Edição nº 252

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4 DE OUTUBRODEDE2012 2011• •ANO ANOXXII XXI • N.º 252 234 •• QUINZENAL QUINZENAL GRATUITO GRATUITO 6 DE NOVEmBRO INês AmADO DA sILVA E JOãO DIRETOR cAmILO sOLDADO • EDITOREs-EXEcUTIVOs • EDITOR-EXEcUTIVA ANA GAspAR mORAIs DIRETORA ANA DUARTE

ana nUnes De aLmeiDa

acabra

O desafio da responsabilidade social dos estudantes

JORNAL UNIVERsITáRIO DE cOImBRA

Pág. 21

Dois mil alunos correm risco de prescrever no próximo ano

Daniel alves Da silva

O número corresponde a mais de metade dos alunos inscritos em mestrados integrados O alerta surge no início deste novo ano letivo quando muitos dos alunos nem sabiam que corriam o risco de poder prescrever. Alguns têm o final do curso em dúvida apenas porque lhes falta uma cadeira de licenciatura. A possibilidade de deixarem de ser alunos da Universidade de Coimbra

está em cima da mesa se o período de transição não aumentar em mais um ano para o estudante melhor planear a sua formação. O desconhecimento sobre o novo regime aprovado em julho passado passou a preocupação principalmente pelos alunos do Polo Pág. 6 II.

OE2013 Págs. 2,3 e 4

Um documento repleto de números que descora a preocupação social

UC DIGITALIS

noVa PLaTaFoRma DigiTaL Da UC Pág. 15

meDia

Caminhos 2013

Crise dos meios da comunicação

Mostra tornou-se em evento nacional

As alterações económicas pelas quais o país atravessa estão afetar os médias com proporções nunca antes vistas. Os cortes orçamentais previstos no OE2013 afetam a Lusa e a RTP e põem em risco a comunicação. O futuro é incerto e os cortes estão na base de vários despedimentos, tanto no serviço público como no privado. A diminuição da capacidade de produção leva ao incumprimento de um bem fundamental em democracia: o direito à informação. Pág. 16

O Festival Caminhos do Cinema Português realiza-se já no próximo dia 9 e vai durar até dia 17. Aquilo que começou por ser uma pequena mostra de apoio ao curso de Língua Portuguesa para estrangeiros acabou por se tornar num festival consagrado, por onde já passaram todos os realizadores portugueses. Págs. 12 e 13

@

Mais informação em

acabra.net

Partilhar ideias para impulsionar a cultura O objetivo principal do Fórum Teatrão é envolver a comunidade na busca de respostas por mais cultura Pág. 9


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DEsTAquE

Orçamento do Es

não somos só meros n

Transversal à sociedade, cortante para o povo e insuficiente para uma melhor situação sócio económica do pa trouxe duras novidades. Desde reestruturações na administração pública a cortes nas pensões, esta aprovação e contamos as histórias de dois estudantes e das suas famílias. Testemunhos que espelham os efeitos tentacu “A universidade não se pronuncia sobre o OE2013 no seu conjunto”, sublinha o reitor, ao mostrar que só o financiamento em relação ao ES lhe diz respeito

tentes no OE2013, apresentam-se a todos os setores. A transversalidade e abrangência quer das “medidas do lado da redução da despesa” quer das “medidas do lado do aumento da receita” patenteiam uma exigência de esforço que se multiplica em toda sociedade portuguesa, com enfoque para as famílias de mais baixos rendimentos, que parecem ser os casos mais gravosos. Para refletir uma comunidade universitária, que cada vez mais corre o

çamento tem no setor do ES. De forma crua, evidenciam as mais diversas repercussões que este documento traz para os muitos ramos da sociedade ao contarem as histórias das suas famílias, abrangidas pelos tentáculos dos números, dos cortes e das percentagens.

Diogo Barbosa, estudante de História na Faculdade de Letras da UC, per-

que continua a procurar trabalho pela cidade, o estudante, natural de Cucujães, vai às aulas do último ano, pois acredita que há sempre mecanismos que possam “dar a volta à situação”: falar com os professores e pedir o congelamento das notas é uma solução que encontra. No entanto, o sorriso com que atira estas alternativas rapidamente é substituído por preocupação. E desabafa: “a continuar desta maneira, provavelmente chego a janeiro e vou-me embora. São cinco

uma segunda licenciatura, desta vez na UC, o que a impediu de ter acesso a uma bolsa de estudos. Natural de Portalegre, e com um suporte “muito reduzido” dos seus pais, a única solução que encontrou foi pedir um empréstimo. Dão-lhe 400 euros por mês e sabe-se lá quando o acaba de pagar – “depois de seis, sete anos…”, diz Clara, a pensar no seu futuro. Tal como Diogo, também Clara procurou emprego. Mas em Coimbra, “é muito difícil, está tudo sobrelotado”, la-

deu a bolsa de estudos o ano passado por mudanças de critérios a nível económico, aquando do Regulamento de Atribuição de Bolsas do ministro Mariano Gago. Desde essa perda, tudo se tem agravado. Não conseguiu pagar os mil euros de propinas do ano letivo anterior até 31 de agosto, o que o impediu de se poder matricular neste ano letivo. Ainda assim, o facto de não estar ainda matriculado na UC devido a constrangimentos económicos, não o impede da ânsia do conhecimento. Ao mesmo tempo

anos que vão ao ar de repente”. Com algumas semelhanças, Clara de Oliveira, estudante de Serviço Social da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da UC (FPCEUC), conta que tudo foi dificultado pela falta de atribuição de bolsa. Depois de ter frequentado uma licenciatura em Cinema, na Universidade da Beira Interior, não conseguiu encontrar emprego nessa área, e apesar de ponderar a emigração, ficou em Portugal. Apostando no seu enriquecimento pessoal, enveredou por

menta. São estes apenas dois casos. Mas são estes mesmos dois casos que traduzem a transversalidade de aperto do nosso povo. Duas famílias que, depois da aprovação do OE2013, veem a sua situação piorar. Desde avós reformados que assistem a um corte substancial nas pensões e ao aumento improporcional dos cuidados de saúde; a pais com um negócio próprio parado e sujeitos a um aumento de contribuições fiscais; mães que estão já privadas de salário e veem

“São cinco anos que vão ao ar de repente”

C

omo já era de esperar, tendo em conta a maioria parlamentar de direita, o OE2013 foi aprovado na sua generalidade a 31 de outubro. Dois dias e mais de 11 horas depois de debate, os prós pesaram mais que os contra para a maioria dos deputados, o que fez com que este seja já um documento aprovado. Contudo, a sua votação final e global será apenas a 29 de novembro. Mas mais que discuti-lo e aproválo na generalidade ou na globalidade, é preciso atentar aos efeitos que um vistoso documento de mais de 300 páginas, adornado de gráficos, tabelas, quadros, percentagens, números e mais números, têm na vida dos que por cá vivem. Mais do que meros números no papel, somos vidas. Vidas que já se esgotam com os mais recentes jargões dos nossos governantes e que parecem ter sido incutidas à força no nosso quotidiano – ‘troika’, recessão, austeridade, contenção… Porém, desse esgotamento parece ver-se um novo paradigma, o da emergência da contestação. Os brandos costumes de Portugal de outrora começam a ser substituídos por gentes que mostram a cara e emprestam a voz para espelhar os quantos mais casos de dificuldade existem por este país. Os obstáculos colocados por o Ministério das Finanças à sociedade, pa-

risco de se perder e de se desfragmentar, mostramos a cara e damos a voz a dois estudantes da Universidade de Coimbra (UC): Clara de Oliveira e Diogo Barbosa. A forma combativa com que contam a sua história é sempre acompanhada com um domínio argumentativo contra o OE2013 e explicam que o grande objetivo é denunciar esta situação para evitar que mais estudantes abandonem o Ensino Superior (ES). Porém, estas duas histórias não se estancam apenas no impacto que este novo or-


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DEsTAquE

stado 2013

OPINIÃO QuAndO “AS cAnSEirAS dEStA vidA” já fArtAm

números no papel

país, o Orçamento do Estado para 2013 (OE2013), já aprovado na sua generalidade, ação foi já alvo das inúmeras vozes críticas. Aqui personalizamos essas vozes críticas aculados destas medidas de corte. Por Ana Morais cortados os vários subsídios; uma administração pública cada vez mais reestruturada ou até aos casos do aumento da precariedade laboral e impulsionamento do desemprego. Todos são afetados, ninguém escapa, mais uma vez, aos números, aos cortes e às percentagens.

Números a menos no Ensino Superior Desta forma, o ES não é alheio ao restante panorama. Pelo contrário, no

Ensino Superior “o limite já foi atingido”. Quem o admite é o reitor da UC, João Gabriel Silva, que acrescenta ainda que “se todos os setores da sociedade portuguesa tivessem cortes desta dimensão já não precisávamos da ‘troika’”. Inicialmente, foi apresentada uma distribuição orçamental oficial pelo Ministério de Educação e Ciência que residia num corte 2,5 por cento para as instituições de ES. Contudo, João Gabriel Silva e o presidente do Instituto Politécnico de Coimbra (IPC), Rui Antu-

nes, concordam ao alertar que com a aprovação do OE2013 na sua generalidade, este valor é muito próximo dos 10 por cento. Rui Antunes tenta explicar que, a nível absoluto, o IPC tem disponíveis menos dois milhões de euros e que “não tem onde cortar esse valor”. Para João Gabriel Silva, neste momento, o que ajuda a equilibrar as contas da UC são os estudantes que vêm de fora. No entanto, ressalva que se este corte se der efetivamente é

“dramático e insustentável” para a UC. Segundo Rui Antunes, no IPC, sobretudo no último ano, já foram reduzias cargas letivas de curso, já foram dispensados professores com contrato a termo e já se cortaram despesas em equipamentos, o que apelida como “desinvestimento enorme na qualidade”. “A universidade não se pronuncia sobre o orçamento no seu conjunto”, sublinha o reitor, ao mostrar que só o financiamento em relação ao ES lhe diz respeito. Não conseguindo espe-

cificar o número de cantinas abertas no Polo I, João Gabriel Silva admite que “fechar uma das mais pequenas não tem impacto nenhum”. Os Serviços de Ação Social da UC (SASUC) são também um espelho da necessidade dos estudantes que recorrem a serviços a um preço menor. No entanto, João Gabriel Silva considera que com as reestruturações dos SASUC, são os estudantes da UC “os mais beneficiados”, uma vez que a UC conseguiu “melhorar a qualidade dos

serviços”. Já Clara de Oliveira parece não ser da mesma opinião que o reitor. A estudante vive numa república e paga uma renda onde a alimentação é incluída, o que faz com que não recorra com regularidade aos SASUC, visto que o preço do prato social já não é “tão social quanto isso”. “Como podemos acreditar no nosso ES quando o nosso próprio governo lhe dá o descrédito total?”, deixa Diogo Barbosa, ao enumerar com uma segurança de quem conhece a situação ao detalhe as recen-

tes notícias dos cortes no ES: “bolsas diminuídas e a desaparecerem, mestrados e doutoramentos a ficarem mais caros, encerramento de 100 cursos no próximo ano… Perante este rol, Diogo reflete: “acho que não há perspetivas de futuro para os estudantes neste momento”. “Se tiveres dinheiro tens futuro, se não tiveres dinheiro não vale a pena tirares um curso”, concluiu.

Professores e estudantes com o papel de agir Antes da aprovação do OE2013 na sua totalidade, cabe ao Conselho Económico e Social (CES) emitir um parecer sobre o documento. O parecer que saiu ontem, 5, de uma reunião do CES é claro ao mostrar uma posição de discordância face às políticas sugeridas neste orçamento: “a proposta de OE2013 não responde à necessidade de crescimento económico, de melhoria do financiamento da economia e de aumento do emprego”. Para o CES, “o reequilíbrio sustentável das finanças públicas só será possível através de uma «profunda reforma» do Estado e da Administração Pública”. O Jornal A Cabra contactou o Ministério das Finanças, porém na pessoa da assessora Paula Cordeiro, lamentam e dizem “não ser possível” prestar declarações. Para o dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública e de Entidades com Fins Públicos (SINTAP), José Abraão, atualmente “há milhares de trabalhadores dos serviços públicos que fazem o trabalho deles e o daqueles que se aposentaram e que não foram substituídos”. Desta forma, nas medidas do lado da redução da despesa patentes no OE2013, o grande enfoque de corte vai para a administração pública e setor empresarial do Estado. Segundo José Abraão, existem já cerca de 85 mil trabalhadores em regime de contrato com termo resolutivo. Contudo, este número vai aumentar, pois como alerta o líder da SINTAP: “o Governo, com este orçamento, propõem que estes sejam reduzidos em 50 por cento”, o que pode “comprometer os serviços”, ressalva. Para além do corte no ES, o abatimento total no setor da Educação é próximo de 700 milhões de euros. Segundo o professor do Agrupamento de Escolas da Lousã e membro da

cortar, dar golpe em, encurtar, aparar, abater, amputar. Parecem ser estes os objetivos do executivo para com o povo português. como se não bastassem as medidas que têm vindo a ser incutidas e que nos dizem ser culpa da já gasta austeridade - imposta por uma abertura de uma intervenção externa e tecnocrata -, chega-nos agora um novo orçamento que surpreende pelo sufoco imposto. Se em 2012 já não se soube onde cortar, em 2013 vai ser difícil perceber onde não nos exigem que se encurte. A transversalidade dos suores extraordinários que são impostos aos vários ramos de atividade com o OE2013 é notória. cortar no ensino e na educação, quando uma sociedade precisa de se construir. cortar nos apoios sociais, quando é necessário inverter o estigma de um povo cada vez mais desprotegido. cortar as despesas de saúde e aumentar as taxas moderadoras, quando a nosso país é dos mas envelhecidos. cortar na administração pública de forma aleatória e fortuita, quando se ignora a perda de qualidade dos serviços públicos. Enfim, e quando se corta, só se corta? já cantava josé mário Branco, “e cada um se lamenta/que isto assim não pode ser/que esta vida não se aguenta/-o que é que se há de fazer?”. A inquietação da música “As canseiras desta vida” ganha contornos de intemporalidade, ao espelhar a grande aflição da maioria dos portugueses. O que é que se há de fazer quando só se corta? As histórias apresentadas nestas páginas são disso exemplo. Estudantes, professores, sindicalistas, líderes institucionais – com discursos e condicionantes distintos, todos convergem numa ideia, a da oposição ao OE2013. Se cada vez mais vozes se ouvem e caras se mostram contra estas medidas, faltanos perceber o porquê dos representantes governamentais persistirem nesta linha da ação. não será este um indicador de que a democracia e a pluralidade começam a ser comprometidas? Porém, é a combatividade dos testemunhos destes dois estudantes (que espelham a vida de outros tantos) que devem ser realçados. A postura critica e de insatisfação com a atual situação do país parece ser a força que preenche estas histórias e as faz querer ser um exemplo de denúncia. mas, a insistência desta linha de ação começa a refletir-se num descontentamento generalizado da sociedade. Quando os sacrifícios nos esgotam e quando estes cortes já fartam o que fazer para lutar contra “As canseiras desta vida”? voltando a josé mário Branco, parece que temos que voltar ao “corta a carne, corta o peixe/não há pão que o preço deixe/a poupar/a poupar/ a notinha que se queixa/tão difícil de ganhar”. Por Ana Morais


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desTaque Vozes

Críticas “A continuar desta maneira, provavelmente chego a janeiro e vou-me embora. São cinco anos que vão ao ar de repente” Diogo Barbosa Estudante

“Estão-nos a tirar tudo, os recursos todos. E não sei se isto vai resultar” Clara de Oliveira Estudante

“Este é um corte dramático e insustentável. Se todos os setores da sociedade portuguesa tivessem cortes desta dimensão já não precisávamos da ‘troika’” João Gabriel Silva Reitor da UC

“O IPC tem disponíveis menos dois milhões de euros e não tem onde cortar esse valor” Rui Antunes Director do IPC

“Os reflexos irão fazer-se sentir não só ao nível dos processos de ensino, mas muito particularmente ao nível das condições emocionais” Jorge Santos Professor

“Aos professores e aos estudantes, por serem a massa crítica mais importante da intelectualidade portuguesa, está reservado o papel de agir” Luís Lobo Professor

“Este OE2013 é um forte ataque as classes mais desprotegidas com menores rendimentos” António Moreira União dos Sindicatos de Coimbra

FENPROF, Luís Lobo, pode ser representativo da “proliferação da precariedade”. E, desta forma, as consequências extravasam a atividade laboral, estendendo-se ao nível pessoal quer dos professores quer dos restantes trabalhadores da administração pública. “Os reflexos irão fazer-se sentir não só ao nível dos processos de ensino, mas muito particularmente ao nível das condições emocionais necessárias para um adequado exercício profissional”, reflete o também professor, Jorge Santos. De novo, este são dois casos específicos que representam um espectro variado da sociedade portuguesa. Os dois professores convergem num discurso de instabilidade e de incerteza que pode afetar o estado do ensino: “estamos confrontados com uma situação de podermos amanhã ser dispensados”, desabafa Jorge Santos. O caminho destes professores cruza-se assim com as histórias dos dois estudantes, mostrando a abrangência que estas medidas assumem. Todavia, é nessa convergência que o professor Luís Lobo encontra um caminho: “aos professores e aos estudantes, por serem a massa crítica mais importante da intelectualidade portuguesa, está reservado o papel de agir”.

carga tão elevada eles poderiam ajudar-me mais”, lamenta. Também Diogo faz questão de referir que a sua avó “vai deixar de receber dois meses de reforma”, evidenciando ainda o corte na pensão mínima que passa de 419 para 377 euros. Concentrado na preparação da próxima greve geral para 14 de novembro, o representante da União dos Sindicatos de Coimbra (USC), António Moreira, mostra a oposição da USC perante o novo orçamento. “Este OE2013 insere-se num quadro de numa contração económica brutal e é um forte ataque as classes mais desprotegidas com menores rendimentos”, reitera. Ao lamentar o número de desempregados em Coimbra - cerca de 27 mil - António Moreira sublinha a abrangência dos impactos que o novo OE2013 traz para a ci-

dade. Na construção civil, no setor metalúrgico, no pequeno comércio e até na restauração (com o aumento do IVA), Coimbra é o reflexo do resto do país, e até de alguns polos europeus. “Estamos a atravessar um caminho tortuoso e difícil”, expõe António Moreira.

“Estão-nos a tirar tudo” Questionados sobre se os sacrifícios valerão a pena, Diogo e Clara, apesar das diferenças no discurso, parecem concordar na falta de esperança e na incerteza dos próximos tempos. Num tom sereno, Clara é crítica em relação às medidas já implementadas pelo executivo e às propostas do OE2013. Para a estudante, a sociedade tende a enfraquecer-se e esgotar-se com estas contenções: “estão-nos a tirar tudo, os recursos todos. E não sei se isto vai

resultar”, afirma com um ar incerto. Já Diogo, num tom mais reivindicativo, evidencia a sua combatividade e apela à dos outros. “O ES é cada vez mais para uma elite e se continuarmos neste caminho, eu infelizmente vou ser dos próximos a abandoná-lo”, assegura ao querer, mais uma vez, espelhar outros casos semelhantes. Para evidenciar os enredos de uma sociedade fortemente afetada e descontente com as medidas expostas nas já referidas mais de 300 páginas, ilustradas de gráficos, tabelas, quadros, percentagens, números e mais números, demos voz a estes testemunhos. A reflexão das dificuldades na generalidade do povo é, cada vez mais, evidente. Mas, fica a pergunta: será que os sacrifícios - nestes moldes - valerão a pena? com João Martins infografia por camilo Soldado

Uma família que espelha outras tantas É com essa vontade de agir e de contar a sua história para denunciar muitas outras que Diogo apresenta um discurso coeso e crítico. Refere a fórmula de atribuição de bolsas, apresenta os valores cortados na Educação, enfim, explica tudo que afeta a realidade que conhece. Para tal, fala-nos com um à vontade de todo o seu seio familiar, apesar de confessar que lhe é difícil. A sua mãe trabalha numa pequena indústria têxtil privada, em Oliveira de Azeméis, já não recebe há seis meses e a fábrica está a atravessar um processo de insolvência. Como se estes fatores não fossem suficientes para dificultar a gestão do orçamento familiar, o OE2013 trouxe mais surpresas. Não recebeu o subsídio de férias e corre o risco de perder o subsídio de Natal. Isto, porque no OE2013 é vincada a ideia de que é necessário existir uma “repartição do esforço entre o setor público e o setor privado”. O pai de Diogo, trabalhador por conta própria na construção civil (que se tem apresentado em declínio), vai ver a sua contribuição para a segurança social aumentar com o novo orçamento. É aqui que se podem ver as medidas do lado do aumento da receita, com um aumento recorde para a carga fiscal, traduzido em mais de 80 por cento do esforço de consolidação, sobretudo em impostos. Também o contexto familiar de Clara nos conta como outra alteração significativa do OE2013 – as novas regras nas pensões. O seu avô vai ter um corte substancial na pensão, o que afetará toda a gestão das contas da casa. Com um uso recorrente dos cuidados de saúde e com uma carga elevada de medicamentos para pagar, os avós de Clara veem a sua situação agravada e deixam de a poder ajudar nas suas despesas: “se não fosse esta

Em 2013, o ES perdeu 47 milhões de euros divididos entre cortes na área de investigação científica e projetos


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EnSino SUpErior

DG/AAC quer grande adesão estudantil ao protesto de dia 22 A academia encontra-se num mês decisivo para determinar a sua palavra. Unem-se esforços para agitar tudo e todos contra os ataques ao Ensino Superior (ES) Liliana Cunha Quer-se um novembro de protesto e ruído para com as políticas castradoras que vêm a ser seguidas por toda a extensão do ES no país. Em última Assembleia Magna (AM), dia 30 de outubro, fora aprovada uma moção que quer concentrar em duas datas essa intenção: “queremos ser aqueles que estão na dianteira, não podemos deixar de fazer porque os outros não querem”, expressa o coordenador-geral do Pelouro da Política Educativa da Direção-geral da Associação Académica de Coimbra (DG/AAC), Tiago Martins. A vontade de, no dia 14 de novembro, se encerrar a Porta Férrea em sinal de protesto solidário com a greve ibérica de trabalhadores levou à consideração de que isso poderia funcionar como uma demarcação dos trabalhadores. “Não se unirem à greve geral por causa da luta de sindicatos é estranho”, admira-se o representante da plataforma “Universidade contra a austeridade”, Diogo Silva. O coordenador-geral contrapõe essa ideia e afirma que a vontade da DG/AAC não é praticar “uma lógica individualista” já que não havia entendimento total entre as centrais

sindicais. Desta forma, não se toma uma posição por nenhuma delas e cria-se uma forma de protestar própria para “ manifestar o desagrado com a situação politica”, assevera Tiago Martins. Que não se pense que o protesto se esgota em dia de greve geral. A ação que se segue ao encerramento da Porta Férrea pretende de uma vez por todas movimentar. Já muitas vezes se afirmou que esse é o grande problema que a AAC enfrenta – agitar os estudantes para que todos saiam à rua e tenham uma expressão. “Não queremos, e temos tentado não nos cingir às manifestações tradicionais e acrescentar algo diferente que possa trazer as pessoas para a nossa causa”, reforça Tiago Martins. O grupo de trabalho que encetará esforços para o “forte” protesto de dia 22 conta com um representante por faculdade. O representante da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Daniel Nunes, afiança que o dinamismo da chamada de estudantes passará por “perceber os problemas concretos que os estudantes sofrem neste momento, tentando assim criar uma onda de solidariedade onde todos estejam presentes nas datas da reivindicação”. A última reunião do grupo tida ontem à noite serviu para mudar o fundo e alinhavar questões como a ida às faculdades para explicar e divulgar a luta. Já durante esta semana se avançou com uma medida a nível das redes sociais que pretendia passar o fundo das imagens para preto em sinal de reclamação. Gerou curiosidade: “as pessoas perguntam o que representa essa ima-

AnA MorAis

Protesto de dia 22 foi aprovado por larga maioria na última AM gem. Está a haver uma grande adesão da comunidade estudantil”, assegura Tiago Martins. A imagem vai mudar. O preto vai dar lugar a uma foto de perfil de Facebook que

lembre o pulsar da AAC.

Outras vozes Torna-se incontornável ouvir a voz de outros coletivos que represen-

Compromisso com o associativismo é inconstante A massificação e efemeridade do período académico que os jovens vivem leva a que cada vez mais se afastem da responsabilidade de lutar pelo conjunto Liliana Cunha “Uma vez falei com o senhor secretário de Estado e discutimos porque é que o nível de endividamento dos jovens dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa tem aumentado. Perguntei quando é que o Estado nos ajudava e ele disse que não se justificava. Não conseguíamos trazer para a rua mais que dois mil estudantes”. O episódio passou-se com um ex-dirigente associativo. Ficou lançado

o repto. Trazer os estudantes do Ensino Superior (ES) para a rua. O ano trouxe poucas vitórias para os estudantes amparadas no sistema político. Não há alunos do superior atrás da linha e faltam consensos para o movimento associativo nacional. Porém, ainda há pior: nenhum “secretário de Estado, nenhum governo tem medo de um grupo de estudantes”, queixa-se o presidente da Direçãogeral da Associação Académica de Coimbra (DG/AAC), Ricardo Morgado. A crise poderia ser de um Orçamento do Estado (OE) que eleva o cidadão português ao estatuto de precário. Ou de uma máquina viciada na falta de empreendedorismo. No entanto, ela também deriva das escolas de formação superior que contêm a vantagem de complementar a parte profissional. “Três anos em sistema de Bolonha obrigam a que se tenha de ser bom

aluno e bom dirigente associativo. É impossível”, sublinha o técnico do Conselho Nacional da Juventude. Em sede de debate promovido pelo núcleo de estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra quis-se discutir, ontem, 5, o paralelo entre o OE para 2013 e os impactos no associativismo estudantil. A interpretação do caso envolvido e da sua premissa poderia dar azo a duas formas: ou o OE cortaria na despesa para as estruturas de incentivo às atividades estudantis ou provocaria um estímulo na vontade do jovem querer participar na vida política para reivindicar. Pode parecer paradoxal, mas a tentativa é legítima, numa altura em que é preciso abortar a resignação aos problemas afetos a uma rede de ES que em cinco anos perdeu mais de 200 milhões de euros. “A rede de ES não é uma rede. É

um emaranhado”, sustenta o presidente da Juventude Social-Democrata, Duarte Marques, presente no debate. O também deputado na Assembleia da República apresentou um despudor na certeza de que há instituições que têm de fechar. Apresentou dúvidas de que esta seja a geração mais qualificada de sempre, prefere apelidá-la de “certificada”. Duarte Marques não se demite da sua postura de líder de Estado. Traz para a discussão o caso do suporte do Estado não ser o de apoiar naquilo que as associações querem. O significado do OE 2013 para as estruturas juvenis até será positivo: não sofrerá qualquer corte este ano. Mas estará o estudante dentro do quadro associativo capaz de lutar para fora do seu nicho? “Não chegamos a 20 mil alunos inscritos na Universidade de Coimbra porque ainda não pagaram”, lembra o presidente da DG/AAC.

tam os interesses dos estudantes. Os movimentos associativos estão do lado da DG/AAC. “Ficamos contentes que novembro seja o mês de luta para dar resposta às politicas de destruição do ES”, declara a representante do movimento A Alternativa és Tu!, Alma Rivera. O membro do coletivo AAção, João Cosme, recorda que é “importante ter uma série de ações que não seja isolada mas tem de ser um processo reivindicativo contínuo”. Esteve em cima da mesa a proposta de uma manifestação nacional no dia 22 por este moviment, o e por todos os outros de Coimbra, que continuam a pensar que a resposta é mais forte se se aderir à reivindicação nacionalmente. E agora surge o convite por parte de algumas associações em Lisboa. Alma Rivera não se desvincula da ideia do protesto nacional e acha que a posição contra o Orçamento do Estado para 2013 da DG/AAC tem de ser executada em “conjunto com as outras, porque é aí que se constroem as vitórias”. Tiago Martins confirma que a AAC já foi contactada, mas lembra que a moção do protesto nacional em AM “foi chumbada”. Reitera a ideia de convergência, mas no sentido de olhar pelas “sensibilidades de cada cidade, se isso acontecer”. O apoio da instituição também é importante e o reitor João Gabriel Silva já afirmou a intenção de ter todos os estudantes junto de si e do protesto contra o Orçamento do Estado em particular. Deixou no ar o convite para que se juntem a uma ação a realizar-se esta sexta -feira na Universidade. Resta saber o que será.

CRUP discute fecho de universidades Liliana Cunha O reitor da Universidade de Coimbra, João Gabriel Silva garante que uma ação conjunta entre universidades ainda está a ser “desenhada” e pretende ter um grande impacto para a sociedade civil. O protesto das 14 universidades está marcado para sextafeira, 9, e pretende ser realizado por todas ao mesmo tempo. A possibilidade de encerrar as instituições nesse mesmo dia não é negada pelo reitor – “não descarto essa possibilidade nem qualquer outra”. A fragilidade da continuação das Instituições do Ensino Superior obriga o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas a reunir amanhã, 7 de novembro, para decidir sobre a ação conjunta das 14 universidades para protelar contra o Orçamento do Estado para 2013.


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ensino sUPerior

Estudantes do Polo II pedem recuo no regime de prescrições Há na Universidade de Coimbra situações pendentes no plano académico de cerca de dois mil estudantes que correm o risco de prescrever. A alteração do regime quer que neste ano letivo alunos aparentemente em situações regulares passem a acarretar mais carga de trabalhos, senão saem da instituição. Por Liliana Cunha

“A

ndei a estudar para no final prescrever? Com que cara é que vou chegar aos meus pais e dizer: olhem, por causa de meia matrícula, chumbei e prescrevi”, conta o estudante de Engenharia Mecânica da Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade de Coimbra (FCTUC), Jorge Quaresma. O Polo II da UC está a braços com uma luta contra o regime de prescrições aprovado em julho passado. Na FCTUC, a maior parte dos cursos funciona com mestrado integrado, levando o aluno a ter de o completar para obter os dois graus académicos. Muitos estão em risco e prevê-se que o número possa chegar aos milhares. São “mais de dois mil de certeza. No Polo II há gente que está no quinto, com a sexta e a sétima matrícula”, adianta o ex-presidente do núcleo de Engenharia Mecânica. Prescrever significa perder o direito à inscrição em qualquer um dos ciclos de estudos (licenciatura e mestrado integrado) quando o estudante não cumpre os requisitos de aproveitamento escolar. O alarme que surgiu neste início de ano letivo na UC deriva do facto de o estudante só ficar a saber pela plataforma In-

forestudante de que dispõe de um ano para reverter a situação senão fica aberta a possibilidade de parar durante um ano o ciclo de estudos em questão. “Só temos uma pequena amostra estudantil mas, nos nossos resultados, metade dos alunos do mestrado integrado aqui no Polo II, estão em risco de prescrição, e dessa metade é por causa do novo regime”, afirma o vice-presidente do núcleo de Engenharia Civil, Luís Coimbra. Em Engenharia Civil, o núcleo de estudantes propôs-se a realizar um inquérito para apurar a gravidade da situação. O objetivo é falar com o maior número de pessoas possível para “reverter o regime”, afirma Luís Coimbra. Pela parte da vice-reitora para a Pedagogia, Madalena Alarcão, não adianta um número certo porque “não seria realista”. Todavia, a resposta tarda em chegar e os alunos precisam de uma já. José Coelho Mendes, estudante de Engenharia Mecânica, foi um dos que já prescreveu. Mas já sabia que corria esse risco. Agora está inscrito em cadeiras isoladas e pensa arranjar trabalho para ajudar os pais com o pagamento. Todos são próximos de algum colega que já conheceu ou está agora a conhecer o risco. Em Mecânica, o problema remonta ao

ano passado e deriva da mobilidade de uma cadeira de mestrado para o ciclo de estudos da licenciatura.

Não cabe ao aluno decidir? A explicação não é simples, mas o benefício de que os alunos de mestrado integrado deveriam usufruir está agora bloqueado. É possível a transitoriedade entre anos e fazer num conjunto de cinco créditos de cadeiras correspondentes a qualquer ano, sem seguir à regra o curso do plano de estudos. “Se prescreverem por insucesso e não por aplicação do regulamento, aí terá que ser”, garante Madalena Alarcão. Deixa a porta aberta a casos em que será necessário avaliar mais atentamente a situação. Porém, o grande problema não se prende com o insucesso porque há alunos que têm apenas duas a quatro cadeiras em atraso num total de cinco matrículas. Está em aberto a possibilidade de alguns alunos pararem o curso mesmo quando estão em vias de o acabar. “Posso fazer cadeiras isoladas mas isso aí são logo 30 créditos para a tese, 60 euros por crédito. Tenho de me aplicar este ano”, explica Jorge Quaresma. Se correr mal, apresentará requerimentos

para resolver a situação caso não alterem o regulamento. “A questão não é recuar ou não. O regulamento existe e tem que ser aplicado para se poder fazer esse ajustamento”, explica Madalena Alarcão, ao alertar também para o facto de este já ter saído em julho. A proposta de aumento no período de transição para a aplicação do regulamento é a única maneira, segundo os estudantes, de conseguir inverter a possibilidade de dez por cento dos alunos da universidade prescreverem. “É um contrassenso o aluno estar a fazer avaliações a um nível superior de conhecimento quando não tem os anteriores”, afirma a vice-reitora. No entanto, o estudante tem o direito de recorrer à flexibilidade na prioridade do plano de estudos. “Nós não temos regime de precedências, cabe à instituição ajudá-los a decidir”, alega Madalena Alarcão.

Movimentar esforços para alterar o documento Ontem, 5, o núcleo de Engenharia Civil reuniu com o provedor do estudante, Rogério Leal e o vice-presidente afirma que o provedor se mostrou solidário com o problema. “O plano agora já se mostrou mais exequível [no que toca ao período de

transição] ”, atesta Luís Coimbra. Os estudantes estão, neste momento, a tentar com que a época de finalista de licenciatura se estenda aos que frequentam mestrados integrados. “Temos os mesmos deveres mas não temos os mesmos direitos”, lamenta o vice-presidente. Este regulamento, e a respetiva transição, têm apenas o período de um ano. “No próximo setembro, [os alunos] já prescreveram”, garante Luís Coimbra. Por enquanto, continuarão a recolher testemunhos para mostrar à reitoria a gravidade da situação e pedem a ajuda da Associação Académica de Coimbra (AAC). “Isto agora está muito a ferver, ainda não falamos com instâncias superiores, e porque somos um organismo pertencente à AAC, não devíamos fazer nada sem ela”, assevera a estudante de Engenharia Civil, Mariana Pereira. A espera é contínua. O presidente da Direção-geral da AAC, Ricardo Morgado, já reuniu com a reitoria nesse sentido e diz que nada do que lá saiu foi concreto. “Acho que a UC está bem ciente de que terá de fazer alguma coisa porque ainda não se pensou no impacto que isto poderá ter nos estudantes sem lhes dar uma segunda oportunidade”, explica Morgado. Stephanie Sayuri paixão


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ensino sUPerior

IPC pondera adoptar propina máxima A realidade do iPC está, a par das outras escolas superiores, prestes a rebentar a corda. Pede-se que ainda “se pare mais qualquer coisa” pelo título dos cortes Liliana Cunha É cada vez mais recorrente o exemplo que as Instituições de Ensino Superior representam, no cenário onde tudo está sob penhora. Embora as universidades públicas sejam as que sofrem o rombo maior, os Institutos Politécnicos e a sua potencialidade prática não deixa também de ser posta na cauda do aperto dos cortes. Trocam-se as voltas desde há três meses para cá. O início do novo ano letivo foi planeado com um

corte de 3,2 por cento em cima da mesa. No entanto, e com o novo Orçamento do Estado, o corte ascende aos 25 milhões de euros, representando quase o triplo do inicialmente anunciado. Por cá, fazem-se as contas aonde se pode ceifar mais alguma verba nas seis escolas que compõem o Instituto Politécnico de Coimbra (IPC). “Temos um agravamento da nossa despesa em mais de seis por cento somado agora ao que já foi descontado em julho e agosto”, comenta o presidente do IPC, Rui Antunes. Só no final no mês de outubro se conheceram os novos contornos no orçamento das escolas quando já tudo estava planeado: “dá um corte no orçamento superior a oito por cento”, frisa Rui Antunes. O orçamento para o Politécnico de Coimbra sofreu um revés porque, em suposição, o governo concedera mais algum dinheiro para pagar o 13º mês aos funcionários já que retrocedeu para

o corte a apenas um subsídio. Todavia, nem isso chegou. A situação do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra (ISCAC) é como a de todo o Ensino Superior (ES) público. Tenta sobreviver “a este ataque frontal à descentralização do ES. A prioridade do ISCAC é ter como pano de fundo que “não há despedimentos na escola, porque as pessoas são necessárias e servem a escola. Isto serve tanto para professores como para funcionários”. O presidente do ISCAC, Manuel Castelo Branco, tenta reverter a situação de outra forma, enceta esforços numa maior divulgação da escola e não deixa que os seus alunos abalem para fora do ES porque têm dificuldades: “contrariamos a lei ao aceitar planos de pagamento o mais flexíveis possível, para que um único aluno na escola não deixe de estudar por falta de meios para pagar as propinas que equivalem quase ao preço do privado”.

Gestão precária de recursos Já se alcançou o abate de verbas na qualidade de quem ensina e é ensinado no ES. E o aquecimento no inverno é caso disso. Têm sido recorrentes as histórias do corte num bem essencial para o bem-estar – “em relação ao aquecimento, aquilo que estamos a fazer é diminuir o tempo de utilização da escola e diminuir o número de salas em funcionamento”, atesta o presidente da Escola Superior de Tecnologia e Saúde de Coimbra (ESTSC), Jorge Manuel Conde. Esta escola antecipou os cortes já no ano letivo transato e tentou agregar turmas maiores, como exemplo, a uma cadeira ambivalente a vários cursos. Contudo, passando para a parte prática, tal não é passível de ser feito: “nas aulas de ambiente hospitalar, não é possível ter vinte alunos em volta de um doente, não faz sentido”, sustenta o presidente da

ESTSC. “Há dois anos desligamos os equipamentos de ar condicionado durante o verão e temos implementado medidas de redução de consumos de água, eletricidade e combustíveis”, enumera o presidente da Escola Superior Agrária de Coimbra, José Gaspar. A amplitude dos cortes também tem reflexo no valor da propina a pagar. E mesmo que a realidade do valor da propina no politécnico seja mais baixa do que na universidade, não tardará a tornar-se ao mesmo nível. “Admito que todo o IPC dentro de pouco tempo estará na propina máxima, se não for no próximo ano é no outro de certeza”, garante o presidente da escola que aplica a propina mais alta de todo o IPC (o ISCAC), Jorge Manuel Conde. “Estamos a parar tudo, e neste momento, querem que a gente ainda pare mais qualquer coisa”, queixa-se Rui Antunes. Stephanie Sayuri paixão

“admito que todo o ipC dentro de pouco tempo estará na propina máxima, se não for no próximo ano é no outro de certeza”, afirma Jorge Manuel Conde.

Comemorações dos 125 anos da AAC sem futuro certo Depois da demissão de José Guilherme da comissão organizadora, as atividades de comemoração dos 125 anos são incertas. Leal afirma que podem continuar Ana Duarte A 24 de abril, a comissão organizadora para as comemorações dos 125 anos da Associação Académica de Coimbra (AAC) é apresentada. Os projetos e desejos expressados nesse dia foram, em parte, gorados, e isto deveu-se a um principal motivo: a demissão do responsável pela comissão organizadora, José Guilherme. As causas desta demissão ainda não são bem claras. Contudo, o ex-

responsável pela comissão organizadora adianta que “por achar que a AAC não desenvolvia um comprometimento que este evento merecia ”, José Guilherme decidiu afastar-se. A 1 de outubro, o presidente da Direção-geral da AAC (DG/AAC), Ricardo Morgado, em entrevista ao Jornal Universitário de Coimbra – A Cabra, aborda a questão da demissão de José Guilherme, manifestando “a esperança de que ele [José Guilherme] possa voltar [à comissão] ”. Contudo, o ex-membro da comissão adianta que nada foi feito nesse sentido: “mesmo após o meu afastamento, tentou-se marcar algumas reuniões, mas por motivos de agenda da presidência, nunca foi possível”. Isto também significou alguns problemas em “passar a pasta de forma o mais tranquila possível”, acrescenta. O vice-presidente da DG/AAC, Francisco Leal, foi quem assumiu a responsabilidade da comissão. Mesmo não tendo havido um acom-

panhamento para a transmissão da pasta, isso não se revelou muito significativo, visto que Francisco Leal já estava ligado à comissão desde início.

Falta de poder de decisão e de comunicação Na opinião do ex-membro da comissão, Francisco Leal foi a escolha indicada para assumir a pasta, não só por ter acompanhado o trabalho desde início, mas também “pelo cargo que ocupa”. “Ele tem capacidade para tomar conta deste projeto e também tem o poder de decisão que eu não tinha por não ser membro efetivo da DG/AAC”, afirma José Guilherme, acrescentando que, muitas vezes, o seu trabalho via-se dificultado por não ter poder de decisão. E exemplifica: “o facto de ter estado dois meses à espera que me abrissem um conta de e-mail, porque não tinha o poder de o fazer”. Ainda assim, aponta outra razão para o embargo de algumas atividades e diz

que “o maior problema é que continuem a pôr os interesses pessoais à frente de uma causa que é muito maior do que todos nós”. Ainda sobre a demissão, a falta de comunicação entre comissão e DG/AAC é outro motivo apontado como causa. José Guilherme atesta que tinha “grandes dificuldades” em contactar tanto o presidente da DG/AAC, como outros membros. Por seu lado, Francisco Leal afirma que “ Ricardo Morgado, naquilo que podia ter feito, sempre ajudou ao máximo e da melhor forma possível a comissão”. Contudo, expressa: “se calhar podia ter havido uma forma de comunicar diferente, não só com o próprio presidente, mas também a nível de trabalho interno, e contra mim falo”. Na entrevista dada de dia 1, Morgado confirma que “houve algumas falhas no trabalho da comissão com a própria DG/AAC, que o assume”, bem como “falhas de comunicação que atrasaram o processo”.

Calendário de atividades das comemorações Antes da demissão, José Guilherme afirma que já havia um calendário de atividades “bastante completo e que abrangia todos os setores da AAC, desde os núcleos às secções”. Havia, também, o desejo de “alargar o mais possível essas comemorações em termos de participação a toda a cidade e ao próprio país”. Francisco Leal, sobre esse calendário, declara que “algumas dessas atividades podem continuar”. Apesar disso, o futuro das comemorações fica um pouco incerto. Relativamente à gala do aniversário da AAC, realizada no passado sábado,3, verificaram-se vários problemas técnicos afetos aos vídeos feitos pela produtora contratada. Ricardo Morgado afirma que apesar de a DG/AAC não ter tido qualquer tipo de responsabilidade, vão tentar apurar o que se passou, dado que se “passou uma imagem menos boa e essa imagem fica colada à AAC”.


8 | a cabra | 6 de novembro de 2012 | Terça-feira

Ensino sUpErior

Expansão de estudantes por todo o mundo alimentada pela crise StEphAniE SAyURi pAixão

Um novo intercâmbio do Brasil aposta na mobilidade estudantil, num momento em que esta está ameaçada pela falta de verbas no programa Erasmus Liliana Cunha Ian Ezerin “A mobilidade existirá sempre”, garante o vice-reitor para as Relações Internacionais da Universidade de Coimbra, Joaquim Ramos de Carvalho. Em Coimbra, num universo de 22 mil estudantes, mais de 15 por cento são estrangeiros. Este número concretiza-se na distribuição por vários programas de intercâmbio mundial. O programa Erasmus, financiado pela Comissão Europeia, é com certeza o mais conhecido, no entanto há uma grande parte de novos alunos que chega do outro lado do atlântico. “Somos intercambistas, não entramos no programa Erasmus. Em Portugal, vieram 1500 brasileiros este ano com este programa”, conta satisfeita Bruna Araújo, do Estado do Paraná, no Brasil. Este ano veio estudar em Coimbra. E é uma das que chegaram ao abrigo do Ciência sem Fronteiras, um programa em acordo com o Governo Federal Brasileiro, neste ano, que pretende nos próximos cinco anos alcançar a meta de enviar 100 mil bolsistas para todo o mundo. E o apoio é bem diferente daquilo que oferece a Comissão Europeia. “Esta bolsa paga tudo: são 870 euros por mês, os custos da viagem, seguro de saúde e ainda um computador”, sustenta Ethiane Mezadri, que chegou há um mês do Rio Grande do Sul. A

A Comissão Europeia propôs um corte ao orçamento do programa ERASMUS de quase dois mil milhões de euros candidatura é sujeita a critérios de seleção, pedem alunos de excelência, e é “claramente uma bolsa muito superior, por exemplo, ao salário mínimo no Brasil, que é de 200 euros”, confronta a estudante de Engenharia Química. Mas há uma contrapartida: Ethiane e Bruna terão de voltar daqui a um ano e encaminhar todo o suporte que receberam. “Quando voltarmos para lá temos de ficar durante dois anos sem sair do país. É retornar o que pagam por nós”, esclarece Bruna Araújo.

Portugal para quem chega São épocas diferentes e prioridades diferentes. O Brasil está a apostar em força na formação dos seus jovens com modelo no Ciência sem Frontei-

ras. No entanto, em Portugal não acontece o mesmo. “Não há mutualidade”, lamenta Joaquim Ramos de Carvalho. Os recursos não são equivalentes e isso reflete-se no facto de a maioria dos estudantes que querem sair de Coimbra escolherem o programa Erasmus que acarreta custos similares tanto para quem envia como para quem recebe. “No dia-a-dia, aqui não sentimos muito a crise, mas sabemos que vocês sim. E comparando com o Brasil, a condição de Portugal está muito bem”, lembra Bruna Araújo. Pode parecer contraditório, contudo ainda há um retrocesso estrutural na forma de vida brasileira. No contexto de mobilidade intraeuropeia é inevitável falar do Erasmus. Mas também este programa

está com problemas de verbas. É sempre lembrado como um dos casos de sucesso na integração de cidadãos europeus nas universidades. O Erasmus “vai ao encontro de uma necessidade, mas pelo facto de eventualmente se pôr a hipótese de desaparecer, a necessidade não desaparece e as pessoas vão encontrar formas novas de se moverem”, constata o vice-reitor para as Relações Internacionais. O intercâmbio europeu tem estado na baila já que a Comissão Europeia propôs um corte ao orçamento do programa para o próximo ano de quase dois mil milhões de euros. “A crise funciona nos dois sentidos. Aliás, do ponto de vista estatístico, não notamos que haja uma diminuição tão grande no número de alunos

que chega”, atesta Joaquim Ramos de Carvalho. A saída nestes tempos até pode ser uma mais-valia para a distinção no mercado de trabalho, “em estágios nas empresas do estrangeiro, são oportunidades mais procuradas porque quando há uma crise interna as pessoas viram-se para fora”, pensa o vice-reitor. Só no fim desta semana se decidirão as negociações para evitar a limitação da qualidade do maior programa de mobilidade estudantil mundial. O cenário pode impelir a uma maior vontade de saltar os obstáculos - “uma coisa compensa a outra, embora ainda seja muito cedo para saber qual dos lados vence – o de retração devido à crise, e outro de expansão devido à crise também”, hesita Ramos de Carvalho. pUBLiCiDADE


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CUlTUra

Novos trilhos para a Cultura a quarta edição do “fórum Teatrão” reuniu na omT alguns dos principais agentes culturais da cidade, bem como cidadãos que também quiseram marcar presença no debate. por daniel alves da silva e inês pereira

S

DAniEL ALvES DA SiLvA

ubordinado ao tema “TOMAR PARTIDO - Que estratégias de intervenção local podem ser criadas pelos agentes culturais?”, decorreu no dia 27 de outubro mais um “Fórum Teatrão”. A Tabacaria da Oficina Municipal do Teatro (OMT) abriu portas para acolher de novo a opinião da comunidade. Para um dos membros d’O Teatrão, Cláudia Pato, este Fórum “vem no seguimento de um trabalho” que tem vindo a ser realizado pelo grupo. Em edições anteriores, tentou-se “refletir o projeto d’O Teatrão”. Com o intuito de o “abrir às pessoas”, assevera, assim como “perceber qual o ‘feedback’ que as pessoas podiam dar”, relativamente à relação d’O Teatrão com a OMT e com a cidade, acrescentou a colaboradora. O Fórum Teatrão contou com a cooperação do “PEOPLES’ OBSERVATORY”, o Observatório da Participação, da Inovação e dos Poderes Locais do Centro de Estudos Sociais (CES), que sugeriu os instrumentos e os métodos de realização deste Fórum, de forma a reforçar a participação dos intervenientes. Esta colaboração deu origem a um ‘workshop’ prévio de avaliação interna, do qual surgiram quatro grandes questões que foram posteriormente desenvolvidas no “Fórum”. A saber: “Que papel tem uma companhia de teatro no destino das comunidades?”; “Como imaginar o «Fórum Teatrão» para criar espaços onde a comunidade se sinta à vontade para participar?”; “A partir das áreas de atuação de companhia, que novos projetos de intervenção se podem

cultura por

7 NOV

“porTUgal: EnTrE o doCUmEnTo E a fiCção” cineMa casa das caldeiras 18h30 e 21h30 entrada livre

8

NOV

orQUEsTra Todos Música conservatório de Música 21h30 • 12€ c/descontos

8 e9 NOV

“o profissional” teatro tcsB • 22h00 10€ c/descontos

NOV

samUEl Úria Música arte à Parte 22h00 • 5€

A oMt reuniu cidadãos e diferentes agentes culturais em busca de estratégias de intervenção local imaginar no território?” e “Como acha que pode ser avaliado o resultado do(s) projeto(s) de intervenção que se podem imaginar no seu território?”. O objetivo principal a atingir no final deste fórum passa por criar um plano de trabalhos, a partir das respostas às grandes questões supracitadas.

Cada mesa uma pergunta, múltiplas respostas A diretora artística d’O Teatrão, Isabel Craveiro, depois de fazer um breve resumo sobre as edições anteriores desta iniciativa, explicou como se iria desenrolar o “Fórum Teatrão” ao grupo presente, composto por pessoas das mais diversas áreas (desde mem-

bros do Teatrão, a agentes culturais de diferentes grupos e a instituições da cidade ou até espetadores). Os presentes foram divididos em grupos aleatórios, que circulavam entre as mesas e tinham de responder às questões num intervalo de tempo definido. Este método de partilha de ideias mostrou-se “eficaz”, garante Cláudia Pato. As pessoas sentem-se “mais à vontade para poder colaborar”, refere. A representar a Casa da Esquina, Ricardo Correia salienta a importância destes fóruns, para “criar um sentido de comunidade”. O também encenador refere ainda a criação de “condições de cidadania, permitindo cruzar pessoas”, já que

por vezes isso não é possível, por “falta de tempo, de dinheiro, ou porque estamos fechados no nosso casulo”, esclarece Ricardo Correia. No final, expressou-se a vontade de concretizar as ideias propostas, tendo sido agendada uma nova reunião para definir estratégias. O objetivo? Pegar nesses resultados e “tentar perceber o que pode ser feito”, define Cláudia Pato. E conclui, que a médio prazo, “as coisas tenham algum desenvolvimento prático”. Ficou o convite da organização dirigido aos presentes e a todos aqueles a quem nela quiserem ter voz ativa para continuar a discussão dia 24 de novembro.

9 NOV ThE happy moThErs Música states cluB 23h00 • 3€

9 NOV

opEnshow porTUgal Projecto FotograFia casa das caldeiras 21h00 • entrada livre

10 NOV

Chagas CUrado ViEgas wind Trio fEaT. Carlos “Zíngaro” Música Mscav • 21h30 s/inForMação de Preço

14 a 5

A singularidade dos momentos e criações até 27 de Janeiro estão disponíveis no CaV as exposições “o amor de alcibíades” de Eduardo guerra e “obras seleccionadas” de daniel malhão. a entrada é grátis Daniela Proença A assinalar o regresso de Daniel Malhão a Coimbra, uma década após a sua primeira exposição no Centro de Artes Visuais (CAV), foi planeada uma selecção de trabalhos fotográficos realizados nos últimos dez anos pelo autor e montada uma exposição exclusiva para este espaço: “Obras

9

selecionadas”. Durante os próximos três meses estão patentes no CAV duas novas exibições artísticas, inauguradas a 27 de outubro e disponíveis para serem visitadas nas tardes de terça a domingo. Esta revisitação a trabalhos executados entre 2002 e 2011, que resume a linha seguida pelo artista até aqui e apontando novas direções, versa questões espaciais, como a arquitetura contemporânea. Nas 22 obras escolhidas encontramos maioritariamente paisagens e estruturas arquitectónicas, não excluindo o próprio processo construtivo e de mudança no panorama paisagístico que cria a dicotomia construção/destruição. Segundo Daniel Malhão, o desempenho enquanto fotógrafo exige “auto motivação para satisfazer as encomendas fotográficas”, porém é possível também observar um olhar

mais descontraído em algumas das obras apresentadas. Subindo ao primeiro andar do edifício, encontramos “O amor de Alcibíades”, um conjunto de trabalhos elaborados por Eduardo Guerra. Organizada em três secções complementares, a primeira dá-nos a conhecer quatro fotografias de paisagem registadas em São Tomé e Príncipe. Ao lado, é exibido o filme “O amor de Alcibíades”, filmado por Eduardo Guerra, no Rio de Janeiro. Para o artista, a gravação foi “uma experiência, sem narrativa”. Durante oito minutos, a câmara foca o performer brasileiro Gustavo Ciríaca num monólogo que integra, na verdade, um discurso partilhado. As falas da personagem revelam a desconstrução de um diálogo, pois pode escutar-se a interação com o outro interveniente, mas não se sabe as

respostas, as perguntas e as manifestações da pessoa com quem este fala. No entanto, este discurso é suficiente para entendermos as questões com que o jovem se debate: “deve ou não participar na vida política?”. Para tal, Eduardo Guerra foi buscar inspiração a Platão. Alcibíades, um jovem aristocrata ateniense pronto a entrar na Assembleia, conversa com Sócrates sobre como deve governar. Discussão que não perde a atualidade, denotando a necessidade de emancipação. O terceiro elemento é constituído por pares de objetos, com os quais o artista revela a singularidade das peças: quer nas fotografias com o mesmo enfoque ou em criações manuais, que nunca terão um par igual, pois cada componente conserva as suas particularidades.

NOV

JAN

"o misTério dE BElém"

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teatro oMt • vários horários s/inForMação de Preço

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QUarTETo dE Cordas dE maTosinhos

Música conservatório de Música 21h30 • s/inForMação de Preço

19 NOV

“Uma Vida mElhor” cineMa tagv • 21h30 4€ c/descontos

Por Daniel Alves da Silva


10 | a cabra | 6 de novembro de 2012 | Terça-feira

CULTURA

Dijana, de viajante a mercadoria As divisões da Casa da Esquina servem de cenário a uma peça sobre tráfico sexual. “Senti Um Vazio”, de Lucy Kirkwood, mostra-nos como (sobre)vivem as vítimas

filipa alves - foto gentilmente cedida pela casa da esquina

Ana Namora Andreia Oliveira Dijana é uma rapariga de Leste vítima de tráfico humano. Chega a Portugal com o intuito de ter uma vida melhor e acaba por ser obrigada a entrar no mundo da prostituição para saldar as suas dívidas e poder ser livre. Este é o mote da peça “Senti um Vazio”. Numa sala pequena, de luzes apagadas, vive-se o primeiro ato. Alguns minutos depois, Dijana apresenta-se semi-nua, deitada num colchão, simulando uma relação sexual com um cliente. Apesar do ambiente intimista que o local propicia, essa proximidade potencia um desconforto no público, ao assistir à cena protagonizada pela atriz Cláudia Carvalho, que revela: “é muito constrangedor, quer para mim quer para as pessoas, é uma grande exposição, uma coisa muito crua.” A intenção da atriz que protagoniza a peça é contar a história de uma rapariga, igual a tantas outras, vítimas de tráfico sexual. “Dar a entender ao mundo que este problema existe e que está mais perto de nós do que pensamos”, explica a protagonista. Na preparação de personagens,

A mulher explorada sexualmente é a personagem principal desta peça que retrata a realidade contemporânea as atrizes Cláudia Carvalho e Adiana Silva, realizaram uma vasta pesquisa para “perceber como é que as mulheres se sen-

tem ao estar ali”, como refere Adiana. Para encarnar a personagem principal de um modo realista, Cláudia Carvalho observou

Em Palco • A JIGSAW

R

ecuemos uns anos. Depois de um dia de merda, dirigimo-nos para aquele bar com as paredes manchadas pelo fumo, levados pela vontade de beber algo e de mandar o nosso patrão para o sítio do costume. Ou imaginemonos num ‘road movie’ americano, onde a noite nos conduziu a um bar (sempre a um bar) no meio de nenhures. É aí onde a música mais recente dos A Jigsaw reside, dentro da ‘jukebox’ de um tempo que nunca chegámos a conhecer. O ar encontrava-se limpo, graças à lei 37/2007, mas isso não impede que viajemos mentalmente até ao recanto onde descansam em terra os “Druken Sailors and Happy Pirates”. E em vez da penumbra enfumada, eram luzes coloridas que iluminavam os artistas e a tela branca que se encontrava mais atrás. Susana Ribeiro estava ausente (por motivos de doença), restando em palco o baterista Marco Silva, o compositor e multi-instrumentista Jorri e o vocalista João Rui,

contador de histórias: primeiro “My Name Is Drake”, e depois “I’ve Been Away So Long”. Tema que não ficaria mal na discografia de Tom Waits, em início de carreira e com a voz menos encardida. Uma pausa para as apresentações após “Even You”, onde o cantor desabafa ter esperado ver algum “pirata” na plateia em noite de Halloween. Outro pequeno interregno depois de “Dreams & Feathers” (repescada do anterior álbum “Like the Wolf”), desta vez para trocar a guitarra pelo banjo na música inspirada por Steinbeck, “Red Pony”. Depois do aviso, “são três palmas, não quatro”, retoma-se o fio de canções do último disco, com “Lovely Vassel”. Num álbum concetual “sobre a construção da identidade”, sobressai a figura do Zé do Telhado, ou “Rooftop Joe”, segundo os A Jigsaw. A música prossegue, com “Strangest Friend” e “Crow Covered Tree”. Esta última com uma história curiosa, na génese da sua composição, foi inspi-

o comportamento das prostitutas na Baixa de Coimbra e tentou “perceber mais ou menos como é o corpo delas.”

“Dois iPhones e meio” Esta peça de teatro surgiu através de um convite da associação “Saúde em Português” que tinha em mãos um projeto acerca do tráfico de seres humanos. “O que nós fizemos foi pegar na peça, começar a traduzi-la e contextualizá-la”, afirma o encenador, Ricardo Correia. A mulher, enquanto mercadoria, é uma das principais questões debatidas neste espetáculo, onde a dada altura, a personagem Dijama confidencia: “eu valho mil euros que foi o que o Vlad pagou por mim. Mais ou menos dois iPhones e meio”. Está assim implícita a ideia de que o ser humano é visto como um objeto utilizável para vários fins, “em que as pessoas são usadas e depois de serem usadas, são vendidas para serem usadas novamente”, adita o encenador. Lutar pela sobrevivência faz parte do lema deste texto, onde os sonhos ocupam grande parte do pensamento da personagem. De salientar que o esforço de resistir à crise em que a personagem se encontra é maior do que o sofrimento em que constantemente vive. “Estamos a lutar, estamos como ela [personagem] a sobreviver, a cair e a levantar”, diz Ricardo Correia, que sublinha a sobrevivência como o foco deste projeto. Mais do que uma peça, pode ser considerada uma alegoria à cultura vítima de um Estado a que chegamos, tentando assim alertar para a crise cultural a que o país assiste. “Senti Um Vazio” está em cena na Casa da Esquina até ao dia 11 de novembro, de quarta a domingo, pelas 21h30m.

DAniEL ALVES DA SiLVA

rada pelo levantar de um bando de pombos brancos durante uma viagem pela Circular Externa e que se transformaram em corvos negros, para melhor condizerem com a sonoridade da última longa-duração da banda. Mais uma canção inspirada num escritor, sendo Tolstói o visado em “No more”. Para o final (antes do esperado encore, claro) estaria reservado o tema baseado em Nero, “Last Waltz”, uma espécie de balada a soar a Lambchop. O encore trouxe alguma conversa e “Lost Words”, uma versão de um original dos Tiguana Bibles. Para acabar, desta vez a sério, “uma música animada, que não quero que ninguém vá para casa triste”. Declaração de João Rui polvilhada com ironia, pouco antes da banda interpretar “Devil On My Train”, que numa cadência marcial encerraria o concerto. Aos 12 anos, a sua música torna-se cada vez mais encorpada. A Jigsaw estão a envelhecer, e estão a envelhecer muito bem. Por Daniel Alves da Silva


6 de novembro de 2012 | Terça-feira | a

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DESPORTO Desporto ADAptADo

Integrar e reabilitar através do desporto A Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra (APCC) utiliza o desporto para desenvolver e estimular capacidades de jovens portadores de deficiência de toda a zona Centro. Por Emanuel Pereira

U

foto gentilmente cedida por apcc

tilizar o desporto para a inclusão e reinserção social da pessoa portadora de deficiência, podia ser o ‘slogan’ do Departamento de Desporto da APCC. Uma associação que todos os dias lida e cuida de pessoas que possuem não só paralisia cerebral mas também outro tipo de doenças, desde doenças genéticas a deficiências motoras e défices cognitivos. A responsável pelo desporto da APCC, Anabela Marto, declara: “o objetivo é a inclusão da pessoa com deficiência”. A organização está dividida em vários espaços. No Vale das Flores funciona o Centro de Reabilitação de Paralisia Cerebral de Coimbra (CRPCC), na Quinta da Conraria, em Ceira, funciona uma unidade residencial, e também na Rua Eça de Queirós existe outra unidade encarregue de albergar jovens estudantes. “O Departamento de Desporto engloba adolescentes de todos os espaços”, afirma Anabela Marto. A responsável conta que o trabalho é feito também com o jardim-de-infância e com a Escola do CRPCC, e ainda com jovens “enquadrados na escola lá fora”, explica. Esta prática não se esgota nos mais novos, “há adultos que estão enquadrados noutras atividades e que se deslocam ao Centro para fazer desporto”, destaca Anabela Marto.

Pioneiros do Desporto Adaptado em Portugal A história do desporto adaptado a nível nacional começa em Coimbra: “a APCC, ainda com outro nome, foi quem introduziu o desporto para deficientes em Portugal”, explica a responsável, D.R.

sublinhando o papel preponderante do fundador e diretor José Barros. No início, o boccia e o atletismo eram as modalidades praticadas. O boccia é “a imagem de marca da APCC”, confere Anabela Marto. Contudo, hoje o número de modalidades praticadas é mais extenso. Para os mais novos, existe a expressão físico-motora, para os adolescentes, a atividade motora adaptada, semelhante a educação física, e ainda a natação - desde a iniciação à alta competição -, e o ‘slalom’, uma corrida de obstáculos em cadeira de rodas. De forma mais inovadora, também é praticada a zarabatana, que utiliza o sopro para expulsar setas com intuito de acertar num alvo, e o futebol em cadeira de rodas elétricas. Mais recentemente, a tricicleta (equipamento de mobilidade para utilização ao ar livre) também é uma das práticas da Associação, bem como a promoção de acampamentos e jogos tradicionais.

Um caso de sucesso e afirmação António Oliveira, jogador de boccia, é o atleta mais medalhado da instituição, com várias medalhas e participações em Jogos Paralímpicos. Desde Seul 1988, o atleta só falhou Londres 2012. “Tenho a certeza que é um ídolo para os mais novos”, afirma o treinador, Emílio Conceição. “Considero que foi uma grande injustiça ele não ter sido convocado este ano”, critica o técnico. A confirmar o sucesso do atleta estão os diversos prémios de reconhecimento: “o António conseguiu que diversas entidades se juntassem e alca-

antónio oliveira é o atleta mais medalhado da instituição troassem a estrada da casa dele”, numa aldeia próxima de Penacova, conta Anabela Marto. Os apoios para a Associação são vários: a Câmara Municipal de Coimbra cede gratuitamente a piscina municipal para os treinos e a Académica/OAF cede o Pavilhão Jorge Anjinho uma vez por semana. “Nós achamos que é sempre pouco porque as necessidades são muitas, mas sem esses dois apoios seria muito difícil”, desabafa Ana-

bela Marto.

“Temos muitos voluntários do meio universitário” Se a competir pela associação não existem estudantes, a ajudar noutros âmbitos são alguns que vão aparecendo. “A nossa ligação com o meio universitário é grande”, afirma a coordenadora do gabinete de voluntariado da APCC, Carina Leal, ao dar enfoque aos estágios,

às visitas à instituição e até ao voluntariado. “A verdade é que temos muitos voluntários do meio universitário”, destaca a coordenadora. Para concluir a essência do déspota adaptado, Anabela Marto explica: “neste momento, não há modalidade nenhuma que não seja praticada por pessoas com deficiência. O desporto adaptado é que tem algumas modalidades que os outros não fazem”.

Medalhas promovem o futevólei em Coimbra Em fevereiro, a AAC obteve medalhas num torneio universitário de futevólei. Uma rampa de lançamento para a prática da modalidade na cidade de Coimbra Fábio Aguiar Inês Rama Não sendo uma modalidade no auge da esfera desportiva atual do nosso país, o futevólei é uma articulação do voleibol com o futebol, nascido no Brasil e que se encontra numa fase de ascensão na Europa. Na tentativa de dinamizar a modalidade, a Federação Portuguesa de

Futevólei organizou, no passado mês de fevereiro, um torneio nacional universitário que contou com a colaboração da Federação Académica de Desporto Universitário. Nesta competição, que teve lugar no Parque das Nações, em Lisboa, a Associação Académica de Coimbra (AAC) marcou presença ao colocar em prova seis atletas – duas duplas masculinas e uma dupla feminina. O resultado veio a revelar-se bastante positivo com a conquista de um terceiro lugar, de entre nove equipas masculinas, e um segundo lugar da equipa feminina. O coordenador-geral do Desporto Universitário da AAC, Hugo Rodrigues, revela que, não havendo atletas que se dediquem exclusivamente à modalidade, o processo de seleção passou por observar os jogadores de futebol e futsal e escolher os melho-

res. Consciente de que Coimbra é hoje um dos maiores destinos de estudantes estrangeiros, o dirigente afirma ainda que” são os alunos brasileiros que mais participam”. Apesar do caracter competitivo do evento e da pouca experiência neste tipo de provas, João Pereira, um dos participantes, assegura que “não houve nenhum tipo de preparação especial para o campeonato” e que, mesmo assim, as expetativas foram superadas. “A nossa intenção era participar, de aperfeiçoar o desporto e a forma de jogar. Acabámos por nos motivar e saímos medalhados, no 3º lugar”, afirma o atleta, acrescentando que, apesar disso, “o saldo foi muito positivo”. Também Ana Carolina Santos, uma das jogadoras que alcançou a prata neste torneio, espera voltar a vivenciar uma experiência deste tipo,

lamentando contudo a pouca adesão que a modalidade tem no nosso país. “É uma pena porque temos muita qualidade”, concluiu. Em relação a este panorama atual, também João Pereira aponta várias carências e dificuldades que existem na prática do futevólei na cidade de Coimbra. “É um desporto que é fácil de praticar no verão, basta gostar de ir à praia e ter uma rede de vólei. Pelo contrário, no inverno, não é tão fácil nem barato. Neste momento não temos nenhum sítio em Coimbra onde o possamos fazer” referiu o atleta, alertando ainda para a necessidade de investimentos para promover a modalidade. “Talvez se devesse investir num pavilhão ou construir algo tapado onde pudéssemos jogar e se calhar fazia com que eu também jogasse futevólei mais regularmente”.


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fEsTiVAl CAminhOs DO CinEmA POR

Da

´ pelicula

´ ao video, o Caminhos percorreu ´ ver para crer uma longa viagem. e ^ De 9 a 17 de novembro, o Caminhos do Cinema PortuguEs volta A sala do Teatro Academico de Gil Vicente. A historia deste evento, ´ ´ ´ incontornavel no panorama do cinema nacional, nem sempre foi linear. O que comecou por ser uma mostra de cinema para ´ estrangeiros acabou´por se tornar no Unico festival de cinema ^ ´ Por Ana Duarte e Daniela Proenca portugues do pais.

´

ra uma vez um curso de Língua Portuguesa para estrangeiros na Faculdade de Letras da Universidade de C o i m b r a (FLUC), que tinha sessões de cinema como apoio ao curso”, começa por narrar o diretor do Festival Caminhos do Cinema Português, Vítor Ferreira. Em 1988, o Caminhos era assim – uma mostra de cinema sem grandes profissionalismos, com apenas o objetivo de complementar as sessões teóricas do Curso de Verão da FLUC. De mostra, o Caminhos passou para festival. Um festival reconhecido, onde já rodaram inúmeros filmes, desde os realizadores

“E

consagrados aos jovens cineastas em início de carreira. Realizadores como João Botelho, para quem o Caminhos é “um festival sério”, pois permite “uma maneira diferente de ver cinema, sem as pipocas e as coca-colas. É uma maneira de ver cinema como deve ser visto”. Mas este festival não teve um percurso linear. Depois de 1988 – ano em que se exibiram obras de realizadores como Paulo Rocha, João César Monteiro ou Manoel de Oliveira -, a então Mostra “Caminhos do Cinema Português” realizou-se nos dois anos seguintes. “Era tipo um ciclo. Não tinha júri e, na altura, pegavam num tema”, explica Vítor Ferreira. Nesses dois anos, as temáticas prenderamse com “O Documento”, “O Texto” e “O Imaginário”. Fernando Lopes, Manoel de Oliveira, João Botelho e Paulo Rocha foram alguns dos cineastas que rodaram.

O projeto estagnou e, sete anos passados, a mostra evolui para festival. Em 1997, Nelson Zagalo, juntamente com mais alguns membros da direção do Centro de Estudos Cinematográficos (CEC), lança-se na aventura. “Foi muito complicado e muito duro, porque tinham passado já alguns anos desde a última edição”,

relata. Isto significou “fazer tudo do zero, como se a mostra nunca tivesse existido”. Desde o retomar de contactos com instituições como o Instituto do Cinema e do Audiovisual e o Teatro Académico de Gil Vicente ao garantir do financiamento, Zagalo conta que “foi um ano completo a trabalhar em ‘full-time’, deixando os ~

joAo Botelho Realizador

“uma maneira diferente de ver cinema, sem as pipocas e as coca-colas. como deve ser visto”


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ORTUGUEs 2012 D.r.

cursos de lado, deixando tudo de lado para que o evento se tornasse real”. O processo de reativação do Caminhos significou transformações enormes. “A primeira, e mais evidente, foi a transformação de um evento, que

mação. Esse estatuto passa, em boa parte, pelo tipo de programação que é feito. Mas esta depende daquilo que é produzido durante um ano, em Portugal. Margarida Mateus, programadora do

´ ferreira vitor diretor do festival

“nota-se cada vez mais que o festival consegue trazer todo o cinema ^ portugues” era uma mostra, num festival, que implicou várias dimensões além do mero ciclo de filmes”, expõe Nelson Zagalo. Mesas redondas, ‘workshops’, prémios, convidados, filmes de abertura e encerramento – estas foram as metamorfoses. “Além disso, criámos o primeiro prémio dedicado a uma figura de relevo nacional, o ‘Ardenter Imagine’”, revela Zagalo. Mas havia a necessidade de premiar mais o cinema português, até porque não existia outro evento em Portugal que premiasse a criação nacional, e para tal formaram-se júris, sistema que veio para ficar.

A consagração do festival Da reativação do Caminhos surgiu o estatuto que o festival tem hoje. Alexandre Cebrian Valente, produtor cinematográfico e realizador, acompanha o evento desde há algum tempo. “Costumo ter a honra deste festival selecionar alguns dos meus projetos”, afirma com satisfação, adiantando que este ano, foi convidado pela organização para dar for-

festival, adianta que as coisas já não são “como no início”: “não andamos à procura, porque, felizmente, já ganhámos esse estatuto. Agora, aguardamos que os realizadores, produtores e distribuidores enviem as propostas deles”. Este ano, receberam cerca de 200 propostas. Mas apenas 67 obras foram escolhidas desse universo, entre longas e curtasmetragens, animações e documentários. “Se gostaríamos de ter mais? Claro que sim, porque gostaríamos de ter mais tempo, dada a qualidade, neste momento, do cinema nacional”, lamenta Margarida. No entanto, a programadora caracteriza esta seleção como “representativa de todos os estilos de cinema português”.

Programação e produção Mas o Caminhos não se trata apenas da apresentação de obras de autores consagrados. Há outra componente neste festival que o torna único no país: o destaque para os realizadores em início de carreira, na categoria “Ensaios Visuais”. Aqui, vários são os

ainda estudantes de Cinema/Artes visuais que apresentam os seus projetos para “um júri competente, que depois atribuirá o galardão de melhor ensaio visual”, explica Margarida. Os “Ensaios Visuais” é uma das secções mais importantes do Caminhos, ao mesmo tempo que “é muito acarinhada dentro da organização”, visto ser “a secção onde os futuros, e esperemos que sejam futuros realizadores do nosso país, têm visibilidade e têm a primeira oportunidade de mostrar a sua obra para um público”, ressalva a programadora. No que toca à produção do Caminhos, esta prende-se bastante com a divulgação. O produtor, Tiago Santos, explica que “é preciso fazer com que a divulgação dê destaque àquilo que temos, aos nossos pontos fortes”. Contudo, há também a necessidade de que o Caminhos se perpetue ao longo dos tempos: “é necessário que a produção articule não só a divulgação, mas também a calendarização das atividades paralelas, de forma a que consigamos que a nossa comunicação esteja sempre ativa e que se fale dos Caminhos ao longo do tempo”. E porque o festival não se pode esgotar

vidade tem, também, por objetivo, angariar novos colaboradores – “o festival ganha muito em fazer ações de formação mesmo para consumo interno”.

O júri O júri oficial do Caminhos é sempre eclético. Este ano, é composto por nomes como Inês de Medeiros, Isabel Medina, Custódia Gallego e até o modelo Ricardo Guedes, entre outros. Sobre o convite, a atriz Custódia Gallego expressa: “fiquei orgulhosa por acharem que eu posso ser idónea para criticar o trabalho de pessoas que se estão a iniciar, o que é uma grande responsabilidade”. Ainda sobre o painel de jurados deste ano, a atriz ressalva que “se as pessoas que estão a avaliar os trabalhos forem de áreas diferentes, que têm a ver com as várias valências da sociedade em que vivemos, isso é positivo e enriquecedor”. Para Fernando Mateus, apreciador de cinema e membro integrante do júri Federação Internacional de Cineclubes nesta edição, a parte difícil num jurado é “estabelecer uma classificação. Quem é cinéfilo e gosta

bidos terem público,

O contributo cultural do Caminhos “À cultura portuguesa, o festival dálhe a achega de lhes mostrar os filmes todos que se prestam porque, por vezes, há recusas por parte dos realizadores”, atesta Fernando Mateus. O facto de um festival desta dimensão se realizar em Coimbra, e não numa metrópole como Lisboa ou Porto, não representa um risco em termos de falta de público. “Há aquele público fiel desde a primeira hora, entusiastas do cinema e apreciadores da cultura de Coimbra que participam. Mas nota-se cada vez mais que o festival vai buscar outros públicos e consegue também trazer todo o cinema português”, explana Vítor Ferreira. Para Nelson Zagalo, uma coisa é certa: “[o Festival Caminhos] deve ser preservado, apoiado e acarinhado por todos. É um dos poucos momentos em que o amor à cultura cinematográfica nacional se abre sem rodeios e sem complexos”. Nesta linha de pensamento está também Cebrian Valente, que sem pudor, afirma que “o facto deste festival se

´ custodia gallego Atriz

“fiquei orgulhosa por acharem ´ que eu posso ser idOnea para criticar o trabalho de pessoas ~ que se estAo a iniciar” durante os nove dias de exibição, há ainda o curso “Cinemalogia”, onde as formações são diversas, desde o argumento, passando pela realização, imagem e promoção e comercialização. Tiago Santos afirma que esta ati-

realmente de cinema, tem uma grande dificuldade em apreciar filmes como um produto”. Sobre o festival em si, considera que é uma oportunidade de muitos filmes que não teriam outro meio de serem exi-

impor em Coimbra é, por si só, uma tentativa corajosa dos seus empreendedores, que lutam com dificuldades imensas e uma falta inqualificável de apoio em termos de estado central... abismal!”.


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CIDADE Rede de Cidades CenCyl

A ambição de um modelo territorial, numa ótica de cooperação alargada Com laços fortemente vincados e um historial de cooperação de muitos anos, a região do Centro de Portugal e de Castela e Leão aproximam-se a passos largos da criação de uma autêntica rede de cidades. Para Coimbra, importante polo universitário e empresarial, a ligação pode ser uma mais-valia. Por João Valadão D.R.

A parceria envolve cinco cidades portuguesas (Coimbra, Figueira da Foz, Aveiro, Viseu e Guarda) e três espanholas (Ciudad Rodrigo, Salamanca e Valladolid)

A

relação entre as duas regiões remonta ao início dos anos 90, altura em que se formalizou o início das relações institucionais, através da assinatura de uma declaração conjunta. Dessa parceria, chamada de Comunidade de Trabalho Transfronteiriça, nasceu “um fórum de colaboração chamado «CenCyL: Comunidade de Trabalho Região Centro – Castilla y León», ao qual está consubstanciado com o projeto MIT – Mobilidade de Inovação e Território”, esclarece um dos responsáveis envolvidos no projeto, Jorge Brandão. A rede de cidades inscritas neste projeto conta com a presença de cinco cidades portuguesas (Coimbra, Aveiro, Figueira da Foz, Viseu e Guarda) e três cidades espanholas (Ciudad Rodrigo, Salamanca e Valladolid). Os primeiros laços, a nível regional, nasceram com a rede de transportes rodoviários e ferroviários internacionais que atravessam as duas regiões em direção à Europa – nomeadamente com a criação do IP5, que liga Aveiro até à fronteira. Jorge Brandão relembra que, no passado, estas cidades “colaboraram numa lógica de ‘lobby’ quando o IP5 foi criado e pensou-se que po-

deriam colaborar também em conjunto”. O estabelecimento de uma rede de infraestruturas levou “à reflexão sobre um agregado de iniciativas de como valorizar esses recursos”, acrescenta ainda. Dessa reflexão nasceram objetivos específicos para a rede CenCyL, que passam por promover a troca de experiências em estratégias de desenvolvimento, domínios de mobilidade e regeneração urbanas,

“O objetivo é este: um território, uma identidade e um projeto de desenvolvimento” integração social, promoção turística, desenvolvido territorial, entre outros. Uma colaboração alicerçada num modelo territorial, que associe as infraestruturas com a partilha de recursos e serviços. O projeto, que ainda está em desenvolvimento, teve a sua apresentação em novembro de 2011, na cidade da Guarda. O evento contou, para além da presença dos responsáveis, com a presença dos presi-

dentes de câmara das cidades envolvidas. O presidente da Câmara Municipal de Coimbra, João Paulo Barbosa de Melo, realçava que “este jogo de cidades em rede pode ser um jogo de soma positiva”. No entanto, em declarações à regional Rádio Altitude, o autarca lamenta a atitude pouco amigável dos municípios, ao referir que “estão todos contra todos, por muitos que sejam os convénios assinados”. Por seu lado, o presidente da Câmara Municipal da Guarda, Joaquim Valente, em declarações à LocalVisão TV, afirma que “o objetivo é um território, uma identidade e um projeto de desenvolvimento”. A atenção dada ao atual clima de instabilidade que se vive também foi realçada, o diretor-geral de Urbanismo de Salamanca da Junta de Castilla y León, Angel Peral, alertou que “em tempo de dificuldade económica é mais importante a cooperação e o intercâmbio de experiências”. Na ótica de cooperação, Coimbra apresenta-se como uma cidade de grande potencial, tanto no plano educativo como no empresarial, já que o projeto envolve parcerias entre universidades e em áreas de inovação e tecnologia. Jorge Bran-

dão ressalva: “Coimbra já tem alguma história de colaboração com Salamanca”, estas cidades “têm interesses em comum” e “já cooperavam bilateralmente”. Na área dos centros de inovação o responsável destaca a importância do Instituto Pedro Nunes, associação conimbricense sem fins lucrativos, que tem promovido a inovação na área científica e tecnológica e ainda dos centros tecnológicos, como o Centro

“A rede de cidades é ainda muito o desejo, ela formalmente ainda não existe” Tecnológico da Cerâmica e do Vidro, também sediado em Coimbra.

Finalização do projeto O projeto, que tem várias iniciativas localizadas em cada uma das cidades, contou já com a realização de duas reuniões do Comité de Seguimento na cidade do conhecimento. As sessões servem para debater temas comuns às cidades envolvi-

das e a promoção do pensamento num plano estratégico a longo prazo. “Esse plano estratégico serve também para refletir um modelo organizativo para uma lógica de cooperação mais permanente dessas cidades”, comenta Jorge Brandão. Ao Centro de Estudos e Desenvolvimento Regional e Urbano foi adjudicado o serviço para a elaboração do plano estratégico entre as diversas autarquias, cujos resultados são apresentados nas reuniões do Comité de Seguimento. Para já não existem resultados concretos em nenhuma das cidades envolvidas na rede CenCyl, pelo que só após o término do projeto se procederá à aplicação das suas conclusões. “A rede de cidades é ainda muito o desejo, existem expectativas de cooperação, de aprofundamento da relação entre essas cidades. Mas de facto ela formalmente ainda não existe”. Equacionar uma forma de cooperação que permita pensar num futuro a longo prazo, fundamentada numa estratégia bem pensada, é um aspeto base do projeto da rede de cidades CenCyl, para que “este passe a ser um interlocutor entre a região Centro e a região de Castela e Leão”, conclui Jorge Brandão.


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CIênCIA & TECnoLogIA

UC Digitalis: literatura e ciência digitais para toda a Universidade Mais do que uma biblioteca digital, o novo projeto da Universidade de Coimbra é uma forma de expressão da ciência e literatura feitas em português Miguel Patrão Silva O mais recente projeto tecnológico da Universidade de Coimbra (UC) foi lançado neste passado mês de outubro e tem o nome de UC Digitalis. Esta é uma plataforma pioneira de divulgação de livros e artigos científicos com forte ligação à lusofonia e que está acessível, neste momento, para todo o pessoal docente e não docente da UC. Nesta primeira fase, a UC Digi-

talis conta com cerca de 1001 livros e 500 revistas, números que aumentam todos os dias. Este acervo está disponível no seu formato completo e quem aceder consegue facilmente descarregar obras e artigos de cariz científico, no seu formato digital. O grande objetivo da plataforma é “agregar conteúdos ligados à publicação de livros e artigos e aumentar a visibilidade dos autores da instituição“, afirma o diretor da Imprensa da UC (IUC), Delfim Leão. A nova interface lançada pela UC está dividida em duas “pontas de lança”, como classifica Delfim Leão: a UC Pombalina e a UC Impactvm. A primeira, batizada em honra do criador da IUC (há cerca de 240 anos), “especializa-se em livros marcadamente académicos, científicos ou ligados à transferência do saber”, explica o diretor da IUC. A segunda, Impactvm, “é dedicada a revistas e artigos, num

processo de requalificação científica e terá um acesso completamente livre”, continua Delfim Leão. Ambas as ferramentas estão em constante atualização e constituem, para o docente da Faculdade de Letras da UC (FLUC), Manuel Portela, “uma riqueza enorme que fica disponível para consulta aberta”. Este projeto é considerado como pioneiro devido à sua forte ligação com a língua portuguesa e “é esse o aspeto que o distingue”, destaca Delfim Leão. Nesse parâmetro, a UC Digitalis pretende “crescer para todo o espaço lusófono” e assim “projetar a ciência que fazemos em português”, conclui o mesmo.

Divulgação vs. Pirataria Segundo Manuel Portela, a pirataria é um problema “que se coloca em geral quando há distribuição digital”. Portanto, o que impede um estudante ou do-

cente da UC, de descarregar um livro e distribui-lo na internet ilegalmente? Na verdade, nada. Delfim Leão explica que “não é prevista uma forma de proteção a um possível desvirtuamento dos ‘eBooks’”. No entanto, o que a UC Digitalis promove é a divulgação. “As obras disponibilizadas, ou estão fora de ‘copyright’, ou têm licença dos seus autores”, comenta o professor Manuel Portela. Deste modo, a divulgação é potenciada dentro de enquadramentos legais e é possível “dissuadir a pirataria”, ressalva o diretor da IUC.

O fim do livro em papel Desde o início da era digital que prevalece a ideia de que o formato digital irá substituir o impresso nas obras descontinuadas, como os dicionários e artigos científicos, reservando o tradicional formato de papel para os livros de leitura continuada. Contudo, esta

ideia pode ter os dias contados. As inovações tecnológicas têm feito com que a “dificuldade que existia em ler continuamente num ecrã possa desaparecer”, enfatiza o professor da FLUC, o que nos leva a refletir sobre um possível desaparecimento do formato tradicional. Para o editor da Lápis de Memórias, Adelino Castro, a digitalização do livro é “um processo inevitável, mas que pensava mais demorado”. A sua editora ainda não possui o suporte digital pois, segundo o mesmo, “estas editoras tradicionais nasceram e estão vocacionadas para o suporte tradicional e públicos mais reduzidos”. Embora a ideia que reine hoje em dia é de que estes dois formatos se complementam e potenciam, “a pressão dos acontecimentos irá obrigar-nos a fazer esta reflexão mais cedo do que se desejaria”, conclui Adelino Castro. StephAnie SAyuRi pAixão

A nova interface da UC está dividida em duas vertentes: a UC Pombalina e a UC Impactvm

Turbo-rotunda surge em Coimbra A construção de um novo conceito de rotunda vai permitir que a cidade se constitua como seio de uma solução inovadora e eficiente a nível nacional Paulo Sérgio Santos Joel Saraiva Até final deste ano está previsto o surgimento de uma solução inovadora em termos rodoviários, uma turbo-rotunda. Com a localização pensada para a rotunda do Bolão, que coincide com o final da Estrada

Nacional 111 (EN-111), proveniente da Figueira da Foz, a obra é resultado de uma parceria entre a Câmara Municipal de Coimbra (CMC) e o Departamento de Engenharia Civil (DEC) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC). O conceito de turbo-rotunda surgiu em 1996 na Holanda, por intermédio do engenheiro Lambertus Fortuijn. A docente do DEC e uma das coordenadoras do projeto, Ana Bastos, frisa que na Holanda existem “atualmente mais de 180, localizadas particularmente em meio rural e na marcação da transição de ambientes rodoviários”. A nível europeu, já existem vários países onde são utili-

zadas turbo-rotundas, com Polónia, Alemanha e Eslovénia a serem os mais avançados. “Uma turbo-rotunda é uma tipologia derivada da rotunda normal e que se apresenta como uma alternativa direta a rotundas com duas a três vias de circulação”, explica Ana Bastos. A seleção do local em Coimbra permite acentuar a transição entre o meio rural e um ambiente urbano e, nas palavras da docente, procurou-se ainda “conjugar à adequação técnico-científica do projeto, a oportunidade para se resolver um problema atual de congestionamento de tráfego” na cidade. A construção da turbo-rotunda terá dois momentos. O vereador

para as Obras e Infra-estruturas Municipais da CMC, Paulo Leitão, esclarece que “numa primeira fase a rotunda vai ser ligeiramente ampliada para ter duas vias, para depois possibilitar a sua segregação com lancis [separadores]”. No fundo, o objetivo desta construção visa a canalização dos condutores para as vias mais adequadas ao destino pretendido, através da utilização de separações físicas e sinalização. Apesar de um dos objetivos da construção deste tipo de rotunda ser o aumento da fluidez do trânsito, são as questões de segurança que prevalecem. A inexistência de um enquadramento legal nacional, que defina a forma como um condutor deve

aceder e circular em rotundas, faz com que as que têm mais de uma faixa, ou com um número de faixas de acesso superior ao de circulação, sejam candidatas a turbo-rotundas. Ana Bastos clarifica: “a adoção de um número de vias de circulação superior ao número de vias disponibilizadas na entrada tende a traduzir-se num aumento da sinistralidade e dos custos de construção”. Em relação ao financiamento da obra, este é constituído por “fundos totalmente camarários”, conforme refere Paulo Leitão, dado que o empreendimento não implica montantes significativos nas duas fases de construção.


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PAÍS Stephanie Sayuri paixão

Crise nos meios de ComuniCação

Cortes nos média: os riscos na democracia

Os cortes orçamentais estão na base de vários despedimentos no setor da comunicação. A diminuição da capacidade de produtiva das redações implica perigos para democracia. Por Ana Namora e Andreia Oliveira

“O

futuro é negro”, afirma o jornalista dos quadros do Público, António Cerejo. Recentemente, o jornal Público efetuou 48 despedimentos, “entre os quais 36 eram jornalistas”, como explica o jornalista. Com o corte de trabalhadores, as redações veem-se incapacitadas de produzir conteúdos noticiosos de qualidade. “É difícil com menos 36 jornalistas fazer o que já era difícil fazer com cerca de 140/150 jornalistas que a empresa tem no total”, volta a referir António Cerejo. No serviço público, a situação não diverge muito do privado. Sofia Branco, jornalista da Agência Lusa, receia que os cortes provocados pelo Orçamento do Estado (OE) para 2013 sejam “demasiado grandes para garantir que o serviço publico continue a ser prestado como até aqui” e que “a Lusa, muito provavelmente, não continuará a ter gente em todos os sítios onde tem hoje”. Relativamente ao caso da RTP, a oferta que é feita pode estar em risco. O representante da Comissão de Trabalhadores da RTP, Camilo de Azevedo, revela que “há cortes orçamentais que vão ter um reflexo muito grande nas grelhas dos canais todos da RTP” e existe uma preocupação geral “no sentido de servir as pessoas em termos de grelhas”. “Considero ilegítimos todos os cortes que se baseiam apenas na necessidade de reduzir financiamentos”, declara a jornalista, Diana Andringa, a propósito dos possíveis cortes orçamentais da RTP e da indeminização compensatória da agência Lusa. Salienta ainda que estas medidas deveriam ter uma “análise concreta das situações e objetivos estratégicos definidos”

As redações estão a ficar vazias O contexto de crise dos média em Portugal tem gerado inúmeros protestos por parte dos trabalhadores, em forma de luta social. A

jornalista da Lusa clarifica que, no setor público, os trabalhadores estão unidos por um objetivo comum: “não permitir que haja um corte no orçamento na ordem prevista no OE”. Em contraste, no setor privado, a greve no Público centrou-se na questão do despedimento coletivo. “Não o fizemos de ânimo leve, fizemo-lo também depois de termos, enquanto trabalhadores, contribuído num conjunto de decisões para reduzir em muito os prejuízos da empresa”, refere António Cerejo. Quanto à paralisação de quatro dias na agência noticiosa estatal, Sofia Branco explica que “é um protesto específico” mas que se insere num “contexto nacional de crescente tensão social, de crescentes medidas de austeridade que prejudicam muito os direitos dos trabalhadores”, adita. “A mudança de paradigma e as alterações estruturais no sector não são exclusivas de Portugal”, como salienta Alfredo Maia, “mas muitas também aproveitam o pretexto da crise para fazer limpezas nas empresas” reduzindo o número de efetivos, acrescenta o também presidente do Sindicato de Jornalistas. Ou como destaca Jorge Wemans, ex-diretor da RTP2: “isto é um processo que em

“Isto é um processo que em Portugal é mais agravado do que em outros países” Portugal é mais agravado do que em outros países”. Os jornalistas de hoje encontram-se perante uma grande pressão em que a garantia de um lugar na redação pode ser posta em causa. Camilo de Azevedo evidencia que “a precariedade nas redações é terrível para as pessoas, para os jovens nessa situação”, que são em grande número. “O que se

os meios comunicação em portugal atravessam uma crise nunca antes vivenciada está a assistir é a um esvaziamento das redações”, sentencia o membro da comissão de trabalhadores da RTP. Tudo isto são fatores que contribuem para que, por vezes, exista um mau serviço de comunicação social em Portugal. Jorge Wemans assevera que a crise atual do jornalismo “tem muito a ver com o facto de os cidadãos acharem que, por estarem ligados a blogues e terem a informação na internet”, julgarem que estão devidamente informados: “estão é intoxicados de informação”, acrescenta.

turbar e lançar uma crise terrível nos meios de comunicação tradicionais”, esclarece António Cerejo. Existe uma perda do poder de compra por parte dos leitores portugueses, o que forçosamente se

“A postura do governo tem sido cega”

vai traduzir num “recuo na própria distribuição, ou seja, na colocação de publicações periódicas junto dos potenciais leitores”, adianta o dirigente do Sindicato dos Jornalistas. “Estamos a privar o acesso à informação aos cidadãos, o que consiste num direito fundamental”, conclui. As críticas ao atual ministro titular da pasta da Comunicação So-

A imprensa dita tradicional tem sofrido um recuo e um aumento da mesma nos meios de comunicação digitais. Isto deve-se ao facto de “qualquer cidadão ter como recolher e divulgar informações. Mas isto não é jornalismo”, atesta Alfredo Maia. “Este fenómeno dos novos media eletrónicos veio per-

“Qualquer cidadão tem como recolher e divulgar informações. Mas isto não é jornalismo”

cial, Miguel Relvas, são notórias e unânimes por parte de vários jornalistas. A jornalista Diana Andringa diz que a “falta de noção do Estado, de sensibilidade democrática, de espírito de cidadania e de respeito pelos cidadãos, demonstra desprezo pelas consequências humanas da sua política.” Alfredo Maia chega a referir que o ministro “segue uma política completamente errada” e que “será responsável pela destruição dos serviços públicos de rádio e televisão e agência noticiosa” se não recuar “no seu propósito de fazer estes cortes”. O futuro da comunicação é posto em causa, e se “as empresas cometerem os erros de fazerem cortes cegos e diminuírem a capacidade de produção, o futuro será negro”, refere ainda Alfredo Maia. A situação global dos jornalistas e da comunicação em Portugal “é um campo em grande mudança e que vai mudar ainda mais”, reitera a jornalista da Lusa.


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muNdO

Crise fomenta separatismo em Espanha fotomontaGem por daniel alveS da Silva

Galiza, país Basco e Catalunha são comunidades autónomas em que crescem os movimentos independentistas.

Os movimentos independentistas estão mais fortes com a crise espanhola. 1,5 milhões de catalães pró-independentistas enquanto o governo apela a união Luís Azevedo António Cardoso Pedro Martins “Se cada reivindicação da Catalunha for acompanhada de 16 reivindicações iguais, assistiremos ao fim de Espanha, pois o país não é a soma de 17 nações.”, afirma o professor de Ciência Política da Universidade Pompeu Fabra (Barcelona), Vicenç Navarro, ao Courrier Internacional. Espanha é um Estado formado por autonomias que assenta em 17 comunidades previstas na Constituição de 1978, sendo cada uma delas dotada

de parlamento e governo próprio, embora o nível de autonomia das diferentes regiões não seja uniforme. Os autores da constituição de 1978 pretendiam articular a soberania das diferentes nações que constituem o estado espanhol, moderando os sentimentos nacionalistas na Galiza, Catalunha e País Basco, onde estavam mais arreigados. 1,5 milhões de catalães, de acordo com a Guarda Urbana de Barcelona, percorreram as ruas da cidade manifestando-se pela independência da região. Embora o movimento da Catalunha exista há quase dois séculos, a sua presença tornou-se mais notória após a manifestação do dia 11 de setembro. Relativamente ao impacto deste protesto, o presidente do governo autónomo da Catalunha, Artur Mas, citado no New York Times, assegura que “a Catalunha nunca esteve tão perto da plenitude nacional”. A intensificação da crise económica espanhola e a manifestação do dia 11 de setembro em Barcelona

imprimiram um maior sentimento independentista, não só na região da Catalunha, mas igualmente no País Basco e na Galiza. O peso da crise económica ”é evidente mas o objetivo continua a ser a soberania cultural e soberania política”, reitera o líder do partido nacionalista galego ANOVA, Xosé Manuel Beiras.

Agitação social gera independentismos “Os desejos de independência são exacerbados numa situação de convulsão social”, assevera o dirigente, refletindo-se nos resultados das eleições regionais de 21 de outubro, no País Basco e na Galiza. Os partidos independentistas viram assim aumentado o seu número de votos, enquanto que, “em números absolutos, o Partido Popular (PP) e o Partido Socialista (PSOE) têm tido uma descida brutal”, atesta investigadora de origem espanhola do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES), Silvia Maeso. No entanto, e apesar disso, nas eleições galegas, o PP conse-

guiu a maioria em termos percentuais. O ímpeto independentista está cada vez mais vincado e “os contornos políticos nos quais se tem construído a ideia de um povo com qualidade para se construir como nação, não tem grande diferença entre as regiões independentistas”, afirma a investigadora CES. Com efeito, o recente reafirmar das ações nacionalistas independentistas encontra bases de sustentação simétricas no seu caráter “soberanista, no sentido que proclama que o povo, a nação, deve ter soberania nacional”, assevera o líder do ANOVA. A estas várias formas de idealizar as concepções nacionalistas das autonomias reivindicadoras de soberania, acrescem-se-lhes também as questões económicas. A inviabilidade económica de territórios mais pequenos é falaciosa para o economista Manuel Beiras, que assegura que “a ideia de que os países pequenos não conseguem manter-se está errada”, e ainda acrescenta o “controlo dos próprios recursos” e

a utilização das “vantagens comparativas” como mais-valias para economias de dimensão mais reduzida. Neste período de contraponto entre separatismo e centralismo em Espanha, Mariano Rajoy afirmou, citado pela agência espanhola EFE, que no contexto atual não aceitaria “de maneira nenhuma” o separatismo espanhol. Com igual sentido o Rei Juan Carlos publicou no ‘site’ da Casa Real que Espanha tem que “superar as dificuldades atuais, agindo juntos e caminhando juntos”. Com a conflitualidade inerente ao separatismo, e intensificada pelo atual momento de crise económica, o futuro de Espanha, das suas autonomias e dos seus respetivos estatutos junto da União Europeia (UE) é incerto. “O impasse político” é a expressão usada por Silvia Maeso para fazer o retrato da relação entre o separatismo espanhol e a UE, pois sem o consenso do governo Espanhol acerca da independência, a “UE nunca irá apoiar o separatismo pois nunca se irá distanciar da posição do estado espanhol”.

Cidade grega cria moeda alternativa para fugir à crise Os habitantes de Volos criaram um sistema de troca através da Internet. A ideia, com um milhar de aderentes, surge como uma ferramenta útil à sobrevivência João Valadão Envolvidos numa imensa crise financeira, os gregos vêm-se atados por políticas de austeridade que lhes

sugam o dinheiro através uma sucessiva aplicação de impostos. A sobrevivência começa a ser uma preocupação emergente na vida de muitos cidadãos do país. Na cidade de Volos, a cerca de 100 quilómetros de Atenas, um grupo de cidadãos criou uma moeda alternativa, o TEM, que equivale a aproximadamente um euro. O professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC), Elias Soukiazis, esclarece que esta iniciativa “tem o apoio da câmara e funciona através da internet”. Assim, o objetivo principal é “trocar produto por produto, serviços

por produtos ou serviços por serviços”, esclarece o docente. O sistema funciona através de uma base de dados na internet e, apesar de ter começado com um pequeno grupo de pessoas, conta já com cerca de mil participantes. O professor da FEUC acrescenta: “através da internet são organizados mercados de rua e a troca é feita através do TEM”. A cada cidadão é dada uma base de crédito, que pode atingir os 300 créditos. Elias Soukiazis relembra que antigamente as trocas eram feitas assim e que as pessoas “querem mostrar que podem sobreviver sem o Euro, atra-

vés desse sistema”. O co-fundador do TEM, Yiannis Grigoriou, em recentes declarações à RTP refere: “para haver uma verdadeira democracia, devemos ter a possibilidade de vivermos com dignidade”. O professor da FEUC ressalva “quem é pobre não é quem não tem dinheiro. É quem não tem nada para oferecer”. Assim, segundo Elias Soukiazis, uma vantagem que este tipo de troca tem é que “os cidadãos não pagam impostos e o Estado não recebe nada”. Para o professor, o projeto passa também por um processo de consciencialização: “as pessoas

têm de pensar que é preciso trabalhar, que têm de oferecer e é necessário ter dinheiro para sobreviver”. A surpresa em Volos deveu-se, sobretudo, pelo facto de esta ser uma iniciativa da própria câmara, que disponibiliza meios e espaços para a realização de mercados. Elias Soukiazis relembra que este sistema de troca funciona de forma complementar: “eles usam os euros”. Contudo, salienta que a ideia “está a expandir-se e a ser um fenómeno de estudo”. O professor finaliza: “o sistema funciona bem. Pelo menos resolve o problema da pobreza”.


18 | a cabra | 6 de novembro de 2012 | Terça-feira

Cinema

arTes

César deve Morrer ”

T

De Paolo TaViaNi, ViTTorio TaViaNi Com CosiMo rega salVaTore sTriaNo gioVaNNi arCuri 2012

Ninguém algema a arte

ver

CrítiCa De João ribeiro

U

ma relação que se desenvolve no decorrer das frequentes cheias na região de Île-deFrance, a vida do Palhaço Beby, o complexo processo de polimerização do estireno. Narrativas e temas tão distintos que entre si nada parece haver que os aproxime. Mais que um mero exercício de revisitação histórica, o conjunto de curtas que compõe este DVD permite o acesso do grande público aos primórdios do trajeto de nomes que mais tarde se viriam a tornar dos mais proeminentes no cinema francês. Entre os dez minutos e a meia hora, os realizadores propõem-se a trabalhar os temas rompendo com os cânones então vigentes. Poucos são os movimentos

udo começou quando os irmãos Paolo e Vittorio Taviani (“Padre Padrone”, 1977, “Kaos”, 1984) tomaram conhecimento de que na prisão de alta segurança de Rebibbia, nos arredores de Roma, os reclusos tinham por hábito encenar peças do teatro clássico. Em “César Deve Morrer” (Urso de Ouro em Berlim 2012) um grupo de prisioneiros, cujas penas variam entre os 15 anos e a prisão perpétua, ensaia o “Júlio César” de William Shakespeare. O rótulo de “teatro filmado” é manifestamente redutor para este filme, apesar de o guião ser pura e simplesmente baseado nos ensaios e na encenação da obra do bardo. Não se trata tão pouco de um documentário moralista ou até humanitário como pode parecer à primeira vista. Talvez a ideia base seja mais simples ainda: os veteranos realizadores aperceberam-se de que não haveria a mínima possibilidade de se ficcionar o que quer que seja, pois a realidade

destes reclusos ultrapassa qualquer tentativa de imaginação. A escolha de “Júlio César” é totalmente acertada. Diria até que a interpretação pelos reclusos de Rebibbia vem fortalecer um texto que transporta, desde logo, uma carga tremenda. Os temas da honra, da traição e da morte, que dominam a peça de Shakespeare, marcaram indelevelmente a vida desgraçada dos reclusos, muitos deles ligados ao crime organizado, onde o golpe palaciano é rotineiro. A realização não deixou passar essa faceta em branco e evidencia a relação dialética entre as personalidades fictícias e as personalidades reais. Por vezes a força do texto é tão vincada que os seus intérpretes se vêem impelidos a “completar” os diálogos. Outro aspecto que veio, de certa forma, aprimorar a obra é a liberdade concedida aos actores de utilizarem os seus dialectos (que vão desde o napolitano ao greco-calabrês).

O preto e branco é, ao longo da película, alternado com as cores de uma forma equilibrada, correspondentes aos ensaios pelos espaços da prisão e à actuação final, respectivamente. Os planos longos e fixos, com um grande recurso ao ‘close-up’, intensificam a tensão própria do texto. E se a interpretação dramática surpreende pela enorme capacidade de cada um dos actores sem excepção, o para-discurso completa o quadro na perfeição. Dificilmente um ‘casting’ profissional faria um melhor papel na escolha das personagens. As expressões faciais não podem deixar nenhum espectador indiferente, especialmente numa época em que a maioria dos actores do ‘showbiz’ parece ter perdido o respeito e a reverência pelo texto que interpretam. Sublime, mais uma vez. E, no final, fecham-se as cortinas, uma vénia para o público e o regresso de cada um à sua cela. Sem mais ficções.

Nouvelle Vague – Primeiros Filmes” que poderão clamar para si a influência na história do cinema que a ‘Nouvelle Vague’ francesa tem. Antes da sua explosão no final da década de 1950 - com o seu rosto mais familiar em François Truffaut e Jean-Luc Godard - a revista Cahiers du Cinéma foi a incubadora de uma nova forma de pensar e fazer cinema, sob uma ótica que cortava com os vínculos morais da sociedade. Inicialmente críticos e colaboradores com a publicação, os realizadores da ‘Nouvelle Vague’ fizeram da palavra a base teórica para passar à prática: Godard, Truffaut, Jacques Rivette e Jacques Doniol-Valcroize têm a passagem pela revista como denominador comum (assim como Eric Rohmer e Claude Cha-

brol, nomes maiores da ‘Nouvelle Vague’ que não veem nenhum dos seus trabalhos nesta pequena coleção). Pequena parte importante para ajudar à compreensão do trabalho cinematográfico destes realizadores, esta coleção de nove curtas oferece um vislumbre preliminar do nascimento de lendas. O resto da sua produção artística é história. Apesar de muitas vezes ser apelidado como pretensioso, o legado do cinema produzido por estes autores pode ser encontrado nos mais diversos movimentos que lhe sucederam cronologicamente, desde o “novo cinema português” a célebres realizadores norte americanos como Coppola ou Scorcese. Camilo SolDaDo

filme

De Vários eDitora

Midas 2012

Artigo disponível na:

Nasce uma era


6 de novembro de 2012 | Terça-feira | a

cabra | 19

feiTas OUvir

ler

total loss”

axilas & outras histórias indecorosas”

R

“T

otal Loss” é o segundo longa duração Manual de de Tom Krell sob o nome de How To auto ajuda Dress Well, que sucede a “Love Remains”, disco pop lo-fi de influências R&B, marcado por um confessar sofrido de uma fase da vida menos feliz. Se “Love Remains” era um disco de alguém que finalmente reconhece que está deprimido, “Total Loss” é uma viagem pelas fases inevitáveis até se atingir o estado final de aceitação pela perda. Começa com “When I Was In Trouble”, que funciona como ponto distinção entre os dois discos, mais R&B e menos lo-fi. A deDe pressão continua, como em “Say HoW To dress Well My Name”, em que o sample de um miúdo revela “the only bad eDitora part about flying is having to come Weird World back down to the fucking world”. Mas a atitude mudou, e a figura 2012 debruçada continua deprimida. Contudo, encara a tristeza de frente e em pé, pronta a aceitá-la como fase inevitável da vida, “ain't gonna stop until we're through with this”, proclama em “Cold Nights”, preparando-se para deixar a tristeza sozinha. Escrito depois da morte de um parente próximo e de um amigo, o disco vive da honestidade de sentimentos e das histórias que o compõem, para procurar o elo de ligação entre o autor e o ouvinte. E se a tristeza é o tema central de todo o disco, também a esperança tem um papel relevante como conclusão do mesmo - “& It Was You” e “Set It Right” afirmam a certeza e o consolo de descobrir que ninguém está verdadeiramente sozinho. “Total Loss” aproxima o norte-americano a nomes que têm vindo a revitalizar o R&B e a negar o rótulo de género menor com que há muito vinha a ser injustamente catalogado. E se a música de Tom Krell não soará tão cedo nas mesmas rádios em que os seus companheiros parecem estar inevitavelmente destinados a figurar, será facilmente lembrada como a mais honesta forma de expressão artística de todos o seus pares. luíS FiliPe luzio

É noir sobre ouro

De ruBeM foNseCa eDitora seXTaNTe ediTora 2012

ubem Fonseca foi um fruto misto das culturas brasileira e portuguesa, pormenor que o separa de outros autores brasileiros e o aproxima de Portugal, nos ecos íntimos que se vão encontrando na sua obra. Descendente de portugueses imigrados no Brasil, foi polícia e estudioso da psicologia, facetas obviamente espelhadas na sua obra. E pode dizer-se que Rubem Fonseca é um misto de vários outros aspectos, o que talvez seja o que o torna um autor excepcional. Em “Axilas & outras histórias indecorosas”, obra composta por dezoito short stories, os homicídios, as mulheres, os subornos acompanhados de crimes e outras tramas são ícones noir que constituem o cunho peculiar do autor, sem que haja o perigo de qualquer uma delas se tornar repetitiva (atrever-me-ia a dizer que espelham também a sua vivência urbana carioca). A reflexão sobre o seu passado português espreita numerosas vezes, como em “Livre-alvedrio”, onde o protagonista, um polícia, cogita sobre o suicídio e sobre “a famosa melancolia portuguesa”, ou até em “Axilas”, onde evoca umas axilas grossas de uma bisavó. “Axilas” introduz também uma das figuras mais importantes da obra de Rubem Fonseca: a mulher e o objecto de desejo que ela constitui para os homens, bem como os desvarios

sexuais que estes alimentam e que costumam acabar em mortes macabras. Maria Pia, a violinista por quem o protagonista de “Axilas” se apaixona, é o exemplo da mulher que Rubem Fonseca desenha: não pode ser burra, nem ter bunda grande, ter peito pequeno, ser interessante sem ser enfadonha. Maria Pia não é nada disto, mas acaba por também ser assassinada, de qualquer forma. Não são raras as considerações sexuais profundas e animalescas das personagens, tal como, por outro lado, também o não são as mostras de erudição do autor, que junta ambas as facetas num estilo cru e verdadeiro. As considerações de Rubem Fonseca sobre a pessoa chegam recorrentemente sob esta forma negra da morte – sodomias, assassínios, fetiches, histórias de uma brutalidade que só uma certa verosimilhança pode proporcionar, provenientes do meio urbano e escuras como ele. São pequenos thrillers - do escritor que se considera um “cineasta falhado” – que roçam uma forma de policial, sem chegar a sê-lo. Tal como os criminosos de Rubem Fonseca, que o são sem chegar a sê-lo, porque nasceram às mãos de um mestre da caracterização psicológica e de um autor que, por piores que pareçam, jamais as julga. iNêS amaDo Da SilVa

JOGar

assassin’s Creed iii” foi uma boa caminhada, desmond

GUerra DaS CaBraS A evitar Fraco Podia ser pior Vale a pena A Cabra aconselha A Cabra d’Ouro PlataForma Ps3, XBoX, PC e Wii u Artigos disponíveis na: eDitora uBisofT MoNTreal 2012

D

evo confessar, estava seriamente preocupado com Desmond Miles. Não, não se trata de uma qualquer emoção desproporcionada ou drama hiperbolizado. Estava mesmo preocupado com Desmond. O jovem atlético e vigoroso que havia deixado em ‘Revelations’, capaz de fazer ciúme ao espírito mais fraco de ‘Jersey Shore’, assumia agora uma figura quase disforme, mirrada e macilenta, que mais se assemelhava à profanação canónica dos jogadores do ‘FIFA Street 3’. Mas o pior não passava sequer de perto por isto. Todas as previsões, todos os trailers(bom, quase todos) apontavam numa só direção: uma disrupção completa com a restante série, para dar lugar a toda uma nova parafernália de personagens, atributos e armas inoportunas. O rapaz teria conhecido novos truques, é certo. Finalmente, teria aprendido a trepar árvores – nada mau para quem fazia vida a escalar prédios e escarpas colossais. Mas e se, como quem tão depressa muda de aparência, Desmond mudasse também toda a lógica da sequela? Como aquela paixão que vai de Erasmus para Nice e volta passados uns seis meses com um novo visual e um Pierre debaixo do braço. E se Desmond roubasse à série a sua es-

sência, para a tornar numa algraviada própria de uma série americana que insiste em perdurar-se? Nada mais distante. ‘Assassin’s Creed III’ é um retoque empírico, um aperfeiçoamento de tudo o que de bom a série já ofereceu, introduzindo os elementos certos. A jogabilidade tornou-se mais fluída (excluindo os inúmeros ‘bugs’, que surgem em catadupa). O modo de luta perdeu aquela cientificidade simplista e irritante que caracterizava as edições prévias – felizmente, acabou aquela ideia de enfiar a personagem numa briga contra o resto do mundo e ainda ponderar sair vitorioso. E depois há o melhor, a expansão do jogo. Recuperando a velha ideia do primeiro episódio, multiplicam-se os cenários baldios (historicamente fundamentados) que servem de fronteira às várias cidades. Entre missões acessórias, caça de animais ou um mero passeio recreativo, copiam-se os meta-jogos, dentro do jogo, possibilitando uma experiência que é capaz de durar, literalmente, dias e dias. ‘AC3’ é uma conclusão quase perfeita. E é isto que me deixa hoje preocupado com Desmond. A ideia de que a nossa amizade de vários anos possa estar perto de um fim. João miraNDa


20 | a cabra | 6 de novembro de 2012 | terça-feira

sOltas

O ÍntimO dO PianO

critic’arte

António Pinho Vargas entra e começa a tocar sem dizer uma palavra. À medida que os seus dedos tocam as teclas, somos completamente imersos na música que nada mais faz do que nos levar a senti-la fortemente. Num concerto intimista, no passado dia 27, no Teatro Académica de Gil Vicente (TAGV), Pinho Vargas iniciou o Festival de Música de Coimbra. Depois de tocar três peças musicais, diz-nos que gosta muito de Coimbra, que gosta muito do TAGV. Diz-nos, ainda, que por “ligações cósmicas”, no passado mês de março recebeu o Prémio José Afonso 2010 e o Prémio Universidade de Coimbra. Dados os vínculos de José Afonso a Coimbra, mostra versões de “Que Amor não me Engane” (do álbum “Solo II”) - “algo que convém que não aconteça”, refere, e ainda “Lindo Ramo, Verde Escuro” (do álbum de 2008, “Solo”). Todo o concerto incide na sua obra produzida durante 20 anos (de 1976 a 1996), presentes em “Solo” e “Solo II” e ainda improvisações, inseridas no álbum com o mesmo nome. Com as luzes azuis, focos de luz repartidos incidem no teto da sala do Teatro Académico de Gil Vicente, que fazem lembrar um céu estrelado. Enquanto isso, António Pinho Vargas embala-nos, martelando as teclas do piano, virtuosamente. Há momentos em que a vontade é a de sairmos de nós próprios e flutuarmos naquelas “estrelas” que revestem o teto da sala. Numa fase final do espetáculo, António Pinho Vargas diz que vai «tocar mais três músicas, uma delas é a Tom Waits. Eu não costumo tocar esta música, mas depois penso: “Será que tenho o direito de ser eu a escolher o que vou tocar? Não deveria deixar que quem me ouve escolhesse?”». O piano faz parte do músico e do compositor, como uma extensão dos seus dedos. O concerto termina após uma hora de música, e Pinho Vargas ainda volta para tocar mais uma, “apesar de o piano estar desafinado”.

Por Beatriz Barroca Daniel alves Da silva

uma ideia Para O ensinO suPeriOr ana nunes de almeida • Pró-reitOra da universidade de lisBOa

EstudantEs E univErsidadE: O dEsafiO da rEspOnsabilidadE sOcial Realizam-se por estes dias, na Universidade de Lisboa (UL), mais umas Jornadas do ciclo “Conhecer para intervir”, desta vez dedicadas ao tema “A intervenção social no Ensino Superior: que consequências para o currículo?” (www.qualidade.ul.pt). Abertas a toda a comunidade académica, nelas se pretende discutir a importância, as modalidades e o alcance das várias actividades (culturais, desportivas, de associativismo, voluntariado, apoio comunitário e desenvolvimento sustentável) que se associam, em sentido amplo, à dimensão de responsabilidade social na UL. Dar-lhes visibilidade significa considerar a universidade não apenas como um espaço de trabalho e de prática de ofícios (ensinar, aprender e investigar), mas como um espaço de vida. Onde estudantes, docentes, investigadores e funcionários partilham valores de realização pessoal e colectiva e se constroem, se comprometem como cidadãos solidários e atentos à sociedade e ao planeta que os envolve. Criadores activos de universidade, os estudantes surgem na linha da frente desta agenda. Pelo protagonismo que adquirem na concepção, promoção, divulgação e execução de projectos tradicionalmente considerados “extra-curriculares”, aos quais se continua a atribuir um estatuto menor e periférico no seu perfil de aluno – tipicamente exercido e avaliado no

perímetro da sala de aula. Nas áreas do associativismo, do desporto e da cultura, na solidariedade social e na protecção do ambiente, por exemplo, o seu contributo é notável. O levantamento recentemente feito na UL revelou uma imensa e surpreendente malha de modalidades de intervenção. No que toca aos estudantes, e para além do seu papel relevante nas associações académicas, nas equipas desportivas e grupos/movimentos culturais das várias faculdades, vale a pena referir alguns exemplos: o apoio social junto de populações/bairros mais desfavorecidos da cidade de Lisboa; as redes de entre-ajuda em torno dos estudantes com necessidades educativas especiais; a organização de bancos de roupa e de livros/manuais

escolares; a criação de programas de “saúde oral para todos”; a “campanha contra o desperdício de comida”; a divulgação científica junto de alunos do ensino secundário; o levantamento e monitorização dos consumos de energia e água, a poupança e reciclagem de papel; o ‘car sharig’; “a semana do voluntariado”; a participação nas campanhas do banco alimentar contra a fome ou nas de recrutamento de dadores de medula óssea; o “hospital dos pequeninos”; a festa de Natal com as Pessoas Sem-Abrigo… É tempo de abrir o curriculum e os planos de estudos académicos a estas experiências que proporcionam um notável enriquecimento pessoal e a aquisição de competências com impacto no futuro profissional. Este é, aliás, um dos desígnios de Bolonha: que a universidade crie os mecanismos necessários para acreditar, quer por via do suplemento ao diploma, quer por via de atribuição de créditos (ECTS) estas actividades. Numa época com sinais tão devastadores de receio e pessimismo, a Universidade con-D.r. tribuiria assim para inovar e mostrar, a contrario, que nela permanece viva uma comunidade solidária.

Breves Manifestação de estudantes Estudantes de Lisboa marcaram uma manifestação nacional para o dia 22 de novembro. A concentração está marcada para as 14h30, na praça Marquês de Pombal, seguindo depois o protesto até à Assembleia da República. O protesto é organizado pelas associações de estudantes

do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e do Instituto de Geografia e Ordenamento do Ter-

ritório. A AAC não se deslocará a Lisboa, estando prevista uma ação de protesto em Coimbra.

Administração da Lusa prevê cortes nos salários Depois da saída voluntária de 18 pessoas, 14 jornalistas e quatro administrativos, a administração da Lusa já anunciou que terá que fazer uma “redução drástica da massa salarial”. A poupança em salários, graças à saída dos trabalhadores, é de 700 mil euros. Três dos jornalistas eram da delegação de Coimbra, que entretanto foi extinta.

Mosteiro de Sta. Clara-AVelha A diretora regional da Cultura do Centro, Celeste Amaro, pensa que a queda de um brasão do Mosteiro de Santa Clara-aVelha se deve ao excesso de ruído proveniente da Praça da Canção durante a última Latada. A queda ocorreu três dias depois do final da Festa das Latas. A diretora fez questão de solicitar dois estudos,

sendo um deles dirigido à Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra e outro à Universidade do Porto. Celeste Amaro declarou ainda que vai levar o caso “até às últimas consequências”.

Morreu Elliot Carter O compositor americano Elliot Carter morreu ontem, quando faltava pouco mais de um mês para completar 104 anos. O compositor ganhou dois prémios Pulitzer em 1960 e 1973, pelas obras “String Quartet No. 2” e “String Quartet No. 3”, respetivamente. Em 2006 foi nomeado para um Grammy com “Boston Concerto”, na categoria de melhor composição clássica contemporânea. Elliot Carter teve uma atividade bastante profícua nos últimos anos, tendo publicado mais de 40 obras entre os 90 e os cem anos. Após ter completado o centená-

rio, em 2008, ainda lançou 14 trabalhos, sendo a sua derradeira obra “12 Short Epigrams”, para piano, completa em 13 de agosto do presente ano.

IKEA em Coimbra A Câmara Municipal de Coimbra aprovou ontem a introdução de uma unidade da marca sueca no Planalto de Santa Clara, junto ao Fórum Coimbra, tal como fora exigido pela IKEA. Contudo, existem algumas condicionantes: o edifício não pode possuir valências próprias ou equiparáveis às de um centro comercial. Por Daniel Alves da Silva


6 de novembro de 2012 | terça-feira | a

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sOltas Os cÃes de areia de GraFtOn street

micrO-cOntO

Por José Jorge letria

N

ão me recordo exactamente quando foi, mas encontrei em Grafton Street, uma das artérias principais de Dublin, um discreto escultor de cães de areia. Isso mesmo, cães de areia. Vi-o chegar com sacos e caixas recheados de areia húmida e começar a moldar cães de grande porte, deitados e com um aspecto tão real, tão verosímil que só lhes faltava ladrar, latir ou abanar a cauda. O escultor tinha o ar triste de um desempregado de longa duração, de um homem da errância das cidades, com a memória de muito álcool em noites de insónia, na perdição das pequenas ruas mal iluminadas. O pouco interesse dos transeuntes pelo labor do escultor não me surpreendeu, pois percebi que devia ser presença costumeira naquela rua da cidade. Mas eu fiquei ali plantado, perto da entrada de uma loja de chocolates, a ver de que modo os cães ganhavam forma e a observar cada gesto do artista, transformado num verdadeiro afago aos seres que nasciam do seu engenho criador. Naquele fim de manhã, o escultor, cujo nome nem cheguei a saber, esculpiu dois cães de grande porte, sem raça definida, mas que deviam corresponder a uma memória visual e afectiva que o acompanhava de longuíssima data. Talvez tenham sido assim, ou continuem a ser, os cães da sua casa, aquela de que se afasta umas horas por dia para ir buscar a

areia bastante para lhes dar uma forma tão realista quanto tristemente efémera. Tudo isto a troco de quê? De umas moedas, da curiosidade de visitantes de circunstância como eu ou das crianças que têm medo de cães e ali, perante a imobilidade dos feitos de areia húmida, prontamente o perdem, ficando até com vontade de os irem acariciar e desafiar para a brincadeira. O escultor trabalhou com intensidade e concentração, não se deixando distrair pelo barulho da rua e pelo

som forte que saía das lojas de discos e instrumentos musicais. Ele e os seus dois cães pertenciam a uma outra dimensão, que é a da arte, da livre ocupação do tempo e também a do esquecimento das traições da vida, dos sonhos por cumprir e de tanta outra coisa que talvez só aqueles cães imaginados tenham podido testemunhar. Quando o trabalho ficou concluído, o escultor observou a obra feita, acendeu um cigarro e começou a conversar com dois outros homens

entre a arreGaça e O calHaBé

que, como ele, deviam fazer parte da geografia humana mais constante da animada Grafton Street. Depois de ter deixado no boné do escultor o dinheiro que tinha disponível e que ele agradeceu com uma vénia e um sorriso, afastei-me na direcção de uma das boas livrarias da cidade. Nessa altura começou a chover torren-

cialmente e logo a pergunta se me impôs: “O que vai acontecer aos cães de areia?”. Quando me aproximei do local onde eles haviam ganho forma, descobri que a violência da chuva os

condenara a um quase total desaparecimento, sem que o escultor tentasse protegê-los com um oleado ou com o que quer que fosse. Abrigado debaixo de um pequeno alpendre, ele assistia impassível ao desaparecimento físico da sua obra, sem esboçar um gesto de contrariedade ou de resistência. Trabalhara, afinal, para a extinção, para o verdadeiro esquecimento. Dos cães restaram apenas as fotografias que eu e mais alguns turistas lhes tirámos. Ao afastar-me de novo, pareceu-me ouvir o latido de dois cães, o seu choro de tristeza e sofrimento, mas tudo não devia passar de pura ilusão minha. Como podiam dois cães de areia lamentar esse inexorável destino? Nessa noite tive muita dificuldade em entrar no sono. Estava ansioso e tenso. Decidi sair do quarto do hotel e vir para a rua fumar. Foi então que vi passar um homem magro, de óculos de lentes muito grossas e chapéu na cabeça, acompanhado por dois cães iguais aos saídos das mãos do escultor, e um deles, olhando para o dono, perguntou-lhe: “Por que foi que nunca escreveste sobre nós nos teus livros, James ? Será porque somos feitos de areia húmida como os sonhos dos homens quando se desfazem?” O dono levantou a gola da gabardina, ajeitou o chapéu e entrou com os dois cães num pequeno ‘pub’ de esquina chamado “Ulysses”.

JOSÉ JORGE LETRIA 61 AnOS Decorria o ano de 1951 quando nasceu, em Cascais, José Jorge Letria. Estudou Direito e História e é pósgraduado em Jornalismo Internacional. Desempenhou funções de redator e editor, mas foi como escritor que mais se destacou. Com dezenas de livros publicados, desde poesia, ficção, ensaios, livros infanto-juvenis até peças de teatro, foi distinguido com importantes prémios literários. Um deles foi o Prix International des Arts et des Lettres atribuído à tradução francesa de “A Tentação da Felicidade”, um livro de poesia Em 2000 editou o seu primeiro romance “Um amor Português”. É ainda co-autor, com José Fanha, de várias antologias de poesia portuguesa. Também se afirmou como cantorautor de intervenção. Ao lado de nomes como José Afonso, integrou o movimento da canção de resistência, tendo sido agraciado em 1997 com a Ordem da Liberdade. Ao longo da vida adquiriu uma vasta experiência na direção de diversas organizações culturais. Em Janeiro de 2011 assumiu a presidência da Sociedade Portuguesa de Autores.

Inês Pereira

Praxis et HOmines (translatiO Per GOOGlum)

Por Bacharel Jorge Gabriel

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onge vão os tempos em que Stanley Milgram provou que dois em cada três dos caros leitores electrocutariam um desconhecido. Ou que Solomon Asch demonstrou que setenta por cento de vocês não saberia diferenciar duas linhas absolutamente distintas. Outros tempos, em que somente a partir de experiências controladas, no âmbito da psicologia social, se avaliava o relacionamento do indivíduo com os seus pares e com conceitos como autoridade ou conformismo. Hoje em dia, não necessitamos de laboratórios para investigar tal fenómeno: basta-nos passar numa universidade em época de praxe. Durante a vida estudantil, como no resto dela, diz-se das tradições que são graníticas e pesadas, como rochas milenares e imovíveis. Dos Homens vai-se dizendo que têm direito a viver debaixo delas, à sombra dos penedos. Escondei-vos sob a pedra e juntemos fungi à filogenia dos sapiens. Mas as tradi-

ções são os Homens que fazem, não só fazem como mantém, que sem alguém que o abrace e acarinhe, qualquer costume estará destinado a definhar solitariamente. Se a praxis vive e sobrevive, cada ano mais pujante e revigorada que o anterior, é porque os estudantes a ela se entregam com renovados votos de fidelidade e assolapada paixão, ano após ano. O que é fascinante. Não tanto a praxe, mais a devoção. Não sou fanático, mero terrorista do grelo, simples extremista contra a batina ou básico fundamentalista anti-nabo. Nada disso. Cada um de nós se veste como bem quer e lhe apetece, sob gélida chuva ou tórrido sol. Podemos também queimar o que nos dá na telha ou trincar diversos vegetais nos mais variados e divertidos contextos. Como a gaivota e a criança, somos livres. De escolher. E é nessa escolha que o meu fascínio nasce, sendo por isso, confesso, um interesse sobretudo antropoló-

rafaela carvalho

gico. Com efeito, o estudante universitário escolhe ser praxado. Há até relatos e boatos, decerto exagerados como sempre são os produtos desse tipo comunicação, de quem chore copiosamente no final da praxe, lamentando o carácter vec-

torial do tempo, rais o parta que não volta para trás. E que alguém escolha ser tratado, literalmente, como um animal, não raras vezes humilhado sob a bandeira da integração e, não suficiente, que no fim ainda goste, é algo que me deixa simultaneamente perplexo e fasci-

nado. Mas é desta massa que se fazem as tradições: de coisas aparentemente sem explicação para uns, extremamente gratificantes para outros. Milgram e Asch quiseram lembrar-nos que somos antes de mais seres sociais; que a pressão de quem nos rodeia molda o comportamento. O que me ajuda a perceber a opção generalizada de participar num ritual que cultiva a arrogância e o abuso. Porém, por vezes, passo por um "doutor" que atira gratuitamente impropérios a meia dúzia de jovens cabisbaixos, ou leio uma notícia sobre mais uma tentativa de integração com resultados lamentáveis, e volto à confusão e perplexidade. Quem não gosta, não percebe. Quaisquer que sejam as pressões, somos as decisões que tomamos. Por isso, há escolhas que nem Milgram e Asch me conseguem explicar.


22 | a cabra | 6 de novembro de 2012 | Terça-feira

opinião Cultura - um Bem De Primeira neCessiDaDe vale Bem um manifesto manuel Pires Da roCha*

num tal deserto de pouco vale a indignação. o indignado indigna-se com os tostões que os governantes lhe atiram e faz-lhes chegar a sua indignação - o gesto alivia, mas não tranforma.

Saiu o escritor, entrou o gestor. Do primeiro ficarão os livros, se conseguirem perdurar, do gestor não ficará nada, nem a lembrança do nome. Quem aceita gerir os 190 milhões de euros destinados à Cultura na Lei do Orçamento do Estado para 2013 aceita ser, apenas, coveiro – ser governante na área da Cultura é outra coisa. Ser governante na área da Cultura é saber compreender as qualidades de um espaço civilizacional e comprometer-se a trabalhar para o seu desenvolvimento. Não é o caso. A cultura deste governo (e, de resto, dos anteriores com mais ou menos variações) é a do lucro fácil à custa do trabalho de outros, do iate na marina, da aposta no casino. Nada de valorização do património, nem de aposta nos criadores, de investimento nas condições de acesso à Cultura, de atenção para com os trabalhadores da Cultura (que não são apenas músicos, pintores, escritores, bailarinos, atores – são carpinteiros, ‘luthiers’, restauradores, operadores de bilheteira, livreiros, produtores, electricistas, coreógrafos, maquinistas). O país cujos governos premiaram com 3405 milhões de euros as burlas dos gestores do BPN, entrega nas mãos de um gestor de turno 190 milhões de euros, de trocos do Orçamento do

Estado, para que um povo inteiro possa trilhar o seu caminho civilizacional e, ainda, o possa estender a toda a Humanidade. Num tal deserto de pouco vale a indignação. O indignado indigna-se com os tostões que os governantes lhe atiram e faz-lhes chegar a sua indignação - o gesto alivia, mas não transforma. Por isso é que um conjunto de cidadãos se vem reunido em Coimbra, e noutras cidades, em torno do Manifesto em Defesa da Cultura para reivindicar 1% do Orçamento do Estado para a Cultura. Trata-se de um propósito com muitas tarefas, num ambiente em que a Cultura é encarada como um adereço e como tal “impingida” pelos vendedores do neo-liberalismo. Trata-se de criar um espaço de afirmação dos criadores e dos públicos conscientes do valor, também económico, da Cultura. Mas, mais do que tudo, trata-se de confrontar os cidadãos com a necessidade, que é de todos, de reivindicar um espaço de vida para o exercício da condição humana – a fachada da igreja que se atravessa no nosso caminho, a colectividade onde acontece o ensaio da Filarmónica, o livro aonde se vai buscar a frase que queríamos saber escrever, a música a mexer nas emoções, a fotografia que fixou o exacto momento e

nele nos deixa viver, o enredo teatral em que nos revemos ou não nos revemos de todo. Trata-se, afinal, de reivindicar quase nada – 1%! – exigindo a parte mínima do OE capaz de converter a Cultura em assunto de Estado, a diferença entre permitir o acesso à Cultura, exercitada ou fruída, ou limitá-lo para milhares de concidadãos, atirados para a convicção salazarista de que a cultura é assunto de uns quantos cromos que falam caro e incompreensível. Não se trata de orientar gostos, mesmo sendo verdade que os gostos se discutem – trata-se de pôr à frente dos nossos olhos o que há para ser visto e deixar que reparemos; de pôr nas nossas mãos o que possa ser mexido e permitir que o transformemos. O Manifesto assumiu-se, naturalmente, como elemento da alternativa a um caminho político de eliminação de todos os traços da sociedade sonhada em 25 de Abril de 1974 e, em muitos aspectos, caminhada com sucesso. Uma sociedade em que o acesso à Cultura passou a ser direito constitucional, e não apenas um gesto de boa vontade de um qualquer mecenas ou benfazejo das delícias da “alma”, os “alegres” de que falava Salazar (em oposição aos tristes, cidadãos comuns arredados dos efeitos perniciosos da vivência cultural).

Uma sociedade em que as crianças sonham ser pianistas e escultores, arquitectos e actores, poetas e bailarinos – profissões que resistiram a sê-lo num ambiente hostil à criatividade, mas que romperam as barreiras da barbárie e se implantaram no nosso chão. Porque já existem, não reivindicam espaço para existir – exigem que não as assassinem. É neste espaço que vive o Manifesto, interpelando os cidadãos, responsabilizando os eleitos nos órgãos de poder, constituindo-se notícia de jornal onde se escreve que o “Manifesto em Defesa da Cultura quer autarcas e deputados de Coimbra a contestarem Orçamento do Estado” (Visão online). O Manifesto recusa a trincheira, ocupando o espaço público onde apresenta as suas propostas; propostas que operacionaliza nas iniciativas que os seus activistas constroem em conjunto. Basta estar atento a http://www.facebook.com/ groups/488625344488243/?fref=ts e aparecer numa reunião. Porque a Cultura é bem de primeira necessidade.

este rotineiro hábito. E ouvem-se cantares desafinados e um tanto ou quanto caóticos, observam-se os beijos, que de inocente nada têm, roubados e planejados pela bebida; contemplam-se as mais degradantes cenas do ser humano, esbanjando pequenas fortunas para alcançar a vívida embriaguez, culminando, quando em excesso, na violenta expulsão do líquido que avidamente havia sido ingerido; presenciam-se fascinantes conversas, nomeadamente escândalos e mexericos de última hora; comentam-se episódios supérfluos e aventuras cativantes, seguindo-se um bem delineado procedimento de saudações, representações de fictícias amizades exacerbadas pelo álcool; consomem-se cigarros desalmadamente, como se o amanhã não chegasse e o hoje quisesse partir a todo o vigor; deambulam, num característico jeito, vários indivíduos, adaptando-se ao balançar do solo, danada ilusão causada pela excessiva hidratação alcoólica; despedem-se amigos em estados lastimáveis, abusados por toxinas e sugados de toda a essência da viva-

cidade, assemelhando-se a pálidos cadáveres suados por um tórrido calor que lhes consome o âmago dos seus seres, levando-os à exaustão total, expondo-os directamente a perigos desnecessários. Mas de grande alarido e confusão se não fazem apenas as tardias horas passadas na deliciosa escadaria. Apesar de toda a conotação associada ao lento declínio de netos de egrégios avós e da depravação relacionada com o degredo do heroísmo e da nobreza, a verdade é que se vive a vida com intensa emoção e profunda paixão. Saboreia-se o dulcíssimo e confortante recheio do tão falado e classicamente tradicional espírito académico, consumam-se grandes amizades e constroem-se novas, fomenta-se a conversa honesta e a de fachada, sublimam-se paixões puramente carnais ou, para mais iluminadas almas, amorosas; exalam-se fumos de distantes e exóticas paragens, conferindo um panorama cosmopolita à provinciana região; observam-se convívios interessantes, englobando uma vasta amostra de diferentes estilos e charmes.

Reina o barulho, desenrolam-se caóticas conversas simultaneamente, ouvem-se diferentes músicas dos pequenos estabelecimentos comerciais, cortadas pelo ocasional grito de histeria ou de pura agonia alcoólica. Seja como for, de diversas bebidas, cigarros, substâncias ilícitas e música, se governa a noite no lugar que agora é ponto de encontro obrigatório, sinónimo de grande alegria e jubilante felicidade, extasiante cúmulo de sensações tão horrendamente oprimidas ao longo dos dias, causadas pela excessiva dedicação ao trabalho e negação de carnais e mundanos prazeres. Resta esperar que tal magnífica mas suja escadaria se redima dos pecados, tentações tão incríveis mas, ao mesmo tempo, tão fatais; para que se continue a celebrar a efémera existência, ignorando que desde o nascimento, da morte já somos pertença.

*Membro do Núcleo do Manifesto em Defesa da Cultura

Cartas à Diretora esCaDas Do Bigorna tiago malhó gomes*

..as mais degradantes cenas do ser humano, esbanjando pequenas fortunas para alcançar a vívida embriaguez, culminando, quando em excesso na violenta expulsão do líquido que avidamente havia sido ingerido”

Famosíssimas as escadas do Bigorna. Pena que de formosura não estejam repletas tal como a colorida fachada de gentes que por lá abanca durante as vagas noites, numa perfeita vida de convívio e deboche. Longe de tal desonrada escadaria passam os padres e as freiras que do matutino missal serviço retornam e, segundo más-línguas, repudiam tal local, passando de cabeça subjugada e evitando contacto visual com a referida cascata de pedra. Da mais divinal musa vestida com uma curta saia e um decote enriquecedor para olhares alheios, até à mais reles rameira que exibe as carnes indecentemente, mas igualmente atraente para menos elegantes e categóricos olhares; se junta da nata e do mais baixo, de tudo um pouco da pequena cidade que é Coimbra. Mergulha-se num oceano de gente, a maioria caras conhecidas ou personagens caricatas, envolto num sopro de abundante álcool, denunciado pelas excessivas gargalhadas que atordoam aqueles que ao sono se querem entregar e que, por puro infortúnio, aturam

*Estudante da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra


6 de novembro de 2012 | Terça-feira | a

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OpiniãO arquivo

editoRiAl UmA AtitUde QUe CAReCe de CeRtezA

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A aprovação do Orçamento do Estado para 2013 (OE2013) na sua generalidade tem estado, e vai continuar durante algum tempo na ordem do dia. Todos os setores são afetados, e o Ensino Superior (ES) não é exceção – aliás, foi um dos que levou mais cortes. Perante esta situação calamitosa, é preciso tomar uma atitude. Na gala do aniversário dos 125 anos da Associação Académica de Coimbra (AAC), realizada no passado sábado, 3, o reitor da Universidade de Coimbra (UC), João Gabriel Silva, não esqueceu os ataques ao ES estipulados no OE2013. Num discurso cru, o reitor afirmou a sua posição contra o corte no financiamento para as instituições do ES. Para além disso, apelou ainda à mobilização dos estudantes, para que estes não fiquem parados perante o descalabro em que pode cair o ensino, que cada vez mais se torna um luxo, e não um direito. A par das ações de protesto já propostas em Assembleia Magna pela Direção-geral da AAC (DG/AAC), o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) vai reunir amanhã, 7, para decidir a ação de reivindicação que 14 universidades vão levar a cabo já sexta-feira dia 9. Por agora, o presidente do CRUP, António Rendas, não adianta nada, bem como alguns reitores das 14 instituições. Quando questionado sobre um possível encerramento da UC no dia 9, João Gabriel Silva afirma: “não descarto essa possibilidade”. Apesar de não ser algo concreto, esta afirmação pode trazer um novo alento aos estudantes. O reitor mostra-se do nosso lado, mostra-se disposto a lutar

Por agora, António Rendas, não adianta nada, bem como alguns reitores das 14 instituições. Quando questionado sobre um possível encerramento da UC no dia 9, João Gabriel Silva afirma: “não descarto essa possibilidade”. contra as ofensivas ao ES – que já não são de agora. Contudo, é de ressalvar que, perante toda a conjuntura que o OE2013 vai instalar, João Gabriel Silva apenas se referiu aos cortes no ES. Todo o resto que afeta a sociedade e, consequentemente os estudantes e a suas famílias, é deixado de parte.

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É tempo para olhar a uma outra situação grave com que os alunos da UC se depararam neste novo ano letivo. Mais de dois mil estudantes correm o risco de prescrever. O assunto simplesmente não é abordado e a maior parte talvez nem saiba as implicações que a prescrição implica. Os estudantes do Polo II realizaram um inquérito para apurar a gravidade da situação, e face às respostas obtidas, descobriram que mais de metade dos alunos com mestrado integrado (Engenharia Civil e Mecânica) está na mó de perder o ano. Face a esta realidade, os núcleos dos dois cursos já encetaram esforços para chegar à fala com o provedor do estudante, que se mostrou solidário com eles. Em imediato, o objetivo máximo é tentar aumentar em um ano a possibilidade de o aluno planear o que fazer com as cadeiras que tem em atraso. A vicereitora, Madalena Alarcão, não admitirá falhas no aproveitamento escolar, e esquece-se claramente de duas premissas: primeira, está prevista a flexibilidade na escolha de cadeiras para estes alunos; segunda, a perda destes durante um ano na UC pode constituir em definitivo a sua saída para sempre da instituição, já que não há dinheiro para pagar cadeiras em avulso.

Liliana Cunha e Ana Duarte

Secção de Jornalismo, Associação Académica de Coimbra, Rua Padre António Vieira, 3000 - Coimbra Tel. 239410437 e-mail: acabra@gmail.com

Jornal Universitário de Coimbra - A CABRA Depósito Legal nº183245/02 Registo ICS nº116759 Diretora Ana Duarte Editora-Executiva Ana Morais Editora-Executiva Andreia Gonçalves Editores Stephanie Sayuri Paixão (Fotografia), Liliana Cunha (Ensino Superior), Daniel Alves da Silva (Cultura), João Valadão (Cidade), Paulo Sérgio Santos (Ciência & Tecnologia), António Cardoso (País & Mundo) Secretária de Redação Mariana Morais Paginação Catarina Gomes, Rafaela Carvalho Redação Beatriz Barroca, Daniela Proença, Emanuel Pereira, Ian Ezerin, João Martins, Miguel Patrão Silva Colaborou nesta edição Ana Namora, Andreia Oliveira, Fábio Aguiar, Inês Pereira, Inês Rama, Pedro Martins, Joel Saraiva, Luís Azevedo Fotografia Ana Morais, Daniel Alves da Silva, Rafaela Carvalho, Stephanie Sayuri Paixão Ilustração Tiago Dinis Colaboradores permanentes Bruno Cabral, Camila Borges, Camilo Soldado, Carlos Braz, Fábio Rodrigues, Inês Amado da Silva, João Gaspar, João Miranda, João Ribeiro, João Terêncio, José Miguel Pereira, José Miguel Silva, Luís Luzio, Manuel Robim, Rafaela Carvalho, Rui Craveirinha, Tiago Mota Publicidade António Cardoso - 914647047 Impressão FIG - Indústrias Gráficas, S.A.; Telefone. 239 499 922, Fax: 239 499 981, e-mail: fig@fig.pt Tiragem 4000 exemplares Produção Secção de Jornalismo da Associação Académica de Coimbra Propriedade Associação Académica de Coimbra Agradecimentos Ana Nunes de Almeida, José Jorge Letria, Manuel Pires da Rocha


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puBLiCiDaDe puBLiCiDaDe

Miguel Relvas

O ministério da pasta da Comunicação Social, de que é responsável Miguel Relvas, demonstra não estar a par da realidade do país no que diz respeito à comunicação. Tal como noutros assuntos e outros setores de vida social e cultural, o Governo no seu conjunto, olha para os problemas de Portugal como questões de negócios. Além da falta de noção de Estado e do espírito de cidadania existe um desprezar das consequências humanas das políticas do Governo. A Cabra tentou chegar ao contacto com o Ministério dos Assuntos Parlamentares que não se mostrou interessado em prestar declarações. Será sinal de receio? A.C. Pág. 16

“Fórum Teatrão”

O quarto “Fórum Teatrão” trouxe à Oficina Municipal do Teatro vários agentes culturais da cidade, reunindo também alguns cidadãos interessados no debate sobre estratégias de intervenção local. Num momento em que a cultura (tal como a saúde e a educação) é fustigada por cortes cegos, é um sinal positivo a realização deste género de encontros que demonstram a necessidade de estruturas culturais intervenientes na vida da cidade. A cultura manifesta-se assim como um pilar fundamental na relação que se cria entre a cidade e os seus habitantes, procurando sempre novas soluções, mesmo em tempos de crise. D.A.S. Pág. 9

Reitoria da UC

Novamente a resposta por parte da reitoria tarda. Já todos sabem que um regulamento que gira o regime de prescrições tem de ser aplicado. No entanto, a pedagogia da Universidade de Coimbra aprovou dois documentos importantes no verão e com sérios riscos para o estudante. E ninguém está ao corrente disso como deveria. Altera-se em setembro a condição de milhares de estudantes que correm o risco de ver os seus cursos inacabados por cadeiras que antes pressupunham flexibilidade. É urgente aumentar o período de transição para mais um ano de modo a que estudante não tenha de perder um ano e pôr em causa a sua débil situação económica. L.C. Pág. 6

A voltA PArA cAsA por Mariana Morais

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Stephanie Sayuri paixão

Uma silhueta delgada, um vestido vincado, rodavam. Era Ela, a bailarina. A bailarina que rodava sem nunca parar. Um dia, um Velho, que usava um chapéu de palha e fumava um cigarro adormecido, ordenou-lhe: pára. “Não quero”- foi o que ela, cansada de rodar, respondeu. Num sorriso amargo de sarcasmo, o velho riu. E enquanto ria praguejou: não páras porque não consegues. És como ele, o Homem. Sempre a correr de um lado para outro. Constantemente a correr, a farejar, a procurar. Também está cansado como tu, mas ainda assim, não pára. “Porque não pára?”, perguntarás tu. Não pára, porque acredita que, nesse seu corrupio constante, controla. Ilusão Bailarina. Ilusão. À sua volta, o vento continua a soprar, o tempo continua a passar e o seu corrupio terá, um dia, de acabar. Afinal, que está ele a controlar? Que estás tu a controlar? Nada, bailarina. Nada! És como ele, o Homem…Caos… caos …caos.


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