Revista Elos - Faculdade Cearense

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Revista Experimental - Junho 2015

Entrevista: Saiba como funciona um processo de adoção em Fortaleza

O cálculo que não é exato Em Fortaleza, 60 crianças e adolescentes esperam por uma família, enquanto no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) 269 pessoas estão habilitadas para adotar. Por que, então, essa conta não fecha?

Apadrinhamento nos abrigos

Enquanto esperam por adoção, crianças e adolescentes também podem ser assistidos por trabalhos voluntários

No Ceará

127 casais com filhos biológicos optaram também pela adoção

Duas mães ou dois pais

Cresce o número de casais homoafetivos que encontram na adoção a oportunidade de formar uma família

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EDITORIAL A revista Elos surgiu a partir de uma inquietação, das produtoras deste trabalho, ao ler uma notícia que apresentava uma enorme diferença entre os números de crianças disponíveis para adoção comparado ao grande número de pessoas habilitadas para adotar. Com isso, a curiosidade para compreender o motivo pelo qual ainda existem crianças lotando as instituições de acolhimento em Fortaleza, nos impulsionou a mergulhar neste trabalho a fim de analisar o cenário da adoção na capital cearense. É provável que essa curiosidade vá muito mais além de três estudantes de jornalismo, pode ser também de interesse do porteiro do abrigo, do médico pediatra, do entregador de jornal e do pequeno Lucas, que espera por uma família. Foi pensando nisso que nasceu a ideia de produzir uma revista de caráter informativo que possa, de maneira clara, apresentar as realidades dessa temática. Por isso, nesta edição, selecionamos, para você, matérias que lhe ajudarão a entender a adoção como um contexto social que ultrapassa os interesses daqueles que desejam construir uma família e dos que esperam por uma. Com as nossas pautas, você vai conhecer a rotina das crianças institucionalizadas e saber como funciona um processo de adoção. Na seção de opinião, dois profissionais da área falam sobre a possibilidade da criança reconstruir o laço afetivo na família substituta. E se, por algum motivo, você não pode adotar, mas se sensibiliza com a história dos pequenos, existe a possibilidade do apadrinhamento. Por fim, a revista Elos é composta por histórias reais de pessoas que, em nome do amor, venceram os desafios e os preconceitos com o objetivo de dar um destino feliz a uma criança carente de atenção e de cuidados individuais. A Elos deseja a todos uma ótima leitura.

JULIANA MARQUES Graduanda em jornalismo pela Faculdade Cearense. Atualmente é produtora/repórter na rádio Tribuna Band News - Sistema Jangadeiro de Comunicação.

PRISCILA MACÊDO Graduanda em jornalismo pela Faculdade Cearense. Atualmente é estagiária na Assessoria de Comunicação na Companhia de Água e Esgoto do Ceará - Cagece. THAYS NALINY Graduanda em Jornalismo pela Faculdade Cearense. Atualmente é estagiária de comunicação da Rádio Dom Bosco.

EXPEDIENTE A Revista Elos é uma publicação de caráter experimental produzida como trabalho de conclusão de curso das alunas Juliana Marques, Priscila Macêdo e Thays Naliny, concludentes do curso de Jornalismo da Faculdade Cearense – Fac. ORIENTAÇÃO Professor Gevan Oliveira EDIÇÃO DE TEXTOS Juliana Marques Priscila Macêdo Thays Naliny PROJETO GRÁFICO Wellington Martins DIAGRAMAÇÃO Wellington Martins wmartinspubli@gmail.com (85) 9647-5266 FOTOS Priscila Macêdo ILUSTRAÇÕES cirodelia (dollar photo club) Banco de imagens REVISÃO DE TEXTOS Carlos Alberto Ferreira Junior (Carlos Perdigão) TIRAGEM 5 exemplares FALE CONOSCO contatorevistaelos@gmail.com

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SU MÁ RIO Revista Experimental - Junho 2015

Entrevista: Saiba como funciona um processo de adoção em Fortaleza

O DIREITO A RECONSTRUIR O LAÇO AFETIVO NA FAMÍLIA SUBSTITUTA NOS CASOS DE ADOÇÃOPAG6

O cálculo que não é exato Em Fortaleza, 60 crianças e adolescentes esperam por uma família, enquanto no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) 269 pessoas estão habilitadas para adotar. Por que, então, essa conta não fecha?

Apadrinhamento nos abrigos

Enquanto esperam por adoção, crianças e adolescentes também podem ser assistidos por trabalhos voluntários

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OPINIÃO

No Ceará

127 casais com filhos biológicos optaram também pela adoção

PARA QUEM É ESTA VISITA? A POSSIBILIDADE DO REENCONTRO DOS LAÇOS AFETIVOS NA FAMÍLIA SUBSTITUTAPAG10

#EUINDICO DICAS DE FILMES E LIVROS SOBRE ADOÇÃOPAG42


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APADRINHAMENTO DÁ ESPERANÇA A CRIANÇAS QUE AGUARDAM PELA ADOÇÃO

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SAIBA COMO FUNCIONA UM PROCESSO DE ADOÇÃO EM FORTALEZA

ENTREVISTA

E QUANDO OS PAIS DECIDEM AUMENTAR A FAMÍLIA?

A VIDA NO ABRIGO E O DIREITO DE SER CRIANÇA

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O AMOR VENCENDO PRECONCEITOS

O CÁLCULO QUE NÃO É EXATO

O AMOR BATEU EM MINHA PORTA

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CAPA

A PREPARAÇÃO PARA RECEBER O FILHO ADOTIVO

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OPINIÃO

O DIREITO A RECONSTRUIR O LAÇO AFETIVO NA FAMÍLIA SUBSTITUTA NOS CASOS DE ADOÇÃO À LUZ DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA Foto: Arquivo pessoal

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Mayara Justa Advogada

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alar de afetividade no instituto da adoção e na sua existência enquanto direito requer uma pequena digressão acerca do histórico da adoção, das principais legislações que disciplinaram o tema e de seus princípios norteadores. É o que se fará nas próximas linhas, a fim de delinear a importância do afeto nos casos de adoção. A adoção é uma prática que existe desde o início das civilizações, recebendo diversos significados ao longo da história da humanidade. Na antiguidade a adoção existia para que o culto doméstico, considerado a base da família, não se extinguisse. O Código de Hamurábi foi um dos primeiros documentos a disciplinar o instituto, fazendo com que este se popularizasse. Após grande lapso temporal, já na Idade Moderna, com o código Napoleônico de 1804 é que a prática volta ser normatizada, passando, a partir de então, a fazer parte de quase todas as legislações modernas. No Brasil, a primeira lei a disciplinar a adoção foi o Código Civil de 1916. Contudo, tal legislação se mostrava incompleta, porque não tratava o instituto com a devida pro-

fundidade, tratava-o como negócio jurídico bilateral e solene, sendo, inclusive, possível a dissolução do vínculo. Em suma, havia uma proteção dos interesses do adotante, restando o adotado em segundo plano. Vê-se, portanto, que a adoção não era realizada visando garantir os interesses da criança ou adolescente, tampouco havia preocupação com a formação do vínculo de afetividade e afinidade entre adotante e adotando. Em 1979 foi formulado o Código de Menores (Lei 6697/1979), uma espécie de “antecessor” do Estatuto da Criança e do Adolescente. Este código albergou a “Doutrina da Situação Irregular”, dispondo acerca da assistência, proteção e vigilância dos menores de até 18 anos de idade que se encontrassem em situação “irregular” e em casos especiais para menores de 18 a 21 anos. Embora tenha trazido um olhar mais próximo à realidade da criança ou adolescente, no que concerne ao instituto da adoção, essa legislação também não atendeu plenamente aos conceitos de proteção do adotando e de sua integração ao seio familiar pelo viés da afetividade, tendo em vista que não encarava o menor como sujeito de direitos. O advento da Constituição Federal de 1988 foi o marco para a legislação brasileira no que tange aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes. Isso porque foi a partir da nova Constituição que se adotou a “Doutrina da Proteção Integral”, assegurando a todas as crianças e adolescentes os direitos fundamentais, além de prioridade e proteção absolutas.


A partir de então a criança e o adolescente passaram a ser vistos enquanto sujeitos de direitos e pessoas em desenvolvimento, motivo pelo qual necessitam de uma proteção diferenciada, sendo esta responsabilidade não só da família, mas do Estado e de toda a sociedade. Aproximadamente dois anos após a promulgação da Constituição Federal, entrou em vigor a Lei 8069/1990, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, a qual normatizou o artigo 227 do texto constitucional e trouxe diretrizes acerca da proteção do menor. O ECA está em vigor até hoje e é o principal instrumento normativo de tutela aos interesses das crianças e dos adolescentes.

O advento da Constituição “Federal de 1988 foi o marco para a legislação brasileira no que tange aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes.”

Em 2009 a adoção foi reformulada pela Lei 12.010 (Lei da Adoção). A referida lei não trouxe grandes inovações, mas previu mudanças importantes, notadamente: a criação do Cadastro Nacional de Adoção - CNA, que reúne dados dos interessados em adotar e das crianças e adolescentes a espera de adoção, e o estabelecimento de uma preparação psicológica para adotantes e adotados. Atrelado ao novo paradigma constitucional da Doutrina da Proteção Integral está

o princípio do “Melhor Interesse do Menor”, instituído pela primeira vez na Declaração dos Direitos da Criança de 1959, pela Organização das Nações Unidas, o qual aduz, em suma, que crianças e adolescentes terão proteção social, garantida por lei e outros meios, a fim de lhes oportunizar o desenvolvimento físico, mental, moral e espiritual de forma sadia e em condições de liberdade e dignidade, respeitando-se o melhor interesse da criança. Em linhas gerais, tal princípio significa que o menor deve ter seus interesses tratados como prioridade pelo Estado, pela família e pela sociedade. Ou seja, quando houver situação que envolva criança ou adolescente deverá ser observado em cada situação qual é a solução que mais prestigia o bem estar do menor, seja físico ou mental. No que tange à colocação em família substituta, especialmente nos casos de adoção, o referido princípio se revela quando são levados em consideração os laços de afeto criados entre o adotado e a família substituta frente a verdade registral, por exemplo. Logo, ao sentenciar nos casos de adoção, o juiz deverá levar em consideração as condições reais do menor e os vínculos afetivos criados entre ele e sua nova família, ouvindo-o sempre que possível e obrigatoriamente nos casos de adolescente com mais de 12 anos de idade (art. 28, §2º do ECA). Desse modo, a afetividade surge como princípio com fundamento constitucional (princípio implícito decorrente da dignidade da pessoa humana), não sendo fato meramente psicológico ou sociológico, haja vista que a concepção moderna da família, enquanto grupo social, funda-se essencialmente nos laços afetivos, ultrapassando o vínculo biológico em

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diversos casos e comportando as mais diversas configurações e não somente o modelo “pai-mãe-filhos”. Conforme nos ensina Canezin (2012) ao falar da adoção e dos laços afetivos criados entre adotantes e adotandos: “A adoção faz nascer, entre pais e filhos, um vínculo de amor e respeito mútuos que nenhuma lei ou nenhuma decisão judicial podem apagar, sendo tal vínculo, muitas vezes, superior ao vínculo de sangue, por ser resultado de anos de convivência e dedicação”. Ressalte-se que toda criança e adolescente têm direito à convivência em família, à criação e à educação pelos pais, situações basilares para uma vida digna. Nessa esteira, conforme o § 3º, do artigo 28 do Estatuto da Criança e do Adolescente, a inserção da criança em família substituta deve levar em conta a existência ou não de relação de afinidade e afetividade da criança com os novos pais. Ou seja, a própria lei já impõe a formação do vínculo afetivo para que exista a adoção, sendo tal fator o mais importante para o seu deferimento, tendo em vista que é a existência desse laço afetivo que a tornará legítima. Sendo assim, embora a adoção seja um instituto jurídico, perfectibilizado por meio de uma sentença judicial, ela só poderá existir se legitimada pelo envolvimento afetivo das partes (pais e filhos). Nesse caso, mostra-se a importância de compreender que o direito é uma ciência limitada e que necessita de outras áreas do saber para tutelar as relações humanas com justiça e razoabilidade, daí advém a importância da equipe multidisciplinar que acompanha os casos de adoção, sobretudo na fase de adaptação à família substituta. Vale ressaltar que a adoção é meio excepcional de proteção à criança e ao adolescente, só sobrevindo quando estes encontrarem-se em situação de abandono, violência ou abuso em que houve a perda do pátrio poder. Logo, esses menores muitas vezes já passaram por grandes traumas e precisam de um tempo para se readaptar à convivência familiar, para reaprender a receber e dar afeto, situações que extrapolam a seara jurídica, reafirmando a necessidade de uma equipe multidisciplinar.

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houver situação “Quando que envolva criança ou

adolescente deverá ser observado em cada caso qual é a solução que mais prestigia o bem estar do menor”

De outra banda, há os bebês entregues diretamente aos pais adotantes, os quais, muitas vezes por temerem perder seus filhos, não fazem o procedimento legal de adoção. Embora exista essa insegurança o processo de adoção deve ser feito. Nesses casos também se faz necessária a avaliação psicológica, para que o magistrado possa decidir de acordo com o melhor interesse do menor e não apenas com a pura aplicação da legislação, que prevê que todos devem participar do CNA, não sendo justo, por exemplo, que um casal que recebeu a criança recém-nascida veja seu filho ser levado a um abrigo, porque não estava participando do cadastro. O julgador deve lançar mão das avaliações psicossociais realizadas e levar em conta o que será melhor para a criança, óbvio que não está a se incentivar o “não cadastro” de pessoas que desejam adotar, o que está em defesa é a proteção do menor mesmo em situações que excepcionam a legislação em vigor. Sendo assim, para que haja uma real efetivação do direito de crianças e adolescentes (re) construírem seus laços afetivos, com a inserção em uma nova família, por meio da adoção, é necessário que sejam observados os princípios da proteção integral e do melhor interesse do menor, com o auxílio técnico de outros profissionais, a fim de que a sentença nos casos de adoção esteja em consonância com a realidade e de fato proteja nossas crianças e adolescentes. ♦


“Nas grandes batalhas da vida, o primeiro passo para a vitória é o desejo de vencer”

Mahatma Gandhi

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OPINIÃO

PARA QUEM É ESTA VISITA? A POSSIBILIDADE DO REENCONTRO DOS LAÇOS AFETIVOS NA FAMÍLIA SUBSTITUTA Foto: Arquivo pessoal

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Caroline Ferreira de Sousa Psicóloga CRP-11/08544

e acordo com informações do jornal O Povo (13.01.2015) existe atualmente 61 crianças e adolescentes aptas à adoção no Ceará. A partir desse dado é possível identificar numericamente a quantidade de cearenses que aguardam ansiosamente por uma visita. No decorrer da minha atuação enquanto psicóloga de um abrigo, as famílias pretendentes à adoção, inicialmente, são percebidas pelas crianças como visitas, ou seja, pessoas que estão ali apenas para visitá-las. Em coro elas gri-

tam pelos corredores do abrigo: “Maria tua visita chegou!” (sic) e de uma forma curiosa todos se aproximam da visita de Maria a fim de saber qual será a novidade do dia. Em meio à coletividade, ao plural, aos múltiplos, as crianças em acolhimento institucional precariamente sabem o significado de família, de laços fraternos e eternos. As que chegaram recém-nascidas ao abrigo, pouco sabem dizer como se divide os cômodos de uma casa, às vezes, os livros pedagógicos ensinam. É com a chegada das visitas que as crianças em processo de adoção se deparam com um novo jamais experimentado anteriormente. Com o decorrer dos dias, as visitas passam a ter uma importância ainda maior e elas começam a perguntar: “tia, a minha visita vem hoje?” (sic), os vínculos gradualmente se tornam estreitos e fortaleci-

as crianças em processo de adoção passam a fazer parte de um lar, aprendem que podem ser únicas, singulares e lembradas a todo instante pelos membros das famílias.

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dos. Gradativamente, essas visitas ganham nomes e tornam-se papai e/ou mamãe. Tais figuras de extrema importância na constituição da vida de qualquer sujeito apresentam um novo mundo a essas crianças, um mundo até então desconhecido. Mostram que existe algo para além dos “muros do abrigo”, pode ser: um shopping, uma praça, uma praia, uma casa, um quarto... Mas ainda vai mais além, apresentam que as famílias são constituídas de avós, tios, primos, irmãos, animais de estimações, vizinhos, enfim todos unidos por laços afetivos. Deste modo, as crianças em processo de adoção passam a fazer parte de um lar, aprendem que podem ser únicas, singulares e lembradas a todo instante pelos membros das famílias. O abrigo, então, apresenta-se como um local estranho, desconhecido, nada agrada, nem as brincadeiras e nem a comida. A instituição de acolhimento que se apresentava como um local confortável e seguro passa a ocupar outro lugar, ou seja, o local

que impede as crianças de estarem em suas casas com suas famílias, pois ao término do fim de semana, as crianças em processo de adoção, devem retornar a instituição até que saia a guarda provisória. Repetidamente elas perguntam: “tia, cadê minha mãe?” (sic); “tia, cadê meu pai?” (sic); “tia, por que demora tanto?” (sic). As famílias, independente de serem substitutas ou biológicas têm a responsabilidade de “criar, cuidar, educar, proteger e garantir o desenvolvimento de suas crianças” (PAULA, 2006, p. 12). Além disto, as famílias tem o papel primordial de proporcionar afeto entre seus membros. Por fim, o desligamento de uma criança da unidade de acolhimento por adoção é um momento de muita emoção tanto para equipe técnica como, principalmente, para a nova família constituída. Para os profissionais ficam as lembranças e para a criança a possibilidade de ser criada com amor e afeto no seio de uma família. ♦

Referências: COSTA, Isabel. 61 crianças e adolescentes aguardam novas famílias no Ceará. O POVO, Fortaleza, 13 janeiro 2015. Disponível em: <http://www.opovo.com.br/app/opovo/cotidiano/2015/01/13/noticiasj ornalcotidiano,3376224/61-criancas-e-adolescentes-aguardam-novas-familias-no-ceara. shtml>. Acesso em: 14 maio 2015. Paula, Ana Rita de. A hora e a vez da família em uma sociedade inclusiva. São Paulo: SORRI-BRASIL, 2006.

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A VIDA NO ABRIGO E O DIREITO DE SER CRIANÇA Estudar, brincar e comemorar aniversário são algumas atividades das crianças acolhidas pelo Abrigo Tia Júlia.

Priscila Macêdo

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er uma família, um lar e uma atenção especializada, próprias de pai e mãe. Este é o desejo da maioria das crianças que vivem em uma instituição de acolhimento. Enquanto isso não acontece, eles seguem uma rotina comum que inclui hora para ir à escola, brincar, fazer as tarefas, tomar banho, ir para consultas médicas, comer e dormir. Segundo a assistente social, Iraneide Soares, “o dia a dia dessas crianças em nada se diferencia do cotidiano das crianças que têm uma família. Os nossos meninos também passeiam, estudam e comemoram aniversários”, acrescenta. Atualmente, o abrigo Tia Júlia acolhe setenta e seis crianças, entre meninos e meninas, com faixa etária de zero a sete anos. Lá o dia começa cedinho com o banho de sol dos bebês do berçário. As cuidadoras os levam para o pátio enquanto as demais crianças se preparam para ir à escola. Questionado sobre o desejo de seguir uma profissão, o tímido João Lucas*, 9, que ainda não foi transferido para um abrigo de crianças maiores por

causa dos quatro irmãos com menos de sete anos, diz que quando crescer quer ser um lutador de MMA. Mas quando o assunto é a brincadeira favorita, o futebol ganha espaço na diversão do garoto. “Eu gosto mesmo é de jogar futebol e fazer muitos gols”, diz. O irmão Josias*, 5, que ainda acredita em super-herói, tem o desejo de ser o Batman para salvar as pessoas. “Quando eu ficar grande, quero ser igual ao Batman. Ser bom e salvar a vida das pessoas”, afirma. Entretido fazendo um desenho de uma casa, o pequeno diz que gosta de morar no abrigo, mas ao mesmo tempo quer ter uma casa grande e bonita. Reunidos no pátio e acompanhado pelas “tias” (é assim que eles chamam as cuidadoras), as brincadeiras são as mais diversas possíveis. Montar um quebra-cabeça, fazer um castelo, jogar bola e fazer bonecos de massinha são os passatempos favoritos da garotada. Na hora de fazer o dever de casa, os meninos são separados em três turmas com quatro crianças, número suficien-


Eu, o tempo e as crianças

E Foto: Revista Elos

te para que a atenção durante a lição não se disperse. Para cada grupo de crianças existe uma pedagoga responsável. E se a tarefa é de matemática, o esperto Denis*, 7, fica todo feliz porque segundo ele “fazer conta é mais legal”. Janaina Sobral, também do setor da pedagogia, emocionada diz que o aprendizado é uma via de mão dupla. Na medida em que ensina as crianças, ela aprende muito mais. “Estar aqui é um enorme aprendizado. Enquanto eu ensino os meninos acabo trabalhando em mim a paciência, o equilíbrio emocional e o meu amor por eles só cresce”, assegura. O reforço escolar é oferecido durante todo o dia e é organizado de forma a atender todas as crianças respeitando o turno em que estudam. É chegada a hora do almoço e o paladar dos pequenos segue ► *nomes fictícios

u me chamo tempo. E, debaixo desse telhado, já vi muitas crianças chegarem e algumas irem embora. Sou a casa que lhes dá abrigo. Em mim, moram setenta e seis crianças. Eu não consigo lembrar todas as histórias, mas as mais marcantes ficaram na memória. Como a vez em que a pequena Mayara foi abandonada no terminal de coletivos, era uma noite fria. Um estranho ouviu o chorinho triste de um bebê com alguns meses de vida e, rapidamente, ela foi trazida até mim. Ela sempre foi uma garota meiga e amável. Costumava sentar em um dos meus pátios que da janela pode se contemplar uma praça com grandes mangueiras. A menina se aprontava faceira, vestia sua melhor roupa e passava um perfume que ganhou de um dos padrinhos para esperar aquilo que chamava de seu futuro. As visitas chegavam às dezessete horas. Um casal e uma menina de aproximadamente seis anos pareciam confortáveis com a presença ansiosa da criança. De vez em quando, a pequena Mayara, olhava para a mulher que vinha visitá-la todas as tardes e questionava: “Por que você não me adota, tia?”. Com um sorriso amarelo, ela respondia: “As coisas não são simples assim, minha querida”. Para tentar camuflar a tristeza da menina, a mulher lhe apresentava uma linda boneca. “Essa princesa é um presente pra você”, dizia apressadamente. Após esse dia, as visitas aconteciam com maior frequência. Mayara chegava a passar o fim de semana inteiro longe de mim. Tenho ciúmes, assumo. Mas, acho que ela está feliz. Chegava de cada passeio, cantando e pulando e dizia para os coleguinhas que ela tinha uma irmã e que o quarto dela era lindo. ►

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Se eu tenho coração? Não sei. Mas acho que sim, porque nesse momento senti um aperto. Algo me dizia que ela iria embora para sempre. Meses depois a mulher conversava com a diretora Cláudia, na secretaria. Falavam baixo. Diziam algo como “adoção não é sentir pena, caridade, é algo sério”, afirmava a diretora, com o rosto expressando uma mistura de sentimentos. Em contrapartida a mulher respondia, “sabemos e estamos certos de que ela é a filha e a irmã que nossa família precisava para ficar completa”. Depois disso, não tive mais dúvidas. Uma semana depois, a pequena que vi chegar enrolada em lençóis velhos, vestiu sua melhor roupa, passou seu perfume rotineiro, despediu-se de seus amigos e tias e foi embora. Não nego que quase chorei, apesar da saudade, é estranha a minha vontade de que um dia eu fique sozinha e de que todos eles partam, eu prefiro sonhar com um futuro mais promissor para essas crianças. Tenho um amor diferente por cada uma delas: Caio, João, Marisa, José, Fernando, Mayara... Sei o nome de todos. E vi os pequenos detalhes de suas vidas acontecerem: como nascimento dos primeiros dentinhos e quando as janelinhas começaram a se formar também. Presenciei o choro escandaloso de um, quando levou um tombo daqueles e precisou passar mertiolate, “dói muito”, gritava o menino. Minutos após a estripulia, parecia que nada havia acontecido. O pátio, em que da janela se pode contemplar uma praça com grandes mangueiras, está vazio. Agora, quem espera uma visita sou eu. Juliana Marques

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os variados gostos. Carne, ovo, sopinha, frango, macarrão, comida sem feijão, suco e pouco a pouco os pratos vão obedecendo às preferências dos pequenos. Durante a tarde a rotina se repete e a disciplina continua. As crianças que estudam neste turno preparam suas mochilas enquanto esperam o transporte escolar pegá-los. Neste mesmo tempo, os demais meninos relaxam assistindo filme. Quando o sol vai baixando, os ânimos vão se acalmando. É chegada a hora de recolher os brinquedos, tomar banho e jantar. Mesmo com todo esse acolhimento, garantia de educação e disciplina, a assistente social adverte que todas essas opções não podem tirar das crianças o direito de um convívio familiar. “Aqui nós damos toda a assistência necessária para o bom desenvolvimento das crianças. Mas o que nós oferecemos aqui não pode substituir o direito de ter uma casa, uma família” ressalta. ♦


“O filho adotivo tem o DNA da minha alma, minha porção espiritual que me imortaliza e me aproxima de Deus.” Sávio Bittencourt

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APADRINHAMENTO Além do pagamento dos estudos, as crianças podem ser apadrinhadas com visitas de grupos nos fins de semana para fazer brincadeiras e contar histórias.

Thays Naliny

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tualmente, existem em Fortaleza nove instituições de acolhimento de crianças e adolescentes custeadas pelo Governo Estadual. Nelas ainda existem muitas crianças disponíveis para adoção e que esperam pela oportunidade de ter uma família, como é o caso do Abrigo Tia Júlia, localizado na Parangaba. A coordenadora do abrigo, Luiza Helena Paiva Frota diz que quando eles acolhem uma criança o primeiro passo é avaliar a possibilidade de resgatar os vínculos familiares dela. Apesar de a maioria ter sido abandonada ou negligenciada, tenta-se todas as formas de retorno dessa criança para a família principalmente porque ela só ficará disponível para adoção após autorização judicial. Enquanto não são adotadas, essas crianças podem ser assistidas por trabalhos voluntários e por apadrinhamentos afetivos ou financeiros. O apadrinhamento afetivo é um apoio para as crianças, pois mesmo sem família, elas ainda tem necessidades, ainda fazem aniversário, ainda precisam de amor e carinho. O apadrinhamento financeiro é uma prestação de auxílio material, uma prática solidária que visa auxiliar financeiramente aqueles que estão abrigados. De acordo com Luiza Helena, hoje em dia o abrigo acolhe 76 crianças, dentre elas 44 estão na faixa escolar e todas estudam em escolas particulares da comunidade pagas por padrinhos.

“Quando alguém vem aqui e nos diz que quer apadrinhar uma criança, nós perguntamos como e elencamos várias coisas em que a pessoa pode ajudar. Uma dessas é com os estudos. É um tipo de apadrinhamento e é pago diretamente à escola, nós não temos acesso ao dinheiro”, diz. Além do pagamento dos estudos, as crianças podem ser apadrinhadas com visitas de grupos nos fins de semana para fazer brincadeiras, contar histórias, levá-las à praia, a casas de veraneio etc. Os padrinhos também podem realizar reformas na instituição. “Há pouco tempo nós fizemos uma sala de observação com mini UTI no abrigo só com a ajuda de padrinhos, para evitar que as crianças sejam internadas em hospitais. Também temos um dormitório com 19 crianças especiais que contam com a ajuda de duas pessoas, e um grupo pretende reformar esse espaço”, conta Luiza. Trabalhando com adoção há mais de 10 anos, Luiza diz que é um prazer poder ajudar essas crianças. “O que a gente fizer por elas tem um significado muito bom, eu gosto de trazer as pessoas aqui, gosto que elas conheçam o trabalho que nós fazemos, não só para conhecerem o espaço, mas para elas conhecerem quem elas estão ajudando. Não estamos em busca de pessoas para compensar perdas e sim de quem está comprometido com uma causa social e, além de tudo, humana”, complementa.

cirodelia

DÁ ESPERANÇA A CRIANÇAS QUE AGUARDAM PELA ADOÇÃO


O PRESENTE QUE A VIDA DEU

Apesar da vida corrida, a advogada Ana Araújo, 32 anos, ajuda instituições por meio do apadrinhamento e tenta conciliar trabalho, vida pessoal e solidariedade. “Sempre procurei ajudar o próximo, desde muito nova tenho essas iniciativas. Já fui voluntária em outras causas e há um ano e meio procuro ajudar essas crianças da forma que posso. Minha comadre já apadrinhava instituições e me levou para conhecer; me encantei com as crianças e desde então não fico mais de 15 dias sem visitá-las. Foi um presente que a vida me deu”, relata. Por ser um abrigo custeado pelo governo, Ana diz que não coopera financeiramente, ajuda com roupas, material higiênico, leite e passeios com as crianças. “Sempre trago as crianças para banho de piscina na minha casa, levo-as para o shopping, faço o que for possível no dia”, comenta. Quando questionada sobre algum momento marcante desse período de apadrinhamento, ela não hesita e diz que todos, mas um a marcou em especial. “Em Outubro de 2014 fiz o dia das crianças para eles na minha casa, com tudo que eles tem direito, o dia inteiro de piscina, sanduíche, pipoca, almoço, brincadeiras, presentes, tudo! Fiz um kit de higiene para cada um, eles amaram, não esquecem nunca! Sempre que vou visitá-los me perguntam quando vai ter de novo e dizem que foi o dia mais feliz da vida deles”, lembra Ana. Ela e a comadre, Paula Sousa, além de sempre fazerem atividades com as crianças dentro e fora da instituição, trabalham para que os amigos também ajudem. “Tentamos engajar nossos amigos na causa. Sabemos que as crianças precisam, e quanto mais gente, melhor. Realizamos campanhas para arrecadar produtos de higiene pessoal, brinquedos e já fizemos até o aniversário da minha afilhada lá, o presente dos

convidados era uma lata de leite que seria doado para a instituição, foi um sucesso. As crianças ensaiaram uma dança para fazer, todo mundo amou”, acrescenta. Todo esse carinho levado às crianças, somado com as experiências vividas junto delas desenvolveram em Ana sentimentos que vão além do apadrinhamento. “Sem dúvida me tornei uma pessoa melhor, quando vejo qualquer criança fazendo coisas que eles não tem oportunidade penso logo neles e tento proporcionar. Hoje tenho muita vontade de adotar, mas primeiro quero ter um filho biológico”, esclarece.

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PADRINHO NOTA 10

O QUE POSSO FAZER COM MEU AFILHADO AFETIVO?

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oje, no Brasil, existe um projeto que visa organizar e ajudar no apadrinhamento de crianças, inclusive as dos abrigos de Fortaleza, é o “Padrinho nota 10”. Uma organização sem fins lucrativos que tem como objetivo melhorar a divulgação por meio da internet do trabalho de instituições sociais, principalmente essas ligadas a crianças e adolescentes. O projeto tem como meios de divulgação, um portal (www.padrinhonota10.com.br), com informações de instituições de todo o Brasil, incluindo telefone, e-mail, site e comentários de quem já ajuda ou visitou. Há também listas do que essas entidades precisam de doação no momento e uma relação de perguntas frequentes, por exemplo, sobre como ser voluntário, como fazer doações, como apadrinhar, etc. E, além do portal, o projeto tem uma página no facebook intitulada “Padrinho nota 10”. As instituições ajudadas pelo projeto em Fortaleza são: Abrigo Casa da Criança, Abrigo Nossa Casa, Abrigo Nova Vida, Abrigo Recanto da Luz, Abrigo Tia Júlia, Abrigo Desembargador Olívio Câmara (ADOC), Lar Amigos de Jesus e o Orfanato Casa de Jeremias.

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LEVAR PARA PASSEAR

ACOMPANHAR E AJUDAR NAS TAREFAS DA ESCOLA

LEVAR AO MÉDICO E AO DENTISTA

REALIZAR BRINCADEIRAS EM DIAS DE VISITA AO ABRIGO

LEVAR O AFILHADO PARA PASSAR UM DIA NA SUA RESIDÊNCIA


ENDEREÇOS DOS ABRIGOS EM FORTALEZA 1

Abrigo Casa da Criança Rua Camélia, 450 Cristo Redentor (85) 3101-2725

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Abrigo Nossa Casa Rua Castro Alencar, 1280 Jardim das Oliveiras (85) 3279-6093

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Abrigo Nova Vida Rua das Gaivotas, 1730 Jardim das Oliveiras (85) 3273-3389

4

Abrigo Recanto da Luz Rua Sabino Monte, 3583 São João do Tauape (85) 3252-5492

5

Abrigo Tia Júlia Rua Guilherme Perdigão, 305 Parangaba (85) 3101-6125

6

Abrigo Desembargador Olívio Câmara (ADOC) Travessa Costa Rica, 100 (85) 3101-5481

7

Lar Amigos de Jesus Rua Ildefonso Albano, 3052 Joaquim Távora (85) 3226-3447

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Orfanato Casa de Jeremias Rua Bento Albuquerque, 535 Cocó (85) 3262-7220

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E QUANDO OS PAIS DECIDEM AUMENTAR A FAMÍLIA? Juliana Marques

A adoção por pais que já têm filhos biológicos, um processo que requer ainda mais atenção.

A

chegada de mais um membro na família é sempre uma novidade. São muitas as mudanças na vida de um casal que já têm filhos biológicos e optam também pela adoção. É preciso toda uma preparação na estrutura da casa e no psicológico da criança que vai ganhar aquele, que costumamos chamar de parceiro para a vida toda, um irmão. O último levantamento realizado em 2012, pelo Cadastro Nacional de Adoção (CNA), apontava que dos 27. 437 pretendentes a pais em todo o Brasil, 6.703 tinham filhos biológicos. No Ceará, 127 pessoas que finalizaram o processo de adoção também já eram pais. Foi o caso, da professora Francisca Meire Moreira e seu esposo George Wilame Moreira, que mesmo já tendo um filho, o Davi que na época tinha três de idade, decidiram realizar um sonho antigo, adotar uma menina. “Sempre tive vontade de adotar uma criança, quando descobri que estava grávida, só adiei esse desejo”, diz. O casal que já estava registrado há dois anos no CNA recebeu a tão esperada ligação informando que havia uma criança dentro do perfil escolhido por eles. Tratava-se de uma menina que havia nascido de seis meses, pesando apenas 1,2kg e estava na UTI Neonatal do hospital Unimed. Após um parto com complicações, a mãe biológica deu uma identificação errada, pagou as despesas cirúrgicas, a estadia da recém

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nascida por mais quinze dias e depois desapareceu. Mesmo com todos os desafios a enfrentar com uma criança prematura, o sonho antigo falou mais alto. A partir daí iniciaram os procedimentos jurídicos para conseguirem a guarda da criança. Foram acompanhados por psicólogos, assistentes sociais, advogados até que todos os trâmites legais fossem conquistados para efetivarem a adoção.


Com isso, as mudanças começaram a acontecer na casa da família, principalmente com o pequeno Davi que há tempos vinha sendo preparado pelos pais para a possível chegada de um irmão. “A princípio ele foi informado que ia ganhar uma irmã e fomos conversando com ele, o levamos em um psicólogo e deixamos que ele participasse de todo o processo, inclusive escolhendo o nome”, explica. Dessa forma, a chegada da Maria Clara, na família Moreira, foi bastante tranquila. A menina recebeu alta do hospital e foi para o seu novo lar com um mês e quinze dias de vida. A matriarca diz que nunca escondeu a verdade da filha e desde o início já contava tudo para a menina, mesmo quando ela ainda não entendia. “Sempre coloquei a história dela em um conto de fadas e no final a princesa era ela, assim ela foi entendendo que é adotada e que não saiu da minha barriga”, conta. Hoje, Maria Clara está com seis anos de idade e Davi com onze e, segundo Meire, os irmãos tem um relacionamento saudável. Às vezes a disputa por atenção acontece, mas de uma forma natural, pois entre eles existe amor, cumplicidade e união. Mais uma vez o casal se prepara para aumentar a família. Davi e Maria Clara já estão cientes de que em breve vão ganhar mais um irmão (a). A professora diz que pretende passar por mais um processo de adoção daqui a quatro anos e as crianças aprovam a ideia.

RECOMEÇO

Esse mesmo sentimento do amor que não nasce por um vínculo de sangue, mas afetivo, foi o que levou a ex-funcionária pública da Universidade Federal do Ceará, Regina Leão, a optar pela adoção. A viuvez precoce fez com que a mulher tivesse uma grande responsabilidade, a de aos trinta anos, dedicar-se sozinha a criação de seus dois filhos, Marcos Paulo e João Vitor, que na época tinham seis e cinco anos, respectivamente. Mesmo nesse período complicado e com dois filhos biológicos, Regina já alimentava o desejo pela adoção, mas devido às circunstâncias achou melhor esperar. “Passei 15 anos planejando adotar e quando os meus filhos estavam com vinte e um e outro com quase vinte anos, achei

que esse era o momento certo”, explica. O desejo da mãe foi bem acolhido pelos filhos, que inclusive ajudaram em todo o processo de planejamento para a adoção. Eles estavam preparados para receber o Pedro Lucas, que chegou com apenas alguns dias de nascido, para a vida da família. Os primeiros dias do pequeno foram regados com muito amor por parte dos irmãos. Regina, que na época do processo de adoção estava com 47 anos, garante que essa foi uma de suas melhores escolhas. “Se eu pudesse eu adotaria mais, vejo muitas crianças precisando de uma família. Acho gratificante a possibilidade de dar uma nova perspectiva de vida a uma pessoa e também passar os nossos valores morais a ela”, comenta. Regina, muito sincera com o filho, sempre contou que ele havia sido adotado. No início o garoto demorou em aceitar a sua própria história. “Há uns três anos, ele ainda dizia que tinha nascido da minha barriga. Para ele, só poderia ser meu filho se fosse assim”, relata. Até conseguir passar por esse processo, Pedro, que está com dez anos, precisou ser acompanhando por uma psicóloga durante um ano. Com o passar do tempo, a convivência entre os três irmãos não poderia ser melhor. Atualmente, Marcos Paulo e João Vitor já estão casados, e Regina, com 57 anos, já se prepara para ser avó do seu primeiro netinho. Apesar de suas rotinas, sempre que tem alguma oportunidade, os irmãos vão visitar o caçula, o levam a passeios, shopping e cinema. “O tempo que eles ficaram em casa, antes de se casarem, foram como verdadeiros pais para o Pedro e sempre são muito atenciosos com ele”, relata a mãe orgulhosa. ♦

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ENTREVISTA

SAIBA COMO FUNCIONA UM PROCESSO DE ADOÇÃO EM FORTALEZA

Foto: Revista Elos

Lançado em abril de 2008, o Cadastro Nacional de Adoção é um sistema que auxilia os juízes da Vara da Infância e Juventude a dar uma maior celeridade aos processos de adoção. Com a sua criação, ficou mais fácil unir os perfis entre pretendestes à adoção e crianças a serem adotadas.

Gabriella Pinto 3ª Vara da Infância e Juventude da comarca de Fortaleza

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A Revista Elos conversou com a chefe do setor de cadastro de adotantes e adotados da 3ª Vara da Infância e Juventude da comarca de Fortaleza, Gabriella Pinto, que explica como acontece os processos de adoção desde o momento em que a criança é destituída do poder familiar biológico até ser encaminhada para a família substituta.


O que mudou com a criação do Cadastro Nacional de Adoção (CNA)? Com o CNA ficou mais fácil e rápido adotar uma criança, pois a partir dele a 3ª Vara da Infância e Juventude ficou especializada em ações cíveis, o que conseguiu acelerar o processo de destituição do poder familiar.

Quando uma criança fica disponível para adoção? Após ser reconhecida em situação de negligência ou abandono, a criança é encaminhada para uma instituição de acolhimento. Enquanto isso, a justiça entra em contato com a família natural (pai e mãe) ou estendida (tios, avós, padrinhos) a fim de realizar a manutenção de vínculo. Caso não consiga, o Ministério Público ou a Defensoria Pública ingressa com a ação de destituição do poder familiar, só depois disso é que a criança fica disponível para a adoção.

É estabelecido um tempo máximo para que a reintegração familiar seja realizada? Não há um período máximo para tentativa. O que há é a previsão de que a entidade remeta relatório sobre a situação da criança em um período máximo de 6 em 6 meses, além disso, o convívio na instituição de acolhimento deve durar apenas dois anos.

Quanto aos pretendentes à adoção, o que fazer para entrar no cadastro? É preciso apresentar uma relação de documentos exigidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), conforme previsto no artigo 197 – A. Junto à documentação é preenchida e entregue uma ficha de cadastro de pretendentes, em que é escolhido o perfil da criança a ser adotada.

Que documentos devem ser apresentados à Vara da Infância e Juventude? CÓPIAS AUTENTICADAS DE: Carteira de identidade; CPF; Certidão de nascimento (se solteiro) ou de casamento (se casado); Comprovante de residência; Comprovante ou declaração da renda mensal

ORIGINAIS: Atestado de saúde física e mental; Dois atestados de idoneidade moral preenchidos e assinados por pessoas diferentes e sem qualquer grau de parentesco com o pretendente à adoção Certidão negativa de distribuição cível (OBS: Esta certidão já inclui antecedentes criminais. Solicitar no Setor de Certidões – 1º andar do fórum. Válida por 30 (trinta) dias)

Após a entrega da documentação, qual o novo passo a seguir? O pretendente deve participar de um curso psicossocial e jurídico, oferecido pela vara da infância, que acontece durante uma manhã. Finalizado o curso, o candidato passa por uma entrevista técnica em que é gerado um relatório que será encaminhado para o promotor de justiça. Em seguida, este relatório é avaliado pelo juiz da Vara da infância que decide conceder ou não o certificado de habilitação.

Existe um tempo mínimo para que a habilitação à adoção seja concedida? O processo de habilitação demora entre 6 e 8 meses. Só apos esse período os pretendentes entram na fila da adoção.

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Junto à documentação “é preenchida e entregue

uma ficha de cadastro de pretendentes, em que é escolhido o perfil da criança a ser adotada.” De que maneira é organizado o cadastro? Após o certificado em mãos, os dados do candidato são adicionados ao sistema de cadastro que obedece a uma fila cronológica. Dessa forma, quando encontrada uma criança no perfil selecionado, o próprio sistema localiza os pretendentes obedecendo ao tempo de espera na fila.

Após ser encontrada uma criança no perfil

solicitado pelo pretendente, de que forma acontece o contato entre eles? Havendo o interesse do pretendente em conhecer a criança, a equipe interdisciplinar elabora um ofício autorizando visitas para um período de convivência entre o adotante e o adotado. Durante esse tempo, o candidato pode entrar com uma ação para conseguir a guarda provisória.

Concedida a guarda provisória, o que falta para que a adoção seja efetivada? A equipe técnica realiza visitas periódicas a fim de elaborar um relatório de avaliação conclusiva que será apresentado ao juiz. Feito isso, o juiz dá a sentença de adoção, autoriza um novo registro em que contenha o sobrenome da nova família. A partir daí a criança passa a ter os mesmos direitos de um filho biológico, de acordo com o que é estabelecido pela lei. ♦

O QUE DIZ O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA) SOBRE ADOÇÃO INTERNACIONAL?

A

adoção internacional é considera aquela que é realizada por estrangeiros ou brasileiros residentes fora do país. Ela só acontece quando for esgotada todas as possibilidades de colocar a criança em uma família substituta no Brasil. Os brasileiros residentes no exterior, terão preferência aos estrangeiros, no caso de adoção internacional de crianças e adolescentes brasileiros. Para se cadastrar, o interessado deverá formular um pedido de habilitação à adoção perante a Autoridade Central do país em que o adotante se encontra. De acordo com a 3ª Vara da Infância e Juventude de Fortaleza, os principais aspirantes à adoção tardia são os estrangeiros. No entanto, a adoção internacional de criança ou adolescente brasileiro ou domiciliado no Brasil somente terá lugar quando restar comprovado: I – que a colocação em família substituta é a solução adequada ao caso concreto; II – que foram esgotadas todas as possibilidades de colocação da criança ou adolescente em família substituta brasileira; III – que, em se tratando de adoção de adolescente, este foi consultado, por meios adequados ao seu estágio de desenvolvimento, e que se encontra preparado para a medida, mediante parecer elaborado por equipe interprofissional.

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Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 51, § 1º.


A PREPARAÇÃO PARA RECEBER O FILHO ADOTIVO

Foto: Arquivo pessoal

Thays Naliny

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mor e fé. Foram esses dois sentimentos que estiveram presentes ao longo de todo o processo de adoção da servidora pública estadual Maria Osilene Manzanares, 51 anos, e de seu esposo Victor Davi Manzanares, 48 anos, desde o dia em que surgiu o interesse em adotar uma criança, quinze anos atrás, até 2015, o ano em que eles foram presenteados com o pequeno Samuel.

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Foto: Arquivo pessoal

esde o primeiro contato com a adoção, Osilene sabia que esse seria o caminho para se tornar mãe e formar sua família. Ela tem as trompas obstruídas e por conta disso não poderia ter filhos, só se quisesse se submeter a um processo cirúrgico muito arriscado, porém seu esposo Victor não deixou. “Na época ele disse que se eu quisesse ter 10 filhos adotaríamos todos, mas ele não iria deixar eu me arriscar tanto, ele sempre apoiou essa ideia”, lembra Osilene. Na primeira vez que pensou em adotar, o processo não era tão burocrático quanto hoje, mas o esposo trabalhava viajando e não tinha como fazer as visitas e acompanhar o procedimento de perto, assim, não poderiam adotar. Na época eles chegaram a visitar alguns abrigos, mas por conta do em-

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prego dele desistiram. Passados alguns anos da primeira tentativa, eles resolveram tentar novamente, pois Victor já estava trabalhando fixo em Fortaleza, e dessa vez dispostos a levar o processo até o fim, independente dos empecilhos. Em 2011 entraram no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) e como o processo havia mudado, participaram de um curso sobre adoção, entrevistas, acompanhamento de psicólogos e, assim, passaram a aguardar a criança. O perfil procurado por Osilene e Victor era uma criança de dois a cinco anos, do sexo feminino e com a pele de cor clara, segundo ela para não ficar tão diferente deles. “Não colocamos no perfil uma criança de zero a dois anos porque demoraria muito”, afirma. Em Janeiro de 2015, passados 3 anos e


meio do cadastro e de espera, Victor quis alterar o perfil. “Já estávamos aguardando há muito tempo e eu resolvi conversar com ela para mudarmos o perfil. Colocamos “ambos os sexos” e de qualquer tom de pele”, explica ele. O novo perfil ajudou o casal. Poucos dias após a mudança, eles receberam a ligação da Vara da Infância e Juventude. Informaram que tinha um menino no perfil que eles queriam, que estava no abrigo desde os 3 meses de vida e havia sido destituído da família. “Eles nos perguntaram se a gente queria visitá-lo e eu perguntei se na primeira visita eu já precisava dizer se queria ficar com a criança, eles disseram que não e então fomos”, conta Osilene. Era uma sexta e a visita ao abrigo foi acompanhada de uma psicóloga, ela contou a história da criança para o casal e eles só o viram de longe. Eles mal sabiam que o destino tinha algo reservado para eles. Voltaram para casa e teriam de dar a resposta após o final de semana. Osilene conta que não sabia que resposta dar, afinal as coisas foram mais rápidas do que o esperado, mas a fé os ajudou nesse momento. “O Victor é de uma família muito religiosa e nós também somos, então fomos rezar para saber se isso era da vontade de Deus. Ele falou ao nosso coração que sim e nós abraçamos isso”, revela.

O CUIDADO DE DEUS

Quando resolveram receber o pequeno Samuel, o casal descobriu muito além do amor. Segundo Osilene, todas as mudanças e experiências fizeram eles aprender que nem em uma gestação se escolhe sexo, cor ou características da criança, nesse processo não deveria ser de outra forma. Samuel é completamente diferente do que eles imaginavam quando resolveram adotar, mesmo assim o casal afirma que o amor que nasceu dentro deles é enorme, além da responsabilidade de criá-lo e formá-lo. “A partir do momento que começamos a visitá-lo, Deus nos mudou, tocou o coração”, conta Victor.

do momento “A partir que começamos a visitá-lo, Deus nos mudou, tocou o coração.”

Nas primeiras semanas as visitas aconteciam no mínimo três vezes por semana. Passados dois meses desses contatos, a justiça liberou o casal para passeios fora da instituição, mas sempre acompanhados de um profissional, normalmente uma manhã ou uma tarde. Nesse período os laços afetivos e familiares vão se formando. Osilene conta que no início das visitas e passeios, Samuel era muito tímido e não falava praticamente nada, passou mais de um mês sem dar uma palavra. O casal se questionava se ele tinha algum problema e os profissionais asseguraram que não. Após dois meses de convívio, o casal teve uma surpresa. Ao chegar no abrigo para mais uma visita, o casal foi protagonista de uma das cenas mais marcantes dessa jornada, segundo Victor. “Chegamos e assim que ele nos viu falou ‘o papai e a mamãe chegaram’ Não teve como segurar a emoção, foi mais uma prova que tivemos”, conta o casal, emocionado. Após passarem por mais esse período, Samuel foi liberado para ficar o fim de semana na casa deles e ao chegar, mais uma surpresa. “Quando ele entrou na nossa casa pela primeira vez foi como se ele tivesse saído de mim, ali eu tive todas as confirmações de que eu era a mãe dele. Não sou a mãe biológica, mas acredito que o sentimento é o mesmo”, diz Osilene.

A NOVA FAMÍLIA

No meio do ano passado, o casal resolveu começar a preparar a casa para a chegada da criança. Mesmo sem saber o que viria pela fren-

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te, eles fizeram um quarto e por ironia do destino não o decoraram com nada de menina, o fizeram em cores neutras. “Fizemos um quarto em cores neutras, pensamos em decorar só depois que a menina chegasse e dependendo da idade colocaríamos móveis a e decoração próprias para ela”, conta o casal. Mais uma vez a fé nas palavras deles era inabalável. “Deus estava preparando um menino, Ele sabe o que faz. Até a cama que tinha já era grandinha para gente poder dormir lá se precisasse”, completa Victor. A família está com a guarda provisória de Samuel desde Maio de 2015. Nos primeiros dias houve estranhamento ao dormir, no abrigo ele dormia com mais 13 crianças, então foi comum vê-lo chorando. Com o passar dos dias, conseguiu se acostumar e segundo a mãe, ele já está dormindo sozinho. Um motivo importante para que a chegada e adaptação de Samuel tenham sido tranquilas foi o apoio dos familiares. As duas famílias são grandes, com muitos irmãos e sobrinhos e todos sempre acharam importante o casal também ter filhos, independente de como seria. Eles contam que não há diferenciação nem preconceito, todos já tratam Samuel como membro da família. Com a chegada da criança, a família também adquiriu novos hábitos. Lugares e coisas que eles não faziam, agora fazem parte da rotina como: ir ao parque, ao zoológico, levá-lo à escola, ensinar as tarefas. O casal tenta se dedicar ao máximo na realização dessas atividades pois sabem que são importantes para a adaptação social de Samuel. Quando questionados sobre características deles que Samuel já esteja reproduzindo, eles são assertivos. “Rezar. Antes de dormir ele mesmo já nos chama para rezar, é um costume que sempre tivemos e que ele já pegou em tão pouco tempo. Também levamos ele para a missa e ele se comporta direitinho”, afirma o casal. Em casa, a organização e o comportamento de Samuel já estão sendo semelhantes aos dos novos pais também.

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PLANOS PARA O FUTURO

Em relação ao futuro, o casal tem vontade de adotar outra criança, mas não agora. Continuam no cadastro, porém querem primeiro passar o período de adaptação do Samuel, pois eles ainda têm acompanhamento psicológico. Após esse tempo e quando já estiverem com a guarda definitiva dele, pretendem adotar outra criança e sem preferência de sexo novamente. Osilene e Samuel estão bem convictos da decisão. “Queremos outro filho porque é bom, para alegrar a casa, para fazer companhia ao Samuel. No abrigo ele vivia rodeado de crianças, aqui não vai ser diferente. Queremos outro para dividir.” ♦

ADOÇÃO À BRASILEIRA Depois da Lei da Adoção de 2009, qualquer pessoa que queira adotar uma criança no Brasil tem de estar, obrigatoriamente, inscrita no Cadastro Nacional de Adoção (CNA). Mas uma prática ilegal muito comum, continua a acontecer. Chamada de adoção à brasileira, o ato consiste em a mãe ou a família biológica dar a criança para outra pessoa, fora dos trâmites legais. Muitas vezes, o casal adotante registra a criança como se fosse filho biológico.


O AMOR BATEU EM MINHA PORTA Parecia uma noite como todas as outras, mas Clara (48) e Edivaldo (51), foram surpreendidos pela vida quando, às 21 horas do dia 16 de Maio de 1996, foi deixada uma cesta na porta da casa deles. Dentro dela havia um bebê ainda com o umbigo, enrolado em uma manta. Junto dele apenas uma lata de leite e uma pequena mamadeira. O amor bateu à porta deles. Após 6 anos de casados e diversas tentativas de engravidar sem sucesso, eles viram a vida mudar da noite para o dia, literalmente. Ela queria muito ser mãe e não conseguia por conta de problemas de saúde do companheiro. Eles fizeram todos os tipos de exames e tratamentos para engravidar, mas não tiveram resultados positivos. A partir daí travou-se uma luta dela com seu psicológico. “Chegou um momento em que eu não podia mais ser chamada nem para aniversário de criança, isso me doía”, conta. Segundo Clara, o bebê devia ter um dia de nascido. Na mesma hora ela o pegou no colo e ele sorriu. Nesse momento todos os medos e dúvidas foram embora. “Deus não me fez gerar, mas foi Ele quem me mandou. Era um filho sem mãe na minha porta e eu uma mãe louca para ter um filho”, diz. A chegada de Mateus foi uma surpresa, mas ela contou com a ajuda de várias pessoas, dentre elas uma cunhada que havia sido mãe há pouco tempo e doou muitas das suas coisas como berço, enxoval, roupas. No dia seguinte, ele já tinha um quarto completo e muito carinho de todos da família. Depois de conseguirem se organizar e após alguns dias da chegada de Mateus, o casal foi registrá-lo e conseguiu fazer como uma adoção à brasileira (veja box ao lado), assim, para a Justiça o bebê é filho biológico deles. Clara conta que ele foi muito bem recebido pelos familiares e sem preconceitos. Algumas pessoas de fora a questionavam sobre o assunto e ela enfatiza: “eu não gosto de tocar nesse assunto por conta da reação das pessoas. É meu filho! Não dei de mamar porque eu não tinha leite, mas tudo que uma mãe podia dar, carinho, médico, tudo, eu dei!”. Entre Clara e o filho o assunto nunca havia sido abordado, até que certo dia ele perguntou se ela era mãe dele mesmo. Ela disse que na hora ficou sem reação e o abraçou, nesse momento um gesto valeu mais que mil palavras. “Da mesma forma que eu sinto que ele é meu filho, ele sente que eu sou a mãe dele”, ressalta. Hoje ela vê o filho se preparando para entrar na faculdade e 18 anos após o ocorrido se orgulha da coragem que teve em criar e amar uma criança que ela não esperava conhecer. Clara afirma: “ele veio para preencher todas as lacunas, tudo que estava em aberto se encaixou”.

Thays Naliny


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CAPA

Thays Naliny Juliana Marques Priscila MacĂŞdo

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O CÁLCULO QUE NÃO É EXATO Em Fortaleza, o número de pretendentes à adoção é quatro vezes maior que o de crianças disponíveis nos abrigos.

N

a capital cearense, há em média 453 crianças e adolescentes em situação de acolhimento, distribuídas nos 21 abrigos registrados no Núcleo de Atendimento na Infância e Juventude (NADIJ), sejam eles sob a responsabilidade do Governo do Estado, Prefeitura de Fortaleza e ONGs. Quando negligenciadas ou quando essas crianças tem seus direitos violados pela família, o Conselho Tutelar as tira do lar e as coloca provisoriamente numa instituição de acolhimento até que a situação seja resolvida ou até que ocorra a destituição do poder familiar. Desse total, apenas 60 crianças e adolescentes estão disponíveis para a adoção enquanto do outro lado, na fila de espera e de acordo com o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), do Fórum Clóvis Beviláqua, são contabilizados 269 pais com habilitação para adotar e acolher uma criança em suas casas. Essa conta equivale a 4 famílias concorrendo para adotar uma criança.

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Foto: Revista Elos

CAPA

E

m 2014, 23 processos de adoção foram finalizados em Fortaleza, um avanço de 64% em relação a 2013, que fechou o ano com 14 processos encerrados. Em 2015, até o momento, 19 já se encontram em andamento na 3ª Vara da Infância e Juventude. Os números tornam claros os passos avançados que a Capital tem dado. No entanto, não é preciso muito cálculo matemático para entender que sobram famílias na fila de espera e faltam crianças disponíveis à adoção. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu 19º artigo, estabelece como direito de uma criança o convívio no seio de uma família, seja ela biológica ou substituta. Saindo das páginas do Estatuto e chegando à realidade, esse é o grande desejo das crianças que vivem nos abrigos de Fortaleza. Mas, o fato é que alguns pequenos fogem do perfil solicitado pelos adotantes e quanto mais tempo passam nos abrigos, mais a sua identidade vai se afastando daquilo que é desejado por aqueles que deveriam ser suas famílias. Para tentar minimizar essa espera, de acordo com o ECA, as crianças e adolescentes devem permanecer em programas de acolhimento institucional por um período máximo de dois anos. Nesse intervalo de tempo, pelo menos duas vezes ao ano, a situação dos meninos é avaliada por uma equipe interdisciplinar. A partir disso, é gerado um relatório técnico e enviado aos juízes da vara da infância que decidem entre as duas maneiras de prosseguir, seja insistir na manutenção de vínculo com a família

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biológica ou encaminhar para a adoção e acrescentar seus dados no Cadastro Nacional de Adoção (CNA). Na prática, essa teoria está bem distante de ser real, pois é comum encontrar nos abrigos crianças que foram institucionalizadas ainda quando bebês e mesmo assim o tempo máximo de dois anos foi desobedecido. Com os abrigos divididos por faixa etária, as crianças e adolescentes vão mudando de instituição após alcançar a idade máxima estabelecida. Se chegarem aos 18 anos sem terem sido adotados, os adolescentes permanecem sob a proteção das instituições de acolhimento. São vários os motivos que justificam o fato de ainda ter crianças disponíveis nos abrigos mesmo com o número de pretendentes sendo maior; entre eles, a demora na destituição do poder familiar, a idealização do filho, são os pautados como principais. Uma alteração nas regras do Cadastro Nacional de Adoção (CNA) pretende otimizar o modelo já existente. Agora os dados dos adotantes e adotandos serão cruzados com os do país inteiro, ou seja, uma criança de Fortaleza poderá ser adotada por uma família de São Paulo. Essa medida vem para aumentar as chances da adoção ser efetivada.

AS RAZÕES DA DEMORA

A autoridade dos pais sobre crianças e adolescentes tem como objetivo fornecer proteção desde o nascimento até a maioridade a fim de contribuir no desenvolvimento, na formação e na criação deles. Essa autoridade dá aos pais direitos e


deveres para serem aplicados sempre no interesse dos filhos. A justificativa para a instituição desse poder é que uma criança não possui condições de se desenvolver e crescer sem um auxílio que lhe ajude na formação moral e material. O papel do Estado é fiscalizar se esse poder está sendo realizado de acordo com o que indica a lei. E caso esteja ocorrendo violação dessa legislação, o Estado deve intervir e tomar as medidas necessárias para garantir que os direitos da criança e do adolescente sejam exercidos, configurando a possibilidade de suspensão ou até mesmo perda ou extinção desse poder. Para esses jovens estarem aptos à adoção, as tentativas de mantê-los na família nuclear (formada geralmente por pai e mãe) devem ser esgotadas. Nesse caso, avalia-se também a possibilidade de inserção deles na família extensa, formada por pessoas próximas ligadas por parentesco ou laço familiar. A demora acontece por conta disso. Se nenhuma dessas tentativas tiver êxito, inicia-se o processo de destituição do poder familiar, um procedimento que precisa seguir vários trâmites legais e que demanda tempo. A advogada militante em Direito da Família e especialista em Direito Previdenciário, Patrícia Franco, explica o processo. “A perda do poder familiar é uma medida excepcional, pois extingue definitivamente os laços familiares, ou seja, implica na privação da convivência familiar. Antes de qualquer escolha, é priorizada a família biológica, além de padrinhos, tios, a fim de minimizar os transtornos causados por estas mudanças”. A destituição desse poder pode ocorrer de formas distintas e por diferentes causas, seus tipos são: suspensão, perda e extinção. “A suspensão é a cessação temporária do exercício do poder familiar, por determinação judicial, nos casos em que há abuso da função dos pais que cause prejuízo ao crescimento saudável do

filho. Ela dura até quando persistirem os motivos que a causaram”, esclarece Patrícia. Essa suspensão está regulada no artigo 1.637 do Código Civil, é uma medida provisória, menos grave e facultativa, podendo ser sujeita a revisão. Além disso, essa decisão pode ser decretada somente a um filho ou para todos da prole, e atinge somente o exercício da função paterna, a titularidade continua intacta. Outra forma de destituição desse poder é a perda. Ela é uma modalidade mais grave por ser imposta em virtude da falta aos deveres dos

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CAPA pais para com os filhos, além de que os motivos que a ocasionam são mais sérios. Um dos principais motivos é o abandono da criança, além de castigos imoderados e repetição das causas que ocasionam a suspensão do poder. A última modalidade é a extinção. Ela se dá pela morte dos pais ou do filho, pela maioridade que se dá aos 18 anos completos, pela adoção do filho ou em virtude de decisão judicial. Ela ocorre de forma automática e natural. “É causa de interrupção definitiva do poder familiar”, acrescenta Patrícia. Após concluído todo o processo e finalizada a ação judicial de destituição do poder familiar, a criança estará apta à adoção. Se o pretendente habilitado e devidamente cadastrado não apresentar restrições de perfil, o processo acontece de forma rápida, como em alguns casos que com 10 meses o processo já estava finalizado. A aplicação da destituição do poder familiar - por conta de suas consequências pode gerar efeitos graves tanto nos filhos quanto nos pais. Estes perderão a autori-

dade que tinham em relação aos filhos, os quais não terão o vínculo afetivo necessário para uma boa formação material e imaterial. É importante salientar que todos esses procedimentos são feitos com o intuito de poupar a criança que passa por maus tratos, abandono, abusos ou que convivem em ambientes que proporcionam risco ao crescimento moral dela. Portanto, o objetivo da destituição de poder é única e exclusivamente garantir proteção à criança e ao adolescente, além de lhes dar direito ao convívio familiar, seja numa família sanguínea ou adotiva.

IDEALIZAÇÃO DE UM FILHO

Outro motivo que explica a demora para que mais processos de adoção aconteçam é a chamada idealização do filho por parte dos pretendentes a pais. A cor dos olhos, da pele, os cabelos, a altura, um sinal no corpo, as mãos, os pés. São essas pequenas semelhanças que os pais anseiam que os filhos carreguem como uma espécie de herança da família. Na realidade, a maioria das pessoas que um dia so-

PERFIL DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES QUE AGUARDAM ADOÇÃO EM FORTALEZA COR DA PELE

SEXO

12 branca

4 negra

44 parda

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nham em ter filhos deseja ver sua continuidade por meio de alguém que carregue os seus traços. Quando não é possível gerar um filho pelos métodos convencionais, os casais que optam pela adoção acabam gerando essa mesma expectativa nas crianças das instituições, mas nem sempre esse desejo é possível. Para a psicóloga, Valdenira Vidal, os anseios que as pessoas depositam em cima da imaginação são grandes, principalmente quando tomam a decisão de tornarem-se pais ou mães. “Quando um casal planeja ter um filho, automaticamente eles começam a entrar em um processo simbólico que é banhado de significâncias. Alguns começam o discurso ‘com quem a criança vai parecer’, ou seja, mesmo antes do nascimento já é criada toda uma representação no imaginário dos pais”, explica. Todos esses desejos muitas vezes não condizem com a realidade das crianças que estão disponíveis nas casas de acolhimento, por isso, a psicóloga alerta que o vínculo que deve existir entre os pais e a criança é bem maior que ter ou não a aparência física de alguém. “A sensação é de que algo foi conquistado, é meu, uma produção minha. Mas, ter um filho não é só questão de elo, e sim, toda uma construção de sentimen-

tos”, comenta. Além de tudo isso, de acordo com levantamento do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), a maioria dos pretendentes a pais tem a preferência por filhos brancos, com até três anos de idade e crianças saudáveis. Berenice Dias, advogada e especialista em direito das famílias e sucessões, diz que essa idealização dos pretendentes a pais interfere na vida daqueles que desejam ansiosamente a oportunidade de ter uma família. Em seu artigo “Adoção e a Espera do Amor”, publicado em seu site, ela alerta que para esses meninos e meninas existe algo que é crucial para a possibilidade de uma vida melhor: o tempo. “À medida que o tempo passa, as crianças tornam-se ‘inadotáveis’, palavra feia, quase um palavrão, que significa crianças que ninguém quer, seja porque já não são bebês, seja porque não são brancas, ou não são perfeitas, ou portadoras de necessidades especiais”. A idealização do “perfeito” vai além de uma opção, desejo ou vontade por parte dos postulantes a pais. Para a psicóloga Valdenira Vidal, os requisitos que muitas vezes são impostos pelos pais fazem parte de todo um processo cultural. “As pessoas procuram um padrão de beleza. É toda uma representação social que afeta os casais”, afirma.

TOTAL: 60 CRIANÇAS E ADOLESCENTES

IDADE

37%

35% 20%

24

8% 0-5 anos

6-10 anos

11-15 anos

acima de 15 anos


CAPA Com relação à idade das crianças, a especialista explica que a procura de meninos e meninas com até três anos se justifica porque nessa fase os pequenos estão tomando posse da aquisição da linguagem, o que facilita a criação de um elo afetivo. “Para ser estabelecido um vínculo, é bem mais fácil porque nessa etapa a criança começa a dizer ‘papai’ ou ‘mamãe’, e na visão de quem quer adotar, isso facilita o processo de adaptação entre todos da família”, justifica. Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Social do Ceará (STDS), a procura por adoções em todo o Estado aumentou, mesmo que a passos lentos. Acontece o mesmo em relação à adoção tardia. A professora Roberta Marinho, foi uma das mães que optou por esse tipo de adoção. Ela já realizava algumas visitas em casas de acolhimento em Fortaleza, por meio de trabalhos voluntários como o apadrinhamento. Em um desses dias, conheceu Caio, de 10 anos, que era deficiente. Para o garoto se locomover precisava usar uma prótese em uma das pernas. Ela ficou encantada com o menino. “Ele sempre foi muito comunicativo, inteligente, e se sobressaía em relação às outras crianças”, relata. Na época, as visitas começaram a ficar mais intensas, e a cada dia o vínculo entre eles crescia. Aos poucos, o abrigo foi permitindo que a professora levasse o pequeno a passeios durante o dia e fins de semana também. “Tudo isso foi acontecendo fora dos processos legais. Como eu já trabalhava como voluntária, e a coordenação tinha conhecimento do meu interesse por ele, os passeios foram permitidos”, explica. A professora decidiu entrar com o processo de adoção do menino, que pelo fato de ser uma adoção tardia, contribuiu para que os trâmites fossem mais ágeis, e também porque a procura por meninos e me-

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Nessa etapa a criança “começa a dizer papai ou

mamãe, e na visão de quem quer adotar, isso facilita o processo de adaptação entre todos da família.”

ninas com o perfil do garoto é baixa, logo Caio teve a possibilidade de sair da casa de acolhimento para, enfim, ter uma família. Atualmente, ele está com 18 anos. Roberta revela que mesmo com as dificuldades que encontrou no início como mãe de primeira viagem, e ainda com uma criança que já não sabia como era viver em um ambiente familiar, ela conseguiu enfrentar todas as barreiras e ainda ganhou apoio de todas da sua casa. “A força que tive em casa, dos meus pais e irmãos, foi essencial para me ajudar nessa tarefa”, comenta. Apesar do processo de adaptação do garoto em uma família ter sido complicada, Caio, com o passar do tempo e com a ajuda de uma psicóloga, foi se encontrando dentro do seu novo lar. E passou a ter um plano de saúde, estudar em escolas particulares, além de toda a atenção e carinho que uma criança precisa ter. A adoção é uma via de mão dupla. É a união de alguém que deseja ter um filho, com a necessidade de uma criança de possuir um lar. Se todas as 60 crianças com idade de zero a dezoito anos, de diferentes cores, saudáveis ou não, fossem adotadas ou ao menos estivessem já com o processo em andamento, poderíamos classificar o altruísmo como o sentimento que define aquele (a) que entra em um processo de adoção. Mas, a realidade é outra. ♦


“A melhor maneira de ser feliz é contribuir para a felicidade do outro.”

Baden Powell

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Foto: Arquivo pessoal

O AMOR

Cresce o número de casais homoafetivos adotando crianças na capital cearense.

VENCENDO PRECONCEITOS Juliana Marques

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As alterações recentes trouxeram benefícios para o cenário da adoção em Fortaleza. Há alguns anos apenas pessoas heterossexuais e casadas tinham a oportunidade de adotar uma criança e isso prejudicava a quem também tinha esse sonho e não se enquadrava nas características exigidas pela legislação. Além disso, toda essa burocracia só ajudava a aumentar o número de crianças nas casas de acolhimento. Ao longo dos anos essa realidade vem sendo modificada. A criação do Cadastro Nacional da Adoção, (CNA), em 2009, que trouxe uma série de modificações nos perfis dos postulantes a adoção, contribuiu para que outras pessoas tivessem a oportunidade de realizar o desejo de serem pais ou mães. Essas transformações legais e culturais vêm ajudando a aumentar o número de casais homossexuais a entrarem em processos de adoção em todo o Brasil, que em 2011, registrou a primeira liberação da guarda de duas crianças para um casal de mulheres. Em Fortaleza, segundo o CNA, a procura desses casais na terceira vara da infância e juventude, localizada no Fórum Clóvis

Beviláqua, aumentou consideravelmente. Dois casais homens já conseguiram a guarda de crianças e mais dois estão com o processo em andamento, na capital. Atualmente, não existe uma legislação que libere a adoção para pessoas que mantenham uma relação homoafetiva, mas também não há nenhuma restrição na lei impedindo a adoção por esses casais. Caso o juiz interprete que essas pessoas são capazes de dar um lar digno de respeito e amor para uma criança, independente da orientação sexual, o processo será o mesmo.

UMA BREVE HISTÓRIA

“É um amor que não sabemos de onde nasceu realmente. De onde é que vem esse sentimento tão grande, tão fabuloso, que a gente tem por ela? É inexplicável.” diz emocionado o coordenador pedagógico da Secretaria de Educação de Maracanaú, Luiz Roberto, que com o seu companheiro, o técnico de enfermagem da Universidade Federal do Ceará, Cláudio Fernandes, decidiram, em 2012, adotar a pequena Vitória, que na época tinha 4 anos de idade.


Para o casal que está junto há dezenove anos, ter uma vida financeira estabilizada, diplomas, viagens, relógios caros, carro novo todo ano, era o mais importante para o segredo da felicidade, mas viram tudo isso mudar com a chegada da menina. Eles foram o primeiro casal a conseguir a guarda de uma criança em Fortaleza. O desejo da adoção surgiu inicialmente por Roberto, já o seu companheiro, Cláudio, sempre relutava nessa decisão. “Eu ficava imaginando como as pessoas iriam reagir, como é que essa menina ou menino vai traçar um perfil de uma mãe ou pai? Será que as pessoas do fórum vão nos receber bem?”, revela. Ao mudar de canal coincidentemente ou por obra do destino, o técnico de enfermagem deu de cara com um programa que veiculava uma reportagem em que a promotora da infância explicava como era o processo de adoção por casais homossexuais. Era o que faltava para ele perceber que o procedimento não era tão complicado como imaginava. Imediatamente eles programaram uma visita ao Fórum e deram início aos documentos necessários para se

É um amor que não “ sabemos de onde nasceu

realmente. De onde é que vem esse sentimento tão grande, tão fabuloso, que a gente tem por ela? É inexplicável.” inscreverem no Cadastro Nacional de Adoção, (CNA). Eles decidiram adotar crianças com a faixa etária de três a cinco anos, de ambos os sexos e que poderiam ser até dois irmãos. Após um período, o CNA apresentou para eles um casal de irmãos, mas a adoção não foi concluída porque a menina de 8 anos tinha uma doença grave que exigia muitos cuidados e a preocupação

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de não saber balancear a atenção entre as duas crianças, contribuiu para que o casal desistisse da guarda.

ENFIM, JUNTOS

Passaram–se 6 meses e eles já haviam perdido as esperanças. Até que Cláudio decidiu fazer a última tentativa. Ligou para o setor de adoção e recebeu a notícia que a equipe de cadastro já estava tentando contato com eles, porque uma criança no perfil solicitado estava disponível em uma instituição de acolhimento, o Lar Batista,

Apesar de todas as “dificuldades, a ligação

que tivemos com ela desde o primeiro momento era coisa de outro mundo.” no bairro Serrinha. Tratava-se da Vitória, a menina que era tão pequena que tinha a força para transformar a vida de dois homens para sempre. O encontro foi surpreendente e, no mesmo dia, eles já queriam levá-la para casa. “Quando a vimos pela primeira vez ela tinha quatro anos e pesava 9 quilos, ou seja, o peso ideal para um bebê de nove meses. Ela não andava direito e falava pouco. Apesar de todas as dificuldades, a ligação que tivemos com ela desde o primeiro momento era coisa de outro mundo”, relata Cláudio. A partir desse dia o processo para a guarda da menina começou. Eles se esforçavam para todos os dias religiosamente

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visitarem a pequena às seis horas da noite. E durante uma semana a garota já estava acostumada com o casal e até ficava à espera deles quando se aproximava o horário do encontro. Em um desses dias que já faziam parte da nova rotina do casal, a coordenadora da instituição disse que eles não poderiam ver a menina, porque ela estava doente, com dores na barriga. Preocupados, eles pediram para levá-la em um hospital. Os responsáveis pela casa de acolhimento não queriam autorizar a saída da garota, já que eles só estavam liberados para o processo de convivência há uma semana, mas fizeram um acordo, e Vitória passou o fim de semana sendo cuidada em seu futuro lar, na casa daqueles que seriam seus pais. E esse pouco tempo foi o suficiente para que o amor crescesse entre ambos os lados. Na mesma semana eles conversaram com a coordenadora da instituição de acolhimento, que fez a indicação do casal ao juiz, para o pedido da guarda provisória. Todo o processo demorou apenas oito meses, menos que uma gestação tradicional. Como a mãe da menina faleceu no parto, durante duas semanas ela ficou entregue aos cuidados da família, e, após denúncias por maus tratos, a pequena foi levada à casa de acolhimento. Por conta desses resquícios de seus primeiros dias de vida, até hoje, Cláudio e Roberto precisam redobrar os cuidados com a criança, como a recuperação de seu peso, por exemplo. Vitória está com 6 anos de idade pesando 18 quilos. A meta é chegar aos 26. “Vimos nossa rotina mudar, diminuímos nossa carga horária no trabalho e nos primeiros dias não dormíamos preocupados se ela estaria bem, se estava dormindo direito.”, revela Cláudio. E apesar de todas essas transformações e de serem pais de primeira viagem, eles consideram estar indo muito bem nessa nova missão.


O diálogo entre os três sempre existiu. A menina sempre soube da orientação sexual dos pais e esse assunto nunca foi um tabu na família. Quando questionada sobre sua origem Vitória responde prontamente. “A minha mamãe foi para o céu e pediu para o papai Roberto e o papai Cláudio para me buscarem no Lar Batista.”, explica. Agora Vitória tem a oportunidade de

comemorar detalhes que são pequenos, mas importantes para o desenvolvimento de uma criança. Como natal na casa dos avós, brincadeiras no fim de tarde com os primos e os pequenos registros de suas apresentações na escola. A menina ganhou não só o Fernandes e o Damasceno, como sobrenome vindo de seus dois pais, mas também toda uma expectativa de vida nova pela frente. ♦

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#EUINDICO

Nada melhor como reunir amigos e familiares para assistir a um bom filme. Pensando nisso, nós preparamos para você um excelente roteiro de filmes que abordam a temática adoção. Agora é só preparar a pipoca!

ENSINANDO A VIVER (2007)

UM LUGAR PARA ANNIE (1994)

Conta a história do escritor de ficção científica e recém viúvo, David Gordon, interpretado por John Cusack. Após a morte de sua noiva, David nunca mais havia experimentado qualquer relação afetiva até que o desejo de ser pai falou mais alto e tornou-se real por meio da adoção do pequeno Dennis, um garotinho órfão que acredita ser um marciano com a grande missão de explorar a Terra. Para lidar com os desafios da paternidade, David conta com a ajuda de sua amiga Harlee. Casando diversão e emoção o filme trata a adoção como o poder de redenção do amor e o verdadeiro significado da palavra família.

Annie é uma menina de três meses de vida que foi abandonada por sua mãe após ser diagnosticada com HIV. Comovida com a história da criança, a enfermeira Susan Lansing, decide levar a pequena Annie para casa e dar a ela o amor e cuidados que um filho tem direito. Mas o que Susan não imaginava é que a mãe biológica da menina iria recorrer aos seus direitos de mãe até conseguir sua filha de volta. Susan fica desesperada porque, legalmente falando, ela não tem nenhum direito sobre a criança.

UMA DOSE DE AMOR (1992)

UM SONHO POSSÍVEL (2009)

Direção: Menno Meyjes

Direção: Ken Olin

O filme conta a história de um professor solteiro que adota um menino com problemas de saúde. Após investigar o passado do garoto, o pai descobre que os seus problemas estão relacionados ao alcoolismo crônico da mãe biológica. Inicia-se, então, a luta do professor para tornar o filho uma criança normal.

Direção: John Gray

Direção: John Lee Hancock

Baseado na história de Michael Oher, um jovem negro e morador de rua que, após passar por sete instituições de acolhimento e nunca frequentar uma escola é, finalmente, adotado por uma família branca que sempre confiou em seu potencial e o incentivou na prática do futebol americano. No decorrer do filme, Oher tem de superar diversos desafios que, certamente, mudarão a sua vida.

Gosta de ler? Nós também indicamos.

ADOÇÃO PARA HOMOSSEXUAIS LUIZ CARLOS FIGUEIREDO EDITORA JURUA

Neste trabalho, o autor aponta os prós e contras de uma adoção de casal homossexual, o projeto de lei para essa causa e o que já se foi aprovado.

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ADOÇÃO - GUIA PRÁTICO DOUTRINÁRIO E PROCESSUAL LUIZ ANTÔNIO MIGUEL FERREIRA CORTEZ EDITORA

O livro é um guia que ajuda a compreender a atuação dos diversos profissionais que trabalham na área da adoção, principalmente em face do que estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente. Esta obra contempla, de forma didática, a análise legal das leis mencionadas.

ADOÇÃO DE CRIANÇAS MAIORES. UM REFLEXO SOBRE OS DESAFIOS E AS RECOMPENSAS RAQUELINA CORDEIRO PINHO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO CEARÁ

A obra conceitua a adoção e apresenta os desafios enfrentados pelas famílias que decidem adotar crianças com idade maior que sete anos, bem como o lado positivo da adoção tardia.



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