Verborhagia #4

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Revista eletr么nica de Literatura

Verborhagia


Depois do pleito eleitoral, depois do sangue, da vendeta e da vitória. Depois do Sarau (gracias, Reino de Zeus e Priscila Meira), do zine, da matéria no blog da biblioteca da Casa de Cultura Mário Quintana (obrigado, Thaísa Gonçalves), do inverno e da lua minguante: #4. Agradecemos aos leitores e colaboradores pelos rascunhos, textos e sorrisos. Entrem, venham, gostem. Mais uma capa linda feita por Susi Dohrn. Ano 1, n. 4, outubro de 2014 Lisiane Andriolli Danieli Marcelo Martins da Silva Participe: www.facebook.com/Verborhagia verborhagia@gmail.com


Os muros de ouro do céu III Daniel Rocha não consegue ser conciso, então é melhor parar por aqui. Se quiser mais, tem um conto ali ao lado. Um acidente Marcelo Martins acredita em sereias e dá umas braçadas no mar. Praia invernal Lisiane Andriolli Danieli escreve diferente enquanto ama, e gosta disso. A guerra é feita por homens André Luiz Costa escreve ficção desde 1991. Lá estava ela Cristina Arena Forli queria ser vento. Enquanto não consegue procura o que há de seu por aí.


Entre os miasmas Lígia Sávio leciona Português e suas Literaturas. Escreve contos e poemas e participou de algumas antologias independentes. Acredita que a Literatura preserva o que é humano e abre sempre novos caminhos no mapa de nossa sensibilidade e consciência. Verídicamar Vinícius Lobato é causa e efeito. A batida e a amnésia. O denso e o suave da pedrada. É uma transversal mesclada de música e cinema. Sua paixão é escrever. A espera Ana Dundes vem assumindo seu lado Don’ana. Na adolescência fugiu da roça, com medo de virar árvore. Mas hoje, a cada chuva, seus pés se enraízam e as unhas florescem. Gosta de café forte e de olhar caramujos farejando manhãs.


OS MUROS DE OURO DO CÉU Parte III de III Quando Lorenzo acordou, os ponteiros marcavam quatro horas. A tarde se estendia para além da janela e do sofá em que estava deitado. Ao seu redor, uma sala humilde, porém confortável. Sentou-se, os pés encontraram o tapete de palha do chão. O clima era de um agradável frescor, decorado com um suave perfume de jasmim. Ella chegou silenciosa até constatar que seu hóspede já havia acordado. Trocaram cumprimentos. Lorenzo fez perguntas. Segundo Ella, depois que Lorenzo desmaiou no bar, os seguranças quiseram jogá-lo na rua, impedidos unicamente porque a mulher disse ser ele seu conhecido. Já passava das cinco horas quando Lorenzo e Ella se beijaram, perto da lareira que seria acesa, alguns meses mais tarde. Viram o pôr do sol, depois a lua e as estrelas. E sob o cobertor do céu noturno, amaram-se. Tanto quanto um espírito pode amar outro, amaramse. De todas as maneiras e por todo o tempo que fosse, amaram-se. Lorenzo parecia viver um transe permanente, em que tudo o que mais temia era ser acordado. Assim foi na primeira noite, assim foi nas primeiras semanas. Continuou indo trabalhar normalmente, apenas havia mudado de residência. De família. De vida. Era

como se tivesse vivido desde sempre aquela existência. Em um ou outro momento qualquer, lembrava-se de Acácia. Até então não havia levado em consideração uma coisa: durante aquela semana, ele não havia visto ou falado com a agora ex-esposa ou sua mãe. Será que ela não estava mais lá? Será que ela já não estava na casa desde o primeiro dia, quando ele voltou tarde e julgou estarem as duas trancadas em seu quarto? Será que ela sequer existiu? A vida de Lorenzo não podia estar melhor. Ella era inteligente, divertida e esposa dedicada. E linda. Ella era linda. Ao sair do trabalho, Lorenzo pegou um ônibus errado e passou pela rua onde morava. Qual não foi seu espanto ao descobrir que a rua inteira não mais existia. Em seu lugar, apenas um vasto terreno baldio. Chegando em casa, discou o número de seu telefone. Ella preparava a janta na cozinha, alheia à perplexidade de Lorenzo. O telefone chamou seis, sete vezes. Quando finalmente o gancho foi levantado do outro lado da linha, uma voz masculina foi ouvida. Desconhecida. Lorenzo perguntou por Acácia, ninguém com aquele nome morava ali. Lorenzo desculpou-se pelo engano e já ia desligar, quando, por exclusiva curiosidade, perguntou de onde estavam falando. Responderam que era de uma padaria. * * *


Um ano se passou. Lorenzo e Ella viviam um para o outro, saíam pouco de casa. Não discutiram uma vez sequer e depois daquele telefonema, jamais Lorenzo havia pensado ou mesmo se lembrado que conhecera Acácia. Até o dia em que Ella começou a sentir fortes tonturas e enjoos frequentes. A partir dali, seus sintomas foram progredindo num crescente interminável. Lorenzo, muito preocupado com o estado de saúde da mulher, levou-a para uma série de exames no hospital da cidade. O boletim chegou pelo correio. Lorenzo chegou do trabalho e foi direto para a cozinha, pois estava faminto. Ao abrir da geladeira, ouviu um choro feminino. Correu até o quarto. Ella estava com um papel na mão. Ficou claro que algo terrível havia acontecido. Lorenzo estancou em frente à cama, com medo de ler o boletim. Tentou acalmar Ella, mas ele próprio estava desesperado. Movido por força sobre-humana, arrancou o papel das mãos da mulher. O terror chegou rápido aos seus olhos: Ella havia contraído uma doença venérea muito rara, que destrói os órgãos internos em poucas semanas. Sem cura. Lorenzo caminhou na direção de Ella, mas foi contido por súbito pensamento: se ela havia contraído a doença, ele também havia. A mulher olhou para ele, esperando o abraço que não chegou. Notou a expressão inquieta no rosto de Lorenzo, que saiu do quarto e foi dormir na sala.

Cedo da manhã, Lorenzo não foi trabalhar. Tampouco tomou café com Ella. Apenas contemplava o branco melancólico das paredes hospitalares, enquanto aguardava o médico. A porta se abriu, ele entrou e sentou em frente à mesa do consultório. Entregou o papel. O médico leu e pediu uma série de exames para Lorenzo, que levariam o restante do dia. No fim da tarde, os exames já estavam prontos e Lorenzo retornou ao consultório. O médico examinou a todos eles, meticuloso. Ao terminar, ergueu o semblante na direção de Lorenzo, cujos traços pálidos não conseguiam ocultar a angústia. “Sinto muito”, disse ele. Lorenzo estava contaminado. Teria, no máximo, um mês de vida. A mulher idem. Restava saber apenas quem morreria primeiro. * * * Lorenzo chegou em casa tarde. Ella estava tossindo muito. Ele apanhou um copo de água gelada e foi para a frente da casa, indiferente. O que seria pior: morrer antes ou ficar vivo uma semana a mais que a mulher, vê-la sofrer, morrer, para depois sim ver sua própria vida terminada? Nas três semanas seguintes, Lorenzo desenvolveu verdadeiro asco por Ella. A sua presença gerava raiva, mau humor. Julgava ela culpada. Uma maldição. Uma aberração. Come a


Começou a notar suas unhas roídas, seus cabelos quebradiços, algumas cicatrizes, imperfeições nos cílios. Os efeitos da doença não tardaram a chegar para ele também. Tudo o que comia, era vomitado cinco minutos depois. Ao normalizar seu estômago, xingava Ella com todos os impropérios quanto lembrasse, alegando que sua comida era um lixo e por isso ele vomitava todos os dias. Seu corpo doía, seus ossos pareciam feitos de vidro, esperando serem quebrados. Lorenzo já não saía mais de casa, há muito que não ia trabalhar. Ninguém ligou ou veio procurar por ele. Batia os pés no chão ruidosamente, fechava portas com violência. Quantos dias ainda teria? Ella piorava mais e mais, a dor que sentia obrigava ser demonstrada através de gritos e gemidos intermináveis, o que só fazia aumentar a cólera de Lorenzo, que há muito deixara de dormir no mesmo quarto. Os dois não se falavam mais, exceto quando Lorenzo a insultava, histérico. Manchas pelo corpo dos dois apareceram e se multiplicaram. A loucura de Lorenzo crescia em estágio acelerado. Amaldiçoava a si mesmo todos os dias, o dia inteiro. Por que foi entrar naquele bar? Por que não voltou para Acácia, sua amada esposa? Sim, amada esposa. Seria preciso morrer para dar valor à vida que tinha? Rolando na areia avermelhada do páti

pátio, chorou. E gritou, jogando punhados para cima. Até começar a rir, fora de si. Fechou os olhos. Quando abriu, havia alguém ao seu lado. Ele se virou e enxergou: o homem loiro que havia começado tudo aquilo. Lorenzo ficou sobre os cotovelos num súbito. Estava imundo. O homem o cumprimentou e ajudou a levantá-lo, pois nem para isso Lorenzo dispunha mais de forças. Foram juntos caminhar. — Você quer voltar? – disse o anjo, interrogativo. Lorenzo se pôs a chorar, desta vez mais afetado. — Já era esperado que você fosse se arrepender. Por isso eu estou aqui. Serei breve: vou aparecer em sua casa, exatamente às duas horas da madrugada. Esteja pronto. Você vai voltar para sua vida normal, como se nunca tivesse saído de lá. — E Ella? – perguntou ele, enxugando as lágrimas. — Não se preocupe. Quando você voltar, não se lembrará de nada. Quase como se tivesse sido um... Sonho. * * * Lorenzo sabia que Ella dormia cedo, até porque andava com muito sono ultimamente. Ficou na sala, desde cedo, aguardando. Algo dizia para ele ficar, talvez um remorso, um sentimento que ele não conseguia explicar e sequer sabia se existia. Ella abriu a porta de seu quarto e antes de entrar, virou para Lorenzo e disse:


— Tomara que eu morra esta noite e que você viva mais muitos anos para se lembrar de mim. E bateu a porta. Lorenzo não disse nada. Mas naquele momento sua decisão foi tomada. Tentou cochilar para acelerar o tempo. De nada adiantou. A cada cinco minutos verificava o relógio. Sua respiração era fraca, mas decidida. Olhou para a sala, para o sofá em que beijou Ella pela primeira vez, depois para a cozinha, em que a xingou pela primeira vez. Uma sucessão de imagens em alta velocidade povoou sua mente, ajudando-o a passar o tempo. Quando finalmente ouviu algum barulho vindo do pátio, o relógio marcava duas e dez. Lorenzo levantou-se, caminhou até a porta e avistou o homem. Prosseguiu em sua direção. — Está atrasado – disse. O homem sorriu, sem responder. Esticou a mão para cumprimentar Lorenzo que a segurou firme, parando em sua frente. E o agarrou pela gola com violência. O sorriso no rosto cedeu lugar a uma expressão confusa. Lorenzo aproximou-se ainda mais dele, mão já no pescoço, dizendo: — Nunca mais volte aqui, está me entendendo? – Lorenzo desferiu brutal empurrão contra o peito do homem, que tombou sobre a terra. Deu de costas e voltou para dentro da casa, trancando a porta. Caminhou silenciosamente até o quarto e depois até Ella deitada na cama, com o corpo recolhido. Com cuidado, ele se deitou

ao lado. Beijou-lhe a testa e envolveu-a com seu braço, segurando com delicadeza sua mão. E ele abraçou Ella. Para sempre. Além dos muros de ouro do céu.

Daniel Rocha


UM ACIDENTE Provavelmente, logo adiante, um acidente. motor engasgado, ultrapassagens sonolentas. o raio rabiscado em lousa pálida cortou o céu e quebrou o vidro dos automóveis. lamento. cultivo esse lamento de dores épicas, de vértebras, lutas políticas, das coisas fixas. luto por você. Um acidente. um buraco tão grande que mal posso vêlo, talvez tão grande que pare de doer sem que eu perceba, sem que o vento pare de ser honesto , sem me fazer sentir o esforço das roldanas da escada rolante, a voz do Lenon cantando "All I Want Is You", a ansiedade de quem espera o sinal abrir. Generoso acidente da memória. o farol bateu meu rosto, a luz explodiu. fomos condenados, pois os mortos não morrem, misturados em carne, madeira e ferro; setembro, outubro e primavera. A chuva é um copo d’água do teu corpo.

Marcelo Martins


Guarda aqui dentro O coto amputado Recebe meu beijo Lá onde é verde Na copa das árvores Pássaro preto Liberta a gaiola Pega aqui dentro Metal e promessas Silêncio sem fim O copo vazio De nuvens afetos nem ódio nem frio de olhos abertos te peço aqui dentro morre

Marcelo Martins


Ela livre voava como todas pela praia vazia; imensidão do céu azul, nublado ou ensolarado todo dela. A garça na areia asas abertas bico e peito riscados de vermelho já não é mais nada.

Lisiane Andriolli Danieli


Areia Ăşmida da praia mar imenso vazio ondas fortes barulho sonolento. Andando sozinha pensa sobre a vida que teria se vivesse sempre ali

Lisiane Andriolli Danieli


A GUERRA É FEITA POR HOMENS Colocou o rifle em suas mãos e disse: Mostra algum valor. O peso da responsabilidade fez com que não entendesse a frase. Para quem deveria mostrar valor? Havia prometido mesmo isso, mas em outro momento, antes que as circunstâncias reais moldassem a sua visão. Agora era diferente, a experiência e o amadurecimento se intercalaram, não permitem mais acreditar no significado ilusório da guerra, na promessa de um futuro cada vez mais distante. Com as mãos amarradas atrás das costas, ajoelhado, o prisioneiro esperava. Peito e braços nus, não era mais do que ossos despontando sob a pele esverdeada. Um sussurro fragmentado e detestável movimentava o capuz preto que encobria a sua cabeça, talvez ele estivesse rezando. Longe, ecos de cães latindo provavam que a vida ainda era a mesma em algum outro lugar. Olhou para a esquerda e percebeu que havia algo irônico na postura dos soldados, alinhados em fila, posição de sentido, uma espécie de empedramento na respiração. Todos muito companheiros desde o início da guerra, era estranho que agora ele estivesse excluído do grupo, isolado em uma tarefa desproporcional à camaradagem deles. Escutou uma tosse atrás de si. Virou a cabeça. O general sorria, dentes escurecidos, rosto marcado por rugas e cicatrizes.


Precisava mostrar o seu valor. Mas que valor era esse, o que ele provava? A guerra é entre nações, não entre indivíduos. Tomar alguém por representante de seu país e o matar por isso poderia ser considerado injusto. O preso não está respondendo por suas próprias ações, não pode ser julgado com imparcialidade ou bom senso. Parecia irracional matar alguém assim, desarmado, sem comer direito, com medo, por pura demonstração de fidelidade a uma causa que já não se sustentava. Tudo o que o ligava ao compromisso daquela guerra eram palavras vazias ditas em frente a uma bandeira. Da mesma forma, se não cumprisse com a sua função, seria ele ali, ajoelhado, traidor. E ninguém parecia notar que o prisioneiro talvez tivesse uma mãe, um pai, esposa e filhos, amigos que sentiriam a sua falta, planos de vida também deixados de lado por causa da guerra, que talvez fosse mesmo um homem religioso, gostaria de se confessar antes de morrer e de ouvir palavras tranquilas. Ele sabia que se qualquer um dos seus companheiros de batalhão estivesse no lugar do prisioneiro também pensaria na família, em coisas que ficaram para trás, por mais honrado que estivesse em morrer defendendo uma causa abstrata, algo dentro de si iria se arrepender de estar ali. A consistência de suas mãos era cada vez mais mole, o corpo inteiro concentrado em tomar a decisão. Sentia todos os olhares e expectativas, não era a hora certa para titubear. Ouviu uma risada enrouquecida de cigarros velhos. O general, com três passos e o braço estendido, tirou o rifle dele.


Covarde. Pensou que era agora. O disparo certeiro da execução. Mas, em vez disso, a risada do general contagiou os soldados. Todos estavam rindo, menos ele, o único a não compreender as ordens para que o prisioneiro, tremendo de alívio, balbuciando palavras insondáveis, fosse levado de volta, para que lhe dessem comida e água. Na passagem, dois ou três companheiros bateram em seu ombro como forma de consolo. E menos de dois minutos depois, todos já haviam entrado no prédio que servia de quartel. Sozinho, ele ainda ficou um tempo imóvel no pátio, olhando para o chão, sem entender que aquilo não significou nada.

André Luiz Costa


LÁ ESTAVA ELA lá estava ela a duas quadras de casa queria encontrar teresa mas já não podia já não podia sorrir porque seus lábios não correspondiam a essa forma dançar também não podia suas pernas não sabiam mais a única coisa que podia era fugir corpo pele pó palavra chão ali, confundindo-se com a dureza, estava viva ali, na mistura de líquidos, na formação de uma nova cor aurora primaveril ali, deixou-se, pela primeira vez, ser

Cristina Arena Forli


Entre os miasmas e o magma-núcleo, centro de tudo, existem muitos “emes”. Inclusive o de “merda”, matéria pastosa onde tentam te fazer submergir. Merda de tudo e de todos. Mas nem a essa facilidade pantanosa e macia tens direito, nem penses em desejar a morte como descanso porque não tem descanso. Manter-se como um junco que sabe dobrar-se suavemente à brisa. Dançar conforme a música, mas não afundar é coisa pra gente com pele de cobra que troca de casca de vez em quando. Atravessa regiões putrefatas, sem te iludires. Não vais encontrar os “lírios que nascem no lodo” (isto era só o nome de uma novela de rádio). Ninguém terá pena de ti.

Lígia Sávio


VERÍDICAMAR Pode até sangrar Do ácido sem reparar Sem importar Se em ebulição ficar Se instantanizar as aparências A ciência da rotina queimar Ou às mentiras costumar Será humanizar até enterrar Das cinzas a terra drenar Pois do visceral vai entoar - Autenticar é amar E o resto é restar, acomodar

Vinícius Lobato


A ESPERA

a cabeça pende, pesa sobre o corpo débil. as mãos e os pés, agora de chumbo, não obedecem. e os velhos joelhos, por mais que quisesse, endurecidos, não se vergam mais. herança do orgulho talhado ao longo de sempre. as forças se foram. sob as pálpebras caídas, as vistas só veem o cinza de dentro. rumores de remorsos, como fantasmas de chinelos, arrastam-se pelo corredor. a culpa urra no ouvido, não há misericórdia.

e a morte, companheira desses tantos últimos dias [que pingam em conta-gotas], fita-lhe pela janela, fria e cruel. observa, as penas do velho que lhe aguarda, como menino que espera o brinquedo. é Ela agora a única mão.

Ana Dundes

mas Ela, todas os dias quando a noite cai, lhe sussurra no ouvido surdo: “ainda não”.


TEXTURA Para onde vão as formigas Que caminham na calçada? Sobre a superfície áspera de cimento Bailam cambaleantes Bêbadas e apressadas Rastreiam as rusgas [Indiferentes ao olhar que vem do alto] Miúdas, vasculham os vãos Vão e voltam Leves e ligeiras Agora escalam a pele Quase imperceptíveis Imersas em si, buscam Incansável zizaguear Sob o sol morno [na pele e na calçada] Sobre o deserto de pele e areia Flutuam indiferentes à ignorância Do olho que não vê Minúsculas intenções

Ana Dundes


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