Coletânea de Textos brasileiros

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Monique — Então, diante dessa questão que a gente não está nomeando, e que está no final da minha pergunta, a gente tem a seguinte situação: a educação infantil é uma profissão quase estritamente feminina: são raríssimos os homens que estão nesta profissão. Caetano — É verdade, é engraçado isso não é? Monique — Então, eu fico pensando o seguinte: as mulheres, ou esse aspecto mais feminino nelas, ele é maternal, tem como possibilidade uma tentativa de quase substituir a casa, e essa coisa que você falou que não queria ser substituído... Caetano — É eu não quero mesmo. Monique — ...no seu amor de pai. Tanto é assim, que as professoras de educação infantil são chamadas de tias, como se fossem não uma profissional, mas uma pessoa da família. Então você tem nessas profissionais uma coisa ao mesmo tempo de uma dedicação que às vezes é espantosa, isso que Dolores nos dizia de professoras que têm um amor a essa causa e a esse trabalho com as crianças, uma dedicação, um ânimo pra coisa que é extraordinário, sobretudo se você for pensar nas condições de trabalho, que são muito ruins. Caetano — Eu fico espantado como ainda há professores no Brasil. É um gosto mesmo, porque não há estímulo não é verdade? Monique — Exatamente... Caetano — Eu fico apaixonado quando uma pessoa diz que é professora, ou professor, de escola primária, é inacreditável. Porque a pessoa deveria ser muito bem assistida. Deveria ter um bom salário, e muitas regalias na sociedade brasileira para estimular a educação, o ensino. Mas os professores não têm isso, ao contrário. Dolores — A Monique coloca um exemplo que eu acho vital: a gente vai ao médico, a gente confia no médico, não pode dar palpite. Mas quando chega a hora das professoras, ela não pode fazer o que acredita, porque diretor, pai, mãe, todo mundo dá palpite. É aí que ela insiste na coisa de a gente poder se profissionalizar. Caetano — É, eu acho. Olha, isso daí eu acho importante. Monique — É exatamente minha segunda pergunta. Porque você tem uma profissão feminina que tem essa dedicação, tem esse desvelo, mas tem uma precariedade imensa de conhecimento de ofício: as pessoas são, no máximo, muito boas reprodutoras de procedimentos que já vêm de muitos e muitos anos, com aqueles mesmos textos: essas são as boas professoras. Mas a educação é um terreno, assim, maravilhoso de investigações. Se formos pensar como um ser humano aprende, por exemplo, só por aí você tem coisas extraordinárias; toda questão da arte, toda questão da constituição das linguagens. Raríssimos são os professores que têm acesso a essas coisas e que se preocupam com elas, que buscam se profissionalizar nesse sentido. Quero dizer que se perguntam: "que base científica eu preciso para exercer essa profissão, o que é que eu preciso saber?". Então, eu queria saber como é que você vê essa questão, eu pergunto, por ser uma profissão feminina é que existe na educação essa dificuldade de tomar o ofício mais a sério?

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