Edição nº 260

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30 de abril de 2013 • ANO XXII • N.º 260 • QUINZENAL GRATUITO DIRETORa ana duarte • EDITORa-EXECUTIVa ana morais

acabra

Segunda-mão Coimbra adere ao conceito da compra e venda de usados

jornal universitário de coimbra

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DANIEL ALVES DA SILVA

Eduardo Melo “Neste momento a preocupação fundamental prende-se com o financiamento do ensino superior” PÁG. 5

Coimbra: Comemorações 25 abril 49 entidades unem-se para celebrar a revolução de Abril com vários eventos que se estendem até ao dia 3 de maio PÁG.12 e 13 DANIEL ALVES DA SILVA

A3ES

CNU’S 2013

Formação na UC mantém padrões

AAC regressa medalhada

O controlo de gestão requerido pela Universidade de Coimbra à Agência de Acreditação e Avaliação do Ensino Superior (A3ES) faz um ano de início do processo. Algumas unidades orgânicas e ciclos de estudo em questão já foram auditados e considerados acreditados pela A3ES. No entanto, o desconhecimento dos estudantes em relação ao sistema ainda é significativo. E persistem problemas no que diz respeito à carga horária e número insuficiente de docentes em alguns cursos. O segundo grupo de cursos a ser avaliado só terá resultados no fim deste ano.

A Associação Académica de Coimbra (AAC) esteve presente na fase final dos Campeonatos Nacionais Universitários (CNU’s), que decorreu entre 17 e 25 de abril, no distrito de Castelo Branco. As equipas da AAC obtiveram quatro medalhas de ouro, quatro de prata e uma de bronze. Os CNU’s ficaram ainda marcados pela acção de protesto da equipa feminina de futsal da AAC.

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Mais informações em

acabra.net

anciãos do tempo Um projeto nascido nos Olivais pretende uma maior atenção a esta faixa etária. Testemunhos envelhecidos que se querem libertar da solidão PÁG. 2 e 3


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ana morais

“Sensibilização/Sinalização de idosos”

Ocupar um tempo que falta e o outro que sobra aos mais velhos Numa população cada vez mais envelhecida, os rostos carregados e as vidas maduras são frequentes. Muitas vezes, alheios à rotina inquieta dos demais, esperam que o tempo passe e algo os ocupe. A fazer esse trabalho está a Junta de Freguesia de Santo António dos Olivais, ao lançar um projeto destinada a esta faixa etária. Por Ana Morais

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ancos de jardim esbatidos pelo tempo. O sol de primavera, num abril que começa quente. Pombos irritantes e irrequietos. E uma praça vazia de movimento. A preenchê-la, alguns corpos gastos que se contam pelos dedos. Presenças fortes e com muito para partilhar, afinal só querem é falar. E nós demos-lhes tempo e voz. Idosos, velhos, velhinhos, seniores. No fundo, anciãos de memórias e rostos envelhecidos pela vida. Apesar da imagem ser um lugar-comum, isso não lhe retira a intensidade e multiplicidade que tem. E é verídica, um retrato de uma tarde de abril na Praça em frente à Igreja de Santo António dos Olivais. “Isto também me ajudou a passar o tempo”. Este foi o sentimento geral de todos com quem falámos. Entre as respostas às questões do guião, escapam-se as vidas dos filhos encaminhados, os anos fora do país, os árduos tempos de tra-

balho, os estudos dos descendentes, a vida do professor de ginástica, e as críticas ao sistema político. Minutos que não são desperdício, mas sim acréscimo mútuo. A eles ajuda-lhes a passar o tempo; para nós, são inspiração de sobrevivência num futuro cada vez mais nebuloso. “Arrefeceu a cor dos teus cabelos/O tempo tudo apaga e desfigura...”. Já Miguel Torga escrevia sobre os guardiões do tempo, no poema “Vénus Envelhecida”. E é aos guardiões, com novos contornos no rosto e novos tons nos cabelos, a quem a vida escasseia. O tempo, preciosidade que simultaneamente lhes falta e sobra. É preciso algo que os encha, ajudando a preencher os dias vagos que restam.

Rede de parceiros

Nos Censos de 2011, segundo o portal estatístico PORDATA, 22 por cento da população da Zona

Centro tem mais de 65 anos. Retrato que se repete ao longo do país, numa população cada vez mais envelhecida. Contudo, na freguesia de Santo António dos Olivais, mais do que se conhecer os números de idosos residentes, quer-se um acompanhamento dos seus problemas. “Fazer estatística é muito vulgar, outra coisa é ter consciência dos problemas das pessoas”, contesta o presidente da Junta de Freguesia de Santo António dos Olivais - uma das maiores do país - Francisco Andrade, para introduzir o recente projeto “Sensibilização/Sinalização de idosos”. O mote é mais do que atentar aos números, perceber a dinâmica e a rotina dos mais velhos e se houver problemas, reencaminhá-los. “É revoltante, enquanto junta de freguesia, não temos capacidade financeira para responder a todas as situações que nos surgem”, admite Francisco Andrade. Para tal, houve a necessidade de criar uma

rede que conta com mais de uma dezena de instituições, com vista a encaminhar cada situação. E como desde cedo o interesse por dar mais atenção aos seniores se notou, o projeto foi evoluindo. A assistente social da Junta de Freguesia, Catarina Simões, explica que com o atendimento diário feito nos Olivais se aperceberam das necessidades dos mais velhos. “Há muitas pessoas que vêm apenas para falar, para quebrar a solidão”, conta. Como a junta de freguesia recebe estagiárias em Ação Social, do Instituto Superior Miguel Torga, juntou-se o útil ao agradável. Inicialmente, com a “fase choque”, como apelida Francisco Andrade, as estagiárias sempre acompanhadas pela Polícia de Segurança Pública percorrem as várias zonas da freguesia com o intuito de sinalizar os casos mais prementes, através de um simples questionários sobre os hábitos e rotinas.

“Este projeto não morre aqui”

“Somos uma freguesia maior que muitas câmaras juntas”, alerta Francisco Andrade para justificar que este será um “processo contínuo”. “Não interessa dizer que acaba daqui a um ou dois meses”, pois o que interessa “é encaminhar as situações para as devidas instituições e encontrar resposta para cada uma delas”. “Queremos que este projeto não morra aqui”, admite a assistente social, ao sublinhar a filosofia de “favores em cadeia” e do encaminhamento para os vários parceiros. Neste sentido, o presidente da freguesia avança já com algumas conquistas: “já resolvemos casos de internamento, já temos muita gente sinalizada, e até já temos pessoas que nos ligam a dar conta de situações que podemos acompanhar”. Contudo, nem sempre é fácil chegar a casa das pessoas e ter-se a maior das simpatias. Como explica


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ana morais

Catarina Simões, há situações em que os idosos não querem receber ajuda e aí há que “respeitar a liberdade de cada um”, observa, acrescentando que mesmo nessas situações fica sempre um contacto para se houver uma alteração serem os próprios a contactar a junta. Para Francisco Andrade, o truque para a confiança das pessoas neste projeto é o “sigilo e respeito”, pois “só assim é que as pessoas acreditam em nós”.

Exemplos já a dar frutos

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“As pessoas e as entidades podem contar com a nossa colaboração a 100 por cento”, conta o elemento de uma das entidades parceiras, a instituição “A, B, C e D de São Romão”, Maria de Fátima Pires. Ainda assim, Maria de Fátima Pires é perentória ao referir que “não interessa só sinalizar, interessa também depois atuar”. Como instituição da zona e habituado ao contacto diário com os seniores, “proporcionar melhor qualidade de vida” aos idosos é intrínseco. Do lado do Centro de Acolhimento João Paulo II, outra das instituições parceiras, chegam-nos já exemplos desse carinho pelos anciãos. “Lado a lado” e “Presença amiga” são dois projetos que permitem combater a solidão. Em parceria com a Associação Académica de Coimbra, “Lado a lado” conta já com seis idosos e seis estudantes lado a lado. Segundo Teresa Sousa, “nunca houve tantos”. Com os mesmos objetivos, mas noutros moldes, “Presença amiga” funciona em regime de voluntariado de áreas como enfermagem, cabeleireiro, estética, fisioterapia, entre outros. Como explica Teresa Sousa, são pessoas “que se disponibilizam a ir a casa dos mais velhos e ajudá-los”.

Desabafos envelhecidos

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Com turmas de Chi Kung, Yoga, Ginástica e Hidro-ginástica para os seniores, a junta de freguesia vê-se obrigada a ter candidatos em lista de espera. Maria Edite Marinheiro, de 76 anos, frequenta as aulas de ginástica. E, enquanto espera pela hora, conta-nos que “é uma distração muito grande, é o convívio umas com as outras”. A recuperar de uma depressão, enaltece o trabalho da junta por lhe proporcionar esta ocupação do tempo. Já Isabel Maria, de 64 anos, não frequenta nenhuma atividade promovida pela junta, apesar de não lhes poupar elogios. Ainda assim, não dispensa um passeio até ao largo da Igreja para contrariar a solidão que sente depois de ficar viúva. “Venho sempre aqui, conheço toda a gente e toda a gente me conhece”, conta. Dentro da freguesia, o Centro Norton de Matos (CNM), é onde mais se encontram as mãos calejadas e os rostos maduros. Na sala de jogos, os sons das damas a bater no tabuleiro e das peças do dominó a serem baralhadas são recorrentes. Interrompendo a partida, António Soares, de 70 anos, conta que passa alguns meses “para os lados da Guarda”, com familiares

no campo. Já por cá, habituou-se a ir todos os dias até CNM para os jogos com os companheiros. Ainda assim, reconhece: “neste momento não tenho problemas com a ocupação do tempo, porque acabo por estar ativo”. Do lado do bar, Maria de Lurdes Pereira, de 67 anos, espera pelo marido, que joga com os parceiros. Também a recuperar de uma depressão, ganha um sorriso quando conta que passa os tempos livres com a neta. Já frequentou algumas atividades promovidas pelo CNM e agora espera voltar a ganhar “aquele ânimo” para poder retomar. Depois de uma caminhada, Lourenço Fernandes, de 75 anos, repousa num dos bancos à porta do CNM, antes de lá passar para ir ler o jornal. “O meu tempo é este, vou até ao centro jogar umas cartas, dou umas voltas a pé e sento-me aqui um pouco”, explica por entre um discurso crítico ao estado do país, depois de contar que trabalhou 34 anos na África do Sul. “No centro, entretém-se uma pessoa, se é preciso beber um copo de água, bebe-se, tem tudo lá”, partilha Lourenço, em jeito de convite.

“Cabelo branco é saudade”

Como mostram estes testemunhos antigos, a solidão é frequente, mesmo entre a multidão. E, como refere Francisco Andrade, “é muito frequente haver um prédio de quatro andares e a pessoa do quarto andar não conhecer quem vive no rés-do-chão”. Para combater esse estigma e contrariar o isolamento, o projeto “Sensibilização/Sinalização de idosos” quer-se contínuo. E, depois dos “favores em cadeia” e de uma maior alerta de toda a população pelos seniores, o cenário perfeito para Catarina Simões é a existência de um “vigilante de bairro”, uma pessoa que estivesse atento às rotinas dos mais velhos e fosse capaz de perceber quando algo se altera. “Para o passado não olhes/ Quando chegares a velhinho./Porque é tarde e já não podes/Voltar atrás no caminho”. Na voz de Alfredo Marceneiro, já escutámos estes desabafos, escritos por Henrique Rego em “Cabelo branco é saudade”. Os velhos que partilharam connosco as suas vidas não resistem e insistem nesse olhar para o passado. Talvez, porque fosse um tempo mais suportável. Ou porque nesses anos, o peso do tempo, que lhes falta e lhes sobra, não estivesse tão presente. Nessa altura o que importava era seguir o caminho. E hoje? O tempo, precioso, já passou. As conversas, longas e preenchidas, desvanecem. E por lá ficam os desabafos e os anseios dos rostos gastos. Não sem antes se deixar uma mensagem: “boa sorte para o futuro. E felicidades”. Vozes pesadas que, esquecendo os seus dissabores solitários, fazem questão de deixar votos de incentivo. E ao mesmo tempo, com um olhar de gratidão, voltam a lembrar: “isto também me ajudou a passar o tempo”.


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ENSINO SUPERIOR

Qualidade dos cursos da UC é confirmada pela A3ES O processo de auditoria externa para descobrir se os cursos da Universidade de Coimbra cumprem os requisitos necessários para o bom funcionamento já está adiantado. Várias faculdades já foram auditadas e procede-se à integração de estudantes nas comissões. Por Liliana Cunha e Ian Ezerin

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az um ano que a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) está a analisar a viabilidade dos cursos em funcionamento na Universidade de Coimbra (UC). Em causa está uma auditoria externa que envolve todos os ciclos de estudo e a garantia da qualidade destes. “Não é apenas a única forma de recolha e da reflexão de informação, mas é a ‘porta de entrada’”, explica a vice-reitora para a Pedagogia, Madalena Alarcão. A informação pedagógica recolhida nas Instituições de Ensino Superior (IES) nacional é obrigatória desde 2007 com a acreditação dos cursos e ciclos de estudo estabelecida no Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior. No entanto, o pedido de avaliação tem de ser feito pelas IES em questão: “temos um sistema de gestão da qualidade, que é objeto de avaliação externa por parte da agência, quando o submetermos e que anualmente produz informação”, adianta a vice-reitora. Alguns dos protagonistas do processo são os estudantes, mas as comissões da avaliação externa não podem integrar os estudantes da universidade em questão. “Nunca será da UC, será sempre de fora, porque não vai fazer juízo em casa própria”, ressalva Madalena Alarcão. No início deste mês esteve aberta uma bolsa de auditores à qual os estudantes foram convidados a candidatar-se. O aviso foi divulgado pelo Inforestudante no sentido de selecionar cinco estudantes que cumprissem requisitos como “conhecimento prévio das matérias - ter frequentado unidades curriculares relacionadas com gestão de qualidade e motivação e disponibilidade”. Luís Rodrigues, aluno da Faculdade de Direito da UC (FDUC) e Pedro Paredes, da Faculdade de Letras da UC foram dois dos alunos selecionados para participarem em comissões externas de avaliação. “É importante os estudantes estarem integrados porque é uma conduta normal e padronizada a nível europeu”, explica o aluno da FDUC. Os dois estudantes participaram já numa formação dada em Lisboa, no passado dia 18. “Uma coisa que já falamos em várias reuniões é o papel dos alunos que, apesar de ser um pouco menosprezado pelos professores, é essencial, porque somos nós os clientes da universidade, somos nós que recebemos o ensino e que temos de ter um bom ensino”, adianta o estudante de mestrado de História. Luís Rodrigues compartilha da mesma opinião e acrescenta

Arquivo - rafaela carvalho

A A3ES foi instituída em 2007, por altura da aprovação do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior

O balanço da atividade da A3ES A A3ES, desde o início da sua atividade, viu muitos cursos fecharem por iniciativa própria. A “esmagadora maioria tem sido acreditada e é bom que as instituições de ensino superior sintam que alguém supervisiona a qualidade e a acreditação, mas de uma forma construtiva e não punitiva”, lembra Luís Rodrigues. Segundo o jornal “Público”, nos últimos três anos foram encerrados cerca de 1600 cursos no Ensino Superior em Portugal. Mais de 90 por cento destes deixaram de existir por decisão da instituição que os oferecia. No entanto, visto que a A3ES é uma fundação de direito privado independente, recebe por cada avaliação uma quantia dada pela entidade que requere a avaliação. A avaliação é voluntária, mas, ao mesmo tempo, obrigatória por lei, o que faz com que a entidade tenha de pagar à agência até para a possibilidade de esta decidir por encerrar o curso ou o ciclo de estudos auditado em questão. O responsável pela Agência, Alberto Amaral, assinala ao jornal “Público” que agora “há mais cuidado das instituições no momento de apresentarem uma formação para acreditação pela A3ES”. Tendo começado a acreditar as instituições num processo inicial em 2010, a A3ES decide pela não acreditação do curso fatores como o incumprimento das normas aplicadas ao setor, a qualificação do corpo docente (com obrigatoriedade num número mínimo para professores com doutoramento e um número máximo de docentes a tempo parcial). Assim, pretende-se que no final deste processo todos os cursos cumpram as normas a nível internacional de qualidade e que possam num último momento dar seguimento a uma reestruturação da rede para que o ensino possa ser melhorado. que a integração dos estudantes oferece uma “perspetiva diferente”.

Legitimidade da acreditação externa

“Não acho que não deva haver uma auditoria externa às universidades, o que ponho em causa é a legitimi-

dade desta agência que a mim nada me diz e aos estudantes nada lhes diz”, questiona o estudante da Faculdade de Letras da UC, Daniel Nunes. Convidado pela administração da faculdade a participar numa reunião com a A3ES, que já auditou cursos como Turismo ou

Arqueologia e História, o estudante alerta para o desconhecimento que esta entidade representa para a comunidade estudantil. “Alguém tem de o fazer, uma instituição ou uma agência. Antes a prática não era eficiente. Podiam-se abrir cursos num apartamento em Lisboa e esse seria o local de formação de estudantes para um curso”, lembra Luís Rodrigues. O estudante afirma que a agência cumpre os requisitos legais e que ganha legitimidade por ser “independente do poder político quer em financiamento e em estrutura própria, porque é fundação de direito privado”. Pedro Paredes é da opinião que a informação para os estudantes circula, mas “o interesse não é grande”. Luís Rodrigues tem a mesma posição: “arrisco-me a dizer que a maioria dos estudantes não sabe o que é que é a A3ES e o que é a acreditação dos cursos”. Por parte da reitoria a realidade é diferente: “sei que houve um número muito mais elevado de estudantes que se candidataram do que aquilo que tinha sido suposto”, diz Madalena Alarcão.

Situação atual

Nesta fase da auditoria já foram avaliados alguns cursos da Faculdade

de Psicologia da UC, da Faculdade de Desporto, Faculdade de Letras e Faculdade de Ciências e Tecnologia. Madalena Alarcão garante que, até este momento, os cursos avaliados foram todos acreditados. Todos os estudantes ouvidos também acreditam que na UC em particular não haja casos de encerramento de cursos, existindo porém problemas quanto ao número de matriculados, de docentes e carga horária. “Não acredito que a UC tenha uma oferta formativa excedente ou incapaz, comparando com o que há por aí”, sinaliza Luís Rodrigues. Daniel Nunes alerta para o facto de já existir “um pré-relatório pedido pelo ex-diretor Carlos André sobre a reestruturação dos cursos da FLUC. Poderia haver algum curso a fechar, no entanto foi contornada essa situação”. “Dos cursos que estão a ser avaliados, todos estão em condições de continuarem abertos. Esta auditoria só vem confirmar esta qualidade de ensino que está a ser dada”, finaliza o estudante Pedro Paredes. O Jornal Universitário A CABRA tentou chegar à fala com o responsável pela A3ES, Alberto Amaral, o que não foi possível, já que este encontrava-se no estrangeiro.


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ENSINO SUPERIOR Eduardo Melo • Presidente da Comissão Executiva do FAIre

“Pensei muito para entender se voltava ao movimento associativo” Liliana Cunha João Martins

Eduardo Melo, ex-presidente da Direção-geral da Associação Académica de Coimbra, regressa ao movimento associativo para dirigir o organismo responsável por representar o Ensino Superior português a uma escala europeia. A Federação Académica para a Informação e Representação Externa (FAIre), medeia as relações entre as academias e tem em maioria na sua composição dirigentes associativos que acumulam funções. No entanto, o trabalho de suporte político que faz com as instituições quase nem chega aos estudantes. Como é que se deu esta tua nomeação para presidente do conselho executivo da FAIRe? Fui nomeado, acima de tudo, pelo Conselho Geral (CG) e depois de eleito dentro do CG fui nomeado presidente da comissão executiva (CE). O convite surgiu na perspetiva de eleições dentro do FAIRe. Apesar de já estar afastado do movimento associativo algum tempo, estabeleceram-se contactos de vários dirigentes das associações de estudantes ligadas ao FAIRe e que dialogaram comigo no sentido de mostrar alguma disponibilidade para ser presidente da CE. Entenderam que teria o conhecimento necessário do ponto de vista do ensino superior (ES) nacional, e acima de tudo no campo da política educativa. Portanto, ao longo destes meses ponderei essa possibilidade e aceitei o convite para ser candidato. Isso acabou por se materializar na semana passada e fui eleito presidente da CE. Achas justo que, num um órgão representativo das academias, o seu presidente não seja eleito pelos cerca de 150 mil estudantes que representa? Percebo a questão da representatividade na medida em que uma eleição direta tem outro peso. Agora o FAIRe funciona de maneira diferente, trabalhamos para as associações, e como um suporte para o trabalho destas. É perceber quais são os problemas das associações de estudan-

tes e académicas portuguesas e ser o porta-voz delas no European Student’s Union (ESU). Fazer um trabalho político de suporte através da vinda de boas práticas da Europa, trazer para os associados a discussão de quais as matérias que estão a ser discutidas a esse nível e um trabalho também de formação que o FAIRe acarreta. Portanto, no modelo em que funciona faz sentido que a eleição seja desta forma, porque não se trata de uma representação direta do estudante, mas trata-se fundamentalmente da representação das vontades das associações, que serão depois condicionadas ou não pela vontade dos seus estudantes e da definição da sua linha política. Mas o nosso trabalho é muito mais de suporte do que propriamente um papel de liderança.

Há alguma preocupação que vos faça estar mais atentos? Neste momento a preocupação fundamental prende-se com o financiamento do ES. O facto de estarmos sob influência externa tem condicionado as opções políticas, em todos os ministérios. O Ministério da Educação e Ciência (MEC) não é exceção a ele. Ainda agora, após o chumbo das medidas do Tribunal Constitucional, o Governo referiu que se preparava para efetuar reduções de despesa, nos setores da educação e da saúde. Esta preocupação assume especial re-

levância quando não se trata de uma questão nacional mas de uma decisão internacional. Acredito que temos agora um instrumento interessante de pressão política que se trata através da nossa presença no ESU, quer pelo facto da representação ser europeia e este ser um problema comum a vários países, mas também pelo facto de a ESU ser parceira nas matérias de educação na Comissão Europeia (um dos elementos da ‘Troika’). Esta matéria pode ser central na definição política internacional da representação portuguesa. Têm algum tipo de financiamento? O financiamento é feito de

duas formas: em primeiro lugar, das cotas das associações, definidas em função do número de alunos de cada estrutura e depois pela procura de financiamento publico, através do MEC ou do Instituto Português do Desposto e da Juventude. Estamos a tentar conseguir o maior número de apoios públicos, já que fazer representação à escala europeia, exige algum esforço financeiro.

Mas este cargo não implica remuneração? Não. Pensas que o FAIRe pode servir como uma espécie de escape para aqueles que já não tem lugar no movimento associativo nacional? Não acho que isso possa ser uma via de escape, porque as associações e académicas entendem quais são os melhores representantes para exercer esse tipo de funções. Não foi o meu caso, em que já estava afastado e pensei muito para entender se voltaria ao movimento associativo ou não, se estaria ou não disposto para realizar esta tarefa que vou agora realizar. É óbvio e será natural que ex-dirigentes associativos ou que dirigentes no fim do seu percurso ocupem agora os órgãos sociais do FAIRe. Por terem uma experiência que lhes permite contribuir de

uma forma mais efetiva para a estrutura. A Ana Abreu, ex-presidente da Comissão Executiva da FAIRe, afirmava que muitas Instituições de Ensino Superior começavam a defender o ES como empresas. Qual é a tua posição sobre isto? Há, obviamente do ponto de vista internacional, discussões que nos devem assustar enquanto estudantes portugueses. Tem havido uma série de tomadas de posição e de declarações públicas bem como de pressão junto dos governos de alguns países. Nos países nórdicos que têm tido até agora um ES gratuito, começa-se a discutir agora a possibilidade de implementar propinas e outros modelos de financiamento através do sistema de empréstimos ou de uma maior componente privada no ES desses países. Há discussões neste momento na Europa que são perigosas para os estudantes no sentido em que o ES está-se a centrar não como um serviço ao país mas como um serviço ao estudante. E esse serviço tem de ser pago. Por isso, a posição da Federação tem sido contrária, é uma discussão à qual estamos atentos e temos de recear o facto de isso poder acontecer em Portugal. Sendo a AAC contra a propina e o único associado na FAIre com essa posição. Qual vai ser a tua postura, num outro organismo, numa política completamente oposta àquela que defendeste durante o teu mandato cá? A minha posição pessoal é pública. Nunca foi diferente daquela que assumi enquanto dirigente associativo, que não me custou porque é de facto a que acredito. As minhas funções enquanto presidente da FAIRe obrigam-me a defender as posições que a estrutura achar melhor, ou que os associados acharem melhor. Apesar de estatutariamente na Federação não estar definido que há um princípio de exigir um ensino gratuito, as posições das académicas não vão no sentido de implementar uma propina. Por isso, nesse ponto específico dificilmente a posição da FAIRe será diferente da dos últimos anos. Se isso acontecer e no desempenho das funções a que estou obrigado, defenderei a posição que os associados entenderem que é a mais correta, mas não prevejo que isso possa acontecer. DANIEL ALVES DA SILVA


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CULTURA

Palcos nacionais e internacionais na mira da Pensão Flor Pensão Flor lança-se com o álbum “O Caso da Pensão Flor”. Juntar diferentes influências da música portuguesa foi o objetivo da união dos sete artistas

rafaela carvalho

Margarida Fidalgo Pais Rafaela Vilão “Sejam bem-vindos à Pensão Flor, meus senhores, onde é noite todas as noites” - escutou-se no auditório o convite para que o público entrasse neste novo projeto conimbricense. Pensão Flor estreou no passado sábado, 27 de abril, no Conservatório de Música de Coimbra. “O Caso da Pensão Flor” é o álbum de estreia da banda que junta no palco sete artistas e nove instrumentos distintos. Vânia Couto, Tiago Almeida, Luís Pedro Madeira, Luís Garção Nunes, Manuel Portugal, Pedro Lopes e Gonçalo Leonardo são os elementos da banda. Os diferentes instrumentos musicais dividem-se pelos músicos de acordo com a “potencialidade de cada um”, esclarece Tiago Almeida, responsável pela guitarra portuguesa, guitarra clássica e pela voz de alguns temas do álbum. O mentor do projeto, e também músico da banda, Tiago Almeida conta que “a criação do grupo foi algo natural”. Os membros já se conheciam do mundo do fado e arquivo - daniela proença

O Conservatório de Música de Coimbra esgotou no concerto de estreia da Pensão Flor juntaram-se com o intuito de “fugir ao tradicional”, adianta. Ao fado juntam-se vários géneros de outros continentes como o tango, a morna e a música popular brasileira, tentando-se, assim, criar um género intercontinental. Tiago Almeida explica que esta união surgiu a partir de outros projetos. De tentativa a tentativa surgiu a Pensão Flor. Os músicos fizeram várias experiências com a guitarra portuguesa e foi a partir daí que “surgiu uma própria sonoridade”, esclarece o músico. Não é facilmente detetável o género em que esta banda se insere

- “Pensão Flor é uma junção das influências dos vários membros”, acrescenta. O nome do grupo pretende remeter para “algo conceptual, que contasse uma ou várias histórias e levasse à criação de um imaginário”, confessa Tiago Almeida. Este projeto musical pretende ter um lugar nos palcos tanto a nível nacional como internacional. Coimbra, cidade de berço ou formação dos artistas, foi o local escolhido para a primeira atuação dos Pensão Flor “porque não faria sentido estrear noutra cidade”. Tiago Almeida garante que

os membros do grupo são os primeiros a reconhecer que a cidade carece de “apoio às guitarras e a projetos que aqui nascem”. A atuação foi auxiliada pela projeção de vídeos que dão vida às palavras cantadas e as músicas intercaladas pela narração de várias histórias que tiveram lugar numa pensão. Os textos narrados são da autoria de Nuno Camarneiro, prémio Leya 2012. O ator Rui Damasceno encena o papel de um rececionista que transporta o público para o imaginário de uma pensão. Apesar do, ainda, desconheci-

mento do projeto, os dois espetáculos de estreia, 27 e 28 de abril, viram os seus bilhetes esgotados. À saída do primeiro dia o público mostrou-se satisfeito e com as suas expectativas superadas. Eurico Pereira, que já sabia da existência da banda, confessa que “o espetáculo foi muito bem conseguido, tanto a parte instrumental como a artística, surpreendeu-me”. Por outro lado, João Pedro chegou ao concerto sem conhecer os Pensão Flor mas reconhece “foi muito bom, saí muito satisfeito e com vontade de continuar na sala”.

Teatro de Coimbra em destaque na capital Grupos de teatro de Coimbra voltam a marcar presença no FATAL. Na mais recente edição, o TEUC, que comemora 75 anos, terá destaque na revista do Festival Daniela Gonçalves A décima quarta edição do Festival Anual de Teatro Académico de Lisboa (FATAL) decorre de 7 a 25 de Maio com muitas novidades. Criaram-se mais duas categorias: a “Mais FATAL”, que dá a oportunidade a cinco grupos não selecionados à participação na categoria de grupos em competição de apresentarem os seus trabalhos, e “FATAL convida”, categoria que abarca grupos de teatro portugueses e estrangeiros convidados para apresentar as suas encenações.

A par desta programação, acontece também uma ‘masterclass’ com Rogério de Carvalho, dois ‘workshops’ e a apresentação do espetáculo “No Tempo – morto, uma experiência para resistentes e dissidentes do teatro universitário”, coordenada por Susana Vidal e criação de textos de Miguel Manso. Realiza-se ainda uma homenagem a Jorge Listopad, professor, escritor, encenador e criador do grupo de Teatro da Universidade Técnica de Lisboa. Destaca-se ainda a participação pela primeira vez do grupo espanhol La Coquera Teatro, da Universidade Politécnica da Catalunha. No total, estarão em cena no FATAL 27 espetáculos durante 15 dias. “Muito teatro universitário para ver”, garante Marisa Costa, da organização do FATAL.

Participação de Coimbra no Festival

Até à data, já participaram no evento três grupos de teatro aca-

démico de Coimbra: o Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) com oito presenças, o Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra (CITAC) com sete participações e o Grupo de Etnografia e Folclore de Coimbra, que participou três vezes. Esta edição conta com a participação do TEUC e do CITAC. O Teatro dos Estudantes, que celebra este ano o seu 75º aniversário, levará a palco o “projecto H”, uma co-produção do TEUC e Joana Providência. O grupo será homenageado na Revista do Festival com um artigo de destaque que contará com o testemunho de várias pessoas enquanto “teuquinas”. “Não podíamos deixar passar em branco o aniversário do grupo mais antigo do país e um dos mais antigos grupos em atividade contínua na Europa”, adianta Marisa Costa. “Em jeito de homenagem, e com a mais sincera vénia ao TEUC, iremos publicar

na Revista FATAL n.º 6 um artigo de destaque falando sobre o aniversário deste grupo”, revela ainda o elemento da organização do FATAL. “É uma honra o FATAL ter optado por nos homenagear”, refere a vice-presidente do TEUC, Rafaela Bidarra, justificando o sentido da mesma, “dado que pelo TEUC já passou muita gente e a partir deste grupo já apareceram outros projetos” reconhece. O CITAC participa com o exercício final do Curso de Iniciação ao Teatro 2012/1013, “Aquário”, uma criação coletiva, com a direção de Catarina Lacerda. O grupo trouxe para casa, na edição transata, o prémio do público com a peça “Monstro Meu”. “É sempre bom que Coimbra não seja só vista como a cidade dos estudantes, mas também como a cidade que tem grupos de teatro que fazem coisas com qualidade”, desabafa a presidente do CITAC, Anabela Ribeiro. com Daniel Alves da Silva


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cultura

foto gentilmente cedida pelo grupo ad libitum

foto gentilmente cedida pelo grupo ad libitum

Companhia de artes ad libitum

A música interpretada a bel-prazer Já com 22 anos, a companhia de artes Ad Libitum leva o nome de Coimbra pelo mundo. Da experiência unicamente coral, o grupo desdobra-se hoje pelo teatro e pela dança, juntamente com a música, e o “estar à vontade” nesta arte valeu-lhes o nome. O gospel é o seu mais recente projeto. Por Ana Duarte

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tradição coral em Coimbra não é algo novo. Olhando para a sua história, retrocedemos 133 anos para assistir ao nascimento do Orfeon Académico de Coimbra, que ganha incontornavelmente o estatuto de um dos mais antigos coros de Portugal e da Europa. 76 anos depois, surge o Coro Misto da Universidade de Coimbra (CMUC), grupo que se diferenciava do velho Orfeon pela modernização que o adjetivo “misto” traz. Coimbra passa a ser, então, um dos focos da música coral no país. Entre espetáculos de sala e festivais, estes grupos percorreram terreno nacional e internacional, a levar o nome de Coimbra, da própria academia e de Portugal além-fronteiras. Por tudo isto, havia quem começasse a pensar mais à frente. “Estávamos no CMUC e aproximava-se o fim da nossa carreira académica. O ‘bichinho’ estava connosco há vários anos e parecia forçado abandonarmos completamente a música coral”. Miguel Ângelo interessou-se pela música coral aquando da sua passagem pela UC e, consequentemente, pelo CMUC. Juntamente com alguns amigos, na década de

1990, e com o aproximar do final do curso, como explica, lança a ideia de continuarem a tradição da música coral, mas como uma diferença: “porque não um coro de câmara?”. Os requisitos para esta nova formação limitavam-se apenas ao número de elementos do grupo. “A questão de um coro de câmara implica um número de elementos que não seja muito elevado, entre 15 a 20. O CMUC andava na ordem dos 50 coralistas, o Orfeon Académico também”, elucida Miguel Ângelo. Da ideia à forma. Em 1991, 16 pessoas juntaram-se e nasceu o Grupo Vocal Ad Libitum. “O que nos motivava era ser uma coisa diferente, com uma característica muito especial: era um coro de câmara com poucos elementos que tentava abranger outras áreas de música que o CMUC pudesse não conseguir”, explicita Miguel Ângelo, membro-fundador do Ad Libitum. Estar à vontade na música era uma das formas de atuação deste grupo coral. E dessa forma surgiu o nome. “Numa partitura, quando aparece o termo ‘Ad Libitum’ quer dizer que é para tocar à vontade. Resolvemos adotar esse nome também porque era essa a

nossa forma de estar na música coral”, elucida Joaquim Baltazar, também membro-fundador.

– marca que diferencia este conjunto de qualquer outro do país, quando nasceu.

O início

O crescimento

As dificuldades de arranque de um novo projeto dão-se em todo o lado e com os Ad Libitum isso não foi exceção. Para conseguirem a atual sede onde ensaiam (número 22 da Rua dos Coutinhos), andaram por igrejas, pela Casa da Cultura, por escolas básicas, pela sala do CMUC e ainda por garagens. “Fomos um ‘coro de garagem’”, lembra, entre risos, Miguel Ângelo. Só ao fim de uns largos anos é que chegaram ao número 22 da Rua dos Coutinhos, onde ainda permanecem. As atuações também não começaram logo. Normalmente, para um grupo de câmara começar a atuar, é necessário um ano de preparação: desde a escolha de repertório até aos ensaios, é uma atividade que exige muito trabalho e prática. E na cidade, havia sempre a concorrência amigável do CMUC e do Orfeon. Paulo Pereira, atual presidente do grupo, esclarece que o objetivo primordial do Ad Libitum era “executar um repertório eclético, com músicas de vários países e estilos”

Com o impacto que o Ad Libitum teve na região centro, na altura, por ser inovador, o seu crescimento foi natural. Desde 2007 que é uma companhia de artes. “A partir daí, entendíamos que queríamos fazer coisas ao nível das três principais artes de espetáculo: a música, o teatro e a dança”, explana o presidente. Com esse desejo, em 2007 surgiu uma companhia de teatro e dança, juntamente com um curso de teatro amador, apesar de atualmente não estarem em funcionamento. Para além de abrangerem diferentes formas de expressão artística, também querem chegar a todas as idades. Assim, também em 2007, o Ad Libitum ganha um cor o infantil (hoje infanto-juvenil) chamado Cherubini, um dos mais famosos coros infantis a nível nacional. E como a música é coisa que passa de geração em geração, Miguel Ângelo tem já quatro filhos “cherubinis”. “Mesmo os próprios filhos dos coralistas têm uma passagem pelo grupo [Ad Libitum]”, acrescenta.

As digressões e o financiamento

Canadá, Brasil, Polónia, Espanha são alguns dos países por onde o Grupo Vocal Ad Libitum já passou, sem esquecer as diversas viagens por solo nacional. Dessas jornadas guardam memórias de grande esforço mas também o sentimento de um trabalho reconhecido. Paulo Pereira lembra a passagem pela Polónia: “fomos cantar na missa de celebração do primeiro aniversário da morte do Papa João Paulo II, numa catedral em Chestokova. Foi um momento arrepiante que nos marcou e provavelmente nunca mais vamos ter uma sensação daquelas”. Aponta esta história a título de exemplo das várias que o grupo tem. Apesar o Ad Libitum ter perdido os apoios da Câmara Municipal de Coimbra, de apoio ao associativismo cultural, é um grupo que continua a crescer. Há cerca de um ano, aparece um projeto de gospel – Ad Libitum Gospel – com membros do grupo vocal, como é exemplo Joaquim Baltazar. E entre terça e sábado, todo o grupo se reparte para ensaiar no número 22 da Rua dos Coutinhos, convidando sempre quem se queira juntar.


8 | a cabra | 30 de abril de 2013 | Terça-feira

DESPORTO perfil • Fernando Niza

antónio cardoso

“O Mestre dos Mestres”

Com 65 anos ainda tem a força de vencer todos os jogos e de reconhecer que não há ninguém igual a ele no futebol. O “Mestre dos Mestres” conta com 50 anos de vida ligada ao futebol e, certamente, poucos haverá a conseguir 12 subidas de divisão no seu percurso. Por Joana Guimarães e Margarida Fidalgo Pais

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á cerca de 60 anos, o mundo do futebol viu, naquela que é considerada a “melhor” escola de formação, a rua, um dos menos convencionais treinadores de futebol portugueses. Fernando Niza, de 65 anos, ainda transpira amor à camisola, nunca se tendo afastado dos campos. Ora como treinador, ora como jogador, a sua passagem foi um marco na forma de se jogar e é ainda uma referência na forma de o ensinar. Foi na rua que a paixão pelo futebol se formou. Era o espaço da sua geração, onde todos se encontravam apenas por uma razão - a vontade de jogar, de tocar numa bola. Quando a rua deixou de ser suficiente, Fernando Niza juntou-se, como federado, ao Sport Lisboa e Marinha, na Marinha Grande, por uma questão de proximidade com a sua terra natal, Vieira de Leiria. Até aos 16 anos vestiu essa camisola, altura em que foi transferido para o Sport Lisboa e Benfica. Neste clube, jogou pelos juniores durante duas épocas. Atualmente, conta no seu currículo com doze subidas de divisão. De cabelo grisalho e atitude jo-

vial, Niza tem uma atitude positiva perante a vida. A sua imagem de marca deverá mesmo ser o sorriso e o à vontade com que trata qualquer pessoa que passe. Como treinador, destacam-lhe os métodos pouco convencionais de treino e a alegria contagiante que leva ao balneário.O capitão de equipa do Pampilhosa, Carlos Colaço (Bebé), transmite a perspectiva unânime da equipa. Já como funcionário do Estádio Universitário de Coimbra, Jorge Caldeira, colega de trabalho de Niza, define-o como uma pessoa que gosta de conversas sobre assuntos transversais, da economia à cultura, da política ao desporto. Não é só dentro das quatro linhas que Niza tem alguma coisa para ensinar. Jorge Caldeira conta: “no decurso destes anos posso dizer que ele me vai dando alguns ensinamentos, tenho-o como uma pessoa com muita cultura geral”.

Rotinas de um treinador

A rotina de treinador está já há muito definida. Aparece apenas no último treino antes de cada encontro, para supervisionar aquilo que já foi feito pelo preparador físico e pelo treinador de guarda-

-redes. Sem nenhuma estratégia definida, Niza encara o futebol de uma forma completamente distinta. Em vez de táticas e de conselhos técnicos, prefere usar a psicologia como forma de abordagem ao futebol. Para Niza, os métodos científicos são “uma banalização e transformação do futebol numa coisa que não é. O futebol não é ciência. É simples. E é a sua simplicidade que faz dele o espetáculo das multidões”. No União de Coimbra elevou a sua categoria à de jogador profissional, treinando mais tarde o mesmo clube. Depois desta passagem, treinou o Pampilhosa da Serra onde se mantém até hoje, contando com algumas interrupções. Para o treinador não faz sentido estar em determinado local quando não existe compreensão por parte dos companheiros. Assim, tomou a decisão de, por duas vezes, abandonar o clube. A terceira ausência foi-lhe imposta.

Mérito não reconhecido

Niza crê que o seu trabalho não é valorizado e culpa a mentalidade do país por isso. “É a mentalidade que temos. Temos falta de cultura

desportiva. Não sabemos trabalhar, ir ao encontro da cultura desportiva, como no futebol inglês”, constata o treinador. Para além disso, ressalta a falta de transparência no futebol português: “trabalha-se muito nos bastidores, ou seja, a amizade com dirigentes, jornalistas, empresário…”. Uma vez que se manteve sempre tão perto de Coimbra, surge a dúvida do porquê de nunca ter jogado ou treinado no Académica. Para Niza a única explicação plausível seria a rivalidade existente entre a Académica e o clube onde jogava e pelo qual era reconhecido. “Era o Niza do União de Coimbra”, opina o treinador. O seu percurso já lhe trouxe vários amigos, dentro e fora dos relvados. Bebé define-o como “um grande homem e um grande amigo. É um ganhador e um grande treinador”. Também Jorge Caldeira considera o treinador “amigo do seu amigo”. Fernando Niza reconhece as amizades que conseguiu criar devido à convivência, mas destaca uma que cultivou fora do desporto. “A maior amizade que tive até hoje foi fora do futebol, foi um antigo reitor da

Universidade de Coimbra, o Professor Rui Alarcão.” Fernando Niza considera-se um ícone no mundo do futebol, pondo-se ao nível de treinadores como José Mourinho. Autodenomina-se de “o grande mestre”, nome pelo qual é conhecido atualmente. Não considera um título exagerado, pois, como alega: “reconheço que isso foi tudo uma conquista minha. Não é necessário as outras pessoas reconhecerem se eu tenho ou não valor”. Esta opinião é partilhada com o capitão de equipa que reconhece que “já devia ter um certo reconhecimento por parte de outros clubes. Ele poderia ter ido mais longe, não foi mais longe por falta de oportunidades”, acrescenta, ainda, que “mestre não é a melhor palavra, mestre dos mestres seria a melhor.” Apesar de sentir esta injustiça, Niza encara-a, mais uma vez, com uma atitude positiva. Ao mostrar que a força de vontade e perseverança são aquilo que importa no mundo do futebol: “o ganhador fica numa situação de injustiça, e aí a revolta leva à vitória.” Com António Cardoso


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DESPORTO

CNU’s 2013 valem quatro medalhas de ouro às jovens formações da AAC As modalidades de basquetebol, hóquei em patins e rugby de 7 foram aquelas em que os estudantes brilharam, e que valeram quatro medalhas de ouro

João Valadão Realizadas nas cidades da Covilhã, Fundão e Belmonte, as fases finais dos Campeonatos Nacionais Universitários (CNU’s) de 2013 trouxeram o pódio a várias secções da Associação Académica de Coimbra (AAC). Durante os dias 15 a 25 de abril, as três cidades do distrito de Castelo Branco receberam formações de várias universidades e institutos universitários do país. O evento contou com a realização de provas em oito modalidades: andebol, atletismo de estrada, basquetebol, futebol de 11, futsal, hóquei em patins, rugby de 7 e voleibol. São menos três provas do que os CNU’s de 2012, que então receberam atletas de corfebol, escalada e taekwondo. Naquela que é considerada a prova mais importante do desporto universitário em Portugal, os atletas da briosa alcançaram o pódio em diversas modalidades. O primeiro lugar alcançado nas provas de basquetebol masculino, juntamente com as medalhas de ouro obtidas pela formação de hóquei em patins e pelas equipas feminina e masculina de rugby de 7. Estes foram os resultados que mereceram mais destaque

na passagem da AAC pelos CNU’s de 2013. Mário Castro, do Conselho Consultivo da Secção de Basquetebol da AAC, refere que os resultados atingidos são o “culminar de uma história” dos vários lugares do pódio atingidos pela secção no decorrer de vários anos. Para o antigo presidente, o primeiro lugar vai de acordo com as expetativas geradas e mostra a “qualidade das pessoas que estão à frente do clube e dos seus atletas”. Também no pódio ficaram as equipas de voleibol masculina e feminina, que obtiveram o segundo lugar, ao terem perdido na final com o Instituto Politécnico do Porto e com a Associação Académica da Universidade do Minho (AAUM), respetivamente. No futsal os resultados foram semelhantes, ambas as formações dos estudantes de Coimbra alcançaram o segundo lugar, depois de perderem perante um adversário comum. A equipa feminina não conseguiu levar a melhor aos atletas da AAUM, assim como os homólogos masculinos, que pereceram perante uma equipa do Minho mais bem preparada. A Secção de Futebol da AAC (SF/ AAC) conseguiu arrecadar o terceiro lugar na modalidade de futebol de 11, ao perder na meia-final com o Instituto Politécnico de Leiria. O descontentamento do resultado é realçado pelas palavras de Rui Pita, membro da SF/AAC: “foi insuficiente, tínhamos equipa para sermos campeões, tivemos azar”. Segundo Rui Pita, o adversário conseguiu prolongar o jogo até à marcação de grandes penalidades e aí obter a vi-

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tória. “A nossa equipa, juntamente com a do Minho, que foi campeã, eram as duas grandes equipas”, ressalva Rui Pita. Para o dirigente desportivo, o grande objetivo passa agora por superar os resultados obtidos e validar o título nos CNU’s de 2014.

Atitudes de descontentamento expressas nos CNU’s

A UBI acolheu os CNU’s 2013 de 17 a 25 de abril

Os CNU’s de 2013 serviram também como mostra do descontentamento da equipa de futsal feminina quanto ao posicionamento da Direcção-Geral da AAC (DG/AAC) na resolução dos seus problemas. Foi na apresentação da equipa que as atletas, vestindo t-shirts com palavras desenhadas, se formaram para perguntar: “Morgado em 2016 também vai ser assim? Não abuses do nosso amor à camisola”. Para as jogadoras de futsal da AAC há uma falta de apoio às fracas condições materiais e humanas sofridas no seio da formação. Sem esquecer o “amor à camisola”, as jogadoras afirmam em comunicado que “há muito a melhorar para que a AAC continue a ser o que é” e que o gesto de protesto pretende “despertar” a Academia para essa falta de ajuda sentida por parte da DG/AAC. Os CNU’s contaram com a participação de mais de 2000 jovens atletas, distribuídos pelas diversas modalidades. O evento contou com a realização de cerca de 210 jogos, 11 finais e a disputa de 13 títulos. O evento maior do desporto universitário do país volta a realizar-se em maio de 2014, depois de apurados todos os resultados das candidaturas à organização dos campeonatos.

Nadador da AAC convocado para a Seleção Nacional Gustavo Almeida Madureira foi convidado a participar no estágio da Seleção Nacional Absoluta e Sénior jovem. O evento tem início hoje, 30, em Rio Maior João Valadão O atleta sénior da Secção de Natação da Associação Académica de Coimbra, Gustavo Almeida Madureira, está convocado para integrar o estágio de preparação e avaliação da Seleção Nacional Absoluta e Sénior jovem. A prova, que se realiza em Rio Maior, tem início hoje e decorre até quatro de maio. O coordenador-geral da Secção de Natação, Miguel Abrantes, explica que é com “alguma naturalidade” que vêem o atleta ser convocado para este estágio. “Ao longo dos últimos anos o Gusta-

vo tem representado Portugal, não só em estágios, mas também em competições”, adianta. Miguel Abrantes aponta especialmente para a prestação do atleta em provas internacionais, como o MultinationsYouthMeet de 2011. No evento MultinationsJuniorMeet, realizado em 2012, em Coimbra, o atleta conseguiu alcançar o quarto lugar na prova de 50 metros livres masculinos. Confrontado com a sua recente convocação, Gustavo Almeida Madureira esclarece que, face à boa prestação dos atletas adversários em provas anteriores, foi com algum receio que recebeu a notícia. No entanto, o nadador comenta que este era um dos objetivos para 2013, assim como representar a Seleção Nacional de Natação no 27º Troféu Internacional Villa de Gijón, a realizar-se em Espanha, nos próximos dias 18 e 19 de maio. O Diretor Técnico Nacional (DTN) da Federação Portuguesa de Natação (FPN), José Manuel

Borges, valoriza a prestação de Gustavo Almeida Madureira e realça que o atleta se inclui num “grupo de natação, não muito alargado, com boas perspetivas para o futuro”. O dirigente lembra que o estágio se inclui nos planos de “alto rendimento da FPN”, que se aproximam de provas internacionais como os Jogos Olímpicos ou os campeonatos mundiais. Quanto à seleção de atletas, o DTN acrescenta que esta “passou pela avaliação das suas prestações no último Campeonato Nacional de Natação”. Gustavo Almeida Madureira espera agora alcançar o pódio em Espanha, onde vai tentar superar os adversários nas provas de 50 e 100 metros livres. Miguel Abrantes sustenta que o atleta da Secção de Natação da AAC é uma promessa dentro do país e que, em virtude dos bons resultados atingidos, estará na “alta-roda da natação nacional”, com projeção para o panorama internacional.

O jovem de Coimbra iniciou no presente ano letivo os estudos superiores, o que levou a alguma apreensão de Miguel Abrantes. Contudo, o dirigente esclarece que a adaptação do nadador à nova rotina diária tem decorrido sem problemas e que este está a lutar por “objetivos muitos fortes e vai agora tentar os mínimos para os

mundiais”. Também no passado mês de março, no Campeonato Inter Distrital de Natação de Juvenis, Juniores e Seniores, o nadador conseguiu arrecadar quatro medalhas para a Associação Académica de Coimbra: ouro nos 50m livres, prata nos 100m livres e bronze nos 200m livres e 50m mariposa. RAFAELA CARVALHO


10 | a cabra | 30 de abril de 2013 | Terça-feira

CIDADE

50º Aniversário da maternidade professor bissaya barreto

Bissaya Barreto e a sua obra iniciada “para arrancar à morte os pequenitos” Numa altura em que a reorganização das unidades de saúde de Coimbra começa a entrar em vigor, englobando também os institutos maternais, a Maternidade Professor Bissaya Barreto lembra o dia em que Idalina Rodrigues viu pela primeira vez a sua filha mais velha. Por Rafaela Carvalho

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o momento de dar à luz a filha mais velha, Idalina Rodrigues, com vinte e cinco anos à altura, não sabia que era a primeira de muitas mulheres a trazer novas vidas ao mundo no interior do grande edifício rosa que se destaca na Rua do Instituto Maternal. O parto por cesariana não foi fácil e Idalina Rodrigues confessa que teve medo. “Os médicos lá ajudaram, mas de muitas coisas não me lembro porque fui anestesiada”, recorda a primeira mãe da Maternidade Professor Bissaya Barreto. Cinquenta anos depois, com mais uma filha e três netos nascidos na primeira delegação do Instituto Maternal de Coimbra, Idalina foi convidada de honra nas comemorações que tiveram lugar este domingo, 28, na sala de sessões da maternidade. Nas palavras de Patrícia Viegas Nascimento, presidente do Conselho de Administração da Fundação Bissaya Barreto, celebra-se assim meio século de “defesa da vida e proteção da mulher e da criança”. Fundada em 1963 por Fernando Bissaya Barreto, político e professor de Medicina na Universidade de Coimbra, a então chamada Obra de Assistência Materno Infantil Bissaya Barreto veio firmar o seu esforço “para arrancar à morte os pequenitos”, conta Patrícia Viegas Nascimento.

arquivo - inês silva

sa medicina em Coimbra passa por valorizar o nosso passado com perspetiva de futuro”. O presidente dos CHUC refere ainda, orgulhoso, o reconhecimento exterior da excelência máxima dos serviços da Maternidade Professor Bissaya Barreto, a par com a Maternidade Doutor Daniel de Matos. “O contributo que Coimbra dá para a solidez do Serviço Nacional de Saúde, neste caso para a segurança do parto, está patente nos indicadores que a região detém e é um caso de sucesso”, afirma.

Um espírito inquieto

A Maternidade Professor Bissaya Barreto é uma das unidades abrangidas pela reestruturação dos CHUC “Num momento tão difícil para Portugal onde a imprevisibilidade era um fator extremamente condicionador de projetos assentes na esperança, compreendemos melhor o valor dos consensos”, refere o presidente do Conselho de Administração Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, José Martins Nunes, enaltecendo a obra social, de saúde pública e de medicina de Bissaya Barreto.

União de maternidade

Já este ano com a reorganização das unidades de saúde de Coimbra, consequente da criação do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), a Maternidade Professor Bissaya Barreto e a Maternidade Doutor Daniel de Matos foram integradas na unidade do Serviço de Ginecologia e do Serviço de Reprodução Humana dos CHUC.

Fernanda Águas, diretora clínica da Maternidade Professor Bissaya Barreto, justifica a fusão das unidades maternais, afirmando que “a realidade de hoje é diferente e as maternidades como edifícios isolados perdem a sua função”. José Martins Nunes reitera: “estou convicto de que conseguiremos construir uma cultura que possa ser herdeira do grande legado da sua história, a valorização da nos-

Patrícia Viegas Nascimento relembra a “atitude de alerta e inquietude” que a instituição herdou do seu fundador. “Temos todos de ser visionários”, sublinha José Martins Nunes abarcando o espírito de Bissaya Barreto e transpondo-o para o novo projeto de saúde da região centro que o CHUC representa. “Num momento tão difícil como o atual, todos somos convocados para ajudar a criar um hospital mais humano e mais solidário, com mais afeto e com maior dedicação”, assevera. As comemorações continuam no próximo dia 6 de maio com a inauguração, às 11h, da exposição “Maternidade Professor Bissaya Barreto 50 anos: Conceção, Nascimento e Vida”, no ‘hall’ dos Hospitais da Universidade de Coimbra.

Centro de Saúde Militar corre o risco de fechar portas O possível encerramento do Centro de Saúde Militar de Coimbra pode vir a fazer parte da reforma orçamental do governo no setor da saúde militar Camila Correia No dia 8 de abril, durante intervenção na Assembleia da Câmara Municipal de Coimbra, a vereadora do Partido Social Democrata, Maria João Castelo Branco, ressaltou a importância de se discutir, no âmbito do poder executivo, a questão do futuro incerto do Centro de Saúde Militar de Coimbra. O Centro destina-se a prestar apoio sanitário aos militares do exército e aos seus familiares desde 1911. A vereadora explica: “senti que

deveria transmitir ao executivo essa preocupação que também passou a ser minha, não só como política eleita, mas também como cidadã de Coimbra”. Reforça ainda o seu objetivo, ao dizer que se trata de “uma estrutura de saúde que sempre foi de excelência”. O Centro, que apresenta uma área total de cerca de 30 mil metros quadrados, possui capacidade de internamento, dois blocos operatórios, um laboratório de análises clínicas, um serviço de imagiologia, de medicina física e reabilitação, de cardiologia com capacidade de realizar diagnósticos e instalações onde funcionam diversas especialidades médicas em regime ambulatório. A confirmar-se o encerramento do hospital, a decisão vai trazer prejuízos para muitos militares, ex-militares e deficientes das Forças Armadas. A vereadora afirma que “o Centro de Saúde Militar

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tem uma influência muito forte junto não só dos militares da ex-Marinha, mas também da Força Aérea, dos militares da Guarda Nacional Republicana, dos agentes da Polícia de Segurança Pública e dos seus familiares”. Neste contexto, Maria João Castelo Branco considera ainda determinante a permanência do Centro de Saúde Militar pela importância e reconhecimento do serviço que assegura aos utentes. “Não nos podemos esquecer da percentagem imprescindível daqueles que serviram o país há 30 ou 40 anos, que são os deficientes das Forças Armadas. Centenas são utentes deste hospital”, recorda. Além disso, a vereadora faz questão que se tome conhecimento de que, mesmo não apresentando muitas urgências e internamentos, o Centro é autossustentável. Em termos financeiros e económicos, o Centro de

Saúde Militar não tem dívidas com fornecedores e tem conseguido “receitas superiores”, revela. Algumas autoridades envolvidas no debate acreditam que a alternativa mais viável ao futuro do hospital seria sua abertura à população civil. Nesse sentido, Maria João Castelo Branco defende que “poderá haver protocolos com os Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC)” ainda “um trabalho de ação e colaboração dentro dos HUC, o Centro Hospitalar de Coimbra e o Centro de Saúde Militar”. Para a esfera militar, a assistência à comunidade civil nunca deixou de existir. O tenente- coronel e porta-voz do Exército, Jorge Manuel Guerreiro Gonçalves Pedro, atesta: “o hospital funciona como os hospitais civis, o apoio é preferencialmente para os militares, mas apoia a população civil”. com Anna Charlotte Reis


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CIDADE

A Sagração da Feira da Ladra

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O mercado dos produtos em segunda mão tem sido alvo de uma procura cada vez maior. A crise económica, as preocupações ambientais e até as novas modas ‘vintage’ e ‘retro’ têm potenciado a nível mundial o aparecimento de eventos que reúnem diferentes projetos e vendedores independentes. Coimbra não é exceção. Por Rafaela Carvalho

compra, venda e partilha de produtos usados ou em segunda mão sempre foi uma prática comum. Feiras de Velharias e da Ladra marcam ocasionalmente as praças das cidades. Nas esquinas mais recônditas não é raro encontrar as famosas lojas do prego. Também a Internet está repleta de sites de compra e venda de produtos usados. Ainda assim, nos últimos anos, o conceito tem ganho uma nova dimensão sendo cada vez mais recorrentes os eventos de pequena escala que reúnem vendedores independentes e empresas da área. Exemplo disso é a organização da iniciativa E’tiqueta que decorreu entre os dias 26 e 28 de Abril na Baixa de Coimbra. Estes eventos são exponenciados, sem dúvida, pela ação da crise económica que tem reduzido drasticamente o poder de compra de muitas famílias e as preocupações ecológicas que tornam cada vez mais premente a adoção de conceitos como a reutilização e a reciclagem. O mercado da segunda mão “está em voga”, ressalta Sara Nunes, uma vendedora independente que começa agora a dar os primeiros passos. Ao aliar-se ao conceito ‘vintage’ fortemente adotado pelas gerações mais novas, o mercado de produtos usados tem conseguido desenvolver-se e criar uma reputação que rompe com os cânones já instaurados que o davam como uma atividade a que apenas recorriam pessoas de poucos recursos. “A segunda mão mexe muito com a mentalidade das pessoas que têm de estar abertas a aceitar o conceito”, conta Conceição Assis. Há seis anos no mercado, a responsável pela filial em Coimbra do franchising Kid to Kid – dedicado à compra e venda de produtos usados por crianças – afirma, inclusive, que para muita gente a noção de usado “ainda se associa muito ao lixo, ao sujo, ao mau aspeto numa primeira fase”, mas que “desde que as pessoas consigam entrar na loja perdem todo preconceito”. Esta mudança de mentalidades reflete-se também ao nível das preocupações ambientais. “É uma forma de desenvolvimento mais sustentável” - incentiva Sara Nunes - “a crise também terá alguma influência, mas eu penso que há uma maior consciencialização”.

O mercado conimbricense

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À semelhança de muitas outras cidades espalhadas um pouco por todo o mundo, Coimbra tem visto nascer muitos projetos ligados a este conceito de reutilização de produtos. Compra-se, vende-se e troca-se principalmente vestuário, produtos editoriais (música, literatura, cinema), acessórios, tecnologia e mobiliário. Foi neste último que Elisa Martins encontrou vocação juntamente com o marido. Assim nasce a Go!

Vintage Design. “Essencialmente compramos peças que não precisam de restauro, que possam ser utilizadas como estão, apenas com uma limpeza”, conta. Não são, nem pretendem ser, especialistas em restauro. A paixão está na procura de peças condizentes com o conceito e a sua posterior revenda. O evento E’tiqueta, no qual foram responsáveis pela criação dos cenários, serviu acima de tudo “como oportunidade de mostrar os produtos, dando sugestões de reutilização”. Organizada por vendedores independentes e pelo projeto de design ‘retro’ Maria Pedaços, a iniciativa contou com a presença de diversas entidades da cidade que consideram repetir a experiência alternando o local de apresentação ao público. “É uma forma de, já que as pessoas não chegam aos nossos locais, fazer isto em sítios onde passam habitualmente e as encaminharmos para os locais físicos que existam”, explica uma das representantes da Maria Pedaços, Mariana Teixeira. Em grande parte a divulgação deste tipo de eventos é feita na Internet em redes sociais como o Facebook. Alia-se a tecnologia ao ‘retro’, a modernidade à antiguidade, fundido gerações. “Essa promoção chega a um público que não é o nosso e nós temos de cativar as pessoas que gostavam de estar aqui como participantes”, refere Mariana Teixeira. Já Sara Nunes não está totalmente certa da eficácia deste tipo de divulgação pela saturação de convites que a ela está associada. No entanto, acredita que “reunindo as redes sociais, a comunicação social e o boca-a-boca - o conjunto de tudo faz o sucesso da iniciativa”.

Uma moda passageira?

Prova de que é um fenómeno que se prevê permanente é a diversidade etária dos clientes. “Público há de todas as idades”, ressalva Sara Nunes referindo que existe um esforço por parte dos organizadores destes eventos de se aliar a iniciativas culturais. “Há sempre concertos ou DJ’s”, conta. Além disso, apesar de ter sido o fenómeno ‘vintage’ a exponenciar os mercado dos produtos em segunda mão, a maioria dos representantes deste tipo de projetos não acredita que seja apenas mais uma moda passageira. “Com todas estas pressões económicas as pessoas receiam e estão a reutilizar aquilo que antigamente se calhar não o fariam”, salienta Mariana Teixeira. “O que fazemos, toda a gente fez a vida inteira - a cama da minha filha dá para o meu sobrinho e com a roupa precisamente a mesma coisa. Agora, faz-se negócio com isso”, refere Conceição Assis.


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CENTRAIS

25 DE ABRIL

COIMBRA EVOCA ~ A REVOLUCAO

39 anos volvidos após a revolução que sepultou o fascismo, continua-se a celebrar a data. Numa época em que os fantasmas totalitários começam a revelar-se através dos tiques daqueles que lideram os destinos europeus, urge relembrar e viver o ideal de Abril. Por Daniel Alves da Silva e Gonçalo Mota

Democracia: (...) forma de governo na qual o povo não é apenas o sujeito passivo (governado) mas também o sujeito activo (aquele que governa) e visando isto o bem de todo o povo (sujeito-fim). in COLOMA, José Maria - Dicionário Popular de Política. 1ªed. Lisboa: Assírio & Alvim, 1974.


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CEntrais

“Era crime termos ideias,

ideais, querermos uma maior justiça social”

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a cidade de Coimbra pouco se fazia no que toca a comemorar o 25 de Abril. Como refere o membro da direcção do Ateneu de Coimbra e integrante da Comissão de Organização das Comemorações do 25 de Abril, Alfredo Campos, as comemorações do Dia da Liberdade eram marcadas pela festa organizada na noite de 24 para 25 - onde se procede anualmente à queima do facho – e a “uma ou outra comemoração da CMC”. De forma a poder marcar-se esta data de uma maneira mais entusiasta e de envolver a cidade nos referidos festejos procedeu-se à criação da referida comissão, que reuniria elementos de diferentes grupos sob os lemas de Abril. Esta comissão surgiu num grupo de amigos, pertencentes a diferentes associações da cidade, tendo crescido e abrangido, no total, 49 entidades conimbricenses. Que abarcavam desde grupos culturais, desportivos, organizações de cariz mais interventivo, como sindicatos, bem como movimentos com e sem qualquer tipo de conotação política. “Cada entidade definiu a atividade que queria fazer”, refere Alfredo Campos, embora as escolhas reflitam, “no fundo, as preocupações que cada entidade tem”, bem como a “situação política do país na atualidade”. Num extenso programa que inclui não só as comemorações do dia 25, mas também uma diversidade de eventos alusivos à data e que decorrem até ao dia 3 de maio. Concertos, exposições, debates, foram algumas das actividades abertas à participação dos cidadãos. Como vem sendo hábito, na noite de 24 para 25 realizou-se a comemoração no Ateneu de Coimbra, sendo o momento alto e mais participado - a “queima do facho”, enquanto se ouvia e se cantava a Grândola Vila Morena, de Zeca Afonso. Música, punhos erguidos e um boneco suspenso a arder marcaram o momento, que nas palavras do Vice-presidente do Ateneu de Coimbra, Mário Rui, simboliza a “morte do fascismo em Portugal”, bem como o desejo “que o fascismo nunca mais volte a esta terra”. Este ritual, refere ainda Mário Rui, serve para tentar perpetuar a passagem de uma história que “tem vindo a ser es-

“Esta existência

que se faz resistindo ou esta resistência que se faz existindo” Nuno Neves

Pedro Mendonça

quecida”, sobretudo “pelas gerações mais novas”.

“Cantando, gritando e dizendo o que vai na alma”

A restante noite foi dedicada à festa e à música, até porque nem só de protestos se celebram as portas que Abril abriu. A banda convidada, que mais não era que uma mescla de membros de diferentes grupos da cidade, seguiu por um reportório sempre recordando os diversos cantores portugueses da liberdade. Para o percussionista convidado e membro dos Diabo a Sete, Nuno Natal da Luz, continuar a festejar o dia da revolução é importante na medida em que “estão a tentar mostrar-nos que a democracia não vale nada” e assim sendo as comemorações assumem uma grande centralidade pois expressam a necessidade de que “esses valores, onde se incluem minorias e todas as ideologias, têm que ser mantidos”. Nas suas palavras fica expresso que o 25 de Abril se comemora “cantando, gritando e dizendo o que nos vai na alma”. Enquanto músico, assume a importância de lembrar os cantores da Liberdade de forma a “continuar que a memória deles esteja viva”. O dia 25 foi marcado por uma manifestação cujo mote era “Cumprir Abril com a Força do Povo!”. A manifestação contou com a presença de diversos grupos, mas em comparação com outras manifestações mais recentes, não foi das mais participadas dos últimos tempos. O que foi notado por uma das manifestantes, Fátima Taborda, que refere que “estava uma manifestação composta, embora fosse muito melhor se houvesse mais gente”. Apesar disto, a manifestação cumpriu o seu propósito e o povo saiu à rua empunhando faixas, recheadas com comentários e contestações. Depois da caminhada pela Avenida Sá da Bandeira, a manifestação desaguou no Pátio da Inquisição, onde estava já preparado todo o aparato que serviu para dar suporte às intervenções e concertos que se seguiram. De todas as intervenções, a mais prolongada, emotiva e aplaudida foi a preconizada pelo

Capitão de Abril, Comandante Pedro Mendonça. De acordo com o mesmo, a importância de marcar a data e de perpetuar a memória histórica prende-se com o facto de “não nos podermos esquecer desses tempos de opressão”, tempos idos em que “era crime termos ideias, ideais, querermos uma maior justiça social”, em suma “era crime desejar pela liberdade”. Para o militar, “as conquistas de Abril transformaram este Portugal e são um símbolo dos valores e dos ideais de Abril e continuam a afirmar-se na situação atual como traves mestras para o futuro do país”. Como não poderia deixar de ser, alguns paralelismos foram estabelecidos com os tempos atuais. Na voz de uma anarquista que preferiu não ser identificada e que esteve presente ao longo da manifestação, neste momento “não temos uma ditadura assumida, temos outro tipo de ditadura”, sendo que para a mesma “o 25 de Abril é um ícone ao nível de luta contra o fascismo e contra qualquer tentativa de opressão”.

Uma unidade para a luta

A mesma anarquista salienta a unidade da participação dos diferentes grupos, e que as tricas que poderão existir entre diversas fações são “o que menos importa aqui”. A comprovar essa unidade apresenta-se a Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados (APRe!). Com 61 anos, José Gama, um dos vários associados, salienta que essa “unidade” foi conseguida. E explica que a APRe!, apesar de ter nascido da necessidade de “dar voz” aos aposentados, não esquece “a luta dos jovens”, marcados pelo desemprego. Enquanto assistia à atuação da Brigada Vítor Jara, Fátima Taborda sugere que “na situação em que estamos agora” se deve participar “muito mais” nestas comemorações, num tempo em que “parece que já se esqueceu que houve um 25 de abril”. Desabafos que se aproximam do discurso do Capitão de Abril, minutos antes. Em sinal de união, todos os presentes embalados pelos ritmos tradicionais da Brigada e dos Diabo a Sete confraternizavam a sua liberdade conquistada. Festa, depois do discurso emocionado do Capitão de Abril. “O poder económico passou a estar subordinado ao poder político. É a referência básica da soberania e da independência nacional que hoje tanto nos falta”, explicava o comandante Pedro Mendonça, numa alusão aos fatores e à luta que justificam continuar a celebrar abril. Para isso, recordou ainda o passado: “onde se lutava, onde se trabalhava, onde se sofria, onde se aprendia, onde se transpirava e onde se crescia criava-se a semente do 25 de abril”.

(R)Existências coincidentes As repúblicas celebraram a sua semana de “rexistência” entre 22 e 27 de abril. As atividades foram um “resumo do que se faz durante todo o ano nas repúblicas”, segundo um dos membros da Real República Baco, Nuno Neves. Concertos, exposições, ‘workshops’, cinema, foram alguns dos eventos organizados pelas várias repúblicas, com o objetivo de “dar a conhecer o que se passa nas casas”, quebrando assim “algumas barreiras que possam existir em relação às repúblicas”, refere. Porquê o nome Rexistências? “É um conceito que parte de dois outros conceitos”, começa a explicar Nuno Neves. “O conceito de resistir que é muito do que fazemos nas repúblicas, em vários sentidos”, afirma, referindo a Nova Lei do Arrendamento Urbano como uma das preocupações atuais das repúblicas. “Estamos a tentar resistir contra isto”, sublinha. Enquanto existem diariamente. “É esta existência que se faz resistindo ou esta resistência que se faz existindo”, sintetiza o repúblico. A relação entre o ‘Rexistências’ e o 25 de abril nasceu

por acidente. “Ao início foi uma coincidência”, recorda Nuno Neves, “o 25 estava ali no meio” da semana escolhida. “É a semana em que teria que acontecer”, acrescentando ainda que “a data até ofereceu outras possibilidades”. Aludindo aos concertos de homenagem ao Zeca Afonso, na Real República do Bota-Abaixo ou a Adriano Correia de Oliveira, no Salão Brazil. Nuno Neves reitera que houve “um conjunto de atividades que de alguma forma têm em atenção” essa data. A iniciativa não possuiu nenhum organismo central. Questionado sobre o caráter reivindicativo dos eventos, Nuno Neves é perentório: “cada casa assume para as suas atividades o caráter que quiser assumir”. Mas assume que da parte da Real República Baco existe a tentativa de oferecer mais do que cultura, mas também um ato político. “Uma espécie de culturalização dos atos políticos/politização dos atos culturais”, conclui Nuno Neves. Por Daniel Alves da Silva


14 | a cabra | 30 de abril de 2013 | Terça-feira

CIÊNCIA & TECNOLOGIA

Clonagem, ainda longe do consenso Motivo de discórdia e agitação, a clonagem é um tema que tem marcado a opinião pública desde há muito. Os avanços científicos permitem a possibilidade de clonagem humana que, entre benefícios e riscos, está longe de merecer uma opinião consensual. Por Margarida Fidalgo Pais e Carolina Varela

A

possibilidade da clonagem humana afronta desde há muito a consciência do Homem. O medo da morte e o anseio pela eternidade são dois dos maiores temores e desejos que mais povoam o imaginário do ser humano. Em 1915, Freud escrevia que “no fundo, ninguém crê na sua própria morte, ou, dizendo a mesma coisa de outra maneira, no inconsciente, cada um de nós está convencido da sua própria imortalidade”. Nas palavras do pioneiro do estudo da genética molecular em Portugal, Luís Archer, “a clonagem dá-se na natureza a uma variedade de níveis e significa sempre o processo que conduz à formação de duas ou mais entidades biológicas geneticamente iguais. Essas entidades poderão ser genes, células ou organismos completos”. O tema da clonagem, envolto numa controvérsia agitada, esbateu a linha que um dia separou a realidade da fantasia. Em 1952, clonava-se o primeiro animal vertebrado – um sapo. O final da década de 1990, com o nascimento da ovelha ‘Dolly’, clonada a partir de células de um animal adulto, ficou marcado pelo alvoroço de questões éticas e jurídicas, que ainda hoje sobressaltam entre opiniões. A doutoranda em Sociologia no ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, Valéria Ferreira, indica três métodos de clonagem – “clonagem por cisão, clonagem por bipartição de embriões e clonagem por transferência nuclear somática”, esta última responsável pelo nascimento da ovelha

d.r.

‘Dolly’.

Vantagens e Riscos

A clonagem percorreu um longo caminho até aos dias de hoje. Contam-se inúmeras experiências falhadas em animais. O primeiro sucesso assinalado – ovelha ‘Dolly’ – viveu cerca de seis anos e morreu vítima de doença pulmonar. Outras tentativas acabaram em fracasso ou em nascimentos “com órgãos desproporcionados, placentas anormais, defeitos cardíacos, com problemas de gigantismo, problemas pulmonares e imunológicos, defeitos musculares e falhas na produção de leucócitos”, observa Valéria Ferreira. A doutoranda ressalta um dos problemas que afeta a generalidade da prática da clonagem. “A maioria dos clones morre no início da gestação e os animais clonados têm defeitos e anomalias semelhantes, independentemente da célula dadora ou da espécie”, esclarece. Restringindo a temática à clonagem humana, a doutoranda do ISCTE adverte que “a clonagem reprodutiva é uma técnica que permite criar uma criança geneticamente idêntica a um indivíduo já existente”. A técnica envolve a reprodução de células geneticamente idênticas, que não se destinam a ser implantadas no útero. O doutorando em Sociologia no ISCTE, Willame Carvalho, lembra que “em Portugal, o facto que marcou a história da clonagem foi o primeiro bovino clonado – Cloneta -, que nasceu a 24 de Março de 2009, na ilha da Terceira”. O projeto

A clonagem de seres humanos continua a agitar a opinião nacional e internacional foi desenvolvido pelo Grupo de Reprodução do Centro de Investigação e Tecnologias Agrárias do Departamento de Ciências Agrárias da Universidade dos Açores.

A procura da vida eterna

Atualmente, a comunidade científica encontra na clonagem humana a possibilidade para a cura de doenças, reprodução, realização de transplantes, renovação de espécies extintas e para questões ligadas à imortalidade. Entre um vasto leque

de contributos, são muitas as adversidades que se impõem. Willame Carvalho assegura que “há um grande risco em reduzir o material genético à condição de ‘coisa’. “Há também a questão da discriminação genética, onde a manipulação de células estaminais humanas e a intervenção em material genético ‘in vitro’ podem sofrer algum constrangimento por origem racial, de sexo, tamanho e formação”, acrescenta. “Será irrelevante para um ser humano ser geneticamente idêntico a outro, por decisão de

um terceiro e não possuir pais biológicos? Quem vai decidir o tipo ideal de ser humano que deve viver?”, interpela o doutorando. Estas são duas das inúmeras questões que o tema exalta. A procura da imortalidade é um caminho infinito. Como na obra ‘O Retrato de Dorian Gray’, de Oscar Wilde, a personagem principal enceta uma senda obsessiva pela vida eterna, também fora da ficção, esta procura inerente à condição humana vai ser sempre acompanhada da controvérsia sem respostas coincidentes.

Doutorando de biociências ganha estágio no Vietname O projeto do aluno de doutoramento de Biociências da UC ganha concurso internacional de aquacultura e garante estágio numa empresa no Vietname Camila Correia Ian Ezerin Com um projeto científico que visa reduzir os custos e o impacto ambiental da aquacultura, aumentando a produtividade, o doutorando João Rito conquista o prémio lançado a concurso

internacional. O concurso ficou a cargo da ‘World Aquaculture Society’ (WAS), em parceria com a multinacional norte-americana de aquacultura ‘NOVUS’. O estudo baseia-se “na análise do metabolismo dos peixes de aquacultura para um melhoramento das dietas”, afirma o investigador. O problema da dieta alimentar tradicional dos peixes de aquacultura relaciona-se com a proteína. O doutorando explica que “a proteína é o componente mais caro das dietas e, além disso, o seu metabolismo pelo peixe vai provocar uma libertação de amónia, composto tóxico, no ambiente”. O projeto testa a inclusão do

glicerol – composto orgânico que existe nas moléculas de gordura nas dietas dos peixes. João Rito explica: “com o glicerol, reduziríamos os custos e a poluição”. Acrescenta que o composto orgânico “tem a particularidade de não ter azoto na sua composição e, portanto, não libertar amónia”. O responsável do estudo explica que o glicerol vai competir com a proteína pela mesma via metabólica, reduzindo o metabolismo da proteína. Os biocombustíveis, como o biodiesel, surgem como um alternativa renovável e ambientalmente segura aos combustíveis fósseis. O glicerol é um dos principais subprodutos gerados pelo

biodiesel. João Rito assegura: “resolvemos também um problema da indústria do biodiesel, ao darmos um destino a pelo menos parte desse glicerol que é perdido”. Apesar de os testes mostrarem que “os peixes aceitam perfeitamente o glicerol”, o doutorando faz questão de ressaltar que “mesmo substituindo pequenas percentagens da proteína por glicerol, pode resultar um efeito negativo”, uma vez que “se não tiverem proteína, não crescem, porque a proteína é a estrutura do peixe”. O estágio atribuído ao investigador vai ter lugar na ‘NOVUS Aqua Research Center’, na cida-

de de Ho Chi Minh, Vietname, e é um dos maiores centros de investigação do mundo na área de aquacultura. Com data marcada para junho, o estágio tem a duração de quatro semanas, e vai permitir ao doutorando trabalhar sobre um projeto que já começou a ser desenvolvido no centro de investigação de Ho Chi Minh. No contexto atual, João Rito assegura a necessidade de “explorar a aquacultura o mais rapidamente possível”. Sob a ótica do desenvolvimento sustentável, o doutorando levanta a problemática: “o mundo ainda pesca mais do que cultiva”.“A população mundial está a crescer e os ‘stocks’ vão acabar nos oceanos”, deixa o alerta.


30 de abril de 2013 | Terça-feira | a

cabra | 15

CIÊNCIA & TECNOLOGIA As TIC nas relações interpessoais

Realidades paralelas A tecnologia trouxe inúmeras potencialidades à condição da vida humana. Vivemos, hoje, numa ‘Aldeia Global’, onde os cantos mais longínquos do mundo se aproximam e muitas relações interpessoais se fragmentam. Por Inês Martins, Juliana Pereira e Carolina Varela

A

década de 1960 viu nascer o conceito de ‘Aldeia Global’, traçado por Marshall McLuhan. Sob o signo da evolução das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC), o filósofo canadiano retratava um mundo cada vez mais interligado, onde as fronteiras se esbatiam com o ligar da televisão. Trinta anos mais tarde surgia a ‘World Wide Web’ (WWW), pelas mãos de Tim Berners-Lee - estava traçado o caminho para a comunicação instantânea, que edifica o mundo onde hoje vivemos. Nos dias que correm, imaginar o mundo sem tecnologia é, para a maioria, uma ideia inconcebível. Segundo o ‘Inquérito à Utilização das TIC pelas Famílias’, realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2012, 61 por cento dos lares portugueses têm acesso à internet. Os valores aumentam para 95 por cento quando o público-alvo se restringe a jovens entre os dez e os quinze anos. O professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e investigador do Centro de Estudos Sociais (CES), Carlos Fortuna, não hesita: “as tecnologias projetam-nos para fora de nós próprios, amplificam e anunciam a nossa presença”. Os dados revelados pelo INE mostram que 84 por cento dos jovens utilizam a internet em

atividades relacionadas com a comunicação, como por exemplo, ‘chats’, redes sociais, ‘blogs’, fóruns de discussão ‘online’ e mensagens escritas em tempo real. Esta é a segunda justificação mais citada para o uso da internet, logo depois da pesquisa de informação para trabalhos. Carlos Fortuna lembra que “a comunicação sempre foi um ato de ligação e desligamento”. O investigador assegura que “o que vemos hoje é, cada vez mais, a acentuação desta tendência”. O mundo da comunicação vive um paradoxo. Com o desenvolvimento exponencial da tecnologia, a ‘Aldeia Global’, de McLuhan, gera um contra efeito – aproxima quem está longe e substitui, muitas vezes, a interação pessoal. A professora de Psicologia das Organizações da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC), Leonor Cardoso, explica que face à diminuição do contacto pessoal, “as pessoas passam a ter muita dificuldade na interação social e as competências [comunicacionais] deixam de se desenvolver”.

(In)competências

O modo de utilização das tecnologias reflete-se na qualidade das relações interpessoais que se estabelecem a todos os níveis.

A professora de Psicologia Social da FPCEUC, Lisete Mónico, adverte que “o problema está na utilização indiscriminada e indisciplinada [da tecnologia], que vai interferir nas relações interpessoais”. A psicóloga social explica que existem quatro fundamentos determinantes no estabelecimento de relações interpessoais - “a familiaridade, a reciprocidade, a beleza exterior e a proximidade física”. Sob uma falsa sensação de segurança e uma fácil manipulação de dados e atributos, a internet veio abalar estes princípios. Lisete Mónico observa que “as pessoas não têm que enfrentar, nem olhar nos olhos, criam o seu mundo imaginário e um perfil ideal e a internet torna-se um refúgio”. O mau desenvolvimento das competências sociais constitui umas das vicissitudes que mais prejudica o desempenho a nível organizacional. Leonor Cardoso ressalta que “muito do que as pessoas precisam para trabalhar é conhecimento de natureza tácita, que só acontece com a capacidade de utilizar uma linguagem que é coletivamente construída e partilhada, a níveis que a tecnologia não possibilita”. A psicóloga organizacional reforça que “as pessoas que crescem com a vida muito montada em interações mediadas pela tecnologia acabam por ter

problemas mais tarde”.

Extensões humanas

O vício é um perigo eminente quando aliamos a procura de relações interpessoais significativas às tecnologias. “A pessoa está no conforto do seu lar e foge para ter uma realidade virtual, o que acaba por tocar a fantasia - esse é o grande perigo, sobretudo para as crianças e adolescentes de agora”, alerta Lisete Mónico. “As pessoas atuam de acordo com aquilo que esperam poder alcançar. Inventam-se e reinventam-se nos seus traços identitários e de personalidade, entrando deliberadamente e hoje com muita facilidade, num jogo de substituições”, determina Carlos Fortuna. O investigador do CES olha para a tecnologia como extensões do ser humano. “As tecnologias fazem parte do nosso corpo, são uma prótese que acrescentamos e um convite à invenção da nossa condição”, acredita o sociólogo, que não hesita ao dizer que esta circunstância “faz de nós um ‘cyborg’, que já não reage apenas como humano, mas faz escolhas muito relacionadas com este acrescento de identidade”.

Perigos disfarçados

Lisete Mónico remata que “todas as pessoas têm uma ansiedade social”, que muitas vezes tentam

colmatar virtualmente, a fim de evitar a exposição e lidar com sentimentos como a frustração. “Esta realidade pode passar de um simples fator positivo para um refúgio, daí para um isolamento e depois para um vício que se torna num desperdício de vida”, salienta. A professora da FPCEUC alerta ainda para problemas que possam ser acentuados por uma utilização desregrada das tecnologias, como a fobia e a alienação sociais e comportamentos depressivos. Os jovens são o público-alvo que merece mais atenção na análise da utilização da tecnologia, incluindo-se no grupo de utilizadores mais frequentes e suscetíveis. Na opinião de Lisete Mónico, “os pais assumem um papel fulcral no controlo desta utilização”. A psicóloga social assevera que “os pais não devem proibir os filhos de utilizar a internet, devem alertá-los para os perigos, educá-los para uma boa utilização dos recursos e monitorizá-los”. Leonor Cardoso conclui que “a sociedade muda e os cientistas, os investigadores e os técnicos colocam ao dispor meios que facilitam a vida das pessoas, sejam computadores, micro-ondas, ou carros, o que é essencial é que as famílias saibam o que é nuclear e utilizem a tecnologia de forma saudável e funcional”.

ilustração por Julien Pacaud - www.julienpacaud.com


16 | a cabra | 30 de abril de 2013 | Terça-feira

país

António Barreto • presidente da fundação Francisco Manuel dos Santos

DANIEL ALVES DA SILVA

“A CRP é uma constituição disparatada”

António Cardoso Ana Morais “Os jovens terão futuro em Portugal?” – uma das questões mais refletidas pelas novas gerações - foi debatida, no passado dia 9 de abril em Coimbra, numa iniciativa organizada pela Sociedade de Debates da Universidade de Coimbra e a Fundação Francisco Manuel dos Santos. Com o objetivo de encerrar a sessão, António Barreto, convergiu as ideias para responder à grande incerteza do futuro dos jovens. A resposta não é definitiva, mas sim um incentivo a mais debate. O sociólogo respondeu a algumas questões, e não se inibiu a duras críticas à Constituição da República Portuguesa (CRP) e aos últimos executivos. Já há algum tempo que defende uma revisão da CRP. Porquê Há dez anos que defendo isso firmemente. A CRP devia ser simplificada, e uma das questões essenciais da mudança da constituição é dar a cada geração o direito de ter a sua. Isto é, se um governo ou uma maioria parlamentar entende que não deve haver escolaridade obrigatória, então não haverá, se entender que não, não é a constituição que

deve proibir programas sociais e económicos. A população tem o direito de definir a qualquer altura os programas sociais, as instituições sociais, económicas e políticas nas quais quer viver. E que entidades participariam nessa revisão? Devia haver durante um, dois, ou três anos de reflexão serena. E devia haver uma iniciativa do parlamento, que constituísse as comissões, os grupos de trabalho necessários; também os partidos políticos que, no parlamento ou fora dele, deviam também aprofundar o seu trabalho; deveria haver uma iniciativa também do Presidente da República… Deveria existir um esforço convergente durante dois ou três anos no sentido de esclarecer e clarificar o modo como a CRP pode ser revista. Como encarou o recente chumbo do Tribunal Constitucional (TC) de quatro artigos do Orçamento do Estado para 2013 (OE2013), justificando-o com princípios da CRP? Há uma sucessão de erros e uma sucessão de asneiras. Primeiro, o Governo sabia que estava a calcar a constituição formal quando fez o OE2013 e critico que o Governo tenha feito isso. Em segundo lugar, penso que é bom que no país o TC tenha poderes reais e

possa emitir de vez em quando alertas ao Governo, mas, ao mesmo tempo pela leitura que fiz do acórdão e dos considerandos e do TC, penso que o Tribunal está a ultrapassar as suas competências estritamente jurídicas e constitucionais. Está a divagar muitíssimo em matérias de programas políticos, sociais e económicos. O Governo cometeu erros, o TC ultrapassou as suas competências. O Governo não devia ter feito certos acordos conforme fez, mas de qualquer maneira é bom que o TC exerça o seu mandato. Mas indo mais atrás, a CRP é uma constituição disparatada, é de tal maneira ‘prenha’ de considerações sociais, económicas, políticas o que vai dar lugar a isto e a muito mais. Vamos ter ainda mais problemas, mais sarilhos com a CRP, porque a constituição é excessivamente social, política e programática. A reação do executivo não foi cordial. Ainda assim, considera que os tribunais deveriam prestar uma maior atenção à atividade governativa? Os tribunais têm que reagir, não podem tomar uma iniciativa própria, têm que reagir a quem apresenta casos, a quem apresenta queixas, a quem apresenta processos. Portanto, se a sociedade apresentar queixas, os tribunais devem-se exprimir sobre isso.

Agora não é bloquear a ação do Governo, é sim intervir em casos de corrupção, promiscuidade, projetos políticos. Os tribunais devem intervir, mas devem intervir a pedido dos cidadãos, não podem ser proativos. Não compete a um tribunal tomar iniciativas de investigação sobre o que lhe apetecer ou sobre o que entender, ou então estamos a dar aos tribunais um papel de pura intervenção política. Referiu numa entrevista ao Jornal I, em janeiro deste ano, o desejo de haver “uma alteração importante no modo como as autoridades, as forças políticas, as forças sociais, a população e os jornais encaram a discussão dos nossos problemas políticos, económicos e financeiros”. Quatro meses volvidos, já encontra alguma alteração? As forças políticas portuguesas, as partidárias sobretudo, estão a discutir os problemas políticos nacionais como se fossem armas de arremesso. Eu atiro-te o desemprego, tu atiras-me a dívida, eu atiro-te a taxa de juro… Isto não pode ser assim, há um momento adverso no parlamento, em que os partidos políticos discutem o que têm a discutir. Mas deve haver um momento de cooperação e de colaboração. E os partidos políticos portugueses não sabem

cooperar e não sabem colaborar. Gostaria que o parlamento fosse uma assembleia mais serena e não aquele permanente “forrobodó” de gritarias e de berrarias. O último Governo de Sócrates foi um disparate, um erro total e este Governo de coligação foi um novo erro. Há quatro anos que precisamos de ter uma maioria estável que dure quatro anos para evitar o que aconteceu em Portugal. Não é desta maneira puramente adversa, concorrencial, competitiva e de pequenas traiçõezinhas que os partidos fazem uns aos outros. Isso é que gostaria que mudasse um dia. Mas já não é para a minha geração, infelizmente. Deslocou-se a Coimbra para uma conferência da Fundação Francisco Manuel dos Santos, da qual é presidente do Conselho de Administração, intitulada “Os jovens terão futuro em Portugal?”. Quais as respostas que saem deste tipo de debates? Nenhuma. A não ser as pessoas falarem o que têm para dizer. A única solução, a única proposta é: juntem-se, falem, discutam, debatam os vossos problemas, incluindo os que são diferentes e opostos uns aos outros, digam tudo o que têm a dizer. Se vivermos num país onde todos dizem tudo o que têm a dizer, garanto que encontraremos mais soluções para os problemas.


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mundo

d.r.

‘Offshore’ Leaks

Outra janela indiscreta para o alerta global A investigação do “International Consortium of Investigative Journalists” (ICIJ) – Offshore Leaks - pretende romper com o obscurantismo do secretismofinanceiro. Por Pedro Martins e Gonçalo Mota

“O

caso Monte Branco, agora em investigação, é sobre a transferência de fundos para a Suíça, que é conhecida por o nível de secretismo ser muito grande”, afirma o investigador do Centro do de Estudos Sociais (CES), Nuno Teles, numa referência a um dos casos recentes que envolveram a transferência de dinheiro para centros ‘offshore’. Caracterizados pelo sigilo bancário, na maioria dos casos, e pelo ausência de impostos sobre os rendimentos que nele são depositados, os centros ‘offshore’ têm sido o destino mais frequente para o dinheiro vindo de diversas fontes. Muitas vezes esses rendimentos provêm de fontes, mas noutros resultam apenas de um objetivo de redução de custos. O investigador do CES utiliza como o exemplo o nosso próprio ‘offshore’, a Madeira, no qual “existem muitas empresas, mas que são sobretudo escritórios de advogados que representam várias empresas em simultânea”, sendo as mais-valias económicas para os madeirenses insignificantes. Como destino para o dinheiro de diversos milionários espalhados por todo o mundo, os ‘offshores’ movimentam milhões diariamente. “Aproximadamente metade do comércio mundial e 30 por cento da riqueza mundial circula nestes circuitos, o que afecta toda a gente”, reitera Gerald Ryle, director do Consórcio Internacional para o Jornalismo de Investigação (ICIJ), a instituição responsável pelo despoletar do caso Offshore Leaks. Os riscos inerentes a esta fuga de capitais são referidos pelo investigador do CES. “Os estados que dantes tinham uma receita fiscal deixam de a ter. Logo os constrangimentos financeiros das receitas que um estado tem que suportar são maiores, e isso tem efeito nos tipos de serviços que podem ser prestados”, reitera Nuno Teles. A reacção da sociedade perante esta tendência tem sido menos pacífica do que é esperado. “Uns são livres de taxação enquanto outros não. Isto gera muita raiva no setor público”, afirma o diretor do ICIJ.

Uma investigação global

O Offshore Leaks parte de uma investigação conduzida pelo ICIJ que é, como explica o diretor, “uma organização com 160 membros em mais de 60 países” que “colaboram e cooperam em reportagens investigativas entre fronteiras”. A investigação deste caso não é de agora, tendo começado “há alguns anos atrás na Austrália”, refere Gerard Ryle que afirma que nessa altura se deparou “com aproximadamente 2,5 milhões de ficheiros sobre o mundo dos ‘offshores’”. Há cerca de 15 meses atrás, a investigação tornou-se global, envolvendo grande parte do ICIJ, e mesmo alguns “grandes jornais internacionais, tais como o «Le Monde» ou «Washington Post»”, refere o Jornalista do Expresso, Hugo Franco. O mesmo explica que a investigação do Offshore Leaks, conta com “registos sobre contas secretas, transferências de dinheiro e ligações entre empresas e indivíduos”. Resumindo, estamos perante “120 mil contas secretas em paraísos fiscais e bancos, que envolvem na sua génese “cidadãos de mais de 170 países”, remata Hugo Franco. A lista de personalidades envolvidas neste escândalo inclui chefes de estado e de governo e presidentes de empresas públicas de diversos países conhecidos pela sua falta de democracia, como o vice-primeiro-ministro russo, Igor Shuvalov, ou a filha do antigo ditador filipino Ferdinando Marcos. “Os ‘offshores’ acabam por ser uma forma de lavagem do dinheiro proveniente de corrupção, negócios ilegais, tráfico de droga, armas que é canalizado”, afirma o investigador do CES. O envolvimento de personalidades portuguesas oriundas do mundo dos negócios também não é posto de parte por Nuno Teles, que acrescenta “ter certeza que há portugueses com contas em centros ‘offshore’, sobretudo nas Ilhas Virgens Britânicas”. Essa mesma hipótese é avançada por Gerald Ryle, que assevera que “havia alguns nomes portugueses envolvidos, porém nem todos os nomes eram referentes a personalidades

Exemplo de um ‘offshore’ português é o Arquipélago da Madeira públicas”. A possibilidade de publicar esses mesmos nomes na imprensa portuguesa é proposta pelo director do ICIJ, que revela que “se encontra em negociações com vista à publicação dessas informações”.

“Uma maior transparência”

A investigação do Offshore Leaks irá ter à partida consequências. Havendo diferenças na análise que se faz das mesmas, parece haver consenso no que toca ao alerta transmitido. Como refere Nuno Teles este caso pode vir a trazer “uma maior transparência” sobre o mundo das transações financeiras, na medida em que se “identificam pessoas”. O mesmo considera que é a complexidade dos ‘offshores’ que “determina que os paraísos fiscais sejam uma realidade muito distante” e portanto é “mais difícil as pessoas engajarem-se politicamente para tentar combatê-las”. Outra consequência que poderá surgir, e que é assumida pelo Diretor do ICIJ, prende-se com o desmascarar das desigualdades marcantes que os ‘offshores’ promovem, na medida em que este sistema finan-

ceiro promove a livre taxação de uns e a ausência da mesma sobre os outros. É o velho caso de sermos todos iguais, porém uns mais iguais do que outros. Facto que é agravado principalmente se se tiver em conta os tempos de crise que se vivem. No que toca aos efeitos que esta investigação poderá vir a ter diretamente sobre os ‘offshores’, Gerald Ryle assume que isso estará envolto num panorama mais político do que jornalístico. No entanto, considera que o ICIJ foi capaz de atacar o “offshore” onde lhe dói mais, no secretismo. E sendo o secretismo uma peça basilar no obscurantismo financeiro, esta investigação surge no sentido de contrariar isso mesmo. Porque afinal, e como esclarece o diretor da ICIJ, de que forma “se poderá vender secretismo, quando esse secretismo deixou de existir”? Para o cronista do Esquerda. Net, Luís Branco, o cenário é mais “animador”. Isto, porque para além deste caso ter já tido consequências ao nível do debate francês sobre a fraude fiscal fez com que “outros países prometessem investigar os casos trazidos a lume”.

No que toca à exposição mediática que este caso está a ter algumas questões se podem colocar. É um facto inegável que diversas empresas de comunicação social têm capitais investidos em ‘offshores’ e que até ao momento não tem havido muita informação disponibilizada ao público em geral. Neste sentido, a dúvida que fica é de que forma esta relação poderá influenciar a transparência dos órgãos de comunicação social, que Luís Branco considera ser “essencial ao funcionamento da democracia”. Quando questionado sobre esta temática, o diretor do ICIJ considera que estamos perante uma investigação embrionária, tendo apenas sido analisados “30 por cento dos dados”. Para além disto, o mesmo lembra que “dado a escala internacional desta investigação é difícil que possa acontecer qualquer tipo de retenção ou manipulação de informação”, opinião que é partilhada por Luís Branco. No caso de Portugal, Nuno Teles admite que “o facto de não terem sido lançados nomes portugueses determinou um menor impacto nos órgãos de comunicação nacionais”.


18 | a cabra | 30 de abril de 2013 | Terça-feira

cinema

artes

Amantes “OsPassageiros ” De Pedro Almodóvar Com Antonio Banderas Penélope Cruz Javier Cámara 2013

ChungAir

ver

crítica de joão terêncio

D

e Pedro Almodóvar pode dizer-se que não tem um título menos conseguido, numa já extensíssima filmografia. No geral, os últimos títulos espelhavam um momento especialmente conseguido da sua carreira: intrincado, a espaços autobiográfico e depurado na sua linguagem. Há momentos, contudo, em que é preciso quebrar o ciclo. Fazer uma pausa, dar um passo atrás (ou ao lado) para ganhar fôlego e seguir em frente. Aconteceu com os irmãos Cohen, para citar um exemplo recente, em “Destruir depois de ler” - comédia tresloucada que deu espaço para o germinar de “Indomável” ou “Este país não é para velhos”. Ocorre ainda no universo da música, quando um disco vem a ser demasiado bem sucedido e se aposta, no seu seguimento, num registo conceptual para sacudir a pressão e deixar a poeira assentar. “Amantes passageiros” é esse momento para Almodóvar, e a primeira comédia em 25 anos para o

cineasta espanhol, um dos mais sólidos da cinematografia mundial. É um regresso à estética do início da sua carreira mas também uma sátira a imagem que o público tem dele e da cultura a que é suposto pertencer. Em traços largos, a acção decorre a bordo de um voo que tem como destino o México -mas onde nunca chegará, devido a problemas no trem de aterragem. O espaço é o da classe executiva, onde passageiros o mais heterogéneos possível (há videntes, actores, ‘dominatrixes’…) interagem entre si e com a equipa de tripulantes masculina com mais estrogénio de que há memória. Junte-se a isso um ‘cocktail’ “minado” e espere-se pelo fogo de artifício. Num recente artigo que escreveu para a revista Tribe, o realizador assume a paixão pelo descontrolo e excesso que caracteriza a escola de representação mediterrânica tudo isso é explícito no voo 2954 da companhia Península. Os cli-

chés sucedem-se: o universo gay, repleto de maneirismos, os ‘décors’ de cores saturadas, o amor pela década de oitenta e os musicais chunga (“I’m so excited”, das Pointer Sisters não podia surpreender menos, e até dá título ao filme no circuito internacional). Há ainda mulheres fortes e homens impulsivos e irracionais. O elenco conta com caras familiares em Almodóvar como Cecília Roth e Lola Dueñas, que parece pronta para a passagem do testemunho. O cineasta assume que encarou as filmagens como se de uma peça de teatro se tratasse, por habitar quase só um espaço. Pena é que a filosofia ‘low-cost’ se estenda ao argumento (o episódio mais bem conseguido até decorre em terra, a estória do actor Ricardo Galán). Numa daquelas listas de final de ano, Pedro Almodóvar incluiu os portugueses The Gift nos seus preferidos de 2012. Estranhamos, mas não levamos a mal. Desde seja como no título, passageiro.

M, O Vampiro de Dusseldorf”

E

stamos no início dos anos 30, o pós-guerra na Alemanha trouxe graves problemas de funcionamento à sociedade, vive-se o advento do período nazi. Enquanto isso, em Düsseldorf, Peter Kürten aterroriza a população com crimes hediondos. É com base nos crimes de Peter Kürten, que viria a ser capturado e posteriormente executado na guilhotina, que Fritz Lang cria um dos seus filmes mais marcantes e inovadores. “Matou” não é um simples policial, mas o retrato de uma Alemanha decadente e uma análise do comportamento superficial do ser humano em geral. Peter Lorre, cuja interpretação sublime lhe valeria um trabalho com Hitch-

cock, encarna o papel de Hans Beckert, um introvertido citadino cujos horrendos flagelos passam despercebidos por aqueles que o rodeiam. O percurso sangrento de Hans acaba eventualmente por chegar a um fim. Com a polícia a fechar o cerco, o homem acaba por ser apanhado pela complexa rede de informadores do crime organizado, que havia montado a sua própria caça ao homem. Fritz Lang serve-se de uma série de técnicas interessantes, como o importante uso dos reflexos nas montras das lojas e toda a banda sonora obscura que acompanha o filme, sem esquecer o icónico e ainda assustador assobio do assassino de crianças. O incontrolável impulso homi-

cida de Hans Beckert é exposto de forma crua num intenso monólogo no final da película, que não deixa de emocionar. Dá-se o contraste entre um homem perturbado e uma sociedade de preconceitos e receios, que encontra na loucura de um indivíduo um bode expiatório para a causa dos seus próprios desequilíbrios. Considerada pelo próprio Fritz Lang como a sua melhor obra, “Matou” chega-nos como parte de uma restauração efetuada pelo ‘EYE FilmInstituteNetherlands’ em 2000, numa versão de 110 minutos, menos sete minutos do que aquela apresenta na estreia de 1931, mas maior do que as versões de 98 minutos que circularam durante o século pedro trigueiros XX.

filme

De Fritz Lang editora

Dvd origens do cine/divisa 1931

Artigo disponível na:

M: um assassino entre nós


30 de abril de 2013 | Terça-feira | a

cabra | 19

feitas

ouvir

ler

relevnt​.​b​/​sde _ LP. (s/r, 2013)”

“D

e uma forma estranha, Knxwledge abre um pouco Máquina de mais as portas ao ‘underground’ fazer ‘loops’ pouco profundo da internet. Um espelho de uma cidade num disco de loops para girar a noite inteira.” Esta crítica não vem sem um engano. Não um reparo, mas um engano. Geográfico, coisa pouca, mas que para o disco em questão vem tão ao caso como julgar-se que se vai falar de hip-hop quando quase devíamos falar de jazz. Knxwledge, prolífero produtor/master-looper/DJ/, chega-se à frente com relevnt​.​b​ /​ sde_LP., novo compêndio de ‘loops’ que são o espelho da sua De cidade de origem – Filadélfia. De Knxwledge Na fusão do jazz com hip-hop dos The Roots, mas principalEditora mente na espacialidade da soul All City Records de Filadélfia (ouça-se “War of the Gods” de Billy Paul). 2013 É este ‘background’ – que Knxwledge parece conhecer de cor - que o ajuda a distinguir-se, ao criar um estilo que, por vezes, roça a reinterpretação da história do som de Filadélfia. A isto junta-se-lhe a execução de batidas tão ideais quanto disfuncionais – a síncope rítmica quase embriagada de J Dilla a influenciar uma nova geração de produtores. A sorte, até ver, é que Knxwledge está a passar ao lado de um fenómeno de ritmo encabeçado por FLy Lo e Gaslamp Killer, mantendo-se no “gangster-samba” (entenda-se samba como uma alternativa à rigidez e métrica quase obrigatória do 4/4) e explorando uma versão mais “underground” e crua dos ritmos que se fazem sentir na soalheira L.A. Louve-se, por fim, a frequência com que Knxwledge mantém o seu Bandcamp preenchido com discos disponíveis na íntegra. À média de um por mês, os álbuns sucedem-se com ‘loops’ para todos os gostos, humores e apetites. No fundo, como se apregoa em ‘gettinkake’, este disco é puro “fuckin’ real chill, niggas’”.

J O amor de um louco

De Junichiro Tanizaki Editora Relógio D’Água 1947

José miguel silva

“Miyazaki tinha razão”

guerra das cabras A evitar Fraco Podia ser pior Vale a pena A Cabra aconselha A Cabra d’Ouro

Artigos disponíveis na:

unichiro Tanizaki é reconhecido em todo o mundo como um dos maiores escritores japoneses do século que passou. Para além de uma vasta obra literária, colaborou em inúmeros guiões para cinema, o que teve uma influência determinante na sua escrita. Enquanto jovem, Tanizaki foi profundamente influenciado pela cultura ocidental, e esse é um dos temas fulcrais da sua obra, particularmente em “Naomi”. “Naomi” é o título do livro e o nome da personagem pela qual o narrador está obcecado. E é por aqui que começo: obcecado, entendido à letra, significa cego, como o amor que os antigos representavam vendado. Quanto ao nome próprio Naomi, significa em japonês “Amor de um Louco”, e actua como um sortilégio sobre o homem que narra esta história. O narrador, Joji ou “Sr. Kawai”, é um engenheiro de 28 anos proveniente das classes altas do antigo Japão. Um dia, que poderia ser igual a tantos outros dias de uma vida pacata, conhece uma menina de quinze anos que trabalha como recepcionista de um lugar chamado Café Diamante. Até aí, Joji vivia entre a pensão, onde alugara um quarto, e o escritório da sua empresa, com uma ou outra ida ao cinema ou ao café. Até que: “pus os olhos numa criança como aquela, mas é possível que inicialmente tenha sido atraído pelo seu nome.” Este primeiro olhar e o soar de

jogar

Plataforma Disponíveis PS3 Editora Kojima Studios/Platinum 2013

P

Naomi”

um nome são o ponto de partida para a história de amor entre Joji e Naomi. O livro pretende ser a descrição tão franca quanto possível dos sete anos de casamento, uma relação “sem precedentes” no mundo tradicional que o rodeava, no entender de Joji. A narração vai conduzir-nos por uma época em que o Japão tradicional se viu confrontado com um avanço maciço da cultura do ocidente e em que o cinema teve um papel determinante. As estrelas de cinema exerciam um fascínio capaz de cegar e Naomi encarna um confronto lancinante entre a beleza feminina de pendor japonês, que a protagonista despreza, e a beleza ocidental que venera, tendo como modelos as actrizes do cinema americano. As suas feições são parecidas com as da actriz americana Mary Pickford, o que muito a lisonjeia, e a obsessão por esse rosto e a beleza que ele emana, arrastarão consigo Joji. É através de uma escrita minuciosa e de um forte poder evocador dos sentidos que o narrador vai desatando os fios de uma paixão ardente e a certa altura o leitor já não saberá quem é o louco deste amor. Para além do relato da atormentada relação conjugal entre Joji e Naomi, o livro funciona como uma subtil reflexão acerca da mudança decisiva que a sociedade japonesa atravessou depois da Primeira Guerra Mundial e se veio a consumar ao longo do século. bruno cabral

Ni No Kuni – Wrath of the White Witch”

ara nós, os estúdios Ghibli são a grande referência mundial no campo da animação, com as obras de Miyazaki e Takahata a alcançarem um plano superior face à concorrência dos seus equivalentes ocidentais. Foi por isso com grande antecipação que recebemos a notícia do envolvimento dos estúdios na produção de um artefacto videolúdico. Movimento inaudito, não só por teremum historial conturbado de adaptações a videojogos,como pelo facto do próprio Miyazaki ter expressado, sucessivas vezes no passado, o seu desdém pelo meio. Infelizmente, o detentor da honra dessa colaboração era a Level-5, o estúdio nipónico identificado pela produção de RPG’s de segunda como “Dark Cloud”ou os puzzles didácticos de“Professor Layton”… dificilmente um par à altura do desafio de adaptação da visão da Ghibli. O resultado, “Ni No Kuni”, é assim uma enorme contradição: de um lado tem alguma da sensibilidade humana e espiritual da melhor arte japonesa, e do outro temumjogoderivativo e oportunistavindo de um estúdio orientado para a produção industrial de obras infanto-juvenis. O fundo temático e a brilhante

arte conceptual da Ghibli merecem a mais cuidada das apreciações, e a deliciosa banda sonora de Joe Hisaishi, apesar de não igualaras suas grandes composições, facilmente entra no domínio das melhores do género J-RPG. Só quea Level-5 apenastraduziuestas dimensões num plano iminentemente superficial,no processointroduzindo -na minúcia visual, na narrativa e no desenho lúdico - o tom infantil e sacarino que caracteriza os piores videojogos nipónicos. A elegância e sofisticação que caracterizam os melhores contos infantis requereria artistas dignos desse nome, capazes de entender que há algo mais em “Chihiro” que cor e brilho e forma, e como na Level-5 nunca tiveram essa alma, são incapazes de areplicar. Assim, debaixo da gloriosa tinta digital, apenas vive mais umJ-RPGcom enredo de fantasia genérico, ersatz de “Dragon Quest” e “Pokemon”, e que ainda por cima se estende ao longo de 40 morosas horas repletas de combate fastidioso. Daí, écom pesar que reconhecemos Miyazaki tinha razão: nem a Ghibli conseguiria oferecer algo capaz de elevar o caldo videolúdico ao patamar da sua arte. rui craveirinha


20 | a cabra | 30 de abril de 2013 | Terça-feira

soltas Cartas açorianas

critic’arte

Os açorianos são portugueses, mas também são do resto do mundo. O arquipélago é terra de emigrantes que foram para os quatro cantos do planeta. Longe de casa, trocam cartas com a família e amores distantes. É nesse universo que nasceu o espetáculo teatral “360 - Azorean Torpor”, que esteve em cartaz no TAGV entre os dias 26 e 27 de abril. O foco nas histórias e cultura açoriana inseriu-se na temática da XV Semana Cultural da Universidade de Coimbra, que terá várias atividades culturais até o dia 1 de maio. O espetáculo, concebido e criado por Marta Félix e Ricardo Vaz, foi construído a partir de diversas correspondências trocadas entre residentes dos Açores e seus familiares e amigos que emigraram. Esses documentos foram reunidos pelos atores em São Miguel, uma das ilhas do arquipélago. Durante um mês vivenciaram o quotidiano de quem vive isolado do continente. O resultado desse trabalho de campo artístico é um espetáculo diversificado, que mostra de maneira subjetiva e heterogénea facetas da cultura açoriana, a partir das palavras de quem lá ficou e de quem partiu. Não há ordem cronológica em palco: algumas das cartas lidas no espetáculo - reais, embora modificadas com objetivos artísticos - são do século XIX. Mas isso não impede que logo em seguida seja uma história dos anos 80, ou do ano passado que apareçam em cena. Essa série de pequenos eventos separados pelo tempo mostram que, independentemente da época, permanecem as saudades de quem se foi. A peça tem autoria da mais recente companhia de teatro de Coimbra, o teatro toitoi, fundada este ano pelos próprios criadores da peça. O grupo está a mostrar que há sempre muita para se descobrir sobre o passado - e o presente - de Portugal. Por Stephanie D’Ornelas d.r.

30 ABR

Pique Dame Música das Artes • 22h

Casa S/ informação

de preço

4 5 e

MAI

“Ritos e Rastos” Dança OMT • 21h30 5€ C/Descontos

1

MAI

“Linha do Horizonte” Performance Parque Verde do Mondego 11h00, 15h00 e 17h00 3€

4

MAI

António Olaio & João Taborda Música TAGV • 21h30 7€ C/Descontos

uma ideia para o ensino superior José Torres Farinha • Professor Coordenador do Instituto Superior de Engenharia de Coimbra

Racionalizar ou Agonizar

E

m Portugal, as instituições de ensino superior públicas, privadas, militares e policiais, e concordatárias, perfazem um total de 105; são 26 os Laboratórios Associados e 378 as Unidades de Investigação e Desenvolvimento. No global, estas entidades totalizam 483 unidades. O crescimento médio anual de publicações científicas em Portugal tem sido muito elevado, mais do dobro dos países da União Europeia (EU), e mais do quíntuplo da média da UE. Contudo, a situação de Portugal no quadro da EU-25 é a seguinte: Drivers de Inovação - 24º lugar; Criação de Conhecimento - 22º lugar; Inovação & Empreendedorismo - 8º lugar; Aplicação - 19º lugar; Propriedade Intelectual - 22º lugar. Os dados precedentes levam-nos a reflectir sobre a coerência do sistema de ensino superior e investigação nacional, face à aparente contradição entre resultados e dimensão. Para além destes aspectos há ainda que destacar o dilema do sistema binário versus unário. De facto, actualmente constata-se que, após mais de três décadas de implantação desta solução, em ambos os sub-sistemas se encontram nichos de excelência em áreas científicas diversas que, se reanalisadas numa perspectiva da racionalização do sistema levaria ao desenho de um novo mapa que privilegiaria a optimização de recursos de forma a potenciar o me-

lhor do conhecimento criado. Este exercício terá que ser feito em complementaridade com a oferta de cursos que, sem terem que obedecer apenas a uma lógica de mercado, carecem de uma urgente reflexão face ao gritante desequilíbrio entre a oferta e a procura nalgumas áreas de conhecimento. Estas questões devem ainda ser conjugadas com outras que aqui sumarizo parcialmente: definição do número mínimo de alunos por curso/área científica, baseado em critérios pedagógicos e científicos; racionalização de recursos de Investigação e Desenvolvimento; Carreira docente; Política de parcerias internacionais versus perspectiva estratégica nacional. Importa ainda mencionar as questões inerentes à regulação do sistema de ensino superior nacional, que devem enfatizar a autonomia universitária, a liberdade de criação, mas com uma regulação efectiva que impeça a desvirtuação constante do sistema, tal como, recorrentemente a comunicação social denuncia.

14

3

“O Mistério de Oberwald”

“Se não for sexual, esta não é a minha Revolução!”

Cinema AMSCAV • 21h30 1€ C/ Descontos

MAI

MAI

Leituras Ateneu • 22h00 entrada livre

15 16 e

6 MAI

“Fausto”

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“Novos Criadores/Novos Rumores 2013” Dança TAGV • 21h30 5€ C/ Descontos

Cinema TAGV • 21h30 4€ C/Descontos

18 MAI

“O Amargo Santo da Purificação” Teatro Páteo das Escolas 19h00 • 5€ C/Descontos

A liberdade e autonomia de gestão tem que dar confiança de justiça a todos quantos contribuem para o engrandecimento do ensino superior nacional. É nesta perspectiva que não se compreende como é que algumas instituições de ensino superior mais parecem agências de emprego para familiares e correligionários, do que centros de produção e difusão de saber – as instituições devem privilegiar a meritocracia, aos mais elevados níveis internacionais de referência, numa perspectiva pró-activa e motivadora para todos o s que dão o seu empenhado e esforçado contributo, acreditando que é por esta via que o país conseguirá níveis de credibilidade e competitividade internacionais no seio dos países mais desenvolvidos do mundo.

d.r.

cultura por

1

até

MAI

“Aquário” Teatro CITAC 21h45 • 3€


30 de abril de 2013 | Terça-feira | a

cabra | 21

soltas

micro-conto

Por Tiago Salazar ilustração por carolina campos

fúria de Adolfo no auge, as cabeças dos gémeos pareciam dois espigões de vespa a fulminarem os ares, ou duas lâminas de sabre num combate de espadachins. Como os filhos não parassem o duelo nem com a promessa de duas bolas de gelado de noz e uma ida ao circo, o professor Isósceles atirou-se para o meio da disputa acabando trespassado pelos ferrões, um em cada orelha, sem que as pontas fizessem faísca.

O pau mandado

Os dois irmãos (de sangue) Virgílio era o mais velho dos gémeos. Fazia apenas cinco minutos de diferença de Adolfo, mas notava-se a diferença, pois Virgílio cultivava a idade avançada e aos cinco anos já usava o buço comprido, suíças grisalhas, uma bengala e as costas curvadas que corrigia com um caminhar altivo quando algum dos amigos do pai comentava «mas como o gilinho está um homem!». Nessas alturas, inchava o peito e, por instantes, perdia o aspecto corcunda de vírgula e ganhava a compostura de um ponto de exclamação. Antes dos oito anos, já Virgílio recitava a Eneida em grego exímio titubeando apenas, com fífias na voz, nas passagens alusivas a fêmeas (particularmente sereias). Em dias piores, ou de maior

truculência, Virgílio chegava mesmo a espetar a cabeça de alfinete no último decassílabo. Adolfo era o oposto ao irmão, e tinha apenas em comum com este o facto de usar um chapéu em forma de dedal e ambos quererem seguir o ofício de alfaiate. Em tudo o resto eram como água e vinho ou, se quisermos ir mais longe, como agulha e palheiro. Apesar das diferenças, os gémeos entendiam-se, e só por uma vez Adolfo se picou com o irmão, quando Virgílio o tentou recrutar para o seu espinhoso protesto contra a classe feminina. Num assomo de raiva, Adolfo empinou a cabeça e não foi de modas, desferindo marrada atrás de marrada, ou bicada atrás de bicada, no corpo esquálido do irmão. Quando o pai entrou no quarto, alertado pelos gritos de “morte ao traidor” ou “morte ao paneleiro”, já com a

Tu vais ver como elas te mordem (disse para o botão esquerdo). O Gustavo era acima de tudo um bandido. Ninguém entendeu a importância de ser um bandido de 4ªs e 6ª feiras. Homem normal e evidente no resto dos dias, homem corriqueiro de poucas falas e negócio aluado. Gustavo, o homem. Tão plausível como um honorável estafermo mas de quem a maioria (pouco esclarecida) dizia «é bom homem, não faz mal a uma mosca». Mas o pior é que fazia, um mestre ourives da pequena velhacaria doméstica perito em admoestar mulher e filhos (por inverso ao papel do pajem de patrão) com subtilezas assadas e cozidas tais como assim: «Gustavo levanta o cu da cadeira e vai pôr a mesa (…) Tavinho vai dar banho aos meninos; Gustavo hoje não, desculpa, amanhã, mais logo, daqui a nada, é que estou outra vez com o maldito quebranto, tu sabes, tu conheces-me». E ele, umas e outras vezes, vigilante e medonho como a calma dentro da tempestade, vociferava «Já vou, já faço (cala-te cabra)» e nunca ia, nunca fazia, sempre o plácido e bisonho Gustavo. Uma tarde mansa, terceiro dia de férias estivais, levantou o rabo da cadeira ao terceiro pedido insistente e cravou umas dúzias de

facadas (com navalha de pau) nos costados da mulher. Saiu então porta fora até à esquadra volante da Praia da Rocha. Confessou ao guarda de serviço (um tanto ou quanto desconsolado) estar farto de ser pau mandado (e sem poder usar o pau).

O amor é... O mundo tinha acabado para lá daquela janela de rua negra e aqui estava eu, nu, impante e sem dialéctica, alheio ao desabar da vida. Não estava sozinho, é certo. Alice coçava-me então os pés e fazia das dela por aí fora e por onde bem lhe apetecia (atreveres de canhota esperta) num dealbar de virtudes amorosas. Ali estava eu, sem ofício regular, na tesura dos humildes, animal fruste, igualha da Criação, rendido às belas artes do amor como se nada fosse. Nisto de acasalares e paióis de ternura, esquecido do tempo e dos avatares de homem que se quer homem, Alice lançou a questão de pitonisa. - Valter será que o amor resolve tudo? Alice tinha a pele lustrosa como uma lagarta estival apesar de não haver nesga de sol a trespassar as venezianas do quarto. Era um hábito muito seu, lançar a filosofia a terreiro depois do amor. Ajeitei-me a 90 º. O colchão de palha rangeu nas molas lassas. Olhei-a fundo nos olhos de prata (sem resvalar para os mamilos papudos) e fiz por responder à altura de tão canónica pergunta. - A minha avó dizia que o amor resolve tudo, até dias de muito breu. Se isto te ajuda. Ficámos assim de conversas, a ver a noite descer, enlaçados e doces como duas abóboras meninas, aos beijinhos incandescentes. Havia um pára-raios no telhado

da igreja ao fundo da rua, e os fios finos e velozes dos raios entravam-lhe pelo bico adentro. As aves estavam recolhidas nos beirais, quietas como eu e Alice, sem trililis. Pombos nas calhas dos algerozes, gaivotas nos tapumes a sul, tordos nas ramadas das oliveiras a norte, e talvez estorninhos a leste, no arvoredo da velha mata real tomada por um clã de romenos. Quando fazia este tempo de borrasca, a vida calava-se e havia tempo para a compreensão.

tiago salazar 41 anos Natural de Lisboa, o escritor e jornalista Tiago Salazar trabalha desde 1991 em algumas redações do país como o Diário de Noticias, semanário Expresso e jornal Público, além de vários trabalhos ‘free lancers’ noutros jornais, tanto portugueses, como brasileiros. Tiago Salazar é licenciado em Relações Internacionais pela Universidade Lusíada e desde criança já mostrava talento para a escrita, quando aos cinco anos escreveu uma aventura de um detetive que procurava pistas pelo faro. O escritor considera-se, atualmente, alguém que viaja e escreve para ganhar a vida. Dentre as suas obras, a que o autor acredita ser mais relevante para o seu trabalho é o “Endereço Desconhecido”. Já em 2013 o escritor teve mais um trabalho lançado, o livro “Hei-de amar-te mais”. Anna Charlotte Reis

entre a arregaça e o calhabé Aos Futeboleiros Deste Mundo

Por Bacharel Jorge Gabriel

T

al como da religião, do futebol diz-se por vezes que é o ópio do povo, conotação provavelmente justificada, assim observemos a forma como vai entusiasmando os seus sempre fiéis seguidores, tresloucados como um hipocondríaco com acesso ao Google. Ópio será com certeza, tanto pelo tal cheirinho narcótico que compõe a sua fragância, como pelas manifestações de profunda irracionalidade que, como competente estupefaciente, provoca no mais equilibrado dos mortais. Pensemos em alguns dos nossos comportamentos, caros camaradas futeboleiros, e vejamos como padecemos da mais profunda demência. Insultamos senhores de negro, homens de família, médicos, advogados, contabilistas, nem que fossem padres, naquele momento são todos iguais, ladrões, corruptos e, acima de tudo, filhos de senhoras que desempenham actividades profissionais de âmbito fiscal dúbio.

Defendemos milionários mimados, como se de irmãos nossos se tratasse, ele não queria agredi-lo, juramos, quase chorosos, ele só queria jogar a bola. Exultamos com os clichés que os tais regurgitam em frente a placards de publicidade, respiração ofegante e suor brilhando na testa, quais gladiadores saídos da arena, dizem, demos duzentos por cento, o Wellington é só mais um, ou o Juninho é só mais um, há que pensar jogo a jogo. Este gajo é o maior, comentamos no café, para além de um pé esquerdo que só visto possui uma verve de fazer corar o mais inspirado dos bardos. Vemo-nos num mundo de jornais desportivos e programas televisivos, perdidos entre frases feitas e insultos, bocas disfarçadas e descaradas, paixões clubísticas exploradas, espremidas até ao último ponto percentual do share. O meu treinador disse isto, e o meu respondeu a isso, eh pá, mas o pior foi quando o comentador veio dizer

d.r.

aquilo, espera até a figura histórica do meu clube souber disto e disser aqueloutro. Discutimos com quem nunca pensámos, cegos pelo colorido das bandeiras, amigos deixam de se falar, outros chegam mesmo a vias de facto. Tudo porque o caprichoso esférico de couro não pode agradar

a todos, nem sequer é o mesmo aos olhos de todos. Cada futeboleiro vê o seu próprio jogo e é dono exclusivo da verdade. ‘Penalties’, por exemplo, são paradoxos, nunca poderão existir sem, ao mesmo tempo, não existirem, e nessa discussão diremos, tu não sabes ver futebol, como se o simples acto de ver futebol fosse a mais

intrincada das artes, só ao alcance de alguns predestinados. Desequilibra-nos o futebol. De pe-nos a racionalidade, revelando a selvagem nudez da condição humana. Podemos até ter noção do destempero, reconhecer que somos diferentes ao pé de uma bola e quatro linhas, nada mudará. Berraremos o próximo golo da mesma forma, insultaremos o próximo árbitro da mesma forma. Nas bancadas, também abraçaremos o próximo desconhecido da mesma forma e, quando nos encararmos mutuamente, os olhos de loucos reluzindo de felicidade, saberemos porque sacrificamos a lucidez. (P.S. - A quem considerar que este espaço deveria conter mais actualidade estudantil: a Académica ganhou 1-0). *Por escolha do autor este texto não segue as regras do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.


22 | a cabra | 30 de abril de 2013 | Terça-feira

opinião

Cartas à Diretora Coimbra David Branco *

É na inovação científica que está o caminho a delinear, é a inovação científica que marca as universidades com um selo de prestígio, mas é o que cada vez menos acontece, devido a esta falta de oxigénio”

Coimbra, a cidade universitária portuguesa, aquela cidade de excelência no ensino superior (ES), com a universidade mais prestigiada a nível nacional, aquela cidade da “poderosa” Associação Académica de estudantes mais antiga do país, aquela cidade plena de tradições académicas, aquela cidade onde se entoava o grito da “LIBERDADE” no período do fascismo português; esta é a imagem que a cidade de Coimbra me transmitiu na altura da candidatura para o ensino superior. É a imagem historicamente preservada da cidade e dos estudantes que lhe dão encanto. Infelizmente a imagem actual é bem diferente. Num período agora negro no nosso país, esta cidade revela-se impotente, a comunidade estudantil comodista e com apenas interesse naquelas afamadas noites académicas (entenda-se, quinta-feira) onde, incrivelmente, nas conversas de café, a conjuntura que a academia atravessa e a situação económica nacional que afecta directamente a universidade são tema de conversa. A associação de

estudantes que a história faz como centro de contestação e revindicação dos direitos dos estudantes não passa agora de um centro de compadrio de “jotinhas”, onde predomina os interesses pessoais, e onde as contas da mesma são um mistério não resolvido, pelo que teremos de esperar por um “Sherlock Holmes” que nos elucide para a sua verdadeira situação. Temos que reforçar a ideia de que a realidade que nos cerca é a de cada vez mais alunos abandonarem o ensino superior devido à asfixia financeira que implica ter um filho academista. A propina, das mais altas nos países membros da União Europeia, é um sintoma desta doença terminal que esta a colocar a educação portuguesa ligada às máquinas e sem perspectivas de melhoras. As igualdades de acesso à educação conquistadas desde a Revolução dos Cravos vão-se desvanecendo com este “mau tratamento” orçamental. E tal como este golpe na educação, existem outros, como o facto de não haver uma renovação e um rejuvenescimento do

corpo docente da universidade. Já os mestrados e doutoramentos são uma miragem para muitos dos alunos, pois esses círculos académicos tornam-se inviáveis economicamente para a larga maioria estudantil, sendo, cada vez mais, deixados para segundo plano. Também devido a Bolonha e por não serem uma prioridade no ensino por parte do nosso estado. Um erro crasso destas políticas devastadoras que nos retiram tudo o que até agora conseguimos conquistar na educação. É na inovação científica que está o caminho a delinear, é a inovação científica que marca as universidades com um selo de prestígio, mas é o que cada vez menos acontece, devido a esta falta de oxig€nio. Este “gasparismo” que o reitor “aceita” e que a comunidade estudantil universitária se CONFORMA é visível nos débeis serviços da universidade. O que resulta é uma política de fecho das cantinas, é a das más e deficientes condições nas residências universitárias, e é a de uns Serviços de Acção Social da Universidade de Coimbra com-

pletamente estrangulados. Neste panorama, a Direção-geral da Associação Académica de Coimbra nada faz para defender os interesses e direitos dos alunos, abstêm-se nas acções de luta contra esta ceifa ao ES. Já a “discoteca” que era o bar da AAC encerrou portas com a expiração da concessão, e é caso para dizer: finalmente… Quando é que será aquele bar verdadeiramente universitário e os seus lucros revertidos para bolsas em vez de benesses a privados? Ora, internamente, a AAC não se organiza nem se organizará com “sempre os mesmos” lá dentro. Como é que alguma vez, como outrora, a AAC é capaz de combater estas políticas insanas, deste governo que está a transformar as universidades num estado catatónico e mover a massa estudantil na luta (que deveria ser primordial) por um verdadeiro ensino superior. Ó Coimbra dos Estudantes, do Mondego, e que encanta na hora da despedida, por onde andas tu? *estudante da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

Ana morais

A Cabra errou: Na edição 259, a crítica de CD foi erradamente intitulada. Onde se lê “brilhantina contemporânea”, deve ler-se “AVC, No Karma, Futuro e Presente”. Na mesma edição, o artigo “Bar dos Jardins da AAC abre ainda este mês”, elaborado por Liliana Cunha com Beatriz Barroca. Não tendo sido esta última mencionada na assinatura do artigo. Aos visados e leitos, as nossas desculpas. A Direção Cartas à diretora podem ser enviadas para

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30 de abril de 2013 | Terça-feira | a

cabra | 23

opinião

Ana morais

Editorial A dormência que não mata, mas corrói O associativismo há muito que tem andado inconstante. Há ideias, pode até haver vontade, mas a concretização nunca traduz o que realmente se passa hoje nas universidades do país. No microcosmos de Coimbra, a situação torna-se mais gravosa. O último plano de ações proposto em Assembleia Magna (AM) do dia 10 pela Direção-geral da Associação Académica de Coimbra (DG/AAC) era arrojado. E isso era algo que já não se via há algum tempo; mostrava descontentamento. Por momentos, os estudantes (pelo menos aqueles que estiveram na Cantina dos Grelhados – que, mais uma vez, não eram assim tantos como isso) ouviram o seu presidente e puderam pensar que a mudança de postura dos dirigentes estava encaminhada.

ainda que o possam negar. Há, no entanto, algo a ressalvar. No protesto do 17 de Abril, DG/AAC e movimentos estiveram concertados, algo que já não acontecia há algum tempo. Mas é apenas isso. De resto, é mais do mesmo: pouca mobilização, pouca divulgação. Mesmo que os estudantes tenham o dever e obrigação de se informarem sobre todas as ações que a eles dizem respeito, a DG/AAC tem de saber atrai-los. As SMS’s não servem só para ser utilizadas em dia de eleições ou para uma votação repentina numa AM. O que se passa numa associação académica como a de Coimbra não é mais do que um reflexo do que se passa no país. Há momentos turbulentos dentro do “governo”, há quebra no diálogo e na confiança entre

O que se passa numa associação académica como a de Coimbra não é mais do que um reflexo do que se passa no país. Há momentos turbulentos dentro do “governo”, há quebra no diálogo

Mas em jeito de balanço daquilo que foi uma viagem a Lisboa, ao Ministério das Finanças, uma “manifestação” do Largo D. Dinis à Praça 8 de Maio, e mais uma viagem a Lisboa, desta feita ao Ministério da Educação e Ciência, o que ficou? Nada. Sobre o fecho do edifico da AAC (outra das ações propostas) nada se pode adiantar, dado que o dia correu numa total normalidade, apenas com uma pequena diferença: a entrada fazia-se pela porta traseira. Ainda no que diz respeito à estada junto do Ministério das Finanças, há muito a dizer. Depois de uma partida demasiado repentina para a capital, DG/AAC e núcleos tiveram uma quebra de comunicação agravada, que já vinha do Fórum AAC. A “crise política” está instalada no número 1 da Padre António Vieira,

os parceiros. Faz-se um brilharete de vez em quando “para inglês ver”, que quase nunca traz resultados concretos, e fica-se na mesma. Mas por trás de um governo há sempre um grande povo. No microcosmos académico, seguindo uma lógica de adaptação a realidades, por trás de uma Direção-geral, deveria haver um movimento estudantil forte. Aqui reside a divergência de “realidades”: enquanto que no primeiro cenário, perante os ataques sociais, o povo responde e vai para a rua contestar, no segundo temos um corpo estudantil adormecido e desinteressado, cuja preocupação atual é juntar trocos para o bilhete geral da Queima das Fitas e comprar os melhores trapos para um baile de gala. Por Ana Duarte

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Junta Freguesia de Stº António dos Olivais

Um olhar mais atento a quem por cá anda há mais anos é a inspiração. Atentar às rotinas dos idosos e sinalizar casos mais prementes de solução é o objetivo do projeto “Sensibilização/Sinalização de idosos”, promovido pela Junta de Freguesia de Santo António dos Olivais. Como uma das maiores freguesias do país, a incapacidade para responder a todos os casos não é motivo de desmotivação. Em conjunto com várias entidades parceiras, a filosofia de “favores em cadeia” quer-se reavivada, através do encaminhamento dos casos mais urgentes pelas várias instituições. Desta feita, é de aplaudir quem se dispõe a ajudar a passar o tempo aos mais velhos. A.M. PÁG. 2 e 3

Eduardo Melo

O regresso de Eduardo Melo ao movimento associativo dá-se pela presidência de um organismo muito desconhecido pelos estudantes. A Federação Académica para a Informação e Representação Externa criada em 2001 sempre careceu de uma estabilidade na sua direção. Eduardo Melo quer dar um contributo de maior suporte entre academias e estabelecer um ponto de contacto entre as políticas decididas em sede europeia e o que se passa cá. No entanto, com os novos constrangimentos ao financiamento no Ensino Superior, muito pouco se poderá fazer para mudar os tempos. Exercer pressão através do FAIRe é bom sinal. L.C. PÁG. 5

António Barreto

A Constituição contém, de forma aumentar o seu âmbito de atuação, tarefas e preocupações sociais. O sociólogo considera a Constituição excessiva em considerações políticas, económicas e sociais. Contudo, menos considerações sociais não proporcionam uma verdadeira proteção aos cidadãos, esmorecendo o lado social que é devido ao Estado. Barreto considera ainda hipótese de ser dada a oportunidade a cada geração ter a sua constituição. Porém, não tem em conta sistemas de proteção que impeçam alteração de eixos basilares, protetores de um Estado de Direito, no que consigna áreas como a política, a economia e a proteção social. A.C. PÁG. 16

Quântica dos Sentidos por Patrícia Cunha

200 x 100 Ela aproxima-se. Faz o ar tremer, tocando as suas partículas com astúcia desinteressada, passeando as suas formas pelos átomos. Rodando as curvas no mecanismo atmosférico. Os seus braços, alavancas, coordenam-se, qual sistema de rolamentos no adensamento do vazio. O tempo esvai-se pelas narinas e o peito faz equilibrismo na balança avariada do espaço. Os passos constantes escondem o tique-taque inquietado dos batimentos. Esguichos desengonçados passeiam os ventrículos. Entram desalmados, sem nexo, esbarram-se contra os limites. Um charco de sangue suspenso é sugado por um cano fino até ao nada.


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