CADA HOMEM É UMA RAÇA

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adiamentos. Com ela eu aprendia uma tontura: eu muito queria, pouco sabia. Todo o meu corpo sonhava mas eu temia as ocasiões. Seria aquele amor um estado de infinita chegada? Ou será que, de novo, Fabião Geguê se confirmava: a mulher da nossa vida é sempre futura? Na tarde de um sábado, levei Zabelani para um desses lugares só meus. Caminhámos por baixo dos coqueiros, vagueámos entre seus oscilaçantes pescoços. A brisa animava as copas: para cá, indo; para lá, vindo. No capinzal, os bois divagavam enquanto as garças soltavam súbitos branquejos na paisagem. Zabelani se abrandava, amolentada. Nossas mãos se tocavam, de um roçar só leve, distraído. Ela parou e me pediu: mostra onde corre o rio. Apontei o fundo da paisagem. Sempre de costas, ela se foi chegando, aconchegando. Até que todas as suas formas se afeiçoaram ao meu corpo. Eu sentia a pele chegar aos nervos. Então ela deixou tombar a saia e, com os vagares da lua, rodou até me enfrentar. O instante foi fundo, quase eterno. Para mais do rio se escutava apenas a nossa respiração. Quando regressámos o tio Geguê me chamou para um canto. Eu esperava suas reprovações mas ele demorava, mastigando uma ervinha. - Andas a comer essa gaja? - Tio, não fala assim... - Falo, sim. - E cuspiu: - Putas! E logo ele ordenou que Zabelani arrumasse suas coisas. Seria levada dali, separada de mim, posta em lugar que só ele saberia. Me soltei às fúrias, tudo numa gritaria. Meu tio me desconhecia. Maldiçoei a malandrice dele, sua costumada fuga ao trabalho. Mesmo eu lhe queria agredir, mas ele segurava meus braços. A bem escrever, eu proferia mais choro que palavras. Ele me baixou as mãos, prendendo-me a mim mesmo. Cansado de choramingar, me acalmei. Sentamos, um triste sorriso veio a seu rosto. A zanga recolhera seus azedos, o ar amolecia. - Sabe, meu filho? Vou-te dizer: o trabalho é uma coisa muito infinita. Ele adoçava um entendimento - que aquilo, nele, nem preguiça nem era. Ele apenas estava a tirar rendimento dos vagares do mundo, sem

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