desperdício total e desme­ dido” de álcool. “O objetivo primário do cortejo é juntar os estudantes e criticar os professores, as aulas e o futuro”, reconhece o tesoureiro da comissão, André Oliveira. Já para Catarina Martins, docente da FLUC, a praxe “nunca foi democrática, porque implica hierarquia, submissão e autoridade”. Apesar disso, considera que há “boas possibilidades dentro da praxe” e que devem ser aproveitadas com responsa­ bilidade. No entanto, a docente admite que o cortejo é um ambiente de “crítica e sátira ao meio universitário”. O coordenador do Centro de Estudos Sociais da UC, António de Sousa Ribeiro, faz uma analogia entre a regra da praxe de os caloiros manterem os olhos no chão e o facto de os judeus prisioneiros nos cam­ pos de concentração nazi serem submeti­ dos ao mesmo ato. “Um prisioneiro olhar um guarda nos olhos era uma sentença de morte, se os praxistas pensassem nesta analogia, não obrigariam os jovens a man­ ter-se assim”, critica. cionistas em todo o mundo, torna-se muito difícil salvar a memória dos autoritarismos”, considera. Já António de Sousa Ribeiro explica que é difícil usar o termo “holocausto” num sentido geral. “Desde os anos 1970 que o conceito se refere ao genocídio de judeus durante o regime nazi na Alemanha”, relata. O coordenador do CES acredi­t a que é importante este episódio ter um efeito educativo e possibilitar um processo de reflexão. “A questão do carro não é pontual, não pode passar despercebida, mas não devemos passar o resto da vida a discutir isto”, acrescenta. Fracasso do Ensino Superior nacional

“Enquanto professor, vejo este episódio como um fracasso do nosso sistema de ensino”, assevera o coordenador do CES. Conside­ra que a edu­cação não está preparada para sensibilizar os jovens so­ bre as questões da memória, das suas origens e do futuro. Para António de Sousa Ribeiro, o ensino deve ser voltado para conceitos como dignidade humana, direitos humanos e cidadania.

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O presidente do Núcleo de Estudantes da FLUC e mestrando em História, Marco Cosme, revela que, durante a licenciatura, são poucos os professores que abordam o Holocausto, apesar de serem estudados períodos da História Contem­ porânea. Os comissários do Carro de História também enfatizaram que vão “ser historiadores sem ter abordado o tema no Ensino Superior”. O coordenador do CES e professor de Estu­ dos Germanísticos acredita ainda que existem muitas abordagens para as questões referidas. “É possível tratar estes temas em aulas de Geogra­ fia, Filosofia, ou ainda Teologia”, mas declara que a decisão depende dos professores e das suas prioridades, a que a vontade dos alunos não é a­ lheia. “Não sei o que andamos a fazer na universidade, que era o espaço para discussões aprofundadas”, reflete.


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Teatrão: 25 anos de teatro para além do palco Encenador brasileiro considera a companhia um coletivo teatral exem­ plar. Proximidade com a comunidade e vertente pedagógica são marcas da estrutura - POR BEATRIZ FURTADO -

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um quarto de século a pensar, desafiar, inspirar e contar histórias, mas no ano em que o Teatrão celebra este aniversário, é a sua própria história que deve ser ouvida. Segundo a Presidente da Direção do Teatrão, Isabel Craveiro, o teatro municipal deve ser um espaço de abertura permanente à cidade e à popu­ lação. “O grande objetivo da companhia é tornar o te­ atro acessível a todos e que este promova a reflexão sobre o mundo”, releva a presidente. Fundado em 1994, como uma resposta ao desafio colocado pelo evento “Coimbra Capital do Teatro”, o Teatrão nasce pelas mãos de Manuel Guerra. Surge com o intuito de conceber, em Coimbra, uma estru­ tura profissional dedicada ao teatro para a infância e é com este objetivo em mente que, nos dez anos que se seguiram, produziu espetáculos voltados para o públi­ co infantil. Ao longo da sua história, a companhia ocupou di­ versas instalações. Isabel Craveiro conta que o Teatrão começou sem ter um local que permitisse apresen­ tações e, como tal, os primeiros espetáculos decorre­ ram no Instituto Português da Juventude. No entanto, a necessidade de uma maior regularidade nas apresen­ tações pediu uma nova deslocação, desta vez para o Cineteatro de São Teotónio. Tal foi possível através de um acordo com o Ministério da Cultura, que não só possibilitou a reabilitação desta sala de espetáculos, como a sua utilização por parte do Teatrão durante seis meses por ano. Este foi a sua casa até 2003, quando passa proviso­ riamente para o espaço do Museu dos Transportes, na FOTOGRAFIA GENTILMENTE CEDIDA POR JORGE VALENTE

altura organizado para acolher eventos que integravam a Capital da Cultura. Entretanto, tinham começado já em 2001 os trabalhos da Oficina Municipal do Teatro e construía-se o Teatro da Cerca de São Bernardo. É, por fim, em 2008 que o Teatrão se estabelece definiti­ vamente na Oficina Municipal do Teatro, tendo ficado com a gestão e programação a seu cargo até aos dias de hoje. A atividade da companhia não se cinge ao palco, distingue-se também pelo seu papel pedagógico e for­ mativo. A forte ligação e proximidade ao público e à rede escolar, o seu serviço educativo e intervenção co­ munitária permitem que o Teatrão contribua para o progresso da comunidade da região. Projetos como a Rede Artéria são fruto deste “trabalho exaustivo que a estrutura faz para estar perto do público e contribuir para o desenvolvimento da circulação e produção re­ gional”, afirma a presidente do Teatrão. Esta ideia é partilhada por Marco António Ro­ drigues, encenador no Teatrão há 14 anos. Este refe­ re-se à companhia como “exemplar no que diz respeito ao teatro coletivo”. Sublinha que o seu trabalho é hori­ zontal e vertical: “horizontal porque é voltado para a cidade, para a comunidade e tem uma componente social sem que tal prejudique a investigação cénica”. Conta que têm uma produção muito intensiva em ter­ mos de teatro e, fora deste, criam pontes com outros ramos da arte, como é o caso de “Richard’s” em que Victor Torpedo participou como diretor musical e in­ tegrante do elenco. O encenador, que mora no Brasil, vem a Portugal a cada dois ou três anos a convite do Teatrão e da Escola Superior de Educação de Coimbra. Prefere a compara­ ção entre a Europa e a América Latina em detrimento da analogia entre o teatro português e o brasileiro. “A Europa procura preservar e trabalhar com as tradições, mas isso não implica que não ocorram ruturas. Em contraste, a América Latina tem o sentido de inovação, não tem muita memória, mas também não tem nada a perder e por isso arrisca tudo”, elucida. Segundo o encenador, Brasil e América Latina têm

FOTOGRAFIA GENTILMENTE CEDIDA POR CARLOS GOMES

um carácter mais transgressor que contrasta com o conservadorismo europeu, apesar de existirem ex­ periências de vanguarda, e clarifica que apenas alude a um ambiente institucional simbólico. “No Brasil te­ mos de lutar muito para fazer as coisas, porque a arte e a cultura não têm o mesmo valor e acho que essa diferença acaba por se refletir no palco”, conclui. Ao refletir sobre os últimos 25 anos, a presidente sa­ lienta que os momentos mais marcantes do Teatrão se dão quando começa a produção de espetáculos para outros públicos e o trabalho desenvolvido em torno da comunidade, com experiências de teatro de rua. A mudança para a Oficina Municipal do Teatro é outro ponto fulcral que Isabel Craveiro realça. Justifica que tal “abriu as portas a outro tipo de criações do ponto de vista técnico e artístico”. Pela negativa, relembra a per­ da do apoio da Direção Geral das Artes em 2014 que, nas suas palavras, marcou o destino da companhia e a sua resiliência em se afirmar como projeto profissional e de grande abrangência. Sobre o futuro do Teatrão, Isabel Craveiro afirma que o vê com bastante trabalho, mas também muito otimismo. A companhia ambiciona fazer “espetácu­ los que falem com as pessoas e que estejam ancora­ dos naquilo que faz sentido discutir no momento em que se está a viver”. Marco António Rodrigues afirma que planeia continuar o seu trabalho com o coletivo e que tem mais esperança e expectativas no povo português e nas instituições portuguesas. “Tenho raiz em Portugal, mais do que no Brasil”, declara. A presidente termina com a reflexão que o projeto ainda tem muito espaço para crescer, para fazer espetáculos que liguem as pessoas à estrutura e que promovam o teatro na região de uma maneira ainda mais efetiva e educativa.


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CANTOS DA CASA

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A rivalidade amistosa entre os coros da academia A história e evolução do Orfeon Académico de Coimbra e do Coro Misto da Universidade Coimbra une-se através da paixão pela música. Antigas gerações de coralistas revisitam os grupos em todos os aniversários. - POR MARIA MONTEIRO -

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Orfeon Académico de Coimbra (OAC) e o Coro Misto da Universidade de Coimbra (CMUC) são organismos autónomos da Associação Académica de Coimbra (AAC) que têm tido, ao longo dos anos, um trabalho significante no panorama cultural da cidade. De acordo com Gonçalo Ribeiro, coralista do Orfeon, a rivalidade entre os dois organismos “é amistosa e a concorrência é normal, sempre com boas relações”. O OAC surgiu em 1880 e é o coro mais antigo de Portugal. Foi criado como um coro masculino, mas após o 25 de abril de 1974 sofreu modificações e a ad­ missão de elementos femininos foi permitida. A neces­ sidade de cativar cada vez mais a nova geração foi o que promoveu, segundo o presidente do Orfeon, Francisco Brás, uma mudança no repertório. “Temos de atrair a malta jovem e continuar a ir ao encontro dos seus in­ teresses”, explica. esclarece que “o repertório continua a ser clássico, mas têm-se incluído peças de cariz mais académico, mantendo sempre a tradição”. São o gosto pela tradição e a história rica do coro que fazem com que Gonçalo Ribeiro permaneça no Orfeon há mais de dez anos: “Temos sobre nós o peso de uma história muito rica, com bastantes nomes conhecidos no pa­ norama cultural nacional”, declara o coralista. Refere que, mesmo com a vida profissional, abandonar o OAC não é uma opção. “Aprende-se de tudo e é sempre bom para relaxar da vida universitária”, confessa. Há vários eventos promovidos pelo OAC que se repetem de ano para ano. O presidente explica que pro­ movem a “celebração de dois aniversários: um a 29 de outubro, data do primeiro ensaio do Orfeon, e outro a 7 de dezembro, que marca a primeira apresentação ao público”. Nestes eventos, para além de ensaios abertos, o grupo promove jantares e concertos em que convida as antigas gerações de coralistas a participar. Para Gonça­ lo Ribeiro, a celebração da efeméride é necessária para “não deixar morrer o organismo e criar o sentimento de família entre os elementos do coro”. Além disso, o grupo atua sempre na Semana Cul­ tural da Universidade de Coimbra e tenta que o seu espetáculo comemore uma data especial daquele ano. Em 2018, por exemplo, sinalizou o centenário do Dia do Armistício, uma comemoração do fim simbólico da Primeira Guerra Mundial. Segundo Francisco Brás, “o evento teve muito sucesso e grande adesão por parte do público”. Em 1965 é fundado o CMUC, na altura Orfeon Mis­ to da Universidade de Coimbra, da vontade de algu­ mas mulheres integrarem o OAC. Nos últimos anos, os diversos estudantes que integraram o coro vieram por fases, explica a presidente e coralista do CMUC, Ana Margarida Simões. “Há alturas em que é muito complicado convencer os estudantes e sensibilizá-los para a música, em particular, a música coral”, lamenta. A presidente clarifica que “mais facilmente se assiste a um concerto de outro género musical ou apenas instru­ mental do que a um coral”. O coro tem crescido ao longo dos últimos anos, con­ tando com 40 alunos de diferentes instituições conim­ bricenses, diferentes cursos, idades e nacionalidades.

Além da evolução em termos pessoais, “dar as ferramentas necessárias aos coralistas para aprenderem sobre música e melhorarem a sua técnica vocal é o maior objetivo”, constata a pre­ sidente do Coro Misto da UC. Para tal, contam com a maestria do professor Rodrigo Carvalho que, segundo Ana Margarida Simões, “tem o que é preciso a nível musical e pedagógico para os ensinar”. Rúben Carvalho entrou no CMUC há dois anos e conta que cantar e tocar temas dife­ rentes é um dos aspetos que mais o cativa a fazer parte do grupo. “O maestro mostra sempre peças desafiantes, que podem ser complicadas, mas que motivam o coro a evoluir”, explica. O CMUC promove eventos como a semana aberta, no início do primeiro semestre de cada ano letivo, “momento em que apresenta o coro aos potenciais novos coralistas”, esclarece Ana Margarida Simões. Depois, organiza um con­ certo solidário no Natal, com fundos a reverter para instituições e o habitual concerto na Sema­

na Cultural da UC, que ocorre no Teatro Académi­ co de Gil Vicente. Outro momento importante para o CMUC é o encontro anual de atuais e antigos coralistas, “onde se reúnem as várias gerações que já passaram por este organismo”, explica a presidente do Coro Misto da UC. A relação entre os dois grupos é marcada, sobretu­ do, “por uma rivalidade amistosa”, conta Ruben Car­ valho. O antagonismo entre os dois coros acontece, segundo o coralista, porque “a partir do momento que há duas coisas iguais na mesma cidade há rival­ idade garantida”. O presidente do OAC partilha da mesma opinião. “Trabalhar a mesma área é a prin­ cipal razão desta competição amigável”. Gonçalo Ri­ beiro revela que até agora não conseguiram cruzar projetos. Todavia, a paixão pela música é o que os une. “Se houver um problema que afete os organis­ mos autónomos, temos de estar lá uns pelos outros. O importante é fazer música e mostrar cultura à a­­ cademia e à cidade”, sublinha Rúben Carvalho.

CORO MISTO (EM CIMA) E ORFEON FOTOGRAFIAS GENTILMENTE CEDIDAS PELOS RESPETIVOS ÓRGÃOS


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Desporto adaptado: esquecido depois das eleições? Bernardo Lopes tem como maior objetivo a criação de uma secção própria. Necessidade de perceber as condições da academia e a melhor estratégia para a inclusão é preocupação do CD/AAC

JOÃO RUIVO

- POR LEONOR GARRIDO -

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perspetiva de criação de uma secção de desporto adaptado esteve na mesa das propostas equacionadas pelos candidatos aos cor­ pos gerentes da academia, durante as eleições es­ tudantis do passado outono. Na primavera deste ano, a secção continua a ser apenas uma proposta. O secretário-geral do Conselho Desportivo da Associação Académica (CD/AAC), Miguel Franco, defende a necessidade de perceber as condições da casa e lembra a existência de secções que têm o desporto adaptado como uma das suas ramificações. Miguel Franco considera fazer sen­ tido promover na academia algo parecido com o projeto do desporto universitário, ou seja, incutir esta vertente desportiva nas secções. “Imaginemos o futebol, o desporto adaptado seria mais um es­ calão”, elucida. A estratégia de optar por incenti­ vos monetários para incorporação desta vertente desportiva nas secções é uma possibilidade para o secretário-geral do CD/AAC. “É preciso saber o que é o desporto adaptado” Segundo Miguel Franco, é necessário abordar todos os cenários possíveis e não partir de ime­ diato para a criação de mais uma secção. Há que “perceber o que existe dentro da casa e se temos competências para o fazer.” O secretário-geral da CD/AAC salienta a importância de conhecer a fundo a essência do desporto adaptado. Por exem­ plo, no caso do ‘boccia’, “uma modalidade que não está dentro da federação de outras, constituiria potencial para criar uma secção”, admite. Para o secretário-geral, o tema “tem de ser pen­ sado de uma forma sustentável para a Académica, lógica para as secções e para a federação, pois o ob­ jetivo é criar algo, não complicar”. “É uma questão de estratégia para o desporto e desde o plano até à criação de uma secção, tudo está no papel do CD/ AAC”, expressa Miguel Franco. Afirma também fazer sentido que haja um conjunto de pessoas que se juntem ao Conselho Desportivo nessa missão. “O que queremos é discutir desporto” Em relação ao grupo que quer avançar com o projeto da secção de desporto adaptado, admite a vontade de que este se reúna com o Conselho Desportivo, “de espírito aberto”. “Temos vontade, mas vamos pensar todas as hipóteses, porque o que queremos é discutir desporto”, conclui. O desporto adaptado tem sido uma das maiores lutas de Bernardo Lopes, estudante de História da Arte, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e criador deste projeto. “Seria bom para a academia, embora saibamos que é complicado”, confessa. Uma das maiores lutas que refere em relação ao avanço da ideia é a burocracia. Revela mesmo que os entraves são uma constante. O grupo que está no projeto para a criação

desta secção tem já “um plano financeiro”, afir­ ma Bernardo Lopes. Explica que o suposto seria “começar com o ‘boccia’ e, no segundo ano, incluir outro desporto”. Garante que este se trata de “uma proposta com cabeça, tronco e membros” e que, como tal, querem evitar a falência técnica, como alguns órgãos da associação”. “Não queremos entrar em guerra com ninguém” Bernardo Lopes está “à espera do Conselho Desportivo da Associação Académica de Coim­ bra”, com quem tem andado em negociações para a data de uma reunião desde fevereiro, apesar de “supostamente o ‘e-mail’ nunca ter chegado às pessoas certas”. Constata ainda que o grupo se vai empenhar na apresentação do projeto e na sua dis­ cussão com o CD/AAC”, pois não querem “entrar em guerra com ninguém”. O estudante afirma querer começar com o pro­ jeto no próximo ano e ter a aprovação do Con­ selho Desportivo. Refere que tem tido o apoio da Direção-Geral da AAC (DG/AAC) e do Núcleo de Estudantes da FLUC. “Sabemos muito bem o que queremos e para onde vamos” Bernardo Lopes considera que este projeto pode resultar na inovação que a AAC pretende e que, em termos de direitos humanos e igualdade, é o que a DG/AAC defende. Além disso, acredita que “há atletas suficientes para manter a secção e que há muitos estudantes encobertos que não gostam de mostrar a sua deficiência. “A secção que pre­ tendemos seria um bom impulso à integração de todos os alunos”, sugere. Explica que tem recebi­

do telefonemas de alunos do ensino secundário e de pais de alunos a pedir para criar a secção por eles não terem local onde treinar, além da Associação de Paralisia Cerebral. “Isto não é só para me dar prazer, também gostaria de ajudar os outros”, garante. Segundo o estudante, existem pessoas a tra­ balhar neste sonho tanto na UC quanto nos politécnicos. Considera, por isso, que “seria muito injusto não ter uma resposta à altura”. Se o projeto da criação da secção não conseguir avançar “já pensámos em optar pelo Gabinete de Desporto”, admite. “Quando me for embora, quero dizer que foi uma luta espetacular” O investimento monetário seria apenas a nível de material e de preparação. A aposta em alunos do Politécnico e em profissionais da região para cons­ tituir a equipa técnica vai fazer com que “a secção seja muito democrática”, promete Bernardo Lopes. “Estou a ser muito pragmático ao criar e desen­ volver a secção porque não quero que isto seja só fogo-de-vista e, quando me for embora, quero di­ zer que foi uma luta espetacular”, desabafa. O coordenador do desporto universitário da DG/AAC, João Miguel, afirma que a criação des­ ta secção “é um trabalho que poderá avançar, mas que tal não depende apenas dos corpos gerentes”. Foi um dos assuntos falados entre o pelouro para a próxima época desportiva. Em relação ao contacto estabelecido com o es­ tudante Bernardo Lopes, João Miguel menciona lembrar-se dele da altura das eleições. No entanto, adianta que as relações não foram restabelecidas.


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Com o símbolo da AAC ao peito, a vitória é o destino Académica obtém segundo lugar nos Campeonatos Nacionais Universitários. Apesar da falta de apoi­o, os atletas trazem três ouros e dois bronzes para Coimbra - POR ISABEL PINTO -

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rês medalhas de ouro e duas de bronze foram o resultado da participação da As­ sociação Académica de Coimbra (AAC) que, em Guimarães, representou a Universidade de Coim­ bra nos Campeonatos Nacionais Universitários 2019 (CNU). A competição terminou no dia 10 de maio, com a AAC/UC no segundo lugar do ‘ranking’. Entre 1621 atletas, estavam as equipas de voleibol e futebol masculinas e as de futsal, rugby e basquetebol de ambos os géneros. A primeira equipa a terminar a sua participação nos CNU foi a de rugby feminino, que trouxe o primeiro ouro para a cidade dos estudantes. De seguida, a equipa masculina conquistou o terceiro lugar no torneio. Para fechar a primeira semana em grande, no domingo, foram disputadas as fi­ nais de basquetebol e futsal masculinos, das quais a Académica saiu vitoriosa. Na segunda semana, apesar de a AAC/UC não ter sobressaído tanto, os jogadores de futebol obtiveram uma última medalha de bronze. Os remates certeiros e falhados da Direção-Geral Transporte, estadia, inscrições e outras questões logísticas ficaram a cargo da Di­ reção-Geral da AAC (DG/AAC), explica Miguel Franco, secretário-geral do Conselho Desporti­ vo da AAC. O treinador da equipa masculina de basquetebol, Leonardo Santarino, elogiou a atenção dada pela DG/AAC aos atletas que tinh­ am ‘play-offs’ no clube onde jogam durante o ano. A necessidade de várias viagens foi, explica o técnico, uma questão tida em conta pelos di­ rigentes. Por sua vez, a formação de futebol, na voz do seu capitão, Marco Moreira, notou a falta de apoio. “Causa tristeza porque dá a impressão de que a equipa foi esquecida”, confessa. Em relação ao alojamento, o grupo que se mostrou mais insatisfeito foi a equipa de futsal. O capitão, Gabriel Guimarães, diz que o grupo se sentiu “ofendido por ver outras secções em melho­res condições”. O treinador de rugby mas­ culino, António Salgueiro, aponta outras falhas da parte da DG/AAC. O facto de terem viajado no próprio dia do jogo “foi pesado para os atle­ tas”, sustenta. Em termos de material, o treinador acusa que o grupo se apresenta em “condições miseráveis” por não ter fatos de trei­n o iguais nem equipamentos do tamanho desejado. Apesar dis­ so, a equipa ficou bastante satisfeita por não ter de aguardar por colegas, ainda em competição, para regressar à cidade, como “aconteceu em anos anteriores”, afirma António Salgueiro. Balbúrdia no campo, azáfama na arbitragem e calor tórrido no relvado A organização do evento foi desempenhada pela Federação Académica do Desporto Uni­ versitário (FADU) e pela Associação Académica

da Universidade do Minho. Gabriel Guimarães afirma que a decisão de modalidades diferentes utilizarem o mesmo pavilhão não é positiva para os atletas. O capitão dá o exemplo do andebol, cujas bolas sujam o chão com resina, impedindo a equipa de futsal de jogar na sua melhor forma. Aponta também que se fizeram dois jogos den­ tro do mesmo espaço, ao mesmo tempo, o que provocou momentos de confusão, devido aos api­t os dos árbitros, e de desconcentração, devi­ do à bola passar para o campo do lado. “A FADU não se deve poupar a esforços para obter insta­ lações”, aconselha. Os jogadores de rugby queixaram-se dos horários de jogo, visto que entraram em campo ao princípio da tarde, “com cerca de 30 graus no ar” e sem direito a garrafas de água. O treinador desa­ bafa que “foi alucinante jogar àquela hora”. Além disso, a equipa não dispôs de auxílio fisioterapêu­ tico durante a competição. “Houve lesões que não se conseguiram tratar e que tiraram os jogadores do campo”, alerta António Salgueiro. A final de basquetebol alongou-se aos três prolongamentos e acabou por atrasar a final de futsal, que seria disputada no mesmo espaço. O capitão de futsal enfatizou que “é preciso ter cuidado com situações deste género”, dado que o jogo da sua equipa seria transmitido em direto no Porto Canal. Gabriel Guimarães sugere que a FADU “proteja melhor as circunstâncias do jogo” noutras edições. O reconhecimento da conquista e o trabalho para o futuro Em termos de visibilidade, os praticantes das modalidades tiveram experiências muito dis­ tintas. O treinador de rugby masculino diz que o reconhecimento foi nulo. Já a equipa de futsal sentiu apoio por parte do público em ge­ r al.­

“Quando chegámos a Coimbra, tínhamos uma pequena legião à nossa espera”, conta o capitão. Para corrigir falhas e aumentar o número de medalhados, a opinião parece ser unânime: mais apoios por parte da UC. Cobertura de propinas, no caso de os atletas conquistarem títulos, e maior flexibilidade de horários para marcação de trei­ nos são as sugestões da maioria. Marco Moreira assume que, “de momento, não é atrativo de todo estudar na UC para quem pratica desporto”, uma vez que universidades como a de Aveiro ou a do Minho oferecem outras regalias aos estudantes. “Faço o que puder pela camisola” Leonardo Santarino destacou dos CNU os mo­ mentos de balneário que precederam os jogos: “estávamos absorvidos pela vontade de ganhar e de levar a taça para Coimbra”. Deu também ên­ fase aos pequenos-almoços em que, todos jun­ tos, preparavam os jogos, “na pastelaria às 9h30, a beber o cafezinho”. Por sua vez, o capitão de futsal destacou o es­ pírito que se viveu no banco durante os jogos. “Quem não estava a jogar não parava de gritar para motivar os colegas”, salienta. Gabriel Gui­ marães diz aos companheiros que “equipas com qualidade há muitas, o que marca a diferença é o espírito”. Apesar das adversidades, a AAC/UC ficou em segundo lugar e, para Marco Moreira, “este foi um campeonato para recordar”. Leonardo Santa­ rino confessa que soube bem ver as taças “rou­ badas” ao Minho e que “ficaram com uma res­ saca para os dias seguintes”. António Salgueiro sublinha que o desempenho dos atletas foi bom, “tendo em conta as condições”, e que, no fundo, o que conta é “fazer porque se gosta”. Gabriel Guimarães remata: “faço o que puder pela camisola”.

MARTA EMAUZ SILVA


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Consumo de álcool: antes e depois do copo vazio Em Coimbra, cidade que é tanto de capas como de copos, a ‘cabra’ surge como metáfora utilizada no discurso juvenil para substituir “bebedeira”. Álcool ingerido em excesso é o ponto de partida para esse desfecho

Costuma programar quando bebe álcool?

- POR ANA RITA RODRIGUES -

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e a quantidade de álcool que cada pessoa ingere deriva de uma decisão voluntária, que razões psico­ lógicas levam a um exagero que acabe em embriaguez? Da amostra de 65 inquiridos, mais de metade admite já ter dito “Hoje, vou apanhar ‘a cabra’!”. Os inquiridos reve­lam ainda que tanto a quantidade de álcool quanto o estado de embriaguez são, por vezes, propositados. Vera Raposo, psicóloga clínica do Centro de Res­ ponsabilidade Integrada de Psiquiatria do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, refere que os jo­ vens “acreditam que o álcool lhes vai trazer benefícios, seja a nível social, comportamental ou emocional”. A psicóloga explica ainda que a embria­ guez está relacionada com a conquista imediata de gratificação e com a busca de sensações. Para tal, os jovens recorrem a bebidas alcoólicas porque “acreditam que o seu consumo vai melhorar as suas competências de socialização, integração e aceita­ ção em grupo. Entre boémios, corre também a crença de que o álcool faz com que se sintam mais desinibi­ dos, divertidos e bem-dispostos”, reconhece. A estas acrescem as situações em que o consumo surge “na tentativa de aliviar estados emocionais negativos, tais como tristeza e ansiedade”. De acordo com os inquiri­ dos, “celebrar algo”, “ser dia académico” e “precisar de descontração e abstração” são os três principais moti­ vos para a ingestão de bebidas. No que toca aos efeitos psicológicos e comporta­ mentais provocados pela embriaguez, Vera Raposo acusa “variações rápidas e bruscas do estado de âni­ mo, que podem oscilar entre euforia, tristeza, ir­ ritabilidade e desinibição comportamental. Acresce ainda “a diminuição ou perda da capacidade para avaliar as situações” que ocorre porque “o álcool in­ terfere com o lóbulo frontal do cérebro, uma das áreas envolvidas na capacidade de controlar e inibir certos

Sim, na maioria das vezes

Sim, por vezes

comportamentos e impulsos”. A euforia e a desinibição comportamental são tam­ bém os dois efeitos mais apontados pelos inquiridos, a par com o “pensar menos nas obrigações académicas e/ou profissionais”. Contudo, estes efeitos existem apenas num primeiro momento de embriaguez. “Numa fase posterior, quando o álcool começa a demonstrar os seus verdadeiros efeitos, enquanto substância depres­ sora do sistema nervoso, há um aumento das emoções e dos comportamentos negativos e uma diminuição das emoções positivas, explica Vera Raposo. E no dia seguinte? O dia, que vulgarmente se designa por “ressaca”, é marcado por “mal-estar físico, vómitos, náuseas e ce­ faleias”, aos quais acrescem “emoções negativas como tristeza, melancolia e ansiedade”. A psicóloga exempli­ fica este segundo momento com casos de jovens que têm supostos diagnósticos de perturbação de pânico e crises de ansiedade, motivadas pelo consumo maciço de álcool”, contou com base em experiência própria. É também na ressaca que, por vezes, se constatam perdas de memória face ao que se fez ou disse durante o estado de embriaguez. Nas palavras de Vera Rapo­ so, este fenómeno designa-se por ‘black-out’ e pode ser um apagão total ou parcial. Tal sucede porque “o cére­

Raramente

Nunca

bro entra em colapso e é como se se desligasse. Embora não seja uma condição obrigatória, Vera Raposo fala do contexto sócio-familiar e pessoal como agente que influencia a predisposição para o consumo de álcool. “Se um jovem é proveniente de um contex­ to em que se ingiram estas bebidas com frequência, vai aprender por observação que este é um comporta­ mento socialmente aceite e, muitas ve­zes, valorizado e impulsionado”, elucida. De acordo com a Teoria da Aprendizagem Social, um dos modelos que procura explicar a génese e desenvolvimento de problemas ligados ao álcool, há fatores de ordem biológica, genética e farmacológica que podem, em conjugação com aspetos psicossoci­ ais, tornar os indivíduos vulneráveis a um consumo mode­rado. A cultura e os agentes de socialização exer­ cem influências diretas, como mensagens veicu­ladas pelos media, e indiretas, como crenças, por exemplo, sobre um consumo res­ponsável de bebidas alcoólicas. Apesar dos efeitos nefastos provocados pelo con­ sumo excessivo de álcool e embriaguez, o lado positi­ vo continua a imperar em Coimbra. A fundamentá-lo, 80,4% dos inquiridos consideram que “Coimbra não seria a mesma coisa sem a boémia”, tal como sugere a premissa inicial de ser a boémia um rótulo intemporal na cidade.

JOÃO FERNANDES


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MARTA EMAUZ SILVA

Cortejo da Queima das Fitas como maior gerador de resíduos durante o período de festividades. Iniciativas prometem evitar o desperdício no recinto - POR LEONOR GARRIDO E MARIA MONTEIRO -

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urante o Cortejo da Queima das Fitas 2019, foram produzidas 30 toneladas de lixo. Em nota de imprensa, o presidente da Câmara Munici­ pal de Coimbra, Manuel Machado, explicou que “a ativi­d ade envolveu 85 operacionais e 33 meios mecâni­c os, isto é, mais quatro trabalhadores e mais três meios mecânicos do que em 2018”. Apesar do volume de lixo, foi possível selecionar 23 toneladas de resíduos para reciclagem. “De facto, a quanti­ dade é exagerada, mas o cortejo é uma expressão da própria geração”, considera o dux veteranorum, Ma­ tias Correia. O Grupo Ecológico da Associação Académica de Coimbra (GE/AAC), presidido por Raquel Barbosa, trabalha anualmente para atenuar a quantidade de lixo produzida no recinto da QF. “De início, o nosso trabalho visava reduzir o número de copos de plásti­ co no chão”, recorda a presidente. Acrescenta que, com a Comissão Organizadora da QF, foram intro­ duzidos os copos reutilizáveis. Os esforços do grupo, no presente ano, foram voltados para a recolha das beatas e a disponibilização de caixotes do lixo e eco­ pontos no recinto. Raquel Barbosa explica que é im­ portante que as pessoas tenham sempre acesso a um cinzeiro e que “é necessário sensibilizar quem vai à QF a ter hábitos diferentes, que passam por deixar de simplesmente atirar o lixo para o chão”. Quanto

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“Há 20 anos havia cerveja, mas não havia 30 toneladas de lixo”

ao Cortejo, a presidente aponta para a necessidade de reformular o regulamento da própria festa. “Seria necessário implementar um número máximo de la­ tas ou garrafas que cada carro pudesse levar e tentar colocar mais caixotes do lixo ao longo do percurso”. Acrescenta que medidas como estas, poderiam levar a uma redução dos resíduos que acabam no chão por não haver caixotes do lixo por perto. O secretário-adjunto da Comissão Organizado­ ra da QF, João Oliveira, menciona as melhorias na gestão de resíduos que têm sido levadas a cabo ao longo dos anos. Durante as Noites do Parque, “jun­ to dos locais de maior desperdício, nas tendas, onde ainda se utilizam copos que não são reutilizáveis, e na área alimentar, havia zonas para reciclagem”, esclarece. No entanto, João Oliveira admite que o maior problema se encontra no Cortejo da QF. “O controlo é difícil com cerca de 100 carros, 25 pessoas por carro e milhares de pessoas a assistir e acompa­ nhar a festa, que são as que acabam por poluir mais”, constata. Acrescenta que, embora reconheça que seja algo importante, não foram ainda encontradas soluções que possam ter sucesso ao ser aplicadas. Numa parceria da Académica Start UC, com o Núcleo de Estudantes de Gestão da Associação Académica de Coimbra (NEG/AAC) e com a Em­ presa de Resíduos Sólidos Urbanos de Coimbra ­(ERSUC), a embaixadora da primeira e estudante do curso de Gestão da Faculdade de Economia da UC, Renata Pereira, decidiu criar um projeto com a finalidade de melhorar a qualidade ambiental da cidade de Coimbra durante a QF. Segundo Renata Pereira, “o objetivo era arranjar uma solução para que houvesse menos desperdício de plástico e vidro porque os caixotes de lixo que estão à entrada do recinto enchem muito rápido e as pessoas cedem ao facilitismo e deitam para o chão”. A iniciativa “Ambienta-te” consistiu em “montar

uma banca onde incentivassem a recolha de lixo e a respetiva reciclagem”, explica a embaixadora. Por cada embalagem que o estudante entregasse, ficava inscrito para um concurso com um bilhe­ te geral para o festival Super Bock Super Rock como prémio. O movimento, implementado pela primeira vez, teve a adesão de 727 pessoas e, de acordo com Renata Pereira, “ao continuar o projeto e aumentar a qualidade dos prémios, mais de 50 por cento do lixo que é abandonado à entrada vai ser reduzido”, defende. Quanto à redução dos resíduos ao longo dos anos, a em­ baixadora acredita que “pode piorar nuns even­ tos e melho­r ar noutros”, mas crê que, “se cada um fizer um bocadinho para ajudar, consegui­ mos ter algum impacto”. Segundo o secretário-adjunto da Comissão Organizadora da QF, os problemas de excesso de resíduos afetam a imagem que a cidade tem da festividade. O objetivo da comissão é que “a cidade perceba que a festa é boa para Coimbra, que a QF a ajuda a crescer e que faz com que os estudantes tenham uma ligação maior e queiram ficar mais tempo na cidade”. Lembra que a QF “é uma ativi­d ade ótima e alegre onde os estudantes se divertem”. “Há 20 anos mudou de champanhe para cerve­ ja, pode ser que daqui a outros 20 passe a ser sumo de laranja”, brinca o dux veteranorum, Matias Correia. “Há duas décadas já havia latas de cer­ veja, mas não havia 30 toneladas de lixo”, afirma. A sugestão mais óbvia é a da proibição da cerveja, mas “esse é o último rumo que se quer tomar”. Reitera que “é preciso dar liberdade às gerações para fazerem o que quiserem”. Assim, apela à sen­ sibilização dos estudantes para esta causa: “Não foram as latas de cerveja que mudaram, foram as próprias pessoas”.


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Trotinetes elétricas voam pelas ruas da cidade Nova forma de transporte chegou a 1 de março com a Lime e, 24 dias depois, com a Flash Trotinetes. Veículos de duas rodas movidos a eletricidade conquistaram jovens apesar de alguns percalços no uso e parqueamento - POR ISABEL SIMÕES -

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aquele dia, Pedro Domingues, aluno da Facul­ dade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC), estava atrasado para um compromisso quando saiu da residência universitária na zona de Celas, uma área elevada da cidade. Tinha encontro marcado na Associação Académica de Coimbra (AAC), numa das secções culturais da casa. O aluno confessa que pegou “pela primeira vez” numa trotinete e que a conseguiu ligar, mas que se esqueceu de verificar onde eram os travões. Da rua onde habita até à AAC o percurso é sempre a descer. Embalado pelo declive, não conseguiu travar e estatelou-se “por completo no chão”, contou. As consequências não passaram “de alguns arranhões”, mas, segundo o próprio, “serviu de lição”. Já Pedro Pena, também estudante da FLUC, rela­ ta com um sorriso que, da primeira vez, “não tinha a mínima noção de como andar numa trotinete e que não tinha muito equilíbrio”. Acrescenta que “quase bateu contra um dos pinos que estava ao pé do passeio”. Os estudantes não o sabiam no momento, mas es­ tavam a confirmar o que os estudos indicam sobre este meio de transporte: a maioria dos acidentes acontece na primeira viagem. Quem o constata é o ‘Head of Public Affairs’ da Flash, João Reis. O dirigente confirma que o balanço da empresa é positivo e adianta que “cerca de 90 por cento das pessoas que utilizam as trotinetes na

cidade moram em Coimbra”. Considera o dado impor­ tante para contrariar a perceção de que só os turistas recorrem a estes veículos. Também a Lime, primeira empresa do ramo a surgir na cidade, considera que, desde o primeiro dia, tanto as entidades locais como os cidadãos a receberam “de forma entusiástica”. Opinião que, segundo o diretor de expansão da Lime Portugal, Nuno Inácio, é confirmada pela adesão à campanha ‘Respect the Ride’. A empresa incentiva os utilizadores a assinarem um compromisso ‘online’. Ao fazê-lo, os condutores veiculam-se ao cum­ primento das regras de trânsito e dos limites de veloci­ dade, ao uso de capacete e ao correto estacionamento, fora de passeios e entradas de garagens. “Em Coimbra e Lisboa, mais de três mil pessoas aceitaram a proposta”, revela Nuno Inácio. Estacionamento em qualquer lugar? Não na “Zona Vermelha” Luís Cardoso, estudante no Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra, usa com frequência as trotinetes elétricas partilhadas. “Permite ultrapassar as distâncias e fica bem mais barato do que apanhar um táxi”, refere. É para o estudante também “uma maneira de se divertir”. O estacionamento ade­ quado é uma das preocupações que garante ter. As empresas alegam preocupar-se e disponibilizam formas de detetar o estacionamento incorreto. A Lime dispõe de uma funcionalidade a que chamou “Estacio­ nada ou Não”, em que os utilizadores indicam através de uma foto “se a trotinete está ou não estacionada de forma correta”, indica Nuno Inácio. Detetados os infra­ tores, são-lhes atribuídos “recursos adicionais que lhes permitam perceber melhor as regras de estacionamento apropriadas”, esclarece o diretor de expansão da Lime Portugal. Ainda assim adianta que “o registo de trotine­ tes mal estacionadas corresponde a menos de um por cento das viagens”.

Quanto à Flash, João Reis lembra que a empresa preferiu incentivar o utilizador com “um desconto de 50 cêntimos, no preço final da viagem se estacionar na zona correta”. “Setenta a 80 por cento das pessoas têm deixado as trotinetes nas zonas de estacionamento para obter esse desconto”, revela. Uma das medidas que a Câmara Municipal de Coim­ bra (CMC) solicitou às operadoras tem a ver com a criação de uma “Zona Vermelha”. Compreendida entre as ruas Ferreira Borges, Visconde da Luz, Praça 8 de Maio e Couraça de Lisboa, a zona estende-se também à parte histórica da Alta da cidade e à UC. São deixadas fora da delimitação as ruas Larga, Padre António Vieira, São Pedro e São João. O objetivo é que o ‘software’ limite de forma automática, através do sinal GPS, a velocida­ de máxima do veículo e aí impeça o fim da sessão e do estacionamento. Até ao momento, a atuação da Polícia Municipal tem-se pautado por chamadas de atenção aos utiliza­ dores que circulam em contramão e no passeio, expli­ cam os agentes. Tudo começou na semana da mobilidade do ano passado Em setembro de 2018, numa conferência promovida pelo Município de Coimbra, José Manuel Viegas, pro­ fessor aposentado do Instituto Superior Técnico (IST), despertou a curiosidade: “vai ser muito difícil prever o que vai acontecer com a mobilidade urbana”, admitiu. Nos últimos seis meses, as trotinetes elétricas ganharam terreno nos Estados Unidos e Paris e já há negociações na Câmara Municipal de Lisboa, revelou. A alocação do espaço urbano “vai ser a grande batalha dos próximos anos”, previu José Manuel Viegas. Dois meses depois, a CMC aprovou a exploração de sistemas de partilha de trotinetes com motor sem doca e uma proposta de acordo de colaboração com a empresa Lime. HUGO GUÍMARO


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NINO CIRENZA

Bairro do Ingote: CMC anuncia investimento de quatro milhões Valor inclui parcela destinada à instalações de energia solar e manutenção das áreas públicas. Moradores cobram urgência das autoridades para que se iniciem as obras - POR NINO CIRENZA -

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s fachadas de cimento azul e branco dos prédios do Bairro do Ingote contrastam com as vestes encarnadas de vários dos seus moradores. O calor sentido às 10 horas da manhã não ofusca os cachecóis erguidos pelos residentes, ainda na ressaca do 37º campeonato encarnado. Há uma atmosfera pacata na vizinhança. Algu­ mas bocas saúdam “bons dias” desconfiados e o dia acompanha o passo lento das senhoras que se apoiam em bengalas enquanto fintam as raízes das árvores, que há muito emergiram sob o passeio. A Câmara Municipal de Coimbra (CMC) apro­ vou um orçamento na casa dos quatro milhões de euros para a revitalização do Bairro do Ingote. Para muitos moradores que vivem no bairro des­ de a sua fundação, nos anos 1970, esta vai ser a primeira reforma feita nas suas habitações. Vários residentes têm reclamações quanto à manutenção das casas, das áreas verdes da vizinhança e da grande quantidade de lixo nas ruas. De acordo com o casal Gomes, que habi­ tam no bairro, os principais problemas da sua residência são as infiltrações existentes no pré­ dio, que danificam móveis e divisões. “A minha cama apodrece com a humidade”, revela Ana

Gomes. Sobre o va­l or que a CMC vai investir na requalificação do espaço exterior, José Gomes salienta que “o bonito não pode ser só por fora”, e faz alusão às áreas verdes do bairro, que estão praticamente abandonadas. Segundo Artur Lopes, outro morador do bair­ ro, “as árvores já não são podadas há anos” e, por consequente, “as raízes já rebentam nos passeios”. Ao percorrer a calçada do bairro, é notória a fal­ ta de manutenção dos espaços verdes. Proliferam parasitas na relva emergente dos canteiros, e na estrada encontram-se folhas e lixo. A Associação de Moradores do Bairro do In­ gote (AMBI) explica que são realizados encontros periódicos com o executivo camarário. “Existem reuniões de dois em dois meses em que se bate sempre o mesmo”, porém os problemas permane­ cem, revelam a presidente da AMBI, Maria Graça, e o vice-presidente, Artur Lopes. Alice Gastão, que mora no Ingote desde 1979, passeia o seu enérgico cão pelas ruas do bairro. Conta que, nestes 40 anos, nunca foram feitas obras em casa e que espera há três anos que a se­ guradora conserte a cozinha do seu apartamento. “Já cá veio o senhor arquiteto três ou quatros ve­ zes fotografar e disse que preciso mesmo de obras, mas até agora nada”, queixa-se. A mesma expõe que “há muita coisa no bairro que precisa ser mu­ dada” e congratula o trabalho da AMBI, visto que segundo a moradora, “a CMC pouco ou nada faz”. Francisco Queirós, vereador da Coligação Democrática Unitária (CDU), explica como o in­ vestimento destinado a requalificação do Ingote está alocado. “No que diz respeito ao programa de eficiência energética, este vai intervir em 116

casas de 14 prédios do bairro, estamos a falar de um investimento de 2 milhões 479 mil euros mais IVA” num projeto de energia solar. Outra iniciati­ va é o Plano Estratégico de Desenvolvimento Ur­ bano (PEDU), que visa reformar outras 40 casas. “Nesse caso são 845 mil euros mais IVA”, afirma Francisco Queirós. A estes valores somam-se 885 mil euros, também do PEDU, destinados às refor­ mas no espaço público do Bairro do Ingote, Bairro da Rosa e Parque de Merendas. Em conjunto, che­ gam a uma quantia de 4 milhões e 209 mil euros. “Os bairros [do Planalto do Ingote] são de 1975, ou ligeiramente posteriores”, revela o vereador da CDU, “e era difícil ter esse financiamento para intervir”. Acrescenta ainda que o investimento “só foi possível graças ao aparecimento de pro­ gramas”. “Era uma oportunidade que não se podia desperdiçar e acredito que toda a CMC percebeu isso”, afirma. Quanto ao tempo que falta para se iniciarem as obras, Francisco Queirós confes­ sa não saber ao certo, mas assegura que “andará sempre a volta dos 300 dias”. Depois do seu início, os trabalhos devem durar cerca de um ano. Enquanto isso não acontece, os moradores do Ingote continuam viver as suas vidas. Alice Gastão lamenta que algumas portas dos edifícios não tenham fechaduras, o que põe em causa a se­ gurança de vários apartamentos, “o meu marido tem quase 80 anos e está praticamente cego, tudo o que precisamos é de sossego”. Acrescenta que é importante “ter mais segurança, porque de um momento para outro não se sabe o que pode acon­ tecer”, finaliza. Com João M. Mareco


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FOTOGRAFIAS POR NINO CIRENZA


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I HAVE A DREAM - POR SECÇÃO DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS DA ASSOCIAÇÃO ACADÉMICA DE COIMBRA -

D.R. - MARTIN LUTHER KING JR. PROFERINDO O SEU FAMOSO DISCURSO “I HAVE A DREAM” NA CAPITAL DOS ESTADOS UNIDOS EM 28 DE AGOSTO DE 1963 APÓS A MARCHA PARA WASHINGTON.

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racismo ainda está vivo nas nossas socie­ dades contemporâneas. Duas mulheres negras estavam à procura de um emprego que se encaixasse no seu perfil e acabaram por encontrá-lo nos classificados de um jornal. Desse modo, avisaram uma terceira amiga desse anúncio para que ela pudesse tam­ bém participar da seleção, por se encaixar nos requisitos pedidos. Ao dirigirem-se ao local da entrevista na manhã do dia seguinte, as primeiras senhoras, foram infor­ madas de que as vagas já haviam sido pre­enchidas não sendo necessária entrevista. Contudo, a tercei­ ra pessoa, compareceu ao local no período da tar­ de, passou pela entrevista e foi contratada. É relevante frisar que a diferença entre elas se dava apenas pela etnia, visto que profissional­ mente tinham as mesmas qualidades, tendo tra­ balhado noutras empresas juntas e possuindo o mesmo perfil – facto esse que fez as colegas aler­ tarem a terceira para que essa pudesse concorrer à vaga de emprego. O caso chegou aos tribunais e a ação foi conside­

rada improcedente pelo juiz, mesmo havendo pro­ vas claras nos autos, com a afirmação de que não tinha como se ter a certeza de que estas mulheres tinham realmente sofrido de discriminação. Esse caso ocorreu no Brasil, mas também ocor­ re todos os anos em diversos países, o que evi­ dencia uma discriminação racial ainda presente. Podemos considerar discriminação todas as ações que visem distinguir negativamente, excluir ou restringir de qualquer forma uma pessoa, afe­ tando as suas condições de igualdade. Essa dis­ tinção pode ocorrer de forma direta ou indireta. A forma direta é facilmente identificada por se tratar de situações nas quais as pessoas são vio­ lentadas, difamadas ou veem o acesso negado a algum local por causa da sua cor da pele. Porém acontece que, como o preconceito é algo repri­ mido legalmente, a forma indireta acontece com maior frequência dado que é mascarada e apa­ rentemente “neutra”. Como quando é exigido um elevado nível de competência num idioma nativo apesar de as tarefas envolvidas não o requerem de facto, gerando um impacto desigual.

Os atos de racismo terminam por perpetuar desigualdades históricas criando obstáculos para o exercício do direito e repercutindo no futuro desses indivíduos, sendo algo que eles carregam para toda a vida. Como disse Ronald Dworkin, a discriminação termina por destruir a vida das suas vítimas porque não lhe usurpa uma ou ou­ tra oportunidade que estava aberta para outro indivíduo, mas prejudica-os em quase todas as perspectivas e as pessoas são de facto rejeitadas pelo que são. Diante disso, percebemos que o ato de discriminar constitui uma violação aos direitos humanos e à dignidade da pessoa hu­ mana, assim como uma afronta ao princípio da não discriminação. Por isso, devem ser tomadas medidas eficazes com a finalidade de construir uma sociedade mais justa e igualitária. Diante de tudo que foi evidenciado, digo que partilho do mesmo sonho do líder Martin Luther King Júnior: “tenho o sonho de um dia ver os meus filhos viver numa nação em que não sejam julgados pela cor de sua pele, mas sim pelo seu caráter”.


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CANTIGAS DE MÉ-MÉ - POR CABRA TROVADORA -

Passei toda a Queima danado E chorei por fino derramado Tentei desfrutar os Capitão E os céus toda a noite a pingar No que deu? Tenho lama nos ouvidos Deus, é isto uma maldição? Queima minha, pobre coitadinha, Parece que já não pensas em mim Ai, que agonia Há de chegar o dia Em que nem me deixam ver o Quim

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DIA MUNDIAL DAS ABELHAS - POR ISABEL GONÇALVES - GRUPO ECOLÓGICO DA ASSOCIAÇÃO ACADÉMICA DE COIMBRA -

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Dia Mundial das Abelhas é comemorado des­ de 2018 no dia 20 de maio, data escolhida pela Organização das Nações Unidas (ONU). O objetivo deste dia é alertar para a importância dos serviços prestados pelas abelhas e outros polinizadores. As abelhas são atualmente consideradas o ser vivo mais importante do planeta, dado que con­ tribuem diretamente para a segurança alimentar, são essenciais para a conservação da biodiversi­ dade e servem também como sentinelas para riscos ambientais emergentes, sinalizando a saúde dos ecossistemas locais. Grande parte do fornecimento de alimento a nível mundial está dependente da polinização das plantas com flor. Para além da alimentação, os polinizadores também contribuem de forma direta para o desen­ volvimento de medicamentos, biocombustíveis, fi­ bras como algodão, linho e materiais de construção. Segundo a ONU, mais de 40 por cento dos polinizadores invertebrados, em particular as abel­ has e as borboletas, estão ameaçados de extinção devido à síndrome do Colapso das Colónias, que se pensa resultar de uma combinação de fatores como a agricultura intensiva, que reduz a diversidade da alimentação do inseto, a perda de habitat e o uso de certos inseticidas. Um diverso conjunto de polinizadores, com difer­ entes características e respostas às condições ambi­ entais, é uma das melhores maneiras de minimizar os riscos das mudanças climáticas. A diversidade garante a existência de polinizadores eficazes não apenas para as condições atuais, mas também para condições futuras.

OBITUÁRIO - POR CABRA COVEIRA -

PEDISTE A PALAVRA, MAS NÃO LEVAS UMA FLOR

São rosas, senhor”, promete uma tímida rainha Isabel em resposta à desconfiança de um D. Dinis soberano. Há 50 anos, soberana foi a palavra e a timidez ficou fora da sala 17 de abril. Da desconfiança não se livrou Alberto Martins, mas melhor sorte teve o seu nome: livrou-se de ficar gravado na placa que acompanha a estátua comemorativa da Crise Académica de 1969. Não sabemos se o espaço foi roubado por um “Falcão” que encostou um “Machado” junto a uma “Azenha” ou se foi decisão do escultor. Mas descansa, Alberto, guarda para ti as palavras que as flores são de ferrugem.

FLASH A LIME ON ME

B

em-vindo ao futuro. A cidade é um gigantes­ co passeio e “elas andem aí”. Não, não as alergias. Não, não as propinas que 200 euros a menos fazem calar a luta por uns meses. Não ouvem as suas buzinas? Ah, mas isso é porque o barulho de quem desce a PAV numa destas máquinas por desbloquear ofusca tudo o resto. Até a qualidade do palco principal desta Quei­ ma. Foi, por isso, sem Música que os estudantes afogaram mágoas em cerveja. E, agora que os tombos etílicos saíram da rotina, voltam a con­ tar com as fiéis amigas para cair e “levantar poei­ ra”. Caso para dizer, ‘another one bites the dust’.


18 artes feitas 28 de maio 2019

CINEMA A

GUERRA DAS CABRAS A evitar Fraco

How to Kill a Hummingbird

Podia ser melhor

- POR PEDRO EMAUZ SILVA -

Razoável

obra realizada por Kim Nguyen demonstra o veloz mundo da Negociação de Alta Frequên­ cia (High-Frequency Trading) no mercado estadun­ idense. Resumindo, há muito dinheiro envolvido. “Operação Hummingbrid” é um filme sobre os tempos modernos, onde os antigos valores ainda se veem a es­ voaçar por aí, discretos como um colibri. E o desejo de ter cada vez mais do que já se tem é uma jaula capaz de aprisionar este pequeno pássaro que, mesmo estando preso, ainda faz por esvoaçar nesse seu espaço reduzi­ do. Mesmo que de nada sirva. Vincent Zaleski é um jovem ‘trader’ que foi fazen­ do o seu caminho apenas acompanhado pelo seu es­ forço e ambição. Anton Zaleski é um programador de excelência, de poucas palavras mas de grandes ideias. O que é que estes dois têm em comum? Para além de serem primos, ambos planeiam construir um cabo de fibra-ótica subterrâneo que vá do Kansas a Nova Jersey, totalmente a direito. Mesmo entre pântanos, lagos e montanhas. Porque no mundo de transações de dados, um milissegundo faz a diferença de mil­ hões de dólares. Caso o projeto tenha sucesso, a dupla Zaleski obteria a informação dos valores da bolsa em 16 milissegundos – o tempo de um colibri bater as asas - um milissegundo mais rápido que toda a gente, alcançando um lucro abismal. Velocidade é a palavra de ordem neste ‘thriller’. Algo que se torna, nas cenas iniciais, o seu próprio

travão. A ação segue, cheia de pressa, sem esperar que seja acompanhada, algo que traz à memória “The Big Short” (2015) – rápido demais para ser totalmente compreendido. Este início parece ser o reflexo de Vin­ cent, interpretado por Jesse Eisenberg no seu ritmo tipicamente imparável. Numa prestação que vai cre­ scendo ao longo da metragem, é quando mergulha em situações mais pessoais que Eisenberg brilha. Mas a prestação de Alexander Skarsgard enquanto Anton surpreende de tão boa – ninguém diria que seria um programador careca tão naturalmente. A narrativa torna-se também ela mais apelativa com o decorrer da ação. A melodia das teclas do pi­ ano tocado por Vincent num almoço de família, as respostas pacientes de Anton às perguntas curiosas da filha sobre lâmpadas. São estes curtos momentos que dão um folgo ao cansaço acumulado de tantos milissegundos, códigos e contratos. Mesmo que esse folgo seja insuficiente. Não se trata de um filme perfeito, nem mesmo de um filme excelente. “Operação Hummingbird” retra­ ta uma realidade complexa de tal forma que se perde em si mesma. Uma narrativa fraca, sem uma intenção clara no seu desfecho, é compensada pelas atuações que fazem o filme. Não se percebe o que se esperava deste colibri: que estivesse preso sem rumo ou livre na sua essência de voador. Só se vê um pássaro a abanar freneticamente as asas, sem ir a lado nenhum.

A Cabra aconselha A Cabra d’Ouro

Operação Hummingbird De kim ngueyn com jesse eisenberg, alexander skarsgard, salma hayek, michael mando 2018

Razoável


28 de maio 2019

MÚSICA

artes feitas 19

A Primavera de Severo - POR FILIPE FURTADO -

O Sol voltou” com Luís Severo para um terceiro disco ou uma primavera de canções. A escrita de Severo é, sem dúvida, uma das suas maiores virtudes, as letras não estão lá para redundâncias, ainda que es­ teja a celebrar esse arquétipo de inspiração artística. Entre a contemporaneidade das letras ou das orquestrações no meio desse universo indie, atraves­ sa-se um travo de música popular (até tradicional, di­ ria) que tem elegância de outros tempos: “primavera” e “cheguei bem”, são exemplos dessa mundividência. As minúcias melódicas e harmónicas de “joãozinho” assemelham-se, nos seus segundos iniciais, a “com um brilhozinho nos olhos” de Sérgio Godinho. Voz e guitarra formam o engenho ‘folk’, mas o pi­ ano surge no reforço harmónico de “acácia” e “maio”, antes de assumir o protagonismo em “rapaz” e “últi­ ma canção”. Aqui, essa mudança tímbrica aumenta os rasgos de melancolia que lhe assegura o sentimento poético de uma balada. O terceiro disco de estúdio de Severo mantém a modernidade também na presença equilibrada dos teclados ou sintetizadores, um claro

adensar da profundidade dramática destas estórias. Na faixa “domingo” ouvimos o tema mais ousado do disco. Ousado pela linguagem electrónica, pela capaci­ dade dançante de unir o baile da terra a noites de bola de espelhos, pela densidade melódica que agarra todos os espaços que, por norma, o ‘folk’ gosta de deixar em aberto. Talvez mais uma ou duas composições nestes moldes e seria um disco perfeito. “O Sol Voltou” é um passeio no mundo maduro de Luís Severo. O terceiro trabalho de estúdio apresen­ ta-se equilibrado no alinhamento, nas nuances instru­ mentais, brilhante na escrita. Assim, a primavera da música portuguesa não terá fim.

O Sol Voltou De Luís Severo Editora Cuca Monga Género Indie, pop

A Cabra aconselha

Uma carta de amor deixada a meio continua a ser ridícula?

2019

LIVRO

- POR MARIA FRANCISCA ROMÃO -

Ó

culos que repousam na cana do nariz e chapéu preto a coroar-lhe a cabeça - sempre assim conhecemos Fernando Pessoa e é também assim que o reencontramos nesta narrativa. Com uma diferença: as colinas lisboetas são trocadas pelos assombrados mon­ tes de uma aldeia imaginária do norte de Portugal. Rui Lage traz-nos um complexo Fernando Pessoa, entre poesia e espiritismo, talento natural e charla­ tanismo, dimensões humanas e astrais. Talvez por isso falte alguma coerência ao protagonista (não se surpreenda, contudo, o leitor, pois qualquer coerên­ cia que se desse ao homem que responde por mais de cem nomes soaria a artifical). Neste Pessoa de múlti­ plas identidades vemos nascer um detetive do oculto, ofício que o faz rumar a norte para libertar a aldeia de misteriosas criaturas que profanam o cemitério. E é aí, deslocado do cenário em que a literatura sempre o coloca, que, mais do que com mistérios astrais, lida com os mistérios humanos onde se cosem as teias da ignorância e do preconceito. Enleia-se nelas, mas não as consegue desfazer. Terminada a aventura, vê-se regressado à capital. À mesma casa, ao mesmo café com absinto e à mesma companhia: Ofélia. Presa entre matéria e eternidade, aquela que o tem enamorado vive num sótão escuro, votada a um abandono que apenas o carinho de Pessoa

interrompe. A alma sem corpo de Ofélia não a deixa sentir os abraços e beijos do poeta-detetive e nem a ca­ neta do próprio Rui Lage parece ter conseguido agar­ rar a sua história. Sobra, por fim, a sensação de que o autor privou o leitor do início e fim de Ofélia, deixan­ do-o com uma vontade insatisfeita de saber mais. “O Invisível” partilha o mesmo segredo de Fernando Pessoa. Se este foi Caeiro, Search e Campos, também esta obra é ficção, drama, policial, sátira e romance deixado a meio, tão fugazes são os parágrafos sobre Ofélia. Pressa ou descuido do autor acreditamos que não terá sido; talvez uma subtil homenagem ao fac­ to de, como escrevia Campos, todas as cartas de amor serem ridículas.

O Invisível De Rui Lage Editora gradiva 2019

A Cabra aconselha


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EDITORIAL Memória e responsabilidade - POR PEDRO DINIS SILVA -

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altamente polémico e mediatizado “Al­ coholocausto” veio interromper os ha­ bituais costumes de alambique dos estudantes da Universidade de Coimbra (UC) em fase de Queima e trouxe para a mesa um cálice cheio de polémica. Poucos serão os que não sabem da peripécia, mas os Fitados de História deci­ diram, por infortúnio do destino, batizar o seu carro alegórico após o genocídio de judeus na Segunda Grande Guerra. Pretendiam que “o Ho­ locausto não caísse no esquecimento” e decidi­ ram fazê-lo através de um trocadilho alusivo à embriaguez, fraco e sem grande sustentamento. Não tardou para que chovessem críticas à de­ cisão. Foram feitas petições por parte de outros estudantes e assinadas cartas por parte dos do­ centes para impedir que o nome desfilasse no cortejo. Os Fitados de História mantive­­­­­ram-se fir­ mes, alegando a liberdade de expressão. A pedido da secretária de Estado da Cultura e por ordem do dux veteranorum, o veículo chegou a desfilar, mas passou a ser chamado “Carro de História”. Findada a Queima, foram afixados cartazes à porta da Fa­ culdade de Letras (FLUC) a acusar censura. Mais tarde, houve ainda espaço para um debate subor­ dinado ao tema “Holocausto, Memória Histórica e Liberdade de Expressão”, promovido pelo Nú­ cleo de Estudantes da FLUC. No meio desta con­ fusão de dedos a apontar em direções opostas, a academia ficou sem saber quem tinha razão. António Sousa Ribeiro, o docente respon­ sável pela redação da carta “Memória e Res­ ponsabilidade” em nome dos professores da faculdade, afirma algures nas páginas desta edição: “É importante que este episódio te­ nha um efeito educativo e possibilite um pro­ cesso de reflexão”. O docente tem toda a ra­ zão. Resta apenas decidir sobre o que refletir.

No meio desta confusão­­de dedos a apontar em direções opostas, a academia ficou sem saber quem tinha razão.

Ficha Técnica

Diretor Pedro Dinis Silva

Jornal Universitário de Coimbra – A CABRA Depósito Legal nº183245702 Registo ICS nº116759 Propriedade Associação Académica de Coimbra

Editores Executivos Luís Almeida e Daniela Pinto

Morada Secção de Jornalismo Rua Padre António Vieira, 1 3000-315 Coimbra

JORNAL UNIVERSITÁRIO DE COIMBRA

Equipa Editorial Maria Francisca Romão (Ensino Superior), Joana Pedro e Pedro Dinis Silva (Cultura), Samuel Santos (Desporto), Hugo Guímaro e Pedro Emauz Silva (Ciência & Tecnologia), Luís Almeida e Daniela Pinto (Cidade), Hugo Guímaro (Fotografia)

Fotografia Nino Cirenza, Júlia Fernandes, Hugo Guímaro, Isabel Simões Ilustração João Fernandes, João Ruivo, Maria Francisca Romão Marta Emauz Silva Paginação Luís Almeida, Maria Francisca Romão, Pedro Dinis Silva, Pedro Emauz Silva

Colaborou nesta edição Júlia Bertassoni, Nino Cirenza, Beatriz Furtado, Júlia Fernandes, Leonor Garrido, Gabriella Kagueyama, Catarina Magalhães, João M. Mareco, Maria Monteiro, Isabel Pinto, Gabriel Rezende, Ana Rita Rodrigues, Isabel Simões

Impressão FIG – Indústrias Gráficas, S.A. Telf. 239499922, Fax: 239499981, e-mail: fig@fig.pt

Conselho de Redação Carlos Almeida, Inês Duarte, Filipe Furtado, Margarida Mota, João Diogo Pimentel, Paulo Sérgio Santos

Agradecimentos Reitoria da Universidade de Coimbra

Produção Secção de Jornalismo da Associação Académica de Coimbra

Tiragem 2000 exemplares


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