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Na areia Por: Fabio da Silva Barbosa Estava sentado na areia da praia, olhando o horizonte, tentando contemplar o que ainda há de bom e belo no mundo, quando senti aquela mão levemente apoiada em meu ombro. Olhei para trás e vi aquele rosto jovem debaixo da barba e do cabelo longo e despenteado. Vestido apenas com uma bermuda suja e amarrotada, pediu um cigarro. Expliquei que aquele era o último, mas daria a ele e isso seria bom para mim, já que levaria um tempo para descolar outro, ficando assim, algum tempo sem me poluir com todos aqueles agentes nocivos a saúde. O rapaz me agradeceu por dividir o vício suicida e caminhou em direção aos quiosques. Encarei mais um pouco o horizonte e me virei procurando o sujeito. Localizei a figura entre as mesas pedindo algo. Depois de correr três mesas, voltou em minha direção. Fingi estar apreciando qualquer coisa e me fiz de surpreso quando estava bem próximo. - Opa... Fala aê. - Fui pedir dinheiro ou comida nos quiosques... - Eu vi. - Confessei ao observar seus olhos molhados. - Sabe a última mesa em que parei? - Uma lágrima escorreu. - Aquela ali. - Apontei com a cabeça. - A mulher, hoje com aquele cara, um dia disse que me amava e nunca me esqueceria... Acontecesse o que acontecesse... Agora, ela olhou como se nunca tivesse me visto antes. - Talvez ela não tenha reconhecido... - Reconheceu. Assim que ela me olhou ficou em dúvida, mas logo em seguida reconheceu. Por um rápido momento achei que fosse me cumprimentar, mas vestiu aquela máscara fria e olhou para o outro lado, deixando para o acompanhante o trabalho de dispensar o pedinte. Tentei explicar que não deveria se aborrecer com isso. Afinal, ela tinha se mostrado como sempre fora: Uma pessoa com sentimentos menores. Tinha dado sorte em não terminar com tal pessoa. Mas, ele não me deu oportunidade para tal explanação. Não estava interessado no meu ponto de vista. Queria apenas dividir o pesado fardo de sua vida. Quando percebeu que ia emitir alguma opinião, se virou e caminhou pela beira dágua. Fiquei olhando ele ir, pensando em quem realmente seria aquele cara. Muitos o viam como mais um morador de rua, mas, debaixo daquele rótulo, devia haver um cara muito interessante, sensível e inteligente. Quando ele sumiu do meu campo de visão, levantei, bati a areia da bermuda e comecei a procurar alguém que estivesse fumando. Precisava conseguir um cigarro.


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“A minha arte, o meu trabalho, a minha vida, obrigatoriamente, têm que ser úteis.” Por: Fabio da Silva Barbosa Reflexão e arte. Este é o trampo desse guerreiro. Eduardo Marinho divide com seu público experiências vividas e traz importantes questões que costumam ser empurradas para debaixo do tapete. Cada obra, um novo tijolo na construção de um mundo mais justo e igualitário. Vamos começar por um assunto bem atual: O conflito no Rio de Janeiro. Solta o verbo. O conflito cotidiano é o mais cruel, porque despreza e exclui gerações e gerações, milhões de vidas atiradas à barbárie, destruindo a alma, impedindo seu desenvolvimento pleno, debaixo de brutal repressão. A sociedade é mais cruel com os mais fragilizados, como os covardes. E o massacre é cotidiano e é físico, moral e psicológico. Esse conflito que estamos vendo aí, por causa da copa, do pan e da disputa de territórios entre facções e milícias – engrossando o caldo com os interesses imobiliários nas áreas que vão se valorizando – não é novidade. É mais uma tragédia cotidiana imposta às populações de baixa renda, com a “vantagem” da criação de terror, com o aparato de guerra ostentado nas operações. Em 2008 teve a mesma coisa, guerra, mortes, tiros, terror. No fim, comemoraram a “retomada”, com desfile e banda de música, no Alemão, no clima de “para sempre”. Que nem agora, com bandeira lá em cima. Isso é um filme velho. Atrás, como sempre, interesses financeiros e na exploração, no controle e na contenção da população pobre e excluída. O conflito principal da atualidade é o das mega-empresas contra os povos. É um conflito dissimulado pela publicidade, onde se convence o povo de que as empresas são ótimas e nos amam e só pensam no bem estar geral – enquanto desalojam populações, induzem ao consumo compul-

sivo, financiam campanhas de políticos e pressionam por leis e isenções que as beneficiem, freqüentemente às custas de malefícios gerais. Impedem os investimentos na educação pública, controlam as comunicações, mantêm bancadas no Congresso e nas assembléias legislativas locais, se infiltram no judiciário, no executivo. Mas isso não é só no Rio, é no mundo inteiro. E as questões indígenas? Como resolver? A invasão européia iniciou a era do genocídio. Os povos originários são massacrados, expropriados, expulsos das suas terras, violentados, derrotados. Sem condições tecnologias para enfrentar as armas européias, os indígenas foram exterminados por cinco séculos. Calcula-se que haviam cerca de 15 milhões, só na área do Brasil. Em 1970, o censo indicou 180 mil originários, no Brasil. Com as políticas indigenistas, mesmo cosméticas e restritas, o massacre diminuiu a intensidade e a população pôde aumentar um pouco. Acontece que, para o sistema produtivo e consumista, essa estrutura social trazida pelos europeus que funciona com base na maioria pobre, que necessita produzir miséria, o índio é um mau exemplo. Em princípio, as populações originárias produzem tudo o que necessitam sem depender das indústrias, sem ter o consumo como o centro da vida. O que o índio materialmente precisa, ele sabe fazer. Casa, rede, utensílios domésticos, armas de caça ou pesca,


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canoa, remédios, tudo tirado da natureza à sua volta, sem destruição, sem produção em massa, sem precisar da escravidão de um emprego mal remunerado, em péssimas condições de trabalho, de transporte, enfim, de vida. Para o índio, a coisa mais importante da vida é viver. E viver bem. Isso é um perigo para os valores tão hábil e meticulosamente plantados no inconsciente coletivo, que levam as pessoas a aceitarem vidas massacradas como se não houvesse outra opção. Narcotizadas pela mídia, desarmadas pela falta de um ensino que merecesse o nome, as pessoas não questionam o modelo de sociedade em que vivemos. Os “maus” exemplos não podem ter perdão, precisam ser destruídos, ao menos moralmente mas, se possível, fisicamente. Você me pergunta como resolver... Como é que eu vou saber? A resistência taí, as ações, lentamente, vão aparecendo. O Estado continua submetido pelos interesses do latifúndio, agora rebatizado de “agronegócio”, com a entrada de diversas multinacionais no meio, reforçando as remoções, os ataques, a difamação. Vi um autidor, lá no Espírito Santo, posto pela Aracruz Celulose – empresa que poluiu o ambiente, encheu de eucaliptos uma área enorme do estado e expulsou os originários, décadas atrás – dizendo que “A Aracruz trouxe empregos, a Funai trouxe os índios”. É uma das maneiras de jogar a população contra os indígenas. São táticas sórdidas. Mas a internet, hoje, tornouse uma arma de defesa, divulgando as informações que a mídia esconde, trocando informações entre os movimentos de resistência e defesa contra os ataques, denunciando os crimes e convocando apoios às lutas. Se formos minimamente justos, veremos que o Estado deve reparação a todos os povos indígenas. Primeiro, reconhecer o genocídio secular, físico e cultu-

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ral. Retirar os invasores de suas terras e por em prática os direitos que já foram reconhecidos, mas que o poder econômico de minoria não permite que sejam postos em prática. Você sempre comenta sobre o governo atrás do governo. Fale um pouco sobre. Falo sobre os poderes atrás dos governos. Talvez seja melhor dizer acima. Os cartéis bancários, o mercado financeiro, as grandes indústrias – farmacêutica, de armamentos, alimentícia, da construção, da comunicação, etc.-, fizeram do Estado um teatro de marionetes, usando os políticos como os bonequinhos. Eles não aparecem segurando os fios, pois controlam os holofotes da mídia, que focalizam a política, não o poder. Como no teatro, parece até que as marionetes controlam o espetáculo. Essa é a maestria deles. Mas sempre acontecem os vazamentos. E me parece que cada vez vaza mais. No governo que entra, anuncia-se uma luta neste sentido. Ano passado houve a Conferência Nacional de Comunicações, em que mandaram os representantes da mídia privada e as conquistas foram poucas. Eu vi o blog deles, no fim do ano. Tinha cerca de 30 seguidores, apenas. E o problema afeta quase a totalidade da população, com a distorção das informações, a formação insidiosa dos valores baseados no consumo, desde a mais tenra infância, a exploração da sabotagem educacional, o estímulo ao sexo, à violência, à competição desenfreada, etc, etc. Na minha opinião, uma das principais frentes de luta, hoje, é romper o bloqueio da mídia, democratizar, pulverizar. E acabar com esse poder incontestável de pressão sobre os poderes que, afinal, são públicos, lembremos. E fiquemos atentos ao processo que se inicia. Boa alimentação é um ato revolucionário?


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Pode. E deve. A alimentação industrial não tem o menor compromisso com a nutrição, com a saúde. Ao contrário, a impressão que eu tenho é que há um acordo entre a indústria alimentícia e a farmacêutica. A alimentícia acaba com os nutrientes, enche de químicas nocivas à saúde, conservantes, colorantes, aromatizantes e outros que dá até medo, quando se lê nos rótulos – fora o que não vai escrito. Induz-se o consumo desta alimentação, a população adoece e precisa de medicamentos, dando lucro, também à indústria farmacêutica. Ou seja, a ind. alimentícia tira o que presta, enche do que não presta, as pessoas adoecem e precisam se medicar. Alguém já viu algum médico receitar arroz integral? Não, ele receita o complexo B. No arroz integral tem todo o complexo B. Mas o que se come é o arroz branco, que é muito mais amido. Na raspagem do arroz, eles vendem a película (que contém as vitaminas e a fibra) para os laboratórios farmacêuticos. Não parece combinado? Eu não me espantaria. É possível se alimentar com os produtos da terra, sem precisar de quase nada industrial. É muito melhor pra saúde e um ato revolucionário que afeta o poder da indústria. A Monsanto enfiou os transgênicos goela abaixo do Brasil, onde era proibido o plantio e a comercialização de tais produtos. Os venenos necessários ao plantio de transgênicos são os mais fortes que já existiram. Desde 2007, o Brasil é o maior consumidor de venenos agrícolas do mundo – tá na Caros Amigos de novembro, página 9 -; várias pesquisas apontam o aumento de aborto e outras doenças nas povoações próximas aos campos de soja transgênica; pesquisas do INCA (Instituto Nacional do Câncer) e da UFCE (Universidade Federal do Ceará) comprovaram o aumento na incidência de câncer sobre a população brasileira, devi-

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do ao aumento do uso de agrotóxicos. É a guerra das empresas contra os povos. O inimigo está infiltrado e enraizado na administração do Estado, sabotando o povo, controlando as comunicações. Escolher bem o que se come, neste contexto, é uma atitude revolucionária e de auto preservação. A arte tem de ser útil? A arte é um instrumento de diálogo com o abstrato do ser. Falando assim, pode parecer estranho, mas falo da sensibilidade, do emocional, do psicológico, do inconsciente, dos sentimentos – tudo no lado abstrato do ser. Se o artista vai trabalhar no sentido de libertar ou aprisionar, de denunciar ou disfarçar, conscientizar ou alienar, ou mesmo fazer trabalhos neutros, decorativos, sem nenhum engajamento humano, político ou social, aí é uma questão pessoal de caráter, de temperamento, de mentalidade. Eu poderia dizer até uma questão de solidariedade com a família humana. Mas, com os valores vigentes apontando para o “cada-um-por-si”, hábil e artisticamente plantados no inconsciente coletivo, através dos noticiários, das novelas, dos filmes e dos programas de tv, rádio, revistas de futilidades e panfletos anti-povo e pró consumo desbragado, o estímulo total ao egoísmo, não é de espantar a raridade dos artistas dedicados à evolução da sociedade e do ser humano. Além do mais, a arte que aprisiona, ilude, aliena, futiliza e esconde a verdade é muito bem paga, os melhores são transformados em celebridades, como se a fama fosse um objetivo em si. Já o outro tipo de arte é marginalizado, omitido, desprezado e até perseguido. A minha arte, o meu trabalho, a minha vida, obrigatoriamente, têm que ser úteis, têm que existir nessa direção. Bom, a palavra útil aí pode servir pros dois


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lados. A arte prostituída é útil aos que pretendem manter esse estado de coisas em que vivemos. É fácil ser artista, difícil é viver de arte e não a prostituir. Mesmo vendo tanta merda ao nosso redor, o otimismo está sempre em seu horizonte. Não vejo o otimismo em meu horizonte. Vejo o horizonte e vou andando na direção dele, atento à minha volta. Enquanto, de um lado, vejo crueldade e egoísmo, do outro vejo generosidade e altruísmo. Tenho visto muito trabalho de conscientização, de atendimento, de esclarecimento, de sensibilização. Claro que são poucos, raros, o Estado não assume suas obrigações. Podemos mudar isso, mas não sabemos disso, ainda, por isso o ensino é sabotado, o público, e controlado, o privado e o superior público. Para que sejamos fáceis de conduzir pela mídia, pelo massacre publicitário, em nossos valores, nossos conceitos, nossos objetivos de vida. Aí está um grande foco de trabalho. É preciso espalhar, causar reflexão, alcançar as pessoas reflexivas e angustiadas, mostrar como a estrutura funciona e como somos todos levados a sustentar, com nosso comportamento e nossa submissão moral, essa estrutura social injusta, covarde e suicida, que sabota, aprisiona e martiriza a maior parte da população. Há muitos trabalhando na corrosão dessa estrutura. Esse é o nosso trabalho, sem ele a vida perde o sentido. Se dará resultado, se será logo ou não, é uma questão menor. O destino é a caminhada, o objetivo é o trabalho no sentido da iluminação, da claridade, do esclarecimento, da sensibilização e da conscientização.

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Encontros/Desencontros Por: Fabio da Silva Barbosa “É que de ontem para hoje eu já aprendi muita coisa” Gandhi Passei por um velho amigo e sentamos no meio fio para trocarmos idéias. Lembramos de nossa juventude, onde éramos inocentes o suficiente para pensarmos ter descoberto a verdade. Sabíamos o segredo da vida. Hahahaha... Que piada. Foi ao rir que percebi: Ele ainda tinha as velhas certezas. Comecei a ser bombardeado por uma série de perguntas e a cada resposta dada ele comparava com respostas antigas que eu tinha dado em alguma ocasião (eu nem me lembrava mais do que ele estava falando). Por vezes, ele soltava um simples “como você está mudado”. Tentei explicar que não tinha mais aquela vontade de ser “aquilo mesmo para sempre” e que corríamos o risco de nos encontrar amanhã e eu já ter mudado de opinião. Aí ele endoidou. Disse que isso era falta de personalidade. Nesse momento, lembrei-me da frase de Gandhi quando um espertinho tentou pegá-lo em contradição e parafraseei sem titubear: É que até amanhã vou ter aprendido muita coisa.

“Não é triste mudar de idéias; triste é não ter idéias para mudar” Aporelly – Barão de Itararé

CRISE Por: Wagner T. Na mesa a folha pálida Na mão a caneta ávida E no final o papel permanece intocado. Por quê?


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Cleber Araújo apresenta o Barraco Por: Fabio da Silva Barbosa Para começar, apresente o Barraco. Barraco@dentro é um espaço virtual destinado, principalmente, aos moradores de comunidades, mas, também, está aberto para todos os que se interessam por assuntos comunitários. A finalidade do site é oferecer aos moradores de comunidades um outro olhar sobre a sua realidade - diferente das mídias convencionais - usando uma lente jornalística que não seja preconceituosa, nem superficial. De onde surgiu essa idéia? A idéia da construção do site já é um pouco antiga. Desde os tempos da faculdade, ficava imaginado um meio de comunicação diferenciado dos tradicionais. O fato de ser morador da favela da Rocinha também influenciou na decisão de querer criar um espaço para comunicação desse gênero um espaço não só noticioso, mas de reflexão e valorização cultural e social. Mas, a principal inspiração desse projeto só conheci durante a produção do meu trabalho de conclusão de curso, quando fiz um documentário sobre a TV Tagarela, da Rocinha. Uma galera que faz a diferença. Dentro das suas produções, procuram levar aos moradores um pouco de reflexão sobre o cotidiano da favela, desenvolvendo a conscientização sócio-política.

Você já trabalhava com blogs. Como eles vão ficar? O Pauta Grande continua? O blog Pauta Grande teve e tem duas funções na minha vida, apesar de não ser atualizado com frequência. Primeiro: Foi uma forma de manter-me ligado ao meu sonho de exercer o jornalismo cidadão. Já que o mercado jornalístico está difícil de emprego, principalmente para pessoas que queiram trabalhar por um mundo melhor, tive de criar meu próprio espaço para expor minhas reflexões e críticas. Segundo: Funcionar como válvula de escape, uma fuga do estresse cotidiano através dos meus pensamentos e palavras escritas. Quanto a continuar alimentando o blog, isso ainda é incerto. Primeiro vou ter que organizar meu tempo e me empenhar bravamente para o obter o sucesso esperado com o Barraco@dentro. Como a galera faz para participar? Minha intenção é criar uma rede com os blogueiros e com os sites que já atuam no meio comunitário. Não pretendo publicar somente o que é produzido pelo barraco, mas disponibilizar espaço para outras pessoas e intituições que partilham do mesmo ideal. O que estou propondo não é nada de novo. Isso é uma prática comum entre os blogueiros e os sites de esquerda e funciona com muito sucesso. Vamos sempre estar receptivos à artigos, matérias, entrevistas, fotos, vídeos e críticas pelo e-mail: contato@barracoadentro.com ou cleberaraujo@barracoadentro.com.

Qual o benefício para as comunidades? Espero que, ao adentrar nas comunidades, o Barraco esteja ajudando a valorizar uma cultura que é excluída, a desenvolver a conscientização social e política e, acima Uma mensagem para fechar bonito: de tudo, enfatizar os verdadeiros valo- Só vamos viver numa pátria mais justa e res das pessoas dessas regiões que não são fraterna quando o povo tiver a consciência reconhecidos pela classe média alta, nem de que a vida política não se vive apenas de quatro em quatro anos nas urnas. por sua mídia representante. www.barracoadentro.com


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Língua rica ou confusa?

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d Por: Fabio Certas coisas não entram em minha rude cabeça. Por exemplo: Se o ch tem o mesmo som do x, qual a necessidade do ch? Questiono o ch por terem unido duas letras para fazer o som de uma que já existe. Eu sei que muitos irão falar sobre a origem da palavra e toda essa história, que embora seja interessante para estudiosos do assunto, não serve muito para os que usam a língua em sua real finalidade, a comunicação. O fato é que sou um oxigenador. Sou a favor das mudanças. Mudar sempre. Até o que está morto muda. De um jeito ou de outro muda. Apodrece. Muda a forma, a consistência, o cheiro... É a mudança que resta aos que se mantêm firmes às velhas normas: o apodrecimento e o mofo.Cérebros engessados não produzem, apenas repetem o que já foi dito, tocado e feito. O falar serve como um meio de comunicação, assim como o escrever. Não é mais que isso. É apenas uma forma de se comunicar. E a língua muda como muda o povo que a usa. Ela tem de atender a necessidade do povo, ao em vez do povo atender as suas necessidades. Para não acharem, os simplistas, que apenas abolindo o ch se resolverá a questão, vou citar também o caso do s. De forma geral, s faz som de z e ss som de ç. Preciso continuar o raciocínio? Preciso ainda falar que, na prática, essas regras têm exceção? Que, por vezes, o s faz outro som? E de que serve isso? Isso é riqueza da língua? Preciso perguntar a utilidade de uma letra que faz som de outra? Preciso chegar ao cúmulo de passar pelo h antes de uma palavra como o nome Hugo? Há países em que isso faz uma grande diferença, mas vamos falar de Brasil. Qual a diferença de Ugo e Hugo, a não ser o h, é claro? E o g com som de j, ou vice versa? Poderia ficar o dia inteiro desfiando banalidades lingüísticas impostas, mas acho (ou axo, tanto faz) que já consegui passar a idéia geral. A história ou etimologia da palavra não é camisa de força para prender um povo a um sistema confuso de signos que perde o foco de sua real função. Dizer que ia ser complicado mudar tudo seria uma grande besteira. Não seria dificuldade nenhuma uma pessoa, independente da idade, ser informada de que a partir de agora apenas o x fará som de x. Olha que coisa difícil de explicar. A internet trouxe mudanças muito mais complexas ao cotidiano da escrita e todos absorveram muito mais rápido do que essa linguagem empolada que nos empurram goela a baixo desde a alfabetização, sem conseguir nunca que nós fiquemos confortáveis ao usá-la. Somos sempre vítimas dela, que nos assalta com dúvidas criadas por suas regras arbitrárias. Engraçado que nunca vi aula de MSN para ensinar que vc significa você, ou qualquer outra coisa do tipo. A coisa flui naturalmente quando é agradável ao usuário. O desengorduramento lígüístico tem de acontecer. Nunca vai estar bom o suficiente ao ponto de não precisar mudar mais. A perfeição é utópica. Ainda bem que existem as gírias para nos salvar dessa estagnação que tanto agrada aos senhores do saber. A gíria é o enriquecimento da língua. Isso sim é riqueza. O povo criando e transformando o que é seu. Dia após dia. Palavra por palavra. Mudando conceitos sem nenhum tipo de preparação ou aviso, nem por isso deixando de compreender o significado da palavra assim que é dita. É por isso que o teórico fica tão aborrecido com essas mudanças. Ele fica de fora e não é consultado. Aí só resta desfiar seu conhecimento ultrapassado, com cheiro azedo, tentando provar que tudo que escapa ao controle é blasfêmia. VIVA A LITERATURA MARGINAL! VIVA AS TRANSGRESSÕES LIGÜISTICAS! VIVA O VIVO!


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Entrevistando o OTA Por: Fabio da Silva Barbosa Otacílio Assunção, o fantástico Ota, foi super receptivo ao meu convite para esta entrevista. O resultado não poderia ser melhor. Curtam esse bate papo, aproveitando para conhecer um pouco mais desta carismática figura. Principal fato desses 40 anos de carreira? Acho que o que me tornou conhecido foi o Relatório Ota, que comecei a publicar na segunda série da Mad, mas acho importante a fase das revistas de terror da Vecchi. Durou só uns 4 anos, mas muita gente importante no cenário das HQs apareceu ali. Acho que fiquei na Mad tempo demais. Deveria ter pulado fora quando a Record parou de publicar em 2000. Mas acho que a parte mais importante está começando. Só que os quadrinhos estão ficando num plano menor.

Fiquei nas nuvens. Ela não é só um rostinho bonito e tem uma força espiritual fora do comum. Com a escolha do Igor Cotrim pra fazer o meu papel nas dramatizações a coisa ficou mais consistente ainda. Mas se engana quem pensa que esse vai ser apenas mais um documentário sobre quadrinhos como o “Malditos”. É muito mais. Claro que os quadrinhos vão estar presentes o tempo todo, mas será um filme para todo mundo ver, não só os fanáticos por quadrinhos. Ouso dizer que esse filme mudará também o conceito de documentário.

Chegada da internet e novas tecnologias: Acho que fui, se não o primeiro, um dos primeiros cartunistas brasileiros a ter um site. Assim que começou a se popularizar no Brasil, entrei e não saí mais. Comecei a me movimentar nesse sentido. Hoje, estou produzindo games para crianças. É uma linguagem que me fascina.

E o segundo volume do Relatório Ota? A série dos Relatórios continua. Será uma coleção enorme. Estou colocando no liquidificador tudo que fiz na época da Mad e adaptando pros dias de hoje. Na verdade, não é um livro de quadrinhos, mas um gênero novo, que pode ser classificado como “literatura desenhada”. Mas o ritmo das livrarias é mais lento. Está demorando mais a acontecer do que eu queria.

Muitas coisas estão acontecendo. Entre elas está seu relacionamento com o cinema. Depois do “Malditos Cartunistas”, um filme sobre sua trajetória está a caminho. Um amigo de longa data, o Franz Valla, falou que eu merecia virar tema de um documentário. Iria ser um curta, mas quando ele falou do projeto pra Tatiana Issa, ela disse que ela mesma, junto com o Raphael Alvarez, iria dirigir o filme e que seria um longa. Foi a melhor notícia que recebi em 2010. Não é qualquer um que vira tema de filme da Tatiana Issa.

O que está acontecendo no mundo das HQs? Está havendo uma transição. Os quadrinhos deixam de ser um produto de massa e viram cult. Parei um pouco de acompanhar porque é difícil separar o joio do trigo. Ao mesmo tempo que tem coisas geniais, tem muita porcaria sendo lançada. Loucura ou sanidade? Bom, normal eu não sou, né? Não sou exatamente louco, mas tendo a ser classificado assim porque fujo dos padrões. Mas, é claro que não regulo bem da bola.


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Santidade ou pecado? Nem um nem outro. Não sou santo, mas não chego a ser pecador. Na verdade, tenho um código de princípios muito forte. Público ou privado? A privacidade é uma coisa que não existe mais nos dias de hoje. Antes era só Deus que via tudo, agora é o dono do Google. Ota no momento da criação: As idéias vêm o tempo todo. Ando com um bloquinho no bolso e anoto tudo. Mas, na hora que preciso produzir para cumprir algum prazo, vêm do mesmo jeito. Para aquele garoto que está começando a fazer seus primeiros rabiscos e sonha em conseguir viver de seus futuros desenhos. No meu tempo, havia mais veículos impressos, então, um garoto de 17 anos podia chegar na redação de um jornal e no dia seguinte sua tira estar sendo publicada... Eu sei que tive muita sorte, mas antes era mais fácil.Hoje não tem essa sopa. Entretanto, há a possibilidade de publicar na internet. O problema é se sobressair na multidão. O conselho que dou é: Se o garoto, ou garota, quer mesmo seguir a carreira, deve perseguir seus objetivos e se agarrar às oportunidades que aparecem.

Liberdade (O quarto poema sobre gatos) Por: Winter Bastos Tinha tudo leite, peixe afago, afeto Mas isso não o tinha satisfeito

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Visões/Tormentas Por: Alexandre Mendes, Fabio da Silva Barbosa e Murilo Pereira Dias - Samangoia!!! Pula para lá. Gritava a entidade pulando de um pé só. A vida na selva, era tudo que lhe restava. Sua subsistência dependia dos arbustos, compostos por cereais, plantados pelas doninhas do Leste. A vida não era mais a mesma. Grande amigo Jorge mauro que na angustia dos conflitos sub racionais das contra razõs...estava lá no momento em que trovão não parecia mais agüentar... enquanto na cidade outros conformes traduziam questões nao expressivas...a pressão dentre tantas outras quest~es...uma hora dessas ....a onda ...pas-sando e as entidades querendo sempre mais..... sente´se na pele a angustia...nas palavras descoexas sente-se que as palavras não querem sair se não se sob um efeito demomostrativo de enenfermidades espirituais...se essas provem da floresta ...nnrealmente não sbasa-bemos...e oo s erros realmentes...ficxam cada vez mais visíveis.... Nem dor Nem cor Nem por “Não crer Não ter Não ser” Cooncreto puro e gasolina Gritos na madrugada. Todos ficaram alertas na cidade. Oswaldo trabalhava dia e noite, mas não adiantava. Sua casa seria leiloada pelo governo. Suas vestes estavam rotas. Seu carro tinha o motor de Kombi trepado. O sapato de bebê enfeitava o retrovisor, pendurado por um fio de nylon.. Se perdeu...enfim, como sem recordação de um tempo inde as pessoas que precisam de concentração e estamos prestes a acreditar que as coisas poderão estar para nosso favor...e certamente com o tempo as coisa vão ao nosso favor...pórém se em conquenta anos vc não ainda tiver conseguido atingir o que vc precisa ...isso não significa que está


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sucumbida a missão de nada estar rprestando......na grande verdade...se toda essa banalidade é uma ciência...quem escreveu isso???a ciência assim com os seres querem ser deus e quyerem que esse deus seja sua própria semelhança...uma simples fuga sem razão de suas angustias mais uma vez aqui materializada em linhas sem sentido..........mas porra o que queremos chegar numa montagem onde numa sexta feira....uns camaradas das antigas resovem beber algumas cervejas fumando alguns cigarros e refletindo sobre a merda da vida que que existe um sieema de merda que não ajuda nem mesmos os que querem ajudar.......................foda-se esta se esgotando o tempo......e todos devem partir........acabou a onda,...acabou a inspiração............,.....e se esse texte render alguma coisa ....que a s pessoas que poosam ler...sqaibam que isso foi um fruto de uma onda...e serve de exemplo para futuros viciados....escritos malditos das madrugadas de sexta feira....... Eu quero é que se foda Vou gozar na cara Comer a bunda E quem não gostou que chame o Papa. Um dia perceberão que a expressão que iniciou e onde tudo voltará é o nada. A existência pede uma explicação para isso e sempre pediu. A vergonha é a insistência em cultuar tradições maléficas para o comportamento social. Crenças em Deuses e diabos. O certo e o errado, o bem e o mal são postos em cheque. O homem perdendo o sentido da vida. O nada fará com que ele reproduza uma cultura adversa. O sentido de evolução tradicional já está jogado por terra. Viva para porra nenhuma. Se drogue, beba álcool em todos os teores . Viva a vida em diversas cores e seja feliz . A vida pode durar apenas mais uma hora...........................então para acabara essa historinha... tabm não temos mais cigarros...nem queremos mais beber cachaça...apesar da porra da entidade estar pedindo muita cana,,,,,,mas uma vez mais....como acimaescrito....eu quero é que se foda....mas....não,,,,,me desculpe....isso não foi com vcs....espiritos...............me desculpem........vcs estão enendendo.....então eu vou parar vou parar por aqui..................... Façam sexo. Pêssego em caldas. Amém!!!!!!!!!!

título Não tem Título Por: Murilo Pereira Dias

Seres humanos complicados.... depositam concreto na liberdade semeada grades fechando a visão universal... diminuindo o alheio semelhante. ..se distanciando.... ficando mesquinho.... absorvido em suas razãoes obsoletas favorecido pelo medo do mundo dos outros numa história de um unico personagem uma arma social um ser letal não aprendeu valores não recebeu flores


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não teve amores rumores de dores horrores seres que querem governar dominar retirar...extinguir... é apenas o lado sombrio da vida... de onde não extrai-se beleza mas trai a si próprio ao ceder a certeza precisa do caos...do fim da paz... da destruição... exterminio mas ao deitar não sente-se satisfeito precisa estar desfeito para que bem feito possa desejar a mesma dor que há no peito daquele que não aprendeu amar... arrogante...ultrajante... que julga no olhar...ser pensante intolerante não vai me mandar... ouse tentar...pretendo por mim essa guerra começar sabias armas em argumentos preciosos comece atirar ... ter acertado não significa matar atire mais até esgotar não tenho pressa desse lado estarei vendo sua morte sentado um reino afogado... restam aqueles de fora da história e aqueles que tentam reiniciar.... os que trazem na memoria antes da vida começar....

O RELATÓRIO Por: Fabio da Silva Barbosa - jhzbckcc acaba de chegar. - Bem vindo jhzbckcc. Como foi a pesquisa entre os habitantes da Terra? - Assustadora. Os seres denominados humanos dominam todas as criaturas vivas. Escravizam, roubam, matam e torturam... Atacam até seus semelhantes se isso lhes trouxer lucro. - Lucro? - Existe um papel chamado dinheiro que determina as ações humanas. Para acumular esse papel, destroem todo o planeta. - Impressionante. - Isso, porque ainda não falei das guerras. - Guerras? - É a ocasião onde armas terríveis entram em ação. Matar se torna permitido e nem mesmo suas crianças são poupadas. - São os que eles chamam de filhos? - Exato. - Talvez devêssemos esclarecer... - Estão entorpecidos. Não conseguem perceber ou compreender o que acontece a sua volta. Entre os meios utilizados para narcotizá-los está a televisão. - Li sobre isso. É uma caixa colorida que submete os terráqueos ao pior nível de informação, deformando a realidade e tirando a potência transformadora humana. E por que eles se submetem a tal aparelho? - A ganância humana é tanta, que o que tem mais dinheiro domina o que tem menos para poder ganhar mais dinheiro deste. - Isso não faz sentido. - Quanto mais nos aprofundarmos no relatório, mais sem sentido tudo fica. Ainda nem falei sobre as faces da mentira, a omissão, a divisão do mundo em países... - Conte tudo. - Primeiro temos de nos afastar ao máximo deste planeta. Temo que o comportamento humano seja contagioso. - Para outra constelação! Velocidade da luz!


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Poesia e resistência Por: Fabio da Silva Barbosa Para quem ainda não conhece: Quem és tu? Sou gaúcha de Pelotas, RS, jornalista por formação e taquígrafa de profissão. Moro no Rio de Janeiro há 15 anos e atualmente, às vésperas dos 64 anos, já nem sei me definir. O que fui, já não sou e é possível que ainda esteja em mutação. Mas alguma coisa não muda; sou pisciana, gosto de leitura, música, cinema e praia, não nessa ordem. Não gosto de hipocrisia e de pipoca no cinema. A literatura preencheu o vazio que ficou após a morte de minha filha, Alice, embora eu já escrevesse antes disso. Meu filho, Gabriel, minha nora Gisela e minha neta, Cora, são os motivos para que não tenha queixas da vida. Sofri o meu quinhão, mas aprendi a reconhecer os bons momentos que me couberam. Tenho muitos defeitos, mas eles incomodam mais a mim do que aos outros, pelo menos é o que acho. .Projetos, livros e trabalhos: Tenho oito livros publicados, entre poesia, contos e crônicas e editei muitos livros pela Editora da Palavra, que inventei em 2001. Já fui mais dinâmica na realização de projetos. Talvez o panorama da palavra - evento de poesia no teatro que durou quatro anos - tenha sido o de maior repercussão. Junto com ele, criei um jornal com o mesmo nome, que existe ainda, em 70ª edição. E mantenho o blog www.integradaemarginal.blogspot.com Hoje em dia, a burocracia tomou conta da arte e me desestimula. Não me agrada tratar o filme, o livro, a peça como se fossem pasta de dentes, ou seja, apenas um produto à venda. Na minha opinião, o autor está muito submetido a questões mercadológicas. E a iniciativa privada, como sempre, não quer perder nada. Cito, por exemplo,

o caso do Santander, que aproveita a invasão no Complexo do Alemão para pedir aos clientes que doem brinquedos às crianças da comunidade, coisa que ele mesmo deveria fazer, se quer, de fato, conquistar clientes. Da mesma forma, as instituições ditas culturais exigem tanto do artista que ele deixa de criar para se transformar num burocrata, às voltas com documentos e notas fiscais. Como seria sua vida sem a poesia? Não posso imaginar. A poesia me ajudou a suportar, entender e recriar a vida. E repetindo Luiza Viana, poeta da minha admiração, eu diria que a poesia é a única saída para o nada. No seu blog, a legalização das drogas é sempre um assunto abordado. Qual seria o benefício da legalização para a sociedade de uma forma geral? Sou contra qualquer invasão na vida privada de qualquer indivíduo, desde que isso não prejudique a outrem. Não é o caso da música alta, contra a qual não há nenhuma campanha, ou do lixo na rua - coisa para a qual ninguém dá a mínima. Houve um tempo em que as drogas não eram proibidas, e se o foram é porque havia (e ainda há) um interesse não revelado. Fora isso, a proibição das drogas é um pretexto sempre usado para perseguir os mais pobres, haja vista a “abordagem” da polícia junto a pobres ou ricos, favelas ou condomínios. Além disso, todos estão cansados de saber que o álcool é a droga mais letal que existe, no entanto, aí está sem que ninguém seja incomodado, a não ser quando dirige, mas aí já morreram alguns. Se algumas pessoas podem usar drogas, então, todas podem usar e cada uma decida por si. As consequências disso


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dizem respeito ao próprio usuário. Mas, o subtexto dessa política é: você é incapaz de gerir suas escolhas. E tome controle estatal. Hoje, os bancos sabem onde você anda, as câmeras sabem o que você faz, e o Grande Irmão é cada vez mais real. A cultura é outro tema muito abordado. Cultura seria o antídoto para a sociedade? Certamente a cultura seria um antídoto, mas já perdemos muito tempo. Deixamos que a cultura de massa nos invadisse. Distraídos, achamos que o entulho que a cultura norte-americana nos enviava era progresso. Perdemos o hábito e a coragem de criticar, e esse era justamente o objetivo. A cultura de massa nos quer como consumidores, e não como agentes da criação. Qualquer manifestação artística que surja em qualquer lugar é imediatamente cooptada. O artista deixa de ser o portavoz da sua comunidade, que reflete também os seus anseios e preocupações, e se rende à pasteurização. Afinal, é como poderá sobreviver. O que hoje se chama cultura é apenas entretenimento e às vezes até lavagem cerebral. Há alguma coisa nova, no entanto, que é exatamente a cultura que emerge das periferias, que não obedece às regras da educação formal, e brilha como uma pedra sem lapidar, justamente por ser verdadeira. Digamos que daí vem a esperança.

Preconceito, intolerância e egoísmo. Algum dia o homem irá abandonar esta maldita trindade? Acredito que não. Faz parte da natureza humana rir do que não reconhece, maltratar o mais fraco, troçar do diferente. Às vezes, temos alguns avanços, como por exemplo: sabemos que a tese do brasileiro como sendo um “homem cordial” é falsa. A cordialidade é uma máscara que usamos para não enfrentar alguma coisa que nos provoca e incomoda. Não sabemos o que é, então rimos do que nos causa estranheza. Damos tapinha nas costas. Dizemos “é brincadeirinha”. O mito do brasileiro sem preconceito já caiu. Hoje sabemos que somos preconceituosos em relação a tudo; hostilizamos aqueles que não reconhecemos como um dos nossos. Odiamos o adversário que não é do nosso time, o gay que quer apenas viver em paz com seu parceiro, a mulher que não quer ter filhos, o jovem que quer apenas estudar... Isso tudo sem falar nas pessoas que apresentam características físicas diferentes da nossa. Achamos que as negros não avançam porque são menos inteligentes, que os índios são preguiçosos e os velhos são inúteis. Isso sem falar nas mulheres, todas umas piranhas na hora da briga. E que merecem apanhar. Nada disso é novidade. Foram muitos anos para reconhecer que somos preconceituosos, precisaríamos de


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tempo igual para entendermos o motivo. Defesa, medo, inveja? Mais mil serão necessários para nos reconstruir e olhar o outro não como um igual, mas como semelhante, e que portanto merece consideração igual a que julgamos merecer. Fora isso, há o preconceito de classe. E atenção: às vezes nos consideramos libertários porque combatemos um tipo de preconcei-to, mas sem que percebamos, carregamos uma série de outros. Um desejo: Estar viva quando as drogas forem legalizadas. Um sonho: Comprar todos os prédios de que as igrejas evangélicas se apossaram e transformá-los outra vez em cinemas. Uma idéia: A educação pela arte. Despedida : Agradecendo a gentileza do entrevistador pelo convite. Por algum motivo considerou que a minha voz merece ser ouvida. Espero que tenha razão. Que alguma palavra do que escrevi germine na cabeça e no sentimento de um leitor. Um que seja. E que desperte a necessidade de que seja íntegro, verdadeiro, seguidor do seu instinto, sem dar valor ao que dizem, mas ao que ele mesmo se diz, profundamente. Eis o sonho.

Crème de la crème Por: Fabio da Silva Barbosa Estava tudo em um ritmo lento, quase pastoso. Tentava tirar o cigarro do maço, mas acabei por desistir. Já havia passado horas naquela batalha. Melhor! Assim ficava mais tempo sem fumar. Fiquei estático por algum tempo. Não sei quanto. Completamente catatônico. Ouvi um barulho na sala. Pensei em ver quem era, mas desisti. Não devia ser nada importante. Percebi a televisão ligada. Estava passando alguma bobagem sem importância (Bobagens importantes não fazem parte da programação. Algo que não seja bobagem então... Aí é pedir demais para a mídia convencional. Será?). Procurei o controle remoto para mudar de canal. Não encontrei. Peguei alguma coisa que jazia ao meu lado e taquei na tela. Não usei força o suficiente. Pensei que veria tudo explodindo e sairia pela rua podendo me orgulhar de não ter mais aquele aparelho boçal em casa. Olhei para o cinzeiro e reparei que tinha um cigarro queimando sozinho. Pensei em pegar. Tentei mexer o braço, mas o esforço era grande de mais para mim. Fiquei apenas observando a fumaça azul subindo no ar.

Juvenal Por: Fabio da Silva Barbosa Perdeu o ônibus. Olhou para o relógio e viu que estava no atraso. A marmita caiu, vomitando todo o feijão passado. - Puta que o pariu! - Assim não podia ser. Meia hora depois, veio outro lotação. Espremeu-se entre os demais. - Dá licença!? Engarrafamento, falta de ar.... Uma hora de viagem. Pensou em quanto tinha na carteira. “Melhor voltar a pé”. O caminho nem era tão longo. - Com licença!?


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Desceu no ponto. Por pouco não perdia a descida. Dois minutos de caminhada entre pedestres furiosos. - Novamente atrasado, Juvenal!? - É que... - Eu sei, eu sei... Vai botar a culpa no ônibus de novo. Sai mais cedo de casa, ué! - Mas... - Vai! Assume logo seu posto que hoje não tô para conversa fiada! Vai ser descontado! - Mas... - Anda, Juvenal! Não se aproveita de minha compreensão!

Segunda no bar Por Fabio da Silva Barbosa Ari já vinha por conta. Dois passinhos para a direita, dois passinhos para a esquerda. Passou por Dir171pastorassis na porta do bar. Dir171pastorassis: Fala, Ari. Vamos tomar uma gelada? Ari: Tô duro! Dir171pastorassis: Tá duro nada, rapá. Tá aí, se mexendo. Como é que tá duro? Pede uma lá. Pode pedir. Ari: Vai pagar? Euuuuu... Dir171pastorassis: Pega logo isso, rapaz. Tô falando para pegar é porque vou pagar... Ué. Ari: Me vê uma cerveja aí, meu camarada. – Pede, entrando no bar com os braços levantados. Cerveja aberta. Copos cheios. Os dois se mantém em pé. Um de cada lado da mesa. Dir171pastorassis: Dia horrível é segunda. Detesto. É o pior dia da semana. Se fosse terça, à essa hora, isso aqui já tinha gente. Domingo é outro diazinho miserável. Não tem ninguém na rua. A semana começa na terça. Aí sim. Ari se balança de um lado para o outro tentando dizer alguma coisa. Dir171pastorassis: A não ser que o cara

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vá para o funk que está rolando lá em São Gonçalo. Aí sim. Aí o cara sai de lá e já emenda no forró. – Faz que está dançando. – Mas isso é programa para garoto. Não tenho mais idade para isso. Né não? Ari dá um sorriso bêbado. Dir171pastorassis: Se eu tivesse 17 anos não tava aqui a essa hora não. É ruim de estar heim. Né não? Ari alarga o sorriso. Dir171pastorassis: Agora sou um cara tranqüilo. Amanhã tenho de acordar cedo para trabalhar. Se não ó... – Volta a fazer sua dança solitária, como se estivesse com a mais bela das damas. – Tenho nojo de segunda feira. – Fala segurando o copo e fazendo cara de sério. Esvazia de uma vez só e enche de novo. Ari: Eu gosto de beber segunda. – Consegue, enfim, dizer. Dir171pastorassis: Que isso, rapaz. – Revolta-se – Eu heim. Segunda não é bom para nada. Eu não gosto de segunda. Iiiiiiiiiiiiiiiii... – Olha o relógio. – Já está na hora. Vou embora que amanhã tenho de acordar cedo para trabalhar. – Vira o copo. – Aparece amanhã. Aí a gente troca uma idéia melhor. Ari tenta falar alguma coisa, mas Dir171pastorassis já ia alguns passos rápidos dali. Ficou sentado por algum tempo tentando terminar o copo de cerveja. Virou a garrafa, mas Dir171pastorassis secou a coitada tão rápido que ele nem percebeu. Levantou com alguma dificuldade. Na metade do primeiro passo sentiu a mão em seus ombros. Dono do Bar: Falta essa cerveja


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Roteiro para revista em quadrinhos Mesmo não conseguindo dar conta do excesso de atividades em que busco me envolver, sempre que me deparo com alguma novidade, não resisto e acabo acrescentando algo na minha lista. Há um tempo, andei pesquisando roteiros de quadrinhos e decidi brincar de fazer um. As coisas foram se acumulando e deixei a idéia em uma pasta do meu PC. Certo dia, estava selecionando algo para postar no blog (www.rebococaido.blogspot.com) e me deparei com o início deste roteiro. Pois bem, taquei lá. Hoje (27/03/2011), estava organizando os escritos que iriam compor a versão impressa do blog (este zine) e novamente me deparei com esse roteiro e achei bem apropriado utilizá-lo, mesmo inacabado. Enquanto não . arranjo uma brechinha entre os carrascos ponteiros do relógio para terminar, aí vai um aperitivo. (FSB) LODO Por: Fabio da Silva Barbosa

grande balde de lixo em que vivemos.

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Quadro único: Externa geral (panorâmica) de uma rua decadente em um dia chuvoso. Prédios altos e decrépitos e calçadas repletas de travestis e prostitutas. Muito lixo espalhado. Mendigo sentado no canto com pernas encolhidas e fumando cigarro. Alguns poucos transeuntes (típicos vagabundos). Entre eles passa o narrador de mãos nos bolsos e ar melancólico (nessa primeira aparição ele estará caminhando de costas). Usando botas militares, bermuda jeans rasgada (que um dia já teria sido calça), camisa preta sem nada escrito (mais do que desgastada), óculos escuros, apesar da escuridão, e cabelos desgrenhados, vaga como uma alma penada. Esse é nosso herói e narrador caminhando por seu mundo. Seu nome? Lodo. Na rua existe apenas um carro (velho/acabado) parado, com uma prostituta (ou travesti?) dependurada na janela, conversando com o motorista. Narração: Ainda lembro do mundo antes da Grande Quebra. Foi assim que os humanos chamaram o fenômeno criado por eles mesmos. O fenômeno que transformou o mundo nesse

Primeiro quadrinho: Lodo de perfil. Plano médio. Parede pichada ao fundo (partes de palavras ilegíveis). Narração: A poluição atingiu níveis altíssimos. Temos um mínimo de claridade 4 horas por dia no verão e o Sol há muito não aparece. A chuva é constante e tem um gosto horrível. Segundo quadrinho: Lodo passa por um cara esfaqueado na calçada. Lodo sendo visto de frente. Andando com ar indiferente, nem olha para o presunto. Narração: Desemprego em massa, epidemias, saques a lojas e supermercados... Loucura e desespero por onde quer que olhe. Terceiro quadrinho: Lodo entra em um beco. Narração: As únicas grandes indústrias que não param de enriquecer são as tabagistas, as farmacêuticas e a do álcool. O resto vive fechando as portas, agravando a crise. Quarto quadrinho:


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Lodo para diante de uma porta Narração: Mas existe o outro lado do muro.

Lodo tira uma lada de sardinha da cintura por de baixo da camisa. Lodo: - Sardinha em lata. E tá na validade.

Quinto quadrinho: Olha para os lados, se certificando que ninguém o está seguindo. Narração: Onde uma minoria privilegiada vive gorda e corada, apesar de submetida ao mesmo caos climático. Usam máscaras com filtros purificadores de ar.

Décimo segundo quadrinho: Olhos tomam expressão de contrariedade. Diálogo: Clementina: - Sardinha em lata?

Sexto quadrinho: Bate na porta (onomatopéia (toc toc)). Narração: O dinheiro ergueu esse muro. Sétimo quadrinho: Super close nos óculos escuros: Narração: E o Lodo vai derrubá-lo Oitavo quadrinho: Janelinha retangular se abre na porta, deixando aparecer dois olhos femininos belíssimos (o segundo olho ainda não está completamente exposto) (onomatopéia (zipt)). Close na janelinha com parte dos olhos. Nono quadrinho: Close em Lodo Diálogo: Lodo: - Abre essa porra, Clementina! Décimo quadrinho: Os olhos pela janelinha já completamente expostos. Olhos mais femininos e atraentes já vistos. De novo close na janelinha. Diálogo: Clementina: - O que você tem para pagar a entrada? Décimo primeiro quadrinho:

Décimo terceiro quadrinho: Lodo começa a se exaltar. A janelinha retangular se fecha. Plano aberto/geral para pegar o personagem e mostrar a janelinha fechando. Onomatopéia (zipt) Diálogo: Lodo: - Qual é Clementina? Deixa eu entrar logo. Décimo quarto quadrinho: Lodo diante da porta. Onomatopéias demonstram que a porta está sendo aberta. Décimo quinto quadrinho: A porta mal se abre e Lodo já entra pela fresta. Décimo sexto quadrinho: O quadrinho ainda não revela o ambiente interior, mostrando apenas Lodo e Clementina em local escuro. Plano geral. Lodo joga a lata de sardinha para Clementina que já está de mão aberta para pegar. O rosto extremamente feminino de Clementina contrasta com o corpo absurdamente musculoso e as roupas sado masoquistas. A sunga de couro tem um daqueles pênis de borracha acoplado. Diálogo: Lodo: - Você sabe o quanto é difícil conseguir uma dessas latas de sardinha? Décimo sétimo quadrinho: Panorâmica interna. Quadro único (página inteira). Lodo atravessa um grande salão.


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Um homem pendurado do teto recebe chicotadas de uma garota franzina encapuzada. A garota se encontra apenas de calcinha e espartilho. Poltronas e sofás se espalham pelo ambiente acomodando casais conversando intimamente. Em um dos sofás uma garota faz sexo oral com um homem. Em uma poltrona tem um homem com uma garota no colo (não estão fazendo sexo, apenas conversando). Tem um rapaz sentado em uma cadeira com as calças arriadas e uma moça sentando em seu pênis, de frente para ele e de costas para o leitor. Uma moça se encontra encostada com um dos pés na parede, bebendo alguma coisa. O salão está repleto de situações peculiares que não chamam a atenção de Lodo. Ele já está acostumado a freqüentar o lugar. Não encontra nenhuma novidade. Narração: O antro de dona Mimi é o ponto de encontro de figuras bem interessantes.

BUKOVSKI Por: Fabio da Silva Barbosa Adquiri o livro Hollywood, do Bukovski, mas logo que vi, na capa, que se tratava da obra prima do cara, fiquei em dúvida se não era melhor escolher outro. Geralmente esses avisos não são um bom presságio. Agora que li, posso garantir que estava certo. Esse trampo passa longe de ser a melhor coisa escrita pelo Velho Safado, mas têm boas passagens. A seguir, transcrevo uma das minhas preferidas: “- Que tem em mente? - É sobre um bêbado. Fica dia e noite sentado num banco de bar. - Acha que alguém vai se interessar por um cara desses? - Escuta, Jon, se eu fosse me preocupar com o que as pessoas se interessam, jamais escreveria coisa alguma.”

Décimo oitavo quadrinho: Lodo entra por uma porta no final do salão, ao lado da cadeira do casal que faz sexo sentado. Narração: E hoje venho com uma proposta especial para eles. Décimo nono quadrinho: Lodo escuta um som atrás de sua nuca. Onomatopéia (click)

DARCY RIBEIRO E O POVO BRASILEIRO Por: Fabio da Silva Barbosa O Povo Brasileiro é de 2000 e traz os 10 programas que visam elucidar a questão central: Quem é o povo brasileiro? O filme, baseado no livro homônimo de Darcy Ribeiro, não poderia decepcionar. Uma obra que deveria ser passada nas escolas, para que víssemos novas gerações brotarem. Novas concepções e novas dimensões. Impossível assistir e continuar o mesmo. Modifica o ser. A força do conhecimento é impressionante. O conhecimento é uma das maiores (se não for a maior) forças transformadoras que existem. Explica e descreve situações ainda nebulosas para muitos. Uma verdadeira chave de abrir cabeças. Um filme para expandir horizontes. Vale a pena fazer essa viagem.


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O Aviso Final Por: Fabio da Silva Barbosa Chegando aos 21 anos, o Aviso Final ainda ecoa pelos quatro cantos do planeta redondo. Renato Donisete trocou uma idéia a respeito e dividiu um pouco de seu tempo conosco. Como nasceu o Aviso Final? Nasceu de uma conversa que tive com o Laércio Gonçalves no início de 1990, no ensaio da banda Insulto Oculto, na qual ele era guitarrista. Até então eu era colaborador do fanzine paulistano Mundo Underground. Falei do meu desejo de escrever sobre as bandas do ABC paulista e ele deu o maior apoio para fazer meu próprio zine. Isto está indo para 21 anos, o zine ainda existe e nossa amizade só aumentou. Legal, né? Do começo até hoje: O que mudou e o que ficou? Por incrível que pareça, ainda tenho o mesmo entusiasmo do início. Fico ansioso na copiadora... Muita coisa mudou, eu amadureci, acredito que o texto e a parte gráfica melhoraram. Sem contar que o cenário musical é outro. Como você vê o resurgimento e a valorização dos zines? Fico muito feliz com toda esta movimentação. Muita coisa acontecendo (Encontro de zineiros, Anuário de fanzines, documentário, etc). Isto é positivo na medida que todo mundo pode colocar suas idéias em prática, divulgar seus textos e trabalhos artísticos. Enfim, ser autor de uma obra. Fazer fanzine é isto! _final .com/aviso g lo to o .f w ww

A característica fundamental, que nunca pode ser perdida: VERDADE no que você faz!!!! O que é o sucesso? Circular suas idéias e através delas criar amizades. E o fracasso? Impossibilidade de desenvolver seus projetos, seja de que natureza for. Consciência ou inconsciência? Consciência e responsabilidade sempre!!!! Improviso ou roteiro? Roteiro, mas de vez em quando é necessário improvisar. Quantas vezes tive que adequar meus projetos devido a grana curta ou outros imprevistos. Olha que já lancei dezenas de edições, duas coletâneas em cd, etc. Nesta hora o improviso é fundamental para não deixar a peteca cair. AVISO FINAL ZINE CAIXA POSTAL 1035 BAIRRO BARCELONA SÃO CAETANO DO SUL - SP CEP 09560-970.


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“Todo mundo sabe, mas ninguém quer comentar” ou “Dois assuntos que resultam em um”. Por Evandro das Santos Pinheiro e Fabio da Silva Barbosa Desde a chegada dos europeus ao Brasil, os povos originários vêm sendo massacrados e saqueados pelos invasores. Mesmo depois de tanto tempo, o capitalismo ainda insiste em destruir o pouco que esse povo conseguiu conservar. Constantemente ameaçados de perder suas terras, sofrendo, inclusive, ameaças de morte (isso quando a morte não ocorre de fato), as comunidades indígenas vivem entre a insegurança e a opressão. A invasão de ontem e de hoje insiste em ir mais longe. A cultura destes povos é completamente destruída pela cultura dominante (o culto ao lixo modista e a mentalidade individualista). Quando os portugueses se apossaram dessas terras, trouxeram elementos devastadores para as crenças e costumes locais. Os jesuítas fizeram parte das engrenagens dessa máquina mortífera impondo sua verdade aos nativos. Verdade colocada como a única possível. E os negros seqüestrados na África, trazidos como escravos até aqui? Foram obrigados a adorar deuses brancos e tiveram seus direitos totalmente usurpados. Reis viraram escravos do dia para a noite e crianças ficaram órfãs de pai e mãe. O Brasil recebia 37% de escravos de todo continente e em três séculos e meio de escravatura, nosso país recebeu aproximadamente cinco milhões de negros, sem contar que 55% morriam nos porões dos navios durante o trajeto. Após a bravura de grandes guerreiros e a pressão de outros países, o Brasil foi o ultimo a abolir a escravidão. Os negros estavam libertos, mas e daí? Sem assistência do estado, emprego, acesso a

educação... foram jogados a própria sorte (que não era nada boa em uma sociedade extremamente racista). Sua cultura foi negada, sendo impedidos os cultos de religiões de matrizes africanas como o candomblé. A capoeira foi proibida e a lei da vadiagem entrou em vigor. Hoje a capoeira corre livre e aparentemente a opressão acabou. Aparentemente! O racismo dissimulado no Brasil mostra constantemente suas garras. Isso é de tal forma imposto que negros acham que são brancos, sendo 50% da população negra e apenas 6% se assume como tal. Isso se deve ao nosso ensino eurocêntrico e pouco ser falado sobre o continente africano. Quando se fala deste continente é de forma preconceituosa, como se o continente fosse um único pais e só é retratado de forma estereotipada como o continente da fome, das guerras e da AIDS. Voltando aos índios, que eram donos originais do país, como apresentado no início do artigo, esses foram ficando cada vez mais encurralados em pequenas áreas insuficientes para a sobrevivência das aldeias, sendo chacinados e oprimidos pelos grandes proprietários de terra. Atualmente, são perseguidos como bandidos, quando, na verdade, estão lutando por seus direitos. Como condenar os métodos dessa luta se não existe a possibilidade de um diálogo honesto? Não deveríamos propor formas realmente eficazes para conquistarem seus direitos, ao invés de engordarmos os números carcerários? Na época da chegada dos europeus, nossa população indígena passava de 10 milhões e hoje está em torno de 400 mil índios. O relatório do CIMI (Conselho Indigenista Missionário) mostra que a situação


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está insustentável, principalmente no Mato Grosso do Sul. Dos 60 assassinatos de indígenas no país, 42 ocorreram no neste Estado, cujas vítimas pertencem ao povo Guarani Kaiowá. O que nos chama também a atenção é que dos 34 suicídios registrados, todos ocorreram nessa população, sendo que 25 vítimas possuíam idade entre 13 e 25 anos. Ainda segundo o relatório do CIMI, no estado do Mato Grosso do Sul, foram localizados 409 trabalhadores nas usinas de cana de açúcar em condições degradantes ou análogas ao trabalho escravo. Desses 409, 150 eram indígenas dos povos Terenas, Kaiowá e Guarani. Então é isso! Negros e índios continuam sofrendo as mazelas de um povo que vem sendo oprimido há muito tempo. Isto está certo? Isto é justo? Vamos por a mão na consciência. A grande maioria não pode continuar apoiando os privilégios de uma minoria conservadora que não quer perder a mamata. Temos de gritar por mudanças enquanto é tempo. Descruzem os braços. A hora é agora. Não adianta tapar o Sol com a peneira. Não há mais porque esperar. Talvez, “daqui a pouco” seja tarde de mais.

Na internet - www.rebococaido.blogspot.com - www.twitter.com/RebocoCaido -www.youtube.com/user/ fabiodasilvabarbosa - www.umanodeberro.blogspot.com -www.impressodascomunidades.blo gspot.com - www.comunidadeeditoria.blogspot.com/ - www.slideshare.net/ARITANA - www.slideshare.net/ComunidadEditoria

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Sarau no Comitê Cultural Popular Revolucionário Poeta Deley de Acari Por: Fabio da Silva Barbosa Foi com muita satisfação que pude conhecer o Comitê Cultural Popular Revolucionário Poeta Deley de Acari durante o Cachasarau Torresmo a Milanesa, na comunidade de Acari (RJ). O evento aconteceu dia 23/02/2011, reunindo poetas e músicos em um evento sem igual. O Coletivo Lutarmada (coletivo de hip hop carioca) e a APAFUNK (Associação dos Profissionais e Amigos do Funk) marcaram presença e prestaram seu apoio ao evento. O poeta e ativista Deley de Acari também compareceu e a galera que está produzindo um documentário sobre o cara capturou algumas cenas do evento. Cada pessoa que recitasse uma poesia tinha direito a uma dose de cachaça mineira. Entre os poemas recitados, houve a apresentação musical de nomes como Wesley DelirioBlack, que levantou a galera com um rap consciente e contagiante. Realmente é um projeto que merece ser conhecido por todos que desejam aprender um pouco mais sobre a cultura da periferia. Eventos como esse, expõe a verdadeira cultura popular e confirma que a verdadeira política, aquela que pode promover mudanças realmente significativas, ocorrem longe dos gabinetes e dos ares condi-cionados. A verdadeira revolução está longe dos intelectualóides e dos que se limitam a academia. Está em espaços como o Comitê Cultural Popular Revolucionário Poeta Deley de Acari. E não precisa de ninguém guiando. A rapaziada sabe muito bem como agir. Toda força a essa galera e espero voltar sempre nesse maravilhoso espaço, que, além de oferecer eventos culturais, ainda oferece cursos e atividades à comunidade.

Comitê Cultural Popular Revolucionário Poeta Deley de Acari-Rua Pereira Silva,44,Acari/RJ



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