Coletânea de Textos brasileiros

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M1U10T1 Aprender nunca é o que se espera! * Quando um homem começa a aprender, ele nunca sabe muito claramente quais são seus objetivos. Seu propósito é falho; sua intenção, vaga. Espera recompensas que nunca se materializarão, pois não conhece nada das dificuldades da aprendizagem. Devagar, começa a aprender… A princípio, pouco a pouco; depois em porções maiores. E logo seus pensamentos entram em choque. O que aprende nunca é o que imaginava, de modo que começa a ter medo — aprender nunca é o que se espera. Cada passo da aprendizagem é uma difícil tarefa, e o medo que o homem sente começa a crescer impiedosamente, sem ceder. Seu propósito torna-se um campo de batalha. O homem depara-se, então, com o primeiro de seus inimigos naturais: o medo! Um inimigo terrível, traiçoeiro, difícil de vencer — permanece oculto em todas as voltas do caminho, rondando, à espreita. E se o homem foge apavorado, seu inimigo terá posto fim a sua busca: jamais aprenderá, jamais virá a ser um homem de conhecimento. Talvez torne-se um tirano ou uma pobre criatura apavorada e inofensiva: de qualquer forma, estará vencido. Seu primeiro inimigo terá destruído os seus desejos. Para vencer o medo, o homem não pode fugir — deve desafiá-lo e, a despeito dele, deve dar o passo seguinte na aprendizagem. Deve ter medo plenamente. É esta a regra! Assim, chega o momento em que seu primeiro inimigo começa a recuar. O homem vai sentindo-se seguro de si. Seu propósito torna-se mais forte. Aprender já não é uma tarefa aterradora. Quando chega esse momento feliz, pode dizer, sem hesitar, que derrotou seu primeiro inimigo natural. Uma vez que vence o medo, o homem fica livre dele o resto da vida, porque adquire clareza de espírito, uma clareza que suplanta e apaga o medo… Já conhece os seus desejos, sabe como satisfazê-los, pode antecipar os novos passos na aprendizagem, uma clareza viva cerca tudo. E sente que nada se lhe oculta. Estará, então, o homem diante do seu segundo inimigo: a clareza! Essa clareza de espírito, que é tão difícil conquistar, elimina o medo, mas também cega. Obriga-o a nunca duvidar de si. Dá-lhe a segurança de que pode fazer o que bem entender, pois vê tudo claramente. Ele é corajoso, porque adquiriu clareza de espírito, não se intimida diante de nada porque a possui. Mas tudo isso é um engano… Se sucumbir a esse poder de faz-de-conta, o homem terá sucumbido a seu segundo inimigo.Vai precipitar-se quando deveria ser paciente ou vai ser paciente quando deveria precipitar-se. E tateará com a aprendizagem até acabar incapaz de aprender qualquer coisa mais. A clareza, pela qual pagou tão caro, nunca mais se transformará em trevas ou em medo (é uma conquista definitiva!), mas, se não a dominar, o homem não aprenderá nem desejará mais nada. Para não ser vencido, o homem terá que agir com a clareza como agiu com o medo: terá que desafiá-la — e usá-la apenas para ver. E esperar com paciência, calcular com cuidado os novos passos: deve pensar, acima de tudo, que a sua clareza é quase um erro — e virá o momento em * Texto

adaptado por Rosaura Soligo, com base no depoimento do índio Don Juan ao antropólogo Carlos Casteñeda, em A erva do diabo, Ediouro, São Paulo, 1968.

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