Jornal O Líder SMO 18/05/2013

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- SÃO MIGUEL DO OESTE - SC, 18 DE MAIO DE 2013

É justamente a oportunidade de tratamento a defesa dos especialistas em saúde. A opinião é praticamente unânime de que para a maioria dos dependentes o tratamento é aceito, mas a disponibilidade dele é um entrave. É o que acontece hoje na região Extremo Oeste. Segundo informações do Centro de Atenção Psicossocial de São Miguel do Oeste (CAPS), somente no município, estimasse que cerca de 3,6 mil pessoas sofram de dependência química e de álcool, o equivalente a praticamente 10% da população. Atualmente, o CAPS atende em capacidade máxima cerca de 240 pessoas por mês, incluindo além dos dependentes químicos, os pacientes mentais, esquizofrênicos, depressivos e bipolares, entre outros. “Se todas as famílias de todos os dependentes da cidade pedirem a internação compulsória, não teremos estrutura para atendê-los nos poucos leitos disponíveis pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Já o CAPS faz o atendimento inicial e o acompanhamento posterior a internação, e também não terá estrutura, já que hoje trabalha no limite”, explica o enfermeiro e coordenador do CAPS, Eurico Soares Machado.

Conforme o enfermeiro, na região, já se tem casos de internações involuntárias, determinadas pela Justiça, para casos de alto risco para o dependente e sua família. Porém, o assunto internação compulsória, onde não é preciso autorização judicial, preocupa, principalmente pela falta de estrutura. “Acompanhamos o trabalho já realizado em São Paulo e percebemos que lá a preocupação com a estrutura se deu antes de iniciar o trabalho com as internações compulsórias. Ainda assim, com a criação de uma certa estrutura, eles não estão conseguindo fazer o trabalho ideal. Sabemos que conforme a informação que chega as famílias, eles querem ser auxiliados, querem a internação de seus entes queridos e, infelizmente, aqui hoje não se tem capacidade de atender a todos”, enfatiza. Hoje, o CAPS recebe pacientes encaminhados de diversos órgãos, como Conselho Tutelar e Promotoria de Justiça, entre outros, que tem encaminhado muitos casos de adolescentes, com idades entre 12 e 14 anos, e que sofrem com a dependência química e que necessitam, além do trabalho do CAPS, de internação, e é nesse ponto o maior impasse. “Santa Catarina hoje carece de vagas pelo SUS. A maio-

Segundo Machado, São Miguel do Oeste tem hoje o CAPS I, destinado ao atendimento de pacientes mentais. Na falta de outra estrutura, o CAPS atende também na categoria AD (Álcool e Droga). “Na época da criação, a Secretaria de Saúde optou por integrar os dois tipos de atendimento, porém, atualmente a demanda tem sido maior no CAPS AD no que no CAPS I. Isso tem gerado um transtorno grande na equipe,

ria das vagas são particulares e, se tratando de determinação judicial, que tem que ser cumprida, o custo dessa internação é do município. Se continuar assim, a Secretaria de Saúde não vai ter condições financeiras de arcar com tudo isso. Sendo que somente se os casos de São Miguel do Oeste necessitarem de internação, não vai haver condições nem na região nem no Estado para arcar com isso. É preciso pensar nessa questão estrutural para se manter um bom atendimento e acompanhamento ou a recuperação não ocorrerá”, lamenta Eurico. Para o enfermeiro e coordenador do CAPS, a questão da internação compulsória também tem o ponto positivo, principalmente em resgatar os dependentes e fazê-los entender a doença. “Todo o dependente não admite que ele tem o problema, ele acha que isso faz parte do seu dia a dia, que para quando quiser. Admitir que ele é impotente perante a droga é o grande problema. Quando ele entender, vai aceitar o tratamento. E, por isso, a alternativa está na internação compulsória, que o obriga a entender a sua doença”, enaltece. Mesmo no lado positivo da situação, há um porém, onde a obrigação não é o

na tentativa de conciliar as duas atividades. É um número muito grande de atendimentos para apenas uma equipe, composta por um médico, um enfermeiro, uma psicóloga, uma assistente social, uma professora de artes, uma pedagoga, duas técnicas de enfermagem e uma auxiliar de serviços gerais. Ainda há o impasse de que todas as entidades encaminham para o CAPS e agora trabalhamos para montar uma estrutura para

“Precisamos buscar a prevenção e não a cura para um mal já instalado. Tem que haver uma reestruturação do sistema de saúde e trabalhar dentro da realidade”, enfermeiro e coordenador do CAPS de São Miguel do Oeste, Eurico Soares Machado

caminho mais viável e quando o dependente ainda se nega a aceitar. “No caso de internações compulsórias, não chega a 1% os pacientes recuperados e que normalmente retornam ao vício, justamente por terem sido obrigados. Consequentemente, o tratamento também fica mais longo e mais difícil. No momento, essa não é a solução. Na minha opinião pessoal, precisamos buscar a prevenção e não a cura para um mal já instalado. Tem que haver uma reestruturação do sistema de saúde e trabalhar dentro da realidade”, enfatiza.

organizar esse processo, encaminhando para o CAPS só casos mais graves”, destaca o enfermeiro, que agora trabalha na expectativa de São Miguel do Oeste ser contemplado com um CAPS AD, separando o atendimento, em duas estruturas e ampliando a equipe, porém atendendo regionalmente, em forma de consórcio de cinco municípios, somando uma população de mais de 70 mil habitantes.

A obrigatoriedade não é o caminho Em casos de internação compulsória, eficácia do tratamento é muito baixa O médico especialista em dependência química e saúde da família, Josemir Werlang, tem uma opinião formada sobre o tema e reconhece a importância e necessidade da internação compulsória em determinados casos, principalmente levando em consideração a situação de risco que o paciente se encontra. Porém, a eficácia desse tipo de internação é muito baixa. “Internar alguém contra a sua vontade em muitos casos gera conflitos, brigas e desentendimentos. O resultado dessa internação é ruim, primeiramente por que esse paciente vai atrapalhar outros pacientes que estão internados. Se formos analisar se vale a pena ou não, temos que analisar a forma como este paciente vem se comportando, se está em situação de risco. Fora isso, em um contexto geral, a internação compulsória é questionável”, enaltece. O médico destaca que além dos conflitos iniciais, internações contra a vontade do paciente podem se tornar mais e longas e difíceis. “Ainda temos que analisar o tipo de droga que o dependente usa, a estrutura familiar, social e de trabalho que ele vive. Analisando em determinados pontos, internar alguém de forma compulsória é melhor do que nada, por que você está dando a oportunidade ao paciente de fazer um tratamento e conseguir de forma lúcida decidir que quer se livrar do vicio. Nesse ponto vale a pena, por que muitos pacientes dependentes de várias drogas, principalmente do cra-

ck, que estão no fundo do poço, que não tem mais juízo crítico para avaliar seu estado físico deplorável e perceber que precisa parar com o uso da droga por que está morrendo. Nesses casos, a internação é válida sim, mas o resultado continua sendo questionável”, afirma. Atualmente, segundo o médico, um grande impasse está em torno dos leitos hospitalares para tratamento de dependentes químicos. Conforme o especialista, uma conduta adotada pelo Ministério da Saúde fechou muitos hospitais e clínicas que eram especializados em tratamento de dependentes e psíquicos. “Vários hospitais, inclusive o Cristo Redentor de São Miguel do Oeste, fecharam em função de uma lei que previa a desospitalação. Na época não havia um problema tão grande, mas de 2010 para cá, o crack se tornou uma epidemia e isso se tornou um grande problema e nós não temos vagas disponíveis para internar de acordo com a demanda existente. Quando nós conseguimos convencer um paciente a internar, nós temos que procurar leitos e esperar até 20 dias para liberar uma vaga, tempo que o interesse do paciente se perde”, destaca. Segundo Werlang, a questão logística de leitos hoje é um problema e o governo tem buscado alternativas, porém a questão compulsória pode agravar ainda mais essa problemática. “Os nossos hospitais da região, que são em Tunápolis, Mondaí e Palmitos,

não tem estrutura adequada para internação de dependentes graves, como no caso do crack, que pode tornar o local inviável, devido a sua interação inadequada com o restante do grupo. Claro que nós não temos aqui na região uma situação tão grave, como vemos em grandes centros, onde as pessoas largam suas famílias, vivem nas ruas, mas nós temos muitos casos graves, que necessitam de internação, até mesmo compulsória, e que não temos estrutura”, explica. A porta de entrada do tratamento para dependentes químicos e de álcool, normalmente são os posto de saúde e o CAPS, onde é feita a avaliação e o encaminhamento do tratamento, que pode incluir a internação em uma das clínicas da região ou em outra que tenha vaga no Estado. Já o período de internação depende de cada caso, variando de 15 a 30 dias para dependentes de álcool, até seis a nove meses para dependentes de crack, por exemplo. “Estes podem ser encaminhados as comunidades terapêuticas, onde é dado sequência no tratamento. Durante este período, nós também trabalhamos com a família, para tentar estruturar e poder receber o paciente após a alta. Nada adianta o tratamento se ele voltar a conviver com o ambiente que o levou a usar a droga. Apesar de todos os debates, a prevenção ainda é o melhor caminho e deve ser feita em um trabalho conjunto, focado na comunidade”, finaliza.


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