Manual - Monge Pode?

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Monge Pode? Um manual simples e sincero para orientar brasileiros no convĂ­vio com monges budistas.

Reverendo SunanthĂ´ BhikshĂş


Monge Pode? Um manual simples e sincero para orientar brasileiros no convívio com monges budistas.

Redigido por

Reverendo Sunanthô Bhikshú Monge Brasileiro, desde 2004 Fundador do Buddhismo Theravada Brasileiro Representante do Brasil na Conferência Buddhista Mundial


“O Buddhismo na Ásia é como uma grande árvore, frondosa mas que já não é capaz de dar frutos. No Ocidente, o Buddhismo é como uma pequena árvore, que vai crescer e gerar muitos frutos...” Luang P´ho Chah Grande Mestre do Buddhismo Tailandês

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Sobre mim mesmo

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ou um carioca de Copacabana, nascido em uma família católica e que, após muitas experiências e aventuras pelo mundo, em 1996 tive meu primeiro e definitivo contato com o Buddhismo, num templo que fica no bairro de Santa Teresa. A partir daí, nunca mais deixei de praticar o Buddhismo, o que após percorrer as várias Tradições (ou Escolas) de Buddhismo, tentando encontrar a que melhor respondesse aos meus questionamentos, me levou a uma inesperada ida para estudar em Taiwan, já como noviço do Buddhismo Chinês. Após inúmeras situações, das mais normais às totalmente inusitadas, aprendendo chinês mandarim, convivendo com monges de todos os países asiáticos e avaliando suas diferentes manifestações culturais, optei pela Ordenação Superior (de monge) dentro da Tradição Theravada e, deixando para trás Taiwan e o Buddhismo Chinês, me mudei para a Tailândia, onde morei por mais de dois anos, percorrendo o país, morando em vários templos e absorvendo ao máximo, não somente o complicado idioma tailandês, mas também a cultura daquele exótico e fascinante país. Após morar no Laos e na Malásia, visitar Hong Kong, Indonésia, duas idas ao Japão e a Cingapura, finalmente, em agosto de 2009 decidi retornar ao Brasil e iniciar a difícil (quase impossível!) missão de propagar o Buddhismo Theravada em nosso país.

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Na tentativa de minimizar a imensa barreira cultural que separa o Brasil da Ásia, dificultando ainda mais meu trabalho, resolvi redigir este pequeno manual, todo baseado em minha própria vivência de seis anos em mosteiros asiáticos, na esperança de que aumente o conhecimento dos brasileiros sobre a vida cotidiana de um monge buddhista e como conviver conosco. Para melhorar a prática do Buddhismo ou meramente por curiosidade, espero que você, leitor/leitora, goste e divulgue este meu trabalho!

Possam todos os seres estar bem e felizes!

Reverendo Sunanthô Bhikshú

Para suas eventuais dúvidas, comentários, consultas e recebimento de Ensinamentos por e-mail: Reverendo Sunanthô: bhantesunantho@hotmail.com www.theravadaforall.wordpress.com

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Monge Pode? A todos, Namastê! Acho que a maioria dos Ocidentais e, com toda certeza, a quase totalidade dos brasileiros só viu um monge buddhista em algum filme de Kung Fu ou documentário tipo “globo repórter”. Ok... Atualmente, com a incessante popularidade de Sua Santidade o Dalai Lama, o manto vinho com camiseta laranja se tornou, digamos, menos impopular em nosso país, mas, ainda assim, raríssimas são as pessoas que já tiveram a oportunidade de ver um monge andando na rua e, menos chance ainda de conversar com um. Dentre as que tiveram algum contato com um monástico buddhista, há todo um desconhecimento de como falar conosco, de como vivemos, o que fazemos ou deixamos de fazer... Sendo aqui no Brasil a cada vez mais decadente figura do “Seu padre” católico, a única referência de vida religiosa, o brasileiro, com toda razão, fica ainda mais confuso sobre a figura de nós monges buddhistas! Assim, vivo experiências do tipo: “Seu monge, na Globo, não sei se o Sr. sabe, passa uma novela chamada Passione, que tem um personagem..... etc. etc.” A pessoa fica perplexa quando eu digo que tenho T.V. e até mesmo, às vezes, assisto a tal novela! Isto porque muita gente pensa que monges buddhistas nem se levantam... Já nascem sentados, em posição de meditação e assim permanecem pela vida toda! Antes de rotularmos alguém como MONGE BUDDHISTA, é importante definir o que FOI um monge, o que É um monge e que rumos estão tomando os monges nesse início de século XXI. É isto que tentarei elucidar nesta matéria.

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Quando o Buddha idealizou uma Comunidade Monástica (Sangha), foi levado a adotar um comportamento bastante radical para a vida dos monges. Várias razões lógicas o levaram a isto. Ele saíra de uma vida de riqueza, conforto, fartura, orgias, música e todo tipo de prazer sensual. Logo em seguida, numa mudança drástica em sua vida, mergulhou num inútil e desnecessário processo de auto-mortificação, jejuns extremos, exposição física a todo tipo de agruras. Quando, finalmente atingiu a Iluminação, tornando-se O Buddha e decidiu liderar sua Sangha, ele sabia muito bem da tendência humana de se deixar atrair pelos extremos - a indulgência nos prazeres sensuais ou a entrega ao auto-flagelo. Por isso, teve que ser radical e proibitivo em relação a ambos, visando o equilíbrio de sua Comunidade, conduzindo seus monges pelo Caminho do Meio. A grande maioria dos chamados prazeres mundanos, foi absolutamente cortada, em prol de uma vida austera de desapego, meditação e práticas constantes da Atenção Plena. O Buddha morreu, deixando apenas seu Ensinamento (chamado de Dharma) como responsável pela continuidade da Ordem Monástica. De forma imprevisível o recém-formado Buddhismo cresceu, tal qual um bolo com excesso de fermento. Se expandiu muito além das fronteiras da Índia, atravessou rios e mares e, inevitavelmente, encontrou outras culturas, completamente diferentes daquela onde o Buddha viveu e ensinou sua metodologia. Fora o Prátimôksha (o Código Disciplinar Monástico), onde ficaram estabelecidas as regras de como preservar moral e ética (o chamado Vínaya) para nós monges, nunca foi redigido nenhum “manual buddhista” sobre, por exemplo, que tipo de manto deveríamos

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usar, qual a cor ou estilo... Tampouco ficou determinado que rumos o Buddhismo deveria seguir se saísse do espaço onde nasceu. Assim, embora o Vínaya tenha regras que cobrem, praticamente todos os aspectos da vida monástica, é impossível que seja mantido intacto, uma vez que tenha que conviver com culturas de todas as partes do mundo e, principalmente, nas condições que a modernidade de nosso mundo impõe. Um monge chinês é igual a um monge tailandês? Obviamente não! Inúmeras são as diferenças entre eles... O mesmo é válido para um monge japonês e um do Sri Lanka, ou para um tibetano e um coreano e assim por diante. Como então imaginar que um monge brasileiro possa ser exatamente igual a um monge asiático? As barreiras culturais, linguísticas, sociais e tantas outras, fazem com que nós monges tenhamos pouquíssimas características em comum e, infelizmente, mesmo o Vínaya, tal qual foi estabelecido pelo Buddha, sofreu inúmeras adaptações e alterações em função das culturas de cada país onde o Buddhismo se estabeleceu. Agora, vejamos, mais ou menos, a que se refere o título deste manual. O que um monge “pode ou não pode”, sempre levando em consideração que estou GENERALIZANDO, não estou me referindo a uma regra fixa ou obrigatória e comparando as duas principais correntes de pensamento monástico, a saber:

MONGES THERAVADA (do Sri Lanka, Tailândia, Camboja, Mianmár, pequena parte do Vietnã e recentemente, em expansão na Índia e Nepal)

MONGES MAHAYÁNA (de todos os demais países asiáticos: Japão, Coréia, Taiwan, China, a maior parte do Vietnã, Cingapura, Malásia, Índia, Nepal e todos os países onde o chamado Buddhismo Tibetano é praticado.)

Acrescento, ainda, o que adotei para o Buddhismo Theravada Brasileiro, para orientação de quem convive direta ou indiretamente comigo.

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Hábitos de alimentação MONGES THERAVADA: COSTUMAM mendigar o próprio alimento, fazendo longas caminhadas, descalços pelas ruas, carregando uma grande tigela de metal onde as pessoas seguidoras do Buddhismo aguardam nossa passagem e, de joelhos na calçada, depositam todo tipo de alimento que consumiremos. Esta prática se chama PINDABÁTA. Foi isso que eu fiz, todos os dias, durante os mais de dois anos que vivi na Tailândia. O Buddha não era vegetariano e aceitava com humildade tudo o que lhe era oferecido, portanto, também nós monges Theravada não seguimos o vegetarianismo. Nestas circunstâncias, nós só comemos entre o raiar do Sol e o meiodia. Após isto, é proibido o consumo de alimentos sólidos, salvo em condições excepcionais. O Pindabáta NÃO É praticado no Sri Lanka, onde os buddhistas leigos vão aos templos e lá oferecem comida aos monges. TODO TIPO de comida (carne, frango, peixe, legumes) é oferecido, juntamente com dinheiro (as notas e moedas são postas na tigela, juntamente com a comida...)

MONGES MAHAYÁNA: A prática PINDABÁTA não existe. Monges Mahayána podem comer, sem restrição alguma de horário. Também podem comprar comida, ir a supermercados, lojas de conveniência etc. (monges Theraváda, na Tailândia, não fazem estas coisas!).

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A diversidade de conceitos sobre alimentação é grande: Monges chineses e vietnamitas, são EXTRITAMENTE vegetarianos, a ponto de, principalmente em Taiwan, serem controlados pela população e censurados se comerem qualquer tipo de carne! Monges chineses, em vez de usarem a tigela grande para mendigar comida, têm uma tigelinha para pedir dinheiro. Ficam parados nas ruas movimentadas, esperando que as pessoas depositem dinheiro. Nos países de Tradição Theraváda, isto é extremamente mau visto pela população. Monges japoneses não apenas comem qualquer tipo de alimento como, dependendo da Seita, chegam ao extremo de consumir saquê, cerveja, vinho e outras bebidas alcóolicas, o que é totalmente contrário ao Ensinamento do Buddha. Assim como os monges chineses, os japoneses de algumas seitas também usam uma tigelinha para mendigar dinheiro mas levam um sininho para chamar a atenção dos transeuntes e recitam Sutras em japonês como gratidão pelas esmolas recebidas. Um chapéu de palha cuja aba cobre os olhos, evita contato visual entre o monge e o eventual doador. Monges tibetanos (Lamás) Não são vegetarianos, porém, não consomem bebidas alcóolicas. Monges tibetanos não praticam Pindabáta e, até onde eu sei, nem mesmo possuem a tigela.

O QUE ADOTEI NO BUDDHISMO THERAVADA BRASILEIRO: Embora minha ordenação monástica seja Theravada, da Tailândia, seria impossível sobreviver se eu tentasse praticar o Pindabáta aqui no Brasil. Esperar que, se saísse descalço pelas ruas, com uma grande tigela de metal as pessoas doariam alimento, seria por demais utópico na realidade de nosso país. Ao mesmo tempo, tentar comer apenas até o meio-dia, passando o resto do dia somente tomando líquidos, é igualmente impraticável para alguém que tem que andar o dia todo, resolvendo problemas, pegar ônibus lotado, carregando sacolas e andar mais de um quilômetro para chegar ao local onde estou alojado. A proibição de comer alimentos sólidos após o meio-dia é válida para monges que passam o dia sentados, meditando e fazendo o mínimo de esforço físico. Realmente, não é o tipo de vida que eu posso levar aqui no Brasil. Assim, no Buddhismo Theravada Brasileiro, a alimentação não tem restrição nem de cardápio nem de horário.

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Manto Monástico Não há registro oficial de como eram os mantos na época do Buddha. Nunca foi comprovado como eram usados, mas, o que se sabe é que os monges pegavam trapos, panos usados como mortalha (aquelas longas fachas de enrolar cadáveres) e também um tipo de toalhas que as mulheres jogavam no lixo após usarem como absorvente higiênico (durante a menstruação). Esses panos eram lavados, costurados e tingidos com uma tinta amarela, obtida da casca de uma árvore semelhante à jaqueira. Essa tinta, tinha duas finalidades básicas: 1) Facilmente visualizar o monge quando este se locomovia nas florestas, evitando que caçadores atingissem o monge por engano. 2) A tinta tinha um efeito desodorante, diminuindo o fedor que os monges deviam ter, já que tomavam banho apenas uma vez a cada dois meses!

MONGES THERAVADA: A cor mais popular, usada na maioria dos países desta Tradição, é o laranja, bem forte. Em Mianmar (antiga Birmânia), os monges usam mantos de cor vinho (a mesma cor que eu uso) e, na Tailândia o Buddhismo Theraváda está dividido em duas seitas: Mahánikai e Dhammayút. Monges Mahánikai usam o manto laranja, enquanto que os Dhammayút, na qual fui ordenado, usam um manto marrom-alaranjado. O modo de usar é bastante diferente, passando em volta do pescoço, formando uma gola alta e deixando de fora somente a metade do braço

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esquerdo. O corpo todo fica coberto pelo manto, que quase toca o chão, dificultando muito os movimentos e o caminhar. Cabe ressaltar que nós monges Theravada SÓ PODEMOS usar o manto como vestimenta e, se for necessário vestir qualquer tipo de roupa mais abrigada (casacos, suéteres etc.), só poderão ser usadas DEBAIXO do manto, nunca sobre ele.

MONGES MAHAYÁNA: Cada país onde o Buddhismo se fixou adota o próprio estilo de manto, de acordo com o aspecto cultural. Monges chineses: Não é raro vê-los em “filmes de Kung Fu”, com seus mantos longos, uma espécie de meia-calça, bem justa nas pernas e as famosas sapatilhas. O manto chinês é muito quente no verão e não abriga o suficiente no inverno. Em Taiwan, por exemplo, onde peguei quarenta graus no verão e temperaturas perto de zero graus no inverno, o manto requer roupas de lã, suéteres, gorros e cachecol como complemento. Os chineses usam vários tipos de manto. Na verdade são camisas, com botões, calças, sobremantos longos, também com botões etc. Há o manto de “ficar em casa”, o manto “de sair”, o manto “de gala” e um manto superior, usado só em cerimônias e rituais no templo, que é posto sobre o manto longo e preso com uma fivela de plástico. Também é comum que usem mantos de seda pura, muito coloridos, bordados com flores de lótus ou outros adereços e com longos rosários buddhistas de cristal etc. Monges japoneses: Sem tantos excessos quanto os chineses, os monges japoneses são mais sóbrios, porém, seus mantos têm as características de dar importância à aparência e perfeccionismo, próprias da cultura nipônica. Como também fazem trabalhos que exigem esforço físico e exercícios, é natural que tenham vários tipos de manto, adaptados para essas situações. Monges tibetanos (Lamá): São, talvez, os mais populares no mundo todo, principalmente devido à constante presença de S.S. O Dalai Lamá na mídia. Mantos de cor vinho, sobre camisas ou camisetas de cor amarela ou laranja. Uma característica é o uso de sapatos fechados, pretos, com meias pretas, destoando um pouco do saião vinho que nós monges usamos. O uso de sandálias, que combinam mais no conjunto, também é comum. Não há outros tipos de manto e nada de manto “de gala” nem de “ficar em casa”... Monges vietnamitas: Semelhantes aos colegas japoneses, porém, muito mais simples! Em Bangkok, capital da Tailândia, há um bairro chinês, muito famoso. Lá há dois mosteiros de monges vietnamitas. Se vestem com um traje parecido com um pijama, bem largo, amarelocanário, com um manto laranja que levam dobrado sobre o ombro esquerdo. Curiosamente, eles praticam PINDABATA, fato raríssimo no Buddhismo Mahayána e os chineses daquele bairro doam comida. Quanto aos tailandeses, não apenas os menosprezam, mas nem ao menos sabem que são de origem vietnamita e os chamam, pejoraritavemente de “monges chineses”.

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O QUE ADOTEI NO BUDDHISMO THERAVADA BRASILEIRO: O estilo de manto dos Lamás Tibetanos, por não ser totalmente desconhecido dos brasileiros e, portanto, um referencial para que eu seja identificado como monge. De fato, acertei no estilo, porque muitas pessoas me chamam de “Dalai Lama” na ruas... Se eu tivesse chegado ao Brasil usando a cor e o modo de enrolar o manto como usava na Tailândia, jamais seria identificado como monge e despertaria ainda mais a curiosidade das pessoas, aumentando as piadinhas e tolices que já costumo ouvir. Além disto, o estilo da Tailândia não favorece grandes caminhadas, pegar onibus, fazer supermercado e tantas outras atividades que tenho que fazer aqui e na Tailândia eu jamais precisaria fazer. O estilo Tibetano é, digamos, menos desfavorável para o cotidiano no Brasil. A determinação de só usar o manto como vestimenta e de agasalhos só poderem ser vestidos debaixo do manto é mantida no Buddhismo Theravada Brasileiro. Porém, para praticar exercícios físicos, é admissível vestir traje adequado para ginástica, desde que não exponha o corpo de forma imprópria para um monge ou monja.

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Relacionamento Social Com pessoas buddhistas ou não MONGES THERAVADA: JAMAIS tocam mulheres! Nem aperto de mão, muito menos abraços e, claro, em hipótese alguma “beijinhos”! O contato físico é evitado mesmo com outros homens e o único cumprimento aceitável é um leve abaixar da cabeça. O cumprimento “añjali” (juntar as palmas das mãos e dizer “namastê”) só é usado entre monges, NUNCA de um monge para um leigo. Os leigos saúdam a nós monges deste modo, mas não respondemos da mesma maneira. Monges Theraváda não andam sozinhos em companhia de mulheres, não entram sozinhos em casas ou prédios, não páram na rua para conversar com pessoas... Tampouco pegam crianças no colo. Normalmente, quando somos convidados para uma oferenda de refeição, vamos sempre acompanhados por outros monges ou noviços. Nessas ocasiões, todo um ritual específico é realizado. Monges e leigos NUNCA comem juntos à mesa! Leigos servem a refeição, de joelhos diante de nós monges e, quando a comida está servida, feitas as bençãos antes da refeição, os leigos se afastam e, só se aproximam da mesa para servir mais comida. Quando nós monges terminamos de comer, fazemos a transferência de méritos e, SÓ ENTÃO, os leigos podem comer... O QUE SOBROU de nossa refeição! Por onde quer que andemos, a prioridade é sempre para nós... Assentos especiais, reservados em todos os transportes públicos, prioridade para embarque nos aeroportos e estações. Enfim, o relacionamento entre nós monges e leigos,

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na Tradição Theravada, é de distância, total respeito, formalidade e o mínimo possível de contato ou intimidade. Monges Theraváda, geralmente, não dirigem carros nem motos! No caso extremo de ter que ser levado de carro, dirigido por uma mulher, o monge vai sozinho no banco de trás, deixando claro que não há contato físico com a motorista. MONGES MAHAYÁNA: Praticamente o oposto de nós monges Theravada, os colegas Mahayána, principalmente chineses e tibetanos, têm uma liberdade muito grande no relacionamento com os praticantes leigos! Com exceção de beijar mulheres, até mesmo abraços são normalmente aceitos... É comum que meus colegas Mahayána andem de carro com leigos, sem a companhia de noviços ou de outros monges. É uma prática muito comum que leigos levem nós monges para comer nos melhores restaurantes de Taiwan, todos absolutamente vegetarianos, onde fazem reserva das melhores mesas e servem os pratos mais caros... Todos, monges e leigos, se sentam juntos e o grande prazer dos leigos é ver nos monges comendo até não podermos mais! Depois passam horas tomando chá, conversando e fazendo perguntas – normalmente indiscretas e nunca sobre o Dharma... Nestas ocasiões, espera-se de nós monges que elogiemos muito a comida e agradeçamos muito pelo convite! Antes de sermos levados de volta ao mosteiro, os chineses, generosamente, ainda nos oferecem envelopes vermelhos, especiais para doações em dinheiro! Monges Mahayána dirigem carros e motos sem qualquer restrição. Podem andar acompanhados de mulheres, pegar crianças no colo, tirar fotos juntos com um grupo de leigos.

O QUE ADOTEI NO BUDDHISMO THERAVADA BRASILEIRO: Um meio termo entre a severa disciplina Theravada e a (algo excessiva) liberalidade Mahayána. Seria muito difícil para o brasileiro a recusa de um aperto de mão, por exemplo. Para nós monges, vivendo no Brasil, seria impossível andar de ônibus e impedir que uma mulher se sentasse a nosso lado, ou fazer trabalho social num orfanato sem tocar em nenhuma das crianças! Assim, no Buddhismo Theravada Brasileiro, criado por mim, nós monges não abraçamos nem beijamos mulheres, mas TOLERAMOS apertos de mão. Embora devam ser evitados abraços de pessoas fora do círculo familiar, se algum praticante masculino quiser me abraçar, embora não me sinta à vontade, não vou evitar. Evitando excesso de intimidade (tapinhas nas costas, beijinhos etc.), mas, ao mesmo tempo, tolerando a excessiva calorosidade do brasileiro, procuro adaptar a disciplina monástica à realidade da vida no Brasil.

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Diversão, esportes e atividades sociais MONGES THERAVADA: A maior parte dos monges, em mosteiros nas grandes cidades, tem televisão na área residencial monástica e assistem normalmente a todos os noticiários e programas. Muitos mosteiros têm até mesmo TV a cabo. Dependendo da mentalidade dos praticantes leigos que sustentam o mosteiro, os monges “fingem que não vêem TV, enquanto que os leigos fingem que acreditam” e, desta forma, fica estabelecida, na hipocrisia, a convivência entre nós monges e nossos mantenedores... Por determinação da Tradição, monges Theravada não praticam exercícios físicos nem deveriam participar de atividades como teatro, festas, festivais, espetáculos com música e dança etc. Mas, ao contrário do que se possa imaginar, muitos monges fazem ginástica e até praticam esporte (jogam futebol!) nas áreas do mosteiro onde os leigos não têm acesso... Também ouvem música e assistem vídeos (DVDs) na privacidade dos seus quartos, longe dos olhos e ouvidos dos leigos. Contraditoriamente, em várias ocasiões, os próprios leigos convidam a nós monges para espetáculos de música e dança, nos quais muitas vezes até meninas (adolescentes) em trajes folclóricos fazem apresentações de dança, ESPECIALMENTE PARA NÓS MONGES!! Também somos convidados para espetáculos com instrumentos típicos tailandeses, muito bonitos, é claro, porém contrários ao que é determinado para nossa vida monástica. Monges Theravada, na Tailândia, não batem palmas, não cantam, não dançam, não ouvem música nem assistem

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esportes ou qualquer tipo de espetáculo ou apresentações públicas – pelo menos é o que diz a Tradição, mas, a teoria na prática é sempre outra! MONGES MAHAYÁNA: Totalmente oposto ao que determina a Tradição Theravada, os colegas Mahayana, principalmente chineses, são INCENTIVADOS a praticar esportes, baseados no princípio de que a mente se desenvolve melhor num corpo forte e saudável. Um bom exemplo disso é o desenvolvimento do Kung Fu, pelos monges Shao Lin (shiáo lin, significa “pequena floresta”, local onde construíram o primeiro templo). No tempo que passei como monge chinês, pratiquei Kung Fu, exercícios chineses, corridas diárias em torno do templo etc. Ainda contrariando a Tradição Theravada, monges Mahayána comemoram aniversário com grandes festas, não só frequentam mas até participam de espetáculos de música, tocam instrumentos musicais, vão ao cinema e ao teatro, enfim, têm uma vida participativa em atividades sociais. Por incrível que pareça, muitas vezes leigos PAGARAM INGRESSO para todo o grupo de monges (cerca de 70) de meu mosteiro, para irmos a Parques de Diversões e Parques Temáticos, a título de “RELAXARMOS UM POUCO” da intensa prática meditativa!!! O aniversário do Abade do Mosteiro sempre era comemorado com um grande banquete para centenas de monges e leigos, com espetáculos musicais, karaokê, decoração do salão com direito até mesmo a esculturas de gelo com efeitos de luzes e outras excentricidades.

O QUE ADOTEI NO BUDDHISMO THERAVADA BRASILEIRO: Desde que não interfiram em minhas obrigações monásticas nem me afastem do compromisso que assumi comigo mesmo de ser um monge buddhista, atividades sociais podem ser toleradas. Assisto TV, vou ao cinema e ouço música, guardadas as restrições do conteúdo do que assisto e ouço. Obviamente, não vou ver filmes de conteúdo sexual nem qualquer outro material impróprio. Em minha opinião, desde que eu continue com minhas práticas monásticas, meditando, ensinando o Dharma, ajudando as pessoas que me procuram etc., não vejo nada de errado em me manter em sintonia com as coisas do mundo, até mesmo para ter condição de entender e ajudar as pessoas, sem cair na alienação. Quando convidado para um churrasco ou festa de aniversário, procuro ficar sentado em um canto, observando as pessoas, sendo educado e simpático, porém, evitando todo tipo de excesso. Obviamente, não consumo álcool, somente água. leite, sucos ou refrigerantes. Quanto à prática de esportes, se não fosse o obstáculo da preguiça, eu poderia fazer exercícios, guardadas as restrições do traje para a prática. Uma calça larga, camiseta com mangas curtas, tênis com meias são perfeitamente adequados para correr ou praticar outro esporte... Da mesma forma, num local reservado, vestindo um short e camiseta de náilon, a pratica da natação, somente como exercício, também é admissível. Claro que frequentar a piscina de um clube, em companhia de mulheres em trajes de banho não é comportamento adequado para um monge e deve ser evitado.

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Família, parentes e filhos MONGES THERAVADA: O que presenciei nos dois anos em que morei na Tailândia foi um comportamento muitas vezes extremamente radical e, em outras circunstâncias, bastante liberal. Certa vez, quando, levado por um amigo, ao seu templo de origem, no nordeste da Tailândia, o carro onde estávamos passou por uma casa, totalmente em ruínas, na beira da estrada. O amigo apontou para ela e disse: “Humm... Ali era a casa da minha mãe...”Surpreso com a tranquilidade dele, perguntei: “E aonde está sua mãe agora? Para onde se mudou?” A resposta foi surpreendente: “Não sei...” Em outras ocasiões fui acompanhar amigos monges em oferendas de almoço na casa da família deles. As mães não olham nos olhos dos filhos... Permanecem de cabeça baixa, fazem prostrações aos pés dos filhos. Distantes, indiferentes (pelo menos externamente), agem como se os monges diante delas não fossem seus filhos! Ao mesmo tempo, os monges tratam as mães com a mesma frieza e distância com que tratam quaisquer outras mulheres. Não há a menor demonstração de amor ou carinho, nem materno nem filial. Já que leigos NUNCA se sentam no mesmo nível que nós monges, nessas situações, os filhos monges se sentam nos sofás ou cadeiras, enquanto que seus pais permanecem sentados no chão, com as mãos juntas à altura do peito e o olhar sempre direcionado para baixo! Por outro lado, há uma intensa relação pai-filho entre monges e noviços que foram literalmente abandonados pelas famílias, aos cuidados do mosteiro. Nessas circunstâncias, é o monge

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que ensina à criança tudo o que é necessário para uma vida “normal”... Desde hábitos de higiene até a o alfabetização (em tailandês) e, gradativamente, todos os preceitos monásticos. Nesses casos, há uma intensa relação de pai e filho, ainda que em condições bem peculiares. Em certos casos, vi pais que decidiram se tornar monges, após enviuvarem com idade já avançada. Assim, passam a viver no mesmo mosteiro que o filho ordenado monge há mais tempo. Às vezes, dividem o mesmo dormitório e cheguei mesmo a conhecer um desses casos onde o irmão menor, leigo e com problemas mentais, também foi morar no mosteiro, ou seja, a família era composta de um pai e um filho monges e um leigo, todos no mesmo mosteiro, em Bangkok.

MONGES MAHAYÁNA: O relacionamento é completamente diferente do que expliquei acima, pelo menos no que se refere aos monges chineses, já que não tenho conhecimento quanto ao comportamento de outros monges Mahayána. Durante os dois anos e meio em que vivi em Taiwan, vi monges e monjas com perfeito relacionamento afetivo com seus familiares. Naquele país, é muito comum atualmente o rompimento da relação marido X mulher por brigas e abandono da família, já que muitos homens se estressam demais no trabalho e muitos se tornam alcoólatras, violentos e agressivos. Abandonadas e com filhos pequenos, sem condições de sustentar a familia, muitas mulheres optam por se tornarem monjas, levando para a vida monástica seus filhos pequenos. Assim, passam a viver nos mesmos mosteiros, onde se sentem protegidas e amparadas. É o monasticismo como salvação de circunstâncias sociais indesejáveis. Por conveniência, apenas. Também é comum em Taiwan que casais de idade avançada, já aposentados e com os filhos bem encaminhados, optem pela vida monástica. Abandonam tudo e, juntos, passam a viver em templos, pois os templos chineses têm áreas diferenciadas para os monges e monjas. Os filhos visitam os pais normalmente e o convívio é inalterado, sem qualquer rompimento dos laços afetivos.

O QUE ADOTEI NO BUDDHISMO THERAVADA BRASILEIRO: Não é segredo para ninguém que eu trouxe para o Brasil meu filho adotivo, Kauan, de nacionalidade tailandesa e que, durante todo o tempo em que morei na Ásia me ajudou e orientou em situações de dificuldade. Aqui no Brasil, passada uma fase de muita rebeldia e agressividade, ele atua como meu Atendente Pessoal em cerimônias e viagens para divulgação do Buddhismo e também me ajuda muito nas atividades da casa onde estamos alojados. Desde que não dificulte minhas práticas monásticas, não vejo nada de errado em ter um filho convivendo comigo. Por opção, ele, que quando nos conhecemos tinha apenas 14 anos e era noviço, decidiu largar o manto e viver sua vida como leigo.

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Nada impede que um monge já tenha filhos antes de ordenado. É claro que, uma vez que se torne monge, o homem não pode fazer um filho! Quanto a adotar um, embora não seja uma situação convencional, não há nada de proibitivo nisso. No caso específico do Buddhismo Theravada Brasileiro, por mim fundado, onde é admissível até mesmo a vida monástica não celibatária (sem proibir atividade sexual), não acho que a adoção seja um impedimento para a prática e, vou mais adiante, se eu tivesse condições financeiras estáveis e seguras, talvez até adotasse outro filho que seria criado dentro dos princípios morais e éticos ensinados pelo Buddha! No que se refere aos laços familiares, é claro que é inconcebível tratar meus pais do modo frio e radical que meus colegas asiáticos fazem. Tais conceitos, tipicamente culturais, jamais se aplicariam aos nossos padrões brasileiros e eu nunca imporia tais condições a um monge ordenado dentro do Buddhismo Theravada Brasileiro. Toda vez que posso visitar minha mãe, demonstro respeito tocando os pés dela e juntando as mãos. Em seguida, a beijo no rosto, a abraço e nos sentamos (no mesmo nível, é claro!) para conversar... O mesmo tratamento é dispensado ao meu pai. Minhas irmãs, meu irmão, cunhados e sobrinhos têm o mesmo tratamento de carinho e amizade como qualquer família brasileira.

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Uma categoria monática à parte Uma categoria completamente diferente de tudo o que já mencionei é a chamada TRADIÇÃO DA FLORESTA. Trata-se de monges que optam pela prática extremamente meditativa, reclusa, renunciando a tudo, vivendo em circunstâncias muito parecidas com aquelas do tempo do Buddha. Esta Tradição, cada vez mais rara no mundo, ainda está presente, principalmente nas florestas do nordeste da Tailândia – região de Ubon Rajathani, em alguns pontos do Sri Lanka, embora bem menos que na Tailândia e em alguns lugares do Laos, na fronteira com a Tailândia. A Tradição da Floresta também existe no Buddhismo Mahayána e há monges vivendo em regiões totalmente inóspitas, como florestas densas, cavernas ou até mesmo cemitérios na China, Taiwan e outros países mahayanistas. Vivi em um “Templo de Floresta” por algum tempo e pude vivenciar como é diferente o estilo de vida: Passar a maior parte do tempo sozinho, em silêncio, vivendo numa cabana no meio da floresta. As cabanas são distantes umas das outras e os banheiros são do lado de fora, distantes no meio do mato. Não há luz elétrica nem mobília. Dorme-se no chão, usando o próprio manto como roupa “de cama”. O sino toca, distante, às 03:30 da madrugada fria da floresta. Tudo lá fora é escuro e úmido com a chuva ou orvalho da noite. Cobras, aranhas e formigas venenosas são encontráveis em qualquer parte do local. Dentro da cabana apenas velas e fósforos. Para andar dela até o banheiro, apenas uma lanterna pequena.

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Na vida de “monge da floresta”, segue-se estritamente o que os monges da Sangha original do Buddha praticavam – 1) fala-se o mínimo necessário, sempre em voz baixa, 2) pratica-se meditação a maior parte do tempo, 3) às 04:00 da madrugada há recitação no salão do templo, 4) a comida é mendigada em Pindabáta, caminhando descalços por estradas de pedra e terra, floresta e outros terrenos nada agradáveis de pisar. 5) a hierarquia monástica é rigidamente seguida. 6) NÃO SE TOCA em dinheiro – depende-se totalmente dos leigos até mesmo para por uma carta no correio. 7) alimentos sólidos são consumidos somente até o meio-dia, depois disso, só no dia seguinte, após a ronda de Pindabáta. 8) a vida dos monges e continuidade da existência do templo depende ÚNICA E EXCLUSIVAMENTE da constante generosidade e doações dos leigos.

Diante disto, não é difícil perceber que tal prática é impossível de ser implantada no Brasil e o quanto é complicado trazer um destes monges ao nosso país, ainda que seja apenas para um ciclo de palestras ou curso de meditação e tratá-lo como está acostumado em seu país de origem! Quando ouço rumores de que alguns praticantes leigos daqui do Brasil planejam implantar em nosso país a Tradição da Floresta, prefiro crer que é um boato de mau gosto a acreditar que alguém possa pensar seriamente em tal utopia!

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Conclusão Claro que seria impossível cobrir todas as situações de convívio monástico com a comunidade leiga. Nem é minha intenção estabelecer regras de comportamento que forcem as pessoas a me tratarem desta ou daquela maneira. Entretanto, espero que, com esta matéria possa dar àquelas pessoas que se mostrem sinceramente interessadas em se relacionarem com monges de forma respeitosa e que não cause situações embaraçosas, noções básicas de comportamento que vêm sendo adotadas, não somente na Ásia, mas em todos os países onde o Buddhismo já está instalado.

DOAÇÕES Toda e qualquer doação é sempre necessária e muito bem-vinda para a continuidade de minha missão no Brasil. Se você deseja colaborar, deposite qualquer quantia no endereço bancário a seguir: Conta Bancária para Doações: HOMERO DUARTE NETO Banco Itaú Agência: 3063 Conta Poupança: 23708-9/500 CPF: 600.020.937-15

धन्यवाद (Obrigado)

Espero que este pequeno guia, que procurei redigir em linguagem simples e informal, com base em minha própria experiência na Ásia, possa ser útil, não somente no convívio com o recém-criado Buddhismo Theravada Brasileiro mas com todas as Tradições Buddhistas, em Retiros de Meditação, Seminários, Conferências e eventos dos quais participem colegas monásticos vindos de outros países. Possam os brasileiros estar cientes e usar da Atenção Plena no convívio respeitoso e educado com nós monges, de acordo com as regras internacionalmente aceitas dentro do Buddhismo.

Fiquem todos em Paz e protegidos! Namastê! सुनन्थो भितक्षु Reverendo Sunanthô Bhikshú Monge Buddhista desde 2004 Fundador do Buddhismo Theravada Brasileiro

Representante do Brasil na Conferência Buddhista Mundial

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सुनन्थो भिक्षु Sunanthô Bhikshu Universal Dhamma Vihara - MaThadhikari Brazilian Theravada Buddhism Representative of Brazil in The World Buddhist Summit (Supreme Conference of Japan) http://theravadaforall.wordpress.com


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