Edição 307 Jornal Universitário de Coimbra - A CABRA

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8 DE MARÇO DE 2022 ANO XXXII Nº307 GRATUITO PERIÓDICO DIRETOR TOMÁS BARROS EDITORES EXECUTIVOS FRANCISCO ­BARATA E CARINA COSTA

Desbravar caminhos

CATARINA MAGALHÃES E CRISTIANA REIS


2 ensino superior 8 de março de 2022

Novas abordagens guiam futuro do jornalismo de investigação - POR IRIS PALMA -

Qual foi a sua motivação para seguir Jornalismo? Uma das razões foi o meu conhecimento literário na escrita jornalística. Eu comecei nos finais dos anos 90. A ideia de histórias não-fictícias que tivessem um impacto humano foi uma das minhas motivações. Obviamente, estava errado porque jornalismo não é um sítio para desenvolver muita qualidade narrativa, pelo menos não na minha região. Em segundo lugar, fui atraído pelo impacto direto do jornalismo. Pode-se descobrir coisas, publicá-las e causar uma mudança projetada para pessoas que estejam a sofrer de abusos. Por isso, acho que o facto de eu ter crescido na Roménia e observado tanta injustiça a muitos níveis, de grandes a pequenos, causou uma atração para mim e a possibilidade imediata de obter uma mudança com significado no jornalismo. Como é que se sentiu ao ser convidado para ensinar na Universidade de Coimbra? Foi mais de uma discussão de trás para a frente entre mim e a universidade, pois foi no seguimento do evento no contexto da Bienal. Durante a Bienal de Coimbra, propus como um tópico para o debate aos curadores um diálogo entre disciplinas diferentes. Representei a área de jornalismo com um colega do Expresso, Micael Pereira e com a nossa colega Cândida Pinto. A ideia foi ter uma discussão entre jornalistas em conjunto com investigadores e, possivelmente, com o departamento jornalístico, que é onde nós temos a Clara Almeida Santos, professora da licenciatura de Jornalismo e Comunicação. A partir desta discussão e debate, exploramos como é que o jornalis­

Stefan Candea, professor convidado da UC, quer ensinar alunos a ouvir, refletir e desenvolver atitude autocrítica face ao exercício do jornalismo. Profissional desde os anos 90, considera fundamental “sincretismo” entre disciplinas para produção de jornalismo de investigação mo colaborativo se pode desenvolver de uma forma diferente do que é agora. A discussão teria um seguimento no ensino ao mostrar aos membros a metodo­ logia e a tecnologia que nós usamos em jornalismo colaborativo, e que haja uma esperança que inspire os estudantes a produzirem algo e a mostrar na Bienal, em maio, abril e junho deste ano.

ser falados. A tecnologia é outro aspeto que não tem muita atenção crítica por parte dos profissionais, mas a mesma coisa acontece a grandes ou pequenos jornalistas que usam tecnologia para dar ou cultivar trabalho e produzir conhecimento. Em qualquer projeto, estes dois métodos, tecnologia e papel, são explicados de forma muito diferente. Nestes casos, o que se está a explicar é muito diferente daquilo que se está a traQuais são as diferenças principais que nota entre a balhar. E o sincretismo é necessário para o género de prática de jornalismo e a forma como é ensinado, jornalismo que eu estou a fazer - jornalismo de invesde acordo com a sua experiência? tigação. Não há muitas pessoas a saber da sua existênDepende do contexto de comparação. Num país vai cia e a ter acesso às publicações. ser diferente do outro, mas acho que o problema inicial é o intervalo entre os momentos na sociedade e os Considera que o sistema devia mudar para incluir um conteúdos nos artigos como produto geral, e também procedimento mais prático ao ensino de jornalismo? o conteúdo e o fabrico de espaços jornalísticos. Este Sim, acredito que a minha razão para ensinar aqui também é um intervalo entre prática e teoria. A teoria em Coimbra tem muito a ver com aquilo que se pode encontra-se mais atrás do que a prática. Eu também fazer de diferente no que diz respeito aos estudantes. acho que a teoria não tem uma abordagem à crítica É preciso colocar os estudantes a aprender enquanto prática, porque o jornalismo cria uma estrutura de fazem de forma a terem uma atitude clínica. Existe poder por si só. Daí que todas as estruturas devem ser um Instituto de Clínicas Jurídicas nos Estados Unidos criticadas através de práticas mais pequenas para se onde os estudantes de direito têm fichas de trabalho perceber como se podem desenvolver. de pessoas que estão na profissão e encontram alguns Para completar, a grande falta de diversidade nos casos de alguma importância. Ou seja, eles aprengrupos de jornalismo vai refletir-se na falta de diversi- dem a fazer. Apesar de usarem também uma forma dade nos artigos produzidos. Isto são tópicos que têm de ensinar linear, eu acho que este tipo de crescimende ser publicados por serem problemas que têm de to devia ser feito em jornalismo, não apenas com o foco em jornalismo, mas noutros institutos também. É necessário que estudantes de outras áreas interve­ nham, não apenas estudantes de jornalismo. Eu acho que tem muito a ver com algo que está em falta na Europa e em Portugal, que é a abordagem clínica. Ao ter este género de experiência como estudante, desde o início é possível criar uma base de expectativas para a vida futura. Quais são as lições principais que quer passar aos seus futuros alunos? A ser críticos de si mesmos e do que os rodeia. Saber que podem obter qualquer informação se tiverem uma boa abordagem. Saber que eles precisam de uma base de recursos, que não é uma questão de fontes. Há mais a acrescentar, mas os pontos principais são perceber o valor da colaboração, mas também as suas dificuldades. Também é preciso ter uma abordagem de conhecimento em diálogo, já que é um método que vai deixar as pessoas abertas a ouvir outras experiências. Surpreendentemente, obtive muito da minha experiência vindo da Europa Oriental. Eu ouvi muitas histórias entre viagens e acontecimentos em diversos sítios, até à Europa Ocidental. Por isso, a qualidade que eu quero ensinar é a ouvir os outros, refletir e ser autocrítico.

FOTOGRAFIA NINO CIRENZACEDIDA POR STEFAN CANDEA


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Os mandamentos da AAC: antigos dirigentes fazem balanço da última revisão estatutária QF apontada como maior desafio da última revisão. Próximo presidente da Assembleia de Revisão de Estatutos espera adesão à discussão sobre documento

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odos os países têm uma Constituição e todas as organizações pautam-se por um código de regras que consultam no exercício das suas funções. À sua semelhança, a Associação Académica de Coimbra (AAC) rege-se pelos seus Estatutos, um do­ cumento redigido pelos estudantes da Universidade de Coimbra (UC) e associados seccionistas, em que estão delineadas a sua forma de funcionamento. Revisto, por norma, a cada cinco anos, chegou a altura de uma nova revisão ordinária do documento. Alexandre Amado, antigo presidente da Direção-Geral da AAC (DG/AAC), recorda que a última revisão, que começou em 2015, “durou mais de dois anos”. O ex-dirigente comenta que foi indigitado para integrar a Assembleia de Revisão dos Estatutos enquanto representante do Conselho Internúcleos da AAC, na altura em que ainda encabeçava o Núcleo da Faculdade de Direito da UC. “Depois de tomar posse como vice-presidente da DG/AAC, passou-se um ano e a assembleia só terminou quando já era presidente”, explica. O antigo estudante da FDUC destaca a definição do papel da Comissão Organizadora da Queima das Fitas (QF) dentro da casa como algo a preci­ sar de resposta, o que não acontecia nos Estatutos anteriores à última revisão. Outra questão que preocupava o ex-dirigente era a separação de competências entre as várias estruturas que compõem a AAC. “Havia secções, no fundo, a pisar as competências de outras estruturas, algo que se notava também nos núcleos de estudantes na sua articulação com a DG/AAC”, comenta. A última revisão ordinária contou ainda com um aumento do tamanho do documento. “É necessária alguma profundidade de normas para regular a ati­ vidade de todas as estruturas da AAC, por isso é compreensível que os Estatutos sejam grandes”, considera Alexandre Amado. Acredita que é importante não existir casos omissos no decorrer do documento, ao

- POR JOANA CARVALHO E SIMÃO MOURA -

mesmo tempo que se tenta manter “as coisas tão resumidas quanto possível”. João Bento, antigo presidente da Mesa da Assembleia Magna da AAC (MAM/AAC), presidiu à Assembleia da Revisão dos Estatutos que deu continuidade aos trabalhos na revisão extraordinária que se iniciou em 2019. “As decisões tomadas nesta revisão foram concisas sobre alguns temas pequenos, assim como o funcionamento da QF”, comenta o antigo dirigente. Em teoria, as mudanças efetuadas no documento tornam a QF “algo mais próximo de toda a casa”. Adverte que as alterações feitas ao funcionamento da festa académica ainda não foram implementadas na sua totalidade, devido ao contexto pandémico. O antigo presidente da Assembleia da Revisão mantém que, na sua opinião, “daquilo que se votou, o que teve mais sucesso foi a alteração do modelo da QF”. Recorda também que a revisão ordinária, concluída em 2017, conseguiu responder a alguns proble­ mas em relação aos “processos legislativos” que decorriam­­­na casa. “Antes havia candidaturas a ser entregues em mão durante a QF”, algo que, neste momento, é impossível, aponta. O antigo dirigente defende que é necessário apostar na informatização da casa para que se possa adaptar à atualidade. Segundo António Arnaut, integrante da última Assembleia de Revisão Ordinária, deixar a festa dos estudantes no estado em que se encontrava foi “uma decisão consciente para salvaguardar aquilo que foi conseguido”. O membro da assembleia admite que este assunto foi “chutado para o lado na revisão” devido às posições dos participantes que iam levar a “discussões que durariam mais um ou dois anos”, o que colocava em risco o que tinha sido definido até então. Assim, a revisão do lugar da QF nos estatutos funcionou num sistema de “patamar mínimo”, pelo que as alterações não foram além de passar a aprovar o relatório de contas e o regulamento da mesma na Assembleia Magna (AM), comenta.

João André Oliveira, membro indigitado pelo Conselho Cultural da AAC, apontou como principail preocupação o esquecimento de estruturas como as secções que integram a casa. A discussão dos problemas que assolavam as secções na altura da última revisão ordinária pautavam-se, sobretudo, por questões de “representação dos associados efetivos nas direções das próprias secções”, assim como a presença de representantes seccionistas “nos órgãos de fiscalização da casa”. Neste sentido, foram criados os segundos contingentes para o Conselho Fiscal da AAC (CF/AAC), como também passou a ser permitida a presença e intervenção de membros de secções nas AM, apesar de não terem direito de voto. A criação da Comissão Disciplinar da AAC (CD/ AAC) foi das alterações que mais mudanças trouxe ao funcionamento da casa. Este órgão surgiu com o intuito de exercer funções fiscalizadoras em conjunto com o CF/AAC. Alexandre Amado relembra que o objetivo da criação da CD/AAC era “efetivar na AAC a existência de um órgão de fiscalização com condições para exercer o seu trabalho e também a separação entre as funções entre esta e o CF/AAC que eram antes apenas desenvolvidas por este”. Já João André Oliveira acredita que a criação da CD/AAC resolveu um problema a nível do “poder judicial dentro de casa”. O antigo dirigente afirma que “não havia uma boa separação de poderes”, já que “o juiz se julgava a si mesmo, o que era muito confuso”. O presidente da MAM/AAC, Daniel Tadeu, vai assumir a pasta da presidência desta próxima Assembleia de Revisão de Estatutos. O dirigente associativo acredita que “os Estatutos são robustos e têm todas as indicações” para que os trabalhos decorram de forma a que “seja difícil falhar”. Pretende apostar na divulgação para atrair mais estudantes para a discussão, com a ajuda das redes sociais. Com Frederico Biscaia

IRIS PALMA


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Museu Académico retirado do Colégio de São Jerónimo Mudança pretende tornar museu num espaço “mais acessível e visível”. Presidente da DG/AAC apela à visita do complexo museológico

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Museu Académico é um núcleo museológico instalado no edifício do Colégio de São Jerónimo, pertencente à Universidade de Coimbra. Este espaço reúne o património acumulado pela Associação Académica de Coimbra (AAC) ao longo dos seus 134 anos de história. Segundo o presidente da Direção-Geral da AAC (DG/AAC), Cesário Silva, o museu representa um “arquivo importante para a casa, uma vez que os seus feitos aumentam cada vez mais”. Por sua vez, o antecessor, João Assunção, afirma que, “quando se faz parte de uma instituição com

- POR SARA SOUSA -

mais de um século, é fundamental existir um complexo museológico que preserve o seu património material e imaterial”. Realça ainda a importância que o museu tem para a “partilha do simbolismo da AAC com as gerações futuras”. Cesário Silva considera que, devido à sua atual localização, o núcleo museológico “tem tido pouca adesão por parte das pessoas”, o que se deve também, em parte, à “dificuldade na divulgação do mesmo”. Por conseguinte, foi criada uma iniciativa que tem como intuito “alterar a localização do Museu Académico, de modo a criar uma nova

dinâmica e acessibilidade ao próprio”. O principal objetivo da deslocação é fazer com que o museu seja um “espaço mais acessível e visível”. O dirigente associativo não adiantou para que local o espólio iria ser realocado. João Assunção realça a relação do Museu Académico com o novo Museu da Académica, inaugurado enquanto uma parceria da DG/AAC com o Organismo Autónomo de Futebol, que se vai dedicar à história desportiva, cultural e política da AAC. O antigo presidente da DG/AAC argumenta que “o investimento no futuro Museu da Académica não impede que o mesmo seja feito com o Museu Académico”. Além disso, explicita que “nunca esteve em causa passar todo o pa­ trimónio para o novo arquivo museológico, mas sim complementar o Museu Académico”. O início do projeto de alteração do local está previsto para o verão de 2022, apesar de não ter data concreta para começar “devido a toda a mobilização que é necessária”, como explica o atual presidente da DG/AAC. A acessibilidade e visibilidade esperada dirige-se “tanto aos estudantes da UC, bem como a todos os cidadãos de Coimbra e aos turistas que visitam a cidade”. Cesário Silva apela à visita do museu e lamenta que “muitas ve­ zes as pessoas mais novas desconhecem a história completa da AAC”.

SARA SOUSA

Intervenção no Polo I tem prazo de término no final de 2022 Empreitada no Paço das Escolas vai contribuir para ajudar na conservação do património histórico e também oferecer “melhor conforto à comunidade”. Obras realizadas contam com orçamento superior a um milhão de euros

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realização das obras no Polo I da Universidade de Coimbra (UC) vai representar mudanças para todos os seus utilizadores. A intervenção tem o intuito de valorizar o património histórico da instituição. Segundo o vice-reitor para o Património, Edificado e Infraestruturas, Alfredo Dias, considera que o projeto de reabilitação vai beneficiar a comunidade académica no geral, assim como os turistas que visitam o campus. O processo de construção das obras, que inclui também a colocação de um elevador no Paço das Escolas para alunos com deficiência, teve um “orçamento previsto, no início, de um milhão de euros, mas que depois teve um acréscimo signi­ ficativo”, refere Alfredo Dias. O prazo estipulado para o fim das obras é o final do ano civil de 2022, adianta. Para José Queirós, estudante de História na

- POR JORGE MIRANDA -

Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC), “as obras são essenciais para o bom funcionamento da UC, do ponto de vista turístico, pois, com melhores condições da via urbana, mais pessoas vão visitar a UC”, destaca o aluno que está no primeiro ano da licenciatura. No entanto, comenta que o “barulho das obras durante as aulas é incomodativo”. Por sua vez, Lenny Tembe, aluno do primeiro ano da licenciatura em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, “as obras são fundamentais na perspetiva de conservação do património histórico”. Porém, o estudante considera que, “para o bom funcionamento das atividades letivas não têm importância”. “Os utilizadores vão ter melhor conforto térmico e vão ser eliminados todos os problemas relacionados com infiltrações existentes”, reforça Alfredo Dias. Destaca ainda que estas inter­

venções “melhoram a proteção de todos os elementos que estão dentro do espaço” a ser renovado. Todas estas medidas, na perspetiva do vice-reitor, “acabam por beneficiar toda a comunidade da UC e os seus utilizadores”. Alfredo Dias garante que a Reitoria da UC não recebeu nenhuma queixa formal em relação aos trabalhos e aos barulhos que as obras provocam. O responsável pelo Património, Edificado e Infraestruturas da instituição acredita que, apesar de “obras deste tipo causarem incómodos aos utilizadores”, foram feitos todos os possíveis para “tentar minimizar todos esses impactos”. O vice-reitor considera que as metas para a emprei­ tada “foram conseguidas” e refere que, sempre que se demonstrou necessário, “foi possível arranjar outras salas, de forma a não causar incómodos” no decorrer da atividade letiva.


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Os estudantes voltam, mas o prato social não Prato social nas Cantinas Amarelas prometido desde 2019. DG/AAC pressiona SASUC para devolver refeição social às Cantinas Rosas

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acesso ao prato social tem-se destacado nas discussões dentro da academia em anos recentes, o que culminou na sua remoção das Cantinas Rosas como resposta à situação pandémica. No entanto, com o regresso dos estudantes a ­Coimbra, este não foi reposto. De momento, no Polo I, apenas se encontra disponível esta opção nas Cantinas Azuis e nas das Químicas. Em novembro de 2019, o reitor da Universidade de Coimbra (UC), Amílcar Falcão, afirmou que nas Cantinas Amarelas, na época ainda por inaugurar, seria disponibilizado o prato social. No entanto, quando o mesmo não se verificou, a Direção-­ Geral da Associação Académica de Coimbra (DG/ AAC), liderada por Daniel Azenha, levou às ruas uma manifestação sobre o assunto. Em resposta, a Reito­ria da UC confirmou que este seria assegurado­­a partir de 25 de março de 2020. Ainda hoje o tópico é discutido na Assembleia Magna (AM) e todas as listas candidatas à DG/AAC no mandato 21/22 contemplavam este ponto. Já a 3 de novembro de 2021, em simultâneo com as celebrações de aniversário da AAC, foi rea­ lizada uma manifestação relativa ao decréscimo na oferta do prato social no Polo I. Dez anos se passaram desde que este era disponibilizado em seis cantinas, face à realidade atual, onde se contam apenas duas que oferecem a refeição. O local escolhido foi a Cantina Rosa, que passou a servir apenas refeição ‘snack’ após o início da pandemia, algo que é, desde então, a prioridade neste debate. O presidente da DG/AAC, Cesário Silva, garan­te que existe uma discussão constante com os Serviços de Ação Social da Universidade de ­Coimbra (SASUC), responsáveis pela gestão das

- POR EDUARDO NEVES E SOFIA RAMOS -

cantinas. “A AAC vai sempre pautar-se por haver uma maior acessibilidade à refeição social”, explica o presidente. “Da nossa parte existe sempre esta pressão e diálogo ativo”, assegura. A preocupação atual vem da “reabertura” da vida académica pós-pandémica e o seu inerente crescimento na afluência às cantinas. “Houve um reforço no que foi o número de funcionários e no que foi o processo do pagamento das refeições sociais”, salienta Cesário Silva. O presidente informa que foram adicionados um funcionário nas Cantinas Azuis e outro nas Cantinas das Químicas, bem como máquinas de compra de senhas. A DG/AAC não se ficou pelo Polo I e garantiu que há já aprovação de expansão para as cantinas das Faculdades de Medicina e Desporto, assim como da cantina do Polo II. No entanto, o foco continua junto da alta, por ser onde se encontra a maior fatia da comunidade estudantil e, portanto, uma necessidade de resposta superior aos restantes polos. Daniel Aragão, vice-presidente da DG/AAC, partilha a mesma opinião de Cesário Silva na medida em que as filas podem levar ao desinteresse por parte dos estudantes a usufruir da refeição nas cantinas universitárias. A oferta da refeição ‘snack’ na maioria das cantinas não é satisfatória, já que é inacessível para alguns estudantes. O vice-presidente afirma que, se a situação não melhorar com os reforços laborais, vem “dar mais argumentos para dizer que não é uma falta de efetivos que ­existe, mas sim falta de cantinas com prato social”. Os associativos explicam que a gestão das cantinas é feita pelos SASUC, que avaliam de forma ativa as condições dos utilizadores, ao ter em conta o controlo de filas no acesso ao prato so-

cial. Cesário Silva alertou para a “falsa perceção” deixada pela pandemia, ao explicar que “as métricas usadas muitas das vezes podem criar indícios falsos de que estamos a conseguir chegar a toda a gente”. Daniel Aragão nota que “as filas dissuadem pessoas, que acabam por ir a um bar, comem uma sandes e depois vão para as aulas” e afirma que “isto é um efeito não contabilizado”. Ao ser feito um levantamento da perceção dos estudantes na fila das Cantinas Azuis, todos os entrevistados consomem prato social com regu­ laridade. Dos entrevistados, a maioria não tem conhe­cimento da discussão sobre a refeição social, no entanto já evitou consumir na cantina devido a filas extensas. Um estudante da Faculdade de Economia da UC (FEUC), que não quis ser identificado, expressou descontentamento quanto à obrigatoriedade do pagamento eletrónico. Exclui “antigos utilizadores que não fazem parte da universidade” e “estudantes sem acesso a contas bancárias’’, explica o estudante. Critica ainda a impossibilidade de reembolsar o valor carregado na aplicação SASUC GO! e cartão, quando não consumido. Este sentimento é partilhado por Irina­­­Costa, estudante de doutoramento na FEUC, que acredita que “isso aumentou as desigualdades com base num fator tecnológico”. No entanto, a estudante continua a almoçar na Cantina Rosa, mesmo com a exclusão do prato social. Os dirigentes prometem uma DG/AAC proativa e querem, em primeiro lugar, reivindicar o prato social na Cantina Rosa. Com o regresso das aulas presenciais, o reforço de pratos sociais no Polo I é uma das prioridades na lista de trabalhos. O paga­ mento eletrónico, até nova ordem, vai manter-se.

ANA FILIPA PAZ


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Vozes expõem funcionamento e dificuldades dos órgãos intermédios Falta de pessoal para executar trabalho é apontado por dirigentes cultural e desportivo. Novas equipas tomam posse com novo Conselho Fiscal - POR GABRIELA MOORE E MATEUS ROSÁRIO -

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s órgãos intermédios da Associação Académica de Coimbra (AAC) são estruturas executivas e de gestão com competências especializadas delegadas pela Direção-Geral da AAC (DG/AAC). São eles os Conselhos Cultural (CC/AAC), Desportivo (CD/AAC) e Internúcleos da AAC (CIN/AAC). Estes organismos visam promover e auxiliar as atividades das secções e dos núcleos, de modo a permitir o melhor funcionamento de cada estrutura. São compostos por sete membros, sendo três deles indigitados pela DG/AAC e quatro eleitos pelas respetivas assembleias. Por força dos estatutos, a DG/ AAC designa dois secretários por conselho e indigita um vogal para a política cultural, um para a política desportiva e o secretário-geral do CIN/AAC. Os conselhos regem-se por regulamentos internos, aprovados nas assembleias e ratificados pelo Conselho Fiscal (CF/AAC). Cabe-lhes elaborar as linhas globais de orientação das secções e núcleos, segundo o que é determinado, assim como gerir e distribuir as receitas de financiamento para as estruturas que representam. Em concreto, cabe ao CC/AAC e ao CD/ AAC exercer competências de fiscalização financeira e contabilística, de harmonização de programa cultural e desportivo, e de apoio logístico e financeiro às secções que cada um monitoriza. Além destas funções, o CIN/AAC promove ainda atividades gerais de saídas profissionais e recrutamento.

Principais preocupações No cargo há seis anos, Miguel Franco aponta como maiores dificuldades do desporto na AAC a falta de espaços próprios, a quebra no financiamento e o facto de o CD/AAC ser uma estrutura de grande dimensão, gerida apenas por voluntários. Para Paulo Nogueira Ramos, a falta de pessoas para desempenharem funções dentro do conselho é um ponto fundamental para o funcionamento do órgão. “Se a equipa crescer, se houver colaboradores, é possível fazer algo melhor em exponenciação do que pode ser o trabalho”, alerta o membro do CC/ AAC. A responsável pela área dos núcleos considera que a proximidade com os estudantes poderia ser melhor, pelo que o desconhecimento dos discentes sobre as atividades promovidas pelos núcleos atinge também os esforços do CIN/AAC. Situação financeira Segundo Paulo Nogueira Ramos, a situação financeira do CC/AAC “não é má”. O principal problema atual é de ordem técnica, com a dificuldade no acesso às contas bancárias devido à recente mudança do Banco Montepio para o Banco Santander, o que dificulta a gestão financeira das secções culturais. A Queima das Fitas compõe uma componente significativa do

financiamento do Conselho Internúcleos. “O passado recente não permitiu uma verba alta para os núcleos, a percentagem foi baixa”, explica a secretária-geral. De acordo com Miguel Franco, as secções desportivas sofre­­ram dificuldades no primeiro ano da pandemia por quebra das receitas e manutenção das despesas. No entanto, considera que o CD/AAC, até à data, “é o órgão da AAC com melhor saúde financeira”. Projeções para o futuro Os órgãos intermédios da AAC vão renovar as suas equipas este mês. Miguel Franco alerta para a necessidade de uma “maior profissionalização do CD/AAC” com a criação de um cargo para um funcionário assalariado que possa ficar responsável pela execução dos planos do conselho. O membro do CC/AAC destaca que o conhecimento sobre os órgãos da AAC é um fator preponderante para a manutenção do bom funcionamento da estrutura. “Existe muita dificuldade quando algumas competências das secções são tomadas pelos núcleos que estão mais próximos aos estudantes no campus universitário, ao passo que as secções que estão dentro do edi­ fício da AAC ficam asfixiadas”, destaca Paulo Nogueira Ramos. Já Francisca Gonçalves explica que o órgão tem o desafio de, agora, retomar atividades ligadas às saídas profissionais dos 26 núcleos da AAC.

Dia-a-dia de cada órgão Paulo Nogueira Ramos, vogal para formação e comunicação do CC/AAC, relata que o órgão centraliza o seu esforço diário em dar apoio jurídico às secções culturais e em identificar os possíveis conflitos de competências nas estruturas, além de tentar promover a divulgação por meios de comunicação da Universidade de Coimbra (UC). O secretário-geral do CD/ AAC, Miguel Franco, explica que a gestão dos espaços desportivos ocupa a maior parte do tempo. Por sua vez, a secretária-geral do CIN/AAC, Francisca Gonçalves, destaca que as suas funções se focam na carreira profissional e apoio aos núcleos. As dificuldades em meio pandémico A pandemia de COVID-19 afetou de formas distintas os órgãos intermédios da AAC. Francisca Gonçalves referiu que o CIN/AAC perdeu capacidade de financiamento, em função da fonte de receita com origem nas festas académicas. “As atividades de aproximação dos núcleos e das saídas profissionais ficaram estanques pela incerteza do futuro”, explica a secretária-geral. Para Miguel Franco, o problema dos espaços desportivos agravou-se em função de restrições de treino e pelo seu uso como centros de vacinação e testagem. Paulo Nogueira Ramos conta que a exposição das secções culturais ficou prejudicada. A apresentação das estruturas dentro das faculdades fazia parte da estratégia de divulgação e esta não se concretizou por causa do isolamento. A alternativa proposta foi o envio de um ‘e-mail’ a toda a comunidade letiva com conteúdo expositivo das secções, mas este não aconteceu por falta de apoio da Reitoria.

IRIS PALMA


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Diversidade de género estampa a Casa da Esquina

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BEATRIZ JALES

Exposição “Glossário Feminista Ilustrado” reúne três ilustradoras para descomplicar terminologias de questões de género. Artistas defendem que “ninguém quer ter o seu trabalho reconhecido pelo seu género ou identidade”

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Casa da Esquina abre as portas à exposição “Glossário Feminista Ilustrado” ao desafiar três ilustradoras de Coimbra a desenhar um dicionário feminista sobre questões de género. Não-binariedade, androcentrismo, interseccionalidade e misoginia internalizada são apenas alguns dos conceitos que as artistas tentaram desconstruir­­­ . As representações explicam também termos ingleses e conceitos académicos, como ‘male gaze’ ou ‘gaslighting’. As ilustrações de B ­ eatriz Costa, Margarida Ferreira (de nome artístico Amargo) e Filipa Namorado pintam as paredes do espaço até 23 de março. No contexto de um mercado “escasso”, como comenta a responsável da Casa da Esquina, Filipa­­­­ Alves, surgiu o Projeto Marquise, que foi, em 2016, “o primeiro projeto de ilustração que surgiu em Coimbra”. A iniciativa tem como propósito “dar uma casa às pessoas que faziam ilustração”, explica a organizadora. Hoje em dia, há “muita gente de Coimbra que se ocupa desta arte”, complementa Filipa Alves, como é o caso das três ilustradoras que participam na nova exposição da Casa da Esquina. O grupo escolheu os conceitos e “atribuiulhes um ‘twist’ contemporâneo”, com o intuito de “tornar a comunicação menos massuda e mais acessível”, esclarece Beatriz Costa. A artista Amar­ go­­­­­­­­­­ confidencia que “o processo exigiu pesquisa para certificar que as terminologias eram explicadas de forma clara, sem serem influenciadas pelas ideias pré-concebidas” que a própria artista teve de “aprender a desconstruir”. As ilustrações ­expostas são complementadas por textos breves que explicitam conceitos “que, às vezes, podem ser ­assustadores e difíceis de compreender”, admite ainda Filipa Namorado.

- POR BEATRIZ JALES E ANA FILIPA PAZ -

“Todos temos um papel com o que pudermos e, no nosso caso, o que podemos é fazer desenhos”, Beatriz Costa As três ilustradoras nasceram em Coimbra, mas apenas se conheceram na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Segundo a artista Bea­triz Costa, a ideia de colaborarem já existia há a­ lgum tempo e já havia sido proposta às responsáveis da Casa da Esquina. De momento, nenhuma está a trabalhar em Coimbra, no entanto Filipa Namorado­­acredita que “a vontade e a paixão para fazer­ ilustração, assim como os artistas que a fazem, ­estão todos cá”. Apesar de já começarem a existir alguns pontos importantes para esta arte em Coimbra, como a livraria Faz de Conto, no Exploratório - Centro Ciência Viva de Coimbra, e a livraria Bruaá, no Convento São Francisco, as ilustradoras não têm conhecimento de outras mostras de ilustração na cidade. A artista Amargo revela que, onde vive, “a contracultura é vibrante e há muita cultura por todo o lado, mas em Coimbra isso não acontece”. Beatriz Costa realça também o facto de se realizarem poucas exposições e de não existirem galerias de ilustração. “O espaço de ilustração em ­Coimbra ainda pode crescer”, admite a artista.­ ­­Filipa Namorado crê que, “muitas vezes, não é uma falta de iniciativa”, mas sim “uma falta de divulgação ou até de público”. Segundo a ilustradora, “​​tem havido um esforço, sobretudo nos últimos anos, de tentar diversificar as plataformas em muitas áreas, incluindo na ilustração”. Amargo considera que “as mulheres estão bem representadas na ilustração”. Beatriz Costa admite que as suas “maiores referências são ilustradoras mulheres”. Porém, todas defendem que pode

ser redutor referir apenas géneros binários entre os grandes nomes desta atividade. “Ninguém quer ter o seu trabalho reconhecido pelo género que é ou pela identidade que tem”, reitera Beatriz Costa. Pelo que se tenta cada vez mais exigir a inclusão, “tanto ao elevar vozes de autores marginalizados, como na diversidade dos corpos representados”, aponta Filipa Namorado. A exposição “Glossário Feminista Ilustrado” teve o cuidado de representar corpos “que mostras­sem essa diversidade a todo o nível”, explica Filipa Namorado. As várias representações de género, etnia e capacidades “mostram que o ser humano é muito diverso e que há muito para explorar”, acrescenta. Beatriz Costa regista que “o objetivo com a representatividade de corpos e cor de pele diferentes é fazer com que o normal também possa abarcar esse tipo de pessoas”. Para além de querer garantir a inclusão da diferença nas suas obras, as artistas buscaram “levar as pessoas a questionar-se, fazer sua própria pesquisa e refletir”, desvenda Amargo. Para concluir, Margarida Ferreira confessa que este projeto foi “uma experiência e aprendizagem”. Já para Beatriz Costa “ainda há muito por fazer”, mas a iniciativa “é um passo para conseguir tornar estes conceitos mais acessíveis”. Filipa Namorado reflete na importância de “poder ter acesso a este espaço e chegar às pessoas”. A ilustradora reconhe­ ce que ficaram “surpreendidas com a quantidade de público e com os comentários que faziam”. Para Filipa Alves, o resultado da exposição tem sido positivo para todas as faixas etárias, com destaque para as “pessoas mais velhas”, que “ficam muito curiosas com os conceitos”.


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Coimbra ilustrada por três livrarias independentes Proprietários explicam dificuldades sentidas na gestão do negócio livreiro. Oferta de especialidade e atendimento personalizado são apontados como traços diferenciadores

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istórias e personalidades diferentes não invalidam o que une três livrarias independentes de Coimbra. A Dr. Kartoon, a Bruaá e a Faz de Conto partilham entre si o facto de se especializarem em ilustração. Os livreiros destacam a importância de organizar eventos colaborativos, a necessidade da valorização da literatura e o poder narrativo da imagem. Em 1998, a Dr. Kartoon é fundada por Fanny ­­­De­nay­er­­, cidadã belga que, em 2007, abandona Portugal e deixa a livraria de Banda Desenhada (BD) ao cargo de quatro amigos, seus clientes habituais. João Miguel Lameiras é livreiro, editor, autor e um dos sócios-gerentes da loja desde 2006. “A BD franco-belga continua a ser um dos pontos fortes da livraria, mas houve a preocupação de alargar o leque de ofertas”, explica. Apesar de tentar cultivar o gosto pela BD, a Dr. Kartoon afigura-se a uma “loja de nicho”, pois a oferta especializada tende a atrair um “público específico”, conta o autor. A promessa de um atendimento personalizado é uma das características que atribui às livrarias independentes. Porém, a independência também suscita algumas dificuldades. Segundo João Miguel Lameiras, a menor escala da loja dificulta as importações das obras. “A FNAC e a Bertrand, por exemplo, são empresas grandes e, por isso, têm outra capacidade financeira”, comenta. O editor confessa que o período pandémico “foi complicado para assegurar a sobrevivência do espaço” e sublinha a importância da realização de eventos como o “Coimbra BD” para alargar o público da loja. O livreiro reitera ainda que parcerias como o “Ilustríssimo - Mercado de Ilustração” são necessárias para promover “as associações com outras livrarias especializadas”.

RAQUEL LUCAS

DÉBORA CRUZ

- POR DÉBORA CRUZ E RAQUEL LUCAS -

DÉBORA CRUZ

A fundadora da Faz de Conto, Sofia Correia, também remete para os benefícios da criação de eventos como o “Ilustríssimo”. A livreira aponta que, para além da criação de um “espaço para a promoção da literatura”, uma das vantagens da iniciativa é “a aproximação do leitor com os autores, editores e livreiros”. A proprietária da loja, localizada no Exploratório - Centro Ciência Viva de Coimbra, considera ainda que “um evento traz sempre notoriedade ao espaço”. Apesar da perceção de que os livros ilustrados são apenas para crianças, Sofia Correia

afirma que o seu público-alvo é composto por “todos os que gostem de ilustração”. “A desvalorização da arte literária, a falta de recursos humanos e os problemas provocados pela pandemia” são apontadas pela fundadora como as principais dificuldades de gestão. A proprietária lamenta ainda o número reduzido de livrarias especializadas em Coimbra. Apesar das adversidades, “fechar a loja nunca foi opção”, assume. A plataforma ‘online’ e a distribuição de livros pela cidade ajudaram o espaço durante esse período. A proprietária acredita que as livrarias independentes possuem o “papel social e cultural de oferecer e divulgar autores’’. O objetivo da livreira é “oferecer um produto diferente e um serviço personalizado com foco na ilustração”. Sofia Correia acredita que “em Coimbra, a literatura está muito aquém do que poderia estar”. Assim, encara a necessidade de valorizar este tipo de espaços como “parte integrante do polo cultural da cidade”. Miguel Gouveia, co-fundador da Bruaá, não considera que exista uma “desvalorização da arte literária”, mas sim uma “falta de interesse pelo livro”. O editor faz referência ao estudo “Práticas Culturais dos Portugueses”, conduzido pela Fundação Calouste Gulbenkian e pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, que indica que cerca de 61 por cento da população portuguesa não leu um único livro em 2021. Bruaá, galicismo para “burburinho”, é também o nome da editora, fundada em 2008, e da livraria que Miguel Gouveia e Cláudia Gomes possuem na Figueira da Foz. Em 2016, o Convento São Francisco acolheu a livraria especializada em ilustração. A posse simultânea da editora e da livraria é encarada como uma vantagem. “É um luxo ter a visão de 360º sobre todo o processo, desde a criação do livro à sua chegada ao mercado”, revela. Os fundadores criaram a editora e as livrarias devido à crença de que havia, em Portugal, “pouca variedade e oferta estrangeira”, refere o livreiro. A escolha da ilustração como especialidade partiu do seu “poder de narração”, justifica. Quando questionado acerca das colaborações com a Faz de Conto e a Dr. Kartoon, o editor ressalta a importância de unir forças. “O sucesso das outras livrarias é o sucesso da Bruaá”, conclui.


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Catarina Costa, a promessa portuguesa para Paris2024 A judoca conta como tem sido preparação para as próximas competições e como concilia Medicina na Universidade­­­ de Coimbra (UC) com treinos. Catarina Costa esclarece os seus objetivos principais para esta temporada, além de salientar o orgulho em ser atleta da AAC - POR LARISSA BRITTO E FILIPE RODRIGUES -

Como tem sido a tua rotina de treino? Os treinos são bidiários. Durante a semana, faço dois treinos técnicos de manhã e dois a três físicos de manhã. Depois, à noite, é um treino de judo com ‘randori’, que é mais intenso. Aos fins de semana temos estágios da seleção nacional, em Cernache, o que é uma vantagem termos aqui a elite do judo português a treinar em Coimbra, porque podemos evoluir em conjunto. É claro que a seleção é mais forte do que um clube isolado, propício à evolução. E a preparação física e o acesso à fisioterapia? A preparação física é feita no ginásio ao lado e isso é muito bom, porque podemos fazer trabalho de transição para o judo ao lado do nosso tapete. Temos um fisioterapeuta do clube que nos acompanha, o que é muito positivo, porque é natural que um atleta de alta competição tenha lesões e ter esse apoio da parte fisioterapêutica é bom. Como classificas a tua prestação no Grand Prix de Portugal? Eu não ia com grandes ambições para a competição, queria dar o meu melhor, sabia que era uma boa maneira de começar a temporada, mas havia vários obstáculos. Para começar, é início de época, uma competição que sai fora do nosso calendário de preparação. Eu estava confiante por poder lutar novamente em Portugal. São raras as competições em que não medalhei em casa. Então, começar a época com o ouro foi muito bom, porque é o resultado de vários anos de trabalho. É muito difícil conciliar os estudos com o treino? Sim. Estudar medicina tem exigências, portanto, conciliar com os treinos é difícil, devido à matéria e ao quanto tenho que estudar. Estudo em tempo parcial, tenho o apoio dos meus colegas que me passam apontamentos. Até mesmo os próprios professores e a faculdade facilitam se eu falto, mas, acima de tudo, o que me move é a força de vontade. Quais os objetivos para esta temporada? Os dois grandes objetivos são o campeonato da Europa e do Mundo, já que estive em quinto lugar nestas duas competições e, agora, o objetivo é conseguir chegar ao pódio. Por isso, estamos a preparar-nos para estas grandes competições, em particular para o Europeu, que é mais a curto prazo.

Como olhas para a possibilidade de lutar novamente por medalhas em Paris? Isso já é um objetivo a longo prazo. Há alguns a curto prazo que quero concretizar, como chegar ao top 3 do ‘ranking’ mundial. Claro que Paris está sempre no horizonte e é um objetivo a ter em conta, mas gosto também de aproveitar o percurso até aos Jogos Olímpicos, toda a preparação, competições e apuramento. O que te fez começar a treinar judo? Sempre fui apaixonada por desporto. Andava no colégio Rainha Santa Isabel, e, um dia, o treinador de judo passou e convidou-me para experimentar uma aula. Eu, na altura, fiquei com curiosidade sobre o que era o judo, e desde aí nunca mais parei. E ele ainda é um dos meus treinadores, o que é muito

“A modalidade tornou-se uma grande paixão e quando passei a competir percebi que era aquilo que queria fazer”

gratificante. A modalidade tornou-se uma grande paixão e quando passei a competir percebi que era aquilo que queria fazer. Como vês a relação do país com o desenvolvimento do desporto? Cada vez mais tem sido feito um bom trabalho em prol do desporto, sobretudo o escolar. No meu caso, foi através da escola que entrei para o judo. E acho que têm sido feitas várias iniciativas para levar a prática desportiva para as escolas e acho que isso é muito positivo na formação de novos atletas. O que pensas do futuro da modalidade? Em Portugal penso que o judo se tem desenvolvido bem Tivemos atletas de sucesso na seleção nacional, como a Telma Monteiro e o Jorge Fonseca, que deram um grande ‘boom’ no judo português. Já a nível mundial, está a afirmar-se cada vez mais, já que somos um país que tem uma grande tradição no judo e sabe-se que os atletas portugueses são profissionais focados e dedicados à modalidade. Quais são as tuas fontes de inspiração para a prática deste desporto? Os meus treinadores, por tudo o que me ensinaram e ensinam, e que me fazem evoluir enquanto atleta e como pessoa desde cedo. O judo da Académica é uma segunda família e os meus colegas e amigos do treino têm um papel importante. Depois, a minha família, que é a base de tudo, e os meus colegas da seleção. Todos eles me inspiram de alguma maneira pelas suas histórias. Existe uma importância na presença de representatividade feminina em desportos de luta? Sim, acho que cada vez mais vemos atletas femininas e jovens, portanto, crianças mais novas, meninas a praticar este tipo de desporto de combate e poder. E ser um exemplo para elas ou fonte de inspiração não é uma responsabilidade, mas um motivo de orgulho poder passar alguns valores e mostrar que são capazes de alcançar os seus sonhos. Qual é o peso de representar a AAC e ser uma atleta de alto nível? Não diria que existe um peso, apenas que existe muito orgulho e um privilégio poder representá-la, pois era o meu sonho desde pequena: treinar na Académica. Era onde via os melhores atletas de Coimbra a treinar e sabia que ali era o sítio onde eu um dia iria estar.

LARISSA BRITTO


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A evolução do papel das mulheres na Ciência Investigadoras da UC notam progressos em políticas no combate à desigualdade. Educação é arma fundamental para expandir horizontes das crianças - POR FÁBIO TORRES -

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Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, que se celebra a 11 de fevereiro, foi estabelecido em 2015 pela ONU. O objetivo é promover o debate em torno das desigualdades que persistem na área das ciências em relação à disparidade de cargos e oportunidades. Para tal, o Jornal A CABRA entrevistou quatro investigadoras da Universidade de Coimbra (UC) sobre o seu trabalho e as desigualdades que possam surgir. Susana Echeverría é professora auxiliar no Departamento de Ciências da Vida (DCV) e doutorada em Ecologia Vegetal. A sua investigação intercede sobretudo nas interações entre as plantas e os solos em que vivem. Segundo a docente“a ciência é para as pessoas curiosas”. Filipa Bessa é investigadora do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente da UC (MAREUC). A cientista dedica-se à investigação sobre a poluição marinha e ecologia. Atribui a David Attenborough o seu gosto inicial pela ciência após “horas a ver os filmes dele”. Admite também que os pais “sempre alimentaram o gosto pelos oceanos”. Tatiana Moura iniciou o seu percurso académico no curso de Relações Internacionais (RI). É, neste momento, investigadora no Centro de Estudos Sociais (CES), com foco no feminismo das RI e em estudos sobre a masculinidade. A oportunidade de “ter acesso a temas sobre o papel das mulheres nas guerras” incentivou-a a seguir o seu atual ramo de investigação. Por fim, Cláudia Cavadas é a vice-reitora encarregada pelas áreas de Investigação e 3º Ci­c lo da UC. O seu interesse pela investigação nasceu “no Mestrado de Biologia Celular”. Neste momento, está também à frente da iniciativa GendER@UC, um projeto que visa promover a igualdade entre géneros na área da investigação científica. A tomada de consciência para a existência de desigualdades entre homens e mulheres é a principal evolução que as investigadoras notam desde o início das suas carreiras. Susana Echeverría confessa que “no início, nem se falava de haver discriminação”. Tanto Tatiana Moura como Cláudia Cavadas concordam que a quantidade de mulheres no Ensino Superior e em posições de investigação aumentou. No entanto, Filipa Bessa sublinhou que “em cargos de responsabilidade, há mais homens”. A vice-reitora afirma que, para fazer frente a possíveis disparidades que persistem, a “UC tem já um plano para a igualdade de género”. Alega ainda que este plano de inclusão tem “várias medidas para mitigar a desigualdade”. Por ou­tro lado, a investigadora do CES considera que “a aca­demia está longe de ser um exemplo”. Dessa forma, há algumas ideias comuns entre as investigadoras. É consensual a necessidade de garantir que, em cargos de responsabilidade e em júris de mestrado e doutoramento, “haja o mesmo número de mulheres e de homens”, afirma Susana Echeverría. Para Tatiana Moura, tem de

se criar condições para as mulheres conseguirem “conciliar a vida pessoal com a profissional”. Filipa Bessa acrescenta que há “falta de apoio”, como, por exemplo, na “fase de maternidade”. Cláudia Cavadas afirma, no entanto, que pelo menos “nos júris de doutoramento, é obrigatório existir uma percentagem significativa à diversidade de géneros”. O dia 11 de fevereiro é importante também por diversos motivos. Para Tatiana Moura, serve para “colocar cá fora alguns dados de desigualdade crónicas”. Ao mesmo tempo, funciona de modo a “relembrar que não se vive numa sociedade igualitária”. Filipa Bessa demonstra que “existem muitos países com dificuldade no acesso ao c o n h e c i m e n t o”, pelo que permite “dar força à luta por um direito que devia ser u n i v e r s a l ”. Cláudia Cavadas fina­ liza que o importante é “as mu­ lheres não s e r e m impedidas de envergarem p o r a q u i­l o que que­ rem”. A l u t a p e l a igualdade d e género na ciência e na sociedade não é uma luta exclusiva das mu­ lheres. Para a investigadora do MAREUC, é “fundamental que os homens estejam en-

TOMÁS BARROS

volvidos no processo e comprometidos com a causa”. Tatiana Moura avança, aliás, que é necessário “dizer aos rapazes que podem, e devem, fazer trabalho doméstico”. Para as investigadoras, a educação das crianças é a principal medida para diminuir, de forma gradual, a desigualdade. Susana Echeverría­­­­ acredita que é importante “não restringir os caminhos das crianças”. A doutora Filipa Bessa adianta que há “cada vez mais programas e ati­ vidades de literacia mediática”. Já a investigadora do CES afirma que a educação deve ser feita “a partir da família ou das escolas”. Estas iniciativas funcionam também, segundo a investigadora do MARE-UC, para “passar a comunicação das crianças aos pais, já que estas são veículos de comunicação incríveis”. Susana Echeverría acha que “o futuro é positivo”. Tatiana Moura quer “acre­ ditar que sim” mas há ainda “dados desanimadores”. Para Filipa Bessa, “se existir educação as pessoas podem ser mais efetivas”, dado que “o conhe­c imento é o motor da capacidade de pensar e de se tornarem cidadãs mais participativas”. Cláudia Cavadas finali­z a que, “em especial, as novas gera­ç ões vão notar melhorias”.


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UC reconhecida pela sua capacidade de inovar Prémio destaca criação de patentes como indício da sua capacidade de inovação. Investimento a longo prazo na área da investigação é origem do mérito - POR JORGE BOTANA E SOFIA PUGLIELLI -

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Universidade de Coimbra (UC) está posicionada no segundo lugar do TOP 3 das universidades mais inovadoras em 2020/2021 no Prémio Líderes Inovação Portugueses. O estudo, desenvolvido pelo Consumer Guidance Institute Portugal, teve como critério de avaliação o número de pedidos e registos de patentes feitos pelas instituições. A UC encontra-se nesta posição pelo segundo ano consecutivo. “O número de patentes com certeza é um indicador, mas não reflete aquilo que é a inovação”, expressa o vice-reitor da Inovação e Empreendedorismo, Luís Simões da Silva. Para além deste galardão, a UC tem reunido uma série de reconhecimentos em diferentes áreas, como o Portugal Digital Awards 2021, atribuído à plataforma UCTeacher como melhor projeto educativo do ano, ou o prémio de Melhor Universidade da Associação Europeia do Desporto Universitário. Acrescenta ainda os diversos reconhecimentos que estudantes e docentes têm recebido ao longo do tempo. Nos mais recentes destacam-se um prémio ganho pela tecnologia desenvolvida na prevenção do sofrimento de animais na ciência e o reconhecimento a docentes da Faculdade de Economia da UC por uma obra sobre os poderes sindicais. O vice-reitor para a Cultura e Ciência Aberta, Delfim Leão, reforça a ideia de que a capacidade ­inovadora da instituição vai além da quantidade de patentes registadas, como por exemplo na área do registo de direitos de autor. É o caso da Imprensa da UC, a qual “soube juntar uma tradição de 250 anos a novas tecnologias”. Refere assim que o segredo para este sucesso provém da capacidade que a UC demonstrou em conciliar a tradição com a inovação e declara que “nenhuma instituição aguenta 732 anos sem inovar”.

Estes méritos são possíveis através da prioridade dada à área da investigação e inovação. A inovação parte de “uma procura ativa de necessidades que mais tarde são trazidas como desafios para a academia”, explica o vice-reitor Luís Simões da Silva. O processo de desenvolvimento de projetos passa pela identificação de grupos que propõem iniciativas que, mais tarde, são acompanhadas por equipas de investigação. A taxa de sucesso de propostas que alcançam a obtenção de uma patente é razoavelmente elevada, na medida em que “a maior parte dos projetos são transformados em patentes mais tarde, ou mais cedo”, acrescenta. A investigação De momento, cerca de duzentos projetos encontram-se a ser elaborados, nos quais “a investigação é que suporta todo o processo de inovar”, alega a vice-reitora da Investigação e 3º ciclo da UC, Cláudia Cavadas. Explica que a universidade conta com 37 centros de investigação em todas as áreas, compostos por investigadores, docentes e estudantes de segundo e terceiro ciclo, que acompanham os projetos. A vice-reitora também refere que o financiamento é avaliado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia com base na sua organização, trabalho e capacidade de atrair financiamento. Uma vez acabados os projetos, o seu caminho continua, muitas vezes, além das fronteiras da academia. “Ideias muito boas podem ser vendidas a entidades financiadoras”, assegura o vice-reitor Luís Simões da Silva. Entre as entidades encontram-se empresas que “têm interesse pelas patentes e pagam à universidade para as utilizar”. Isto beneficia tanto os grupos de investigação como a UC, na medida em que possibilita a “criação de equipas maiores, equipamentos mais modernos e o alargamento das instalações”. A máxi-

ma é “atrair ideias que tenham potencial para atrair resultados”, finaliza o vice-reitor. Os estudantes e o futuro “Nenhuma instituição tem futuro se não souber promover e estimular os seus estudantes para estarem na linha dianteira de inovação”, expressa o vice-reitor Delfim Leão. Para isto, o vice-reitor Luís Simões da Silva explica como a universidade procura disponibilizar um conjunto de iniciativas que promovem a participação ativa dos estudantes, como a Académica Start UC e o Inovação@UC. Delfim Leão incentiva ainda a participação dos estudantes e rei­ tera que “o que os diferencia mais tarde como bons profissionais é a capacidade de trazer novidades e surpreender pela positiva”. A atitude a ser tomada é marcada pelo inconformismo, declara Luís Simões da Silva. Em relação aos serviços fornecidos para o apoio da inovação, considera que o grau de satisfação tem vindo a aumentar, mas defende que “deve manter-se uma atitude de insatisfação, com o intuito de querer sempre melhorar”. Esta perspetiva acaba por dar origem a “toda uma dinâmica de apoio à investigação” que, nas palavras da vice-reitora Cláudia Cavadas, “marca o ecossistema da UC e promove uma estratégia que tem sido reforçada”. Desta forma, todos os reconhecimentos adquiridos pela academia ao longo dos anos parecem ser o resultado de um longo processo de investimento na investigação. O vice-reitor Luís Simões da Silva sublinha que “é importante haver divulgação dos projetos”, pois esta contribui para que um maior número de pessoas fiquem motivadas para o desafio da inovação, “o que desmitifica como as oportunidades estão ao alcance de qualquer pessoa aplicada”.

GendER@UC luta por igualdade de género na ciência Falta de mulheres em lugares de chefia impulsionam iniciativa. Espera-se que projeto seja capaz de amenizar desigualdades

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pesar do aumento da presença feminina no ambiente académico, alguns entraves têm impedido as mulheres de desenvolver as suas carreiras de forma igualitária. Estas são as palavras de Cláudia Cavadas, vice-reitora para a Investigação e 3º ciclo da Universidade de Coimbra (UC) e diretora do Instituto de Investigação Interdisciplinar da UC (iiiUC). De acordo com dados da PORDATA, o número de mulheres a frequentar o Ensino Superior em Portugal tem aumentado de forma exponencial desde 1978, número que ultrapassou o de homens nas universidades portuguesas em 1986. No entanto, Cláudia Cavadas afirma que a conciliação da carreira profissional com a vida familiar dificulta a progressão das mulheres na área científica. “Muitas mulheres estão a entrar no ramo da ciência como professoras ou investigadoras, mas menos

- POR DANIEL OLIVEIRA -

chegam a carreiras de topo”, expõe a vice-reitora para a Investigação e 3º ciclo da UC. É com base neste cenário que a mesma é coordenadora da iniciativa ‘Gender-Equal Research’, ou GendER@UC. A diretora do iiiUC conta que há “um ano que o projeto surgiu” A iniciativa pretende “promover a igualdade de género na investigação conduzida na UC”, como consta na sua página ‘web’. Com esse objetivo traçado, começou por se fazer “um mapeamento das políticas e situação das unidades de investigação”, relata Cláudia Cavadas. A UC já tem objetivos no seu Plano para a Igualdade, Equidade e Diversidade, que podem ser consultados ­através do ‘site’ do GendER@UC. Essas estratégias seguem os pontos 5 e 10 dos Objetivos de Desenvolvimento Susten­tável da ONU que remetem para a redução das desigualdades e para a igualdade de género. “No caso dos júris de doutoramento, tem de existir uma percentagem mínima de mulheres e homens”, exemplifica a vice-reitora.

Claúdia Cavadas acrescenta que “vão ser feitas várias atividades para promover questões de género, quer de homens quer de mulheres, em todas as áreas científicas”. A diretora do iiiUC espera que as várias iniciativas te­ nham um impacto significativo, “para que estes temas sejam abordados de uma forma mais transversal”. O GendER@UC conta com a colaboração de institui­ ções como a Universidade da Islândia. Segundo Cláudia Cavadas, “a iniciativa tem um financiamento associado e esta colaboração é um requisito essencial”. A vice-reitora sublinha ainda que o facto de a Universidade da Islândia ter experiência com projetos deste âmbito permite “uma partilha de boas práticas entre as instituições”. Espera-se que a iniciativa da UC, que também conta com a colaboração do projeto SUPERA, promova o aumento do número de mulheres que se candidatam a financiamentos altamente competitivos. “A igualdade de oportunidades é muito importante”, reforça a diretora do iiiUC.


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Empenho e entreajuda mantêm “chama acesa” do hóquei feminino na 1ª divisão Necessidade de infraestruturas e horários restritos dificultam trabalho da equipa. Capitã do grupo salienta falta de divulgação da modalidade feminina

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o primeiro escalão, a equipa sénior feminina de hóquei em patins da Associação Académica de Coimbra (AAC) disputa a fase final do Campeonato da 1ª Divisão. Apesar das adversidades, o treinador, Carlos Fernandes, realça a resiliência das atletas e sublinha que conseguiram atingir o primeiro objetivo ao integrarem as oito melhores equipas do país. Ao longo desta época, a capitã, Joana Campos, revela que “têm existido muitas dificuldades” e menciona o facto de a equipa ter ficado sem pavilhão no final de dezembro. Devido à realização da época de exames no local de treino habitual, o grupo teve que se deslocar para fora de ­Coimbra, sem alternativas dentro do concelho. “Tivemos de ir a pavilhões de escolas que não tinham balizas de hóquei nem tabelas e não conseguimos treinar aquilo que precisávamos a nível técnico”, revela a capitã. Por outro lado, o treinador aponta a dificuldade de a ­equipa ter enfrentado esta época com um plantel reduzido. Joana Campos também menciona este problema, e refere que “jogadoras que influenciavam a dinâmica da equipa acabaram por sair”. Porém, Carlos Fernandes reforça que, “felizmente, foi possível avançar, e estas atletas estão de parabéns pela entrega e pela resposta ao compromisso assumido”. Quanto à prática da modalidade, Carlos Fernandes ­refere que a equipa sénior é a que “se apresenta com as piores condições para treinar neste campeonato”. O ­ técnico lamenta que haja “menos de três horas sem­­­a­­­­­­­­nais que são insuficientes e ficam muito abaixo do mínimo aceitável para este nível de competição”. A presidente da Secção de Patinagem da AAC (SP/AAC), Cristina Pinto,

- POR CRISTIANA REIS -

GABRIELA MOORE

aponta para a falta de financiamento e insuficiência de infraestruturas. “Os escalões seniores podem estar ao mais alto nível, mas, para isso, precisamos de mais investimento e de olhar para infraestruturas e espaços desportivos”, diz. Após dois anos sem público, a capitã revela existirem “cada vez mais estudantes” nas bancadas devido à divulgação que é feita pelas próprias atletas. No entanto, considera que a modalidade em si “não é tão reconhecida pela comunidade como as restantes”. Para além disso, Cristina Pinto sublinha que “é preciso fazer do desporto um fator importante, não só de coesão, como de atração para a UC”. Já o treinador acredita que “a estrutura da AAC deveria ser também facilitadora da chegada de ­novos atletas, como em anos anteriores”. As diferenças entre equipas masculinas e femininas permanecem. Joana Campos afirma que “não é só no hóquei que isso acontece” e menciona ainda a questão salarial. “As equipas masculinas conseguem viver do hóquei como profissão, o que para as raparigas é impossível”, admite. A atleta alerta ainda para as dife­ renças na divulgação, uma vez que “o hóquei feminino não é ­divulgado, nem pela Federação, nem nos jornais desportivos”. Cristina Pinto reconhece que “o desporto feminino tem sempre muito mais dificuldade de afirmação” e que “ainda há um caminho a fazer”. Carlos Fernandes salienta que “só com muito empe­ nho é que se consegue manter a chama acesa da equipa”. Já Joana Campos enfatiza “a união e o espírito de entreajuda das atletas, equipa técnica, seccionistas e diretores” como pontos fortes do grupo e que as têm guiado até aqui.

Do gosto pelo bilhar à conquista de títulos nacionais Secção de Bilhar da AAC conta com atletas na primeira divisão nacional de ‘pool’. Objetivo é aproximação a ­estudantes que gostem de praticar modalidade

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riada em 2009, a Secção de Bilhar da Associação Académica de Coimbra (SB/AAC) surgiu graças a um conjunto de ex-estudantes da Universidade de Coimbra (UC) interessados em praticar este desporto. Hoje em dia, a Académica participa em competições da Federação Portuguesa de Bilhar, tanto individuais como de equipas, e em fases distritais e nacionais. O fundador e diretor desportivo da secção, Ricardo Salgado, conta que “no início, o objetivo era angariar novos sócios, mas, por volta de 2013, começaram a competir por títulos nacionais”. Desde essa altura, é isso que têm feito “com sucesso”, segundo o fundador, visto que a Académica é um dos clubes com mais títulos a nível nacional e com atletas a disputar o campeo­ nato nacional da primeira divisão. Ao longo da sua existência, a secção contou com ­equipas masculinas e femininas, embora, de momento, esteja sem equipa feminina. De acordo com o diretor desportivo, a menor participação das mulheres neste desporto “é uma realidade nacional, europeia e mundial”­­­. A secção é composta por atletas universitá­

- POR ALEXANDRA GUIMARÃES -

rios e não universitários de diferentes idades. Guilherme Lemos, aluno de Engenharia Informática­­na Faculdade de Ciências e Tecnologia da UC, ingressou na secção há seis anos, antes ainda de ser ­estudante. O aluno revela que não jogava bilhar antes de entrar na equipa e que esta foi a sua oportunidade para aprender, o que o levou a participar no cam­ peonato nacional da modalidade. Já Carlos Jegundo, capitão da equipa B, começou a jogar a nível federado mais tarde, apesar de se interessar pelo bilhar desde a adolescência. Após ter terminado o curso, escolheu fazer parte da Académica por ser “um orgulho representar a AAC, emblema da cidade em termos académicos e desportivos”. Já foi campeão nacional e diz conseguir conciliar a prática deste desporto com a atividade profissional. Ricardo Salgado conta que os atuais objetivos da secção são “promover a ligação à comunidade universitária e, ao mesmo tempo, ter atletas a disputar títulos nacionais”. O diretor desportivo confessa que “gostaria de ter mais estudantes na secção, de modo a

voltar a constituir uma equipa universitária”, como já teve no passado. Carlos Jegundo explica que a dificuldade de divulgação junto dos estudantes se deve “a estarem mais ­deslocados do centro da cidade”. A secção mudou as suas instalações para Eiras no ano de 2018, após ter estado sediada no atual espaço das Cantinas Amarelas. Segundo o fundador, “regressar para o centro da cidade” é uma das prioridades. A secção promove treinos diários e tem em curso uma ação de formação integrada na iniciativa Expe­ rimenta UC, que permite aos estudantes universitários dar os primeiros passos na modalidade. O espaço da secção está aberto todos os dias em horário pós­­­­­­­­­­­­­­­­-­­­­­­la­ boral, à exceção de domingo. O diretor desportivo refere que “a condição para ­fazer parte da secção é gostar de bilhar”, o que coloca a hipótese de aprender a quem não sabe jogar. Já ­Carlos Jegundo sublinha a importância do associativismo e realça que “o desporto é um complemento da nossa formação e da nossa vida”.


8 de março de 2022

CATARINA MAGALHÃES

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Casas que perpetuam memórias

Antigas casas de personalidades célebres marcam ruas de Coimbra. Beleza de uma casa ser feita sobretudo de memórias, nas palavras de Dina de Sousa, torna residências apelativas

Em Coimbra, uma noite, noite macia de abril ou maio, atravessando lentamente com as minhas sebentas na algibeira o Largo da Feira, avistei sobre as escadarias da Sé Nova, romanticamente batidas pela lua, que nesses tempos ainda era romântica, um homem, de pé, que improvisava”. É no segmento de um dos contos do escritor e jornalista Eça de Queirós, “Um génio que era santo”, que descreve, como noutras obras suas, a cidade onde viveu e estudou Direito durante cinco anos. Placas estampadas com os seus nomes nas casas conimbricenses onde já habitaram ou até mesmo as suas habitações transformadas em museus, foi aquilo que, em Coimbra, algumas personalidades célebres deixaram. Assim, ainda hoje se sente a presença de nomes como Miguel Torga, Aristides de Sousa Mendes ou Antero de Quental pelas ruas da cidade. Ao vaguear por Coimbra encontra-se, algures na Sé Velha, o retrato de Eça estampado na casa que habitou nos seus tempos de estudante. Mais de um século depois, é o antigo estudante de História na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, o jovem Hugo Melo, que ocupa a casa do escritor. É “uma boa sensação” viver na residência onde o romancista habitou, descreve. A seu ver, “foi um escritor importante, que marcou uma geração e deixou um marco na história”. No entanto, reve­lou que não foi este o motivo que o levou a viver no local. Ao contrário da parte exterior, onde está exposta a placa com o nome do escritor, o interior, devido às remodelações, “não tem vestígios que indiquem que o escritor aqui viveu”, refere o antigo estudante, que vive com outro colega. Ao passar pelo Jardim Botânico, antes da chegada aos Arcos, encontra-se, à direita, a casa onde viveu Francisco Bissaya Barreto, aberta ao público como Casa Museu, desde 1986. Foi nesta

- POR CLARA NETO E SOFIA VARIZ PEREIRA -

residência que o antigo médico habitou durante 50 anos. Esta personalidade é responsável pela Obra Social de Coimbra, desenvolvida no século XX, cujo elemento mais conhecido é o Portugal dos Pequenitos. Ao entrar na casa do político, percebe-se que se trata de uma pessoa que “gostava de arte e que tinha cuidados com a luz e com a cor”, reve­ lou a responsável da Casa Museu, Marta Gama. Além disso, conhecê-la é “uma maneira de conhe­cer Bissaya Barreto e entender os espaços da cidade de uma outra forma”, acrescentou. Ao longo de todo ano, também é possível consultar o arquivo da coleção pessoal de Bissaya Barreto, no centro de documentação, onde funcionava a antiga gara­gem da casa. Neste momento, está disponível até dia 12 de março, no piso inferior do edifício, uma exposição temporária dedicada ao fotógrafo ­C arlos Relvas. No número 3 da Rua Fernando Pessoa é onde se encontra a Casa Museu Miguel Torga. Foi a 12 de agosto de 2007 que a casa onde habitou o escritor abriu portas ao público. Para mostrar a apreciação que tinha pela natureza, “Adolfo Correia da R ­ ocha foi buscar o segundo nome do pseudónimo a um arbusto da família da urze que se desenvolve espontaneamente em terrenos pobres e agrestes. Essa planta é a torga”, destaca Dina de Sousa, membro da equipa da Casa Museu Miguel Torga. O que torna o espaço apelativo é o facto de “a beleza de uma casa ser feita sobretudo de memórias”, frisa Dina de Sousa. Foi nesta casa que o escritor “exerceu o ato de escrita, de onde resultaram algumas das obras mais marcantes do seu percurso literário”, informou a também técnica superior da Câmara Municipal de ­C oimbra. Além disso, “encerra as lembranças de quem o criou e habituou e oferece, ainda, a descoberta de interessantes peças de arte que o valorizam e enriquecem”. Pela casa já passaram

algumas personalidades como “presidentes da república, primeiros-ministros, políticos, embaixadores, intelectuais, editores nacionais e estrangeiros e, sobretudo, muitos amigos”, revelou Dina de Sousa. A residência daquele que foi um dos principais escritores do modernismo literário português é apenas um dos vários espaços dentro da cidade dos estudantes que merecem uma visita. Além dos locais já referidos, também outras casas, como a do médico Elysio de Moura ou a do músico Zeca Afonso, marcada na fachada lateral por um retrato do intérprete, são pontos que compõem o percurso da vida das personalidades que fazem também parte da história de Coimbra.

FOTOGRAFIA CEDIDA PELA CÂMARA MUNICIPAL DE COIMBRA


14 cidade 8 de março de 2022

Mónica Quintela: “vou sempre lutar pelos interesses do distrito que represento” Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, ­Mónica Quintela, advogada de profissão, foi a cabeça de lista do Partido Social Democrata (PSD) por Coimbra nas eleições legislativas de 2022. A ferrovia, a habitação estudantil­­­ e a mudança do Tribunal Constitucional (TC) foram alguns dos temas abordados pela ­deputada representante do maior partido da oposição, numa altura marcada pela guerra­­­na Europa pós-pandemia - POR LUÍSA MACEDO MENDONÇA -

No âmbito do Dia Internacional da Mulher, começamos por lhe perguntar: ser mulher afetou, de alguma forma, o seu percurso profissional e político? Na advocacia não afetou, porque é uma atividade muito solitária. Como a advocacia é muito personalizada nos seus intervenientes, não senti­­­ essa dificuldade, portanto, é mais fácil provar ­aquilo que valemos. Por outro lado, na política, o que eu noto é que, muitas vezes, como não há um confronto direto e a possibilidade de estarmos à frente uns dos outros, há menos possibilidade de as mulheres se evidencia­ rem. Nessa medida, entendo que a política portuguesa ainda é misógina e que necessita de dar muitos passos em frente. Quando as quotas apareceram, eu fui contra elas, até porque tinha a minha experiência na advocacia e achava que as mulheres não deveriam­­­ser escolhidas por uma quota, mas sim pelo seu mérito. Contudo, hoje, tenho a noção exata de que as quotas são precisas. Conheço muitas mu­ lheres com muita capacidade, muito competentes, que não estão no lugar onde deveriam estar e devem ter oportunidades necessárias para lá chegar. Eu nunca senti desigualdade em relação a mim em específico, até porque nunca o permiti. Mas acho que as mulheres têm que fazer um esforço maior do que os homens para conseguir os mesmos resultados. É uma luta que todos temos que fazer, a fim de todas as gerações futuras viverem a plenitude da igualdade de género. Para continuar num tema caro aos Direitos das Mulheres: considera que, após o anúncio do local da nova maternidade, o projeto vai avançar? Eu espero que o projeto avance. Na verdade, este projeto da maternidade esteve perdido em discussões estéreis sobre qual seria o local. O que

se vê é uma questão que me preocupa muito: os fundos para a construção da maternidade não existem. No Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e no Portugal 2030 nada está previsto para a construção da maternidade e quando confrontei­­a Doutora Marta Temido com esta situação, ela disse que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tinha muito di­nheiro. Eu fiquei estupefacta por ver a relativização da situação e que pretendia canalizar­­­o dinheiro dos tratamentos dos utentes para a construção da maternidade, quando podíamos ter puxado para nós este projeto, que é vital para a região e para as mulheres. No fundo, trata-se do “ver para crer”. Sei que foi lançado o concurso para o projeto de arquitetura. Vamos ver o que é que este governo vai fazer­­. Coimbra e a região merecem e impõe-se que seja construída.

fixar as pessoas nos concelhos da região, tanto as que lá vivem, assim como fomentar a atração de novas pessoas, visto que há um despovoamento grande destas regiões. Para isso é necessário que as acessibilidades sejam uma realidade, para que a mobilidade aconteça. É preciso que haja intervenção nas estradas da região. Também é fundamental fazer a conclusão da obra do IP3 no troço que liga Coimbra a Viseu, que está perigosíssimo. Seria uma mais-valia enorme se conseguíssemos ter as duas capitais de distrito ligadas por uma autoestrada ou por uma via digna. AfiQual é a sua opinião sobre os votos obtidos pelo nal, a requalificação PSD em Coimbra e de que maneira isso foi ao en- do IP3 também não contro (ou não) das suas expectativas? está no PRR, nem no Não foi ao encontro. Estávamos na expectativa Portugal 2030. de eleger, pelo menos, quatro deputados, porque era isso que sentíamos na rua. O que se viu foi Estaria de novo disuma transferência de votos do Bloco de Esquerda, posta a trazer o tema uma vez que o deputado José Manuel Pureza não da mudança do TC foi reeleito. Os votos da esquerda acumularam-se para Coimbra? Qual no Partido Socialista (PS) e, de forma simultânea, a importância de volo Método D’Hondt deu o empurrão final para que tar à questão para a o PS tenha tido este resultado, apesar de o PSD ter Assembleia e, nestes noobtido mais votos do que em 2019. vos moldes de governo, acredita que a proposta seQue temas gostaria de trazer a debate nos próxi- ria de novo chumbada? mos quatro anos? Eu comprometi-me a aprePara o distrito, a coesão territorial. Não podemos sentar um novo projeto de lei ter cidadãos de “primeira” e cidadãos de “segunda”. para trazer o TC, a Entidade Portanto, é muito importante criar políticas para de Contas e Financiamentos Políticos e o Supremo Tribunal Administrativo para Coimbra e, portanto, vou apresentá-lo. Se vai ser aprovado na Assembleia da República (AR)? Isso já não sei. Dificulta muito esta nova composição da AR, porque o PS votou contra e tem maioria absoluta. Se mantiver o voto que teve na anterior legislatura, este projeto de lei vai ser reprovado. Era muito importante que Coimbra tivesse FOTOGRAFIA CEDIDA POR MÓNICA QUINTELA

“Na AR vou sempre ser voz para denunciar aquilo que tem que ser denunciado e erguer-me sempre contra aquilo que achar que não está bem”


8 de março de 2022 esta nova vitalidade, até porque era um sinal importante no sentido da descentralização dos serviços. Nós temos tudo concentrado em Lisboa e, mais do que nunca, Portugal é Lisboa e o resto é paisagem. Basta olhar para Coimbra, que está mo­ ribunda. Já não é a terceira cidade do país há muito tempo e está a ficar cada vez mais para trás, portanto era muito importante para a região. Temos uma expectativa grande na mudança do presidente da Câmara, que revitalize, que dê vida à cidade, porque não há. No anterior debate para as legislativas destacou a redução de rendas, duplicação de residências e a proposta de implementação do Sistema Nacional de Habitação. De que forma pretendem regressar à questão? O PSD não é governo mas, na verdade, fazia parte do programa que as residências estudantis duplicassem de número até 2026. Em simultâneo, entendemos que é necessário que haja uma política para a habitação, dado que não pode ser o Estado a fazer “caridade” (se bem que a expressão não é bem essa), mas não pode ser o Estado a distribuir e a providenciar essa habitação à custa dos particulares. Agora, o que nós pretendemos no programa é que seja o Estado a pro­ videnciar a habitação social.

Falou-se até de um Serviço Nacio­ nal de Habitação, à semelhança do SNS, ao providenciar a habitação social, em vez de se recorrer ao confisco aos particulares. Isto é uma das atribuições que cabe ao Es-

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“A última coisa que precisávamos­­, depois de dois anos de pandemia, era termos um vírus criminoso chamado Putin a atacar­­­os valores civilizacionais” tado: providenciar para que o direito à habitação, constitucionalmente consagrado, seja uma realidade. Não nos podemos esquecer que temos uma maioria absoluta do PS e a nossa ação ficou condicionada, mas iremos sempre pugnar para que, na AR, as nossas propostas passem. Em relação à alta velocidade, que também foi discutida nesse debate, qual a importância que reconhece à paragem do TGV em Coimbra? A importância é muito grande, até porque, como tenho dito, Coimbra não pode ficar “a ver passar comboios”. É completamente diferente a alta velocidade parar aqui ou numa qualquer estação que fique a meio termo, e deixar Coimbra ainda mais isolada. Como já disse, a cidade tem vindo a perder muitas competências e importância. Tem sido quase uma drenagem de serviços, empresas, pessoas, que já não está a conseguir fixar ninguém. O TGV é a possibilidade de unir Coimbra às principais capitais e fazer com que seja um empurrão para a região. Desta forma, estou disposta a lutar por aquilo que é do interesse do distrito pelo qual fui eleita e represento. Que soluções sugere para o problema da demora dos comboios? Considera que o projeto do Me­ tro Mondego consegue colmatar, de certo modo, algumas falhas? O que se passou com o projeto do Metro Mondego é absolutamente inconcebível. Eu recordo-me que cheguei a fazer ações de expropriação a pessoas que viviam nas margens daquela que iria ser a linha do Metro Mondego. Entretanto, com a bancarrota em que o governo de José Sócrates lançou Portugal, tudo ficou parado. Foram arrancados os carris e aquela ligação que havia entre Coimbra, Miranda do Corvo e Lousã deixou de existir e as pessoas fi­ caram sem essa possibilidade de transporte. No que diz respeito à questão do trajeto entre Coimbra e Figueira da Foz, que demora mais de uma hora de comboio, tempo este que é incerto porque, em determinados troços do trajeto, é necessária a cedência de passagem a outro comboio, a solução passaria por construir uma linha paralela, de maneira a não termos que ficar à espera que o outro comboio passe. O facto de não haver hora certa para o comboio causa grandes problemas, porque não é possível ter previsibilidade relativa ao tempo, o que não se compadece com os tempos modernos. Na nossa opinião, a solução passa pela duplicação da linha em alguns troços. Como deputada do PSD, que dificuldades acrescidas pode vir a enfrentar devido à maioria absoluta do PS? Enquanto deputada, tenho muito a fazer, porque a AR tem a obrigação de fiscalizar a ação do go­ verno e do Primeiro Ministro. Claro que a AR muitas vezes não consegue ter conhecimento de tudo

o que se passa, portanto, é essencial o escrutínio dos órgãos de comunicação social para que possam ajudar a escrutinar o governo. Na verdade, na ação de fiscalização do Governo não estarei limitada, porque há uma exigência ainda maior para o principal partido da oposição fiscalizar o Governo. Como tal, enquanto deputada eleita pelo PSD, tenho esse dever. Na AR vou sempre ser voz para denunciar aquilo que tem que ser denunciado e erguer-me sempre contra aquilo que achar que não está bem nas várias vertentes, seja na justiça, saúde, educação. Por último, gostaríamos de abordar a invasão da Ucrânia pela Rússia. De que maneira é que a guerra poderá acrescentar desafios à legislatura? A guerra da Ucrânia com a Rússia é uma coisa terrível. Estão em causa os princípios que me são mais caros, que é o Estado de direito democrático, a liberdade, a vida. Ver pessoas inocentes a perder a vida é uma desgraça que nos toca a todos. Putin não está só a atacar a Ucrânia. Putin está a atacar os valores da liberdade, da democracia, da pluralidade, da soberania dos Estados, da vida e da integridade física. Está a infringir, de forma cri­ minosa, todas as regras básicas da sã convivência em termos de Direito Internacional e dos povos que comungam e partilham os mesmos valores, princípios e direitos fundamentais. Vamos enfrentar grandes desafios, ao nível da nossa própria mobilidade, em termos de segurança, o custo de vida e a inflação que vão aumentar…. A última coisa que precisávamos, depois de dois anos de pandemia, era termos um vírus criminoso chamado Putin a atacar os valores ci­ vilizacionais. Por outro lado, tem sido com grande satisfação que tenho visto a solidariedade e conjugação de esforços que todos, não só os portugueses, mas das nações que comungam os mesmos ideais, princípios e valores a unirem-se contra Putin e não contra o povo russo. Tem algo a acrescentar? É importante que os eleitores conheçam os eleitos. Um deputado representa um país inteiro, apesar de ser eleito por um distrito. Por isso, queria deixar uma palavra de esperança, para que seja possível construirmos um país melhor. Os votos que deixo à comunidade estudantil é que possam realizar os seus sonhos e que nunca desistam deles.

Nota: O Jornal A Cabra tentou contactar, via ‘e-mail’ (pessoal ou através da concelhia), todos os deputados eleitos. Mónica Quintela mostrou-se, de imediato, disponível para a realizar. No próximo número impresso sairá uma entrevista ao número dois da lista candidata do PS às legislativas, Pedro Coimbra.


16 soltas 8 de março de 2022

CRÓNICAS DO TRODA - POR ORXESTRA PITAGÓRICA -

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lá queridos e queridas FAMS, com que então a covid já foi embora? As Santas aulas online bem que vão deixar saudades… O São Salvador de muitos cursos e muitos doutores. Mas tenham cuidado que agora o bicho refugiou-se nas salas de aulas. Sendo que a vida académica voltou na sua plena javardisse, já nos podemos deliciar com todo o espetá-

culo de suor proporcionado por bares completamente à pinha. A troca de fluidos voltou finalmente a ser legal. E com dia da mulher a bater à porta, não se esqueçam de dar beijinhos molhados às vossas (nossas) queridas. Já agora, não se esqueçam que somos um grupo misto e a nossa época de captação está sempre aberta. Se não entrarem não se preocupem, nós entra-

mos em vocês! Sabem o que não anda molhado? Exatamente, o Tempo. Por este andar a única precipitação que vamos ter em maio vai ser de cerveja, visto que a chuva não quer nada connosco. Já agora, alguém conhece alguma dança do petróleo? Com estes preços tão ­altos a polícia já nem precisa de fazer operações stop. O dinheiro já não dá para tudo portanto façam a vossa escolha: _________ (álcool, gasolina). Posto isto, a vossa querida Orxestra aconselha vivamente a in­ vestirem num burro. É sempre bom cavalgar Coimbra e em Coimbra. Por falar em burros, dizem por aí que o Vladimir é um forte candidato ao Prémio Nobel da Medicina. Vladimir 1 x 0 Covid. Finalmente alguém descobriu a cura. Uma bombinha aqui uma bombinha ali e PUMBA! Ao que parece o bicho desaparece nos conflitos territoriais. Visto que agora está na moda: “A Orxestra Pitagórica vem por este meio declarar guerra aos festivais de tunos que tendem a assombrar os estudantes com os seus pandeiros. Ninguém gosta de estar na sua pausa do cigarro, enquanto tenta perceber se quem está a rebocar tanques com tratores são ucranianos ou a NATO, a ouvir um achincalhar por trás. Declaramos também guerra a todos os condutores de trotinetes que conduzem sem carta, visto que conduzem com duas palas no focinho. E também a quem come arroz de pato sem chouriço, estas pessoas são as mesmas que usam a batina sem a capa”. É SÓ PARVO!!! Volta, covid, estás perdoada! E não se esqueçam de dar carinhos às vossas amigas Ucranianas. RFA!!

ÉXTÉGUES DA ISABEL - POR ISABEL SIMÕES -

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ormi quase nada, nem o pijama vesti e a adrenalina não me deixa descansar. Mas que noite! #hávidanestacidade

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lho as mãos enrugadas, sinal de velhice. Significam seis décadas de espe­ rança e de sonhos, lutas vencidas e perdidas. Levemente alegres na maioria dos dias. #hávidanestacidade

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a minha frente dois homens de gravata vermelha. Pimpões espreitando oportunidades onde outros as perderam. #hávidanestacidade

cabreando por aí...


8 de março de 2022

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Algas: uma aposta para a sustentabilidade? - POR TOMÁS CORREIA - GRUPO ECOLÓGICO DA AAC -

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oceano está intimamente ligado com os desafios que o mundo enfrenta atualmente, como a crise climática, a fome e a qualidade da água e da saúde. Encontra-se, ainda, repleto de “criaturas fo­ finhas”, umas mais conhecidas, outras nem tanto. É por essa razão que dou a conhecer as algas! Algumas algas verdes aparentam ser cabelos ao sabor das ondas, podendo ser, objetivamente falando, fofinhas (ao toque). Mas as algas provenientes dos oceanos também podem ajudar a alcançar os objetivos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. As culturas de algas que visam produzir algas para consumo local ou exportação, podem ajudar a erradicar a pobreza (objetivo 1) e a criar um trabalho digno e um desenvolvimento sustentável (objetivo 8) nos países menos desenvolvidos, uma vez que o investimento inicial é baixo e é económica e socialmente aceitável em muitas comunidades costeiras. As algas apresentam um rápido crescimento e são ricas em nutrientes essenciais ao nosso bom desenvolvimento e ricas em compostos bioativos que contribuem para uma saúde de qualidade (objetivos 2 e 3), estando bastante presentes na dieta dos países orientais. São as maiores produtoras de oxigénio, contribuindo para o aumento da biodiversidade nos ecossistemas, nomeadamente dos stocks de

peixe e servem, ainda, como filtradoras, melhorando a qualidade das águas (objetivos 6, 14 e 15). O seu crescimento rápido permite que atuem como reservatórios de CO2 e que sejam usadas como bioindicadores da saúde dos ecossistemas (objetivo 13) e, por crescerem nos oceanos, não são precisos extensos hectares de solo para o seu cultivo. Dadas as seme­lhanças com as plantas, as algas podem também ser ­usadas como um ­su­bstituto da madeira, nomeadamente para a indústria do papel e cartão. Podem, ainda, servir de matéria-prima para a produção de plástico biodegradável, vestuário e biocombustível (objetivos 9 e 11). A indústria das algas e a ciência por detrás podem contribuir imensamente para as discussões da saúde do nosso planeta. Quer seja ao nível da alimentação, da biomedicina, da biotecnologia e ecologia, as algas são uns organismos fofinhos que entram em destaque cada vez mais em investigação e desenvolvimento. Contudo, será sempre necessário pensar numa abordagem sustentável antes de usarmos quaisquer recursos. A re­ solução dos problemas globais envolve tanto entidades e organizações, investigadores e políticos, mas também a comunidade civil e não-científica. O primeiro passo para a mudança é a educação.

OBITUÁRIO - POR CABRA COVEIRA -

PRATO BURGUÊS Mais uma moedinha, mais uma voltinha. JK, aqui não há moedinhas, só SASUCS MONEY GRABBINS. Apostem na bolsa, ITS THE CLIMB, but not the BEST OF BOTH WORLDS. Se o prato social fosse uma banda devia ser os Anjos, porque está morto e bem morto. Contudo, porém, ponham o travão neste Angélico, precisamos de papinha barata para encher o buxo. Amílcar, vê se paras de jogar padel e dás aí um jeito. O UCer tem fome e pouca paciência para as filas. Dá-me arroz doce, mano. Uma colher... de...cada...vez. http s : / / w w w. y outu b e . c om / watch?v=f31mB6apCoE

MUITA PARRA, POUCA VLODKA Putin the work, Putin the hours and take what´s ours. Este é o lema do bro Vlad. A União já dispersou, aqui chove, mas não são bombas! De bomba em bomba, tanto bate até que o cão que larda não morde. A Urcânia quer ser lirve e percisa de espaço, não fosse o traumatismo da PITAGÓRQUICA. Todos sabemos que o U de URSS é de Urcânia. Irmão, os tratores estão a levar a melhor, rezemos para que os preços do gasóil baixem. Mas pai, Vlad, bro, como eu li num post de uma influencer: só faz guerra quem não sabe fazer amor. Tás todo Tolstoy, só Guerra e nada de Paz. ht t p s : / / w w w. y o u t u b e . c o m / watch?v=Wl959QnD3lM


18 artes feitas 8 de março de 2022 GUERRA DAS CABRAS

CINEMA

A evitar Fraco

Uma Vingança Honrada - POR PEDRO EMAUZ SILVA -

O mais recente retrato do vigilante de Gotham é talvez o mais preciso que as telas de ci­ nema já apresentaram. Matt Reeves dá-nos este “The Batman” vestido numa luva perfumada com um aroma de noir, molhada da chuva, escondida na sombra, que lhe assenta na perfeição. Os minutos iniciais preparam-nos de imediato. Um ofegante e genuinamente assustador Ridler (Paul Dano) a espiar e invadir a casa da sua primeira vítima, o atual Mayor Mitchell. Uma noite chuvosa de Halloween em Gotham, onde o crime constante se vê agora amedrontado pelo símbolo de um morcego que poderá surgir das sombras. Uma narração grave de Bruce Wayne (Robert Pattinson) que sublinha que “o medo é uma arma”. Uma faixa arrepiante do Michael Giacchino (esse gigante musical). Sente-se um peso obscuro de início e pensamos “Finalmente!”. Recebemos o presente de ter o Melhor Detetivo do Mundo em modo de detetive, de facto. Ao lado de um Comissário Gordon menos po­ pular no círculo policial, e por isso mais corajo-

so, vemos este duo como reais parceiros. As interrogações em conjunto, uma mesa na BatCave com documentos sujos e fotocópias sublinhadas, um raciocínio rápido para armadilhas do Ridler. Até que enfim uma exploração inteligente sobre esta característica tão fundamental do vigilante. É preciso mencionar as maiores manchetes: quem desacreditou nas capacidades de Robert Pattinson para este papel, não percebe nada disto (se houver alguém que percebe). O ator britânico deunos a complexidade necessária a esta personagem. Onde há quem veja um “emo-punk”, eu vejo uma interpretação honesta e comovente do trauma. Paul Dano conseguiu superar o seu brilhantismo em “There Will Be Blood” para nos dar um antagonista marcante, entre um Zodiac e um Joker, com aquela performance do “Ave Maria” a assombrar-me o sono. A personagem da Catwoman é revolucionada por Zoë Kravitz, que nos dá uma Selina atormentada, feroz, de uma maneira muito humana. Este filme está recheado de elementos que o diferenciam. O uso das sombras como uma das

Podia ser melhor Razoável A Cabra aconselha A Cabra d’Ouro

armas do Batman. Os confrontos exibidos em si­ lhuetas contra-luz. Os silêncios que bastam para a fluidez narrativa. O uso das cores luminosas que contrastam com um negro sempre presente, criando um aspeto místico. Este é o filme com mais bonito visual de todas as outras abordagens fei­ tas. Há planos que ainda se repetem em loop na minha cabeça. Um aplauso de pé, Greig Fraser. São este tipo de obras que nos lembram a di­ferença entre ser um espetador em casa ou numa sala de cinema, que ainda existe esta experiência coletiva de ver um filme. Não consigo evitar sorrir quando penso que, para muita juventude, este Batman é deles. Que bem que estão servidos. E nós também. THE BATMAN

De Matt Reeves com Robert Pattinson, Zoë Kravitz, Paul Dano 2022

A Cabra aconselha

A PRIMEIRA LICENCIADA EM PORTUGAL D

- PELO CONSELHO DE VETERANOS DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA - MAGNUM CONSILIUM VETERANORUM -

omitilla Hormizinda Miranda de Carvalho nasceu a 10 de abril de 1871, em Travanca da Feira, Aveiro. Terminou o então ensino liceal com notas excelentes, e por insistência de familiares e dos seus professores, candidatou-se em 1891 à Universidade de Coimbra. Contrariamente ao que era previsto, a Universidade - reconhecida como bastião do conservadorismo - não manifestou qualquer hostilidade ou acto de resistência, particularmente por já terem havido anteriormente vários casos de mulheres a estudarem nela, mas nenhuma com sucesso nem publicamente aceite. Apesar da proibição da educação superior feminina ter sido levantada em 1772 não havia ainda legislação que enquadrasse a sua presença, pelo que foi necessária requerer permissão de matrícula dada por João Arroyo, fundador do Orfeon Académico de Coimbra e agora Ministro da Instrução Pública. O Reitor Santos Viegas deu-lhe dispensa do uso da Capa e Batina mas colocou-lhe a condição obrigatória de se vestir de negro e com decoro discreto para não se sobressair aos seus colegas. Durante cinco anos foi a única mulher a integrar a Universidade. Entre 1891 e 1904 formou-se em Matemática (1894), Filosofia (1895) e Medicina (1904) tendo recebido honras em todos os cursos e sido apadrinhada pela Rainha D. Amélia.

Lutou pela criação do primeiro liceu feminino em Portugal - o Liceu D. Maria Pia (1906) onde foi simultaneamente a primeira professora de Matemática e Reitora do país. Em 1935 juntamente com Maria Baptista Guardiola e Maria Cândida Parreira tornaram-se as primeiras mulheres eleitas para deputadas de Portugal, durante a I e II legislaturas do Estado Novo. Nesta altura, a presença das mulheres na Praxe Académica era tímida, não tendo sequer direito a entrar na Associação Académica! No entanto era comum usarem as Fitas, participar nos Cortejos Académicos e namorar às escondidas no Jardim Botânico. Enquanto Quintanista de Medicina, contribuiu com alguns sonetos para a Récita da Despedida desse ano e usou Pasta de Luxo [1]. Também poetisa e escritora, escreveu em Coimbra o seu livro de Versos (1909) e dedicou à cidade o Terra de Amores (1924). O Conselho de Veteranos enaltece, assim, a coragem de todasasmulheresquesedigladiamdiariamenteparavencer e denunciar as barreiras que lhes são impostas dedicando ainda o seguinte verso dum famoso estudante de Coimbra: ~MELHOR É MERECÊ-LOS SEM OS TER, QUE POSSUÍ-LOS SEM OS MERECER!~

ESPAÇO PATROCINADO PELO:


8 de março de 2022

MÚSICA

ERRÔR

De Linda Martini Editora Sony Music Portugal Género Rock Alternativo 2022

Que o erro não se esqueça de onde vem - POR PEDRO DINIS SILVA -

L

inda Martini dispensam longas introduções. As letras sucessivamente garrafais que compõem o seu nome contam já com quase duas décadas de estrada, com um punhado de discos clássicos e com um impacto descomunal no rock português do novo milénio. “ERRÔR” é o seu disco número seis e traz consigo a mesma garra dos precedentes. Gravado em 2021, durante a terceira vaga da pandemia, e lançado em fevereiro, este é um trabalho que lida sem receios com o erro, o que começa, desde logo, pelo próprio título. “No dicionário português, ‘error’ é sinónimo de erro e viagem sem rumo. O acento não existe, acrescentaram-no para criar uma palavra nova, uma palavra sua, um erro”, detalha a editora do grupo. Com “ERRÔR”, os Linda Martini – que este ano passaram a ser um trio, após a saída do guitarrista Pedro Geraldes – lançam-se em busca do defeito e munem-se com palavras aguçadas para o combater. A música brota sem remorso, febril e consciente. “Eu Nem Vi” inaugura a atmosfera árida e cinzenta que paira por todo o disco. “Horário de Verão” vem enriquecer esta paisagem sonora, que se monta através da habitual distorção das guitarras, de um ritmo que não cessa e de vozes que se aglomeram. A primeira nódoa negra é causada por “Super Fixe”, que vem de mãos dadas com o bicho cru e satirizante de “Rádio

A Guerra também tem olhos de Mulher - POR MARÍLIA LEMOS -

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tradição literária ocidental nasce com um conflito. Das mais conhecidas histórias do imaginário europeu, a narrativa da Ilíada canta as glórias e tragédias de homens gregos e troianos. “O Silêncio das Mulheres” revisita este clássico através das lentes de uma das suas mais importantes, porém esquecidas, testemunhas: Briseida. A narrativa grega inicia a meio da fúria do guerreiro Aquiles em perder a antiga rainha de Lirnesso, sua então concubina e troféu de guerra, para Agamémnon. Apesar da centralidade do seu papel, os seus pensamentos e ideias estão ausentes das páginas da obra. É neste sentido que Pat Barker apresenta este l­ ivro­­ como uma janela para a mente de Briseida. Des­creve a dor de ser mulher durante uma guerra, ver os seus queridos mortos, ter de testemunhar atrocidades inimagináveis. O conflito bélico que amplia o fardo de ser mulher, de ser tratada como um objeto, e a ausên­cia de controle sobre o seu destino e o seu corpo, desde a antiguidade e até hoje. É possível acompanhar a protagonista em sua busca por identidade como se procura um objeto roubado - submetido aqui a apenas uma limitação: ela é o objeto. A autora que assina a obra faz uso de uma linguagem pessoal e descritiva. A própria intimidade das suas palavras remete à impessoalidade e solidão da guerra. Desde as primeiras frases, Pat Barker conquista a atenção e os sentimentos dos leitores, e sua maes­tria na escrita mantém-se ao longo de todo o livro. Reconhecida também pela crítica, a narrativa de 2018 foi pré-selecionada para o prémio ‘Women’s

artes feitas 19

Prize for fiction’. Apesar da temática clássica, o livro apresenta os factos de forma simples, então pode também ser aproveitado por aqueles que não estão familiari­zados com o mito. A tragédia de Tróia é uma história antiga, recontada inúmeras vezes, mas que ganha um respiro de ar fresco. As originais desventuras repetem-se, mas com uma sensibilidade acrescida da perspetiva feminina. A obra dá páginas às narrativas não só de Briseida, mas de todas as cativas de histórias que não são suas. As vozes silenciadas das mulheres da História ecoam, e unem-se aos protestos das mulhe­ res modernas.

Comercial”. “Sorriu” acalma os ânimos, mas o fôlego volta a acelerar em “Festa de Expiação” e mantém-se pela segunda metade do álbum. O engenho lírico, motor afinado pelo qual a banda é conhecida, vem rigoroso como sempre. “E Não Sobrou Ninguém”, que rouba o título ao poema de Martin Niemöller, aponta o dedo ao racismo, ao preconceito e à discriminação. “Objeções à Firmeza do Olhar” vem armada até aos dentes contra o negacionismo. “Taxonomia” é o ponto final e encapsula em si a essência de todo o disco. É uma faixa que começa pujante, alucinando sobre a medonha clausura a que a pandemia obrigou, e acaba por decrescer, fria e insegura. “Que o medo não se esqueça de onde vem”, repete-se em coro até ao último momento. Feitas as contas, a grande virtude deste trabalho é o seu discurso, que equilibra com perícia a fúria e a fragilidade, que releva o defeito, mas que também sublinha o humano. A arte presente na capa deste álbum, que de certa maneira se assemelha a um espelho coberto por manchas de sujidade, remete para uma simples reflexão: olhar para dentro ao olhar para fora. O “ERRÔR” é humano, não nos esqueçamos.

A Cabra aconselha

LIVRO

O Silêncio das mulheres De Pat Barker Editora Quetzal Editores 2018 A Cabra aconselha


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EDITORIAL As lutas - POR TOMÁS BARROS -

E

ste texto eclode num momento em que o mundo parece ter regredido e sucumbido ao lado mais obscuro da natureza humana, o de conflito, belicismo e sofrimento. Porém é também um momento de celebração e de emancipação da Mulher. Ambos estes pontos que se entrelaçam e infelizmente dão a mão, a par de uma mãe ao seu filho, são uma realidade atual. Aos milhares, mulheres e crianças tentam abandonar um território onde, agora, prevalece o desespero, o medo e o caos. A dor de ser mulher e mãe durante um conflito é algo que jamais pode ser captado por míseras palavras, tão pouco as minhas. Posso apenas retransmitir algumas histórias que tropeçam em mim. Um desses exemplos é o de uma mãe ucraniana, que me confessou a sua mágoa de ter uma filha em fuga e um filho retido pela lei marcial imposta no seu país natal. Enquanto chorava e prosseguia com a sua ainda perplexa descrição dos mais recentes acontecimentos, olhava para o relógio para não se atrasar para o seu trabalho. Em minutos despejava a sua necessidade de extravasar toda a dor que tinha compenetrada dentro de si e, ainda assim, não descurava a luta que ainda tinha pela frente de ir trabalhar mais um dia. Por vezes as mazelas não são visíveis. Não são palpáveis ou medíveis. O silêncio, por tempos, ganha forma e vai progressivamente rodeando o sofrimento e impede-o de ser reconhecido pelo lado de fora. A comunidade e a abertura podem não ser a resposta, mas podem fazer parte da solução e assim ajudar a prevenir desfechos mais trágicos. A academia pode ser uma dessas comunidades e tem-no mostrado vezes sem conta no seu apoio mais recente na forma de reco­lha de bens e nas suas iniciativas que chamam atenção à saúde mental. Contudo, este último continua a ser altamente descurado tanto pela Universidade, como por todo o país. Em nome do Pedro e da Valentina.

A dor de ser mulher­­­ e mãe durante um conflito é algo que jamais pode ser ­captado por míseras palavras, tão pouco as minhas”

Ficha Técnica

Diretor Tomás Barros

Jornal Universitário de Coimbra – A CABRA Depósito Legal nº 478319/20 Registo ICS nº116759 Propriedade Associação Académica de Coimbra

Editores Executivos Francisco Barata e Carina Costa

Morada Secção de Jornalismo Rua Padre António Vieira, 1 3000-315 Coimbra

Equipa Editorial Joana Carvalho e Simão Moura (Ensino Superior), Marília Lemos (Cultura), Francisco Barata e Diogo Machado (Desporto), Carina Costa (Ciência & Tecnologia), Catarina Magalhães (Cidade) Colaborou nesta edição Frederico Biscaia, Jorge Botana, Larissa Britto, Joana Carvalho, Débora Cruz, Alexandra Guimarães, Beatriz Jales, Raquel Lucas, Luísa Macedo Mendonça, Jorge Miranda, Gabriela Moore, Simão Moura, Clara Neto, Eduardo Neves, Daniel Oliveira, Iris Palma, Ana Filipa Paz, Sofia Variz Pereira, Sofia Puglielli, Sofia Ramos, Cristiana Reis, Filipe Rodrigues, Mateus Rosário, Sara Sousa, Fábio Torres

JORNAL UNIVERSITÁRIO DE COIMBRA

Conselho de Redação Luís Almeida, Cátia Beato, Inês Duarte, Filipe Furtado, Leonor Garrido, Hugo Guímaro, Maria Monteiro,

Margarida Mota, Bruno Oliveira, João Diogo Pimentel, Daniela Pinto, Paulo Sérgio Santos, Pedro Emauz Silva Fotografia Tomás Barros, Larissa Britto, Débora Cruz, Beatriz Jales, Raquel Lucas, Catarina Magalhães, Gabriela Moore, Ana Filipa Paz, Sara Sousa Ilustração Catarina Magalhães, Iris Palma, Cristiana Reis Paginação Luís Almeida, Tomás Barros

Impressão FIG – Indústrias Gráficas, S.A. Telf. 239499922, Fax: 239499981, e-mail: fig@fig.pt Produção Secção de Jornalismo da Associação Académica de Coimbra Tiragem 2000


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