revista prosa

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novembro de 2011 - ano 1 - n˚ 1 tema: tropicália

distribuição gratuita

sessão

O

pr sa

30 anos de Glauber Rocha teatro oficinapraia da estaçãoliteraturatropicalienteartes plásticas suvaca de vóo bandido da luz ver melhapolivozmarginália

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editorial

Letícia Mendanha

Caro Leitor, A revista prosa surgiu durante uma noite de insônia. A ideia inicial emergiu na ponta de um lápis e um pedaço de papel rascunho. Dias inteiros de “brain storm” e “post its” na parede, tentando delinear uma revista que dialogasse com as artes, que abrisse caminho para o novo, que redescobrisse o passado. A publicação mutante, regida por temas e maleável na criação e apresentação de propostas artísticas, visa o enriquecimento cultural, utilizando uma linguagem ao alcance de todos. Buscamos valorizar a arte em Minas, dando prioridade aos nossos artistas conterrâneos que muitas vezes, faltam-lhe oportunidades e veículos de comunicação dispostos a registrar e divulgar seus trabalhos. A edição de n˚ 1 tem como alicerce a Tropicália, que foi um movimento cultural/artístico que em sua complexidade conceitual, exerceu um papel importante na pluralidade cultural brasileira. Nossa intenção é expor para os leitores de prosa, como o movimento tropicalista influenciou criações no campo do cinema, música, teatro, literatura, moda, artes plásticas, e atualmente, ainda é fruto de inspiração para muitos. Uma revista democrática. Temática. Que se permite deslizar dentre as artes para apresentar o que temos de melhor: arte criativa - e pura na essência de seus criadores.

revista prosa produzida pelo studio v artes visuais ano 1 – n˚ 1 – novembro de 2011 rua desembargador jorge fontana, 80 – 8o andar tel: (31) 3658.1992 belo horizonte/mg e-mail: studiov@studiovartesvisuais.com.br diretora: letícia mendanha cordenação editorial: juliana antunes arte e diagramação: tiago farias revisão: eduardo siqueira impressão: paulinelli serviços gráficos tiragem: 5.000 exemplares


índice

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moda

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12 cinema

o bandido da luz vermelha

literatura

BLUE BANANA

30 anos de Glauber Rocha

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música

22 entrevista com suvaca de vó

uzyna uzona

polivoz

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RENATO MANGOLIN

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teatro

artes plásticas

ÍNDICE

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moda

Rafaela Nader e Alcides Neto

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A cada estação, centenas de coleções são desfiladas ao redor do mundo, dezenas de designers chamam atenção da mídia e diversas roupas despertam desejo de consumo imediato Ao final de toda maratona fashion, a única palavra que realmente importa é: tendência. Contagiadas por uma magia amplamente brasileira, e por movimentos culturais como a Tropicália, as recentes coleções de verão 2012, lançadas nas principais semanas de moda do Brasil, foram inspiradas pelos anos 1970, onde a alegria de viver, a liberdade musical, a magia pura das estampas e o colorido dos caftans dominavam a cena cultural e poética. Influenciada por nomes da música como Caetano Veloso, Gilberto Gil e pelo artista Hélio Oiticica, famoso pela criação dos parangolés, o movimento da Tropicália, inspirou a última coleção desfilada no Minas Trend Preview da estilista mineira Kátia Ignácio, da

grife Blue Banana. Lançando mão de cores vivas, estampas eletrizantes, a coleção da grife possui um ar brasileiro inconfundível. Tais elementos de estilo estão presentes nos longos caftans, nos casaquetos ricamente bordados, nas trabalhadas texturas e nas formas amplas e fluidas dos vestidos, macacões e pantalonas. As franjas arrematam a coleção, e dão movimento e liberdade ao corpo da mulher. Exalando sensualidade, o próximo verão promete não só se dedicar às roupas, mas também aos acessórios. Longos brincos de penas e contas, pulseiras enormes em madeira, pedras estonadas e couros exóticos, juntamente com as inconfundíveis anabelas, levantam o visual e dão um

ar moderno, mas ao mesmo tempo nostálgico da tendência setentinha. Num ano de conquistas, é inevitável que o país não olhe para suas raízes e procure entender seu passado, sua cultura, sua essência. Fica cada vez mais claro, que para maior reconhecimento tanto nacional, quanto internacional, é necessário coragem e ousadia para se aventurar na alegria e nas cores que o país possui, e brincar com elas, sem medo de parecer cafona, ou até mesmo fora de moda. Os clichês estão caindo por terra e os próprios brasileiros estão tendo a alegria de experimentar o a brisa e o frescor da cultura nacional. Foto cedida pela marca Blue Banana

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música

Juliana Antunes

“DE LEVE QUE É NA CONTRAMÃO” Nascida nos palcos teatrais de Belo Horizonte, a Suvaca de Vó vem com a proposta de reviver os tempos da Tropicália. O repertório, em suma, tudo o que surgiu de diferente na música brasileira dos anos 70, sempre com uma pegada mais rock and roll, estilo que a banda acabou denominando “rock tropicalista”. Como foi o processo de formação da banda? Isaque Ribeiro: a banda começou, foi assim: tinhamos uma primeira versão do que é hoje a Suvaca de Vó. A roda, composta pelo Leleo Sacarpeli (in memorian) e Christiano Morais. Isso em 2000... 2002. Acabou que o Leleo teve que mudar para Uberaba, o Chris foi para o Rio de Janeiro. Depois o Leleo voltou pra BH e percebemos a necessidade de dar continuidade ao trabalho. Como a gente começou um pouco no teatro, de amizade, daí a gente falou: “vamos levar essa energia legal que a gente tem aqui pro palco, pra música, continuar isso”. Conversamos e resolvemos chamar algumas pessoas para montar esse lugar queria seria teatral e musical ao mesmo tempo. Então, foi um pouco assim né, fomos procurando músicos, primeiro aleatório, com essa ideia de que tinham que estar relacionados com o teatro e as músicas tinham que estar relacionadas com a Tropicália. Com o Caetano, com o Gilberto, que era o que a gente ouvia muito na época, Rita Lee... e com uma pegada um pouco mais

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pesada do que eles tocavam antes, tocar as coisas mais rápidas, com mais distorções. A gente começou na verdade no teatro pra depois virar banda. Fernando, como você entrou para a banda? Fernando Penido: eu acompanhava o trabalho deles desde que começaram a tocar mais assim, nesse meio de teatro. Eles tocavam no bar de encontro da campanha de popularização do teatro. Também tocavam em um bar onde eu trabalhava. E eu achava muito bom para ficar entre amigos, pois a banda tinha um potencial para acontecer mesmo no mercado. Isso em 2009. Foi no final de 2010 que surgiu essa ideia de eles mesmos chamarem alguém para produzir. Eu nunca tinha produzido banda, daí acabou meio que na onda de ‘’vamos produzir juntos’’ e eu acabei virando produtor e eles virando banda junto. E essa parceria começou em janeiro de 2011.


Você sempre trabalhou com “Batemos o pé em relação a essa questão produção cultural? de época. A gente queria ficar ali, que é naquela década, naquela fase, F.P. : não. A produção é uma não só musical, que vai para a literatura, coisa interessante na minha para as artes plásticas, para o cinema...” vida. Comecei a trabalhar com produção de teatro. Eu já trabalhava com produção de eventos desde ninguém assim, apenas uma pequena parce2007. Então esse cenário de 2009/2010 foi la e “não tem ninguém tocando isso hoje em quando eu comecei a acompanhar o trabalho BH e é do caralho, vamos tocar”! E a genda Suvaca, quando eu estava começando a te pegou essas músicas todas que a gente me envolver com produção de teatro, que era achava muito legal. Não era comum ouvir um um meio novo pra mim. repertório que tinha Caetano Veloso na banI.R. : nós estávamos em uma frequência da, Rita Lee. A roda tocava Tropicália, mas curta, não tinha uma sequência de trabalho e tocava também MPB. Não sabíamos ao certo percebemos que faltava principalmente essa o que a gente procurava antes do Leleo esfigura do produtor, para cuidar especifica- tar na banda, dai a gente formou a banda. Já mente com a venda, manutenção, enfim, com tinha um trabalho de voz e violão que era mais essa parte administrativa, executiva quase. MPB. Aí, na época da faculdade ficou muito Porque a gente gostava mesmo era de tocar, intensificado pra gente a Tropicália, que todo então essa parte ficava um pouco chata, não mundo curtia e tal. Era década de 70, mais estimulava. E a gente falou: porra! Tentamos liberal e tal, politizado. E A Roda começou trabalhar com produtores musicais. Mas aí a gente pensou que seria melhor alguém Kátia kouto que a gente tivesse um relacionamento pessoal bacana pra daí conseguir desenvolver um trabalho legal.

Rafael Madanelo: nós não temos as mesmas referências musicais. Chris Morais: é bem distinta. Na verdade, como começou essa coisa da Tropicália, eu e Leleo fizemos esse primeiro trabalho com músicas que a gente achava que deveria tocar. ‘’Cara, ninguém toca essa música, velho. Ninguém conhece Rita Lee-Tutti-Frutti”,

Isaque Ribeiro FOTOS: MARCO AURÉLIO PRATES

Como foi o processo de agregar pessoas com as mesmas referências musicais?

Rafael Mandanelo

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a virar uma banda mais tropicalista. Daí a história das referências foi isso: as pessoas foram mudando, não era só uma pessoa que cantava, eu cantava muito, o Leleo também. A gente foi chamando pessoas pra assumirem a frente da banda, conhecendo e trazendo as músicas. Batemos o pé em relação a essa questão de época. A gente queria ficar ali, que é naquela década, naquela fase, não só musical, que vai para a literatura, para as artes plásticas, para o cinema. Que tem outros braços, e é isso que nos agrada. Tanto que a gente tem trabalhado também com cenas durante o shows, com um pintor fazendo um quadro enquanto a gente tocava, então a gente tenta trazer esses outros lados. Vocês vêem a Suvaca de Vó como uma forma de resistência no cenário musical em Belo Horizonte? C. M.: eu acho que depende, né? A gente já tomou muitos carões de algumas plateias,

sabe? Se você for pegar o que passa no rádio, na televisão, ou o que é usual tocar, até quando se fala em Rita Lee. Músicas de rádio mesmo, a gente pode chamar de resistência. Mas eu não vejo como um movimento politizado. I.R. : não existe essa conotação na banda “ah, vamos fazer o som porque isso é contracultura”. Muito parte da curtição do som dessa época, é a identidade da banda. O que a gente toca: rock tropicalista. Pode ser rotulado? Beleza. Não há nenhuma “forcação de barra” quanto a isso. A gente gosta de tocar esse estilo e é isso que a gente faz. F. P. : sempre quando ouço falar de “resistência”, eu vejo isso sair da boca de banda que faz música autoral em BH, que é uma coisa muito difícil de se vender, de ser aceita. Mas passa perto disso, de “vamos tocar o não comercial”, que eu não sei até onde é não comercial, pois o fato de ser diferente, é comercial! I.R. : é, por si já é. F. P.: o não comercial da banda é um argumento super vendável pra mim I.R: os discos tropicalistas também estão dentro daquele contexto

Fernando Penido

Cafifa

Chris M’orais

FOTOS: MARCO AURÉLIO PRATES

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para falar de questões que eles tinham ali. E o fato da gente tocar atualmente faz que as músicas possam falar de problemas atuais. Por isso que há uma releitura musical. Não existe a busca para representar a música ou fazer uma cópia parecida. A gente imprime um pouco a nossa cara na perspectiva de hoje. Sabe? É a nossa visão do hoje. A gente canta coisas que se passaram, mas a gente fala para pessoas de hoje. Tem uma mensagem que foi escrita para um época e que é válida para 2011. Então a gente se preocupa com esse lado. Por que Suvaca de Vó? I.R. : primeiro a gente sabia que tinha que ser um nome que qualquer pessoa que escutasse fizesse alguma cara, tivesse alguma reação. Podia ser risada, tinha gente que falava: “Que porra é essa?” Um dia em que Leleo e eu estávamos ouvindo Transa (Caetano Veloso/1971), e pensando já que a gente iria fazer essa banda, que ela iria acontecer, que seria rock tropicalista, a gente veio com esse nome, gerando um novo estilo e cheio de energia... e no meio dessa conversa, o Caetano Veloso (Neolitthic Man, Transa) lá no fundo: “quem tem vovó, pelanca só quem tem vovó pelanca”. E

foi um estalo: “Nó, que isso meu, arrumamos um nome pra banda que ia ser do caralho, vovó pelanca”. E aí a gente foi contar para as nossas respectivas digníssimas namoradas e, no caso do Leleo, a esposa dele, que estávamos decididos e o nome ia ser vovó pelanca, mas rolou uma censura total. “Vovó pelanca, que desagradável”. E aí, depois tivemos a ideia de jogar nomes opostos, de coisas que você não espera ligar, “suvaca” e “vó” e a gente aproveitou o “vovó pelanca” do Caetano, pegamos o Suvaca, colocamos no meio e ficou “suvaca de vó”. E tem essa ideia também de que eram as músicas tocadas na época dos nossos avós. C.M. : nessa época eu morava no RJ e estava um pouco distante. Quando eu fiquei sabendo do nome da banda, eu já criei uma interpretação de que poderiam ser nossos avós, naquela época lá, da Tropicália mesmo, curtindo rock ‘n roll pra caramba, e a gente tocando agora no nosso show, com um monte de vó com a suvaca pra cima. Mas eu acho que tem esse lance também da banda criar um estranhamento, o nome da banda, a gente usar figurino durante os shows. A Katita (Kátia Couto) tem uma voz mais grave, eu tenho uma voz mais aguda, tudo vai criando um estranhamento na galera que faz com que elas possam receber esse produto e conseguir assimilar isso e falar se gostou ou não. I.R: a gente tem trabalhado muito e sabe... e a gente

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tem colhido os frutos, principalmente com a entrada do Fernando, que foi um diferencial clássico na banda. Existe algum público ou local que vocês têm a pretensão de atingir? I.R.: o dia em que a gente abrir o show dos Doces Bárbaros, agora na nova versão, a gente pode descansar em paz. Demos a cara à tapa pra ver o que daria. Tocamos em muitos lugares sem saber se o público iria conhecer as músicas. Temos casos de pessoas que chegaram: “aqui, as músicas de vocês, deixem pra tocar no fim do show, pois as covers são legais. E nós não temos músicas autorais. E as pessoas acharam que “aquilo” eram músicas nossas. Daí a gente faz questão de afirmar inclusive: “essa é de Rita Lee”. Qual é a receptividade de Belo Horizonte com bandas não autorais? I.R. : eu percebo nos bares uma resistência, sabe? Muitas vezes as pessoas olham e não sentem vontade de querer saber o que é. Em contraposição, teve um show que a gente fez em um aniversário com pessoas desconhecidas que a gente olhou e : “pô, será que essas pessoas vão gostar do que a gente vai tocar? Porque não não parece muito”... Já cheguei com um pré-conceito, claro. Cafifa: eram adolescentes, que poderiam conhecer Rita Lee os seus trabalhos mais recentes. Não Rita Lee com Tutti Frutii... Nada associado a essa época. I.R: depois, olhando o Facebook, tinham umas fotos nossas nas páginas de algumas pessoas: “bandas favoritas: Suvaca de Vó, ao lado de Luan Santana. Dá pra ver que tem uma mistura né, que faz algum efeito. Kátia Kouto: a pessoa não entende de muito do que ela gosta. Em outro show, um espectador: “Ah, depois vocês tocam uma Adriana Calcanhotto”? Mas ele estava curtindo! Não entendeu talvez a proposta, mas estava gostando. Cafifa: sem contar que o rock está voltando agora também. Era muito chorinho, muito

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samba e, para o rock n’ roll, haviam umas duas casas em Belo Horizonte. I.R.: o Nelson Bordello, “Bordel”... é meio isso, de ser aberto. Eu acho um dos movimentos mais legais que rolam atualmente por aqui. F.P : e é uma onda que tá rolando em BH que é a ocupação do Baixo Centro. F.P. : ocupação da cidade. É a Praia da Estação, é o Mercado das Borboletas, é o 104, é o Vagalume, é o Bordello. R.M: Belo Horizonte já começou a dar um “boom” e vai dar um “boom” maior com o circuito cultural da praça da liberdade. I.R. : estamos em um momento parecido com a década de 70. A gente que ir pra rua! O carnaval de rua, que foi uma organização popular e o sucesso que ele fez. Como que esse popular agora está em voga. A gente tá num momento em que é preciso questionar a política. Tinha muito tempo que esses movimentos não aconteciam. Na década de 70, após a ditadura, acabou. Agora que a gente começa a voltar

pra rua. Ou seja, quando a Tropicália surgiu junto pra falar disso tudo, a gente vem agora,

“As pessoas querem ficar de sunga e óculos escuros nas ruas do centro da cidade. Na saída do metrô, em Minas, no cimento! Sabe, isso é notável! Tem que falar, tem que fazer vídeo, tem que subir no palco!” quarenta anos depois para, nessa nova energia, sabe, de não ficar calado, de dar “pitaco”! As pessoas querem ficar de sunga e óculos escuros nas ruas do centro da cidade. Na saída do metrô, em Minas, no cimento! Sabe, isso é notável! Tem que falar, tem que fazer vídeo, tem que subir no palco! Produtor: Fernando Penido Contato: (31) 9943-0587 - suvacadevo@gmail.com

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cinema sessão

Jefferson Assunção

O GÊNIO E A BESTA EM O BANDIDO DA LUZ VERMELHA “O terceiro mundo vai explodir! Quem tiver de sapato não sobra.” “Um país sem miséria é um país sem folclore e um país sem folclore, o que é que nós vamos mostrar pro turista?” Quando do surgimento de um cidadão chamado Quentin Tarantino no início dos anos 1990, inúmeros críticos desavisados e desinformados trataram de atribuir a ele o título de “autor” e de logo encaixá-lo em um nicho específico, criando teorias sobre a chamada “pós-modernidade” no cinema. Estranhamente, ninguém percebeu que o tipo de cinema feito por Tarantino e seus vários seguidores – como seu amigo Robert Rodriguez – nada mais é do que uma variação brutalmente empobrecida da matéria empregada por JeanLuc Godard desde Acossado (1959) até praticamente os atuais dias do século 21, ou seja, as referências – que no caso de Godard são a outras mídias que não apenas o cinema, como a literatura, a música –, citações e o uso incomum da cultura pop ao lado da erudita. Na verdade, a atribuição da qualidade de pós-moderno a qualquer um é um grande erro, pois ainda vivemos dentro da modernidade e essa, obviamente, só ganha essa marca quando comparada a alguma coisa. Muito antes de Tarantino e após Godard, Glauber Rocha já praticava um cinema de referências, de citações e com o uso de rituais e canções populares ao lado de música clássica (além da poesia e da política), em suma uma arte antropofágica, onde ele se alimentava de várias coisas para vomitá-las em seguida. Para alguns, além de haver sido o baluarte e o mentor da geração do chamado Cinema Novo, Glauber ainda teria dado origem ao Cinema Marginal (nosso underground), quando no momento de seu exílio, em 1968, resolveu chamar todos os seus conhecidos para realizar Câncer, lançado em 1972 e realizado e mon-

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tado de maneira anárquica. Outros dirão que Ozualdo Candeias com seu A margem (1967) foi o precursor dessa geração. Glauber em seguida renegou o Cinema Marginal e o ridicularizou, chamando-o de udigrudi. Nosso underground não foi um movimento organizado como o Cinema Novo, com parâmetros próprios e pretensões artísticas. Hoje, ele é estudado como se o tivesse sido, quando vários filmes realizados no período correspondente entre o final dos anos 1960 e meados dos 1970 são analisados de modo a compreendê-los dentro de um mesmo invólucro. Essa geração, cujos grandes nomes eram Andrea Tonacci, Júlio Bressane e Rogério Sganzerla (além de outros), tinha como lema uma das várias frases geniais proferidas pelo protagonista de O bandido da luz vermelha (1968), de Sganzerla: “Quem não pode fazer nada, avacalha”. Hoje analisado, o filme de Sganzerla – até então um jovem crítico de cinema do Estado de São Paulo (com apenas vinte e um anos) e devoto de Orson Welles – se mostra um retrato de um Brasil disforme, onde reina a impunidade e a injustiça e, por isso, atual. O personagem principal, levemente inspirado em João Acácio da Rocha, o verdadeiro bandido da luz vermelha, é mais um retrato ficcional e não biográfico, onde Sganzerla se faz do mesmo para discursar indiretamente sobre traços filosóficos e niilistas de um país à época autoritário, de uma Ditadura Militar que cerceava os direitos individuais, inalienáveis a todo e qualquer cidadão. Para tanto, Sganzerla o constrói como um homem sem identidade, de identidades múltiplas na verdade, que vive se fazendo a mesma pergunta: “Quem sou eu?”. Quem é esse homem? Um justiceiro urbano ou um facínora? É um homem dualista, um herói e um monstro, marcado por traços expressionistas. Sganzerla tentou e conseguiu realizar uma obra popular, apesar de aberta a significações, que se encaixa em inúmeros gêneros que pululam na tela através de um pastiche, como o western, o filme de gângster, o policial, a comédia e até mesmo a ficção científica. Um programa sensacionalista de rádio (da emissora Continental), usado como elemento narrativo, anuncia que se trata de um faroeste

do terceiro mundo e não é demais imaginar que Luz é uma espécie de Robin Hood urbano, um bandoleiro moderno que caminha entre a linha tênue da genialidade e da bestialidade – anunciada por letreiros luminosos de um cinema – que toma feições políticas quando se junta a um movimento “terrorista”. Dessa forma, Sganzerla documenta, de forma histriônica, sarcástica e alegórica, a vida da década de 1960, onde o anseio por mudanças – principalmente em 1968, ano chave do século 20 – se tornava cada vez maior e, se pensarmos que o filme foi realizado pouco antes do A.I. 5 (Ato Institucional número 5), o chamado golpe dentro do golpe, O bandido da luz vermelha se torna um prenúncio de um “Alô Brasil, alô América do sul, alô América do sol e do sal e todos os nossos contingentes necessários. Alô idiotas também, alô topeiras, cineastas frustrados de todo o país, a burrice mais convencional, a mediocridade circundante com as grandes exceções que são populares também. Eu quero dizer para vocês o seguinte: quem não é bom, quem não entendeu até agora não vai entender nunca.” Fonte: “Rogério Sganzerla manda um recado ao Brasil” Filmado por Ivan Cardoso. Licença padrão do YouTube

período de trevas, de privação da liberdade. Se as imagens de O bandido da luz vermelha ganham um tom explosivo é porque as ideias de seu autor pareciam que iram explodir da tela a qualquer momento. O Brasil de Sganzerla é o equivalente do Velho Oeste americano retratado pelo western spaghetti, ou seja, sem leis, onde reinava a injustiça social e política. Luz não é nenhum gênio, mas também não é uma besta, é um cidadão comum, é o espírito do underground que ao invés de apenas reclamar, resolveu tomar partido da situação e tentar resolvê-la com as próprias mãos. A polícia é vista como burra, corrupta, ineficiente e uma instituição conservadora e reacionária – além de um

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símbolo dos militares que estavam no poder naquele período – e os políticos como seres ambivalentes, de duas ou mais caras: populistas e inocentes para o povo e pistoleiros para seus mandatários. A burguesia é vista assim como a imaginamos, ou seja, hipócrita e interesseira – a verdadeira responsável pelo Golpe de 1964. Sganzerla ainda lança mão de recursos narrativos inúmeros – como os pensamentos de Luz realçados pela voice over e os citados programas de rádio sensacionalista e o letreiro do cinema – para ridicularizar e tratar toda a situação de uma forma anárquica, porém realista, com frases que dizem mais do que qualquer imagem, como “Os personagens não pertencem ao mundo, mas ao terceiro mundo”, algo que nos joga na cara o traço de nosso subdesenvolvimento, de nossa miséria, não apenas relativa à fome, mas à miséria cultural e política. Luz é, como afirmou Inácio Araújo, um mito de um mundo que não mais existe, de um mundo revolucionário, de uma geração que pregava mudanças. O rompimento desse cinema underground com os representantes do Cinema Novo nada diz politicamente, pois a política está lá em O bandido da luz vermelha, em Matou a família e foi ao cinema (1969), de Júlio Bressane, em Bang Bang (1971), de Andrea Tonacci, em Sem essa, Aranha (1970), do próprio Sganzerla, e em tantos outros, mas se refere apenas a ideolo-

gias distintas. O que importa é a forma popular – própria de uma história em quadrinhos –, anárquica, avacalhada, antropofágica, sem a poesia do Cinema Novo, porém com caráter alegórico e filosófico, que Sganzerla confere a O bandido da luz vermelha. Como seria de se esperar, o final se mostra desesperançoso e apocalíptico, marcado pela última frase do programa de rádio: “Conclusão: sozinho a gente não vale nada. E daí?”. Traduzindo, um revolucionário só, sem seguidores, não chega a lugar algum, não muda a situação do status quo dominante.

REFERÊNCIA ARAÚJO, Inácio; TOSI, Juliano (org.). “Luz É uma Lenda do Passado”. In: Cinema de Boca em Boca: Escritos sobre Cinema. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2010. * Texto de Jefferson Assunção, formado em Cinema e Vídeo pelo Centro Universitário UNA e crítico de cinema do blog A tela do aventurar.

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Ataídes Braga

“A TERRA É DO HOMEM, NÃO É DE DEUS, NEM DO DIABO.”* *Frase dita por Paulo César Saraceni a Glauber: ”O negócio é juntar Jean Rouch com Rossellini. Uma ideia na cabeça e uma câmera na mão.” In: Por dentro do Cinema Novo. Minha Viagem. Paulo César Saraceni. p. 117.

“Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” O legado do dia 22 de agosto de 2011 pode ser representado de várias formas: primeiro, a importância de se conhecer o cinema brasileiro em sua totalidade; segundo, o como esse cinema é visto e assimilado hoje por pessoas de todas as idades; terceiro, o diálogo de gerações. Muito já se falou e escreveu de e sobre Glauber Rocha (1939-1981), e muito mais precisa ser dito e principalmente visto. Para se compreender sua vida e seu cinema, é necessário estar atento e aberto ao diálogo e não simplificar sua proposta estética e política a modismos nem efemérides. Toda a filmografia glauberiana é calcada na realidade do momento da produção e carrega suas significações: impossível não ver a representação das conquistas políticas dos pescadores e os conflitos com a cidade; a luta por direitos e justiça de Manoel;

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o diálogo da religiosidade com a política; a manipulação e a opressão do povo e a corrupção dos nossos representantes; a luta hercúlea pela emancipação dos povos oprimidos e a crítica ácida às ditaduras. Nos anos 1960, o cinema mundial passava por transformações e novas vanguardas, com a chegada de equipamentos mais leves, possibilitando, assim, novas formas de lin-

“O que interessa é a criação. A linguagem estabelecida, em qualquer arte, cansa.” guagem e o surgimento de jovens diretores. Nesse contexto, surge Glauber Rocha, que já em 1961 dirige Barravento, um filme sobre uma vila de pescadores e Firmino, um rapaz que volta da metrópole querendo difundir e modificar o povo da vila com suas ideias


sessão

“No Brasil, o Cinema Novo é uma questão de verdade e não de fotografismo. Para nós, a câmera é um olho sobre o mundo, o travelling é um instrumento de conhecimento, a montagem não é demagogia mas a pontuação do nosso ambicioso discurso sobre a realidade humana e social do Brasil!”

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Glauber Rocha foi um cineasta baiano (14/3/193922/8/1981). Considerado o grande nome do Cinema Novo. Nasce em Vitória da Conquista. Abandona o curso de direito, em Salvador, para trabalhar como crítico de cinema e documentarista, realizando O Pátio (1959) e Cruz na Praça (1960). Seu primeiro longametragem, Barravento (1961), é premiado no Festival de Karlovy, na antiga Tchecoslováquia.

sobre a “cidade grande”. No ano de 1964, Glauber volta com Deus e o Diabo na Terra do Sol, um filme também sobre o povo simples, dessa vez do sertão nordestino. Todos os filmes do Cinema Novo são um diálogo com a década de 1960 e com todas as suas angústias, conquistas e decepções. Dentro disso, Deus e o Diabo na Terra do Sol é um retrato de um Brasil e de um mundo que pedia revoluções, que

“Acho que é uma função digna do cinema mostrar o homem ao homem”

A partir de 1964 torna-se o cineasta brasileiro de maior prestígio internacional, quando Deus e o Diabo na Terra do Sol recebe um prêmio no Festival de Cinema Livre de Porreta, na Itália. O filme mostra as alucinações, as visões e as práticas que a fome, a miséria e a ignorância inspiram no povo do sertão no século 19.

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ansiava mudanças. Um dos filmes mais contundentes do Cinema Novo é também um relato poético, embalado pela literatura de cordel e pelas canções ritualísticas e populares, que funcionam como um caráter narrativo dentro do filme. Dentro de sua poesia fílmica, Glauber fala sobre os traços da miséria brasileira, contrapondo-a com a religiosidade e a revolução, através de uma estética própria do Neo-Realismo,


Glauber também ganha o troféu Luís Buñuel no Festival de Cannes com Terra em Transe (1967), uma alegoria sobre um jornalista e poeta que se une a um líder político num país imaginário para tentar mudar a ordem social e política. Conquista outro prêmio em Cannes - dessa vez, o de melhor direção - com O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969).

com câmera na mão, filmagem em locação e não em estúdio, luz natural – com uma fotografia que parece explodir da tela, graças ao sol escaldante do sertão nordestino –, a escolha pelo não uso de maquiagem e a utilização de não-atores ao lado de atores profissionais. Deus e o Diabo na Terra do Sol conta a história de um casal que foge buscando salvação e repostas para a injustiça na qual foram acometidos. Eles encontram um Deus negro, que promete milagres e salvação, porém, após uma sucessão de eventos, se vêem perdidos e sem rumo mais uma vez. Então surge o Diabo loiro, o cangaceiro Corisco, que também dá a eles uma ponta de esperança, mas que igualmente não é Na década de 70, produz O Leão de Sete Cabeças, no Quênia, e Cabeças Cortadas, na Espanha, que foi proibido pela censura no Brasil até 1979. Publica o romance Riverão Suassuna, em 1977, além de realizar os documentários Di Cavalcanti e Jorge Amado no Cinema. Seu último filme é A Idade da Terra (1980). Morre em Portugal.

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capaz de fazer nada a não ser causar mais problemas. O combate final do bando de cangaceiros com Antônio das Mortes talvez foi o que deu a esse filme a definição de “Nordestern”, ou seja, um western passado no Nordeste. Glauber era um grande fã de westerns e conseguiu transpor para a realidade do terceiro mundo o que aprendeu com o cinema hollywoodiano. Ele mesclou elementos nacionais, como o cangaço e a literatura de cordel – resgatando Guimarães Rosa com “...a câmera é um olho sobre o mundo” Euclides da Cunha, passando por José Lins do Rego, Raquel de Queiroz, Graciliano Ramos e Jorge Amado – cantada por um cego (as letras são de autoria do próprio Glauber) e servem para introduzir e identificar os personagens da história e suas influências americanas para criar um filme que até hoje é a referência do cinema brasileiro no mundo inteiro. A influência ou confluência não vem apenas do Neo-Realismo, mas também da Nouvelle Vague através da ideia do rompimento com o cinema brasileiro feito até então – exceto com o de Humberto Mauro e de outros pioneiros –, do cinema soviético de vanguardas, como o praticado por Sergei Eisenstein, além de, no caso próprio de Deus e o Diabo na Terra do Sol, do western americano e não é exagero dizer que o filme é uma transposição do universo do western para as terras brasileiras. Com a ideia da revolução e da transformação social em mente ao retratar o povo faminto e sufocado pela burguesia, além da resistência ao cinema estrangeiro através da ideia de autoria em oposição ao cinema industrial, nasceu o Cinema Novo. Os personagens de Deus e o Diabo na Terra do Sol são significações, iconografias do povo brasileiro, desde Manoel, o retrato do povo que luta por melhores condições de vida, mas termina engolido por forças maiores a ele; passando por Rosa, o lado revolucionário que faltava a seu esposo Manoel; Sebastião, o beato que inicialmente parece a solução dos problemas através da religiosidade e da fé, mas que termina

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por se tornar uma frustração quando se mostra radicalista por demais; Corisco, o cangaceiro herdeiro ou reencarnação de Lampião, que parece a saída política e mais revolucionário a seguir; além de Antônio das Mortes, o assassino de cangaceiros e amálgama dos que buscavam coibir o processo de expurgação do povo e de fuga da fome e da miséria. Deus e o Diabo na Terra do Sol é encenado como uma tragédia no sertão, com traços de John Ford no modelo narrativo e na estrutura estética, e Eisenstein na montagem que se mostra dialética e prestes a explodir pela prefiguração incendiária de um sertão marcado pela luz escaldante do sol. “Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”. Muitos associam essa frase a Glauber Rocha e aos outros diretores do Cinema Novo, indicando que produziam nessa época somente filmes de baixa qualidade e sem “rigor” técnico. Um grande erro que muitos espectadores desatentos cometem, pois ignoram as condições em que esse filme foi realizado e sua força que revela o lado subdesenvolvido e faminto de nosso país através de um cinema carente e agressivo, um cinema da fome, na política da fome.

* Texto produzido pelo NEG (Núcleo de Estudos Glauberianos), composto por Ataídes Braga, Jefferson Assunção e Thais Lombardi. ATAÍDES BRAGA é historiador, mestre em cinema, poeta, ator, roteirista, pesquisador, crítico e comentarista de cinema. É autor dos livros O Fim das Coisas - Salas de Cinemas de Belo Horizonte, Fragmentos de Versos e Cachoeira de Filmes - O Cinema Humberto Mauro como Espaço de Exibição e Resistência. JEFFERSON ASSUNÇÃO é graduado em Cinema e Vídeo pelo Centro Universitário UNA, crítico de cinema do blog A tela do aventurar, roteirista, poeta e cronista, tendo textos publicados no blog O gauche casmurro político e no jornal Estado de Minas. THAIS LOMBARDI é graduada em Cinema e Vídeo pelo Centro Universitário UNA, crítica de cinema do blog A noite americana, escreve para o blog Mundano (ainda em construção), além de produtora e roteirista. Atualmente estuda Artes Visuais e História da Arte, com o foco em Cinema e Pintura e a Cor e Luz no Cinema.

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teatro

Juliana Antunes

“Somos da crise, se ela vier, bananas para quem quiser. Yes, nós temos bananas” (O Rei da Vela)

“Eu não sou patriota, eu não sou nacionalista, eu gosto do Brasil como o Glauber escrevia, com ‘zy’, ‘Brazyl’, um Brazyl exatamente porque o Brasil tem um povo internacional, uma mistura de todos os povos do mundo” - Zé Celso TEATRO OFICINA

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TEATRO OFICINA

FERMOZZELLI FOTOARTE

foram criados com pelos de bichos, ossos e lixo dos escombros do Minhocão. Além disso, a montagem contou com uma vasta máquina fabricando cimento e despejando-o na cena ainda mole. Outro elemento transgressor da peça foi o primeiro nu frontal do teatro brasileiro por Ítala Nandi. No final da década de 1970, após um incêndio no Teatro Oficina, a encenação da peça O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, associado à instalação da Tropicália por Hélio Oiticica, foram as fontes a partir das quais o Tropicalismo começou a ser identificado através das temáticas, das abordagens e de uma concepção visual que articulava elementos da natureza a objetos e temas referentes à sociedade de consumo.

TEATRO OFICINA

Considerado um Patrimônio Cultural brasileiro, o Teatro Oficina foi fundado em 1958 por um grupo de alunos da Escola de Direito do Lago de São Francisco, dentre eles, José Celso Martinez Corrêa, diretor do grupo. Em um centro espírita alugado, onde o teatro foi construído em apenas sete meses, A Vida Impressa em Dólar, de Clifford Odetts, marca a estreia de Zé Celso como diretor e inaugura o Teatro Oficina, que foi fechado no mesmo dia pela censura. Durante a renúncia de Jânio Quadros, o Teatro que tem a sua tragetória sempre muito ligada com a história política do Brasil e do Mundo foi reaberto. Em 1962 a equipe monta Todo Anjo é Terrível, de Ketty Frings, que confirmava a aptidão de Zé Celso . Dois anos depois, Pequenos Burgueses, de Animar Labaki, rende ao jovem encenador todos os prêmios de melhor direção do ano. O golpe de 1964 muda o foco do grupo que responde aos militares com Andorra, de Max Frisch. Em 1966, com músicas inspiradas em canções e hinos soviéticos compostos por Chico Buarque, Os Inimigos, do mesmo autor de Pequenos Burgueses apresenta o grupo como questionador e provocativo. Influenciado por rituais, explorando elementos ligados à identidade carnavalesca com processos baseados em profusão sexual entre o elenco, Zé Celso é contestado em sua criação por abusar de uma sexualidade explícita, além de levantar temas polêmicos e sociais. A primeira parceria de Lina Bardi com Zé Celso, onde um ringue de boxe foi montado e todas as instituições foram sendo destruídas resultou na montagem de Na Selva das Cidades, de Bert Brecht. Instituições instaladas no palco foram delicadamente demolidas concomitante à destruição do bairro do Bixiga, para a construção do Minhocão, que modificou a paisagem do centro de São Paulo. Lina Bo Bardi utilizou árvores derrubadas para a construção da obra de Faria Lima e levou para o Ringue, em cabos de aço, relevantadas e depois desmoranadas. Essa cena inspirou Caetano Veloso a chamar o Teatro Oficina de “Oficina de Florestas” (Sampa), o que iniciou o atual projeto Anhangabaú da Feliz Cidade, que defende áreas verdes para todo Bixiga. Os figurinos, objetos e estruturas cênicas

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Ao som de Caetano Veloso e dedicada a Glauber Rocha, O Rei da Vela catalisou o movimento tropicalista. A montagem transformou o cenário teatral na medida em que provocou uma visão por outros ângulos do processo histórico e cultural nacional. O comunitarismo foi o tema predominante nas montagens que tinha a ditadura militar como alvo preferencial de críticas e denúncias nos palcos. A encenação de O Rei da Vela desestruturou o conteúdo do universo cultural e artístico do país. A interpretação do Oficina associada aos cenários tropicais agressivos criados por Hélio Eichbauer foram impactantes por não apresentarem soluções e convocar a resistência. A montagem que satiriza a comédia de bons costumes utilizou um cadáver gangrenado que foi exposto durante o espetáculo como alegoria ao sepultamento de outras possibilidades históricas. Podese dizer que para Zé Celso, a ousadia da montagem de O

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Oficina passou a se chamar Teatro Oficina Uzyna Uzona. Na década de 1990, Zé Celso retoma à cena em As Boas, de Jean Genet, dividindo a gestão da nova fase do grupo que volta a chamar a atenção com Ham-let, de Shakespeare, montagem que reinaugura o Teatro Oficina. Motivo de grande polêmica em 1994, As Bacantes, baseada na tragédia de Eurípedes, em que Penteu, o Rei de Tebas veta as bacanais relacionadas ao culto de Dionísio, deus da fartura e do prazer, é definida pelo diretor do Uzyna Uzona como uma ópera elektrocandomblaika de carnaval. Considerada uma “celebração orgiástica dos conflitos do Brasil contemporâneo”, a peça alia rituais antropofágicos, vinho e nudez a críticas ao governo. Em uma das exibições da peça, Caetano Veloso foi despido em públi-

Rei da Vela foi essencial para projetá-lo como um diretor irreverente e importante interlocutor no debate político e intelectual do Brasil. Sempre em posição de vanguarda, o Oficina passou da fase amadora para a profissional, que se estendeu até 1973. Os anos de chumbo da ditadura militar fizeram com que o grupo trabalhasse fora do país produzindo O Parto, obra cinematográfi“Eu vejo surgir teus poetas de ca que narra a campos, espaços. Revolução dos Tuas oficinas de florestas, teus Cravos. As deuses da chuva” pessoas que Caetano Veloso, Sampa voltaram a se reunir em São Paulo demoraram dez anos co pelas atrizes, enfatizando para levantar o novo teatro. a importância da nudez e do Interditado desde 1974, o sexo, pois a montagem exlocal foi tombado pelo Con- plora rituais em que as baselho de Defesa do Patrimônio cantes devoravam homens. Histórico, Arqueológico, ArtísNo centenário da obra tico e Turístico (Condephaat). de Euclídes da Cunha, Os Com a reformulação realizada Sertões, cinco peças - A Terem 1984 em um projeto assi- ra, O Homem I, O Homem II, nado por Lina Bo Bard, ar- A Luta I e A Luta II, que soquiteta do Museu de arte de mam 27 horas de teatro, perSão Paulo (MASP), o Teatro durou por sete anos, em que


o Oficina direcionou o seu olhar para as questões sociais, promovendo cinco anos de atividades e oficinas em sua cede para os moradores do Bixiga que participaram do primeiro coro mirim da companhia, que viajou para as apresentações no Brasil e na Alemanha, através do apoio da Lei de Incentivo ao Fomento do Estado de São Paulo e da Petrobrás. Para comemorar os 50 anos, o Teatro Oficina gerou quatro novas montagens, Os Bandidos, de Schiller, Cypriano e Chan-ta-lan, de Luis Martinez Correa e Analu Prestes, Taniko, de Zen Chiku, e Vento Forte para um Papagaio Subir,

primeira peça “Grandioso demais, coletivo deescrita por mais. Próximo das origens verídicas José Celso. do teatro. Festa popular e grande Em 2010, catarse [...] Estádios de nossa época. para assumir a Onde há de ser tornar realidade o sacralização da teatro de amanhã, como foi o teatro arte do grupo, o na Grécia. O teatro para a vontade Oficina realizou do povo e a emoção do povo”. Dionisíacas em Oswald de Andrade, 1943. viagens patrocinadas pelo Ministério da Cultura através Gerais, além de Dionisíacas, de convênio de co-produção apresentada na Barragem com a Companhia. Com du- Santa Lúcia, Macumba Anração de quase um ano, foram tropófaga, “transcriação” do apresentados quatro espe- Manifesto Antropófago de táculos do repertório - O Ban- Oswald de Andrade, apresenquete, As Bacantes, Cacilda!! tada pelo Uzyna Uzona este e Taniko, em oito capitais bra- ano, fez parte de Dionisíacas sileiras, além de realizar ofici- em viagem no Instituto de Arte nas das artes teatrais com ar- Contemporânea Inhotim, em tistas e aprendizes. Em Minas Brumadinho.

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literatura sess達o

Jovino Machado xxxxx

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sess達o

Renato Negr達o

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MASTODONTES NA SALA DE ESPERA

é o terceiro livro do poeta Bruno Brum, vencedor do Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura 2010. Trata-se de uma engenhosa síntese do que o autor vem desenvolvendo ao longo dos últimos anos. Nele é possível identificar a poesia visual presente em seu primeiro livro (Mínima ideia, 2004); os versos enxutos e precisos de Cada (2007); os experimentos formais desenvolvidos em seu blog, Sabor graxa, entre 2005 e 2006; além dos mais recentes caminhos apontados por seus versos, com poemas mais longos, percorrendo com humor os impasses e os absurdos da vida em nossos dias. Com vocabulário e temática absolutamente contemporâneos, fundindo, com diferentes graus de intensidade, o tom lírico e o prosaico, a cultura de massa e as referências literárias, a elaboração formal e o despojamento, Bruno apresenta um livro que a um só tempo comunica e inquieta. Um livro que, embora repleto de crítica e inconformismo, não se furta ao contato com o outro, com o meio. Um típico caso em que os incomodados fazem questão de não se retirar.

POESIA, UM SANTO REMÉDIO!

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tha Medeiros. Além disso, a escritora aceita encomendas para presentes personalizados, com os escritores, frases e trechos de músicas desejados pelos clientes. O endereço para fazer pedidos é: santoremedio.poesia@gmail.com

um santo remédio

Incomodada com a hipocondria e o afastamento das pessoas em relação aos materiais impressos, a artista cênica e escritora Larissa Minghin, criou o “santo remédio”. Inspirado na plasticidade das poesias chinesas encapsuladas, Larissa utiliza as palavras como forma alternativa de tratamento. Cada caixinha do “santo remédio” é composta por um receituário para ser utilizado como cartão, uma bula e quinze capsulas de poesias, fragmentos e haikais para curar a dor de cotovelo, amar, sorrir, matar a saudade e se apaixonar. Minghin assina a autoria de alguns poemas e utiliza outros autores como Mário Quintana, Caio Fernando Abreu e Mar-

poesia


DISCURSO POR OCASIÃO DE UM CONGRESSO INTERNACIONAL DE PESSOAS JURÍDICAS Nunca conversei com uma empresa. As empresas estão sempre ocupadas e não costumam falar com estranhos. Nunca trabalhei em uma empresa. As empresas almoçam todos os dias no self-service mais próximo e falam diversas línguas com perfeição. Nas empresas há pessoas que seguram copos de uísque como se segurassem caralhos. Nas empresas há pessoas que se masturbam no banheiro no horário do almoço. Trabalho na mesma empresa há muitos anos. Dormimos na mesma cama e todas as noites ela abre as pernas para mim. As empresas estão sempre abertas e de bom humor. As empresas sempre dizem bom dia, boa tarde, boa noite. Há sempre muitas empresas à disposição quando preciso, por isso não me preocupo. As empresas dizem todos os dias que não devo me preocupar, mas eu já não me preocupava bem antes de elas dizerem isso. As empresas sabem todos os meus segredos, mas não os revelam a ninguém. As empresas sempre sabem o que fazer em qualquer situação. Por isso não me preocupo. Há pessoas que insistem em discutir o sexo das empresas. E também as que preferem não tocar no assunto.

Empresas nunca ficam sem assunto. São capazes de conversar durante horas sobre qualquer coisa. Empresas nunca perdem o sentido ou a razão. Empresas nunca se atrasam. Todos sabem onde vivem as empresas. Elas estão sempre abertas e de bom humor. Trabalho na mesma empresa há muitos anos e até hoje não sei o seu nome, função, razão social ou CNPJ, mas não a culpo por isso. As empresas estão sempre ocupadas, todos os dias, incluindo finais de semana e feriados religiosos.

Todos os dias acordo cedo e caminho até a porta de uma empresa, mas não entro. Não tenho uma ideia clara do que possa ser uma empresa. Algumas empresas se parecem com famílias. Algumas famílias se parecem com empresas. Especula-se a existência de empresas em outros planetas do Sistema Solar. Estima-se que fóssil com idade aproximada de cinquenta mil anos possa pertencer à mais antiga empresa do mundo. Empresas sempre dizem a verdade. Empresas nunca se divertem. Me lembro com nitidez da primeira vez em que conheci uma empresa.

Empresas possuem bordões e usam sempre as mesmas fantasias, como os superheróis.

Não costumo falar com empresas estranhas.

Empresas acabam e recomeçam todos os dias, como as novelas e os seriados.

Empresas não falam sozinhas.

Trabalhei em uma empresa durante dezoito semanas e faltei todos os dias.

Nunca pisei em uma empresa.

Meu primeiro presente de aniversário foi uma empresa. A maternidade onde nasci era na verdade uma empresa.

Eu sei como funcionam as empresas, mesmo sem nunca ter estado nelas.

Algumas pessoas conversam com empresas como se fossem pessoas.

Empresas sempre funcionam.

Algumas empresas conversam com pessoas como se fossem empresas.

Há pessoas que se dedicam ao estudo do comportamento das empresas. Há empresas que se destacam por apostar no potencial das pessoas. Geri diversas empresas imaginárias na infância. Nenhuma faliu. As empresas podem ser de diversos tamanhos, como os cães, as pizzas e as estrelas.

Nunca conversei com uma empresa. Nunca conversei com uma pessoa.

Poema retirado do livro MASTODONTES NA SALA DE ESPERA, terceiro livro do poeta Bruno Brum.

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artes plĂĄsticas

Evandro Renan

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Evandro Renan ĂŠ estudante de Artes PlĂĄsticas na Escola Guignard, trabalha como Ilustrador e reside em Belo Horizonte Obras desenvolvidas exclusivamente para a revista prosa


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“QUINA GALERIA DE ARTE: NO CORAÇÃO DA CIDADE E NA QUINA DO MALETTA” Mais sobre a Quina: www.flickr.com/quinagaleria http://twitter.com/quinagaleria endereço: ed. maletta rua da bahia, 1149 slj 6

RODRIGO FURTINE

RODRIGO FURTINE

Quem é de Belo Horizonte conhece ou já ouviu falar do bom e velho Edifíco Maletta. Reduto de artistas, intelectuais e descolados, o Maletta é lugar de tomar uma cerveja geladíssima e de peregrinar por ótimos sebos e lojas de discos. Mas como o que já era bom, em alguns casos, pode melhorar, eis que surge a Quina Galeria de Arte. Seguindo uma tendência mundial de ocupação de espaços no centro das grandes cidades, a Quina é um espaço charmoso que respira arte e que divide as atenções entre os frequentadores do Maletta. Os trabalhos expostos contam com o que há de mais interessante no mercado das artes plásticas nacional e internacional. Além de galeria de arte, a Quina conta com uma lojinha onde são vendidos objetos de design, arte, grafite e outros mimos criativos.

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Desali

UDIGRUDI “O artista gráfico Desali é um versátil criador de imagens satíricas e iconoclastas em diversas linguagens. Oriundo da escola Guignard e escrevinhador de muros na capital mineira, é também um prolífico produtor de pinturas, assemblages, serigrafias e fotografias. Desde o final de 2010, organiza e é curador da exposição Piolho Nababo, que acontece às sextas-feiras no espaço alternativo Ystilingue, localizado no tradicional Edifício Maletta, em Belo Horizonte. Experiência inédita em um espaço artístico brasileiro, o Piolho Nababo possibilita a artistas iniciantes a venda de seus trabalhos pagando ao espaço uma contribuição espontânea - além de um constante escambo de arte, sem circulação monetária.”

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polivoz

xxxxx Davidson Maurity

RENOVAÇÃO DOS TRÓPICOS Fiquemos atentos e fortes! Percebamos o legado! Mas… palavras de ordem para quê? Atentarmos a quê? Estamos em 2011! O Brasil não carece de vigília, temos a internet que nos informa de tudo no conforto de nossos lares, nas nossas cadeiras acolchoadas e macias. Vivamos e convivamos pacificamente, sem preocupação. O Brasil, hoje, é o ponto de convergência dos olhares do mundo. Economicamente estável. Até para o Obama emprestou dinheiro. Quem diria… Estamos reduzindo a pobreza, aumentando o poder de compra das classes C e D, para desespero das classes A,B. E a nossa democracia? Vai muito bem, obrigado. Elegemos uma MULHER, pulso firme, líder nata e exmilitante na luta contra o autoritarismo, ou ex-guerrilheira, como alguns preferem destacá-la. Para quê nos preocuparmos? Tudo isso nos foi entregue de “mão beijada”, não houve luta, repressão, exílio ou morte.

Isso não é verdade O caminho até chegarmos a esse “mar de rosas” foi tortuoso. E não é preciso alongar muito o discurso das dificuldades, elas não estão muito distantes da gente (?). Mas é sempre necessário fazer um destaque, que, sem dúvida, é muito im-

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portante: Ditadura militar de 1964. Ressalto que também não falarei sobre o horrores desse regime, todos nós deveríamos saber disso, certo? Se, de um lado, tínhamos um governo autoritário, repressor, do outro, tínhamos alguém lutando pela liberdade. Proibição gera subversão e o nosso país foi fértil em subservores, especialmente quando se fala em música, em artes em geral. Houve um grupo que conseguiu convergir todas as artes e olhares. Juntaram poesia, música, artes plásticas, cinema, sensualidade e protesto. Em uma época cinza, jogaram cores no ventilador, espalhando-as para todos lados. Trouxeram um pouco de luz aos olhos do povo. O Brasil começou a se ver, a olhar para dentro, integrar as diversas culturas que conviviam por essas terras. A dissonância abalou a unidade, a conformidade, rompeu com o tradicionalismo e nacionalismo estúpido da época, deixando o regime com os cabelos em pé. Era “Proibido, Proibir”! Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Gal Costa, Nara Leão, Rogério Duprat, Mutantes, José Carlos Capinam, Torquato Neto. Um viva à Tropicália! Há quem não os conheça - PASMEM, ou não conheçam os desdobramentos desse coletivo. Há quem diga que o movimento acabou junto com ditadura militar. Porém, mal sabem esses que as ondas desse movimento continuam se propagando pelo nosso ar

e reverberando do norte ao sul desse país. Sim! Os póstropicalistas estão chegando. Ou melhor, já chegaram. Eles não estão organizados em um grupo ou coletivo. Mas é fácil encontrá-los pelas FM`s mais alternativas, nos shows nas praças ou nos parques das cidades. Sejam eles patrocinados por uma grande empresa de comésticos ou de uma grande empresa de telefones celulares. A música é o principal suporte de divulgação das ideias, mas isso não quer dizer que a convergência das muitas linguagens artísticas, como outrora, não sirva como mote de criação aos nossos contemporâneos. O tom crítico continua, e em tempos de relações efêmeras e virtuais, consumismo, passeatas e marchas com os mais diferentes temas, contra as mais diferentes descasos dos nossos governos, a necessidade é de reafirmação e confirmação da nossa heterogeneidade. Arnaldo Antunes, Chico Science e Otto são, talvez, os responsáveis por essa retomada. Lá pelos não tão distantes anos 1990 deram o start para o que podemos considerar como pós-Tropicália. Juntando ritmos de diferentes e lançando outros como o Manguebeat, evidenciando culturas como a nordestina e fazendo releituras das músicas de seus precursores tropicais como “Maracatu Atômico”, de Jorge Mautner e Nelson Jacobina, gravada por Gilberto Gil

e totalmente repaginada pelo Nação Zumbi. Já no século 21, na era da extensão .mp3 , Youtube e internet banda-larga inúmeros foram e são os lançamentos. A divulgação fica a cargo dos amigos e pessoas próximas e o sucesso ou reconhecimento é rápido. Quem nunca ouviu falar de Céu, Karina Buhr, Marcelo Jeneci, Tulipa Ruiz, Criolo, Mariana Aydar, Cibelle, Graveola e o Lixo Polifônico? O tom de denúncia é assunto recorrente nas músicas de uns, outros preferem dar destaque ao amor, mas sem pieguismos, outros unem samba, rock e forró. A ideia é ser plural! Reflexo nítido do que o Brasil é o que merece ser representado.

Alguém tem dúvidas da retomada daquele Panis et Circenses? O importante não é só fazer música, não é arte pela arte. O importante para esses artistas que emergem nessa nova cena da música brasileira é dialogar com o seu público. É ter consciência de que arte atinge significativamente as pessoas, os guetos, as comunidades e em um movimento contínuo atinge esferas cada vez maiores. Aquela ideia antiga, de um alguém que caminhava contra o vento, sem lenço e sem documento ainda vigora e tem força.

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SENTA NO CIMENTO! Apesar da falta de mar, pode-se dizer que Belo Horizonte tem “praia” A Praia da Estação é um movimento iniciado em janeiro do ano passado, que transforma a Praça da Estação em uma grande “praia” de concreto. De raízes populares, sem líderes, apartidário, a favor de uma cultura local e gratuita, o evento atrai cada vez mais adeptos. Em dezembro de 2009, a Praça foi condenada a se tornar um espaço vazio para garantir a segurança pública e preservar o patrimônio através do Decreto Municipal 13.798/09 assinado por Márcio Lacerda, que proibiu “eventos de qualquer natureza na Praça da Estação”.

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Essa decisão encontrou forte oposição entre os cidadãos que têm o local como cultura material da cidade nascida na Praça da Estação, pois nela se situa a velha estação central, denominada o “cartão de visitas” durante a construção da capital mineira. Aliando estética e política com a proposta de questionar os processos “higienizadores” que a cidade vivencia, a ideia de encontros na praça durante os sábados, com piquinique, rodinhas de samba, trajes de banho, bebidas e instrumentos musicais foi espalhada através das redes sociais. Apesar das fontes que são ligadas durante o dia permanecerem estranhamente desligadas aos sábados, os manifestantes fazem uma co-

leta para que caminhões-pipa venham dar mangueiradas nos ocupantes. O objetivo é fazer da praça uma praia, um espaço aberto para vivenciar e discutir a utilização da cidade em um protesto pacífico, lúdico e, contudo, assertivo.

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colaboradores


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