Revista tecnologia e direitos humanos

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REVISTA Tecnologias e Direitos Humanos Fevereiro de 2014 . Ano I Nº 1 midiaedireitoshumanos.wordpress.com

Capa: Novos Tempos, Novos Direitos Aplicativos: Quando as novas tecnologias são usadas a favor dos Direitos Humanos

Mídias e direitos humanos: uma relação conflituosa

Jovens internautas são principais vitimas de Cyberbullying

Curiosidades sobre o Direitos Humanos

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editorial A proposta de trabalharmos com o tema Mídia e Direitos Humanos surgiu a partir de experiências pessoais de alguns membros de nossa equipe, sobretudo no que diz respeito ao direitos humanos na mídia tradicional. Pensamos, então, em como poderíamos abordar essa temática numa nova perspectiva, que é a da relação dos direitos humanos com as novas tecnologias. Acreditamos que os direitos humanos são historicamente construídos, de tal modo que, com a chegada de inovações tecnológicas, surgiram novas demandas, portanto novos direitos a serem contemplados jurídico e socialmente. Tentamos colocar esses novos desafios nessa revista que agora apresentamos, a qual tenta modestamente resumir todo um semestre de trabalho. O tema exige compromisso e engajamento político, sobretudo sensibilidade social.

No mais, desejamos a todos os leitores boas reflexões sobre o ser humano, em como pensar em nossa sociedade como um baluarte dos direitos básicos de todos os homens e mulheres.

Esta publicação é resultado da disciplina Comunicação e Tecnologia (Com 104) da Faculdade de Comunicação da UFBA, ministrada pelo prof. Dr. André Lemos. Textos: Alan Tiago, Cássio Santana, Raul Castro, Valdíria Souza e Vitor Gabriel. EDIÇÃO: Cássio Santana, Alan Tiago, Valdíria Souza Diagramação: Pablo Santana* e Valdíria Souza *Pablo Santana é Designer, colega da turma de Comunicação e Tecnologia, da equipe Tecnologia e Cotidiano


Com as significativas mudanças ocorridas a partir das inovações tecnológicas, surgiram uma gama de novos direitos que devem ser tratados com atenção pela população e pelo poder público Cássio Santana

Os direitos humanos, longe de ser uma matéria estática no tempo, varia de acordo com as mudanças e inovações técnicas de uma sociedade. Assim como os homens e as mulheres, os direitos humanos não são imutáveis e permanentes. À medida que novas transformações sociais, econômicas e políticas surgem, novas reivindicações aparecem; e, para que essas novas reivindicações sejam asseguradas, elas devem ser legitimadas pela sociedade e juridicamente. Com o advento das novas tecnologias da informação conectadas à rede mundial de computadores, os direitos humanos se recapitularam. Em uma sociedade onde a maioria das ações humanas são mediadas por aparelhos tecnológicos, surgiram novas demandas, dentre as quais os direitos dos usuários na internet.

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As novas possibilidades propor- Neutralidade da Rede e Direitos cionadas pela convergência de Humanos mídias na internet criaram um cenário totalmente diferente do de A transferência de dados na interdez anos atrás, que por isso deve net hoje é minimamente livre, emboser tratado de forma diferenciada. ra haja controvérsias, uma vez que empresas provedoras de acesso à As esferas de poder, sobretudo as internet, em conjunto com governos, governamentais, com a justificati- estejam continuamente se movimenva de combater crimes cometidos tando contra as liberdades individuais na internet, ultrapassam a tare- na rede. As operadoras de telecomufa de tratar de delitos cibernéticos nicações, com bases em interesses e põem em risco a liberdade dos comerciais, defendem regras para navegadores. Soma-se a interfe- as ofertas de acesso à internet. Para rência de grandes empresas pro- ter uma navegação “privilegiada”, vedoras de serviço de internet no as empresas ofereceria velocidatráfego online de informação, discri- des de tráfegos de pacotes (aquilo minando dados, o que caracteriza que enviamos ou recebemos quanuma perigosa restrição aos direitos do estamos navegando) diferecenbásicos de acesso à informação ciados para clientes que pudessem na rede mundial de computadores. pagar mais. Isto é, quem tem mais

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Foto: Reprodução


dinheiro terá uma internet melhor, e quem não tem dinheiro suficiente para pagar uma “internet de qualidade”, terá um serviço deficiente. O artigo XIX, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, diz: “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.” Com as possíveis limitações prevista com o regramento da internet, haverá uma série restrição ao acesso de informação na rede, colocando em xeque o direito básico do direito à informação. A proposta de uma internet “neutra”, surge justamente em uma conjuntura de possíveis limitações ao direito à informação dos navegadores. O Marco Civil da Internet, que tem como proposta assegurar o direito dos usuário à informação sem distinção, é uma das principais ferramentas que os defensores de uma internet livre e democrática veem hoje com a capacidade de assegurar os direitos dos cidadãos na rede.

A neutralidade, no entanto, já não é coisa dada como certa. Estudos indicam que provedores de conexões já discrimina informações na rede, sendo o mais comum o bloqueio ou restrições de serviços, que são feitas por meios de programas que identificam os dados que estão sendo enviados. Esses softwares são conhecidos como Deep Packet Inspection (DPI), capazes de monitorar a entrada e a saída de pacotes de dados conectados à internet. Os DPIs podem identificar possíveis desvios de protocolo de rede e conteúdos “inapropriados”, armazená-los e analisá-los posteriomente. Em linhas gerais, os DPIs podem monitorar 24 horas toda a navegação feita pelos usuários da rede.

Novos Direitos Novos tempos, novos direitos. A conjuntura atual exige que cada vez

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mais seja assegurada a privacidade dos usuários na rede bem como a igualdade de acesso à informação e de se comunicar. Se nas mídias tradicionais esse direito não é assegurado a todos no Brasil, pior seria se essa triste herança se espalhasse também pela web. É necessário que se crie uma política específica para a internet, de modo a se fomentar investimentos em infraestrutura de rede que salvaguarde o livre uso da internet com respeito à liberdade individual de cada usuário. Com os recentes casos de espionagem e quebra de sigilo na internet, é possível que se crie um clima de instabilidade na rede, em que os usuários usem de “autocensura”, na medida que, sabendo-se vigiados, os navegadores se policiarão, pensando duas vezes em publicar algo ou mandar um email, desconstruindo a imagem de espaço público e democrático que é a internet. Surge, então, o embate histórico entre liberdade e segurança. Quando se tem muita liberdade, há pouca segurança; quando, pelo contrário, se tem muita segurança, não tem muita liberdade. Uma conciliação harmoniosa entre essas duas prerrogativas seria ao menos um começo para uma internet realmente segura e livre.

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Marco Civil da internet É uma iniciativa legislativa de regulamentação do uso da internet no Brasil, surgida no final de 2009, com o objetivo de discutir garantias, direitos e deveres de quem usa a rede, e da determinação de diretrizes para a atuação do estado na internet. Pela proposta em discussão no Brasil, a discriminação de tráfego seria proibida. Seus termos estão no artigo 9º do projeto do Marco Civil da Internet, que diz o seguinte: Art. 9º O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicativo Neutralidade de Rede Define a não discriminação de informações na internet pelas operadores de telecomunicações. A neutralidade de rede prega basicamente uma democracia na rede, em que todos sejam tratados com igualdade, de modo que não haja benefício para uns em detrimento de outros na hora de navegar. Ou seja, significa que todos os dados que trafegam na rede devem ser tratados da mesma forma, navegando na mesma velocidade, sem limitações e interferência e limitação impostas por empresas provedoras de internet e banda larga


Saiba Mais O que são direitos humanos?

Os Direitos Humanos têm como fundamento a dignidade humana. Eles dizem que há determinadas condições para que as pessoas possam viver plenamente e de forma digna, e que a não-efetivação dessas condições é um grave ataque ao Estado Democrático de Direito. Independente das diferenciações de idade, gênero, raça, etnia, orientação sexual, origem crença, convicção política, condição física, econômica ou social ou qualquer outra.

Símbolo dos Direitos Humanos

Símbolo dos Direitos Humanos Eleito entre mais de 15 mil participantes de 190 países, foi apresentado na Organização das Nações Unidas, em Nova York, o novo “logo” para os Direitos Humanos. O vencedor foi o sérvio Predrag Stakic, designer freelancer, que teve a ideia de unir dois ícones da paz universal – o pássaro e a mão – em uma única imagem.

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Apli

cati

vos:

As novas tecnologias sendo usadas a favor dos direitos humanos

ferramenta permite que pessoas enviem informações através de celulares e telefones públicos gratuitamente utilizando a tecnologia Voz sobre IP (VOIP, que memoriza a voz em uma base de dados na internet). Cada áudio é diretamente registrado no portal do projeto ou na fanpage no facebook.

Aplicativos são criados para ajudar pessoas historicamente marginalizadas, contribuindo para a efetivação dos seus direitos O objetivo do projeto é ensinar jovens como cidadãos quilombolas, indígenas e comunidades Valdíria Souza

Foto: Reprodução

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m Ilha de Maré, a 5 quilômetros de São Tomé de Paripe, subúrbio de Salvador, nove comunidades quilombolas podem usar o Vojo, aplicativo que possibilita a transmissão de informações sem a necessidade de acesso à internet ou computadores. Com um cadastro em uma central, a

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pouco assistidas pelas tecnologias de ponta, a fazer reportagens por meio de celulares simples mandando as mensagens de áudio sem precisar acessar a internet. O programa permite inclusive a utilização de telefones públicos. Em Salvador quem comanda a iniciativa é o Instituto Mídia Étnica que tem incentivado a utilização do aplicativo através de oficinas educativas e também publicando as reportagens dos jovens no site Correio Nagô. O instituto pretende ampliar a tecnologia a outros coletivos do país, como assentamentos ou regiões periféricas, por meio de um número 0800, que permita a utilização do Vojo em qualquer lugar do Brasil.


as oficinas As oficinas duraram cerca de dois meses e contribuíram com a formação em comunicação de 20 jovens quilombolas das comunidades de Bananeiras, Martelo, Porto dos Cavalos, Maracanã e Praia Grande, todas situadas na ilha.

Foto: Reprodução

Os encontros falavam sobre o direito humano e democratização da comunicação, identidade negra, as questões de gênero, direitos sexuais e reprodutivos e contavam também com oficinas sobre o jornalismo destinado à internet e como realizar entrevistas utilizando o celular. Com seus celulares, os participantes transmitiram informações acerca da cultura tradicional quilombola, assim como denunciaram problemas encontrados em seu cotidiano.

Foto: Reprodução

Tecnologias Assistivas auxiliam pessoas com deficiência visual As tecnologias assistivas são recursos e aparatos técnicos que possibilitam às pessoas com deficiência ter uma vida mais independente produtiva e incluída no contexto social geral. Quando adotadas pelo usuário cego, as tecnologias assistivas podem propiciar o acesso a bens culturais, de lazer, entretenimento, bem como ao conhecimento. Um programa instalado em celulares, que faz a leitura de textos e bulas de remédios, ajuda a deixar mais prática a vida dos deficientes visuais na Bahia. O software instalado em um celular fotografa páginas e imagens de conteúdos em papel e os transforma em mensagem sonora. Os criadores do programa tentam fazer novas versões para mais modelos de celulares. No momento, o único software à venda no mercado custa R$ 900 e funciona apenas em um tipo de aparelho.

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APLICATIVOS E DIREITOs HUMANOS Aplicativo Guia de Comunicação para Garantia dos Direitos de Crianças e Adolescentes, criado pela CIPÓ Comunicação Interativa tem o objetivo de instrumentalizar organizações que trabalham com a juventude por meio de informações estratégicas de comunicação. Disponível no Facebook, o aplicativo é uma base de dados sobre o que é a comunicação para garantia de direitos humanos.

ços de delegacias que combatem a violência contra a infância e adolescência nas principais cidades brasileiras. Lançada pela Secretaria de Direitos Humanos Brasil em parceria com a Unicef no Brasil e o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca/BA), a ferramenta começou a ser testada nas cidades-sede durante a Copa das Confederações. O objetivo é que abranja todo o território nacional até a Copa2014.

Fonte:https://midiaedireitoshumanos. wordpress.com/2013/12/19/aplicativo-informa-usuarios-sobre-direitos-de-criancas-e-adolescentes/

Acesse o aplicativo aqui: https://itunes.apple.com/br/app/proteja-brasil/ id661714677?mt=8

O Aplicativo Proteja Brasil, desenvolvido pela Ilhasoft para aparelhos smarthphones, permite aos usuários denunciar violência contra crianças e adolescentes, apresentando informações sobre os tipos de violência e indicando ao usuário, a partir do local onde ele está, telefones e endere-

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Em março de 2013, a Organizações das Nações Unidas lançou um aplicativo, o SWomen, gratuito para celular e computadores que reúne informações e serviços sobre o atendimento de meninas e mulheres no Rio de Janeiro, utilização do Google Maps para identificar onde está o usuário e indicações no mapa para chegar nas unidades de serviço. O aplicativo possui também uma série de serviços com informações sobre os direitos das mulheres e órgãos de serviço de enfretamento à violência contra a mulher. Acesse o aplicativo aqui: http://216.119.149.140:8080/swomen/


JOVENS INTERNAUTAS SÃO AS PRINCIPAIS VÍTIMAS DO CYBERBULLYING Falta de legislação específica e dificuldade na fiscalização contribui para proliferação da prática na web, onde agressores não precisam dar as caras Alan Tiago

As

novas tecnologias e o surgimento das redes sociais fizeram com que a prática do bullying se extrapolasse para e-mails, blogs, comunidades virtuais e celulares. O termo, que define atos de violência física ou psicológica praticados com frequência contra pessoas indefesas, sofreu uma espécie de upgrade, originando o chamado Cyberbullying (ou bullying virtual), quando os insultos, assédios, ameaças e humilhações passaram a ser cometidos pela web. A prática é, de certa forma, motivada pela vulnerabilidade das pessoas na internet, pela falta de uma legislação específica que coíba esse tipo de violência na rede e, consequentemente, pela dificuldade na fiscalização e punição. Os alvos são, em sua maioria, crianças e adolescentes.

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Alvos das agressões são, em sua maioria, crianças e adolescentes (Foto: Reprodução)

Imagem: reprodução Fonte da pesquisa da Unicamp: http://www.fe.unicamp.br/coppem/wp-content/uploads/2011/08/ Apresenta%C3%A7%C3%A3o-COPPEM.pdf

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Pesquisa realizada pela Universidade de Campinas (Unicamp), com jovens entre 13 e 14 anos, revelou que 90% dos agressores sabem das consciências que o cyberbullying pode ocasionar. No entanto, 46% deles disseram que sentem prazer com isso. Outros 9% afirmaram que adotam a prática por vingança e usam a internet por ser um meio massivo, no qual o oprimido estará ainda mais exposto. A exposição dos usuários da internet também pode levar ao cyberbullying. Há vários casos de pessoas que fazem postagens na rede e que, depois, são alvos de chacota. Um exemplo que ganhou destaque internacional foi o da adolescente canadense Amanda Todd, de 15 anos, que se suicidou após ser vítima de uma campanha de perseguição e intimidações pela internet, há dois anos, depois que uma foto íntima dela caiu na web. O episódio fez com que o governo do Canadá abrisse debate sobre o cyberbullying e anunciasse revisão em seu Código Penal para que esse tipo de crime fosse punido de forma específica.


leis

enfrentamento

Não existe hoje no Brasil uma lei nacional específica para coibição desse tipo de crime. Os processos jurídicos envolvendo essas práticas são baseados em normas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no Código Penal e na própria Constituição.

Os primeiros movimentos de repúdio ao bullying e ao cyberbullying surgiram em países como Estados Unidos, Canadá e Reino Unido, há cerca de uma década. O assunto ganhou repercussão após casos de suicídios envolvendo vítimas da violência. No Brasil, uma das entidades voltadas ao enfrentamento de crimes e violações aos direitos humanos na web é a ONG SaferNet Brasil, fundada em 2005. A Organização Não-Governamental atua na mobilização, articulação e produção de conteúdos e tecnologias de combate aos crimes.

No ano passado, a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, da Câmara dos Deputados, aprovou um Projeto de Lei que inclui no Código Penal crimes virtuais como o cyberbullying. A pena prevista é de detenção de um a seis anos, além de multa. O Projeto ainda precisa ser analisado pela Comissão de O site da SaferNet disponibiliza lisSeguridade Social e Família (CSSF), ta de delegacias especializadas em antes de seguir para o Plenário. crimes cibernéticos por estado, para denúncias. Na capital baiana, não existe uma unidade especializada, mas as denúncias podem ser feitas junto a Polícia Civil ou a Delegacia de Repressão ao Estelionato e Outras Fraudes, na Baixa do Fiscal.

CYBERBULLYING

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Saiba Mais Os Direitos Humanos através da História

a primeira carta dos direitos humanos no mundo data de 539 a.C. Foto: reprodução

Em 539 a.C., os exércitos de Ciro, O Grande, o primeiro rei da antiga Pérsia, conquistaram a cidade da Babilónia. Mas foram as suas acções posteriores que marcaram um avanço muito importante para o Homem. Ele libertou os escravos, declarou que todas as pessoas tinham o direito de escolher a sua própria religião, e estabeleceu a igualdade racial. Estes e outros decretos foram registados num cilindro de argila na língua acádica com a escritura cuneiforme. Conhecido hoje como o Cilindro de Ciro, este registro antigo foi agora reconhecido como a primeira carta dos direitos humanos do mundo. Está traduzido nas seis línguas oficiais das Nações Unidas e as suas estipulações são análogas aos quatro primeiros artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Os documentos que afirmam os direitos individuais, como a Carta Magna (1215), a Petição de Direito (1628), a Constituição dos Estados Unidos (1787), a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), e a Declaração dos Direitos dos Estados Unidos (1791) são os precursores escritos para muitos dos documentos de direitos humanos atuais.

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Mídia e Direitos Humanos: uma relação conflituosa Vitor Gabriel e Raul Castro

Foto: Reprodução

A

Constituição de 1988 criou um novo momento na história brasileira. Chamada por muitos de “Constituição Cidadã”, a nova constituição estabelece o Estado Democrático de Direito e coloca no centro de nosso ordenamento jurídico os direitos humanos. A nova constituição é um grande avanço em termos normativos e simbólicos no concernente aos direitos humanos, mas a maioria dos avanços, como se percebeu no decorrer dos anos, só ficaram no papel.

respeito aos direitos humanos, isto é, ora como valioso agente de promoção de direitos, ora como violadores desses mesmos direitos, a mídia traz justamente a contradição de um país avançado em termos legais e, por outro lado, que não garante os direitos mínimos dos seus cidadãos. E essa negligência, como um círculo vicioso, perpassa todos os campos sociais, chegando, inclusive e sobretudo, ao indivíduo.

A relação indivíduo e novas tecnoDona de um papel dúbio no que diz logias (celulares tablets, smart pho-

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nes, etc.) carrega, por consequência, a dualidade da relação entre mídia e direitos humanos. A problemática, entretanto, está na relação que o indivíduo constrói com esses dispositivos.

exercicio da cidadania Nas manifestações que ocorreram em todo Brasil no mês de junho, conhecida como ”Jornadas de Junho”, centenas de jovens, munidos de celulares, usaram seus aparelhos como instrumentos de vigilância e manutenção dos direitos civis básicos nos protesto, assim como um instrumento de denúncia às violações e excessos

De acordo com Pedro Caribé, membro do Intervozes Coletivo Brasil de Comunicação Social, as pessoas têm se apropriado das novas tecnologias de forma positiva para denunciar os excessos do Estado. “Há uma conjunção entre ação individual e potencial libertador dessa ação por meios tecnológicos”, diz. Os manifestantes filmaram excessos de policiais, postaram na internet vídeos e fotos, que foram vistos por milhares de pessoas. Em muito dos casos, os policiais flagrados pelas câmeras dos manifestantes sofreram sanções administrativas. O exemplo é balizador de como as mídias móveis, em conjunto com a rede mundial de computadores, pode se transformar em uma arma contra a violação dos direitos humanos.

o outro lado

Foto: Reprodução

das forças policiais. Os manifestantes transmitiam as manifestações em tempo real em fluxo de vídeo através de celulares conectados a redes wi-fi.

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Em salvador, é praxe policiais e programas ditos jornalísticos tirarem fotos e filmarem com celulares ou câmeras presos em delegacias. As imagens depois são usadas em programas televisivos e em portais jornalísticos na internet (ramificações dos próprios programas jornalísticos).


Foto: Reprodução

No entanto, a Portaria 113, de 26 de maio de 2008, que disciplina a divulgação de fatos relativos à Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SPP-BA) orienta os policiais a não exporem os presos a situações vexatórias quando os acusados estiverem nas dependências da delegacia sob jurisdição do Estado. O direito inviolabilidade e a presunção de inocência, prevista na Constituição Federal, não permitindo a exposição de imagens de pessoa custodiadas sem o seu consentimento ou da divulgação de fatos que possam humilhá-la ou expô-la em situação vergonhosa, estão assegurados no artigo 5 da Constituição.

Ministério Público No início de 2009, 34 organizações dos movimentos sociais baianos acionaram o Ministério Público do Estado da Bahia por estarem incomodados com as transgressões cometidas contra os Direitos Humanos, provocadas pelo “Na Mira”, programa policialesco apresentado à época pelo jornalista Uziel Bueno e exibido pela TV Aratu/SBT. Em 15 de abril de 2009, o juiz Manuel Bahia aceitou o pedido do MP e determinou a retirada do programa de Uziel Bueno do ar. Em caso de desobediência, haveria multa de R$ 10 mil por dia, ordenou o magistrado. No entanto, dois dias mais tarde foi firmado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o MP e a emissora, no qual foi derrubada a liminar de proibição e a TV Aratu se comprometeu a adequar o conteúdo do produto ao horário. Fonte: http://mp-ba.jusbrasil.com.br/

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Saiba Mais Declaração Universal dos Direitos Humanos

Após as duas grandes guerras mundiais, o mundo tomou conhecimento da importância de políticas de fomentação da dignidade humana. Abalados pela intolerância e brutalidade daquele período, líderes mundiais, através da Organização das Nações Unidas, em 10 de dezembro 1948, aprovaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que delineia os direitos humanos básicos. Em seu preâmbulo, lê-se: “o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”. A Declaração Universal é um marco importante na história dos direitos humanos porque assinala a fase de internacionalização desses direitos. Embora não apresente obrigatoriedade legal, foi a partir dela que dezenas de tratados e convenções internacionais foram celebrados. Acesse a declaração na íntegra: http://midiaedireitoshumanos.wordpress.com/declaracao-universal-dos-direitos-humanos/


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