Vida nova nº 7 janeiro de 2015

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Nº 7

Janeiro de 2015

Pelas Ruas da Amargura A sociedade açoriana continua mergulhada numa profunda crise que é resultado das políticas que têm sido seguidas quer pelo governo da república da responsabilidade do PPD/PSD e do CDS/PP, partidos que estão ao serviço do capitalismo selvagem que domina todo o mundo, e do PS, partido que se diz socialista, que se afirma seguidor da social-democracia mas que na prática é o melhor gestor do capital. Ao contrário do que é propalado pelos propagandistas dos governos e dos partidos que os suportam, a crise para as famílias das classes trabalhadoras continuou em 2014 e vai continuar em 2015. A esmagadora maioria das pessoas, mesmo as que estão a passar por muitas dificuldades, estão apáticas, não reagindo com vista a alterar a situação atual pois vivem ludibriadas, esquecendo-se que quem está a dar esmolas e a fomentar a caridade são os mesmos que criaram a miséria em que vivem. Hoje, o medo e a submissão estão instalados na sociedade. Os partidos, mesmo os que dizem representar os trabalhadores, preocupam-se unicamente com a ocupação de postos no aparelho de estado, os sindicatos estão enfeudados aos partidos e as cooperativas transformaram-se em empresas capitalistas ao serviço de uns poucos. A sociedade açoriana só se conseguirá libertar das grilhetas se for capaz de gerar espaços autónomos de educação, formação e luta por melhores condições de vida. Este número do Vida Nova é inteiramente dedicado à educação, nomeadamente a dar a conhecer um pouco quem foi Francisco Ferrer. José Libertário

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Sobre Ferrer … A morte dos apóstolos e o triunfo das suas ideias …

Este artigo podia começar com as mesmas palavras com que eu principiaria um capítulo das minhas memórias…

geórgico panorama da terra nativa, não conhecia o monarca que deixou medrar ao seu lado o dragão da tirania, nem tampouco o reformador que adorava a Liberdade. Eu também não os conhecia – a sombra desses dois homens não se havia projectado ainda sob o ciclo dos meus dez anos escassos. Mas as notícias da morte de D. Carlos, as notícias da morte de Ferrer, chegaram até à aldeia como o regougar dum vulcão, – e sob o vale tranquilo estenderam-se as asas translúcidas dum terror longínquo. O povo tinha a sensação de quem sabe que, a determinada hora, dar-se-á uma tragédia estranha em ignoto lugar, – uma tragédia que sentimos mas que não podemos evitar, pois ela é apenas uma enunciação; um fluído errante…

Isto porque a morte de Ferrer e a morte de D. Carlos são as únicas sensações vivas, nítidas, que nos arquivos da memória eu guardo da minha infância, tão querida e já tão distante, tão esfumada já nos horizontes da saudade. Fuzilaram Ferrer… Assassinaram D. Carlos… O povo da minha aldeia remota, costumado apenas a contemplar o Vida Nova nº 7 Janeiro de 2015

Eu senti também esse terror, esse mistério que pairava sobre o povo e que o povo não sabia explicar – pois para ele o mundo terminava para além da pequena serra que debruava a aldeia. E eu nunca mais esqueci esses dois momentos. E hoje que os posso definir, analisar o ambiente que os gerou, eles vivem ainda intensamente em mim, – um – o de D. Carlos – ligado por estranha coincidência á recordação dum Página 2


pombal, onde havia pombas brancas, muito brancas e junto às quais eu soube do assassinato do monarca. D.Carlos foi assassinado em nome da Liberdade, – e já entre os romanos, que ainda hoje detêm certos códices de direito que a justiça contemporânea não desdenha de estudar e seguir, abater a um tirano não era um crime – era uma acção nobre. Brutus era considerado filho de César e deste havia recebido imensas benesses. Mas quando César quis ultrapassar os domínios do próprio despotismo, Brutus não vacilou em assassiná-lo. Francisco Ferrer y Guardia, ao contrário de D. Carlos, foi fuzilado em nome da Tirania – dessa tirania negra que usa mitra e báculo e que se chama a igreja. A igreja seria a maior vergonha de deus – se deus existisse. Estas duas anotações feitas á margem das sensações da infância, explicam o terror que envolveu a minha aldeia quando fuzilaram a D. Carlos e a Ferrer – a Ferrer a quem a minha aldeia não conhecia e de quem nunca tinha ouvido falar… Mas que lugar da península, embora mui remoto, não teve a noção, por um estranho fenómeno de telepatia colectiva, que ao matarem Ferrer tentaram apagar a um vulcão?

chamas duma nova ideia! Como se eles pudessem deter essa torrente incandescente de lava que principiava a invadir tudo e que não se deteve ainda! Há mortes que são precisas – a morte dos apóstolos de qualquer ideia. A igreja, ao mandar fuzilar a Ferrer, em nome de velhas doutrinas, lavrou a sentença de morte dessas próprias doutrinas e deu vida àquelas que Ferrer defendia. A igreja crucificou-se mais uma vez sob essa cruz de ignomínia e de olvido que ela quis erguer para Ferrer. E a Espanha clerical e burguesa viu a sua atitude repudiada por todo o mundo culto. E as ideias da vítima tiveram novos adeptos, encontraram novos horizontes. Marcharam para o triunfo. É-me consolador assinalar isto, agora que passa o aniversário da morte de Ferrer, – agora que a Espanha comemora a descoberta da América, onde ela desfraldou impunemente as bandeiras negras da Tirania e da Expoliação. FERREIRA DE CASTRO Fonte: http://colectivolibertarioevora.wordpres s.com/2014/10/13/efemeride-ha-90anos-ferreira-de-castro-escrevia-nosuplemento-da-batalha-sobre-ferrer-yguardia/

Como se esses risíveis bombeiros clericais pudessem exterminar as

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Ferrer executado …

Francisco

Ferrer

i

Guàrdia

tentativas para derrubar do poder a

*Fundador da Escola Moderna foi

monarquia

e

que

visavam

a

executado há um século

instauração da república em Espanha.

Devido à sua atividade política e social, foi

exilado

onde

em

conheceu

preconizado

Paris, o

pelos

ideal

em

1886,

libertário

anarquistas

e

identifica-se com Paul Robin, o teórico da Pedagogia

Integral e fundador

do Orfanato de Cempuis na cidade de Paris. Se muitos conhecem o filósofo Jonh

Em abril de 1901 Francisco Ferrer i

Dewey ou o pedagogo brasileiro Paulo

Guàrdia recebe uma herança de uma

Freire, a maioria desconhece que o

viúva francesa a quem dava aulas de

inspirador

castelhano

destes

reputados

em

Paris.

Aos

que

pensadores foi o catalão autodidata

tratavam de o convencer em utilizar o

Ferrer i Guàrdia (1849-1909).

dinheiro

para

fins

eleitorais,

como o líder republicano-socialista O

criador

Moderna,

radical Alejandro Lerroux responde:

fundamentada em ideais libertários,

"Servirei melhor as minhas ideias

nasceu a 14 de janeiro de 1859, em

fundando a Escola Moderna do que

Alella, na Catalunha. Na adolescência

fazendo política".

começa

a

da

Escola

contestar

o

regime

monárquico e o poder da igreja sobre o

No seu livro La Escuela Moderna,

Estado

os

Ferrer definia assim o objetivo da

cidadãos. Através da sua ligação com os

Escola Moderna: "Extirpar do cérebro

republicanos,

dos homens tudo o que os divide,

e

participa

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em

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substituindo-os pela fraternidade e a

manuais escolares, livros para adultos,

solidariedade

folhetos, informações e um boletim.

indispensáveis

para

a liberdade e o bem-estar gerais para todos."

Aos domingos funcionava como uma universidade popular acessível a todos.

O ensino ministrado seguia as seguintes orientações:

o

aluno

é

livre,

livre inclusive de deixar a escola. O aluno goza de uma ampla liberdade de movimentos: vai ou não ao quadro, consulta

ou

não

este

livro, entrega-se às

ou

aquele

suas fantasias

quando isso lhe agrada, e até pode sair da sala de aula quando tem vontade de

o

nem

fazer. muito

Não

havia

menos

exames,

castigos

e

recompensas.

Além disso, Ferrer é defensor da educação física e da natação, ao mesmo tempo que rejeita os jogos e as provas de

competição

que

servem

para

Na realidade, a Escola Moderna foi um

alimentar

importante

educação

participantes. Estimula os trabalhos

ensino

manuais para os rapazes, assim como a

foco

popular:

de

constituída

por

a

glória

dos

seus

primário, foi a primeira escola mista na

jardinagem,

Espanha (inédito na época em muitos

trabalhos domésticos, uma forma de

países europeus), de dia era para

nivelar ambos os sexos na execução

crianças e à noite para adultos; teve

das mesmas tarefas.

aulas

de

francês,

de

a

limpeza

e

os

inglês,

alemão, taquigrafia e contabilidade;

O local escolhido para a instalação da

estava

primeira

onde

apetrechada se

com

realizavam

um

local

conferências,

escola

foi

um

antigo

convento da rua Bailén, na cidade de

vocacionado para os sindicatos e as

Barcelona,

coletividades operárias; tinha ainda uma

portas a 8 de outubro de 1901.

editora

a

fim

de

suprir

tendo

aberto

as

suas

a

crônica falta de material didático, e

Não é de todo alheio à Escola Moderna

graças

e aos

à

qual

foram

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editados

seus

ideias o fato

de a Página 5


Catalunha ter estado na vanguarda das

bombista

lutas

bibliotecário

emancipadoras

nos

últimos

cem anos.

de

Mateo

Morral,

da Escola Moderna, contra a carruagem real

no

dia

da

casamento

de

Em 1905 a Escola Moderna espalha-se

Alfonso XIII. Ferrer i Guàrdia é detido

por

e

147

espaços

por

toda

a

processado

como

instigador

do

Catalunha. Em 1908 contam-se mil

atentado. Absolvido das acusações,

alunos só na cidade de Barcelona, e

Ferrer sai da prisão em junho de

criam-se centros de ensino do mesmo

1907, mas a Escola-mãe em Barcelona

gênero em Madri, Sevilha, Málaga,

jamais

Granada,

Cádiz,

Córdoba,

reabrirá

portas.

Palma,

Valência, assim como noutros países

Ferrer promove a criação da revista

(em

L'École Renouvée com o subtítulo

São Paulo, Lausanne, Amsterdam e

"extensão

Lisboa).

Moderna de Barcelona", cujo primeiro

internacional

da

Escola

número é editado em Bruxelas a 15 de abril de 1908 e onde explicitamente se defendia que o militarismo era um crime, que a distribuição desigual dos rendimentos devia ser abolida, que o

sistema

capitalista

era

prejudicial aos trabalhadores e que a política

dos

governantes

injusta.

Também

defendia

a

era não-

violência.

Ao

fundar

em

1908

a

"Liga

Internacional para a educação racional da infância" conta com apoiantes de peso como Languevin, Bernard Shaw, Berthelot e Gorki. Em junho de 1906, o governo espanhol fecha Bailén,

a na

escola-mãe,

na

rua

de

No ano seguinte, vários protestos

seqüência

do

atentado

eclodiram na Catalunha contra a guerra

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da Espanha com acontecimentos como

Marrocos.

ficaram

Semana

Estes

conhecidos

Trágica

e

foram

marcados pela revolta da população de Barcelona

que

queimou

igrejas

se

unicamente

numa

denúncia

formulada numa carta remetida por prelados

de

Barcelona.

e

conventos, obrigando as autoridades a abandonar

a

cidade. No período da revolta, Ferrer encontrava-se de visita a um irmão que morava em Barcelona. A repressão que se seguiu à Semana Trágica prendeu e condenou dezenas de pessoas, entre elas Ferrer, preso no dia 1 de setembro. O Tribunal de Guerra reunido para os julgamentos aplicou penas que variavam de prisão perpétua à execução.

A

favor

de

Ferrer

levantaram-se vozes em várias partes do mundo,

inclusive

no

Brasil.

Mas

para que a 'ordem' monárquica e eclesiástica

se

restabelecesse

era

imperioso que Ferrer fosse julgado no Tribunal

de

Guerra,

sem

testemunhas de defesa.

Guerra abriu a sessão e ouviu as testemunhas

final: a pena de morte. A execução ocorreu em 13 de outubro de 1909, na Fortaleza de Montjuich.

*agência de notícias anarquistas-ana*

Eolo Yberê Libera

No dia 09 de outubro, o Conselho de

contraditórias

No mesmo dia foi dado o veredicto

que

acusavam Ferrer. A acusação que pesava sobre Ferrer de ser o líder

Fonte: http://redelibertaria.blogspot.pt/2009/10 /francisco-ferrer-i-guardia-fundadorda.html

intelectual da Semana Trágica baseava-

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O assassinato de Ferrer nos Açores

O assassinato de Ferrer foi condenado,

O

entre outros, pelos jornais “Vida Nova”

proprietário e diretor era o socialista

e “O Repórter”.

Alfredo da Câmara, no dia 24 de

jornal

“O

Repórter”,

cujo

Outubro de 1909, publicou um texto onde a dado passo pode ler-se: “ não é impunemente que se mata ou manda matar um Ferrer, entidade de destaque no campo das lutas pelas A 10 de Novembro de 1909, João

reivindicações

Anglin, então estudante e anarquista,

impunemente que se arremessa um

que depois aderiu ao Estado Novo,

cartel de desafio aos explorados, para

escreveu no jornal “Vida Nova”:

regalo dos exploradores, aos pobres e

“…Assim também Francisco Ferrer, a infeliz vítima da malta reaccionária,

sociais;

não

é

aos humildes para tranquilidade dos argentários poderosos…”.

dessa horda de facínoras que para

No dia 31 de Outubro do mesmo ano, o

vergonha nossa ainda campeia infrene,

articulista de “O Repórter” escreveu que

acaba de ser cobardemente assassinado

“a execução de Ferrer foi um assassínio

em Barcelona. A reacção desde há

monstruoso,

muito tramava contra a existência desse

jesuítas e congreganistas espanhóis de

grande vulto, desde há muito tentava

cumplicidade com um governo de

perdê-lo. Buscou a ocasião propícia e

camândulas e de punhal”.

levado

a

cabo

pelos

achou-a. Fonte:

Estão

saciados

os

ódios,

satisfeitas as feras!!”

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estão

http://www.correiodosacores.info/index.php/opiniao/ 9739-francisco-ferrer-i-guardia

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