Panorama de saúde silvestre

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Panorama da Saúde Silvestre

Uma síntese de agentes zoonóticos em mamíferos silvestres no Brasil, com recomendações para tomadores de decisão no contexto da Saúde Única

PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE: UMA SÍNTESE DE AGENTES ZOONÓTICOS

EM MAMÍFEROS SILVESTRES NO BRASIL, COM RECOMENDAÇÕES PARA TOMADORES DE DECISÃO NO CONTEXTO DA SAÚDE ÚNICA

Copyright ©2024, Winck G., Rocha F.L., Cruz G.L.T., D’Andrea P. & Andreazzi C. (Org.)

ISBN No.: XXXXXXXXXXX

Reprodução

Esta publicação pode ser reproduzida integral ou parcialmente, em qualquer formato, para fins educacionais ou serviços sem fins lucrativos, sem necessidade de permissão especial do detentor dos direitos autorais, desde que seja feito o reconhecimento da fonte. Os(as) organizadores(as) agradecem o envio de uma cópia de qualquer publicação que utilize este documento como fonte. Nenhuma utilização desta publicação pode ser feita para revenda ou qualquer outro propósito comercial sem permissão prévia por escrito dos(as) organizadores(as). As solicitações para tal permissão, com uma declaração do propósito e extensão da reprodução, devem ser dirigidas ao grupo de organizadores(as). Não é permitido o uso de informações desta publicação relacionadas a produtos para publicidade ou propaganda. Formato de direitos autorais: CCBY-NC.

Isenção de Responsabilidade

Este relatório técnico, resultado das pesquisas conduzidas por diversas instituições e pesquisadores(as) associados(as), visa fornecer uma análise imparcial e fundamentada sobre dados empíricos e avaliações legislativas e regulamentares específicas. A responsabilidade pelas conclusões e recomendações contidas neste documento são exclusivamente dos(as) autores(as), não refletindo necessariamente a posição oficial das instituições às quais estão vinculados(as).

Para informações adicionais, contate:

Dra. Gisele R. Winck ou Dra. Cecilia S. Andreazzi Laboratório de Biologia e Parasitologia de Mamíferos Silvestres Reservatórios (LABPMR)

Instituto Oswaldo Cruz (IOC), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Pavilhão Lauro Travassos, Sala 74.

Avenida Brasil, 4365 - CEP 21040-360, Rio de Janeiro - RJ, Brasil.

Telefone: +55 (21) 25621325

Email: gwinck@gmail.com

cecilia.andreazzi@ioc.fiocruz.br

Créditos das Fotos

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Suporte Técnico

Thiago Ribeiro (IOC/Fiocruz)

Vinícius Ferreira (IOC/Fiocruz)

Design Gráfico

Andrea Carolina Camargo Castro Direção de arte, figuras, layout

Oficinas do Projeto “SinBiose - Redes Socioecológicas” organizadas por:

Gisele Winck

Fabiana Lopes Rocha

Cecilia Siliansky de Andreazzi

Paulo D’Andrea

Thiago Ribeiro IOC/Fiocruz

Apoio

IUCN SSC Grupo Especialista em Planejamento de Conservação / Centro de Sobrevivência de Espécies Brasil.

Marisa Mamede

Gestora do Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (SinBiose), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), mmamede@cnpq.br

Edição do relatório

Alessandra Ferreira Dales Nava Fundação Oswaldo Cruz Amazônia

Ana Carolina Figueiredo Lacerda Universidade Federal da Paraíba

Ana Paula Lula Costa

Fundação Oswaldo Cruz (RJ)

André Aguirre

Fundação Oswaldo Cruz (RO)

Cecilia Siliansky de Andreazzi Fundação Oswaldo Cruz (RJ) Plataforma Internacional de Ciência Tecnologia e Inovação em Saúde Universidad Complutense de Madrid

Eduardo Krempser

Fundação Oswaldo Cruz (RJ)

Fabiana Lopes Rocha

IUCN SSC Grupo Especialista em Planejamento de Conservação / Centro de Sobrevivência de Espécies Brasil

Gabriella Lima Tabet Cruz

Fundação Oswaldo Cruz (RJ)

Gisele Winck

Fundação Oswaldo Cruz (RJ)

Jonathan Gonçalves-Oliveira Hebrew University of Jerusalem

José Joaquin Carvajal-Cortés Fundação Oswaldo Cruz Amazônia

Jorge Luiz do Nascimento Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

Maria Carmelinda Gonçalves Pinto Secretaria de Estado da Saúde do Acre

Marco Vigilato

Pan American Center for Foot and Mouth Disease and Veterinary Public Health

Marília Lavocat Nunes

Ministério da Saúde

Marina Galvão Bueno

Fundação Oswaldo Cruz (RJ)

Paulo D’Andrea

Fundação Oswaldo Cruz (RJ)

Renata Oliveira

Fundação Oswaldo Cruz (RJ)

Ricardo Sampaio

Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

Rosana Gentile

Fundação Oswaldo Cruz (RJ)

Winnie Brum

Ministério da Agricultura e Pecuária

Vivyanne Magalhães

Ministério da Saúde

Como citar esse documento

Winck G.R., Rocha F.L., Cruz G.L.T., D’Andrea P., Andreazzi M.A., Bacellar A.E., Brum W., Bueno M.G., Costa A.P.L., Fernandes J., Fernandes-Ferreira H., Gentile R., Gonçalves-Oliveira J., Gonçalves M.C., Krempser E., Lacerda A.C.F., Lavocat M., Nascimento J.L., Oliveira R., Sampaio R, Andreazzi C. (2023). Panorama da Saúde Silvestre: Uma síntese de agentes zoonóticos em mamíferos silvestres no Brasil, com recomendações para tomadores de decisão no contexto da Saúde Única. IOC/ Fiocruz: Rio de Janeiro. xxxp.

Este relatório pode ser acessado e adquirido em www.arca.fiocruz.br

O Panorama da Saúde Silvestre: Uma Síntese de Agentes Zoonóticos em Mamíferos Silvestres no Brasil, com Recomendações para Tomadores de Decisão no Contexto da Saúde Única foi possível devido ao recurso financeiro recebido do Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (SinBiose), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), via processo no. 442410/2019-0. Os(as) organizadores(as) também agradecem os recursos financeiros da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), e Instituto Serrapilheira. Apreciamos a contribuição da Dra. Louise Maranhão nas informações sobre a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá.

Panorama da Saúde Silvestre:

Uma síntese de agentes zoonóticos em mamíferos silvestres no Brasil, com recomendações para tomadores de decisão no contexto da Saúde Única

Organizado por:

Gisele Winck

Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro (RJ)

Fabiana Lopes Rocha

Centro de Sobrevivência de Espécies Brasil (SSC), União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN)

Gabriella Cruz

Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro (RJ)

Paulo D’Andrea

Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro (RJ)

Cecilia Siliansky de Andreazzi

Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro (RJ)

Plataforma Internacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde Universidad Complutense de Madrid (Espanha)

Desenvolvimento do Documento

Este relatório foi produzido de forma participativa a partir de duas oficinas, no âmbito do Projeto Redes Socioecológicas (processo no. 442410/2019-0), vinculado ao Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (SinBiose), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A lista de participantes pode ser acessada na seção “Participantes das oficinas”, em anexo a este documento, que inclui pesquisadores e profissionais de órgãos federais, estaduais, municipais e ONGs que atuam nas áreas ambiental, agropecuária e da saúde pública no país e no exterior.

A elaboração deste documento ocorreu ao longo de dois anos, a partir da primeira oficina, ocorrida em agosto de 2022, e contou com a participação de 33 profissionais, vinculados a 20 instituições. As oficinas tinham por objetivo principal avaliar o histórico e evolução até o estado atual dos regulamentos e legislações que envolvem a saúde de animais silvestres nos diferentes órgãos administrativos brasileiros, em todas as escalas governamentais. O presente relatório traz as informações levantadas pelos profissionais, bem como recomendações de políticas públicas visando a conservação das espécies de mamíferos silvestres e prevenir o surgimento de doenças infecciosas de origem zoonótica, utilizando a abordagem de Saúde Única (One Health). Adicionalmente, apresentamos os conjuntos de dados formados pelos pesquisadores vinculados ao projeto Redes Socioecológicas, de acesso público, e que podem ser utilizados para análises estatísticas sobre saúde silvestre, saúde pública, e sua interseção com a saúde ambiental. O documento foi concluído em dezembro de 2023, e passou por fases de revisão e contribuições dos participantes das oficinas.

SUMÁRIO

Panorama da Saúde Silvestre

Desenvolvimento do Documento

Sumário

Prefácio

Declarações de Parceiros-Chave

Apresentação dos Coordenadores do projeto Redes Socioecológicas

Box 1. Para quem é esse relatório?

Panorama da Saúde Silvestre:

Contextualização

Por que a Saúde Silvestre importa?

BOX 2. A definição de Saúde Única e seus princípios fundamentais

Por que a Saúde Silvestre requer atenção imediata?

Como a Saúde Silvestre é abordada nas políticas públicas do Brasil?

Considerações de relevância em Saúde Silvestre

A biodiversidade e os serviços ecossistêmicos são pilares centrais da abordagem de Saúde Única

Áreas naturais conservadas são imprescindíveis para Saúde Única

A perda da biodiversidade pode levar à emergência de zoonoses

O comércio e o consumo de fauna silvestre são um risco importante para ocorrência de zoonoses

BOX 3. A Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Mamirauá

A vigilância ativa em saúde e a sustentabilidade da cadeia produtiva de animais de produção são peças chave para evitar fluxo de zoonoses

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A participação social na gestão pública é fundamental na manutenção da biodiversidade e promoção da Saúde Única

O estabelecimento de um sistema de vigilância de agentes infecciosos e de estruturas para manejo em animais silvestres é essencial para enfrentamento de zoonoses

A disponibilidade de bancos de dados abertos e diversos é fundamental para o estudo e previsão de ocorrência de zoonoses no país, como base para o enfrentamento de possíveis surtos

BOX 4. Vigilância em Febre Amarela: Integração entre SINAN e SISSGeo

A vigilância em saúde silvestre deve incorporar os saberes dos povos originários e tradicionais de forma participativa, e fomentar a qualificação dos comunitários

Recomendações para a Saúde Silvestre no Brasil

Saúde Silvestre na biodiversidade e conservação

Saúde Silvestre no comércio e consumo de animais silvestres

Saúde Silvestre na saúde e sustentabilidade da cadeia produtiva de animais de produção

Saúde Silvestre e os bancos de dados

BOX 5. Os Sistemas de Informação em Saúde (SIS) no Brasil

Saúde Silvestre na Vigilância epidemiológica

Saúde Silvestre e Sociedade

Saúde Silvestre e a saúde dos povos originários e tradicionais

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PREFÁCIO

A Saúde voltando à Ecologia

Fui surpreendida pelo convite de Paulo D´Andrea, coordenador do relatório PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE: UMA SÍNTESE DE AGENTES ZOONÓTICOS EM MAMÍFEROS SILVESTRES NO BRASIL, COM RECOMENDAÇÕES PARA TOMADORES DE DECISÃO NO CONTEXTO DA SAÚDE ÚNICA, a escrever este prefácio. Foi uma honra e enorme privilégio ter acesso a este rico trabalho e ter participado do evento em 2023 que apresentou seus resultados à comunidade da Fiocruz, parte do Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (SinBiose) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Sou profundamente grata aos autores pela oportunidade de debruçar sobre o texto e as informações a ele associadas, que retratam a riqueza de dados recolhidos e analisados pela equipe multidisciplinar, com muitos jovens pesquisadores.

Inicio esta escrita de modo saudoso e revigorada, pois ao ler o texto, não pude deixar de lembrar da importância histórica das pesquisas em saúde para a Ecologia, a parte mais desafiadora da Saúde Única. Assim, relembrei a obra “A Ecologia no Brasil na primeira metade do século XX”1, organizada por Fernando Dias de ÁvilaPires e Mario Beauperaire de Aragão. Nesta coletânea de referências é notável a

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participação de pesquisadores brasileiros, notadamente da Fiocruz, que dedicados às questões de saúde, construíram estudos ecológicos fundamentais. Um exemplo notável, pelo ineditismo, foi o estudo realizado por Gustavo de Oliveira Castro2 que, em 1946, descreveu a estratégia de vida de espécies generalistas e especialistas a partir dos estudos sobre Anopheles gambiae no Ceará e outros mosquitos, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Essas estratégias foram posteriormente descritas por Robert MacArthur e Edward Osborn Wilson como a seleção r e K, baseados em outros estudos, sem referência ou conhecimento do trabalho de Castro.

Ligando dados, construindo conhecimentos em atividades participativas, o grupo construiu o que sugiro como modelo para outras sínteses de conhecimento no âmbito da saúde, em especial para as zoonoses e arboviroses. Essas sínteses serão fundamentais para identificar lacunas, desafios e soluções para o cenário de rápida transformação atual, marcado pelas alterações ambientais e do uso do solo, das mudanças e extremos climáticos em curso, das vulnerabilidades humanas nos mais diversos contextos sociais, culturais e econômicos.

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Exercitando novos métodos para desvendar aspectos do fenômeno parasitismo, este projeto traz de volta a Ecologia e jovens ecólogos a tratar a Saúde, com recheio do olhar social, e com a chance de agregar novas tecnologias que auxiliam a construção da complexa trama dos ciclos naturais e antropizados de parasitos e hospedeiros, incluindo os vírus pois, por serem parasitas obrigatórios, não precisam ser considerados à parte neste contexto.

Desde sua origem, a Fiocruz reconhece a importância do conhecimento sobre animais silvestres para a saúde humana no Brasil. Não é à toa que as nossas 33 Coleções Biológicas guardam, há mais de 100 anos, milhões de espécimens que foram e são frutos de pesquisas de campo. Recentemente, inauguramos o BioBanco da Biodiversidade e Saúde. Somos todos cientes da importância destas incríveis coleções como patrimônio do povo brasileiro.

Os resultados apresentados neste relatório são amplos e de múltiplas interfaces, tal como indica a proposta do Projeto Simbiose. Espera-se, no entanto, que estes resultados cheguem aos tomadores de decisão nos diversos níveis institucionais e à sociedade com a devida urgência. Estes precisam se apropriar dos temas e subtemas tratados e não esgotados, compreender que estudos da ecologia geral e da ecologia de parasitos são fundamentais para apoiar políticas de Estado, para melhorar a vigilância em saúde humana e de animais silvestres, domésticos e de criação, implementar ações integradas de prevenção e controle e para a efetividade da conservação da biodiversidade, dependente de áreas naturais. A Saúde Única ou como recentemente trata o Ministério da Saúde “Uma só Saúde”,

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representa um caminho a ser percorrido que por si só precisará também ganhar e manter força política e se materializar em estratégia factível nos territórios. O pilar “ecossistema” de onde nasce efetivamente a proposta da Saúde Única, tem sido aquele mais difícil de se integrar à prática e nas políticas, pois é tratado na superficialidade dos estudos ambientais e carece de teoria ecológica. Com o cuidado de identificar como a saúde dos animais silvestres está amparada no âmbito legal nacional, as informações sistematizadas perpassaram pelos instrumentos e atribuições legais dos ministérios envolvidos no tema, além dos seus programas. Incluíram ainda, os instrumentos supranacionais e internacionais atuais que precisam lidar com a emergência de agentes infecciosos zoonóticos que impactam o atendimento aos compromissos assumidos pelo Brasil, como os da agenda 2030, os ODSs, o acordo quadripartite da Saúde Única, entre outros desafios. Essa visão é da maior importância, pois os esforços para a promoção da saúde humana conservando a biodiversidade se faz presente nos fóruns conservacionistas, mas raramente nos fóruns econômicos. Entretanto, como bem nos mostra os resultados e recomendações deste trabalho, os benefícios de grandes áreas naturais para a diminuição da transmissão de doenças deve chegar aos debates políticos e das leis que alteram o Código Florestal e põem em risco os ecossistemas, no licenciamento ambiental, na estruturação e planejamento das cidades, no ordenamento territorial de plantas de geração de energia, mineração e produção agropecuária.

O grupo traz elementos sintéticos extraídos de pesquisa ampla e multidisciplinar. A organização do texto em tópicos, que elencam desde os serviços ecossistêmicos até a necessidade de organização e disponibilização de dados para uso amplo, facilita a leitura, prioriza informações relevantes e melhora o entendimento para aqueles a quem as recomendações se destinam.

Ao longo dos anos, as questões sociais se tornaram e são, forças motrizes por trás da ocorrência das parasitoses e suas doenças. Mas os estudos ecológicos que possibilitam relacioná-las às alterações ambientais naturais e climáticas foram ficando ao largo, em parte em razão da importância e o novo universo de possibilidades oferecidos pela biologia molecular e as ômicas, restringindo um tanto as espécies às suas fitas de DNA ou RNA e moléculas. Resgatar a história natural dos parasitos, junto com o conhecimento genético e evolutivo ofertado pelo instrumental molecular e relacioná-los às expressões que apontam por onde andaram, quem parasitaram e como se dispersaram e sobreviveram, nos apontará caminhos para a antecipação de futuras epidemias e qualidade de vida. Assim, os resultados obtidos neste projeto abarcam diversos aspectos urgentes a serem aprofundados e assimilados no contexto nacional da conservação das espécies e dos ecossistemas naturais e na vigilância integrada em saúde para serem ampliados em ações concretas de prevenção e controle de doenças humanas e de animais, que também impactam a economia.

Vale destacar, entre os tantos pontos descritos, a importância da dinâmica e do papel dos animais silvestres envolvidos nas redes dos ciclos dos agentes infecciosos. Para isso, a escolha de parasitoses que já acumulam conhecimento robusto, como a doença de Chagas, raiva, leptospirose e as leishmanioses, foi uma escolha acertada para as análises propostas. Os resultados apresentados

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graficamente em forma de nuvem demonstram a dimensão das redes complexas do fenômeno parasitismo e como ele pode ser alterado com a perda de uma espécie ou o aumento da população de outra. Definir estes papéis requer recolher informações na literatura e buscar novas em campo. Esta tarefa é árdua e pouco reconhecida e apoiada, uma vez que requer esforço amostral temporal e espacialmente apropriados. Na natureza, a chance de detecção de agentes infecciosos nos indivíduos normalmente varia de 2 a 10%, o que resulta em horas de trabalho de campo, equipes treinadas, recursos adequados para deslocamento, biossegurança, coleta, manuseio e acondicionamento de amostras biológicas, laboratórios e diversas expertises.

O complexo sistema de vigilância em saúde nacional, incluindo a ampliação de suas equipes e apoio para investigações de surtos em campo, como demonstram os resultados do relatório, necessitam de urgente atualização, sistematização e integração de informações. Mas, justamente pelas diferenças de responsabilidades e, especialmente, por interesses econômicos e outros, a unificação completa de dados é um sonho distante. Não obstante, tecnicamente é possível interoperacionalizar os sistemas de informação e garantir as responsabilidades constitucionais dos setores que lidam com dados sobre saúde ambiental, animal e humana. A busca por integração pode ser mais concreta a curto prazo e garantir experiência e as bases para o futuro.

Questões fundamentais, como o uso e a comercialização de animais silvestres, precisam com urgência entrar na pauta das discussões nacionais. O relatório apresentado oferece bases consistentes para que o tema seja tratado não somente no âmbito da conservação das espécies e como crime ambiental, mas também como estratégico para conter epidemias. O comércio e uso de animais silvestres para qualquer fim devem ser eticamente coibido e com base em conhecimento científico, sem atender a interesses econômicos. Independentemente da sua intenção, tais práticas infringem o direito universal dos animais de serem livres e trazem riscos à saúde. Neste contexto, é fundamental tratarmos de modo diferenciado as comunidades que se alimentam de animais silvestres por necessidade e valores culturais, protegendo-as de ameaças e assédio para o enriquecimento ilícito e a contravenção. Além disso, no planejamento territorial é crucial considerar os vetores de desenvolvimento que propiciam maior contato com povos e comunidades isoladas, o aumento e circulação de cargas e pessoas em áreas endêmicas ou propícias a novas emergências.

Foi bastante interessante e prazeroso constatar que conhecimento de qualidade se constrói com observação, método, dados e análises robustas e isentas. Assim, o salto de conhecimento proporcionado pelo projeto se estruturou começando, como deve ser, pela síntese de agentes zoonóticos em mamíferos silvestres no Brasil. Lidando com diversas variáveis e lacunas de informação dispersas em diversos estudos e sistemas construídos em momentos e com objetivos diferentes, o grupo reuniu mais de 3 mil associações entre cerca de mil parasitas e 300 mamíferos silvestres, dos quais 162 agentes infecciosos zoonóticos. Estes dados foram consolidados e disponibilizados no banco de dados BMPO (Brazilian Mammal Parasite Occurrence Data). Entre parênteses, cabe reconhecer todos aqueles que os antecederam e estudaram e publicaram dados, sem os quais não seria possível reuni-los. A disponibilização do banco de dados ZECS (zoonoses +

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environment + climate + socioeconomics) que correlaciona dados socioambientais com a ocorrência de hospedeiros e parasitos, além da informação em si, exercita os novos preceitos da ciência aberta do Século XXI. A apresentação dos resultados em belos gráficos facilita a compreensão pela sociedade e por não especialistas, fator de suma importância nos valiosos e raros momentos quando é necessário apresentá-los ao público.

Aprender com o passado para transformar o futuro e prevenir a emergência e reemergência de doenças é o ponto fundamental dos resultados trazidos pela equipe responsável pela Síntese. Pode parecer – e deveria ser – simples entender que as relações entre parasitos e hospedeiros são simbioses e, por isso, complexas e merecedoras de investimentos contínuos, equipes estáveis, multiprofissionais e de excelente e ampla formação. Porém, considerando que simbioses são dinâmicas e moldadas por processos evolutivos que refletem a história natural das múltiplas espécies envolvidas ao longo de milhares de anos, é essencial ter dados de qualidade para entendê-las. E dados são obtidos nos longos, cansativos e desafiadores trabalhos de campo, pouco reconhecidos e realizados pelo estoico espírito daqueles que os perseguem ao longo de suas carreiras.

Ficou evidente que os encontros nos quais se misturam diferentes conhecimentos propiciaram o consenso e estimularam a geração de novas perguntas. Esses momentos devem ser valorizados, pois alavancam o avanço científico, especialmente em temas amplos.

Espero que os leitores possam aproveitar a riqueza das informações geradas, que as bases de dados promovam novas e incríveis sínteses, que o conhecimento apresentado apoie políticas públicas de qualidade e que gestores, tomadores de decisão e a sociedade tenham sempre na mente e nas suas decisões:

A Saúde Silvestre importa, sim!

Marcia Chame

Pesquisadora Titular (Fiocruz-RJ)

Coordenadora da Plataforma Institucional Biodiversidade e Saúde Silvestre (PibsS)

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Declarações de Parceiros-Chave

A saúde silvestre é crucial para a saúde pública, pois a interação entre humanos, animais silvestres e ambiente tem implicações diretas na ocorrência de doenças zoonóticas no Brasil e no mundo, como febre amarela, raiva, e hantavirose. Assim, é imperativo que órgãos, entidades públicas, e atores da sociedade dos diferentes setores, como saúde, ambiente e agricultura, alinhem e integrem ações baseadas na abordagem de Uma Só Saúde para predição, prevenção, preparação e resposta a doenças endêmicas, (re) emergentes ou potencialmente pandêmicas. Também é fundamental estabelecer uma governança sólida que defina uma agenda consensual entre setores nos âmbitos federal, estadual e municipal. Essa agenda deve contemplar temas importantes nas diferentes escalas, com diretrizes que promovam a colaboração e a cooperação entre as diferentes partes interessadas de forma perene. O Ministério da Saúde lidera a criação de uma instância colegiada intersetorial e interdisciplinar na esfera Federal, com representantes de diversos setores como Saúde, Agricultura e Ambiente, além dos conselhos de algumas profissões. Um objetivo desse colegiado é elaborar e apoiar na implementação de um Plano de Ação Nacional de Uma Só Saúde, que serviria como guia para ações coordenadas. Porém, é essencial que a Uma Só Saúde seja incorporada à cultura das instituições, introjetando no seu cotidiano a cooperação intersetorial e interdisciplinar. Isso requer investimentos em capacitação, sensibilização e comunicação para promover a compreensão e o comprometimento com essa visão.

Com estratégias envolvendo colaboração e coordenação entre diferentes setores, podemos fortalecer nossa capacidade de detectar, prevenir e controlar doenças zoonóticas de forma sustentável, protegendo a saúde pública e a biodiversidade.

Francisco Edilson Ferreira de Lima Júnior

Departamento de Doenças Transmissíveis Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA)

Ministério da Saúde (MS)

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A Organização Mundial de Saúde Animal ressalta que a saúde da vida silvestre é essencial para a vida na Terra. A sobrevivênciadeanimais,pessoaseplantas depende da saúde dos seus ecossistemas que, estando saudáveis, viabilizam a biodiversidade que neles existe: morcegos e as abelhas são polinizadores essenciais, os pequenos mamíferos mantêm a saúde do solo, os recifes de coral produzem oxigênio e capturam carbono, os frugívoros dispersam sementes e os predadores ajudam a controlar as populações de outras espécies.

A Organização Mundial de Saúde Animal ressalta que a saúde da vida silvestre é essencial para a vida na Terra. A sobrevivência de animais, pessoas e plantas depende da saúde dos seus ecossistemas que, estando saudáveis, viabilizam a biodiversidade que neles existe: morcegos e as abelhas são polinizadores essenciais, os pequenos mamíferos mantêm a saúde do solo, os recifes de coral produzem oxigênio e capturam carbono, os frugívoros dispersam sementes e os predadores ajudam a controlar as populações de outras espécies.

Os humanos, os animais domésticos e os silvestres partilham os seus ecossistemas com numerosos microrganismos. Muitos fornecem apoio essencial à manutenção da vida, mas alguns são prejudiciais, causando doenças, e assim perturbando o equilíbrio dos ecossistemas. Principalmente nos últimos anos, o número crescente de eventos de doenças emergentes tem sido associado à vida silvestre. Contudo, as ações humanas, como alterações do clima, comércio de vida silvestre, desmatamentos e determinadas práticas agrícolas são igualmente importantes para as infecções em humanos.

Paradoxalmente, os animais e a biodiversidade tornam-se vítimas esquecidas de doenças. Como ampliar os esforços para a saúde silvestre? Parcerias entre serviços de saúde animal e de saúde humana, no Brasil e na maioria dos países, nem sempre incluíram o serviço responsável pela gestão da vida silvestre, ignorando este componente importante da cadeia de vigilância de doenças, ainda que a saúde da fauna silvestre esteja profundamente interligada com a saúde dos animais domésticos, do ambiente e dos humanos. Ao proteger a saúde silvestre, salvaguardamos um futuro sustentável em longo prazo.

Valéria Stacchini Ferreira Homem

Departamento de Saúde Animal (DSA)

Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA)

Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA)

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SAÚDE SILVESTRE
PANORAMA DA

Et re nis ant quae et arum, ut dolorest, qui dolupta tiaerum que iderum di reperei ctorposandi aciusandent harions equunt pre, quos id et odist dolendit int volorepudae volo conseni hicillandi cus eos exceror ehenimin corepud aepeles et et oditas intesenda prem ipidi velit hitatempore nos acerum dolupides qui offic temquata velia qui dolut et eic tem rehent facero voluptat officimuscit pa cones con culpa cus, quidunt.

Vellit maxim re, sandae re santur se perovit aecusdanto offic tem verrore rsperum quamusd anisque sum ium aut aut aut enimodias arum qui ut reptur, nisimus quodi dolupta temporessi nonserovides estet volor atumqui te nonsedi caborehenia sita consedit quo optatat usantem ut eaqui bla volum dit velicil mincti il modit, occae ressin nosapedi quidenis enisciis vel int.

Occum nesti unt. Excesti uribusdam rae sae nonet, consendae volore ipsandae. Aquo odipsae vel illecus, ventur?

Giat landit harum quae eumquundia cus molorum eaquos esedign iendam estius, conem voluptas magnihitium volupictur mincia vidunt quatestem vide por magni te deligenti dolor solorit venim volum que et occabor poresecae nienis doluptaturem et occum rae conem fugit ent laut quassequia vollitatur reribustio. Hil illenih itiunt.

Offictus quos molut ommodio nsedisintum facia core ressit, aut quis mil estiam susae dolora exerorp oraest eaquos a aut et ut mod quamenis eossint iaspeles modis aut voloris essint doluptatur?

Sit represt venis eos quid ullabor ibusae volore dellat.

Ministério do Meio Ambiente

18 PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE
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Excelente visão geral dos resultados do projeto Redes Socioecológicas, desenvolvido no contexto do programa SinBiose/CNPq. O olhar amplo sobre a saúde silvestre no Brasil é peça valiosa para o avanço do conhecimento no tema. Demonstra um grande e necessário esforço na estruturação e disponibilização pública de bases de dados muito relevantes para a ciência e para a sociedade. O conhecimento produzido e disponibilizado pelo projeto Redes Socioecológicas será fundamental para um melhor entendimento e possibilidade de prevenção de surtos de doenças zoonóticas no nosso país. Trata-se de ciência estratégica para a sociedade em busca de uso e convívio sustentável com a biodiversidade.

Louvável a atitude do grupo de pesquisa em estabelecer diálogo transdisciplinar e interinstitucional, reunindo os olhares necessários a uma compreensão das relações entre ecologia, saúde dos ecossistemas, bem estar humano e animal e formas de produção. Faz lembrar a lenda indiana dos sábios cegos que buscavam entender um elefante tocando em suas partes, competindo por afirmar cada um a sua verdade particular sobre o animal. Quando então chega o último sábio, também cego, mas acompanhado por uma criança capaz de enxergar e trazer a visão nova e integradora da questão complexa representada pelo elefante, e decifra o todo.

O SinBiose/CNPq orgulha-se de fazer parte dessa história, estimulando e promovendo a mudança de um paradigma científico, em prol da saúde única, e de uma ciência aberta em diálogo permanente com a sociedade, na construção de um futuro comum possível e sustentável.

Marisa de Araujo Mamede

Gerente de Projetos SinBiose - PO 349/2020

Coordenação Geral de Cooperação Internacional

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)

19 PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE

APRESENTAÇÃO DOS

COORDENADORES DO PROJETO REDES SOCIOECOLÓGICAS

As mudanças globais representam um desafio para os cientistas, exigindo o desenvolvimento de conhecimento transdisciplinar que una teoria, métodos e big data para sustentar o gerenciamento integrador da biodiversidade, serviços ecossistêmicos, bem-estar socioeconômico e saúde silvestre. Nesse contexto, a Saúde Única se torna uma abordagem essencial para enfrentar os desafios relacionados à saúde silvestre, pois reconhece a interconexão entre os ecossistemas naturais, a saúde animal e a saúde humana.

Promover esforços multi-institucionais e transdisciplinares para entender e prever surtos de doenças tropicais negligenciadas (DTNs) oferece uma excelente oportunidade para combinar abordagens das ciências biológicas e sociais em sistemas complexos. Ao reconhecer a importância da saúde silvestre nessa dinâmica, podemos aprimorar nossa capacidade de prevenir e responder a surtos de doenças, bem como desenvolver estratégias mais eficazes para a conservação da biodiversidade, bem como uso sustentável de seus recursos para uma relação saudável entre o ser humano e os ecossistemas.

Nossos esforços dentro do projeto Redes Socioecológicas/SinBiose/CNPq visam investigar a interface entre biodiversidade, saúde pública e saúde silvestre no Brasil, utilizando modelos ecológicos baseados em redes de interações entre parasitos e hospedeiros. Ao fazer isso, nosso objetivo é sintetizar os determinantes biológicos, socioeconômicos e ambientais dos surtos de DTNs.

Para atingir essa meta, seguimos um roteiro composto por três etapas cruciais. Primeiramente, realizamos a síntese de grandes volumes de dados biológicos, socioeconômicos e ambientais existentes, a fim de parametrizar modelos de rede que englobam as interações entre espécies e levam em consideração a estrutura da biodiversidade (que sustenta os serviços ecossistêmicos), bem como a rede de instituições públicas (que sustenta o bem-estar social) em diferentes escalas geográficas.

Em seguida, integramos uma abordagem teórica transdisciplinar, construída com base na análise de redes para sistemas complexos. Desenvolvemos modelos empiricamente informados, que nos permitem prever surtos de DTNs e compreender as interações entre agentes zoonóticos, fatores ambientais e socioeconômicos.

Ao mesmo tempo, buscamos estabelecer uma rede multi-institucional ao longo do desenvolvimento do projeto, reunindo pesquisadores das áreas de biodiversidade, computação, saúde pública e saúde silvestre, a fim de promover o planejamento estratégico e integrado de políticas públicas. Essa abordagem cooperativa e colaborativa fortalece a pesquisa científica, possibilitando a análise conjunta de

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grandes conjuntos de dados biológicos, socioeconômicos e ambientais, e contribui para a construção de uma estrutura preditiva transdisciplinar.

Ao avançar na construção da teoria transdisciplinar na interface entre biodiversidade, saúde pública e saúde silvestre, disponibilizamos publicamente essas informações valiosas. Esses dados permitem o desenvolvimento de estratégias eficazes para a prevenção de doenças, a proteção da saúde pública e a conservação dos ecossistemas naturais. Nossa abordagem mescla ciência, governança e práticas sociais, fortalecendo os serviços ecossistêmicos e as políticas de saúde, enquanto valoriza a importância da saúde silvestre na manutenção do equilíbrio ecológico global.

Agradecemos a todos os especialistas e pesquisadores, assim como aos nossos financiadores e outros dedicados parceiros que se uniram no espírito da Saúde Única para contribuir com seu tempo e energia neste relatório. Em essência, este documento não se trata apenas da implementação de uma abordagem de Saúde Única, mas reflete o compromisso coletivo de utilizar essa abordagem multissetorial e multidisciplinar para enfrentar doenças zoonóticas e ameaças à saúde relacionadas.

Esperamos que este relatório seja útil e prático, e estamos ansiosos por discussões adicionais sobre como ele pode ser aprimorado e fortalecido no futuro. Através da colaboração contínua e do compartilhamento de conhecimentos, podemos avançar no campo da saúde silvestre e pública, fortalecendo a prevenção e o controle de doenças, bem como a conservação da biodiversidade. Ao considerar a saúde silvestre como parte integrante desta equação, fortalecemos ainda mais nossa capacidade de enfrentar os desafios de saúde global. Juntos, podemos criar um futuro mais saudável e sustentável para as gerações presentes e futuras, protegendo não apenas a saúde humana, mas também a saúde dos ecossistemas naturais que sustentam a vida em nosso planeta.

Cecilia S. Andreazzi, Gisele Winck e Paulo D’Andrea

Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro (RJ

DA SAÚDE SILVESTRE
PANORAMA

BOX 1

PARA QUEM É ESSE RELATÓRIO?

Este relatório é o produto conjunto dos resultados alcançados no projeto “SinBiose - Redes socioecológicas” e das valiosas contribuições fornecidas por especialistas durante duas oficinas participativas sobre a importância da saúde silvestre. Acreditamos que seja fundamental que o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) inclua o tema da saúde silvestre como pauta central para a conservação de espécies e para a saúde do ambiente. Temos expectativas semelhantes quanto ao Ministério da Saúde (MS) e o Ministério da Agricultura e da Pecuária (MAPA), que devem incluir a saúde silvestre como componente essencial das ações de saúde pública, juntamente com a saúde ambiental e dos animais domésticos. Além desses ministérios, há outros que também desempenham um papel relevante na temática, seja de forma direta ou indireta. Ministérios como o da Fazenda, da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, das Cidades, da Integração Nacional, do Desenvolvimento Agrário, dos Povos Indígenas, do Turismo, do Desenvolvimento Social, da Casa Civil, da Ciência, Tecnologia e Inovação, da Educação, das Minas e Energia, e a Secretaria de Relações Institucionais, são todos importantes devido às suas potenciais associações com a saúde silvestre. Além dos ministérios, também é fundamental incluir instituições vinculadas a essas políticas públicas, como o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), e outras organizações afins. Essas instituições desempenham papéis essenciais na implementação de medidas de conservação, pesquisa científica e proteção dos povos originários e tradicionais, que estão intrinsecamente relacionados à saúde silvestre. Reconhecemos a importância da colaboração e coordenação entre esses órgãos e instituições para abordar efetivamente as questões de saúde silvestre, preservação da biodiversidade e saúde pública. A participação síncrona, ativa e coordenada de todas essas entidades é fundamental para uma abordagem abrangente e eficaz nessa área.

Panorama da Saúde Silvestre:

Uma síntese de agentes zoonóticos em mamíferos silvestres no Brasil, com recomendações para tomadores de decisão no contexto da Saúde Única

Autores:

Gisele R. Winck, Fabiana L. Rocha, Gabriella L. T. Cruz, Paulo S. D’Andrea P., Marco A. Andreazzi, Ana Elisa Bacellar, Winnie Brum, Marina Galvão Bueno, Ana Paula Lula Costa, Jorlan Fernandes, Hugo Fernandes-Ferreira, Rosana Gentile, Jonathan Gonçalves-Oliveira, Maria Carmelinda Gonçalves, Eduardo Krempser, Ana Carolina F. Lacerda, Marília Lavocat, Jorge L. Nascimento, Renata Oliveira, Ricardo Sampaio, Cecilia S. Andreazzi.

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CONTEXTUALIZAÇÃO

Por que a Saúde Silvestre importa?

A biodiversidade e os ecossistemas desempenham serviços ecossistêmicos que têm um papel crucial na regulação de processos ecológicos essenciais, como a purificação da água, a polinização de cultivos, a decomposição de resíduos e a regulação do clima. Esses serviços ecossistêmicos são vitais para sustentar a vida e manter a nossa saúde. Segundo a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), a saúde de animais silvestres está interligada com ao menos sete dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), propostos pela instituição em 2015: Fome Zero e Agricultura Sustentável (ODS 2); Saúde e Bem-Estar (ODS 3); Trabalho Decente e Crescimento Econômico (ODS 8); Indústria Inovação e Infraestrutura (ODS 9); Consumo e Produção Responsáveis (ODS 12); Vida em Água (ODS 14); e Vida Terrestre (ODS 15).

As pessoas e animais compartilham muitos microorganismos. Essa coexistência é natural, comum e importante para a saúde. Apenas alguns desses microorganismos causam doenças. As doenças transmissíveis de origem zoonótica (zoonoses) são enfermidades que podem ser transmitidas entre animais e humanos. Aproximadamente 60% das infecções humanas são estimadas como tendo origem animal (Woolhouse & Gowtage-Sequeri, 2005), e dentre todas as doenças infecciosas humanas emergentes, cerca de 70% tem animais silvestres como reservatórios (Jones et al. 2008). Segundo o relatório das nações unidas sobre prevenção de pandemias (ONU 2020), dentre os principais fatores relacionados com a emergência de zoonoses estão a utilização insustentável dos recursos naturais acelerada pela urbanização, mudanças no uso da terra, indústrias extrativas e o aumento do uso e exploração da vida silvestre. Isso porque a diversidade de espécies em um ecossistema contribui para o chamado “efeito de diluição”, no qual a presença de uma variedade de espécies reduz a propagação de doenças (Johnson & Thieltges 2010, Civitello et al. 2015). A diversidade de espécies diminui as chances de um único parasito se espalhar rapidamente, tornando mais difícil a sua transmissão entre os hospedeiros. Portanto, a conservação da biodiversidade é essencial para manter a saúde dos ecossistemas e controlar naturalmente o surgimento e a propagação de doenças.

A compreensão destes problemas e a busca por soluções requer informações sobre a distribuição e diversidade de espécies, e também sobre as interações ecológicas em comunidades e ecossistemas em diversas escalas de espaço e tempo (Johnson et al., 2015). A Saúde Silvestre é um eixo da Saúde Única (Box 2, Figura 1), que é uma abordagem que reconhece que a saúde dos seres humanos, animais domésticos e silvestres, plantas e o meio ambiente em geral (incluindo ecossistemas) estão intimamente ligados e interdependentes. Nessa tríade, apesar de a saúde dos animais silvestres ser um componente fundamental da saúde planetária, ainda não é rotineiramente considerada e tampouco interconectada nas políticas públicas para a saúde humana, animal e ambiental, até que um surto zoonótico de doenças proeminentes ocorra. E, ao ocorrer, as espécies silvestres são muitas vezes erroneamente consideradas como uma ameaça à saúde humana, quando

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também são fortemente impactadas, geralmente, um reflexo de ambientes e sistemas microbióticos perturbados.

A saúde silvestre tem sido negligenciada como um importante indicador da saúde ambiental e preditor de surtos e emergência de zoonoses nas populações humanas e dos próprios animais. Esse cenário de negligência da saúde da vida silvestre, com raras exceções, também se aplica quando consideramos a vigilância eco-epidemiológica de zoonoses e a conservação da vida silvestre, sendo subdesenvolvida e desconectada entre as diversas esferas da gestão pública e entre os diferentes setores da saúde, do ambiente e da agricultura. De fato, as atuais políticas públicas que envolvem animais estão relacionadas com zoonoses, mas nenhuma possui relação direta com os animais silvestres, apenas com animais de produção, no intuito de proteção dos rebanhos pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) e prevenção ou enfrentamento de surtos na saúde pública pelo Ministério da Saúde (MS).

O monitoramento da ocorrência de doenças nas populações silvestres pode fornecer alertas precoces de zoonoses e riscos potenciais de infecções emergentes que podem afetar a saúde humana, animal e ambiental, e também são um importante componente para o desenvolvimento de estratégias de conservação de espécies. Não se trata apenas de catalogar quais parasitos circulam em animais silvestres. Os dados adquiridos devem ser interpretados sob a perspectiva de Saúde Única, considerando os impactos potenciais das perturbações dos sistemas parasitohospedeiro na interface humano- animal-ambiental. Para isso, é necessário aumentar os esforços para preencher lacunas do conhecimento, desenvolver capacidade e formação de recursos humanos e estrutura para a detecção de situações de risco e rápido diagnóstico para vigilância, desenvolvimento de sistemas integrados de base de dados de qualidade e informação e manejo em animais silvestres envolvidos nas situações de risco de emergência e/ou de ocorrência de surtos zoonóticos, além de desenvolver sistemas de gestão da informação e comunicação dos dados e estabelecer colaborações e parcerias multissetoriais é extremamente urgente e necessário para subsidiar a análise da situação de saúde no Brasil e para implementar políticas de saúde pública, animal e de conservação da biodiversidade.

Existem oportunidades para prevenir doenças infecciosas e reduzir a perda de biodiversidade, incluindo seus fatores comuns por meio de uma abordagem sinérgica. Ao considerarmos a saúde de animais silvestres, preservamos a biodiversidade e investimos em um futuro mais saudável e sustentável.

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Registros de circulação

Fauna silvestre

População humana

Fauna silvestre e População humana

Figura 16

Leishmania complexo L. donovani

Distribuição geográfica no nível de município de circulação dos parasitos do gênero Leishmania do complexo L. donovani em espécies da fauna silvestre (amarelo), na população humana (azul) e em ambos (vermelho). Os protozoários do complexo L. donovani reconhecidamente provoca leishmaniose visceral nos seus hospedeiros.

Fontes: BMPO e ZECS.

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Alguns dos animais caçados pelas comunidades locais:

Diversas espécies são alvos da pesca na região, como pirarucu (Arapaima gigas), tambaqui (Colossoma macropomum), tucunaré (Cichla spp.) e surubim (Pseudoplatystoma spp.).

Tartarugas, como a tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa), iaçá (Podocnemis sextuberculata), e tracajá (Podocnemis unifilis), são capturadas para consumo de carne e ovos. Os ovos de quelônios são geralmente consumidos crus (i.e., o arabu, uma mistura de ovo, farinha e açúcar). Os jacarés são caçados principalmente por sua carne - jacaré-açu (Melanosuchus niger) e jacaré-tinga (Caiman crocodilus).

A caça de mamíferos aquáticos como o peixe-boi amazônico (Trichechus inunguis), o boto-vermelho (Inia geoffrensis) e o boto-tucuxi (Sotalia fluviatilis) ocorre ocasionalmente, mas são importantes principalmente pelo tamanho corporal.

Principalmente queixada (Tayassu pecari), queixada-preta (Tayassu tajacu), capivaras (Hydrochaeris hydrochaeris), anta (Tapirus terrestris), onça pintada (Panthera onca), guariba vermelho (Alouatta seniculus), uacari preto (Cacajao melanocephalus), e macaco prego (Sapajus macrocephalus).

Principalmente mutum-piurí (Crax globulosa), pato-do-mato (Cairina moschata), e papagaios (Amazona spp.).

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2 Número total de associações únicas parasito-hospedeiro no respectivo grupo taxonômico.

Tabela 1

Resumo do número de espécies de agentes infecciosos em cada táxon de hospedeiro mamífero no Brasil incluídos no conjunto de dados BMPO1, excetuando-se helmintos e artrópodes. O número de parasitos zoonóticos estão indicados entre parênteses.

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28 PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE Táxon Bactérias Vírus Protozoários Fungos Associações2 Carnivora 23 (17) 22 (4) 23 (6) 11 (10) 186 (101) Cetartiodactyla 15 (9) 3 (1) 10 (4) 1 (1) 55(28) Chiroptera 71 (26) 81 (7) 22 (7) 22 (8) 609 (363) Cingulata 3 (3) 3 (3) 6 (3) 5 (4) 22 (18) Didelphimorphia 20 (15) 16 (6) 22 (9) 2 (2) 157(101) Lagomorpha - - 1 (1) - 1 (1) Perissodactyla 9 (6) 6 (3) 2 (1) - 17 (10) Pilosa 4 (2) 4 (1) 7 (5) 3 (3) 28 (18) Primates 23 (17) 28 (22) 15 (9) 4 (3) 200 (1452) Rodentia 38 (24) 57 (15) 22 (10) 3 (3) 326 (210) Total 152 (58) 73 (37) 57 (18) 33 (18) 1601(995) Domésticos e de Produção 152 (74) 73 (30) 57 (15) 33 (25) 540 (315)

Prevalência de Tripanosoma cruzi

Proporção de roedores

Diversidade funcional

Diversidade taxonómica

Figura 8

Diagrama simplificado do modelo de equações estruturais (SEM) descrevendo as relações entre variáveis de biodiversidade e seus efeitos na prevalência de Trypanosoma cruzi no nível de comunidade de pequenos mamíferos no país (Andreazzi et al. 2023). Linhas de setas duplas representam correlações, e linhas de seta simples representam regressões.

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