A árvore dos rebuçados

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SebastiĂŁo espreitava pela janela, sem pestanejar e olhava para o jardim. Uma rabanada de vento levantava as folhas caĂ­das, sacudindo-as Ă volta da ĂĄrvore misteriosa.


Quando o vento parou, quando as folhas pousaram e tudo parecia ter acalmado, uma surpresa ainda maior aconteceu.

Dos ramos da árvore saíam rebuçados, em embrulhos coloridos. Rebuçados! Ali mesmo, ao pé do seu quarto, Sebastião tinha uma árvore com rebuçados só para si!


“Não é possível!”, pensava ele, deliciado. Aquela árvore misteriosa que vivia no canto do seu jardim - a árvore a que ninguém conseguira dar um nome, nem descobrir a família a que pertencia, a mesma que fora visitada pelos botânicos da região – estava coberta de rebuçados.


Agora o Sebastião tinha que pensar numa forma de guardar o seu segredo. Uma árvore com rebuçados tinha de ser apenas sua. Uma árvore com rebuçados era o fim dos seus problemas, pois nunca mais precisava de pedir doces a quem quer que fosse. Uma árvore com rebuçados até o podia salvar de muitas situações, como a que ele estava a viver naquele momento. Sim, porque a esta altura, quando esta história começa, o Sebastião está no seu quarto… de castigo.


Sabem o que lhe aconteceu? Numa bela tarde de sábado, a mãe foi apanhá-lo a tirar da despensa os chocolates que estavam guardados para os dias de festa. É claro que a mãe perdeu a paciência e pô-lo de castigo, no quarto. O menino compreendia que o que fizera não era certo, mas os chocolates eram tão bons… Por isso, agora descobrindo uma árvore carregadinha de doces, pensou que essa situação lhe iria evitar problemas com gente crescida.


Embora a árvore estivesse num canto do jardim, seria difícil os irmãos não verem aquela árvore tão grande e agora tão colorida, cheinha de rebuçados! Ele tinha que os ir experimentar: o melhor mesmo, era saltar a janela, correr num instante e colher um rebuçado, para saborear o melhor fruto que já poderia ter nascido numa árvore. Se ele fosse rápido, escaparia com certeza!

Num instantinho, o Sebastião lá foi e subiu à árvore mas, depois de várias tentativas, não havia maneira dos rebuçados saírem dos ramos onde pertenciam.


Sebastião tinha que desistir. Saltou para o chão e ficou a olhar para a árvore. “Porque será que os rebuçados não saíam? Não acredito! Vou ser apanhado! Ainda por cima estou de castigo!”. Ficou parado, à espera que o pior acontecesse. - Pssst. Queres um rebuçado? Olhando à sua volta, o menino perguntou: - Quem está aí? - Sou eu, aqui à tua frente, coberta de rebuçados e tu estás a olhar para mim! Não posso sair daqui, mas quero conversar contigo – respondeu a árvore.


- Ai que sarilho! – Uma árvore falante poderia trazer-lhe mais problemas, pensou o Sebastião. - Não posso falar contigo, estou de castigo – respondeu ele, virando costas para ir embora. - Psssst! Oh rapaz – insistiu a árvore. - Senhora árvore, eu adorava ficar aqui a conversar, mas como já lhe disse, estou de castigo e não posso. - É exatamente sobre isso que quero falar contigo. Se entrares no meu mundo, o tempo vai parar para os outros e ninguém dará pela tua ausência – explicou a árvore ao menino.


- Entrar no seu mundo? Isso é muito estranho! O Sebastião olhava guloso para os rebuçados, mas não conseguia pensar no que fazer. Então a árvore continuou: - Todos os rebuçados que vês nos meus ramos poderão ser teus. Todos e mais os que vierem, depois destes! Não precisas sequer de te preocupar com as outras pessoas, pois só tu é que verás os meus ramos carregados de rebuçados. Mas, só serão teus, se entrares no meu mundo e realizares as provas que te forem pedidas. - Provas? Mas que provas? – Perguntou o Sebastião. - Saberás na altura certa o que fazer. Agora, a decisão é tua!


Sebastião pensou, pensou, mas deu por si a contar os rebuçados da árvore, com os olhos. Eram tantos, tantos! Deveriam ser deliciosos! E de todas as cores. - Está bem, eu vou! – Decidiu ele subitamente.


Assim que disse aquelas palavras, abriu-se um buraco debaixo dos seus pĂŠs e o menino foi levado a atravessar um tĂşnel, com toda a velocidade, como se tivesse sido sugado por um grande aspirador.


Viagem rápida – mas que lhe pareceu demorar séculos- terminou junto a um portão, onde estava um cartaz em que se podia ler: “Bem-vindos aos Jogos Olímpicos da Vida Saudável”

Meninos e meninas dirigiam-se para aquela entrada. Passado o portão, podia ver-se um quadro de palavras. Entre elas podia ler-se: prova de vegetais, prova de histórias, prova de sono, (…)


Mesmo sem perceber bem o que se passava, tudo lhe parecia muito difícil. Devia ter pensado melhor… Mas agora já não podia voltar atrás! Decidiu então perguntar a um senhor de fato macaco verde que então passava: - Pode dar-me uma informação? - Como é que eu posso sair daqui? - Quando tiveres realizado todas as provas, voltas direitinho para o teu mundo, rapaz. Até lá, espero que te divirtas! Sebastião ficou furioso com aquela resposta. Todas as provas? Quantos dias teria de passar ali? Os seus pensamentos foram interrompidos pelo toque de uma sineta que anunciava a hora da refeição:


- “Informamos os novos participantes de que todas as refeições contam para a Prova de Vegetais. Por favor, dirijam-se ao Lugar dos Vegetais”. Prova de Vegetais? Lugar dos Vegetais? Será que ele teria que comer vegetais? Era essa a prova???

Ainda meio perdido, Sebastião foi seguindo as setas que indicavam o caminho. Em breve chegou perto de um cartaz verde que anunciava o Lugar dos Vegetais. Entrou e viu uma horta gigante cheia de alface, brócolos, couve-flor, feijão verde, cebolas, cenouras, tomate, beterraba, beringela, pepino e curgete.


Deram ao Sebastião um menu, parecido com o que há nos restaurantes, estendendo-lhe também uma caneta. O senhor que lha deu, explicou então: - Tens de pôr uma cruz em cada vegetal, como sinal de que aceitaste comê-lo e de que vais mesmo fazer a prova. Se houver algum que não conheças, podes procurá-lo nesta horta. Depois, não te preocupes, eles vão aparecendo nas refeições e todas contam para a Prova de Vegetais. Espero que te divirtas! “Não te preocupes” e “Espero que te divirtas” foram frases que irritavam o menino. Mas agora, o que poderia fazer? Para ficar com a árvore, carregadinha de rebuçados, teria mesmo que realizar as provas! Ele não ía desistir! O melhor era fechar os olhos e começar, de uma vez por todas, o que tinha de ser feito. Afinal a refeição até foi agradável.


O dia foi divertido e sempre muito movimentado. Quando uma voz anunciou que era hora de ir para a cama, Sebastião pensou que era cedo e teve uma vontade enorme de ir jogar computador, que era o que fazia em casa, antes de dormir. Mas ali não havia computadores… Entretanto escutou uma voz que anunciava: - “Informamos os novos participantes que o tempo antes de dormir conta para a Prova de Histórias. Não sem antes lavarem os dentes, claro!” Mais provas? Mau, mau, disse o menino para consigo, será que as provas do dia ainda não acabaram? Passava um senhor e ele resolveu perguntar: - Por favor, sabe dizer-me a que horas acabam as provas?


- Ó rapaz. Nos Jogos Olímpicos da Vida Saudável, as provas nunca têm fim. Mesmo quando fores dormir, se dormires as horas recomendadas pelo júri, estás a somar pontos para uma vida melhor. E, claro, durante todo este tempo, espero que te divirtas! Sebastião começava a ficar cansado. Levou a mão ao bolso e procurou a chave que lhe tinha sido dada durante o jantar. “Camarata número sete, cama número doze. Lá vou eu”. Depois de lavar os dentes, entrou numa sala cheia de beliches. Cada cama tinha um candeeiro pendurado. Subiu para aquela que tinha o número doze e, sobre a sua almofada, esperava-o um livro.


Um livro! Aquele encontro ficaria para sempre na sua memória. Sebastião nunca tinha estado sozinho com um livro! Assim, sem ninguém ao lado para conversar, sem televisão para ver e sem o computador para jogar. À medida que passava as páginas, o menino sentia-se mais acompanhado, pelas letras, pelas palavras, pela história que descobria. Quando terminou, fechou o livro, desligou a luz e adormeceu. Sonhou ainda com mais histórias.


No dia seguinte Sebastião acordou com saudades de casa, dos mimos dos pais e até das discussões com os irmãos. Pensou em todos eles. Possivelmente se estivessem ali todos, ele não faria as provas. Mas, estando ali sozinho, tinha de arranjar forças para tudo. O certo é que, no final daquela manhã, começava a divertir-se com aquela vida diferente e movimentada.


Nesse dia, o almoço demorou mais tempo do que era esperado. Em vez da comida ser servida logo, cada participante tinha de preparar o seu próprio prato, servindo-se do que queria, desde que obedecesse à roda dos alimentos. Alguns meninos – incluindo Sebastião – demoraram um pouco a conhecer os alimentos e as quantidades necessárias mas, uma vez mais, foi um tempo bem passado. “Agora só me falta a Prova de Artes”, pensou ele, cheio de curiosidade. Mas o que não sabia é que a Prova de Artes tinha lugar bem longe dali.


O almoço soube-lhe muito bem! E foi ele que escolheu tudo! Sentou-se um pouco a descansar.

Uma brisa suave, a passar-lhe pelos olhos, acordou-o. - Não me lembro de ter adormecido. Onde estou? – perguntou Sebastião. Espreguiçou-se, sentou-se devagar e, mesmo na sua frente, viu a árvore dos rebuçados. - Falta-me a Prova de Artes! E eu não tinha desistido. Que aconteceu? - Percebi que não precisavas continuar – respondeu a árvore. - Mas eu queria continuar! Queria mesmo ir até ao fim, resmungou o menino. - Sebastião, estas provas não têm fim e eu decidi que já eras digno de comer os rebuçados dos meus ramos, explicou a árvore.


-

Posso fazer uma pergunta? Claro que sim – respondeu a árvore dos rebuçados. Como era a Prova de Artes? – perguntou curioso. Nada de novo. És convidado a desenhar, pintar, trabalhar com barro. Isso é o que eu faço na escola e também em casa – concluiu o menino. Concordo contigo. Mas também todas as provas que realizaste, podem ser feitas no teu mundo – disse a árvore. - Nesse caso as Olimpíadas da Vida Saudável não são assim tão mágicas, pois não? – perguntou Sebastião. A árvore não respondeu. Ele perguntou de novo, mas nenhuma voz lhe respondeu. Nunca mais lhe respondeu. O menino olhou para a árvore. Lá estava ela quieta e, se não fossem os rebuçados, poder-se-ia dizer que tinha voltado a ser uma árvore igual às outras. Sebastião experimentou então ver se a árvore tinha cumprido a sua promessa. Esticou um braço e arrancou um rebuçado. Humm! Que saboroso! Para surpresa sua, não lhe apeteceu comer outro, logo de seguida.


Em vez disso, foi rapidamente para o seu quarto. Agora precisava cumprir o resto do castigo. Desde esse dia, a vida de Sebastião foi mudando devagarinho. À sua volta todos diziam que ele estava a ficar crescido. A árvore dos rebuçados ainda está lá, sempre à sua espera, mas o menino não a visita tantas vezes como esperava, quando aceitou o desafio. Afinal de contas, um docinho de vez em quando, não faz mal a ninguém!


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