Edição 306 Jornal Universitário de Coimbra - A CABRA

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14 DE DEZEMBRO DE 2021 ANO XXXI Nº306 GRATUITO PERIÓDICO DIRETOR TOMÁS BARROS EDITORES EXECUTIVOS FRANCISCO ­BARATA E CARINA COSTA

De baixo para cima: o que planeiam­­os homens do presidente

Nova DG/AAC aponta objetivos para o mandato vindouro. Convergências e desacordos com antiga direção-geral destacam-se no plano de atividades. “Ouvir, servir e intervir” é a máxima a adotar. Pág. 12-13

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ENSINO

CULTURA

DESPORTO

CIÊNCIA

CIDADE

João Assunção faz balanço positivo do mandato. O dirigente deixa a casa com excedente orçamental

TAGV celebra 60 anos de atividade enquanto grupos académicos reivindicam espaço no teatro que foi criado para si

Basquetebol da AAC delineia objetivos do resto da temporada para conseguir meter a bola no cesto

Falta de mecanismos de resposta para apoio psicológico impele estudantes a tomarem as rédeas

Associações de apoio aos sem-abrigo apelam a maior atenção à sua causa ao longo do ano e não apenas no natal


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João Assunção acredita que mandato ficou marcado pelo respeito aos valores da AAC - POR JORGE MIRANDA E BRUNO OLIVEIRA -

É impossível conversar sobre o teu mandato sem abordar a questão da pandemia. Na tua opinião, quais foram os maiores desafios que a Direção-Geral enfrentou? Sem dúvida que este foi um mandato marcado pela pandemia, todas as dificuldades, para além das naturais, estão direta ou indiretamente ligadas à pandemia ou à forma como esta foi combatida no nosso país. Eu destaco dois problemas fundamentais: o primeiro, associado à falta daquilo que conhecemos como a academia de Coimbra regular, ou seja, as pessoas presentes e a cidade a vibrar com os estudantes. Os primeiros dois meses foram muito difíceis pelo facto de não existir isso, e eu tenho a convicção de que a AAC só funciona no presencial. Aqueles meses não foram só difíceis para a DG/AAC, mas para toda a casa . Outra dificuldade mais estrutural ao longo do ano é, sem dúvida, a componente financeira. Nós, para além de termos recebido uma situação financeira afetada pelo combate à pandemia, tivemos nos primeiros meses um extremo sufoco a nível de dinheiro, uma vez que não tínhamos entrada de receitas e continuávamos a ter despesas fixas. Esta situação manteve-se ao longo do ano, o que fez com que fosse muito difícil gerir a AAC. Felizmente, nunca incumprimos com ninguém, não aumentámos qualquer dívida externa e hoje, em dezembro de 2021, temos a certeza de que tivemos um mandato repleto de atividade e, ao mesmo tempo, conseguimos entregar a DG/AAC numa situação financeira estável e com excedente orçamental. Durante este período a DG/AAC procurou intervir sobre aquilo que foram os problemas trazidos pelos confinamentos. Com ações como manifestações, outdoors ou o estudo que publicaram, essas medidas tiveram o impacto que desejavam? Nós sabemos que o nosso país tem desigualdades sociais estruturais e naturalmente a pandemia veio agravar essas desigualdades. Ou seja, os mais pobres ficaram com mais dificuldades de ingressar e permanecer no ensino superior (ES). Os efeitos diretos e indiretos da pandemia não eram simétricos para toda a população e nós quisemos marcar a agenda política, afirmando que éramos uma geração que não estava bem e que ia ficar pior com o fim dos apoios sociais do Estado. Daí termos ‘slogans’ a alertar para isso: “Não vai ficar tudo bem” ou “não queremos ser de novo uma geração à rasca”, o que acreditamos que teve sucesso. A AAC foi a proa do movimento associativo estudantil nacional e isso verificou-se

NINO CIRENZA

Apesar da debilidade financeira e dos problemas trazidos pela pandemia, o presidente da DG/AAC faz um balanço positivo do último ano. Dirigente destaca a intervenção de 28 de maio, a manifestação de 28 de abril e o prémio Manuel Alegre em vários momentos, como, por exemplo, em relação ao estudo sobre o impacto do confinamento na academia, que depois foi seguido por quase todas as associações académicas no país. Este lugar de proa revela-se quando eu fui eleito para um lugar de representação a nível nacional, coisa que não acontecia em Coimbra há mais de uma década.

da não chegarmos à propina zero. Essa vitória prende-se com o facto de a propina ter vindo a diminuir e a ação social escolar ter vindo a aumentar. Isto vem extinguir o argumento que levou à origem da propina nos anos 1990, de que só era possível aumentar a ação social escolar se houvesse propina. Falta chegar à propina zero, mas estou certo de que vai acontecer.

Acreditas que em dezembro de 2021 estamos mais perto de atingir o objetivo da propina zero? Acho que estivemos próximos de dar mais um passo com este orçamento de estado. Assistimos de perto à discussão do orçamento, dialogamos com os intervenientes políticos, e tínhamos muitos aliados nesta luta. Inclusive tinha havido abertura do próprio governo de, na especialidade, haver uma diminuição da propina. Não ficamos apenas pelo diálogo, fomos incansáveis naquilo que foram as intervenções e parece-me que já conseguimos uma vitória fundamental, apesar de ain-

Acreditas que no último ano houve uma aproximação dos estudantes à AAC? Esta DG/AAC pautou-se muito por isso, todas as intervenções tinham como principal objetivo que os estudantes se sentissem ligados à academia. Várias vezes os convocámos e tentamos mobilizar, e várias vezes tivemos sucesso. Não foi só pela capacidade da DG/AAC, mas esperamos ter contribuído para esta intervenção política. Sabemos que esta mobilização, como acontece ao longo da história, tem picos, nomeadamente quando a situação económica e social está mais débil. Vimos isso durante o período da ‘troika’, em que houve uma grande participação dos estudantes e da juventude, e em todas as grandes crises estudantis no passado. Acho que vivemos um desses momentos e a DG/AAC soube canalizar a sua mensagem para que isto se intensificasse. No início do teu mandato, propuseste uma reforma no museu académico. Porque é que esse projeto não avançou? Essa intervenção não foi esquecida, passamos o ano inteiro em diálogo com várias entidades. Sempre defendi que este projeto deveria ser em parceria com a AAC/ OAF para integrar toda a história do desporto da AAC. Acredito também que esse museu deveria ser integrado na baixa da cidade de Coimbra e estou certo de que até ao final deste mandato vamos conseguir unir estas duas condições. Este projeto mantém a nossa ligação ao museu académico que já conhecemos, não nos queremos alhear deste projeto, queremos sim um museu específico para a AAC. No momento da candidatura, também mencionaste a necessidade de intervenção no edifício sede da AAC. Com todos os desenvolvimentos que aconteceram nesse âmbito, acreditas que cumpriste aquilo a que te propunhas? Havia duas coisas fundamentais que defendíamos: obras e a apresentação e aprovação do regulamento de gestão de espaços. Em relação à primeira, foi um trabalho intenso ao longo do ano para que pudéssemos anunciar essa intervenção no edifício. Havia dois objetivos fundamentais: a requalificação de toda a cobertura do edifício e a remoção das placas de amianto que ain-


14 de dezembro de 2021 da existem no edifício. Esta obra contempla uma e outra. Em relação ao regulamento de gestão de espaços, foi mais demorado do que esperávamos e exigiu muita negociação entre estruturas. Acredito que é um resultado positivo e que resolve grande parte dos problemas, nomeadamente que nenhuma secção cultural ficasse de fora do edifício. Fica por resolver a questão das secções desportivas que estão espalhadas pela cidade. Arranjamos outra solução, que vai estar finalizada até ao fim do mandato, que é a sala de desporto no piso zero que pode servir de montra daquilo que é o trabalho do desporto da AAC e ser também um balcão de informação. Em relação à dívida externa da AAC, como foi fazer a gestão da mesma, e como a vais deixar? Neste momento a AAC não tem dívida externa, há dívida escrita na contabilidade, mas essa já não é exigível por parte do credor porque o tempo já passou. Estamos a falar de dívidas anteriores a 2011. Já a DG/AAC anterior não tinha aumentado essa dívida, pelo contrário, diminuiu-a. Esta DG/AAC também não vai aumentar de forma nenhuma essa dívida, e além disso, e essa será talvez a maior diferença para a anterior DG/AAC, vai deixar um excedente orçamental. É algo que nos deixa muito satisfeitos, e nos próximos cinco dias vamos conseguir pagar parte da dívida interna ao Conselho Desportivo da AAC (CD/AAC). E como foi fazer essa gestão da dívida interna? Estamos confiantes que vai entrar até ao final deste mandato algum dinheiro e nesse caso, vamos estar em condições de diminuir pela primeira vez em alguns anos a dívida interna ao CD/AAC. Esse dinheiro é para ser distribuído para as secções desportivas num ano que foi tão marcado por esta debilidade financeira. Estou seguro de que o conseguiremos fazer e, caso seja possível, será cerca de dez por cento. Que balanço fazes a nível geral das lutas que a AAC fez por melhores condições nas residências universitárias e também no reforço dos SASUC? Temos de olhar para duas perspetivas diferentes. Primeiro, as exigências que fazemos aos Serviços de Ação Social da Universidade de Coimbra. Por outro lado, as exigências que fazemos ao Estado, que financia esses serviços de ação social. Nesta primeira vertente temos de compreender que toca às residências, não será a UC que terá a capacidade de requalificar edifícios muito antigos. Em relação às cantinas, afirmamos que a questão do prato social nos preocupa, por isso saímos à rua por decisão da Assembleia Magna (AM). Eu dirigia à UC esta questão da alimentação, porque é aquela em que tem capacidade de intervir, não tentando tirar de forma nenhuma as responsabilidades daquilo que são a qualidade das residências universitárias. Sabemos que algumas têm qualidade, mas sabemos que aqui no Pólo I, por serem edifícios mais antigos, a sua requalificação é muito mais exigente. Não vai ser através de recursos próprios que a UC o irá fazer. Como resposta rápida àquilo que eram as condições de vida dos resi-

dentes, a AAC fez, uma vez mais, o arraial social, que há muitos anos não tinha tanto sucesso. Por outro lado, nós intensificamos a luta nas várias intervenções políticas que fizemos, naquilo que são as exigências que fazemos ao Estado. Falamos no problema do Plano Nacional para o Alojamento do ES (PNAES), que é um projeto muito ambicioso anunciado em 2018 pelo ministério do ES, uma vez que quer, até 2026, dobrar a oferta de camas por todo o país. O problema é que, até agora, a academia de Coimbra recebeu zero camas. Portanto, não houve qualquer consagração do PNAES em Coimbra e em grande parte das academias nacionais. Este PNAES foi de facto cumprido em Lisboa e no Porto. Já sabemos que estas cidades têm maior capacidade de atratividade por serem cidades muito mais urbanizadas e próximas do mercado de trabalho. Este não cumprimento veio densificar o problema de academias como a nossa em competir com estas universidades. Aliado a esta ausência da concretização do PNAES, falamos de que é preciso aumentar o orçamento do Estado naquilo que está destinado para os serviços de ação social. No entanto, os SASUC são os que mais investem por estudante no país. Isto não retira nada do que disse atrás, mas há que identificar o esforço que fizeram durante a pandemia. Não foi feito mais, acredito eu, por ausência de respostas do Estado. Qual o momento que mais destacas do teu mandato? Essa é difícil. Eu diria em termos políticos a intervenção de 28 de maio, da cobertura do edifício e da oposição àquilo que era uma marcha pelos portugueses de bem. Acho que ela dignifica os valores da AAC e moveu a academia. Acredito que a AAC conseguiu retirar toda aquela que era a intervenção política programada para aquele dia por parte do candidato da extrema-direita. O próprio, quando interpelado pela situação, ficou hesitante e não conseguiu justificar o porquê de ter marcado uma marcha pelos portugueses de bem, em Coimbra, no dia em que se assinalava o golpe que levou ao Estado Novo. Destaco também a manifestação do 28 de abril. Esses dois momentos ficam-me na memória. E, na cultura, o projeto do prémio literário Manuel Alegre, assim como o seu reconhecimento de associado honorário.

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venção política a nível nacional. Tendo em conta o mote de candidatura, Académica de Gerações, destaco um retorno da ligação à cidade e aqueles que cá passaram. Ainda um regresso a uma interpretação de que a AAC não é apenas um sindicato estudantil, é uma instituição centenária, que impacta milhares de pessoas. Tens alguma coisa a acrescentar? Queria deixar um profundo agradecimento a toda a academia pelo ano que fizemos. Pela possibilidade que me deram de poder ser representante desta casa, de poder inscrever o meu nome e aquilo que foi o meu trabalho na história da AAC. Espero ter dignificado estes valores e que a comunidade académica, conimbricense e antigos estudantes se sintam fielmente representados pelo trabalho que fizemos ao longo do ano.

“Espero ter dignificado estes valores e que a comunidade académica, conimbricense e antigos estudantes se sintam fielmenterepresentadospelo trabalho que fizemos ao longo do ano”

Tendo em conta o que tens dito, qual o balanço que fazes do teu mandato? Um balanço muito positivo. Um mandato que fica marcado pelo respeito escrupuloso dos valores da AAC e por uma retoma de uma inter-

JOANA CARVALHO


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Fantasmas de intolerância na Universidade de Coimbra Estudantes da UC relatam experiências de xenofobia. Desconhecimento de mecanismos de denúncia dificultam sinalização de casos

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entimentos de indignação e impotência rondam as pessoas que experienciam estas situações. Os casos de xenofobia relatados por estudantes da Universidade de Coimbra (UC) são cada vez mais frequentes e demonstram o outro lado de uma das cidades universitárias mais famosas do mundo. Os ataques partem desde funcionários da UC a residentes de Coimbra. Um estudante da UC, narra um ataque de cariz xenófobo feito por um funcionário da própria universidade. Numa altura em que os Serviços de Ação Social da UC (SASUC) procediam à entrega de refeições ao domicílio, Guilherme (nome fictício) conta que o insulto partiu de um colaborador que veio trazer a sua comida. No momento em que foi receber a refeição, na companhia de uma colega portuguesa de tez mais escura, foi apontado pelo funcionário como “o brasileiro”. Guilherme diz que o funcionário se referiu também à rapariga como “a brasileira”. Após ter revelado a sua nacionalidade, o funcionário disse que ele deveria namorar com a colega por esta ser portuguesa. O estudante conta ainda um outro episódio vivido em terras lusitanas. No início da pandemia, o jovem brasileiro contou que fez um pedido de entrega de três máscaras, das quais o estafeta só entregou duas. Segundo ele, após questionar o funcionário sobre o pedido, foi contestado pelo mesmo, que afirmou ter entregue o produto certo e que Portugal “era um país diferente e sério”.

- POR LUIZ CARLOS CAVALINI E FILIPE RODRIGUES -

Guilherme refere que o estafeta ainda insinuou que o estudante o “estava a roubar”. Em entrevista com a presidente da Secção de Defesa dos Direitos Humanos da Associação Académica de Coimbra (SDDH/AAC), Bianca Cardozo, face ao tema da xenofobia, esta apresenta um projeto dentro da secção denominado de “Decolonial”. Este projeto tem como objetivo aprender sobre o fenómeno da xenofobia, a sua origem, porque existe e quais as medidas que se podem tomar para o seu combate. Informa também que o papel da secção é educar as pessoas a entender o que é a xenofobia ou qualquer outro preconceito, o que as pessoas devem ter em atenção ao falar e as atitudes corretas a tomar. A dirigente associativa sublinha a importância da consciencialização sobre estes temas através das tertúlias da secção e das suas rodas de conversa. Com os crescentes casos de xenofobia dentro da própria UC, a SDDH/AAC, no âmbito da festa da Queima das Fitas, tentou introduzir o tema, e durante o decorrer da semana académica, entrevistar pessoas e fazer pequenos jogos alusivos ao assunto. Bianca Cardozo adianta alguns dados, como por exemplo a percentagem de pessoas abordadas que sofreram xenofobia em meio académico ser de 80 por cento, e que a maior parte dos estudantes não tinha noção que existem tantos casos em contexto universitário. A estudante falou também sobre os apoios que

existem, dentro da UC e da AAC, como a SOS Estudante, uma linha telefónica que ajuda no apoio psicológico e a SOS Racismo. Destaca instituições como a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, que oferece apoio jurídico e psicológico para que a vítima não tenha que sofrer e lidar com a parte burocrática e judicial sozinha. Esta instituição é apontada pela dirigente associativa por ser um local onde vítimas de preconceito se podem sentir confortáveis sem julgamentos e onde podem fazer chegar a sua história. Em relação ao papel da UC, Bianca Cardozo considera que o provedor, apesar de se mostrar sempre disposto a atender os estudantes e ter um papel muito importante, deveria ser mais “ativo”. Segundo a presidente da SDDH/AAC, “a UC é muito grande, os diretores das faculdades deveriam começar a olhar para dentro das faculdades, para os seus professores e não só para os alunos”. O problema não está só nos estudantes, comenta Bianca Cardozo, mas também nos docentes, já que alguns prejudicam alunos brasileiros nas avaliações por não utilizarem o “português correto”. Lamenta ainda o medo que os alunos têm de fazer denúncias de professores e de deixarem o que se passa dentro da sala de aula sempre dentro da mesma. A prática de discriminação, tendo em vista a nacionalidade de uma pessoa é crime, segundo o artigo 240º do Código Penal Português. Com Joana Carvalho e Simão Moura

JOANA CARVALHO


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O ano negro do grupo verde

JOANA CARVALHO

Poucas pessoas dispostas a manter GE/AAC em atividade. Se situação não se alterar dentro de um ano secção pode ser extinta

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Grupo Ecológico da Associação Académica de Coimbra (GE/AAC) entrou em Comissão Administrativa no passado dia 22 de novembro. A situação tornou-se necessária porque a secção estava a funcionar de modo irregular. Alguns exemplos são o não cumprimento de exigências estatutárias como apresentação de contas, realização de atividades ou convocações de plenários e a falta de eleições para a direção. Entre os vários problemas, o último sobressai. De acordo com Maria João Pereira, presidente da secção para o mandato 2017/2018, o plenário para aprovação das listas candidatas não foi convocado “por se achar que nenhuma lista se apresentaria”. Diante disso e da ausência de atividades na secção por mais de seis meses, o Conselho Cultural da AAC pediu ao Conselho Fiscal (CF/AAC) a abertura do processo de criação da Comissão Administrativa. A ex-presidente da secção e atual Secretária-Geral do Conselho Cultural explicou que, ao longo dos últimos anos, o número de associados reduziu e, por consequência, também o número de atividades que conseguiram realizar. Enquanto membro associado do GE/AAC, considera que a fraca adesão às secções é um problema antigo. Maria João Pereira explica que o problema “não foi a falta de pessoas para participar nas atividades e iniciativas do grupo, mas de pessoas dispostas a integrar de facto a secção e ajudar a organizá-las”. Reforçou que as pessoas “ não estão preparadas para assumir responsabilidades”, além de que “querem fazer parte, mas não querem se comprometer a cem por cento com o GE/AAC”. Próximo passo estatutário Composta de cinco elementos, um apontado pela Assembleia das Secções Culturais, dois apontados pela Direção-Geral da AAC (DG/AAC) e outros dois escolhidos no plenário da própria secção, a Comissão Administrativa agora vai ten-

- POR GABRIELA MOORE E MATEUS ROSÁRIO -

tar recuperar o Grupo Ecológico. A sua duração normal é de seis meses, mas pode ser renovada por mais seis, caso as condições que levaram à sua criação ainda se verifiquem. Ao final deste tempo, o CF/AAC convoca novas eleições para a secção. Se nenhuma lista se candidatar, a Assembleia de Secções Culturais é chamada para decidir pela extinção, ou não, da secção. Se optarem pela manutenção, passa para o Conselho Cultural a responsabilidade de convocar eleições ou nomear uma direção temporária. Cabe ainda ao Conselho Cultural a função de repetir a cada seis meses a deliberação pela sua dissolução, até que a secção volte a eleger uma direção, ou seja de facto terminada. Recuperação da secção O GE/AAC foi fundado em 1974 com objetivo de sensibilizar a comunidade estudantil para os problemas ambientais do planeta, com foco na educação e conservação do meio ambiente. Desde a sua fundação, a secção cultural é responsável por alguns avanços sustentáveis junto da Universidade de Coimbra (UC) e da AAC, como a retirada do papel dos tabuleiros das cantinas dos Serviços de Ação Social da UC e a eliminação de copos plásticos da Festa das Latas e Queima das Fitas. No último dia 2 de dezembro, houve a primeira tentativa da Comissão Administrativa de atrair mais pessoas para a secção, com a realização de uma reunião aberta. Apesar do bom alcance do anúncio nas redes sociais, nenhum novo interessado compareceu e o encontro contou apenas com a presença de pessoas que já estavam envolvidas. A presidente da Comissão Administrativa, Emília Oliveira, admite que o ‘timing’ pode não ter sido ideal por já ser o final do semestre. Declarou que, na mesma reunião, concordaram que vão tentar “ir até às pessoas e parar de esperar que venham elas até o Grupo Ecológico”. Espera também contar com o apoio de iniciativas que apresentem as

secções culturais nas diversas estruturas da UC, e com a participação em feiras de voluntariado. Emília Oliveira conta que a comissão já criou um plano de atividades proposto, mas a sua realização depende das pessoas que ingressarem no grupo. Uma das atividades a retomar este ano são as Jornadas Etnobotânica, que o Grupo Ecológico fazia, mas que deixou de realizar há alguns anos. O objetivo destas jornadas era investir na formação dos membros associados, para que possam promover as suas atividades com base em factos científicos. Sem as Jornadas, o trabalho do grupo ficou a depender do conhecimento pessoal de cada um dos envolvidos que, como Emília Oliveira afirma, “não é menos válido, mas coloca em causa a cientificidade em algumas atividades”. Emília Oliveira confessa que, quando ingressou na secção em 2019, não se sentiu acolhida logo de início. A estudante considera que esta situação se passava por uma falta de compreensão geral sobre o objetivo do GE/AAC e conta que algumas pessoas “não se sentiam confortáveis em estar no grupo sem serem já sustentáveis nas suas vidas”. A presidente da Comissão Administrativa reitera que o grupo é para todos os que tenham essa preocupação com o ambiente, mesmo que ainda não tenham começado a aplicar isto na sua vida. Considera que o processo de mudança é complicado, envolve muitas emoções e desafios e “qualquer coisa que possa ser uma barreira deve ser eliminada”. Nesse sentido, além de atrair mais pessoas, a Comissão Administrativa quer investir na melhor comunicação e acolhimento dentro da secção. Para isto, passaram a comunicação interna do Facebook para o Discord, que julgam ser o local ideal para estarem melhor integrados e envolvidos. Emília Oliveira espera que “mesmo que não se consiga chegar a muita gente, que estes venham para ficar”.


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Terceiro aniversário da Blue House no Salão Brazil

Evento contou com presença dos Birds Are Indie, Peixinhos da Horta, A Jigsaw e Woodgates. Empresa polivalente ambiciona impactar cultura musical da cidade

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os dias 3 e 4 de dezembro, ocorreu, no Salão Brazil, o terceiro aniversário da Blue House, agência, estúdio e produtora sediada em Coimbra. A empresa realiza todo o tipo de trabalhos, desde agendamento e acompanhamento em concertos até à comunicação com editoras, no segmento de trabalho com artistas. A celebração teve a duração de duas noites e contou com atuações de quatro bandas. Ricardo Jerónimo, agente da Blue House e músico na banda Birds Are Indie, fez um levantamento muito positivo do evento. Contou que, apesar do frio e das restrições impostas pela pandemia, “as pessoas estavam muito contentes de ali estar” e que os concertos “correram bastante bem”. Considera que foi uma excelente maneira de celebrar o aniversário com música ao vivo e juntar pessoas em torno da cultura. Enquanto setor muito afetado pela pandemia, Ricardo Jerónimo admite as dificuldades que passaram e a constante adaptação ao longo do tempo. Por outro lado, realça ter tirado várias oportunidades e parcerias proveitosas. Entre todas as adversidades, admite que a Blue House conseguiu uma “adaptação constante”. O agente enaltece a relação positiva com o Salão Brazil ao designá-lo de “segunda casa”. As duas entidades trabalham juntas desde o início e partilham uma colaboração mútua nos vários trabalhos que cada uma exerce. Explica que tudo começou com os concertos de aniversário da banda A Jigsaw, fundadores da Blue House, que ocorriam sempre no Salão Brazil. Portanto, tornou-se “uma espécie de tradição acolher este tipo de festividades”, afirma. Para além dos Woodgates e dos A Jigsaw, os outros

- POR EDUARDO NEVES -

participantes no evento foram os Peixinhos da Horta, uma das bandas emergentes apresentadas no evento, constituída por Luísa Levi e Constança Ochoa. Luísa Levi explica que o seu contacto com a Blue House deuse por meio de outra banda, da qual já fazia parte. Ao apresentar o novo projeto para o ciclo de concertos “Café Curto”, em parceria com o Convento São Francisco, surgiu o convite para o aniversário. Em referência à pandemia, conta que surgiu um ponto positivo que foi a criação da própria banda. Lamenta a falta de atividade e a maior dificuldade neste setor, mas explica que, apesar de tudo, permitiram que o projeto ganhasse forma. Os Peixinhos da Horta

foram apresentados em abril de 2021, mas em formato online. Esta foi a primeira atuação ao vivo da banda. A música engrandece ainda os membros da Blue House na sua contribuição para o desenvolvimento da cultura musical em Coimbra. Após este evento, a Blue House continua a associar-se a eventos na região de Coimbra. Há ainda duas edições de “Café Curto”, nas próximas terças-feiras, no Convento São Francisco, e uma sessão do ciclo “A Date with Lux” no Teatro Académico de Gil Vicente, com atuação do conimbricense Paulo Furtado, conhecido como “The Legendary Tigerman”, no dia 17.

FOTOGRAFIA CEDIDA PELA BLUE HOUSE

Arte que é pensada em conjunto - Anozero’21–22 Bienal de Arte Contemporânea de Coimbra vai prolongar-se até 2022. Curadora realça que “projeto é uma oferta extraordinária para atrair visitantes e para colocar a cidade num mapa de eventos culturais nacionais e internacionais”

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Anozero’21–22 Bienal de Arte Contemporânea de Coimbra teve início no dia 27 do mês passado. Já na sua quarta edição, a iniciativa conta mais uma vez com a organização do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, da Câmara Municipal de Coimbra e da Universidade de Coimbra (UC). À presente edição foi dado o título Meia-Noite, com autoria das curadoras do projeto, Elfi Turpin e Filipa Oliveira. A escolha desta denominação provém da observação da “noite como espaço de fluidez e quebra de normas, e como lugar aberto a outras possibilidades”, explicou a curadoria. A Bienal deste ano vai prolongar-se pela primeira vez até dia 26 de junho 2022 e está dividida em duas partes. Da primeira parte, o público pode esperar uma exposição-conversa a decorrer na Sala da Cidade até dia 15 de janeiro. Neste espaço encontra-se uma instalação do artista português Carlos Bunga, assim como uma programação cinematográfica interativa com os espectadores. Esta experiência tem uma finalidade didática e o

- POR CLARA NETO -

propósito de criar conversas sobre temas como a diversidade, a igualdade e a noite como espaço de resistência. Para a segunda parte do programa, está projetado o habitual circuito expositivo por locais representativos da essência da cidade de Coimbra. Com esta variedade de atividades, é pretendido o desenvolvimento do legado cultural da cidade dos estudantes e da Região Centro em si. A escolha desta iniciativa para Coimbra permite à cidade “trabalhar e pensar sobre um determinado tema, como é o caso deste ano, o da noite”, explica Filipa Oliveira. Acrescenta ainda que “o projeto é uma oferta extraordinária para atrair visitantes e para colocar Coimbra num mapa de eventos culturais nacionais e internacionais”. As expectativas pessoais da curadora incluem “fazer uma Bienal que, de facto, seja mais do que um evento, mas que seja um processo que envolva a cidade e que possa contribuir para o enriquecimento da mesma”. Filipa Oliveira destaca que “é um desafio pessoal fazer algo que tenha um impacto verdadeiro na vida das pessoas de Coimbra, assim como na dos artistas convidados”.

Esta edição tem como objetivo explorar relações inter poéticas, visões feministas, interseccionais e alternativas de produção do conhecimento. A colaboração com a UC permite uma aproximação com os membros da universidade. Um exemplo disso é a oportunidade dada aos alunos do segundo ano do mestrado em Estudos Curatoriais de realizar a exposição “No sonho do homem que sonhava, o sonhado acordou”. O ‘feedback’ e interatividade do público até ao momento têm corrido bem devido a “muitos desejos de conversa e é um sinal que o evento está a ser bem recebido”, afirma Filipa Oliveira. Exemplo disso, de acordo com a mesma, é a instalação de Carlos Bunga que tem provocado grande impacto para quem a vê. Para a curadora, “a Bienal só funciona se for pensada em conjunto”. Estão ainda em vista parcerias com várias associações da cidade, como a sala de concertos Salão Brazil e a Secção de Escrita e Leitura da Associação Académica de Coimbra. Até lá, os responsáveis prometem continuar a trabalhar com os vários órgãos da cidade de Coimbra.


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O papel da AAC na candidatura de Coimbra a Capital Europeia da Cultura Estudantes foram auscultados para a iniciativa. Presidente da DG/AAC espera que projeto eleve a cidade de Coimbra

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apresentação do ‘Bid Book’ para a candidatura de Coimbra a Capital Europeia da Cultura (CEC) realizou-se no dia 1 de dezembro, no Convento São Francisco. João Fernando Ramos, jornalista da RTP, dirigiu o painel, que incluiu o presidente da Câmara Municipal de Coimbra (CMC), José Manuel Silva, e o coordenador do Grupo de Trabalho da Candidatura de Coimbra para Capital Europeia da Cultura em 2027 (GTCCCE2027), Luís de Matos. A cidade de Coimbra tem recebido reconhecimento nacional e internacional a nível da cultura nas últimas décadas. Foi Capital Nacional do Teatro em 1992, Capital Nacional da Cultura em 2002 e tornou-se Património da Humanidade em 2013. Agora, com a candidatura para CEC em 2027, A CABRA procurou perceber o nível de envolvimento da Associação Académica de Coimbra (AAC) e compreender se está devidamente representada. A CEC é uma iniciativa da União Europeia criada em 1985 que, de acordo com a CMC, pretende “valorizar a riqueza, a diversidade e as características comuns das culturas europeias”. A nota de imprensa disponível no ‘site’ do município acrescenta ainda que “contribui para um maior conhecimento mútuo dos cidadãos europeus”. De forma a desenvolver o trabalho para este projeto, Manuel Machado, presidente do município em 2018, ano em que Coimbra formalizou a candidatura, nomeou o GTCCCE2027. A equipa é formada por personalidades da cidade e por professores catedráticos da Universidade de Coimbra (UC). Cristina Robalo Cordeiro, professora catedráti-

DANIEL OLIVEIRA

- POR DANIEL OLIVEIRA E FÁBIO TORRES -

ca da UC e membro do Grupo de Trabalho, refere que a candidatura de Coimbra a CEC é importante porque “é uma ocasião para que a cidade reflita sobre si própria e se conheça melhor”. O presidente da Direção-Geral da AAC (DG/AAC), João Assunção, reforça o comentário anterior. “Os principais agentes culturais são chamados para dialogar e debater aquilo que são as necessidades dos próximos anos da cultura”, afirma. Para o dirigente, uma das componentes principais da candidatura passa pela “diversificação dos agentes culturais e da abrangência que podem trazer à cidade”. Cristina Robalo Cordeiro acrescenta que a programação cultural conimbricense tem “uma forte componente europeia e internacional”. No entanto, avisa que “é preciso que essa vertente europeia seja organizada de uma forma estruturada”. João Assunção espera que esta candidatura permita descentralizar o espaço de intervenção cultural na cidade que, neste momento, compreende a “zona da academia”. Nesse sentido, acrescenta ainda que seria positivo utilizar este projeto de modo a “aproveitar as margens do Mondego para que elas possam ser também polos de intervenção artística ao longo dos anos”. Segundo o relatório do primeiro ano de atividade do Grupo de Trabalho, uma das suas primeiras preocupações foi auscultar os agentes culturais da cidade, de entre os quais a AAC. Segundo o presidente da DG/AAC, “a pluralidade, abrangência e qualidade inquestionável” da instituição é o seu principal contributo, o que a torna uma das

principais entidades culturais de Coimbra. Cristina Robalo Cordeiro considera que “a AAC é um organismo vivo de cultura em Coimbra e é em muitos aspetos pioneira”. A professora catedrática da UC salienta ainda que “a Académica é feita por estudantes e para estudantes”, por isso “a questão da juventude e da sua formação é também fundamental para a candidatura”. O dirigente estudantil acredita que a instituição está “em condições de igualdade perante os outros grupos auscultados”. Considera também que a AAC podia ter sido mais consultada, mas que “não é correto tentar buscar uma posição privilegiada e desprestigiar os restantes agentes culturais”. Apesar disso, garante que “a AAC está disponível para colaborar com o GTCCCE2027 sempre que necessário”. Até ao momento, a DG/AAC, por meio do seu presidente, compareceu em reuniões e assembleias com os vários agentes culturais de Coimbra. A Secretária-Geral do Conselho Cultural da AAC, Maria João Pereira, lamenta que, até agora, as secções culturais ainda não tenham sido informadas e procuradas pelo Grupo de Trabalho da devida forma. Cristina Robalo Cordeiro afirma que “se Coimbra entrar na ‘short list’, é a partir desse momento que o trabalho tem de começar a ser feito com a Associação Académica e com os restantes agentes culturais”. Esse trabalho vai ser efetuado, “através de reuniões e de encontros de programação”, acrescenta. O membro do Grupo de Trabalho espera ter uma colaboração mais próxima com a casa dos estudantes no futuro.


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Van Gogh e Frida Kahlo coabitam espaço criado pela artista Élia Ramalho

Salão multidisciplinar conjuga diferentes ramos artísticos. Projeto Cofre de Artistas visa apoiar artistas e garantir manutenção do espaço

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na rua Montarroio, no corredor entre a Alta e a Baixa de Coimbra, que se encontra o Salão da Frida Kahlo. As paredes, pintadas em tons azuis, são ocupadas por frases, desenhos e quadros que fazem, sobretudo, referência à pintora mexicana e ao artista holandês. Desde a sua abertura, em outubro de 2019, o espaço tornou-se um “lugar de partilha da experiência artística para contar histórias e fazer chegar mensagens’’, afirma Élia Ramalho, proprietária do salão. Sapatilhas na parede, um baloiço pendurado no teto, duas camas, vários instrumentos musicais, livros e uma imensidão de plantas são alguns dos elementos que compõem o espaço. Num ambiente de baixa luminosidade, o quarto de Van Gogh, na Holanda, parece encontrar a casa azul de Frida Kahlo, no México. A proprietária confessa, ainda, que pretende acrescentar mais elementos gráficos de artistas como Picasso e Dali. Élia Ramalho afirma que quem visita o espaço “encontra sempre diferenças” na decoração. Desde as pinceladas na parede às manchas de tinta das cadeiras, todas as pinturas e adereços são da autoria da artista. A proprietária justifica a ligação do espaço com Frida Kahlo ao traçar semelhanças entre episódios vividos por si e pela artista na juventude. Tal como a pintora mexicana, Élia Ramalho sofreu um acidente de viação que a “incapacitou muito” e a pintura foi o seu “primeiro resgate’’, confessa. A artista considera Frida um “exemplo de resiliência, coragem e firmeza” e o espaço permitiu-lhe “pintar como se fosse ao lado dela”. Apesar de admitir que a conexão com Van Gogh é sobretudo estética, Élia Ramalho também define o pintor como um “exemplo de vida e afirmação”. O salão chegou a ser definido pela pintora como uma “extensão’’ da sua própria casa, visto que começou

RAQUEL LUCAS

- POR DÉBORA CRUZ E RAQUEL LUCAS -

RAQUEL LUCAS

por ser usado “de uma forma muito caseira”. Desde cedo, Élia Ramalho fez do local um ponto de encontro para os seus amigos e depressa se tornou num “espaço de tertúlia”. Porém, à medida que o lugar começou a “ganhar uma vida própria” e a atrair mais pessoas, a artista sentiu que o espaço deixou de pertencer apenas a si. “Passou a ser a sala de todos e, hoje, o público é muito variado“, considera. “Quem vem aqui tem ideias, tem causas, acredita que vai mudar o mundo”, destaca, com o intuito de desmentir que o espaço seja “utilizado para beber álcool e consumir droga”. Élia Ramalho procura promover o salão como um “espaço multidisciplinar” que “estimule a criação artística”. Apesar de reconhecer que a músi-

ca “ganhou império” sobre a sala, a artista pretende organizar oficinas e ‘workshops’ com escrita criativa, pintura decorativa através de textos e “escrever através da imagem’’. O seu objetivo é proporcionar uma maior interação entre diferentes ramos artísticos e, para isso, realiza diferentes atividades. “É um espaço aberto ao teatro, à poesia, ao cinema e há muita música ao vivo”, atesta a dona do salão. Com a chegada da pandemia de COVID-19, a proprietária teve de arranjar alternativas para manter o funcionamento do salão. “A primeira reação foi fechar a porta e entregar a casa’’, explica. A manutenção do espaço passou, assim, a depender de outros trabalhos pontuais, algo que descreveu como “um desafio’’. Toda a situação fez a artista cimentar a crença de que os trabalhadores culturais “são ainda muito desfavorecidos, pouco respeitados e precisam de muita ajuda’’. Nesse sentido, criou o projeto Cofre de Artistas, uma caixa de contribuições voluntárias, com o propósito de apoiar aqueles que fazem da arte a sua subsistência e assegurar a manutenção do lugar. “Um donativo vai permitir que o espaço se mantenha vivo e ajudar a pagar os músicos que atuam no salão”, declara. A conjugação presente nas paredes entre a escrita e a pintura reflete o desejo da proprietária em enriquecer o espaço a nível cultural e artístico. Élia Ramalho acredita que “uma linguagem amplia a outra” e que “a pintura e a literatura sós ficam pobres”. A pintora, também doutoranda em Materialidades da Literatura na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, explica que a literatura “é o melhor complemento para a pintura e para as artes visuais’’ e reforça a necessidade de interação entre as várias expressões artísticas. O conceito de criar um ‘franchising’ do salão é, para Élia Ramalho, algo “assustador’’, apesar de reconhecer o potencial que teria noutras cidades. A proprietária admite sentir um “apelo a ir para fora’’ e não exclui a possibilidade de, no futuro, criar outros espaços, tanto em Portugal, como no estrangeiro. “É possível que nasçam outros Salões da Frida Kahlo”, conclui.


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Seis décadas no palco do TAGV Data é comemorada com um reviver das memórias do espaço. Proximidade do Teatro com os grupos académicos é uma das reivindicações atuais dos estudantes - POR ALEXANDRA GUIMARÃES E IRIS PALMA -

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naugurado a 9 de setembro de 1961, o Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV) celebra 60 anos de promoção cultural junto dos estudantes e da cidade. Esta estrutura da Universidade de Coimbra (UC) foi criada de forma a proporcionar às secções e organismos da Associação Académica de Coimbra (AAC) um espaço adequado à apresentação pública das suas atividades. Hoje em dia, o TAGV integra Coimbra nas redes nacionais e internacionais de teatro, dança, música e cinema, e distingue-se por ser o único edifício teatral universitário do país. O diretor do TAGV, Fernando Matos Oliveira, conta que, ao longo destes 60 anos, “muitas coisas mudaram” neste espaço. Desde logo, assistiu a “mudanças políticas, sociais e culturais, como a passagem da ditadura à democracia, bem como a transformações na própria UC”, conta. O diretor vê este espaço “marcado por gerações” e relembra que, “durante quase 50 anos, foi a única unidade de equipamento cultural na cidade de Coimbra que podia receber espetáculos com algumas ex-

IRIS PALMA

IRIS PALMA

igências técnicas”. Fernando Matos Oliveira sublinha a importância atual desta estrutura para a academia ao referir que “a UC tem no Teatro um lugar de relação ampla com toda a criação artística contemporânea, onde se experimentam potencialidades fundamentais dos seres humanos como a imaginação, a utopia e a criatividade”. O diretor considera que esta sala de espetáculos é “uma unidade que cria uma relação entre a universidade e a sociedade”. No que respeita à relação com os grupos académicos, refere que o TAGV não só acolhe espetáculos, como também financia ações formativas promovidas por eles. Wilson Domingues, membro da direção do Teatro dos Estudantes da UC(TEUC), recorda que “foi a necessidade de uma sala de espetáculos por parte do TEUC e de outros grupos que fez com que o TAGV surgisse”. O estudante realça a relação de parceria que se mantém, por exemplo, através da organização conjunta da Mostra de Teatro Universitário. Acrescenta ainda que, apesar de o TEUC ter um espaço próprio, o TAGV permite que os espe-

táculos abranjam um público mais diversificado. No entanto, Wilson Domingues considera que “era bom aproximar ainda mais”, na medida em que o TAGV “se tornou um espaço comercializado” e que “o «A» de «Académico» na sigla já não faz tanto sentido assim”. O recém-eleito presidente da Direção-Geral da AAC (DG/AAC), Cesário Silva, refere que um dos objetivos do mandato é que “o TAGV seja, de facto, um teatro académico”. Nesse sentido, pretende a reivindicação estatutária de um estudante representado no Conselho Consultivo do TAGV, que dialogue com o diretor, nomeação que não tem ocorrido nos últimos anos. Outra medida prevista é a abolição das taxas para a realização de atividades de grupos académicos que, na opinião do presidente da lista V, fazem com que “o TAGV acabe por já não ser a primeira escolha para a realização deste tipo de eventos”. Cesário Silva reforça a importância de “garantir que toda a cultura da casa é valorizada e que tem condições para abranger a cidade inteira”. Segundo o diretor do TAGV, uma das prioridades atuais é “consolidar o Teatro no âmbito da Rede Nacional de Teatros”, na qual foi pela primeira vez credenciado este ano, de modo a permitir que “faça mais e melhor”. Fernando Matos Oliveira considera importante que seja um “espaço de programação interdisciplinar, onde os públicos, na sua diversidade, possam encontrar motivos de interesse”. Ainda assim, afirma estar ciente do “desafio que, hoje em dia, se coloca aos equipamentos culturais de pensarem de forma contínua a relação com o público”. Na sua opinião, este tem cada vez mais uma tendência a dispersar a sua atenção para outras atividades. A celebração dos 60 anos do TAGV contou com um programa de atividades a decorrer desde setembro até dezembro. Uma das iniciativas constou de um fim de semana de portas abertas, para dar a conhecer uma exposição de materiais alusivos aos espetáculos que por lá passaram nestas seis décadas, como panfletos e cartazes. De acordo com o diretor, esta ação realça a vontade de que o TAGV seja “um espaço público”.


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Boccia da AAC na dianteira da defesa dos direitos de pessoas com deficiência

Regime probatório estendido por mais um ano. Pró-secção assume-se como espaço para estudantes com deficiência poderem praticar desporto

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pós dois anos da sua criação, a Pró-Secção de Boccia da Associação Académica de Coimbra (AAC) prossegue a sua atividade na defesa dos direitos das pessoas com deficiência na comunidade universitária. Desta forma, a pró-secção mostra-se como um motor da luta pela inclusão de todos os estudantes na vida desportiva universitária, em especial aqueles que de algum modo têm alguma deficiência. Como explica o presidente da pró-secção, Bernardo Lopes, um dos propósitos da pró-secção é “pôr os estudantes a praticar desporto”, sobretudo como um espaço onde pessoas com deficiência podem experimentar uma modalidade que até 2019 não estava representada na academia. O dirigente destaca como uma particularidade da pró-secção o facto de esta assumir uma “vertente reivindicativa” perante as dificuldades que os estudantes com deficiência enfrentam na Universidade de Coimbra (UC). “Somos uma secção politizada”, explica, na medida em que a secção procura defender os interesses do estudante com deficiência na academia. A Reitoria da UC colabora com a Pró-Secção de Boccia da AAC no sentido de ultrapassar as “barreiras arquitetónicas” dos edifícios que compõem a instituição, de forma a melhorar as acessibilidades para os estudantes com deficiência, explica Bernardo Lopes. Para o presidente, esta é uma das principais reivindicações que a pró-secção pretende continuar a realizar perante as instituições de gestão da UC e da AAC. Em relação à participação da pró-secção em provas desportivas, Bernardo Lopes aponta a pandemia e os custos decorrentes das deslocações para as competições como os principais obstáculos à participação da pró-secção em eventos desportivos. Salienta que, de momento, a pró-secção aposta na promoção da

- POR FRANCISCO BARATA -

vertente “recreativa” do desporto entre os atletas que compõem a equipa de boccia da AAC. O presidente da pró-secção sublinha ainda o acordo celebrado com a Faculdade de Ciências de Desporto e Educação Física que permite que estudantes de Ciências do Desporto possam “estagiar na pró-secção” ao mesmo tempo que estudam na licenciatura. O dirigente informa ainda que a pró-secção vai dispor de mais um ano sob o regime probatório previsto pelos estatutos da AAC, para continuar a

prossecução das suas atividades, devido ao impacto que a COVID-19 teve no funcionamento da prósecção. Bernardo Lopes diz acreditar que, passado este ano, o boccia da AAC possa por fim constituir-se como uma secção desportiva. Até lá, o presidente da Pró-Secção de Boccia da AAC promete continuar a defender os interesses das pessoas com deficiência na comunidade estudantil e promover o desporto adaptado na academia coimbrã.

FRANCISCO BARATA

Uma secção movida pelo gosto Amizade e boa vontade têm mantido o futsal a funcionar na AAC. Presidente da secção pede maior apoio aos responsáveis pelo desporto na casa dos estudantes - POR DIOGO MACHADO -

A Secção de Futsal da Associação Académica de Coimbra (SF/AAC) atravessa um período desafiante na sua vida. No primeiro semestre deste ano, a secção encontrava-se em Comissão Administrativa, situação que não permitiu realizar eleições para os órgãos sociais. Agora uma nova direção foi eleita, liderada por Carlos Clemente, presidente da SF/AAC. “Estamos a arrumar a casa e a dar andamento a todos os requisitos e pressupostos exigidos pela Direção-Geral da AAC (DG/AAC)”, conta o presidente. De momento, a secção não tem as condições pretendidas para o seu bom funcionamento, algo que para Carlos Clemente tem dificultado o trabalho desta nova direção. “Condições financeiras, zero”, afirma. O presidente revela que a secção tem vivido das amizades dentro da mesma, bjke que tem pago as

despesas, que “são milhares de euros por mês”, desta forma. A direção tem procurado conseguir donativos e patrocínios. “Estamos a aguardar que a nova DG/AAC e o Conselho Desportivo da AAC (CD/AAC), face à execução das noites de parque correspondentes à Queima das Fitas, distribuam as receitas para satisfazer parte das nossas necessidades”, explica Carlos Clemente. A secção mostra-se feliz com o número de atletas, mas refere que há sempre lugar para mais. Dado o elevado número de equipas de diferentes secções que utilizam o Pavilhão Jorge Anjinho, alguns escalões da SF/AAC estão a treinar, de momento, em Lordemão. Esta deslocação cria, segundo o presidente, “desconforto para os pais”. Com o objetivo de solucionar este problema, tem havido uma tentativa por parte da secção em procurar pa-

vilhões em escolas que possam receber os treinos destes atletas. “Gostaria que o apoio da DG/AAC fosse mais forte e espero que a nova direção venha reunir connosco para que lhes seja possível perceber o que está em cima da mesa”, partilha Carlos Clemente. Acrescenta também que há o desejo de voltar a ter uma equipa sénior masculina em competição, “mas para isso tem de haver boa vontade da DG/AAC e apoio”, conclui. Apesar de todas estas dificuldades, o presidente da SF/AAC acredita que a sua direção vai fazer todos os possíveis para que a modalidade se mantenha presente na Académica. “Trabalhamos por gosto, têm havido muitas surpresas e muitos contratempos pelo caminho, mas como somos pessoas de bem vamos tentar levar a água ao moinho”, conclui.


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Basquetebol da AAC foca-se nos objetivos para meter a bola no cesto

Equipa principal masculina procura permanência no primeiro escalão nacional. Presidente da secção apela à participação ativa do estudante-adepto

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Secção de Basquetebol da Associação Académica de Coimbra (SB/AAC) vai com a bola, para na linha de três pontos e lança na esperança de marcar um triplo. A aposta no novo treinador da equipa sénior masculina, o sucesso da equipa feminina e o apelo ao estudante-adepto são três dos pontos chave realçados pelo presidente, João Frazão, para ganhar o jogo. Neste momento, a bola está a dar voltas ao cesto. Será que vai entrar? Depois de ter iniciado o seu mandato há três anos na presidência da SB/AAC, João Frazão tem agora como objetivos a manutenção da equipa sénior masculina no primeiro escalão, o aumento do número de atletas da formação e a consolidação da equipa sénior feminina. Admite que no final do terceiro ano e após um balanço do trabalho da equipa, os objetivos estão a ser cumpridos. “No fundo, o objetivo também era manter a saúde e estabilidade financeira da secção, para que as próximas direções possam ter os mesmos objetivos, ou melhores”, explica. A época 2021/2022 da equipa principal “teve um começo atribulado”, refere o presidente. “Começámos o campeonato com nove derrotas em nove jogos, mas isso não nos desmotivou e não nos desviou do objetivo que traçámos no início da época”, afirma. Perante esta situação inicial, foram tomadas decisões “para que a equipa pudesse melhorar o seu desempenho”, de entre as quais a contratação de um novo treinador. Rafael Sanz foi o escolhido para dirigir a equipa principal. O treinador já trabalhou na Federação Espanhola de Basquetebol e deixou o cargo de selecionador da Andaluzia para abraçar este novo projeto na Académica. Os objetivos que o treinador diz ter para a equipa vão ao encontro dos estabelecidos pela direção da secção. “Acredito que posso ajudar na mentalidade ao treinar duro para se poder jogar duro”. Sublinha que gosta de “trabalhar muito e falar pouco”.

LARISSA BRITTO

- POR LUÍSA MACEDO MENDONÇA E CRISTIANA REIS -

O presidente da secção mostra-se satisfeito com os resultados da equipa masculina até agora. “Tivemos sorte com o treinador que contratámos, o trabalho é visível”, confirma. Dá como exemplo a “exibição e o resultado do último jogo” em que a Académica venceu o Vitória Sport Clube. “Estas coisas trazem sempre um efeito psicológico e um ânimo diferente à equipa”, explica. Ressalta ainda a importância do trabalho e dedicação do treinador para com a secção a tempo inteiro e o facto de o alto nível de competição atrair atletas para as camadas de formação, “visto que veem a equipa sénior como um modelo ou um objetivo a seguir”. O anterior treinador, Ivo Rego, não ficou fora do projeto e passou a dedicar-se somente à coordenação da formação, que é composta por diversos atletas e escalões. O presidente destaca que esta vai ser uma continuação do trabalho que tem sido feito e considera que “existe um duplo benefício, ter duas pessoas, uma em cada área, a aplicarem-se a cem por cento”, visto que agora já não existe a necessidade de gerir as atividades de professor, coordenador e treinador da equipa principal por parte de Ivo Rego. Quanto à formação, a secção de basquetebol alberga entre 150 a 200 atletas. Rafael Sanz destaca a importância da conexão entre a equipa sénior e as equipas jovens, a fim de os jogadores da formação verem que têm futuro no seu clube. “Temos que levar o barco da Académica a remar todos na mesma direção”, elucida. Apesar de reconhecer que as condições não são as melhores, salienta que “não há que arranjar desculpas, há que trabalhar duro com as condições que existem e adaptar o trabalho às mesmas”. Por sua vez, João Frazão admite que as condições “não são, de todo, aquelas que seriam necessárias” devido à falta de espaços de treino e de jogos, como por exemplo o caso do Pavilhão Multidesportos Mário Mexia, convertido há cerca de um ano num centro de vacinação contra a COVID-19. Já o Pavilhão Engenheiro Jorge Anjinho, ao serviço das

secções da AAC, “não tem horários para todos”, aponta. O presidente refere ainda as dificuldades orçamentais, atenuadas com apoios de empresas como a EFAPEL, por parte da Câmara Municipal de Coimbra ou dos sócios da secção. “Não me posso queixar da falta de boa vontade na ajuda à secção, por parte da Direção-Geral da Associação Académica de Coimbra (DG/AAC)”, aponta o presidente da secção. Quanto à mudança da presidência da DG/AAC e da Câmara Municipal, João Frazão acredita que “sempre que vem gente nova, vêm com vontade de ajudar”, apesar de reconhecer que as anteriores presidências de ambas também demonstraram disponibilidade para o necessário. No que toca à equipa feminina, João Frazão realça o bom desempenho das atletas, que superaram as expetativas e, neste momento, apresentam um registo apenas de vitórias no campeonato. “Quando se vê que uma equipa é sólida e está bem dirigida como é o caso com o treinador João Maia, existe uma motivação para as novas atletas aderirem à equipa e isso contribui para os bons resultados”, acrescenta. O terceiro objetivo e o apelo que o presidente deixa aos estudantes é que estes participem ativamente na vida desportiva da Académica e que “possam ir aos pavilhões para apoiar a equipa e a ajudar a conseguir resultados”. João Frazão apela ao estudante-adepto que vá ver a Académica pelo amor ao clube e que “se reconheçam na equipa, apesar dos jogadores não serem na sua maioria estudantes”. Por fim, o balanço feito pelo presidente é que a SB/AAC “apresenta um projeto sustentável e ambicioso, cuja finalidade é colocar a Académica no patamar mais alto e com a maior visibilidade possível para o país”, conclui. “A Académica é uma casa muito grande, que merece muito respeito, mas que também tem que honrar a sua história, que é feita não só de valores, mas também de resultados e títulos”. Remata que a secção está a “tentar fazer um trabalho que perdure no tempo”. Dados por encaminhados os objetivos principais, a secção prepara-se, então, para marcar os três pontos.


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Da vice-presidência aos pelouros: a primeira ceia Nova DG/AAC encabeçada por Cesário Silva conta com criação de novos pelouros e com olhares diferentes sob reivindicações já conhecidas pela academia. Vice-presidência e coordenação de pelouros em consenso sobre os novos desafios que enfrentam por representarem um projeto de descontinuidade - POR JOANA CARVALHO E SIMÃO MOURA -

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om a tomada de posse da próxima Direção-Geral da Associação Académica de Coimbra (DG/AAC) agendada para o dia 14, terça-feira, a equipa liderada por Cesário Silva assume também o controlo dos vários pelouros da casa. A Lista V – Académica de Valores promete um acompanhamento mais próximo e mais contacto, tanto com os estudantes como com os vários organismos da AAC, com os novos dirigentes e aproveita a ocasião para introduzir novos pelouros na estrutura da Académica. Quando questionados sobre as suas expectativas para este novo mandato, os vice-presidentes da Lista V admitiram falhas que pretendem colmatar. João Caseiro, que vai assumir as pastas do desporto, da política educativa, política científica, relações externas e relações internacionais lamenta o que considera um “desligar dos estudantes da casa”, e procura aproximar a comunidade estudantil das “diversas valências da AAC”. Por sua vez, tanto João Diogo como Daniel Aragão, que se vão ocupar com as áreas dos núcleos, pedagogia, política pedagógica, do gabinete de apoio ao estudante (GAPE), empreendedorismo e da política de emprego, a par da cultura, a ação social, a política de sustentabilidade e a intervenção cívica e voluntariado, por essa ordem, comentam que, devido à pandemia, este mandato pode ser difícil, mas têm boas expectativas. Todos os vice-presidentes destacam que uma distinção da última DG/AAC vai ser concretizável através de um maior contacto, ligação e apoio dentro das áreas a que se vão dedicar. João Caseiro, por exemplo, realça que a nova equipa se vai pautar não só pela criação de novos pelouros, mas também por “um trabalho diário de auscultação e procura de soluções” nos pelouros já existentes. Os três dirigentes concordam que o facto de a Lista V não ser uma continuação da DG/AAC anterior pode ser tanto um desafio como uma vantagem. João Caseiro explica ainda que esta situação “acaba por ser um pouco dos dois porque há o desafio de pensar de forma diferente, o que não é fácil, mas também existe uma maior liberdade, que nos dias de hoje não é comum”. Por fim admite que “qualquer DG/AAC eleita vai ter um grande desafio porque há sempre necessidades e problemas novos”, mas partilha a opinião dos colegas quanto ao benefício de “não estar tão preso a uma maneira procedimental de lidar com os assuntos”. O caráter recreativo da DG/AAC e dos órgãos que a compõem também foi abordado. Daniel Aragão sublinha a importância de uma relação de simbiose entre as estruturas da AAC para que estas possam alcançar mais estudantes. O vice-presidente discute ainda a hipótese de organizar uma “feira de secções e de organizações culturais e desportivas” em que seria feita uma divulgação “mais física”. Por sua vez, João Diogo explica que a

nova DG/AAC quer “incentivar os núcleos a fazer atividades com as secções e explicar todos os grupos que caracterizam a Académica’’, o que vai, a seu ver, fazer com que os estudantes estejam mais ligados à AAC. Fala também sobre a necessidade desta ligação entre os núcleos e as secções como um elo que pretende retomar para ajudar na divisão de funções dos organismos. “Há muita gente que vive os núcleos, mas não vive a Académica e não sabe que ela tem certas secções, e então acaba por não lhes pedir ajuda e os núcleos fazem por si as coisas de forma orgânica”, explica o vice-presidente. Termina ao dizer que querem recuperar esta ligação porque é “a melhor forma de as secções mostrarem aos estudantes o que fazem e angariar mais associados”. Por fim, João Caseiro adverte que “a prioridade é sempre os estudantes, mas nunca poderemos descurar aquilo que é a cidade”, e conta que procura criar “novos mecanismos de divulgação daquilo que são as atividades de cada pelouro e cada secção”. Apoio, Ação Social e a luta contra a Propina: reivindicações antigas sob novos olhares Várias foram as listas e projetos que apresentaram, enquanto pautas reivindicativas, um aumento da ação social, a nível da alimentação e do alojamento, bem como um término da propina, tanto para estudantes nacionais como internacionais. A assumir a pasta da Ação Social está Daniela Santos, que considera o mandato que está para iniciar “muito interessante” no que diz respeito à luta pela recuperação do prato social nas Cantinas Rosa e pela sua implementação nas Cantinas Amarelas. A Coordenadora Geral do Pelouro da Ação Social reforça que “esta situação vem a dificultar a vida dos estudantes”, que já se encontravam fragilizados após o período pandémico. “É importante fazer-se ouvir a voz dos estudantes e a revolta que sentiram ao voltar da pandemia e verificarem um problema acrescido, que foi a remoção do prato social nas Cantinas Rosa”, refere. A acessibilidade dos edifícios da Universidade de Coimbra (UC) a pessoas com mobilidade reduzida necessita, do mesmo modo, de uma especial atenção, segundo a dirigente associativa. Daniela Santos considera que este problema verifica-se um pouco por todos os edifícios e deve ser resolvido a par com a reabilitação das residências. O essencial é exercer uma pressão contínua junto das estruturas e órgãos de gestão competentes, reforça. A dirigente associativa realça que a questão das residências adquire um caráter prioritário, no sentido de fazer cumprir o proposto no Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior e existir um aumento de camas e condições nas residências universitárias. “Como se pode esperar


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que um estudante tenha sucesso escolar se não tem condições para dormir e cozinhar nas residências em que habita?”, interpela Daniela Santos. Transversal à ação social, também o pelouro do Gabinete de Apoio ao Estudante (GAPE), dirigido por Beatriz Fernandes, dá ênfase à questão da habitação. A dirigente fala sobre a possibilidade de fazer um levantamento de alojamentos com condições para receber os novos estudantes que chegam a Coimbra e dar-lhes um local onde possam fazer o seu percurso académico de forma mais confortável e a um preço acessível. No que diz respeito ao combate à propina, Gonçalo Pardal, Coordenador Geral do pelouro da Política Educativa, considera que o processo tem de ser gradual. Relembra ainda que, com a dissolução de mestrados integrados, alguns alunos que terminaram a licenciatura encontram-se agora a pagar mais enquanto estudantes do 2º ciclo. Gonçalo Pardal também refere a discrepância existente entre as propinas do estudante nacional e internacional. “O valor das propinas internacionais é fixado pela UC e, de momento, Coimbra é onde se paga o valor mais alto a nível nacional”, relembra. No seguimento da redução da propina, é necessário amenizar “a discrepância existente” entre os dois grupos de estudantes. Transversalidade entre os núcleos, a Cultura e o Desporto como pilar essencial A falta de comunicação e afastamento entre as várias estruturas que compõem a casa têm vindo a ser temas recorrentes, no que diz à elaboração de atividades tanto culturais como desportivas. Madalena Caetano, responsável pelo pelouro da Política Cultural, realça a vontade do novo projeto em ser “uma p on te entre os vários órgãos que fazem parte da AAC”. O dirigente do pelouro dos Núcleos, Tomás Vidal, evidencia a necessidade de uma relação de “simbiose” entre as estruturas da Académica. O coordenador diz que é preciso “estar atento à atividade dos núcleos e recomendar potenciais colaborações com as secções”. Diogo Evangelista, encarregue do pelouro de Desporto e Política Desportiva, explica que vai ser “através do desporto universitário que se vai chegar mais aos alunos da UC”. Ainda assim, o dirigente associativo diz querer desenvolver a ligação do seu pelouro com os núcleos e as secções da casa através de iniciativas como a feira das secções, a ser realizada nos jardins da AAC.

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Oferta científica e empreendedorismo junto da comunidade estudantil Este novo mandato conta com a criação de um novo pelouro para a Política Científica, cujo objetivo é, segundo a Coordenadora Geral, Luana Cardoso, “dar resposta e divulgar a oferta científica”, assim como aproximar os estudantes do 3º ciclo, “que por vezes se sentem um pouco esquecidos”. A dirigente associativa adianta que, neste momento, está a ser feito “um levantamento do que já existe”, tanto a nível de metodologias científicas, como propostas de estágios ou a existência de centros de investigação, assim como oportunidades de bolsas de financiamento. Destaca ainda a importância da articulação tanto com núcleos como com outros pelouros, a fim de que as oportunidades sejam iguais para todos. Por sua vez, a coordenadora do pelouro do Empreendedorismo, Eva Costa, quer “chegar ainda a mais alunos e sentir que foram dadas as ferramentas para que possam evoluir não só a nível estudantil como também no seu futuro profissional e pessoal”. A dirigente nomeia a criação de concursos de ideias e de sessões de resolução de problemas como algumas das formas de poderem ajudar a comunidade estudantil ao dar-lhes “mais capacidades e um espírito mais inovador e empreendedor”. Da Universidade para a Cidade: o que esperar dos pelouros de Intervenção Cívica e Voluntariado e de Política de Sustentabilidade A nova equipa do pelouro de Intervenção Cívica e Voluntariado, Filipa Lima, relata como as atividades do organismo se vão estender para além da UC através do voluntariado. A ajuda aos sem-abrigo, a retoma de iniciativas como a Street Store AAC e feiras de voluntariado são algumas das atividades que a dirigente associativa espera conseguir reavivar no decorrer deste mandato. Adianta ainda que qualquer atividade a ser desenvolvida “vai ser desenvolvida em cooperação com os vários organismos da casa’’. Tal como o caso do pelouro de Política Científica, esta nova DG/AAC também procedeu à criação do pelouro de Política de Sustentabilidade, que tem como Coordenador Geral Luís Martins. O dirigente associativo afirma que este pelouro foi criado com o intuito de aumentar a ação em matérias de sustentabilidade, visto que “a própria UC não está tão atenta a estes problemas”. Luís Martins avançou algumas ideias, como a instalação de “mais pontos de água nas faculdades e departamentos”, bem como a promoção do uso de embalagens reutilizáveis. Em relação aos transportes públicos, o dirigente admite que ainda se estão a estudar soluções. Todos os pelouros e seus dirigentes mantêm as expectativas altas em relação ao mandato que vai ter o seu início no dia 14 de dezembro, apesar de terem consciência, tal como os vice-presidentes, que este pode representar vários desafios. No entanto, mantém a posição de que o que importa é “Ouvir, Servir, Intervir”.


14 ciência & tecnologia 14 de dezembro de 2021

ESA Space Solutions marca o seu sétimo aniversário em Portugal

Programa nacional já ajudou 42 ‘startups’ por conta de uma grande capacidade das empresas no setor espacial português. Oportunidades ligadas à ESA para estudantes surgem todos os anos com a criação de eventos e ‘hackathons’

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- POR EDUARDO NEVES -

European Space Agency (ESA) Space Solutions Portugal celebrou o seu sétimo aniversário no dia 24 de novembro deste ano. Este programa é coordenado pelo Instituto Pedro Nunes (IPN), incubadora de Coimbra, que não só organiza as várias ramificações do projeto em Portugal, mas também oferece orientação para a gestão de projetos de empresas. O IPN funciona ainda como ponto de contacto com os planos de investigação e desenvolvimento da ESA. O projeto internacional tem como principal missão ajudar empresas europeias na área de tecnologia espacial, e é considerado a maior rede de incubação de empresas na Europa. Os Centros de Incubação Empreendedora (CIE) são as ramificações do projeto a nível

O coordenador afirma que “já existe um setor espacial em Portugal, mas ainda há um longo caminho a percorrer”. O diretor de inovação preza o apoio prestado a 42 startups ao longo dos últimos sete anos, mas afirma que foi um processo fluido devido à grande capacidade das novas empresas portuguesas. Outro grande feito foram as dez transferências de tecnologia concretizadas, que consistem em disseminar técnicas desenvolvidas por uma entidade com outras. Estas ocorreram entre empresas com o negócio principal focado no espaço e várias empresas noutros mercados. Desta forma o IPN procura resolver alguns entraves das suas empresas com ativos da ESA. O coordenador afirma que a agência espacial tem um bom investimento,

O programa não é indiferente aos estudantes universitários, visto que promove vários eventos ao longo do ano, para que os estudantes possam ter um conhecimento prático das tecnologias espaciais. Para além de ‘hackathons’, sem data ainda prevista, em setembro do próximo ano arranca a edição anual da Portugal Summer Space School. E entre março e abril vai abrir um novo evento chamado Act in Space, sem quaisquer custos. Estes eventos vêm dar a oportunidade de co­ nhecer todo o ambiente em volta da área do espaço, em especial alguns investigadores e especialistas da ESA. O IPN tem como missão “transformar i­n ovações teóricas em produtos concretos e no espaço não é diferente”, explica o diretor.

nacional. Desde julho de 2003 já foram orientadas cerca de mil startups europeias, das quais emergiram 95 novas empresas no setor espacial. O programa não se foca apenas neste campo, já que conta com várias iniciativas e oportunidades, desde tecnologia ambiental até inovações em mobilidade urbana. Jorge Pimenta, coordenador do projeto em Portugal e diretor de inovação no IPN, salienta que “a ligação portuguesa à ESA não é recente e já havia várias empresas a entrar neste mercado”, no entanto, o dirigente considera ser um número ainda reduzido. Acrescenta, por outro lado, que “este programa veio ajudar a estimular empresas emergentes em vários setores, mas em particular no setor espacial”.

em particular de fontes públicas, pelo que tem todo o interesse em “retribuir à sociedade”. O programa Space Solutions Portugal passa por ser também um processo inclusivo, ao estar aberto a ideias empresariais de sucesso. A proposta de um protótipo de um produto ou serviço está pendente de uma avaliação em conjunto com a ESA e pode receber financiamento num valor até 50 mil euros. Este apoio vem do ESA Technology Broker que promove exclusivamente a transferência de tecnologia de empresas portuguesas. Jorge Pimenta afirma que a agência é uma “excelente porta de acesso” a oportunidades e que esta área é “do melhor que se faz no mundo da ciência e tecnologia”.

Esta missão vai ao encontro aos objetivos do programa pelo que, a liderança do projeto nacional é um reconhecimento à capacidade de gestão do instituto. O coordenador deixa também uma mensagem de inspiração para empresas a entrar neste setor do mercado português ao afirmar que Portugal não “está a­trasado nesta corrida”. Enumera outras empresas já presentes neste mercado e assegura que este movimento “é algo que está a acontecer”. Jorge Pimenta termina ao deixar um apelo a todos os estudantes e mostra-se recetivo a novas ideias e ao potencial destes académicos.


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ciência & tecnologia 15

De mãos dadas em nome da saúde mental dos estudantes

Novos projetos dão relevo a interação de pares no apoio e aconselhamento psicológico. Falta de “oferta” de serviços e respostas no país representa desafio

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o início do ano, o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge divulgou um relatório no âmbito do projeto “Saúde Mental em Tempos de Pandemia”, que tinha como principal objetivo perceber o impacto que a pandemia teve na saúde mental dos portugueses. O estudo, que contou com mais de seis mil respostas, mostrou que “27 por cento dos inquiridos da população geral indicaram ter sintomas moderados a graves de ansiedade, 26 por cento sintomas de depressão e 26 por cento sintomas de perturbação de stress pós-traumático”. De igual forma, a análise demonstrou que os inquiridos entre os 18 e os 29 anos são um dos grupos que apresenta de forma mais frequente sinais de “sofrimento psicológico moderado a grave, ansiedade, depressão ou perturbação de stress pós-traumático”. Contudo, estes dados não são novidade. Em 2017, dados europeus do Institute for Health Metrics & Evaluation mostraram que a principal causa de morte em crianças e jovens foi o suicídio. Em Portugal, segundo o Programa Nacional para a Saúde Mental, a principal razão é semelhante: “um em cada seis óbitos entre os dez e os 29 anos em Portugal é por suicídio”. Apesar da Organização Mundial da Saúde afirmar que esta taxa continua a descer, ainda há um grande caminho pela frente. Em Coimbra, cidade pautada pela grande presença estudantil, a saúde mental ganha um outro destaque. Com a faixa etária dos 18 aos 29 anos com presença predominante, os projetos que pretendem ajudar os estudantes ganham espaço. É o caso dos projetos MyCare e da Linha de Apoio Inter-pares (LAIp). Ambos feitos de estudantes para estudantes,

INÊS RUA

- POR CARINA COSTA -

estes projetos prendem-se com o objetivo de querer ajudar o próximo. Uma iniciativa da Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra (ESTeSC) tornou possível uma linha telefónica anónima, onde os estudantes podem partilhar as suas experiências com outros colegas. Fátima Feliciano, coordenadora do projeto e docente da ESTeSC, explica que a ideia nasceu no âmbito do Plano de Recuperação Académica e Resiliência Emocional da Escola, definido durante a pandemia COVID-19. Entre trocas de ideias, a equipa tentou ir ao encontro das necessidades que se faziam sentir na comunidade estudantil. “Com os momentos de confinamento”, explica a docente, “começaram a surgir problemas subsequentes à questão da pandemia, tais como níveis de ansiedade maiores, problemas com o sono e gestão académica”. Com base no “apoio por pares”, este método tem demonstrado uma “eficácia diferente do apoio profissional”, assegura Fátima Feliciano. “Os estudantes sabem como funciona a vida académica e reconhecem o que é estar nesta situação com o confinamento e as aulas online”, esclarece a coordenadora. A docente do Instituto Politécnico de Coimbra explica que qualquer estudante pode participar e que não é necessário pertencer a alguma área em específico. Contudo, todos os voluntários passam por “uma formação base ligada a dificuldades no ensino superior e como lidar com situações de crise, nos quais estão incluídos primeiros socorros psicológicos”. As expectativas para o projeto, que foi iniciado dia 23 de novembro, segundo a docente, “não são específicas” devido ao facto de não existir ainda “uma grande oferta no país

para este tipo de contextos”. Fátima Feliciano acredita que “passar a palavra” leva algum tempo e ganha mais eficácia quando são os próprios estudantes a integrar-se uns aos outros no processo de utilizar a linha telefónica. Na Universidade de Coimbra (UC), um grupo de estudantes juntou-se e decidiu usar a experiência de cada um e criar uma plataforma que tem em vista “promover a saúde mental a diferentes níveis”, refere Kevin Leandro, estudante da Faculdade de Farmácia da UC (FFUC) e investigador da iniciativa. Em primeiro lugar, o grupo de estudantes destaca a necessidade de impulsionar a literacia da saúde mental “porque nota-se algum estigma à volta do assunto”. Para além disso, a plataforma tem em vista “reunir todas as atividades que são realizadas no ensino superior num só sítio, com a intenção do não isolamento por parte dos estudantes”, acrescenta Jefferson Silva, estudante da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UC (FCTUC) e membro da equipa. Esta necessidade surgiu depois de ter sido feito um questionário em que se identificou a dificuldade por parte dos estudantes em conhecer atividades académicas. “60 por cento dos questionados admitiu ser uma vantagem existir uma plataforma que reunisse as atividades”, elucida Kevin Leandro. Ainda que a data prevista de lançamento esteja longe, o projeto tem em vista “perceber junto dos alunos que tipo de plataforma seria benéfica no que toca ao desenvolvimento do software”. Do mesmo modo, a equipa pretende colaborar com instituições de ensino superior e tentar reunir financiamento. Com Tomás Barros, Larissa Britto e Beatriz Jales


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Liderança no feminino como um caminho para a igualdade de género Mulheres ainda enfrentam obstáculos para atingir cargos de poder no trabalho. Importância da representatividade feminina no ambiente profissional cresce a cada dia - POR LARISSA BRITTO E SARA SOUSA -

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e acordo com os dados da Organização das Nações Unidas, as mulheres repre­ sentam apenas 5,9 por cento dos chefes de Estado e 8,8 por cento dos chefes de Governo. Apesar disso, nos últimos anos, os índices de liderança do feminino têm crescido por todo o mundo e em Coimbra não é diferente. À conversa com o jornal A CABRA, três mulheres, em cargos de liderança distintos, e duas investigadoras debateram a importância da representatividade feminina em diferentes faixas etárias, nacionalidades e fases da vida. A diretora do Museu Machado de Castro, Maria de Lurdes Craveiro, partilhou a sua opinião sobre o assunto. Segundo a diretora, “a ocupação deste cargo de poder não tem nada a ver com o facto de ser mulher e prende-se apenas a méritos profissionais”. Acrescenta ainda que, no caso concreto do museu, “trabalham

ser um caminho para uma maior igualdade de géneros”. Acrescenta também que “pode funcionar como modelo para raparigas mais novas, de forma a que ambicionem posições de liderança e percebam que têm tantas capacidades para desempenhar esse papel como os rapazes”. Exemplo disso é a jovem Mariana Antunes, primeira presidente brasileira da The European­­­ Law Students’ Association de Coimbra (ELSA), que afirma que o facto de ser uma jovem líder significa “uma aprendizagem cons­ t ante”. Segundo a presidente, é importante ter mais jovens mulheres na liderança de empresas e associações, para “mostrar que as situações mudaram e trazer uma perspetiva de que o futuro se pode tornar um pouco mais igualitário”. Por outro lado, sublinha que o seu género “não influenciou o seu percurso na associação”, mas sim a sua nacionalidade brasileira.

tuar”. Contudo, lamenta que “as mulheres, na investigação, sejam representadas como o elo mais fraco”. Para a docente da FLUC, “no caso da lideran­ ça dos homens, recai sempre a ideia do racional­­­ e coloca-se muito menos em causa a questão da competência”. Acrescenta ainda que existem dois tipos de perspetiva acerca da liderança feminina: uma em que “a mulher é obcecada com a carreira e outra onde é vista como frágil e baseada numa liderança emocional”. Segundo Virgínia Ferreira, investigadora do Centro de Estudos Sociais e docente da Faculdade de Economia da UC, ainda “há estereótipos muito fortes associados ao que significa ser homem e mulher”. Para a investigadora, a lide­r ança feminina tem “uma conotação mais colaborativa, já que líderes do sexo feminino tendem a ouvir mais as

No que diz respeito às diferenças entre lide­ ranças femininas e masculinas, a diretora da FPCEUC considera que “há diversos tipos de liderança e o género é apenas um dos fatores, entre os quais estão as características de personalidade”. Segundo a docente, “as raparigas participam de modo tão ativo em atividades de contexto académico quanto os rapazes, mas em termos de posições de liderança não existem na mesma quantidade”. De recordar que, na história da Associação Académica de Coimbra, só existiram três mulheres presidentes. Por sua vez, Inês Amaral, professora na Facul­d ade de Letras da UC (FLUC) e investigadora na área dos media, acredita que os meios de comunicação social “devem saber noticiar de forma igualitária, bem como desafiar esses papéis de géneros tradicionais e não os perpe­

pessoas com quem trabalham”. Por outro lado, a professora universitária evidencia que mulheres a liderar são vistas de outra forma, “em geral, como duras e solitárias”. Virgínia Ferreira destaca que, apesar da exis­ tência de políticas públicas que contribuem para uma maior paridade, “as mulheres conti­nuam a ser prejudicadas no mercado de trabalho, sobretudo por empresas que julgam que estas se tornariam menos envolvidas no trabalho, caso tivessem filhos” e usam isso como argumento para não contratar jovens mulheres. Os testemunhos destacam a importância da representatividade e da igualdade de género no âmbito profissional. Como ressalta Inês Amaral, é fundamental mostrar “às meninas e às jovens adultas que também podem ser líderes e coordenar pessoas e projetos”.

IRIS PALMA

homens e mulheres que desempenham um papel idêntico”. “A forma de exercer a liderança não devia relacionar-se com o género, mas sim com o conteúdo do que se faz”, defende, por sua vez, a diretora da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC), Maria Paula Paixão. Outro aspeto mencionado pela docente é a linguagem utilizada, uma vez que, na sua opinião, “ainda há tendência para o uso de linguagem, sobretudo masculina e, diversas vezes, tem de se corrigir a palavra diretor para diretora”. Contudo, realça que o maior problema “não se encontra nas universidades, mas sim em outras instâncias da sociedade portuguesa, como na política”. A diretora da FPCEUC considera que ter mais mulheres a liderar cargos importantes “pode


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Instituições essenciais para ajudar os sem-abrigo 365 dias por ano Em Coimbra, cerca de cinco dezenas de pessoas encontram-se, ainda, em situação de sem-abrigo. Instituições reforçam importância de alternativas ocupacionais e de habitação - POR JORGE BOTANA E ANA SOFIA PEREIRA -

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situação dos sem-abrigo continua a ser um problema nas principais cidades do país. Em Coimbra existem, em 2021, por volta de 30 a 50 pessoas em situação de sem-abrigo. Para tentar combater este flagelo, várias instituições da cidade trabalham todos os dias para ajudar estas pessoas. Embora a situação tenha melhorado, há ainda um caminho a percorrer para avançar na integração e melhorar a vida destes indivíduos. “Coimbra não é das cidades mais problemáticas na situação das pessoas sem-abrigo”, afirma Helena Igreja Pereira, voluntária no Centro de Apoio ao Sem Abrigo (CASA) e coordenadora dos Contratos Locais de Desenvolvimento Social (CLDS-4G). O CASA conta ainda com o projeto “Casa Solidária”, um conjunto de apartamentos partilhados em que as pessoas são integradas, durante algum tempo, para conseguirem ganhar autonomia e tentarem conquistar uma vida independente. Segundo o CASA, os projetos e as filosofias de atuação têm sofrido alterações, o que tem contribuído para uma intervenção mais direta para com estes cidadãos. “O sem-abrigo é um indivíduo que tem direito à sua autonomia e a trabalhar para melhorar a sua condição”, assegura Helena Igreja Pereira. Neste sentido, “todas as entidades têm contribuído de forma muito válida para tentar tirar alguns cidadãos da rua”, na medida em que se juntam e “fazem um trabalho importante”, comenta Ana Cortez Vaz, vereadora para a Ação Social da Câmara Municipal de Coimbra (CMC). Há uns anos, a entrega de refeições era feita

JORGE BOTANA

através de “giros de rua”, mas, em colaboração com a CMC, agora, têm um espaço onde é feita a distribuição das refeições a estas pessoas carenciadas. O Centro Municipal de Integração Social (CMIS) encontra-se no Pátio da Inquisição e é gerido pelas entidades que compõem o Núcleo Operativo da Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas em Situação Sem-Abrigo” (NIPSSA), em Coimbra. Flávia Fonseca, assistente social na Cruz Vermelha (CV), considera esta mudança positiva, uma vez que “dignifica a pessoa por não ter de estar exposta ao frio” e permite às associações “estarem mais perto das pessoas”. No entanto, pensa que continua a ser importante circular por toda a cidade para se dirigirem “diretamente a essa população”. Na mesma linha trabalha a Equipa de Apoio Social Direto (EASD), que faz parte da Associação Integrar. A organização faz “giros” pela cidade, quer de dia, quer à noite, com o objetivo de “criar uma relação com as pessoas” e tratar cada caso, acrescenta a diretora técnica da equipa de rua, Dora Rigueiro. As instituições reforçam a importância da oferta de alojamento, dado que o valor do Rendimento Social de Inserção (189 euros), não permite o arrendamento de um quarto. Desta forma, a assistente social da CV reforça a importância das alternativas habitacionais, como o alojamento de emergência que existe em Miranda do Corvo. Criado no início da pandemia, “funciona como um albergue” onde os sem-abrigo têm a possibilidade de pernoitar. Seguindo as regras de segurança relativas à pandemia, estes cidadãos fazem fila para re-

AS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE “SEM ABRIGO” PODEM ENCONTRAR-SE: -SEM TETO: QUANDO VIVEM NO ESPAÇO PÚBLICO, ALOJADOS EM ABRIGO DE EMERGÊNCIA OU COM PARADEIRO EM LOCAL PRECÁRIO -SEM CASA: QUANDO SE ENCONTRAM NUM ALOJAMENTO TEMPORÁRIO FONTE: ENIPSSA ceber os seus alimentos. Todos os dias, uma média de 40 pessoas são ajudadas no Pátio da Inquisição. No dia 9 de dezembro, o jornal A CABRA pôde acompanhar o trabalho feito pela equipa da EASD e de duas estudantes voluntárias. Vários alimentos são colocados em sacos, que depois são entregues às pessoas carenciadas que solicitam a ajuda da instituição, cuja situação é antes avaliada. Este trabalho é perpetuado ao longo da semana por outras instituições que mantêm o CMIS aberto de segunda-feira a domingo. Para quem quer ajudar a combater esta situação, não há restrições a nível da idade, nem da situação profissional, desde que as pessoas “tenham vontade de trabalhar”, acrescenta a voluntária do projeto CASA. Por outro lado, a vida social destas pessoas também é essencial e a criação de “mais empregos e de mais espaços ocupacionais seria importante”, defende Dora Rigueiro. Neste sentido, foi criado o projeto “Bairros Saudáveis”, que disponibiliza “hortas comunitárias” para entreter estes indivíduos, refere a coordenadora do CDLS- 4G. Ao comparar a situação de há dez anos com a atualidade, verifica-se uma melhoria. No entanto, apesar de todo o trabalho feito pelas instituições e pelos voluntários, ainda há um longo caminho a percorrer para que esta problemática seja melhorada. Assim, as instituições trabalham, no dia a dia, com o lema “reduzir riscos e minimizar danos”, como assegura Susana Santos, assistente social na EASD.


18 cidade 14 de dezembro de 2021

CMC pretende manter a cidade no topo das opções dos futuros estudantes Após as eleições autárquicas de setembro, a nova gestão da Câmara Municipal de Coimbra (CMC) começa a planear as medidas a se­r em implementadas em relação ao Ensino Superior. O vice-presidente Francisco Veiga, responsável pelo pelouro de ensino superior, res­ pondeu a uma série de questões sobre o tema ao Jornal A CABRA. O vereador destaca, sobretudo, a necessidade de intensificar a relação entre a Câmara e os intermediários do Ensino Superior, em prol de uma maior dinamização - POR SOFIA PUGLIELLI -

Quais as linhas principais do novo Executivo direcionadas para o ensino superior em Coimbra? O principal objetivo deste Executivo consiste em estreitar a relação entre a Câmara Municipal e as instituições de Ensino Superior, de modo a potenciar a cooperação institucional e fazer com que Coimbra possa proporcionar aos estudantes, sobretudo aos mais carenciados, cada vez melho­ res condições para realizarem o seu percurso académico com sucesso. Cremos que quanto maior e mais consistente for a articulação entre as partes, maior vai ser o benefício para todos os envolvidos. A ideia deste Executivo em criar um pelouro exclusivo para a área do Ensino Superior surgiu, aliás, da necessidade de intensificar e aprofundar o diálogo de proximidade entre a Câmara e os vários agentes e atores com responsabilidades no Ensino Superior. Com a consideração da importância dos estudantes no contexto da cidade de Coimbra, cremos que é nosso dever caminharmos todos em conjunto. Acima de tudo, queremos que Coimbra continue a estar no topo das prioridades dos estudantes no momento de escolherem a instituição de ensino onde pretendem ingressar e realizar os seus estudos e que, durante o percurso, nunca se arrependam da escolha que fizeram. No fundo, queremos acolher cada vez melhor os estudantes que elegem Coimbra para estudar, que se sintam bem e que se apaixonem pela cidade.

Tendo em conta o trabalho até agora feito pela Câmara de Coimbra, que aspetos devem ser melhorados por esta nova gerência? Creio que o aspeto a melhorar é sobretudo aprofundar as relações de diálogo e de cooperação entre as partes e os intervenientes envolvidos. As instituições de Ensino Superior, como sabem, têm autonomia de gestão e, portanto, tudo o que for feito pela Câmara terá de ser sempre baseado num espírito de cooperação e de articulação. Da nossa parte, o que podemos garantir é que estaremos sempre recetivos ao diálogo e disponíveis para cooperar e apoiar as instituições a concretizarem da melhor forma possível os objetivos da sua missão. A prova disso é que, neste curto espaço de tempo em funções, já tivemos a oportunidade de reunir com algumas instituições de Ensino Superior que nos solicitaram pedidos de audiência, no sentido de encontrarmos soluções de compromisso que sejam vantajosas para todas as partes.

Que questões exigem uma inter venção mais imediata? A questão que, provavelmente, exige uma intervenção mais imediata creio que vai ser o proble­ ma do alojamento estudantil. Nesse aspeto, é necessário regular o mercado, de modo a evitar a especulação dos preços, e criar soluções concorrenciais, que devem passar pelo aumento da oferta do alojamento social para estudantes, em concreto as residências. Por outro lado, cremos que é igualmente importante atuar ao nível do repovoamento e requalificação da Alta e também de algumas zonas da Baixa da cidade, de modo a devolver a estes dois espaços uma dinâmica que seja promotora da segurança e do bem-estar.

FOTOGRAFIA CEDIDA PELA CÂMARA MUNICIPAL DE COIMBRA

Considera que a situação pandémica complicou a gestão e organização do ensino superior? A situação pandémica complicou todas as áreas sociais da vida, afetando de forma particular as instituições cuja atividade e organização envolve a gestão de um conjunto alargado de pessoas, como é o caso das instituições de Ensino Superior. No entanto, creio que as instituições se adaptaram bastante rápido e que a pandemia, não obstante todos os constrangimentos que veio impor, foi também um impulso importante para a aquisição de novas aprendizagens e implementação de novas soluções - pedagógicas e tecnológicas - mais adequadas ao perfil atual dos estudantes e à era global e digital em que vivemos. Como em todas as situações adversas, as instituições de Ensino Superior, à semelhança de outras estruturas e organizações, também tiveram de se reinventar e encontrar soluções que, apesar de não serem obviamente perfeitas, foram as soluções possíveis tendo em conta as condições do contexto. Em certo sentido, creio que a pandemia acabou até por ser uma alavanca importante, e contribuiu para modificar e melhorar significativamente o paradigma de ensino, tornando o conceito de ensino à distância uma realidade que hoje é considerada já quase normal. No programa eleitoral, apresentaram o objetivo de “criar condições propícias para construir um futuro de todos, em que a educação seja de grande qualidade e esteja ao alcance de todos”. Quais são os pilares para a concretização deste ideal? O nosso objetivo primordial passa por proporcionar a todos e a todas, independentemente da proveniência e origem socioeconómica, os mesmos direitos e as mesmas oportunidades de acesso à educação e à formação. Esse é, aliás, o espírito da democracia - igualdade de deveres, direitos e oportunidades - e é, portanto, sobre esses princípios fundamentais que a cidade de Coimbra pretende continuar a desenvolver o seu trabalho. Sabendo que grande parte da população de Coimbra é composta por estudantes, quais são as medidas pensadas para fomentar a fixação e estadia das gerações de jovens adultos? O principal fator de fixação para os jovens passa pela criação de mais e melhores empregos e pela capacidade do município em proporcionar condições económicas, sociais e culturais que sejam promotoras do bem-estar e da melhoria da qualidade de vida. Para isso é fundamental atrair investimento e captar mais financiamento para consolidar a estratégia de desenvolvimento para a cidade. Tornar Coimbra uma cidade cada vez mais próspera e acolhedora é o nosso compromisso com as gerações futuras.


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cidade 19

O grito de Coimbra na luta contra a violência de género

LUIZ CARLOS CAVALINI

“Quanto mais as vítimas se silenciam, mais protegem os agressores”, defende uma das vítimas. Violência doméstica, assédio, importunação sexual e violência obstétrica são alguns tipos de violência de género. A cidade dos estudantes ergueu o punho por esta causa - POR MARIANA CAPARICA E ANA FILIPA PAZ -

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e acordo com os dados recolhidos pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), em 2020 foram denunciados 14.854 casos de violência doméstica. As estatísticas da associação denunciam um total de 6,6 por cento de vítimas de violência de género que estudam no ensino superior. Já nos primeiros 11 meses de 2021, pelo menos 24 mulheres foram assassinadas em Portugal, segundo a União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR). Cinco foram as vezes em que Laura (nome fictício) se sentiu ameaçada nas ruas de Coimbra. Uma vez, numa festa, quando saía da casa de ba­ nho­, sozinha, um homem pegou no seu braço e arrastou-a. Tentou gritar, mas como a música estava muito alta, ninguém a ouviu, conta ao jornal A CABRA. A estudante sentiu-se em pânico, “estava a tremer muito”, e teve medo de agir e o agressor se tornar violento. Passados 16 anos, também Marta (nome fictício) relembra o dia em que um homem com mais de 30 anos a abordou na paragem de autocarro e perguntou se queria boleia, uma vez que a jovem “era muito bonita”. O agressor ofereceu um cabo de vassoura à jovem de 14 anos como garantia de que se fizesse mal a Marta, “ela lhe podia bater”. Aterrorizada, recusou a boleia, agradeceu e viu o carro afastar-se, “mas não sem antes ele prometer que voltaria”, relata a vítima. Numa fase de autodescoberta sexual e de identidade de género, Rita (nome fictício) marcou um encontro na cidade de Coimbra pela aplicação ‘Grindr’. Relata que, num dos episódios, “dei­xouse ir na conversa de um homem mais velho”, que

a levou “a fazer coisas que não queria ter feito”. Só anos mais tarde se apercebeu que tinha sido vítima de ‘grooming’ (sedução de menores através da Internet, para conseguir benefícios sexuais). Esta experiência “desencadeou repulsa pelo próprio órgão sexual e pelo género masculino, bem como uma autorreflexão sobre a sua identidade de género”, desabafa Rita. Vítimas como Laura, Marta e Rita podem recorrer a associações como a UMAR e a APAV para pedir ajuda. A primeira “gere estruturas de apoio e acolhimento a mulheres vítimas de violência e encaminha, através dos órgãos policiais, entidades judiciais e outras associações de apoio e intervenção social”, explica Beatriz Santana, voluntária e ativista na UMAR de Coimbra. Já a segunda foca-se em “perceber o que é que aconteceu, quais são as circunstâncias em que a situação ocorreu e as necessidades específicas da vítima, de forma a poder aconselhar e dar informação de como proceder”, clarifica Natália Cardoso, a gestora do Gabinete de Apoio à Vítima de Coimbra. No dia 25 de novembro, realizou-se uma mani­festação, na Praça 8 de Maio, como forma de chamar atenção para o Dia da Eliminação da Vio­lência Contra a Mulher. A violência obstétrica (VO), uma das formas de violência de género, foi um dos temas abordados. Beatriz Pires, voluntária do Movimento Nascer em Coimbra, define a VO como “qualquer ato durante os processos reprodutivos que afetem a autonomia, dignidade e integridade física e moral da pessoa que está a receber os cuidados médicos.” O movimento trabalha no sentido de “transmitir algum

conforto e encami­nhar as mulheres que necessitam de apoio”, adianta. Em resposta à denúncia de VO por parte de muitas mulheres, a Ordem dos Médicos publicou um parecer que nega a sua existência em Portugal. Cristina Rodrigues, ex-deputada não inscrita, encara este comentário como “rídiculo”. Declara que “esta entidade deveria ser a primeira a reconhecer o problema e trabalhar para o resolver”. Susana Patrício, enfermeira especialista em saúde mental, regista que “negar a existência da VO é calar a voz das mulheres que a sentiram na pele”. Devido a estes problemas, Beatriz Pires, volun­ tária do movimento, considera “que é necessário estabelecer um debate saudável”, a fim de “perceber a razão pela qual as mulheres estão finalmente a revoltar-se”. Por sua vez, a ativista Cristina Rodrigues vê uma das soluções na “educação sexual, que deve contemplar temas como o consentimento, respeito, prazer mútuo, entre outros”. Na mesma linha, Beatriz Santana, voluntária da UMAR, defende que se devem “formar públicos estratégicos e enquadrar a violência de género no âmbito da legalidade”. Susana Patrício pugna pela ideia de que “o conhe­ cimento não pode servir para abuso de poder por parte dos profissionais de saúde”. O corpo da mulher também tem muita sabedoria”. Marta reforça que “quanto mais as vítimas se silenciam, mais protegem os agressores.” Desta forma, a gestora do gabinete da APAV relembra que ”os estudantes universitários podem contactar a associação, como vítimas ou testemunhas de uma situação de violência”, relembra Natália Cardoso.


20 soltas 14 de dezembro de 2021

CRÓNICAS DO TRODA - POR ORXESTRA PITAGÓRICA -

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o último mês, assistimos a dois sufrágios na Associação Académica de Coimbra. Primeiramente para a Direção-Geral e depois para a eleição dos (tach)omissários de curso da Queima das Fitas. Sempre que há uma eleição no número 1 da Padre António Vieira, a única certeza que podem ter é que será sempre uma Sopa Juliana de moscambilhas, fla-

gelos e dramas incalculáveis. Esta certeza é quase tão óbvia como o Cabrita continuar a ser Ministro da Admini… ui, espera! Já foi? De um lado, os que revivem as vozes gritantes do maio de 68, colocando em cima da mesa uma To­ mada da Bastilha do TAGV nem gesto heroico como Camões a segurar os Lusíadas com uma mão. Do ou­

tro, os que dizem que a culpa é da reitoria, e da passividade no envio dos cadernos eleitorais e que se há responsabilidade, não sabem de quem é, mas não é deles. No meio, os que sobem para cima da mesa e gritam diferença na continuidade e são o Padre António Vieira destes peixes. Há coisas que serão sempre certas nesta casa. As eleições nesta casa serão sempre uma Sopa Juliana, a sala de estudo nunca será uma sala de estudo e o edifício-sede da AAC nunca vai ter obras. Vocês sabiam que para cima do segundo piso, andar da nossa adorada Direção-Geral, não há casas de banho funcionais? Há quem diga por aí que foram uns tais de Pitagóricos que levaram as sanitas e por isso não podem ser usadas, mas ninguém confirmou na fonte. Uma fonte quase tão seca como o lago dos jardins, a quem, infelizmente, chuparam a água, ou melhor, urina estudantil. Com muita pena nossa, somos incapazes de fazer o lago reerguer-se no seu total esplendor, mal podemos esperar que, tal como o novo bar no Departamento de Ciências da Vida, os jardins passem para a mão da nossa Academia para, além de haver mais moscambilhas, haver cerveja mais barata e, para os sortudos amigos da DG, Núcleos, COQF, MAM, entre outros, cerveja gratuita. Por fim, uma palavra de força a todos os estudantes que estão a entrar na época de frequências/exames. Lembrem-se, a sala de estudo não parece o Titanic só pelos vidros embaciados, mas também pelo facto de vocês estarem todos a afundar, através do recém-partido vidro, e nós juntamente com vocês, porque é a Orxestra Pitágorica que está ao vosso lado nos maus momentos. Ao vosso lado e por baixo de vocês todas as terças e quintas a partir das 21h30. FRA!

ÉXTÉGUES DA ISABEL - POR ISABEL SIMÕES -

ma senhora sai do autocarro e deseja Feliz Natal aos que ficam.

U

uito sacode a senhora na varanda. Tapetes, panos, umas calças e um chapéu de chuva...

#hávidanestacidade

#hávidanestacidade

#hávidanestacidade

Bebé, vem lá o carro grande”, diz a dona para o seu companheiro canino, um rafeiro enorme!

M

cabreando por aí...


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A xenofobia como parte do percurso acadêmico - FELIPPE VAZ - PRESIDENTE DA APEB-COIMBRA -

O

senso comum tende a entender que o um caso de discriminação é normalmente vio­ lento, explícito e com uma resposta rápida por aquele que sofreu. A realidade é diferente. Bastante diferente. Nas mais diversas formas e disfarces a discriminação acontece: vestida de opinião ou até mesmo de humor, esse crime permeia as sociedades e países. Aqui, nessa escrita, vou me conter na discriminação pela nacionalidade, primeiramente por ser um estudante internacional que já passou por situações de discriminação. Segundo, por ser uma pessoa preocupada com os inúmeros casos de xenofobia em Coimbra. Para tornar a leitura mais prática, trago aqui alguns exemplos anônimos: Imagine que, após entregar um trabalho que demandou semanas de pesquisa, recebe como feedback anotações da professora em seu texto, onde a mesma ignora totalmente o conteúdo lá exposto, para se atentar na construção frásica que despertou a curiosidade dela. Mesmo a escrita estando na forma culta da língua portuguesa (lembrando que existe um acordo ortográfico comum entre os países da CPLP), e contendo o conteúdo da matéria necessário para que recebesse o ponto pelo trabalho, não estava escrita no português lusitano, logo, teve a questão chumbada. Em uma segunda situação, um aluno levanta sua mão durante a explicação da matéria para pedir para o professor repetir os últimos pontos citados, pois não tinha compreendido muito bem. O professor ao reparar o sotaque do aluno em questão,

não pensa duas vezes e pontua para toda a sala: “Mas é claro que não entendeu, vocês vivem pensando em carnaval...” Mas também trago um exemplo recente, onde os alunos que sofreram a agressão enfrentaram o medo e tornaram o caso público: o caso retratado pela A Cabra entre alunos da FLUC, nas últimas semanas. Com os exemplos na mesa, podemos agora anali­ sar um pouco mais o assunto. A palavra Xenofobia nos remete ao medo do diferente, do extrangeiro, daquele que não faz parte do seu ciclo social e compartilha suas crenças, culturas e hábitos. Entretanto, o medo faz parte do desenvolvimento humano, nos afastando de situa­ç ões de risco, nos fazendo buscar proteção. O problema da xenofobia não é o medo. O problema se revela quando esse medo se traduz em violência, seja ela física, verbal de maneira direta, indireta ou psicológica… Se tratando da relação Brasil e Portugal, amplio a discussão para além do medo, questionando o presente através da História (ironicamente o curso onde ocorreu o caso citado anteriormente). Levando em conta que 200 anos atrás, as terras brasilei­ ras ainda pertenciam a Portugal como colônia, e que esse mesmo império utilizou como método de invasão e utilização da terra a discriminação de povos indígenas e africanos, reduzindo seres humanos em mercadorias tidas como sem alma. Hoje, nos deparamos com notícias em jornais portugueses que mostram a preocupação de familiares portugueses pela língua portuguesa falada em Por-

tugal, já que seus filhos, ao consumir conteúdos digitais brasileiros, começaram a falar “geladeira” ao invés de frigorífico. Em um país onde dizemos “T-shirt”, “Feedback”, “Pitch”, sem grandes alardes, o problema é mesmo usar termos estrangeiros? Ou apenas termos oriundos de ex-colônias? Com casos explícitos de discriminação, por que é que esses casos não são levados para a frente? Por que não são denunciados? A resposta é simples: o medo. Com o senso de impunidade que existe na sociedade, não é difícil imaginar o quão complicado é tomar qualquer atitude. Medo de represálias, afastamento social, piorar os ataques, ou mesmo a apatia ou negligência dos responsáveis em receber as denúncias. Como podemos melhorar isso? Em menor escala, devemos estar atentos ao nosso redor, acolhendo quem sofre dessas ações, e os apoiando. Em média escala, devemos contar com grupos especializados para essas denúncias, formados por pessoas que reflitam a população que sofre com esses atos. Além disso, que essas denúncias sejam trabalhadas de forma responsável, penalizando seus infratores e quebrando assim a noção de impunidade. Em grande escala, devemos trabalhar na educação e conscientização. Preparando nossos professores para receber culturas diferentes. Conscientizando nossos estudantes da importância de um acolhimento e integração saudável.

OBITUÁRIO - POR CABRA COVEIRA -

Balança, mas não cai

O

h João! Já vais? Bebe mais um copo! Mais um ano e só lá ias com um transplante capilar. Já se nota a diferença na careca. A dívida diminuiu, mas a que custo? Olha o lado positivo, não tens de te preocupar com caspa. O teu sucessor também não vai ter preocupação nenhuma. E não, não me refiro ao Cesário. Pelo menos estás vivo. Na Tomada da Bastilha tremeste, mas não tanto como o letreiro. Será presságio ou azelhice? Por falar em azenhice, a que Câmara é que tu te vais candidatar e perder? De qualquer forma, tens sempre a sanita da Pitagórica.

Morte por Cesariana

A

qui jaz a Juventude Socialista, daqui em diante referida como JS/AAC. Mas não se deixem enganar pelo termo juventude. Esta seita põe as testemunhas de Jeová a um canto. Tomara eles terem o sucesso porta a porta que a JS/AAC tem a levar a malta às urnas. Não. Esperem. Tinha. Acabou-se o que era doce. Tal como os Amor Eletro, a máquina parou. Os meus sentimentos a todo o santo tachista cuja fotografia está no organigrama, mas em especial à família Dias. O Tacho esteja convosco, pois tenho a certeza que no meio de nós ele está. Agora, resta saber se o cheiro é diferente, mas a m*rd@ é a mesma.


22 artes feitas 14 de dezembro de 2021

CINEMA

GUERRA DAS CABRAS A evitar Fraco

A Verdade Pela Verdade

Podia ser melhor Razoável

- POR PEDRO EMAUZ SILVA -

É

bastante prazeroso quando, surgindo os créditos, as expetativas do espetador são arrasadas pela positiva. Com o seu “The Last Duel”, Ridley Scott dá-nos uma história sobre a coragem de uma mulher no século catorze de França, com demasiados elementos comuns aos dias de hoje. Está longe de ser perfeito, mas é certeiro no objetivo de qualquer bom filme: fazer-nos questionar. A 29 de dezembro de 1386 deu-se o último julgamento por combate judicial em solo francês. Jean de Carrouges (Matt Damon), um valente cavaleiro normando, acusa o escudeiro Jacques Le Gris (Adam Driver) de ter violado a sua mulher, Marguerite de Carrouges (Jodie Comer). Um processo que se decidiu nestes termos: um confronto até à morte, onde o vencedor tinha com ele a “vontade do Senhor” e portanto estaria a ser honesto. Caso Jean perdesse, a sua mulher também estaria condenada a uma violenta morte por falso testemunho. Este acontecimento, real, está presente no livro homónimo de Eric Jager e é nele que se basearam Matt Damon e Ben Affleck para escrever o guião do filme (a primeira vez que o par se junta num guião desde o aclamado “Good Will Hunting” de 1997), com a fundamental participação de Nicole Holofcener. O adjetivo “fundamental” não pode ser sublinhado o suficiente. O filme é nos apresentado em três capítulos, cada um incluindo uma visão diferente do mesmo “antes” do duelo - primeiro a de Jean, em segundo a de Jacques e por último a de Marguerite. Matt e Ben focaram-se nas perspetivas dos dois homens, enquanto que Nicole trabalhou, e em certa medida criou, a personagem de Jodie Comer. Como é habitual, na

documentação desta histórica prevalece a perspetiva masculina dos acontecimentos e muito pouco existe da visão e voz da mulher, pelo que de Marguerite existia apenas um quadro gasto. E, no entanto, é neste terceiro capítulo, designado “A Verdade por Marguerite de Carrouges”, que as coisas parecem de facto mais claras (não há de ser por acaso que a palavra “Verdade” se prolonga no ecrã na introdução deste capítulo). E se a escrita não chegasse, a performance abaladora de Comer trata de nos convencer. O retratar da história em três partes enriqueceu um filme que podia não acrescentar nada. E isto viu-se nos detalhes subtis que diferenciam cada capítulo/perspetiva. Um sapato que é descalçado do pé ou que cai à pressa, um olhar sedutor ou coloquial, um “O quê?” de preocupação ou de aborrecimento. Jean, na sua versão, é um guerreiro valente desprezado e um marido atencioso, mas na de Jacques é um bruto que ferve em pouca água e da Marguerite é um companheiro frio e egocêntrico. Há coisas que se podem apontar, claro. É difícil esquecermo-nos que está ali o Matt Damon quando Jean de Carrouges nem consegue pronunciar o seu nome num francês credível. A edição do filme não é a melhor, há ritmos um pouco despropositados. Mas nada disso ofusca aquilo que “The Last Duel” oferece. É uma contribuição importante sobre o direito da mulher em se defender com a sua própria voz e a valentia que isso carrega - num tempo de reis, condes e cavaleiros, ela é a verdadeira heroína. Por outro lado, obriga-nos a questionar a própria maneira como contamos as nossas histórias, como vivemos a nossa vida, prevalecendo a ideia de que a nossa perspetiva nos cega daquilo que é a realidade.

A Cabra aconselha A Cabra d’Ouro

The Last Duel De Ridley Scott com Jonie Comer, Matt Damon, Adam Driver, Ben Affleck 2021

A Cabra aconselha


14 de dezembro de 2021

MÚSICA

Drafty Moon De Bloom Editora Lux Records, Omnichord Records Género Rock Alternativo 2021

Bloom, ou como aprender a dançar num chão ardente - POR PEDRO DINIS SILVA -

J

P Simões é o derradeiro suspeito do costume no rock alternativo português, seja pela mão cheia de discos que já publicou com nome próprio, ou pela sua importante presença em bandas como Pop Dell’Arte e Belle Chase Hotel. Este ano marcou o regresso do compositor com “Drafty Moon”, trabalho lançado em outubro e assinado, desta vez, por Nicholas Bloom, seu alter-ego. Bloom, que significa “florescer”, nasce das vísceras de JP Simões em 2017 com o álbum “Tremble Like A Flower” e herda o pessimismo sarcástico do seu progenitor, desta vez, em inglês. Livre do pesado fardo sentimental que é escrever em língua portuguesa, o músico encontra um novo habitat musical e, sobretudo, uma renovada expressão das suas vontades. Deixa-se levar primeiro pelo espírito, só depois pela poesia e pelas palavras. Esta fórmula, que já tinha resultado no disco anterior, surge mais madura e consciente em “Drafty Moon”, todo ele um trabalho imediato, adulto e de arestas bem limadas. As canções, essas, continuam a refletir a mestria do compositor. De lápis bem afiado, deixa as suas meditações nos impulsos dançáveis de “Something About Tomorrow” e “Bleeding All Over”, nos universos paralelos de “Public Affairs” e “Shinjuku Station”, no vigor de “Bad for Business” e “People That Never Dance”. Sombras de outros artistas vão brilhando por todo este pro-

jeto. A mais evidente de todas é David Bowie, a quem Bloom requisita, com frequência, a exuberância no timbre de voz e na musicalidade fugaz. É impossível entrar no tremendo espaço aberto de “Pull Yourself Together”, uma das melhores faixas do álbum, e não reconhecer uma gigantesca vénia a Ziggy Stardust. A vasta e eclética paisagem sonora de JP Simões, que neste novo projeto se evidencia, ajuda, em grande medida, ao seu sermão. Desta feita, prega-o não no canto de uma sala com uma guitarra, cansado e com um cigarro na boca, mas na pista de dança, completamente solto e ciente do seu despertar. Em vez de chorar a desgraça com desespero, aprende a dançar sobre o chão ardente que considera ser a condição humana. É por isso que Bloom floresce, de facto, entre as demais facetas do compositor. A consagração de “Drafty Moon” acontece, enfim, não só por saciar o teimoso bicho da novidade, mas também, e sobretudo, pela aura fresca e livre que transmite. A incerteza deve dançar-se, reitera. Afinal, não há nada a perder.

Amores de adolescência, discos de vinil e um macaco falam na “Primeira Pessoa do Singular” - POR MARIA CECÍLIA MONTEIRO -

O

nome de Haruki Murakami na capa de qualquer livro intimida. Para muitos, o escritor de culto japonês, autor de obras como a triologia “iQ84” e “Kafka À Beira Mar”, é conhecido por não se encaixar numa categoria única e singular, mas sim por ir rompendo géneros a cada livro que escreve. E não seria diferente no seu mais recente livro de contos (ou seriam relatos autobiográficos?), “Primeira Pessoa do Singular”. A prosa é de leitura tranquila e fluída, já nenhuma história tem parentesco com as outras. A única similitude é que todas parecem ter o mesmo narrador, um homem na casa dos 30 anos. Durante todo o livro, composto por oito histórias, é incompreensível se cada narrador é fictício ou se é o próprio Murakami. Fazendo interagir a modernidade japonesa com a cultura pop global, tudo é contado sem um limite entre a imaginação e o real. Cabe a cada um, então, decidir se o que lê é fruto de memórias de Haruki Murakami ou exclusivamente ficção. A extravagância, algo pelo qual o autor é conhecido, consiste em colocar episódios estranhos e fora do comum dentro do ordinário e isso é o que o sustenta mesmo quando coloca um hóspede num alojamento suspeito a dialogar com um macaco que faz massagens e bebe cerveja. A peça mais excêntrica, para mim, é o conto “With the Beatles”, que surge pela visão do narrador de uma rapariga na escola que carregava um LP da banda e que nunca mais encontrou. É uma epifania que quer reviver, mas não consegue. Sente-se o sentimento de

artes feitas 23

saudade em seu coração, nutrindo-o durante toda a sua vida adulta. O curioso, no entanto, é que a história não é sobre esta rapariga- e esta é a ode de Murakami à música perpétua do grupo. Para muitos, este livro foi fruto de uma atitude preguiçosa de Murakami, já que sete destas oito histórias já tinham sido publicadas em revistas literárias anteriormente. Muitas vezes, durante a leitura pensei se demoraria muito para começar a fazer sentido. Só no fim de todos é que se percebe que o propósito de cada um, e da junção final, é formar um “círculo com muitos centros” e exteriorizar todos este sentimentos na primeira pessoa do singular.

A Cabra aconselha

LIVRO

Primeira Pessoa do Singular De

Haruki Murakami

Editora Casa das Letras 2021 A Cabra aconselha


Mais informação disponível em

EDITORIAL Primeiro cidadão e primeiro estudante - POR TOMÁS BARROS -

A

Universidade de Coimbra é possivelmente das instituições mais plurais no mundo. Recebe docentes e alunos dos mais variados pontos do globo e, como todas as instituições deste tipo, acaba por sofrer com atitudes que marcam essas pessoas. Falo de xenofobia. A xenofobia está presente a vários níveis e, por vezes, torna-se difícil de identificar essas atitudes negativas que influenciam as vidas de quem vem procurar uma experiência de ensino e de vida longe das suas raízes. A verdade é que a Xenofobia pode até ser indireta. Não são apenas momentos pontuais e certos indivíduos, é toda uma maneira de olhar sobre as pessoas que dita uma série de comportamentos que influenciam o quotidiano. Este tipo de discriminação não acontece somente a estudantes internacionais, mas também a estudantes portugueses, como por exemplo dos arquipélagos, se bem que de maneira muito diferente. Quando um aluno é brasileiro, por exemplo, muitas vezes é olhado como sendo primeiramente isso, brasileiro e depois então um aluno, um cidadão. Um madeirense, ou um açoriano destacam-se logo entre os demais colegas, porquê? Porque o seu sotaque é “engraçado”, ou porque falam “esquisito”. Porque antes estavam nas ilhas e agora “estão em Portugal”. Estas pequenas atitudes que parecem não ter relevância alguma, acabam por discriminar e afastar estes estudantes que criam bolhas. Os ma-

FALTAM 11 DIAS PARA O NATAL

deirenses andam sempre juntos, tal como os açorianos, brasileiros e tantos outros, porquê? Não julgo ser apenas por partilharem o mesmo local de nascença, mas por ser mais fácil a convivência entre si, por não existirem barreiras, barreiras essas que são por vezes criadas por aqueles que, por alguma convenção, detêm o cânone. Mas que cânone é este? Num mundo perfeito e plural não ouviríamos relatos de estudantes a queixarem-se de colegas que se acham superiores por serem de Portugal. Não existiriam professores a exigir que nos testes os alunos escrevessem em português de Portugal. Mas isto acontece e verifica-se na comunidade. Por um ensino igualitário e verdadeiramente inclusivo devem ser tomadas medidas e revistas algumas diretrizes.

ERRATA Na página 2 da edição 305 do Jornal Universitário de Coimbra – A Cabra, onde se lê “É eleita, em março, por representantes das secções e núcleos”, deve ler-se “É eleita, em março, por sufrágio universal”. Na página 4 da edição 305 do Jornal Universitário de Coimbra – A Cabra, onde se lê “Por Cátia Beato e Bruno Oliveira”, deve ler-se “Por Ana Filipa Vaz e Mateus Rosário”. Na página 10 da edição 305 do Jornal Universitário de Coimbra – A Cabra, onde se lê “Propinas” deve ler-se Estatutos AAC” e onde se lê “Estatutos AAC” deve ler-se “Propinas”. Aos visados, as nossas desculpas.

FALTAM 18 DIAS PARA 2022

Ficha Técnica

Diretor Tomás Barros

Jornal Universitário de Coimbra – A CABRA Depósito Legal nº 478319/20 Registo ICS nº116759 Propriedade Associação Académica de Coimbra

Editores Executivos Francisco Barata e Carina Costa

Morada Secção de Jornalismo Rua Padre António Vieira, 1 3000-315 Coimbra

JORNAL UNIVERSITÁRIO DE COIMBRA

Quando um aluno é brasileiro, por exemplo, muitas vezes é olhado como sendo primeiramente isso, brasileiro e depois então um aluno, um cidadão

Equipa Editorial Joana Carvalho e Simão Moura (Ensino Superior), Marília Lemos e Inês Rua (Cultura), Francisco Barata e Diogo Machado (Desporto), Carina Costa e Jéssica Terceiro (Ciência & Tecnologia), Ana Rita Baptista e Catarina Magalhães (Cidade), Inês Rua (Fotografia) Colaborou nesta edição Francisco Barata, Jorge Botana, Larissa Britto, Mariana Caparica, Joana Carvalho, Luiz Carlos Cavalini, Débora Carina Costa, Cruz, Alexandra Guimarães, Raquel Lucas, Diogo Machado, Luísa Macedo Mendonça, Jorge Miranda, Gabriela Moore, Simão Moura, Clara Neto, Eduardo Neves, Bruno Oliveira, Daniel Oliveira, Iris Palma, Ana Filipa Paz, Ana Sofia Pereira, Sofia Puglielli, Cristiana Reis, Filipe Rodrigues, Mateus Rosário, Sara Sousa, Fábio Torres

FALTAM 137 DIAS PARA QUEIMA DAS FITAS (O VERDADEIRO NATAL)

Conselho de Redação Luís Almeida, Cátia Beato, Inês Duarte, Filipe Furtado, Leonor Garrido, Hugo Guímaro, Maria Monteiro, Margarida Mota, Bruno Oliveira, João Diogo Pimentel, Daniela Pinto, Paulo Sérgio Santos, Pedro Emauz Silva Fotografia Francisco Barata, Jorge Botana, Larissa Britto, Joana Carvalho, Nino Cirenza, Luiz Carlos Cavalini, Raquel Lucas, Daniel Oliveira, Iris Palma, Inês Rua Ilustração Iris Palma Paginação Luís Almeida

Impressão FIG – Indústrias Gráficas, S.A. Telf. 239499922, Fax: 239499981, e-mail: fig@fig.pt Produção Secção de Jornalismo da Associação Académica de Coimbra Tiragem 3000


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