O que Perandréa não viu

Page 1

PSICOGRAFIA À LUZ DE GRAFOSCOPIA, o que Perandréa não viu.

OBJETIVO

O objetivo principal do trabalho é contestar a conclusão do estudo contido no livro “Psicografia à Luz da Grafoscopia”, de que Chico Xavier reproduzira o traço de ILDA MASCARO, durante contato mediúnico com o espírito da falecida; o que foi considerado “prova científica” da comunicação espiritual.

1


OBSERVAÇÕES: 1) O autor do presente estudo não é técnico em grafoscopia, tãosomente conhece os rudimentos da matéria; em decorrência, deslizes e equívocos no uso de termos técnicos, ou mesmo a falta desses, deve ser relevada. 2) Considero importante destacar que o trabalho não intenta avaliar a capacidade técnica do professor Perandréa. Nada temos a objetar relativamente ao fato de Carlos Augusto Perandréa ser classificado como perito de qualidade. As críticas que seguem focam exclusivamente a excêntrica suposição defendida pelo técnico de que teria comprovado legítima atuação mediúnica de um espírito por meio da psicografia de Chico Xavier. 3) O material utilizado em nossos cotejamentos e ilustrações é o contido no livro do professor Perandréa; não tivemos acesso aos espécimes originais.

2


Preâmbulo Carlos Augusto Perandréa é conceituado grafoscopista e, durante um bom período de sua carreira técnica, ministrou treinamento a pessoas que lidam com a verificação de autenticidade de escritos, como advogados, policiais e bancários. A grafoscopia é uma ciência que tem por objetivo, basicamente, identificar a autoria de grafismos, e comprovar a legitimidade de documentos. É, também, conhecida por variadas intitulações, quais grafística, grafotecnia, perícia gráfica, documentoscopia, etc. Existem outras matérias que lidam diretamente com aspectos da escrita, embora com finalidades diversas das da grafística, quais a grafologia; caligrafia; paleografia. A grafologia, muitas vezes confundida com a grafotecnia, até mesmo acidentalmente, é uma arte que intenta descrever as peculiaridades psicológicas do redator, pela análise das características do traço que elabora. Conquanto seja considerada sem fundamento científico, existem grafologistas conceituados e respeitados. Em vários países, empresas selecionam empregados pela avaliação grafológica. Para ilustrar, reproduzimos parte de texto do famoso grafólogo Eric Singer, no qual relaciona os campos de aplicação da grafologia. “Eis uma relação das possíveis aplicações da grafologia, no seu desenvolvimento presente: a. No exame de escritas, para se averiguar se não foram falsificadas ou dissimuladas e, nos tribunais, para se estudar o caráter do acusado e das testem unhas. b. Na escolha de empregados ou na orientação vocacional. c. No comércio para se saber se o futuro comprador ou sócio merece confiança. d. Na escolha do cônjuge e para orientação matrimonial. e. No estudo da escrita infantil e na educação geral. f. Emprego da grafologia como parte do estudo da psicologia geral. g. Aplicação da grafologia como auxiliar do diagnóstico médico, especialmente nos distúrbios mentais. h. Aplicação pessoal com o fim de se conhecer melhor o espírito. i. Ao estudo das personagens históricas. j. À biologia e à psicologia por meio de comparação de escritas de membros da mesma família. k. À psicologia social, estudando a influência domeio na escrita e na personalidade.” (Conhece-te pela Letra – Eric Singer).

3


A caligrafia é a arte da bela escrita. Em passado não muito distante, as escolas incluiam no currículo de estudos treinamento em caligrafia, na atualidade o procedimento se perdeu. De qualquer forma, existem no mercado bons materiais de treinamento, que permitem aos interessados redigir manualmente com apuro artístico. A paleografia é o estudo das escritas antigas, seja em que caracter esteja grafado. A paleografia tanto pode se dedicar a análise de hieróglifos egípcios, quanto a documentos grafados em caracteres latinos. Trata-se de uma complexa técnica e de vasto campo de aplicação. Pois bem, voltando ao trabalho do professor Perandréa, em um dos cursos que conduzia, foi questionado por aluno a respeito da possibilidade de a grafoscopia validar escritos psicografados. A psicografia, segundo o ensinamento espíritakardecista, é a forma mais eficiente de espíritos comunicarem com vivos; conquanto não seja a única, pois os desencarnados também podem utilizar outros métodos, quais a psicofonia (uso da voz do médium para transmitir a mensagem espiritual); a psicopictografia (pintura sob a influência de pintores falecidos), e outros. De todos os meios de comunicação, a escrita manual, que alguns denominam escrita involuntária, é, sem contestação, a mais simples, a mais fácil e a mais cômoda, porque nenhum preparativo exige e se presta, como a escrita corrente, aos maiores desenvolvimentos. Dela tornaremos a falar, quando tratarmos dos médiuns. (Livro dos Médiuns – questão 157) De todos os meios de comunicação, a escrita manual é o mais simples, mais cômodo e, sobretudo, mais completo. Para ele devem tender todos os esforços, porquanto permite se estabeleçam, com os Espíritos, relações tão continuadas e regulares, como as que existem entre nós. Com tanto mais afinco deve ser empregado, quanto é por ele que os Espíritos revelam melhor sua natureza e o grau do seu aperfeiçoamento, ou da sua inferioridade. Pela facilidade que encontram em exprimir-se por esse meio, eles nos revelam seus mais íntimos pensamentos e nos facultam julgá-los e apreciar-lhes o valor. Para o médium, a faculdade de escrever é, além disso, a mais suscetível de desenvolver-se pelo exercício. (Livro dos Médiuns – questão 178) Motivado pela indagação do treinando, o instrutor decidiu investigar melhor o assunto. Provavelmente, deve ter levado em conta o pronunciamento de Allan Kardec a respeito da letra do médiuns nas psicografias, conforme exemplos a seguir (destaques − negritos e realces – de nossa autoria). Médiuns polígrafos: aqueles cuja escrita muda com o Espírito que se comunica, ou aptos a reproduzir a escrita que o Espírito tinha em vida. O

4


primeiro caso é muito vulgar; o segundo, o da identidade da escrita, é mais raro. (N. 219.) (Livro dos Médiuns, quesito 191) Mudança de caligrafia Um fenômeno muito comum nos médiuns escreventes é a mudança da caligrafia, conforme os Espíritos que se comunicam. E o que há de mais notável é que uma certa caligrafia se reproduz constantemente com determinado Espírito, sendo às vezes idêntica à que este tinha em vida. Veremos mais tarde as conseqüências que daí se podem tirar, com relação à identidade dos Espíritos. A mudança da caligrafia só se dá com os médiuns mecânicos ou semimecânicos, porque neles é involuntário o movimento da mão e dirigido unicamente pelo Espírito. O mesmo já não sucede com os médiuns puramente intuitivos, visto que, neste caso, o Espírito apenas atua sobre o pensamento, sendo a mão dirigida, como nas circunstâncias ordinárias, pela vontade do médium. Mas, a uniformidade da caligrafia, mesmo em se tratando de um médium mecânico, nada absolutamente prova contra a sua faculdade, porquanto a variação da forma da escrita não é condição absoluta, na manifestação dos Espíritos: deriva de uma aptidão especial, de que nem sempre são dotados os médiuns, ainda os mais mecânicos. Aos que a possuem damos a denominação de Médiuns polígrafos. (Livro dos Médiuns, quesito 219) Perandréa deve ter inferido que se existem médiuns polígrafos − aqueles por meio dos quais os espíritos escrevem com suas letras originais −, esses podem ser achados. E ninguém melhor para se iniciar tal investigação que o alcunhado “maior médium do século XX”, Chico Xavier. Chico psicografara milhares de mensagens ditas provindas de falecidos e era considerado médium mecânico, reunia, portanto, as qualidades necessárias. E assim tudo começou.

5


1ª parte Perandréa, após várias averiguações, selecionou texto escrito por ILDA Mascaro em vida e o comparou com mensagem psicografada por Chico Xavier, atribuída ao espírito da mesma ILDA. A pretensão seria verificar se a alma desencarnada poderia, por meio do médium, reproduzir sua própria letra, o que, se fosse confirmado, constituiria passo importante na demonstração de haver comunicação entre vivos e não-vivos. Nesta primeira abordagem confrontaremos a avaliação feita do nome “Ortensio”.

Palavra “Ortensio”, letra de ILDA quando viva.

Palavra “Ortensio”, letra de Chico Xavier em psicografia de Ilda.

Vejamos a análise de Perandréa a respeito deste vocábulo.

PERANDRÉA: “No cotejamento dos vocábulos acima, constata-se perfeita igualdade nas letras "t", bem como nos gramas de ligação entre os símbolos "r" para "t", "t" para "e", "e" para "n". Ainda nas letras "t", confirma-se igualdade nas extensões e aberturas das hastes, com os mesmos "quebramentos" oriundos de um mesmo sentido genético e tendência genética. Igualdade, também, no corte das letras "t", que apresentam as barras na mesma altura e na mesma inclinação. As letras "e" apresentam a mesma concepção genética, lembrando a forma de um losango.” (Psicografia à Luz da Grafoscopia) “Ortensio” é constituído de 8 letras e 7 gramas (ligações entre as letras). O técnico encontrou equivalências em uma letra (t) e em três gramas. O que nos leva a supor que não houve semelhança em 7 das 8 letras e em 4 dos 7 gramas. Ou seja, cerca de 75 por cento está diferente. Ainda assim ele considerou o resultado positivo!

6


Analisemos mais detidamente o parecer de Perandréa.

PERANDRÉA: “constata-se perfeita igualdade nas letras "t"” Esta afirmação é controversa. Isoladamente a semelhança é admissível, mas no traçado por inteiro as divergências são patentes, inclusive na formação da letra “t”.

PERANDRÉA: “bem como nos gramas de ligação entre os símbolos "r" para "t"” Passível de discordância. O traço de ILDA (a verdadeira) é de tendência curvilínea, o de Chico angular. Perandréa declara que o grama do “r” para o “t” é igual. Não parece que seja. Basta observar na imagem. O grama que une o “r” ao “t”, na letra de ILDA, descreve harmoniosa curva (parecendo um “U”), como se tomasse natural impulso para chegar a ápice do “t”. Em Chico Xavier observa-se angulação (forma de “V”) e inclinação mais pronunciada do grama. Confira a seguir:

ILDA

Chico

PERANDRÉA: “"t" para "e", "e" para "n"” Aqui, de fato, a semelhança é consistente, embora ainda se distinga, menos nítido, o traçado curvilínio de ILDA em oposição ao angular de Chico. Do “t” para o “e” em ILDA percebe-se a forma de um “U”; em Chico o movimento quase forma um ângulo reto, lembrando a letra “L”. Do “e” para o “n”, ao iniciar o traço da letra “n”, claramente se percebe a “ponta” angulosa feita por Chico e a “curva” traçada por ILDA. Do “n” para o “s” a divergência é escandalosa e, de igual modo, do “i” para o “o”. Também, o “e” de ILDA lembra um losango, conforme Perandréa apontou; no entanto, o de Chico é mais harmonioso, parecendo uma gota inclinada.

PERANDRÉA: “Igualdade, também, no corte das letras "t", que apresentam as barras na mesma altura e na mesma inclinação.” Outra discutível assertiva. Levando em conta somente o primeiro “Ortensio” a declaração estaria correta, contudo, ao comparar-se todos os “tês” escritos por ILDA com os grafados por Chico registram-se diferenças expressivas. Falaremos disso adiante.

7


Vejamos um destaque interessante, que Perandréa parece não ter percebido, uma vez que a respeito não emitiu qualquer comentário.

Carta de ILDA, trecho inicial.

Linha inicial da psicografia, redigida por Chico Xavier.

Observem o nome “Teresa” como foi escrito por Chico Xavier: “Thereza”. Considerando-se a hipótese de ter havido comunicação mediúnica, o fato equivale a demonstração de que a falecida “esquecera” como se escrevia o nome da nora (por ILDA chamada “filha querida”)! É claro que por essa linha de raciocínio o caso se complica. Outra hipótese, a que nos parece mais plausível, indica que Chico Xavier, ao criar no seu subconsciente o simulacro do contato espiritual, e no intento de imitar a escrita de ILDA, não percebeu estar grafando erroneamente o nome da moça. Terminemos a avaliação de “Ortensio”, vocábulo no qual Perandréa afirma ter deparado várias similaridades entre o grafado por ILDA e o por Chico Xavier, as quais não tivemos a mesma ventura de encontrar. Observemos quesitos complementares.

Palavra “Ortensio”, letra de Ilda quando viva.

Palavra “Ortensio”, letra de Chico Xavier em psicografia.

Um dos tópicos da análise grafotécnica chama-se “ataque”, que refere-se ao modo como o traço se inicia. Comparando-se o “Ortensio” de ILDA com o de Chico Xavier notamos várias diferenças. O “ataque” de ILDA inicia dentro da letra “O” em progressão contínua até o final da palavra. ILDA fez uso de um só ataque para escrever a palavra inteira. Já Chico Xavier inicia pelo lado de fora da letra e 8


a mantém aberta e isolada. Para dar continuidade ao grafismo, Xavier parte de um segundo ataque com a letra “r”. Essas peculiaridades sugerem gêneses de autores diferentes. O pingo no “i” de Ortensio feito por ILDA é realmente um pingo, o de Chico assemelha-se a um acento circunflexo. No corte do “t”, embora Perandréa tenha destacado que a trajetória de ambos está harmoniosa, bem como a direção do traço (o que é correto), há uma diferença a ser registrada: o traço de ILDA está agregado à letra, o de Chico está afastado do “t”. Isoladamente, esses detalhes podem não ter maior significado, pois os autores raramente escrevem com igual exatidão em textos diversos. Entretanto, se se perceber a tendência a repetir o maneirismo, aí passa a ter importância. No caso dos “tês” essas características não são notadas em outras reproduções da letra, nem em ILDA nem em Chico. Mesmo assim, há algumas curiosidades a ser destacadas. 1. ILDA tende a “economizar” traços: em palavras com mais de um “t” (como “tutto”) ela, em várias passagens, corta todos com risco único. Assim, no texto produzido por ILDA viva encontramos 4 palavras com “tês” cortados com um traço, e quatro com dois traços; em Chico Xavier tal não se repete, somente em palavras que os “tês” estão juntos, como “tutti”, os “tt”, por tendência natural da maioria dos escreventes, recebem um corte. Veja nas imagens a seguir: CHICO XAVIER

ILDA MASCARO

9


No texto psicografado há um segundo “Ortensio”, que se apresenta semirrasurado. Perandréa deveria ter analisado também este grafismo, porém dele não faz apreciação. Rasuras podem ser simples rasuras, mas, dependendo da circunstância significam indício de falsificação. No Ortensio recoberto, a similaridade do corte do “t”, que Perandréa destacou como ponto importante, não se repete, tampouco quaisquer das equivalências que detectou na comparação precedente. Na questão das rasuras, a psicografia feita por Chico apresenta dois grafismos com letras reescritas. A peça-padrão mostra que a escrita de ILDA era firme, sem vacilação e não ostenta remendo. Em alguns pontos, como na palavra parece ter havido repasse da caneta no “a” final, mas isso pode ser falha do instrumento de escrita. Já as retificações feitas por Chico são evidentes:

Palavra rasurada na psicografia (1)

Palavra rasurada na psicografia (2)

10


parte

Passemos, agora, uma vista d’olhos nos corpos das mensagens, para fins comparativos: Trecho da psicografia

Recado de ILDA em vida

Um dos tópicos da análise grafotécnica é o comportamento da escrita em relação à pauta e em relação à base do papel. Nestes quesitos registram-se diferenças perceptíveis. 1. a escrita de Chico Xavier nitidamente tende a decair na palavra final. No texto exemplificativo, essa característica se nota nos dois parágrafos da psicografia (aqui só apresentado o 1º). No último há um tendência ao equilíbrio em relação à pauta (imaginária) ou em relação à base do suporte gráfico (no caso, papel). Em ILDA registra-se propensão marcante para o alinhamento horizontal, junto com menor disposição à ascenção do traço. No recado vertido por ILDA, apenas a palavra “famigliar” é que decai, porém devido à intenção da escrevente em manter o termo na mesma linha. 2. outro aspecto típico das cartas psicografadas por Xavier, reside “esticamento” das palavras. Mesmo observando-se, nessa tentativa imitar a letra de ILDA, a diminuição dessa característica, ainda assim percebe que a grafia na mensagem psicografada é mais distentida que traço original de ILDA.

no de se no

Esses apontamentos denotam tendências genéticas distintas e, portanto, autores diferentes.

11


3ª parte Consideremos agora as assinaturas. Vejamos o que Perandréa tem a dizer a respeito:

PERANDRÉA: “Para os exames da autenticidade gráfica de uma assinatura, é necessário que se disponha de vários padrões, para os levantamentos das variáveis e constantes gráficas. No caso em questão, existe apenas um padrão, o que prejudica o exame. No entanto, constatam-se semelhanças nos gramas curvilíneos e retilíneos, com as mesmas tendências genéticas na formação do símbolo "I". Por outro lado, chama a atenção o fato de que, tanto na escrita padrão, como na escrita questionada, a assinatura é representada simplesmente pelo vocábulo Ilda.” É vero o que informa Perandréa. Os bancos costumam dispor de três modelos de autógrafos, a fim de efetuar reconhecimento seguro das assinaturas em cheques, contratos, cédulas de crédito e outros documentos. A assinatura de ILDA, se ela autografasse seus cheques conforme consta na carta, seria um problema para quem conferisse. Além de um autógrafo simples, fácil de ser imitado, ainda teria poucos elementos para fins de comparação. Em casos assim, geralmente as instituições financeiras solicitam ao cliente que pelo menos escreva o nome por extenso. Avaliemos as explicações do técnico:

PERANDRÉA: “constatam-se semelhanças nos gramas curvilíneos e retilíneos, com as mesmas tendências genéticas na formação do símbolo "I"”

Chico Xavier

ILDA MASCARO

Novamente, a afirmação de Perandréa é discutível. A escrita geral de ILDA é de predominância curvilínea, os traços retos são em menor número; em Chico a prevalência é a escrita angular (mais reto que curvo). embora na assinatura isso não fique muito claro, devido ao pouco material disponível, de qualquer modo, percebe-se a diferença de percursos dos traços seguindo-se o traçado de cada assinatura com o dedo, como se estivesse decalcando. Nota-se, ainda, que o grama que liga o “i” ao “l” (em “IL” de ILDA) é completamente diferente entre os dois grafismos. Registre-se, também, que ILDA precisou de um só “ataque” para fazer a assinatura; Chico, à primeira vista teria utilizado três ataques, pois o escrito parece estar interrompido, veja os pontos:

12


Entretanto, examinando-se com mais atenção, supomos que o ataque de Chico pode ter sido unitário, conforme a seguir demonstrado (nesse caso, as aparentes paradas seriam falhas do instrumento de escrita). Mesmo assim, é patente a progressão variada entre os dois autógrafos, conforme se vê nas figuras abaixo:

Chico Xavier

ILDA

Ressalte-se que, dada a simplicidade do traço, a assinatura de ILDA é relativamente fácil de ser simulada. Se alguém quiser fazer um teste, mostre os dois padrões a um caixa de banco, ou a oficial de cartório, e indague se se trata de autógrafo da mesma pessoa. Duvido que o conferente admita que as assinaturas provêm de igual fonte...

PERANDRÉA: “chama a atenção o fato de que, tanto na escrita padrão, como na escrita questionada, a assinatura é representada simplesmente pelo vocábulo ILDA.” Seria o caso de se perguntar: chama a atenção de quem, e para o quê? Sim, porque se ILDA assinava apenas o primeiro nome e Chico fez exatamente dessa forma, isso pode significar, dentre outras suposições, que o homem de Uberaba visualizara a escrita de ILDA antes de psicografá-la. Portanto, essa declaração não tem valor técnico, tampouco serviria de reforço à hipótese de que a psicografia seja verdadeira comunicação.

13


4ª parte Avaliemos outras “semelhanças” apontadas por Augusto Perandréa:

Escrita questionada (grafada por Chico Xavier)

Escrita padrão (feita por ILDA Mascaro em vida)

Escrita padrão. Perandréa destaca os termos “famiglia” e “famigliar” vertidos por ILDA e os compara com a escrita psicografada. A respeito deles afirma:

PERANDRÉA: “Todas as peças apresentam semelhanças nos gramas constitutivos do símbolo "f", inclusive no grama de ligação com a letra "a"; verificam-se, ainda, no símbolo "m", as mesmas formações de sentidos e tendências genéticas, com semelhanças também na inclinação dos eixos gramáticos.” Ora, uma descompromissada olhadela no “f” nos mostra coisa diferente. O “f” de ILDA é formado divergentemente ao de Chico. O próprio aspecto mostra isso. Veja abaixo as diferenças:

ILDA

ILDA

XAVIER

ILDA faz o “f” como se fora um “j”; o de Chico é mais estilizado; neste, antes do grama que parte para a letra “a”, existem dois “nós” bem característicos. O ataque inicial de ILDA situa-se próximo ao “tronco” da letra, o de Xavier é mais aberto. Se

14


pudermos verificar em outras reproduções desses grafismos as características observadas, teremos sobejas razões para discordar da declaração de Perandréa de que “Todas as peças apresentam semelhanças nos gramas constitutivos do

símbolo ‘f’”. Note-se, ainda, a progressão do traço de ILDA é desarmônica com a de Chico: do ataque inicial, ILDA parte em sentido ascendente (subindo) até o ápice da letra; de lá desce até a base, onde descreve curva para a esquerda, ou seja, para o lado de “fora” da palavra (Siga com o dedo o traçado). Chico inicia de um ponto mais aberto, segue em traço curvo-ascendente até um ponto de onde inicia a subida ao topo; de lá desce à base, descreve curva à direita. A propensão do “f” de ILDA é formar uma “barriga” na base da letra; o de Chico é dar um “nó” na base. Vejamos como se comportam os “efes” de ILDA e de Chico em outras palavras encontradas nos textos constantes do livro de Perandréa. Primeiramente Chico Xavier:

Agora, ILDA:

Percebe-se muito bem: nos “f” de ILDA estão presentes as características de assemelhar-se a um “j” e formar uma “barriguinha” na parte inferior e sair com o traço para a esquerda. Os de Chico variam: em dois espécimes o traço é rápido, quase “nervoso”; nos outros três o traçado é peculiar e em nada assemelhado ao de ILDA: e a saída da base é sempre para a direita. Quanto a inclinação Perandréa está correto, realmente se equivalem, porém isso é pouco em vista das dessemelhanças.

15


Observe-se que ILDA mostra claro pendor para redigir as palavras com um só ataque; em Chico as paradas e retomadas são evidentes, e isso pode ser considerado divergência geral entre os escritos dos dois autores. Nos exemplos destacados, coisas parecidas podem ser ditas sobre a letra “g”. Apenas no segundo “figli” traçado por Chico há ligeira semelhança entre os “gês”, embora este seja anguloso, enquanto o de ILDA é curvilíneo. Portanto, fica prejudicada a assertiva de Perandréa de que as letras “f” grafadas por Chico e as traçadas por ILDA se harmonizam. O perito também destacou haver equivalência na formatação da letra “t”, o que considerou “característica marcante”, conforme se vê:

PERANDRÉA: “Em todas as peças, as características gráficas mais marcantes se apresentam nos símbolos "t", onde são constatadas igualdades de formação nas hastes, com as mesmas situações, proporcionando os mesmos ângulos de aberturas. As barras nos cortes desse símbolo mantêm a mesma altura e situação. Observa-se, ainda, a tendência da utilização de uma única barra no corte de duas letras "t".” Confirmemos se é do modo como foi declarado: Escritas questionadas (CHICO XAVIER)

Escritas padrão (ILDA MASCARO)

Curiosamente, Perandréa tem olhos para as similaridades e olvida ostensivamente o que está desarmonioso. Examinemos por partes a declaração:

PERANDRÉA: “as características gráficas mais marcantes se apresentam nos símbolos "t", onde são constatadas igualdades de formação nas hastes, com as mesmas situações, proporcionando os mesmos ângulos de aberturas.” A afirmação do técnico pode ser aplicada aos “t” iniciais das palavras cotejadas, porém, os “t” internos, de modo algum, conformam com o alegado. Acompanhe na tabela seguinte:

16


Letras “tt” em Chico Xavier

Letras “tt” em ILDA

O traço de Chico inicia num pequeno gancho ao lado direito da haste; desce até a base, onde forma outro gancho que sobe para formar a segunda haste. Esse grama de ligação entre os dois “t” só se vê no início do traço, mas, mesmo assim, é possível visualizar a mecânica da formação das letras, ilustradas a seguir (visto isoladamente o traçado lembra o de um “H”); compare-se com o tracejado de ILDA (os “tt” de ILDA lembram a letra “U” com um corte):

CHICO XAVIER

ILDA

PERANDRÉA: “As barras nos cortes desse símbolo mantêm a mesma altura e situação. Observa-se, ainda, a tendência da utilização de uma única barra no corte de duas letras "t".” Perandréa insiste na similaridade entre as barras de corte nos “tês”, porém “esquece” dois aspectos importantes: 1. Conforme demonstrado, em várias passagens do texto de ILDA, ela utiliza uma única barra para cortar três “t”; em Chico não há um único exemplo desse procedimento; 2. ILDA sempre realiza os cortes nos “t” depois que termina de escrever a palavra; Chico sempre efetua os cortes logo que termina de grafar os “t”. Observe que o traço de ILDA é único, do início ao fim do grafismo. Ela retira o instrumento de escrita do papel após registrar por inteiro o vocábulo, só então retorna para dar os cortes nos “t”. Chico Xavier, invariavelmente, pára após fazer as letras, aplica o corte e, então, dá continuidade ao escrito (apenas no primeiro “Ortensio” é que não acontece assim). É importante dar destaque a esta peculiaridade do traço de ILDA, que Perandréa parece não ter notado, e que reforça a convicção de que os dois escreventes são distintos, tanto em personalidade, quanto, consequentemente, em caracteristicas redativas: é nítida a tendência de ILDA de registrar as palavras com um único 17


fôlego redativo; Chico Xavier, não, costuma utilizar dois, três ou mesmo quatro ataques. As alegadas equivalências e harmonias apontadas por Perandréa − e ora questionadas −, têm por fito amparar a conclusão por ele prolatada, qual seja:

PERANDRÉA: “A mensagem psicografada por Francisco Cândido Xavier, em 22 de julho de 1978, atribuída a Ilda Mascaro Saullo, contém, conforme demonstração fotográfica (figs. 13 a 18), em "número" e em "qualidade", consideráveis e irrefutáveis características de gênese gráfica suficientes para a revelação e identificação de Ilda Mascaro Saullo como autora da mensagem questionada.” Baseado no que se apresentou, dispomos de elementos suficientes para extrair outra conclusão, que assim pode ser resumida: muito pouco de ILDA MASCARO se encontra na mensagem psicografada por Chico Xavier. Ao que, podemos acrescentar: a mensagem vertida por Chico Xavier demonstra clara intenção de simular a letra de ILDA MASCARO, sendo fora de dúvida que não foi a referida ILDA a autora da missiva.

18


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.