Scientia v.03 n.02

Page 1

REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO VILA VELHA VILA VELHA (ES), v. 3, n. 2, JULHO/DEZEMBRO DE 2002

Sci.

Vila Velha (ES)

v. 3

n. 2

p. 1-160

jul./dez. 2002


REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO VILA VELHA

Revista interdisciplinar semestral Nota: As opiniões e conceitos emitidos nos artigos publicados nesta revista são de inteira responsabilidade dos seus autores. Tiragem: 1000 exemplares ISSN 1518-2975

CENTRO UNIVERSITÁRIO VILA VELHA Chanceler Aly da Silva

Coordenação Executiva: Angela Maria Monjardim

Presidente em Exercício José Luíz Dantas

Revisão: Artelírio Bolsanello Isabel Cristina Louzada Carvalho

Reitor Manoel Ceciliano Salles de Almeida

Capa: Juan Carlos Piñeiro Cañellas Impressão: Artgraf - Gráfica e Editora

Vice-Reitora Luciana Dantas da S. Pinheiro Pró-Reitor Acadêmico Paulo Regis Vescovi Pró-Reitor Administrativo Edson Immaginário

Conselho Editorial: Angela Maria Monjardim Denise Maria Simões Motta Denise Rocco de Sena Elizabeth Maria Pinheiro Gama Hélio Sá Santos Isabel Carpi Girão

Diretora de Pós-Graduação Elizabeth Maria Pinheiro Gama

SCIENTIA. V. 3, n.2, (jul./dez.2002) – Vila Velha (ES): Sociedade Educacional do Espírito Santo, 2002. ISSN 1518-2975 Semestral 1. Cultura – Periódico. 2. Generalidades – Periódico, Centro Universitário Vila Velha - SEDES/UVV-ES CDD 002 E-mail: scientia@uvv.br


SUMÁRIO EDITORIAL . ........................................................................................................................

5

CAPITALISMO FLEXÍVEL E TRABALHO MAURI RODRIGUES ...........................................................................................................

7

GLOBALIZAÇÃO: DIFERENTES VISÕES SOBRE UM MESMO PROCESSO FLÁVIA NICO VASCONCELOS ..........................................................................................

25

O ENSINO INTERDISCIPLINAR EDUARDO JOSÉ PINHEIRO ..............................................................................................

39

ANÁLISE DA IMPORTÂNCIA DAS VARIÁVEIS DO SISTEMA DE MARKETING NAS DECISÕES EM DISTRIBUIÇÃO FÍSICA: UMA APLICAÇÃO AO PÓLO DE CONFECÇÕES DA GLÓRIA – ES RENATO MIRANDA .............................................................................................................

51

O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL E OS DIREITOS HUMANOS CÉSAR AUGUSTO S. DA SILVA; MAYARA SILVA RODOLFO; GERVÁSIO ANDREÃO JR. .................................................................................................

65

RELATÓRIOS GERENCIAIS PARA DECISÃO DE PREÇOS DE VENDA NA MICRO E PEQUENA EMPRESA COMERCIAL VAREJISTA: UMA CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DO CONCEITO DE MARGEM DE CONTRIBUIÇÃO HUMBERTO ROSA OLIVEIRA ............................................................................................

93

ANÁLISE CRÍTICA DOS INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM DO CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA MARCELO R. D. SANTOS ..................................................................................................

117

ESTRATÉGIAS INOVADORAS EM ESTRUTURAS CONSERVADORAS: A GESTÃO DAS IMPOSSIBILIDADES DENISE LIMA RABELO; MÁRCIA VALÉRIA FERREIRA DE CARVALHO .........................

139

NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS. ......................................................

153



EDITORIAL Em nosso dia-a-dia sentimos todos as conseqüências da globalização. Mas, o que é a globalização? Será um processo que, inevitavelmente, resultará numa economia global, sem fronteiras, prenunciando a dissolução do Estado-nação; ou será um processo que deve ser visto apenas como uma nova etapa do capitalismo, cheia de contradições, cujo futuro é uma incógnita? Como ficam as relações internacionais e o mundo do trabalho nesse contexto? Com a globalização, várias estratégias e ajustes na atuação estatal passam a ser empreendidas para adequar o cenário intra-estatal ao cenário internacional; já no mundo do trabalho, vêm o neoliberalismo e a mudança tecnológica que provocam transformações radicais, principalmente no que se refere ao trabalho em equipe, polivalência, tomada de decisão e sistemas de avaliação de desempenho. E o que é mais grave: a exacerbação do capitalismo, a cada dia, aumenta a sofreguidão pela produtividade, por maiores ganhos, deixando em seu rastro as dívidas sociais muitas vezes superiores aos seus ganhos econômicos e financeiros. Com a interligação dos mercados internacionais, com a expansão das fronteiras e da cultura, até a visão do ensino deve mudar. A época da compartimentalização já passou; agora é o momento da visão interdisciplinar, como interação e integração dos conteúdos curriculares. Paralelamente a essa mudança, é importante uma preocupação com o aperfeiçoamento dos instrumentos de avaliação da aprendizagem nos cursos de formação profissional. Entretanto, apesar de tantas transformações, constata-se, ainda no início do século vinte e um, na gestão de organizações empresariais, o desinteresse pela inovação, causado pela burocracia e pelo apego ao controle; o que acaba trazendo frustração para os programas de capacitação e treinamento, que se tornam perda de tempo e de dinheiro. É de perguntar: Por que uma empresa exige que seus profissionais sejam arrojados, conhecedores da missão, competitivos e criativos, se ela mesma impede a atuação deles, com a adoção de uma estrutura formal, rígida, centralizadora e burocrática? Sem competitividade em seus mercados, uma empresa não sobrevive, por isso o gestor tem que entender o sistema de marketing como um conjunto de ações estratégicas, para poder definir seu posicionamento. Outro aspecto fundamental para qualquer organização empresarial é o conhecimento de seus custos operacionais para mantê-los sob controle. Então, como estabelecer preços? É comum, mas não adequado, diluir os custos


6 fixos sobre o total de vendas da loja. O esperável é que, para isso, se utilize o conceito de margem de contribuição, ou ‘a contribuição direta de cada mercadoria vendida aos resultados finais da empresa’. E, para concluir, não pode passar despercebida, em nível mundial, a importância da criação do Tribunal Penal Internacional de Haia. Apesar de suas limitações, impostas pela falta de apoio de nações como EUA, Rússia e China, este tribunal é, nas palavras do Secretário Geral da ONU, um presente de esperança para as gerações futuras. Prezado leitor, este é o leque dos temas da área de ciências sociais e humanas aplicadas, todo elaborado por professores e alunos desta instituição, que Scientia lhe entrega, para leitura, análise e crítica. Artelírio Bolsanello, M. Sc.


CAPITALISMO FLEXÍVEL E TRABALHO

MAURI RODRIGUES *

* Mestre em Administração – UFMG/UVV Professor de Teorias da Administração Coordenador do Curso de Administração na UVV-Vitória Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 7-24, jul/dez. 2002


8


9 RESUMO Este estudo discute os impactos da adoção de novas tecnologias organizacionais por uma empresa mineradora no Estado do Espírito Santo. Procura observar, na prática, os impactos das mudanças verificadas como reação à crise capitalista iniciada nos anos 60-70 e seus reflexos no trabalho das pessoas que atuam ou que atuavam naquela organização. A base teórica parte de autores como Marcus Alban, Ricardo Antunes, Jorge Mattoso, Márcio Pochmann e Richard Sennett. Concluiu-se que a reação do capitalismo a mais uma crise iniciada nos anos 60-70, com a globalização econômica, o advento do neoliberalismo, a mudança tecnológica de uma base eletromecânica para uma base eletroeletrônica e, com uma forte reestruturação produtiva nas organizações, seguindo o modelo japonês, têm provocado transformações radicais no mundo do trabalho principalmente no que se refere ao trabalho em equipe, polivalência, carga e ritmo, processo de tomada de decisão e sistemas de avaliação de desempenho. Palavras-chave: Novas tecnologias, mudanças, capitalismo flexível, crise, trabalho, globalização, neoliberalismo, reestruturação produtiva, organizações.

ABSTRACT This study discusses the impacts of the adoption of new organizational technologies by a mining company in the Espírito Santo State. It tries to observe, in practice, the impacts of the changes verified as reaction to the capitalist crisis initiated in the years 60-70 and their reflexes to the work of people who worked or still work in that organization. The theoretical fundaments are based on the authors as Marcus Alban, Ricardo Antunes, Jorge Mattoso, Márcio Pochmann and Richard Sennett. The study concluded that the reaction of capitalism to one more crisis initiated in the years 60-70, with the economical globalization, the coming of the neoliberalism, the technological change from a electromechanical base into a electro-electronic one and, with a strong productive restructuring in the organizations, following the Japanese model, have provoked radical transformation in the world of the work, mainly in what refers to teamwork, polivalence, load and rhythm, process of decision taking and systems of performance evaluation. Keywords: New technologies, flexible capitalism, changes, crisis, work, globalization, neoliberalism, productive reestructuring, organization.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 7-24, jul/dez. 2002


10 1 INTRODUÇÃO Apesar de bastante estudados, os impactos do capitalismo flexível sobre o trabalho não têm sido amplamente divulgados no Brasil. O tema, no entanto, vem saindo, aos poucos, do meio acadêmico e ocupando cada vez mais espaço na mídia, na medida em que novas pesquisas são realizadas e divulgadas. Com base em uma revisão bibliográfica sobre o tema e em uma pesquisa realizada junto a uma importante mineradora capixaba procurando-se responder a pergunta sobre a forma como as novas tecnologias organizacionais impactaram o trabalho naquela empresa, chegou-se a conclusões reveladoras sobre o assunto. Sabe-se hoje que o capitalismo vem sofrendo crises ao longo de sua história e vem reagindo a elas, principalmente por meio de uma reestruturação econômica e produtiva que resulta, quase sempre, na adoção de novas tecnologias organizacionais que, ao que se conclui, acaba por provocar mudanças significativas nas relações de trabalho.

2 REVISÃO DA LITERATURA Alban (1999), em seu livro “Crescimento sem emprego”, mostra, de uma forma bastante clara, o desenvolvimento capitalista e suas crises vis-à-vis às Revoluções Industriais. A primeira grande crise enfrentada pelo capital ocorreu, de acordo com o autor, por volta do ano de 1870 com o término da implantação dos principais troncos ferroviários na Europa e nos Estados Unidos, quando se teve a desaceleração do crescimento econômico em todo o mundo. No lugar da dinâmica desenvolvimentista, surgiu, principalmente na Inglaterra e, em certa medida, também nos Estados Unidos uma profunda crise que se estendeu até meados dos anos de 1890. Essa ampla crise, de acordo ainda com Alban (1999), na qual se combinam dinâmicas schumpeterianas e keynesianas, chegou ao seu fim com a emergência de um conjunto de novos paradigmas tecnológicos e organizacionais.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 7-24 , jul/dez. 2002


11 No contexto em que se formou, surgiu e se desenvolveu, o método da administração científica de Frederick W. Taylor, que se tornaria mundialmente conhecido como taylorismo. De acordo com Alban (1999), a primeira grande inovação de natureza organizacional e não-técnica, com fortes impactos na produtividade das indústrias de montagem. Em linhas gerais, ela consistiu num intenso processo de racionalização dos sistemas e métodos de trabalho, empreendido em toda a indústria, a partir das últimas décadas do século XIX. Ao que se observou, o resultado da aplicação do taylorismo, combinado com a linha de montagem fordista, foi realmente assombroso. As empresas conseguiram altíssimos ganhos de produtividade à custa da mecanização completa do trabalho. Ao que tudo indica também, os ganhos obtidos pelas empresas não foram repassados de forma eqüitativa aos trabalhadores, de uma maneira geral. Pode-se dizer que o capitalismo havia reagido à sua primeira grande crise. De acordo com Alban (1999), essa reação ocorreu fundamentalmente em razão do uso de novas formas de energia, como o vapor e a eletricidade, mas, principalmente, em função de novas tecnologias organizacionais, mais especificamente em função do modelo organizacional taylorista/fordista. Contudo, o progresso técnico e a adoção do taylorismo/fordismo não impediram mais uma grande crise do capitalismo, ou seja, a Grande Depressão de 1929-1930. Apesar da sua gravidade e extensão, o capitalismo reage, também, a mais essa crise. Alban (1999) aponta como ações voltadas para a superação da crise o polêmico New Deal e a ampliação dos gastos públicos com base na Teoria Geral de Keynes. Porém, o que, de acordo com o autor, permitirá a superação efetiva da depressão e o desemprego não será o New Deal nem a teoria keynesiana, mas sim as exigências concretas da economia de guerra. Tal ponto de vista é compartilhado por Mattoso (1995), quando afirma que, com a Segunda Guerra Mundial, somaram-se os interesses econômicos, financeiros e regionais norte-americanos, rompe-se o isolacionismo e firmamse as bases da hegemonia industrial, tecnológica, financeira, agrícola e militar dos Estados Unidos. O autor aponta como fatores básicos dessa reação, o fortalecimento dos sindicatos de trabalhadores, a Segunda Guerra Mundial e o surgimento da Guerra Fria como alimentadores das condições para formação e expansão do padrão de desenvolvimento norte-americano. Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 7-24, jul/dez. 2002


12 Entretanto, uma vez cessado o crescimento, o que ocorre ao final dos anos 60, primeiramente o fordismo e posteriormente o próprio Estado de bemestar social europeu, não por acaso, perdem a sua funcionalidade e começam a desmoronar-se vindo a configurar-se mais uma crise estrutural do capitalismo. Para Mattoso (1995), no início dos anos 70, a fragilização do Sistema Monetário Internacional (fim da paridade ouro-dólar e da instabilidade nas taxas de juros), gerou uma perda na capacidade geral de dinamização da economia mundial. Abriu-se, a partir de então, um período de incertezas e de novos questionamentos do padrão sistêmico de integração social, inicialmente, pelas propostas de políticas econômicas e sociais definidas pelos partidos conservadores e, posteriormente, pela própria aplicação dessas políticas. Para o autor, essa crise estrutural, cuja manifestação foi a desarticulação das relações virtuosas do padrão de desenvolvimento norte-americano, foi resultado do esgotamento dos impulsos dinâmicos do padrão de industrialização, com o enfraquecimento da capacidade dinâmica do progresso técnico, a maior saturação de mercados internacionalizados, o sobreinvestimento generalizado, a crescente financeirização da riqueza produzida e o enfraquecimento da hegemonia norte-americana. A crise foi então amplificada pela brusca elevação dos preços do petróleo decidida pelo cartel da OPEP, no final de 1973. O fato é que, tanto para Alban (1999) como para Mattoso (1995), o modelo taylorista/fordista dá sinais de esgotamento e entra em crise a partir dos anos 60/70, iniciando-se, assim, uma terceira grande crise capitalista. De acordo com Mattoso (1995), como conseqüências dessa nova crise, os vínculos nacionais estabelecidos entre os empresários industriais e agrícolas e os trabalhadores foram crescentemente questionados com o acirramento da concorrência internacional. Na percepção do autor, a distância da crise de 29, da Segunda Guerra Mundial, do trauma do desemprego e do espectro do comunismo, também favoreceram para que a reestruturação econômica ocorresse sem levar em conta o compromisso com o Estado de bem-estar social, das políticas de pleno-emprego e da administração da demanda agregada. Os trabalhadores foram, dessa forma, crescentemente responsabilizados pela redução da produtividade, pelos custos elevados e pelos obstáculos à competição supostamente gerados pelos instrumentos regulatórios e pelas políticas sociais do Estado.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 7-24 , jul/dez. 2002


13 Com base na ruptura dessa aliança, de acordo com Mattoso (1995), a modernização dos anos 80 favoreceu a intensa reestruturação econômica e produtiva da economia mundial, sob o comando dos países avançados o sob o predomínio do capital reestruturado, subsumido no movimento mais geral de gestão e realização da riqueza sob o domínio financeiro. Para Alban (1999), ao analisar-se a dinâmica interperíodos, percebe-se que a evolução da produtividade, na quase-totalidade dos países, quando composta com a taxa natural de crescimento da força de trabalho, acaba ultrapassando as respectivas taxas de crescimento econômico. Por conseguinte, o desemprego será crescente, mesmo com a retomada do crescimento. É o jobless growth, o crescimento sem emprego, que, a partir dos anos 80, se estabelece no mundo desenvolvido, especialmente na Europa. Como se pode observar, de acordo com os autores citados, o capitalismo passa por mais uma crise. Como nas anteriores, o capital vem reagindo também a essa crise com políticas econômicas específicas, aparecendo o neoliberalismo e a globalização da economia. Tais políticas têm, como não poderia deixar de ser, um forte impacto sobre a economia mundial, provocando uma reestruturação produtiva com base em um novo paradigma tecnológico, apontado por vários autores como uma Terceira Revolução Industrial. Alban (1999) fala em “revolução informacional”; Mattoso (1995), em “automação integrada flexível”; Antunes (1997) fala em “especialização flexível”. Todos os autores, no entanto, apontam a mudança tecnológica de uma base eletromecânica para uma base eletroeletrônica como fatores principais de reação do capitalismo a mais uma crise iniciada nos anos 60-70. Essas mudanças acabam por provocar transformações radicais no mundo do trabalho. De acordo com Alban (1999), concomitantemente ao movimento de globalização da economia e da ofensiva neoliberal, surgem, a partir dos anos 70, os microcomputadores, os quais, irão reconfigurar por completo a lógica e as funções do processamento eletrônico de dados. Os micros, com multiuso informático penetram não apenas nas pequenas e médias empresas, como também nos lares, transformando-se num bem de consumo pessoal e familiar. Os microprocessadores, entretanto, continua Alban (1999), não se destinarão apenas aos microcomputadores. Como unidades diminutas, poderosas e baratas, eles promoverão um intenso processo de automatização e flexibilização dos sistemas produtivos eletromecânicos, substituindo a rigidez e o controle humano pelo controle eletrônico programável. O mesmo, paralelamente, acontecerá também, com uma série de sistemas de comunicação, estruturas e Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 7-24, jul/dez. 2002


14 serviços administrativos. Dessa maneira, por meio dos microprocessadores, a eletrônica acaba se difundindo por quase toda a economia e sociedade, configurando-se, na prática, uma nova revolução industrial com a presente revolução informacional. A combinação das políticas neoliberais com a globalização da economia e com o surgimento do novo paradigma tecnológico provocará uma profunda reestruturação produtiva, com impactos também profundos, nas relações de trabalho. Como se sabe hoje, foi no Japão que a automação flexível acabou encontrando um terreno mais propício para crescer e se consolidar devido a sua relativa abundância de mão-de-obra, especialmente a mão-de-obra não-especializada, e a necessidade de voltar-se para um mercado externo não-padronizado e extremamente segmentado. A solução encontrada pelo Japão, capaz de aumentar a produtividade na produção de pequenas quantidades de numerosos modelos de produtos, contou, em sua versão final, com a colaboração de engenheiros e técnicos de inúmeras empresas, mas, principalmente, com os técnicos e engenheiros da Toyota. Criado com base nas idéias seminais do engenheiro Taiichi Ohno, principal mentor do sistema Toyota de produção, o toyotismo conformará um novo e revolucionário conceito de organização da produção, que se difundirá por todo o mundo. Em sua análise, Alban (1999) aponta o toyotismo como um sistema de produção estruturado em quatro vertentes básicas, ou seja, a mecanização flexível, o processo de multifuncionalização da mão-de-obra, o sistema de Qualidade Total e o sistema just in time. Esse novo sistema de produção, constata Alban, acaba sendo exatamente o inverso do fordismo. Nele, a produtividade é buscada com a manutenção e não com a eliminação da flexibilidade. Reduzidos os custos de controle com a microeletrônica, a automação flexível se tornou muito mais vantajosa do que a automação rígida, por viabilizar praticamente a mesma produtividade da automação rígida, ou muito maior, no caso das estruturas administrativas, sem perder a flexibilidade. Podia-se garantir, ao mesmo tempo, variedade e preço baixo, o que, de acordo com Alban (1999), representava uma fantástica vantagem competitiva nos críticos Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 7-24 , jul/dez. 2002


15 anos 70. Para esse autor, no que se refere à estrutura produtiva, em uma fábrica flexível, um mesmo trabalhador deve ter a capacidade de exercer diversas funções, operar e ou monitorar várias máquinas, para que toda a equipe possa ser reconfigurada sempre que necessário. Processo semelhante desenvolve-se nas estruturas administrativas. Com os sistemas informacionais integrados, a informação torna-se facilmente acessível em toda a organização, possibilitando estruturas horizontalizadas, tornando-se desnecessárias as grandes hierarquias verticalizadas. Em ambos os casos, o trabalho requerido já não consiste no trabalhador semiqualificado do taylorismo-fordismo. O perfil de alta qualificação generalista e estratégico, antes restrito às cúpulas administrativas, passa a ser exigido em quase toda a estrutura organizacional. No contexto econômico que se configurou, de acordo ainda com Alban (1999), com a automação flexível, as empresas toyotistas estavam fadadas a assumir a supremacia produtiva e econômica. Em função do choque do petróleo e dos seus desdobramentos, a partir de 1973, essa supremacia acabou vindo bem mais cedo do que o previsto. Afinal, finda-se o áureo ciclo de crescimento dos anos dourados, ambiente natural das empresas fordistas. O toyotismo foi visto inicialmente como um mero modismo de consultores no ambiente da comunidade financeira acostumada a lucros líquidos e certos com as grandes empresas fordistas. Em face do fraco desempenho das empresas ocidentais e do sucesso das empresas toyotistas no próprio Estados Unidos, percebeu-se que se tratava de um sistema verdadeiramente universal que independia dos trabalhadores e da cultura oriental. Percebeu-se, também, que o problema para implantação do sistema toyota no Ocidente não eram os trabalhadores, mas os seus gerentes e engenheiros. Se os problemas eram os gerentes e os engenheiros, eles teriam que ser mudados, e de fato foi isso o que aconteceu. De acordo com Alban (1999, p. 202): A partir do final dos anos 80, em meio a um intenso processo de fusões e takeovers, os conselhos de acionistas das grandes empresas fordistas começam um verdadeiro processo de “degola” das suas cúpulas administrativas. O auge se dará no começo dos anos 90, quando serão demitidos, quase simultaneamente, os “chefões” da General Motors, IBM, Westinghouse e American Express. Com a “degola” das velhas cúpulas, executivos bem mais novos subirão ao poder e, com novas Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 7-24, jul/dez. 2002


16 idéias, as idéias toyotistas, geram uma completa toyotização de suas estruturas administrativas. Esse processo, que implicará a desverticalização das estruturas hierárquicas, será conhecido e implementado em todo o mundo como a reengenharia das estruturas administrativas. Consistindo, em sua essência, numa engenharia organizacional antifordista, logo toyotista, a reengenharia possibilitará um intenso e eficiente uso da automação flexível. Com ela, portanto, a automação flexível supera definitivamente a automação rígida, tornando-se, em todos os setores, o novo paradigma dominante.

Como era de esperar, as mudanças ocorridas, primeiramente no Japão e depois nos Estados Unidos e Europa, acabaram por chegar a países dependentes como o Brasil. Essas mudanças afetaram, de maneiras diferentes, os diferentes países, e as diferentes regiões, em função do contexto de cada um.

3 A EMPRESA PESQUISADA Como se constatou, a empresa tem procurado se manter no mercado adotando estratégias coerentes com o contexto do capitalismo flexível. O quadro funcional efetivo da empresa, em 31-12-1999, era de 1.375 empregados (não inclui menores aprendizes). Os investimentos em treinamento, no período, somaram R$ 1,2 milhões. Foram aplicadas 187.518 horas de treinamento, com uma média per capita de 135 horas e 44.064 participações. Os empregados da empresa têm um perfil de educação formal, completo ou em progresso, único entre as empresas do setor: Master in Science 1%; Graduação 30%; Técnico 43%; segundo grau 25%; e apenas 1% sem nível mínimo de escolaridade. De acordo com a documentação pesquisada, confirmada pelas entrevistas realizadas com a alta administração, a empresa gerencia suas atividades de forma descentralizada, com foco orientado para a Gestão pela Qualidade. Vários subsistemas integrados sustentam a administração da companhia: Sistema de Gestão pela Qualidade, Sistema de Gestão Ambiental, Sistema de Gestão da Segurança, Gestão Integrada de Recursos Humanos, entre outros. Em 1999, a empresa consolidou o gerenciamento da rotina bem como os sistemas ISO 9002/14001 e se preparava para a conquista do Occupational Health and Safety Assessment Series (OHSAS) 18001 no ano 2000.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 7-24 , jul/dez. 2002


17 3.1 MUDANÇAS GERAIS OCORRIDAS NA EMPRESA Em maio de 2000 a empresa teve o seu controle acionário transferido para outra controladora. Essa mudança impactou muito o trabalho na percepção dos empregados, apesar da negativa da alta gerência. Em momento algum das entrevistas, a alta e até a média gerência, com raras exceções, admitiu os impactos, principalmente pelo seu lado negativo. Nas entrevistas realizadas no ambiente da empresa, não se conseguiram respostas diretas da preocupação dos trabalhadores em relação à mudança do controle acionário da empresa. A alta gerência fala, de maneira geral, sobre a sinergia positiva que, seguramente, resultará da união da empresa com uma das maiores mineradoras do mundo. Pôde-se observar, contudo, essa preocupação, quando os entrevistados, ao serem incentivados a falar sobre o assunto, principalmente o pessoal de nível de supervisão e operação, apesar de não falarem abertamente sobre a preocupação reinante, deixavam transparecer, claramente, a preocupação com a manutenção de seus empregos. Um empregado do nível técnico operacional demonstra a sua preocupação com a questão e com as possibilidades e perigos da terceirização: O comentário que eu quero fazer é para que o pessoal que faz o planejamento estratégico da empresa, nessa fase de mudanças aí agora, arranje uma forma de não haver na empresa, tanta interferência como houve na atual empresa que controla a nossa. Lá teve uma terceirização muito forte...

Em entrevista realizada com um empregado do nível operacional, fora do ambiente da empresa, porém, essa preocupação fica patente e o empregado fala abertamente sobre o assunto: Quando a empresa estava para ser vendida, tinham três empresas interessadas. O que nós achávamos pior seria a que comprou. A empresa adquirente já chegou falando em demissão, além de cortar os benefícios, foi a demissão que ela chegou anunciando, a demissão do pessoal da manutenção. Reuniu a turma e falou logo que o ramo dela é pelotização e mineração e não manutenção. Ela não vende manutenção para ninguém e que ela ia terceirizar a manutenção da empresa e, nessa terceirização, ia ter muita demissão. Frisaram mesmo, fizeram um questionário orientando o supervisor quando alguém perguntasse se seria aproSci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 7-24, jul/dez. 2002


18 veitado, a resposta seria que sim, mas muito pouco, por causa do salário e por causa da Lei que não permite que você reduza o seu salário mesmo que você passe a trabalhar numa empreiteira. Estariam saindo umas 300 pessoas. A questão do envolvimento, comprometimento e lealdade, tão discutida pelas empresas, aparece aqui, nas palavras de Sennett (1999). De acordo com o autor, o princípio do “não há longo prazo”, com base na flexibilidade, corrói a confiança, a lealdade e o compromisso mútuo. A confiança pode até ser uma questão puramente formal como em uma transação comercial, mas, em geral, o desenvolvimento de laços mais profundos de confiança, demanda tempo para surgir, entranhando-se devagar nas brechas das instituições. O esquema de curto prazo das organizações limita o amadurecimento da confiança informal. O autor cita, como uma violação particularmente flagrante do compromisso mútuo entre a empresa e seus empregados, as situações em que as empresas são vendidas ou abrem o seu capital. Os fundadores, donos ou acionistas podem simplesmente pegar o seu dinheiro e ir embora, deixando para trás os empregados de níveis inferiores. De acordo ainda com o autor, se uma organização, nova ou velha, opera como uma estrutura de rede flexível, frouxa e não, com um rígido comando de cima para baixo, a rede também pode afrouxar os laços sociais. O sociólogo Mark Granovetter1, citado por Sennett (1999, p. 25), diz que as redes institucionais modernas se caracterizam pela “força de laços fracos”, com o que quer dizer, em parte, que as formas passageiras de associação são mais úteis às pessoas que as ligações de longo prazo e, em parte, que fortes laços sociais, como a lealdade, deixaram de ser atraentes. Esses laços fracos se concretizam no trabalho de equipe, no qual ela passa de tarefa em tarefa e muda de pessoal no caminho. Os laços fortes, em contrastes, dependem da associação em longo prazo. E, mais pessoalmente, da disposição de estabelecer compromissos com os outros. Em vista dos laços fracos tipicamente curtos nas instituições de hoje, John Kotter,2 professor da Escola de Comércio de Harvard, citado por Sennett (1999, p. 25), aconselha os jovens a trabalhar “mais fora que dentro” das organizações. Ele defende a consultoria, em vez de “enredar-se” no emprego em longo 1

2

GRANOVETTER, M. The strength of weak ties. American Journal of Sociology, n. 78, p. 13601380, 1973. KOTTER, J. The new rules. New York: Dutton, 1995. p. 81-159.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 7-24 , jul/dez. 2002


19 prazo; a lealdade institucional é uma armadilha, numa economia em que “...conceitos comerciais, projetos de produtos, informações sobre concorrentes, equipamento de capital e todo tipo de conhecimento têm períodos de vida dignos de crédito mais curtos”. Um consultor que administrou um recente enxugamento de funcionários na IBM declara que, tão logo os empregados compreendem que não podem contar com a empresa, são negociáveis. O distanciamento e a cooperatividade superficial são uma blindagem melhor para lidar com as atuais realidades que o comportamento baseado em valores de lealdade e serviço. Para Sennett (1999), o que mais afeta diretamente a vida emocional das pessoas, fora do trabalho, é a dimensão do tempo do novo capitalismo e não a transmissão de dados high-tech, os mercados globais ou o livre comércio. Essa dimensão do tempo do novo capitalismo, quanto transposta para a área familiar, significa mudar, não se comprometer, não se sacrificar. Afinal, “não há longo prazo”. Nas palavras do próprio Sennett (1999, p. 27): Esse conflito entre família e trabalho impõe algumas questões sobre a própria experiência adulta. Como se podem buscar objetivos de longo prazo numa sociedade de curto prazo? Como se podem manter relações sociais duráveis? Como pode um ser humano desenvolver uma narrativa de identidade e história de vida numa sociedade composta de episódios e fragmentos? As condições da nova economia alimentam, ao contrário, a experiência com a deriva no tempo, de lugar em lugar, de emprego em emprego [...]. O capitalismo de curto prazo corrói o caráter [...], sobretudo aquelas qualidades de caráter que ligam os seres humanos uns aos outros, e dão a cada um deles um senso de identidade sustentável.

O que se pode observar em algumas entrevistas é que esse sentimento de longo prazo começa a se perder na empresa começando a aparecer, ao contrário, o sentimento que o autor chama de “não há longo prazo”. Dentre as mudanças e ações desenvolvidas pela empresa, destacam-se: o Gerenciamento da Rotina, ou seja, as operações da rotina diária na empresa devem ser valorizadas e executadas com método, procurando atender aos padrões, melhorá-los e estabilizar os processos; e o Gerenciamento pelas Diretrizes, ou seja, compete a toda a equipe gerencial da empresa estabelecer metas de melhorias em todos os níveis e assegurar o seu cumprimento. De acordo com um gerente, foi só a partir de 94, com a certificação e com a implantação da Gerência da Rotina que a empresa passou a se conhecer e a se controlar efetivamente. Tomou posse de todo o seu processo, do seu deseSci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 7-24, jul/dez. 2002


20 nho. Hoje, as reuniões para gerenciamento da rotina continuam e todo ano fazemos um seminário com a participação de todos os chefes de departamentos, com os nossos gerentes e respectivas diretorias e áreas de apoio aonde é negociado, internamente, através de uma diretriz da empresa. Todos os pormenores de características que formam esse nosso produto são estabelecidos e negociados nesse seminário. Nesse momento, o saber-fazer foi socializado na empresa. A partir de 94, além do saber-fazer, todos passaram a conhecer as políticas e diretrizes da empresa, os valores e objetivos nossos e, sobretudo, qual o papel de cada um aqui dentro. Aí, para quando a gente errar, nós introduzimos um programa de análise de falha para coisas mais simples, o MASPET (Método para Análise e Solução de Problemas com o Envolvimento de Todos) na empresa. Começamos a ganhar muito aí. As reuniões de gerência da rotina acontecem todo mês, como uma prática dentro da empresa, aonde são aferidos os resultados de cada departamento. As metas são discutidas no seminário anual (reunião das diretrizes). Outro empregado do nível de operação que foi entrevistado relatou: Eu percebi mudanças sim, porque hoje nós trabalhamos dentro de normas e de primeiro não; antes da gente ser certificado nós não tínhamos, hoje nós temos, nós trabalhamos dentro das normas. Por exemplo, se eu quero fazer qualquer manobra, eu tenho norma na área que eu vou através dela; se eu tenho alguma dúvida, eu tenho aonde buscar, tirar essa dúvida, eu tenho padrão de operação. Hoje todo mundo trabalha dentro desse padrão, dentro das normas específicas, antes nós não tínhamos isso, era pelo conhecimento, pela experiência, às vezes o cara usava um macete e hoje não, hoje nós temos critério, trabalha dentro das normas.

Sobre a maneira como as normas são estabelecidas, o mesmo operário informou: Toda elaboração de uma norma passou primeiro pelos operadores de área. Por exemplo, eu, como operador, fui descrever como que eu operava a área, depois veio outro operador e colocou como que ele operava a área, então, foi fazendo um apanhado e depois foi encaixando como realmente deveria ser essa operação. Chegamos a um consenso, fizemos um apanhado e chegamos a uma conclusão e ficou definido e determinado como seria o padrão de operação daquela área. Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 7-24 , jul/dez. 2002


21 Já, da entrevista realizada com um empregado demitido da empresa retirouse a seguinte opinião sobre a questão das normas e da padronização: Esse processo sempre houve. Eu acho que isso deve ter acontecido em toda empresa que trabalha com pesquisa de qualidade. Deve ter na Chocolates Garoto, na Vale, na BHP lá na Austrália, eu acho que no mundo todo deve ter. Na empresa, contudo, tinha um período menos freqüente. Dava até um tempo para o trabalhador que trabalhava mais duro, mais braçal, se recuperar, ele tinha mais tempo. Depois, com essa modernização, esse padrão mudou. A empresa passou a exigir mais teste para se adequar aos padrões internacionais, da globalização. O produto deve ter a mesma qualidade no Brasil, na Argentina, no Uruguai, na América do Norte e também na Europa. Na verdade, o que se procura é ter a mesma qualidade em todo o mundo. Naquela época, as empresas estavam se encaixando nesse processo de globalização e neoliberalismo que para o Brasil, quem trouxe foi Collor, não é? Isso tudo, até certo ponto, sacrificou muito o trabalhador.

Sobre essa questão da rotina no trabalho, Sennett (1999) afirma que estamos hoje numa linha divisória na questão. Enquanto a nova linguagem da flexibilidade sugere que a rotina está morrendo, a maior parte da mão-de-obra permanece “inscrita no círculo do fordismo. O uso do computador, por exemplo, envolve, na maior parte das vezes, tarefas rotineiras, como a entrada de dados.” Esse ponto de vista é compartilhado por outros autores como Pochmann (1999), Mattoso (1995) e Antunes (1997), que afirmam estarmos passando por um momento ambíguo em que o velho e o novo se misturam. Na verdade, muitas vezes dentro da mesma empresa e até no mesmo departamento, coadunamse métodos tayloristas/fordistas e toyotistas. O novo não matou o velho totalmente, mesmo porque o velho serviu e serve de base ao novo. 3.2 TRABALHO EM EQUIPE E PARTICIPAÇÃO A questão do trabalho em equipe e a participação do pessoal nos processos que envolvem o trabalho de cada um também sofreram os impactos das mudanças verificadas na empresa. Um gerente entrevistado afirmou sobre as formas e canais de participação dos empregados: No caso do chão de fábrica, a participação nas análises de falhas, a participação no MASPET, a participação em grupos de segurança, o campo de idéias. Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 7-24, jul/dez. 2002


22 No caso das gerências, principalmente no caso das gerências para cima, a participação no planejamento estratégico da empresa. Quer dizer, tem maneiras de influenciar. Quando eu penso que tenho maneiras de influenciar nos destinos da empresa nos próximos dez anos, já me sinto ... Liga-me diretamente à presidência da empresa. Observou-se, contudo, que a empresa não coloca nenhum canal formal para a participação dos empregados de modo que possam colocar suas queixas ou reivindicações sem a necessidade de identificação. As percepções sobre a forma e sobre a participação de cada um no processo de mudanças, realizadas na empresa, nem sempre são coincidentes. Um técnico de contribuição individual percebeu da seguinte maneira essas modificações: “A nossa participação é mais informal. Eu vejo que a maioria das ações vem da alta administração, é uma decisão estratégica que depois é difundida para todos os níveis. Acho que o sucesso desses planos depende muito do comprometimento da alta administração.” Um empregado do nível de supervisão observou: Isso veio de cima para baixo, depois nos fomos capacitados, treinados, foram passadas todas as orientações. ... Na verdade, uma coisa ou outra mais voltada internamente no meu setor, que depende diretamente da minha chefia, a gente participa, mas coisas que são mais no nível estratégico, a gente só tem mesmo é que seguir.

Outro empregado do nível de operação, entrevistado fora do ambiente da empresa, teve uma visão diferenciada desse processo. De acordo com um gerente entrevistado, a mudança de turnos de trabalho de oito para doze horas foi proposta e aprovada pelos próprios trabalhadores. Questionado sobre o assunto, o empregado declarou: Essa abertura não tem. É conversa fiada!!!. O pessoal confunde muito o seguinte: na empresa, muitos chefes moram ali, perto. Então, o sujeito está de folga, encontra com o chefe lá na rua tomando uma cervejinha, aí o cara confunde que ele pode falar o que quiser. Se você falar alguma coisa para o cara ali do lado, você está assinando a sua demissão. Equipe mesmo só no papel, trabalho em equipe nenhuma, cada um faz o seu, sabe o que tem que fazer faz a sua parte e pronto.

O que a empresa chama de trabalho em equipe, Sennett (1999) chama de ficção. Pela superficialidade do seu conteúdo, pelo foco no momento imediaSci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 7-24 , jul/dez. 2002


23 to, por sua fuga à resistência e ao confronto, o que se chama de “trabalho em equipe” serve, na verdade, ao exercício da dominação. Conforme Sennett (1999), para os senhores do novo regime, como a corte de Davos, a mudança irreversível e múltipla e as atividades fragmentadas podem ser úteis, mas podem, também, desorientar os servos do regime. Nesse novo etos cooperativo do trabalho em equipe, instalam-se como senhores os “facilitadores” e “administradores de processos” que fogem ao verdadeiro compromisso com seus servos. Sennett (1999, p. 176) conclui que o dilema de como organizar uma narrativa de vida é, em parte, esclarecido, sondando-se como, no capitalismo de hoje, as pessoas enfrentam o futuro. Em suas próprias palavras: Aprendi com o amargo passado radical de minha família; se ocorre mudança, ela se dá no chão, entre pessoas que falam por necessidade interior, mais do que por levantes da massa. Que programas políticos resultam dessas necessidades interiores, eu simplesmente não sei. Mas sei que um regime que não oferece aos seres humanos motivos para ligarem uns para os outros não pode preservar sua legitimidade por muito tempo.

4 CONCLUSÃO O capitalismo tem enfrentado grandes crises ao longo do tempo. O sistema vem reagindo a essas crises com a reestruturação produtiva e a adoção de novas tecnologias organizacionais. A reação do capitalismo a mais uma crise iniciada nos anos 60-70, com a globalização econômica, o advento do neoliberalismo, a mudança tecnológica de uma base eletromecânica para uma base eletroeletrônica e, com uma forte reestruturação produtiva nas organizações, seguindo o modelo japonês, têm provocado transformações radicais no mundo do trabalho. As novas tecnologias organizacionais adotadas pela empresa provocaram mudanças profundas e impactaram o trabalho, principalmente, no que se refere ao trabalho em equipe, ao processo de tomada de decisão, ao emprego, ao desemprego, divisão do trabalho e aos sistemas de avaliação de desempenho. Há uma nítida diferença entre as respostas dadas pelos empregados entrevistados dentro e fora da empresa.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 7-24, jul/dez. 2002


24 Com base na pesquisa realizada e nas idéias defendidas pela maioria dos autores citados, pode-se afirmar que as mudanças promovidas realmente têm possibilitado um grande ganho para a empresa, principalmente no que se refere ao aumento da produtividade. Contudo, os ganhos conseguidos pela empresa e pela maioria das organizações que adotam sistemas semelhantes, não estão sendo devidamente distribuídos. Os custos sociais decorrentes de tais estratégias superam em muito os ganhos econômicos e financeiros. Em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, no dia 23 de janeiro de 2000, Ariano Suassuna afirma que, tendo uma visão pessimista do homem, pessoas como Maquiavel, Churchill e Roberto Campos acham que o melhor é encarar e aceitar tranqüilamente as desigualdades e conquistar o poder para usufruir suas vantagens, sem remorso ou qualquer consideração que leve em conta o sonho de justiça. Ao contrário das pessoas citadas por Suassuna, o que se buscou neste trabalho foi encarar, sim, as desigualdades, mas não aceitá-las tranqüilamente; analisar as questões do poder, refletir sobre elas sim, mas para levar em conta o sonho de justiça.

5 REFERÊNCIAS ALBAN, M. Crescimento sem emprego: o desenvolvimento capitalista e sua crise contemporânea à luz das revoluções tecnológicas. Salvador: Casa da Qualidade, 1999. ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1997. MATTOSO, J. E. L. A desordem do trabalho. São Paulo: Página Aberta, 1995. POCHMANN, M. O trabalho sob fogo cruzado: exclusão, desemprego e precarização no final do século. São Paulo: Contexto, 1999. SENNETT, R. A corrosão do caráter: conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 1999.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 7-24 , jul/dez. 2002


GLOBALIZAÇÃO: DIFERENTES VISÕES SOBRE UM MESMO PROCESSO

FLAVIA NICO VASCONCELOS *

* Mestre em Relações Internacionais Coordenadora do Curso de Relações Internacionais da UVV Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2,p. 25-37, jul/dez. 2002


26


27 RESUMO Este artigo discute as três principais teses sobre a globalização, apresentando as influências e condicionamentos que são colocados às ações dos Estados segundo cada uma delas. O principal objetivo é mostrar que para cada interpretação encontraremos conseqüências diferentes para o entendimento das relações internacionais. Palavras-chave: Globalização, Estado, Estado-nação, Sistema Internacional, Guerra Fria, Relações Internacionais.

ABSTRACT This article discusses the three main schools of thought about globalization. It also presents the influences and the conditionalities on the action of States according to each one. The main goal is to show that it is possible to have different interpretations about the international relations depending on the school of thought we rely on. Keywords: Globalization, Nation-state, Government, International System, Cold War, International Relations.

1 O SISTEMA INTERNACIONAL E A GLOBALIZAÇÃO A configuração do sistema internacional tem muito a dizer sobre como se organizam as relações políticas e econômicas que se estabelecem entre e dentro dos Estados.1 Para cada momento, distinguem-se conformações específicas de equilíbrio de poder e de legitimidade internacional, elementos básicos do sistema internacional. O contexto da Guerra Fria, inaugurada após a Segunda Guerra Mundial, e a posterior ordem mundial contemporânea são dois momentos centrais que reproduzem as características e formas de organização do sistema internacional.

1

A concepção clássica de Estado dentro do campo das Relações Internacionais é aquela definida a partir da Paz de Vestfália (1648), isto é, um governo político central que controla o uso da violência e toma as decisões dentro de fronteiras territoriais delimitadas sem sofrer interferências externas. Quando falamos sobre mudanças e desafios colocados pela globalização ao Estado temos como referência esta concepção.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 25-37, jul/dez. 2002


28 A Guerra Fria foi o antagonismo entre dois pólos de poder, os EUA e a URSS, ampliado por diferenças ideológicas. As disputas entre as duas potências englobavam todas as dimensões do poder – estratégico-militar, econômico e dos valores. Dada esta configuração bipolar de equilíbrio de poder, a lógica das relações internacionais condensaram-se no conflito Leste-Oeste. A dinâmica do sistema internacional girava em torno da dissuasão nuclear e do equilíbrio do terror. Alianças diplomáticas e militares criavam zonas de influência para cada um dos pólos. Conflitos e tensões periféricas ganhavam sentido universal. O campo econômico era circunscrito pela solidariedade política. No lado capitalista, ganha forma o arranjo de Bretton Woods e suas instituições – FMI, BIRD e GATT. No socialista, a centralização e a planificação do Comecom. A queda do Muro de Berlim em 1989 e a implosão da URSS em 1991 identificam o fim do período de Guerra Fria. Este é um ponto de inflexão do sistema internacional, pois implica o fim da ordem mundial pós-1945. No período de transição que se segue, ficam aparentes muitas características do que viria a ser a nova ordem internacional contemporânea. Uma característica observável no imediato posterior à Guerra Fria é o otimismo eufórico, cuja essência se encontra na unanimidade no plano dos valores. O vácuo ideológico, com o fim da bipolaridade, foi preenchido pelo triunfalismo dos valores liberais como parâmetros universais de legitimidade. Os valores do liberalismo político e econômico, entrelaçando democracia e mercado, seriam universalizados. Nesse sentido, a democracia e o livre mercado engendrariam um mundo de paz e de desenvolvimento. Seria um sistema internacional homogêneo – os principais atores coincidiriam nos critérios de legitimidade e seguiriam princípios comuns de organização política e econômica. As políticas nacionais, portanto, seriam tanto melhores quanto mais próximas de tais valores universais da comunidade internacional. As noções clássicas de soberania e de Estado se tornariam obsoletas. Francis Fukuyama (1992), cujo livro O Fim da História se tornou ponto de referência desse período, argumentou que a humanidade chegara à feliz conclusão na busca de um sistema político-econômico. A democracia e o capitalismo eram o ambiente ideal para o progresso. Logo, seria o fim do processo histórico, cujo objetivo fora encontrar a melhor forma de convivência social. Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 25-37, jul/dez. 2002


29 O renascimento dos nacionalismos em contexto de crise econômica na exURSS e a decomposição da Iugoslávia pelas rivalidades étnicas passam a ofuscar os cenários otimistas. Nesse contexto, surge a tese do Choque de Civilizações (HUNTINGTON, 1996). Fica clara a presença de duas forças contraditórias antes abafadas pela Guerra Fria: integração (mercado, novos atores) e fragmentação (nacionalismos, fundamentalismo, etnias). A força motriz dessas mudanças é a globalização. O processo de globalização está no centro da nova ordem internacional contemporânea; ele revela suas características principais. Compreendermos o processo da globalização, portanto, é fundamental para interpretarmos o sistema internacional contemporâneo. Mas o que é a globalização? Existem várias respostas para essa pergunta. A globalização assume diferentes perfis de acordo com o ponto de partida que estamos adotando. De modo geral, podemos considerar três correntes que apresentam distintas perspectivas sobre o tema: os hiperglobalistas, os céticos e os transformistas.2 Elaboramos abaixo um quadro sucinto de cada uma dessas teses. Nosso objetivo, ao tratar dessas diferentes visões, é buscar aquela vertente que melhor retrata o impacto da globalização sobre o papel do Estado.

2 A TESE HIPERGLOBALISTA A idéia central defendida pelos hiperglobalistas é que a globalização é um fenômeno essencialmente econômico, que promove a integração cada vez maior entre os mercados e culmina numa economia global sem fronteiras.3 Duas características em especial se destacam.

2

3

Aproveitamos o quadro teórico elaborado por Held et al. (1999, p. 1-31) para apresentar as correntes que discutem a globalização, incluindo em cada escola referências e material colhido em textos de outros autores. Podemos identificar duas variantes dentro da tese hiperglobalista: os neoliberais, que celebram a emergência de um mercado global comum e o princípio da competição global, e os neo-marxistas, que vêem na globalização um triunfo do capitalismo global opressor (HELD et al., 1999, p. 3). Ambos coincidem nas linhas gerais de seus argumentos; por exemplo, concordam que a globalização gera um novo grupo de ganhadores e perdedores. No entanto, para os neo-marxistas o capitalismo global cria e reforça padrões de desigualdade dentro e entre Estados, enquanto para os neoliberais a globalização prejudica a alguns no curto prazo mas produz maiores vantagens comparativas para os Estados no longo prazo. Procuraremos tratar, a seguir, das idéias dos hiperglobalistas enquanto uma corrente, sem nos prendermos às divisões entre eles.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 25-37, jul/dez. 2002


30 A primeira diz respeito à emancipação do mercado dos controles estatais. No novo cenário engendrado pela globalização, os mercados funcionariam melhor sem a intervenção estatal e, assim, Estado e mercado deveriam ser tratados como áreas distintas e independentes. Na realidade, não se trata de simples retorno às idéias do laissez-faire. A lógica do mercado se sobrepõe à autoridade estatal na condução da economia mundial, de forma que os bancos e corporações transnacioniais seriam os principais agentes da globalização. Trata-se do triunfo do capitalismo na forma do mercado como agente autônomo e universal. “Now the order of the day involves a metaphysics of the market, with its microchips, consumerist materialism, and rationalization of social life” (GILL, 1997, p. 208). A segunda característica diz respeito ao surgimento e reconhecimento de vários atores na arena internacional. Esses novos atores – organizações internacionais, organizações não-governamentais e multinacionais – questionam o primado do Estado no sistema internacional. As ONGs e as multinacionais, por exemplo, criam novos canais que perpassam os limites territoriais e estão livres dos constrangimentos políticos. Seguindo o raciocínio hiperglobalista, o mundo deixa de ser guiado por nações para ser comandado por empresas (OHMAE, 1996). Partindo desses dois pontos, a interpretação hiperglobalista sobre a tendência atual é de que não só o Estado esteja sendo sobreposto pelo mercado, como também suplantado por novas formas de organização. Em suma, tratase de uma nova era em que várias transformações acabaram por tornar obsoletas as fronteiras e a própria noção de soberania estatal. Com o Estado-nação tornando-se cada vez mais artificial, estaríamos perto do colapso do sistema vestfaliano. Held e McGrew (2000, p. 31) resumem a visão dos defensores dessa tese da seguinte forma: O vínculo exclusivo entre o território e o poder político rompeu-se. A era contemporânea tem assistido a um espraiamento das camadas de gestão governamental dentro e através das fronteiras políticas. Novas instituições internacionais e transnacionais têm vinculado Estados soberanos e transformado a soberania num exercício compartilhado do poder. Desenvolveu-se um conjunto de leis regionais e internacionais que sustenta um sistema emergente de governança global, tanto formal quanto informal.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 25-37, jul/dez. 2002


31 Os hiperglobalistas interpretam a globalização como uma ideologia. A força das multinacionais e corporações internacionais atua sobre os aparatos estatais, buscando a desregulamentação comercial e financeira, daí se propagariam as idéias de que a dominação da economia é tanto necessária quanto benéfica e de que os Estados serviriam apenas para garantir o funcionamento da lógica do mercado. É o tipo de tratamento dado à globalização que lhe imputa o caráter de ideologia; isto é, a visão de que a globalização é inevitável e de que ‘não há alternativa’. Nas palavras de Cox, “Globalization began to be represented as a finality, as the logical and inevitable culmination of the powerful tendencies of the market at work” (apud PANITCH, 1997, p. 23). Dentro desta concepção duas idéias difundem-se universalmente: na esfera econômica, seria necessário que o Estado fosse mínimo para garantir a livre atuação do mercado; já na esfera política, a globalização seria responsável pela disseminação internacional da preferência por regimes democráticos. O compartilhamento de idéias comuns em diferentes nações reforçaria a sensação de nascimento de uma civilização global. Gill (1997) destaca que a nova divisão internacional do trabalho dá um ímpeto ainda maior a essa sensação de existência de uma civilização global. Nesta, as elites tendem a desenvolver alianças tácitas transnacionais com base em uma ideologia neoliberal ortodoxa comum. No outro extremo, junto aos marginalizados, difunde-se uma ideologia global de consumismo que substitui padrões de comportamento tradicionais e impõe um novo senso de identidade e de modos de vida. Para dar ordem a essa civilização global, são necessários mecanismos próprios de governança também globais. Assim, a globalização seria precursora de uma civilização e de instituições globais, cuja própria existência seriam indicativos da formação de uma nova ordem econômica internacional caracterizada pelo declínio da autonomia e da soberania do Estado. Concluindo, podemos resumir o argumento central dos hiperglobalistas da seguinte forma: a globalização é a precursora do nascimento da economia global, da difusão e hibridização de culturas e da criação de instituições de governança global que juntos resultam na emergência de uma nova ordem mundial, onde prefigura a queda do Estado-nação.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 25-37, jul/dez. 2002


32 3 A TESE CÉTICA Como a própria denominação já sugere, os teóricos dessa corrente acreditam que existe muito exagero nas idéias relacionadas à globalização. Portanto, seu objetivo é desvendar as idéias ou desmascarar os mitos que sustentam a globalização. Para entendermos o argumento dos céticos, é necessário compreender a distinção que fazem entre globalização e internacionalização. Internacionalização se refere ao crescente fluxo comercial entre diversas economias nacionais; enquanto a globalização ocorre apenas quando existe a integração perfeita dos mercados internacionais. Partindo dessas duas definições, os céticos apontam o primeiro mito por trás da globalização: o que popularmente chamamos de globalização é, na realidade, apenas um grande fluxo entre economias nacionais, ou melhor, internacionalização. Para eles, a globalização, ou a integração perfeita dos mercados internacionais, é quase um tipo ideal e, como tal, nunca existiu. Na realidade, a economia mundial estaria longe de ser genuinamente global. “(...) Ao contrário, os fluxos de comércio, de investimento e financeiro estão concentrados na Tríade da Europa, Japão e América do Norte, e parece que esse domínio vai continuar” (HIRST; THOMPSON, 1998, p. 15). Segundo Hirst e Thompson (1998), estas grandes potências teriam a capacidade de coordenar a política internacional, de exercer pressões sobre os mercados financeiros e de influenciar sobre outras tendências econômicas. Assim, de forma alguma poderíamos falar que os mercados mundiais estariam sem regulação e controle. Os céticos acreditam que os Estados continuam sendo os responsáveis pelo gerenciamento da ordem e que ainda são entes soberanos. Na realidade, o desenvolvimento da internacionalização dependeria da aquiescência e suporte estatais e, portanto, “governments are not the passive victims of internationalization but, on the contrary, its primary architects” (HELD et al., 1999, p. 6). Um outro mito refere-se à suposta novidade resultante dos elevados níveis de integração. Partindo de uma visão de cunho economicista, os céticos dizem que o alvoroço é infundado pois, há muito pouco de novo na internacionalização contemporânea. Tomando por base dados quantitativos, os céticos argumentam que o período do padrão-ouro apresentou níveis de internacionalização ainda mais expressivos do que os alcançados atualmente. A pax britânica

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 25-37, jul/dez. 2002


33 patrocinou o desenvolvimento do capitalismo moderno com a modernização na industrialização capitalista e com sua política imperialista de livre-comércio e do padrão-ouro. Dessa forma, o processo atual de internacionalização seria apenas a retomada da tendência econômica mundial do século XIX, interrompida pelas duas grandes guerras do século XX. A atual economia altamente internacionalizada tem precedentes: é uma das diversas conjunturas ou estados da economia internacional que existiram desde que uma economia baseada na tecnologia industrial moderna começou a ser generalizada a partir dos anos 1860. Em certos aspectos, a economia internacional atualmente é menos aberta e integrada do que o regime que prevaleceu de 1870 a 1914 (HIRST; THOMPSON, 1998, p. 15).

No entanto, os defensores desta tese não negam que houve mudanças. Então, o que a integração de nossos dias introduz de novo e por que provoca tantas polêmicas? A integração econômica antes de 1914 era ‘superficial’ (shallow integration). Havia comércio entre Estados com firmas independentes (arms’s lenght) e movimentos internacionais de portfólio. Significava, portanto, uma internacionalização ou simples extensão de atividades econômica através de fronteiras nacionais. A integração atual é profunda (deep integration). Envolve não apenas a internacionalização – extensão geográfica de atividades econômicas através de nações -, mas principalmente a integração funcional dessas atividades dispersas internacionalmente (DICKEN, 1998). Um outro mito tem a ver com as empresas transnacionais. Segundo Hirst e Thompson (1998, p. 15), as empresas genuinamente transnacionais são raras. Na realidade, estas empresas possuem forte base nacional, de forma que o que realmente existe são empresas nacionais com atuação no exterior. Pelo próprio caráter de suas idéias, os céticos são bastante críticos dos hiperglobalistas. Um ponto de inflexão entre as duas teses é a questão da regionalização. Ao contrário de interpretar a globalização como um processo que promove a integração e unificação, os céticos chamam a atenção para os processos de regionalização, entendidos como um movimento oposto ao da globalização. Para os céticos, as tendências de formação de blocos acabam por criar zonas de isolamento, e não de integração. Além disso, eles também não acreditam em cultura e governança globais; uma vez que o ressurgimento de nacionalismos e conflitos étnicos contradizem a idéia de homogeneização cultural.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 25-37, jul/dez. 2002


34 O desenvolvimento capitalista teria centralizado ainda mais o poder nas mãos de poucos, de forma que algumas empresas e Bancos Centrais seriam responsáveis pelas principais decisões. A internacionalização econômica e as iniciativas de governança global seriam projetos ocidentais para manutenção do status quo. O objetivo principal seria o de manter a primazia do Ocidente na condução das questões internacionais. Isto é, o estado das coisas não é apenas resultado do mercado globalizado, mas está acompanhado de um desígnio de hegemonia internacional. Em suma, os céticos concordam que houve aumento qualitativo e quantitativo do nível de interdependência econômica e crescimento do alcance da economia na escala mundial, mas não globalização. A maior parte das teses que sustentam a globalização são extremadas, apenas mitos que visam sustentar a expansão capitalista aos moldes ocidentais.

4 A TESE TRANSFORMISTA Para os transformistas, uma nova fase do capitalismo se iniciou ao final do século XX. Esta nova etapa caracteriza-se pela dificuldade em distinguir os limites entre arena doméstica e internacional, pelas transformações na política internacional e pela mudança no poder estatal. Como força motriz destas transformações está a globalização. Partindo de uma abordagem de cunho histórico, os transformistas interpretam a globalização como uma poderosa força de transformação responsável por mudanças nas mais diversas áreas – sociais, políticas, econômicas, culturais, entre outras – e, por conseguinte, na própria ordem internacional. A globalização seria um processo de longo prazo e cheio de contradições. Contradições porque empurra as sociedades para direções opostas, fragmenta e integra, leva à cooperação mas também ao conflito, universaliza ao mesmo tempo em que particulariza. Porque não possui precedentes históricos, não se sabe como será o futuro. A trajetória das transformações globais seria, portanto, indeterminada e incerta (ROSENAU apud HELD et al., 1999, p. 14). Ao contrário da tese hiperglobalista, que aponta para a tendência do nascimento de uma sociedade e economias globais, os transformistas acreditam no surgimento de uma nova estratificação internacional em que alguns são incluídos e outros marginalizados. Esta nova arquitetura internacional devese, em parte, à crescente substituição da produção pelas atividades financeiras como finalidade da atividade econômica. Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 25-37, jul/dez. 2002


35 Com relação ao impacto da globalização sobre o papel do Estado, o argumento central da tese transformista é o de que a globalização está reconstituindo ou reformulando o poder, as funções e a autoridade dos governos nacionais. Não quer dizer, como os hiperglobalistas defendem, que os Estados tenham perdido sua soberania. Nem como os céticos, que acreditam que o Estado esteja intacto. A autoridade estatal está, na realidade, justaposta, em diferentes graus, com a jurisdição das instituições de governança internacional e com os constrangimentos e obrigações provenientes de regimes e acordos internacionais (HELD et al., 1999, p. 8) (...) globalization is about opportunities arising from reorganizing governance, the economy, and culture throughout the world. (...), the pressures of globalization threaten, but do not dissolve the Westphalian interstate system, opening up possibilities for more vigorous political participation at nonstate levels (MITTLEMAN, 1997, p. 237). Junto à arena internacional, o Estado tornou-se mais pró-ativo. É comum Estados participarem de alianças de cooperação internacional e atuarem na formação de regimes internacionais com o objetivo de melhorar a governabilidade global. No entanto, sua própria estrutura e forma de atuação no ambiente doméstico também foi alterada. Uma série de estratégias de ajustes, reformas e de remodelamento da atuação estatal foram empreendidas de maneira a adequar o cenário intra-estatal às mudanças em curso no cenário internacional - por exemplo, as iniciativas de liberalização econômica, de desregulamentação financeira e de privatização. São dois os pontos centrais a serem considerados. O primeiro diz respeito ao surgimento de novas organizações que não estão associadas aos Estados e tampouco obedecem aos limites territoriais. Os desenvolvimentos em tecnologia e comunicações deram suporte à emergência de novas formas de organizações políticas e econômicas capazes de agir transnacionalmente; tais como multinacionais, movimentos sociais, agências de regulação internacional, entre outras. Assim, a ordem mundial não poderia mais ser concebida como estadocêntrica ou governada apenas por Estados. Um segundo ponto relevante é a existência de sistemas globais complexos que ligam as economias nacionais, em diferentes áreas, ao redor do mundo. As fronteiras entre interno e externo, doméstico e internacional, estão confusas. A concepção de soberania como absoluta, indivisível e territorialmente definida teria se tornado problemática no mundo globalizado. Ou seja, as relações entre soberania e territorialidade estariam mais complexas.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 25-37, jul/dez. 2002


36 No longer is the world organized into a set of discrete sovereign states exercising a large (though never complete) degree of control over their domestic economies. Globalizing patterns add new complexity to what is quintly called international relations; they transcend, blur, and even redefine territorial boundaries (Mittleman, 1997, p. 229).

Concluindo, para os transformistas, a globalização é produto de uma combinação de forças que provoca níveis de interconexão sem precedentes históricos. As transformações provocadas por esse processo são visíveis tanto na composição da política internacional, quanto também na reformulação das políticas e estruturas internas do Estado. O sistema internacional globalizado não só deixa evidente que muita coisa mudou, mas provoca e requer que todo o resto mude também.

5 CONCLUSÃO: A OPÇÃO POR UMA TESE A exposição destas três teses nos apresenta as diferentes visões sobre a globalização. Está evidente que, dependendo de qual escola for utilizada como ponto de partida, teremos diferentes interpretações de um mesmo problema. Desta forma, é importante que esteja claro o objetivo de um argumento para que se opte por aquela corrente que melhor sirva à análise em questão. Enfim, a análise que realizamos sobre a globalização lembra uma máxima sobre o estudo das relações internacionais: que não há apenas uma verdade, mas muitas interpretações sobre um mesmo fato.

6 REFERÊNCIAS DICKEN, P. Global shift: transforming the world economy. London: Paul Chapman, 1998. FUKUYAMA, F. O fim da história. Rio de Janeiro: Gradiva, 1992. GILL, S. Globalization, democratization and the politics of indifference. In: MITTLEMAN, J. (Ed.). Globalization: critical reflections. Colorado: Boulder, 1997. HELD, D.; MCGREW, A. Prós e contras da globalização. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2000.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 25-37, jul/dez. 2002


37 HELD, D. et al. Global transformation: politics, economics and culture. Standford: Stanford University Press, 1999. HIRST, P.; THOMPSON, G. Globalização em questão. Petrópolis: Vozes, 1998. HUNTINGTON, S. The clash of civilizations and the remaking of world order. Nova York: Simon and Schuster, 1996. MITTLEMAN, J. The dynamics of globalization. In: ______. (Ed.). Globalization: critical reflections. Colorado: Boulder, 1997. ______. How does globalization really work. In: ______. (Ed.). Globalization: critical reflections. Colorado: Boulder, 1997. OHMAE, K. O fim do estado nação. Rio de Janeiro: Campus, 1996. PANITCH, L. Rethinking the role of the State. In: MITTLEMAN, J. (Ed.). Globalization: critical reflections. Colorado: Boulder, 1997.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 25-37, jul/dez. 2002


38


O ENSINO INTERDISCIPLINAR

EDUARDO JOSÉ PINHEIRO *

* Contador, Mestre em Educação, Especialista em Planejamento Educacional e Controladoria. Professor do Curso de Contabilidade da UVV e-mail: edupinheiro@uvv.br Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 39-50, jul/dez. 2002


40


41 RESUMO O mundo é interdisciplinar, portanto não se admite, nos dias de hoje um pensamento alheio a esta tendência. A globalização é um fato marcante em nossa época; estamos interligando mercados, alargando fronteiras, expandindo horizontes na cultura e nos negócios, e esta é a nova visão do ensino. Interagir com as diversas áreas do conhecimento, preparar um profissional hábil, capaz, com visão de mundo, ou seja, interdisciplinar, em consonância com o que o mercado exige atualmente, é tarefa da educação. A interdisciplinaridade tem sido uma busca constante dos educadores, e sua relação com o ensino, principalmente o de terceiro grau, é uma realidade. Por meio de publicações, artigos e pesquisas acadêmicas, este tema vem se desenvolvendo rapidamente. Palavras-chave: Interdisciplinaridade; interação de conteúdos.

ABSTRACT The world is interdisciplinary, therefore any thought that doesn’t take this tendency for granted cannot be admitted in the present days. The globalization is an outstanding fact nowadays; we are interlinking markets, enlarging borders, expanding horizons in culture and in business and, this is the new vision of teaching. Interacting with the several areas of knowledge, as well as preparing a skilled, capable, and visionary professional, with a good background knowledge and interdisciplinary vision, and able to satisfy the conditions that the market presently demands, is an important task of Education. The interdisciplinarity has been a constant search for educators, and its relationship with university teaching is real. Through out publications, articles and academic researches, this theme has been evolving very quickly. Keywords: interdisciplinarity; subject interaction.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 39-50, jul/dez. 2002


42 1 INTRODUÇÃO Atualmente, na vida acadêmica universitária, é comum haver debates sobre as questões relacionadas à interdisciplinaridade. Isso porque o homem se deu conta de que seu conhecimento é adquirido de forma fragmentada, em pequenas partes, sobretudo devido ao fato de as disciplinas estudadas serem ofertadas separadamente. Há muito tempo, nas universidades, as disciplinas são ensinadas de forma isolada e se tornaram praticamente incomunicáveis. Essa fragmentação disciplinar fez com que o homem perdesse de vista a unidade do todo. Santomé (1998, p. 45-46) argumenta que ... a delimitação das respectivas fronteiras é uma disputa existente em muitas áreas do conhecimento. São cada vez mais numerosas as especialidades que disputam entre si por âmbitos de intervenção profissional, porque esta ou aquela parcela de conhecimento ou ação lhes pertence exclusivamente.

Dentro de cada área de estudo existem subdivisões, assim, cada conteúdo passou a ser desenvolvido por um especialista naquele determinado tipo de conhecimento. Cada especialista argumenta que sua área de atuação é a mais importante e, por este motivo, não destina nenhum tipo de atenção a outras áreas, mesmo porque não é sua especialidade e demandaria um certo esforço tentar unir tais conhecimentos. Um curso superior, normalmente, é concluído em quatro ou cinco anos e em cada especialização, temos uma coordenação que divide o conhecimento por áreas, tornando-as estanques, cada uma com seu professor. Em geral existe pouca, ou mesmo nenhuma interação, o que torna as disciplinas praticamente incomunicáveis. O aluno ainda é tratado, na maioria das vezes, como sujeito passivo no processo ensino-aprendizagem; está à mercê de seus professores e recebe o conhecimento de várias disciplinas ao mesmo tempo, como se para isso fosse usado um conta-gotas. No decorrer desse processo, alguns alunos mais inteligentes e capazes terão competência para associar as idéias recebidas, construindo um elo entre as disciplinas, identificando a importância de cada parte no todo apresentado. A grande maioria, no entanto, não será capaz de estabelecer tais correlações.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 39-50, jul/dez. 2002


43 Estamos diante de um problema que foi identificado por estudiosos há algum tempo; mas como resolvê-lo? A interdisciplinaridade surge a partir destes pressupostos e propõe uma nova forma de ensino, mais aberto, contextualizado, flexível, solidário e crítico, dando forma a um novo tipo de pessoa que, com certeza, atenderá às expectativas da sociedade.

2 INTERDISCIPLINARIDADE Luck (2000, p. 13) diz que “o processo civilizatório e de humanização está em contínuo movimento, daí por que, de tempos em tempos, surgem novas idéias-força, novos conceitos que, não apenas representam esse movimento, mas também servem para impulsioná-lo”. Essa interdisciplinaridade é uma dessas idéias-força, visto que esse ensino fragmentado levou o homem a se tornar um especialista. O estudo fragmentado do ensino formou, na universidade, vários departamentos, cada qual isolado com sua ciência, e essa totalmente decomposta. O conhecimento profissionalizante é diluído em disciplinas, não existe a preocupação em relacioná-las e muito menos formar um elo entre as várias especialidades. O mundo moderno exige uma pessoa polivalente, com conhecimento global, de fácil integração no meio social e preparado para o aprendizado dinâmico e continuado. Vejamos como a interdisciplinaridade é vista por diversos autores. Segundo Rodriguez (1999, p. 2), “é um processo e uma filosofia de trabalho, é uma forma de pensar e de proceder para enfrentar o conhecimento da complexidade da realidade e resolver quaisquer dos complexos problemas que estas propõem.” Para esse autor, a integração das ciências nas escolas se manifesta mediante uma condição didática que permite cumprir o princípio da sistematicidade do ensino, ao mesmo tempo que assegura a interação entre os conteúdos das diferentes disciplinas que integram a grade curricular da universidade. A interdisciplinaridade neste caso é muito clara e, se utilizada sistematicamente, influirá na formação do aluno conhecedor dos problemas, pronto para atuar na sociedade e até mesmo para modificá-la. Essas relações interdisciplinares são uma via efetiva e contribuem para a relação mútua dos sistemas de conceitos, leis e teorias de diversas áreas que são abordadas nas universidades.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 39-50, jul/dez. 2002


44 Um dos objetivos da educação é formar um indivíduo de que a sociedade atual necessita. Requer convicção e espírito de colaboração das pessoas participantes do processo e, acima de tudo, organiza o ensino, dando ênfase à investigação, para criar modelos mais explicativos da complexa realidade que o enfoque disciplinar nos oculta. Segundo Nogueira (1998, p. 26), “interdisciplinaridade é o trabalho de integração das diferentes áreas do conhecimento. Um real trabalho de cooperação e troca, aberto ao diálogo e ao planejamento.” Concordamos com esse conceito, uma vez que somente desenvolveremos a interdisciplinaridade com diálogo entre professores, alunos, coordenadores e gestores de todo o processo de ensino aprendizagem, formando uma equipe com objetivo claro de integração. Para que isso ocorra é necessário um planejamento consistente e contextualizado, iniciando-se no currículo e se estendendo até a aula do dia-a-dia. Com planejamento interdisciplinar, através do diálogo e da troca de experiência, elementos fundamentais a esse tema, teremos a garantia de um sistema geral de conhecimentos e habilidades, tanto no caráter intelectual como no prático, assim como um sistema de valores e convicções para um mundo real e objetivo. Um ensino assim planejado propiciará ao estudante uma formação que lhe permitirá preparar-se para a vida social e profissional. Japiassu (1976, p. 76) exemplifica: “...a interdisciplinaridade se caracteriza pela intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas... ”Para que ela ocorra, precisamos de uma coordenação atuante, que busque essa integração entre o corpo docente e discente, a fim de que juntos trabalhem a relação existente entre as disciplinas, integrando os objetivos propostos no planejamento e propiciando o intercâmbio entre todos os envolvidos no processo. A metodologia interdisciplinar é um dos pressupostos básicos utilizados pelo autor para trabalhar o tema; somente ocorrerá essa interação entre as disciplinas se houver uma maneira coerente e sistematizada de colocar em prática essa questão. Que recursos utilizar? Em que condições serão estudadas as relações e inter-relações das disciplinas? Como tornar essa proposta viável? São algumas das questões a que a metodologia deve responder. “A interdisciplinaridade é uma questão de mudança de atitude, encontrada nas pessoas que pensam o projeto educativo, e não de simples unificação ou criação de conteúdos, disciplinas, métodos” (FAZENDA, 1995).

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 39-50, jul/dez. 2002


45 A busca da substituição do modelo fragmentado de ensino existente força essa mudança de atitude nas pessoas envolvidas com a educação, tornandoas mais críticas, observadoras e comprometidas com o processo ensino-aprendizagem. Inicia-se uma nova postura profissional preocupada com o que se vai ensinar e como ensinar; utilizam-se vários métodos, tornando o ensino mais atraente e motivador, dando vez ao aluno de participar ativamente, aproveitando suas experiências e interagindo conhecimentos. Se as pessoas que participam de um projeto deste nível não assumirem uma postura interdisciplinar, as chances de êxito são escassas. No ensino, a interdisciplinaridade é vista de vários modos, como a correlação entre as diversas disciplinas que, vinculadas entre si ou em relação de dependência, possibilitam um nível de integração através de temas, tópicos e idéias que permitam integrar conteúdos ou atividades diferentes. Neste caso, a disciplina passa a um segundo plano e a idéia integradora é a predominante. Essa interdisciplinaridade, vista como uma questão de vida prática, diária, não aborda a disciplina de forma tradicional, e sim recorre a uma vivência do aluno e sua compreensão da realidade a que pertence, oferecendo uma nova interação como forma de investigação sobre o que interessa ao próprio estudante. Nessa forma, a investigação se vê como um recurso para o desenvolvimento do currículo e não como uma disciplina ou uma atividade a mais. Os problemas e objetivos a investigar, quem os decide é o próprio aluno. Assim, o ensino interdisciplinar é associado ao desenvolvimento pessoal, atuando na construção da personalidade, fazendo com que as atitudes sejam flexíveis, comprometedoras e sensíveis em relação ao objetivo de interagir conhecimentos. Fazenda (2000, p. 44-45) nos alerta: “Se estamos, ou queremos viver na educação um momento de alteridade (como construção/produção de conhecimento) é fundamental que o professor seja mestre, aquele que sabe aprender com os mais novos [...]. Conduzir sim, eis a tarefa do mestre”. O professor, nesse processo interdisciplinar, é a figura mais importante. Seu comprometimento está diretamente ligado ao êxito de qualquer programa, portanto, quando se fala em projeto interdisciplinar, antes de tudo devemos sensibilizar os docentes e capacitá-los para esse trabalho.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 39-50, jul/dez. 2002


46 Santomé (1998, p. 73) define A interdisciplinaridade propriamente dita é algo diferente, que reúne estudos complementares de diversos especialistas em um contexto de estudo de âmbito mais coletivo. [...] Aqui se estabelece uma interação entre duas ou mais disciplinas, o que resultará em intercomunicação e enriquecimento recíproco e, conseqüentemente, em uma transformação de suas metodologias de pesquisa, em uma modificação de conceitos, de terminologias fundamentais, etc. Entre as diferentes matérias ocorrem intercâmbios mútuos e recíprocas integrações; existe um equilíbrio de forças nas relações estabelecidas.

O aluno do ensino interdisciplinar tem capacidade para solucionar problemas que ultrapassam os limites de uma disciplina, sua visão de mundo é globalizada e, em seu pensamento, as matérias estão interligadas. A motivação também é outro fator importante nessa forma de ensino. Qualquer problema tem sua importância em relação ao conhecimento prévio do aluno; isso faz com que ele transforme cada situação em objeto de estudo. Podemos representar graficamente a interdisciplinaridade desta forma:

Figura 3 – Representação gráfica da interdisciplinaridade Fonte: Santomé (1998, p. 74)

Para o autor, a interdisciplinaridade será estabelecida à medida que a relação entre as diferentes matérias venha a ocorrer durante o processo ensino-aprenSci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 39-50, jul/dez. 2002


47 dizagem e ele nos mostra, graficamente, como isso ocorre: deve existir um projeto, um eixo transversal, um tema, tópicos, práticas ou até mesmo pesquisas, como uma direção a seguir. A partir dessa direção norteadora, as disciplinas interagem, os professores trabalham com um determinado objetivo, planejando conjuntamente, para atender ao pré-estabelecido pelo plano interdisciplinar. Esse plano deve seguir uma metodologia interdisciplinar que estabelecerá o caminho a seguir durante seu implemento. Desta forma, a interdisciplinaridade, como representada no gráfico, poderá atender ao que tanto buscamos: o desenvolvimento do aluno dotado das novas habilidades e capacidades exigidas pelo mercado globalizado.

3 A BASE DA INTERDISCIPLINARIDADE Luck (2000, p. 64) diz que Interdisciplinaridade é o processo que envolve a integração e engajamento de educadores, num trabalho conjunto, de interação das disciplinas do currículo escolar entre si e com a realidade, de modo a superar a fragmentação do ensino, objetivando a formação integral dos alunos, a fim de que possam exercer criticamente a cidadania, mediante uma visão global de mundo e serem capazes de enfrentar os problemas complexos, amplos e globais da realidade atual.

No ensino, quando assumida uma postura interdisciplinar, deve-se iniciar os trabalhos pela base, ou seja, pelo currículo, que estabelecerá os objetivos e disciplinas propostas para o curso, desenvolvendo nos profissionais habilidades e competências de acordo com as expectativas do mercado. Cada professor deve trabalhar de acordo com os objetivos propostos para o curso, para os anos, semestres, disciplinas e, por fim, das aulas. Isso implica uma metodologia consistente e um planejamento prévio e interativo. Esse pensamento explica o plano de curso, plano de disciplina e o mais importante, o plano de aula, onde os professores devem atuar conjuntamente, buscando as relações existentes em suas disciplinas. O currículo é definido por Addine (2000, p. 2) como: É um processo de ensino que forma estudantes mediante a transformação de valores, conhecimentos e habilidades [...]. Os elementos que Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 39-50, jul/dez. 2002


48 intervêm no currículo são: pessoas (os alunos e professores fundamentalmente); as tarefas (as oportunidades de aprendizagem, organização das áreas, materiais, projetos, etc.); a administração (a planificação, organização, direção e controle de desempenho das pessoas que realizam as tarefas).

Um currículo moderno depende desses elementos citados pelo autor, bem como não se admite elaborar um currículo sem ouvir as partes operacionais do processo, ou seja, as pessoas diretamente interessadas na mudança, pois elas garantirão o sucesso do plano e, conseqüentemente, do ensino. O currículo é desenvolvido para elas que, por esse motivo, devem ser parte integrante do processo. O coordenador e os professores devem estar atentos à organização das áreas, estabelecendo elos entre as disciplinas, formando um grande conjunto interativo, visando sempre ao conhecimento global. Projetos devem ser trabalhados ao longo do processo, mantendo uma visão interdisciplinar, propiciando ao aluno uma aprendizagem elaborada, com objetivos bem definidos. Cabe aos administradores o controle de todo o processo: estipular prazos, verificar a qualidade do produto e, principalmente, oferecer condições de trabalho para as pessoas que estiverem envolvidas na elaboração desse currículo, sem nunca intervir na área pedagógica. Segundo Weber (2000, p. 13), o currículo também deve ter “fundamentos epistemológicos – trata-se da construção do conhecimento [...] o que pensa ser o conhecimento e como ele é adquirido.” Nesse momento deve-se definir qual é a linha pedagógica. Após pesquisa sobre as teorias de aprendizagem chegamos à conclusão de que teremos grande possibilidade de êxito no trabalho interdisciplinar se adotarmos o paradigma Sociocultural ou Dialético Materialista de Lev Semenovich Vygotsky. Para Vygotsky (1998), o conhecimento se desenvolve através da interação dialética sujeito e objeto, onde se estabelece uma relação de influência recíproca entre eles. A aprendizagem do sujeito transforma o objeto (a realidade). Nesse ensino interdisciplinar, o currículo deve, sempre que possível, estabelecer trocas entre as matérias, entre os especialistas, na busca de integração real do aluno, professor, disciplina e a sociedade, com vistas a um ensino

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 39-50, jul/dez. 2002


49 criativo, inovador, que se desenvolverá através do crescimento de todo o grupo, construindo uma nova parceria professor-aluno-aprendiz. É imprescindível o engajamento dos professores no processo. Eles são os especialistas das diversas áreas que contribuem para a organização desse currículo escolar, que aborda o planejamento dos programas, a metodologia, os recursos a serem utilizados e o principal, a relação entre as disciplinas que irá determinar uma forma de trabalhar essa integração.

4 CONCLUSÃO A interdisciplinaridade no Brasil é estudada desde o final da década de 60, portanto, ainda é uma idéia relativamente nova, mas sua essência é fundamental para que haja desenvolvimento unificado. O currículo escolar deve ser preparado de forma a estimular o intercâmbio entre as disciplinas, traçando objetivos e desenvolvendo programas de curso e de aulas que venham a atender às expectativas interdisciplinares. Deve ser claro em adotar uma corrente de pensamento e disseminar entre todo o corpo docente essa postura adotada, preparando-o através de cursos e seminários para mudanças de conceitos e quebra de paradigmas, pois os professores serão os agentes de mudança deste novo pensar e cabe a eles a maior parte de compromisso nesta nova postura. Esse currículo, essa integração, esse comprometimento e esse diálogo são as bases para que ocorra o ensino interdisciplinar. Essa aprendizagem interdisciplinar pode ser alcançada por meio de tudo isso sobre que tentamos discorrer ao longo deste artigo e, principalmente, do estudo de novas técnicas de ensino, de novas teorias e das pesquisas é que teremos sucesso nessa empreitada difícil, porém não impossível. E temos certeza de que a instituição que tem maior condição atualmente para desenvolver e patrocinar estudos e projetos interdisciplinares é a universidade, com seu quadro de professores, mestres e doutores, prontos para pesquisar esse tema de tamanha importância na atualidade.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 39-50, jul/dez. 2002


50 5 REFERÊNCIAS ADDINE, F. F. et al. Diseño Curricular. Cuba: ACO, 2000. FAZENDA, I. C. Arantes. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. São Paulo: Papirus, 2000. ______. Interdisciplinaridade: um projeto em parceria. São Paulo: Loyola, 1995. JAPIASSU, H. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976. LUCK, H. Pedagogia interdisciplinar: fundamentos teórico-metodológicos. Petrópolis: Vozes, 2000. NOGUEIRA, N. R. Interdisciplinaridade aplicada. São Paulo: Érica, 1998. RODRIGUEZ, J. P. F. La interdisciplinariedad en la escuela: de la utopía a la realidad. Cuba: Instituto Central de Ciencias Pedagogicas, 2000. SANTOMÉ, J. T. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto Alegre: Artmed, 1998. WEBER, M. Sua escola já tem um projeto político-pedagógico. Profissão Mestre, Curitiba, ano 1, n. 7, 2000. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 39-50, jul/dez. 2002


A IMPORTÂNCIA DAS VARIÁVEIS DO SISTEMA DE MARKETING EM DISTRIBUIÇÃO FÍSICA NO PÓLO DE CONFECÇÕES DA GLÓRIA-ES

RENATO MIRANDA *

* Mestre em Administração Estratégica pelo CEPEAD-UFMG, professor e coordenador dos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Marketing do Centro Universitário Vila Velha. Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2,p. 51-63, jul/dez. 2002


52


53 RESUMO É primordial para as organizações que desejam atuar de forma competitiva em seus mercados entender o sistema de marketing como um conjunto de ações estratégicas que, para alcançarem resultados satisfatórios, precisam definir seu posicionamento. E não se pode conceber posicionamento sem uma avaliação do marketing mix. Somente a partir de um estudo individualizado de cada elemento do composto de marketing é que as empresas poderão definir suas estratégias mercadológicas. Tal reflexão encontra maior solidez quando se analisa um setor altamente dinâmico como o setor de modas, em um pólo industrial que busca sua verdadeira vocação e foco. Dessa forma, tomando-se a distribuição física como objeto de estudo, fez-se uma investigação junto aos empresários do pólo de confecções da Glória, no município de Vila Velha, com o objetivo de se analisar a importância das variáveis de marketing nas decisões em distribuição física. Como resultado da pesquisa, destacaram-se como mais importantes as variáveis ambientais. Assim, economia, competitividade, cultura, tecnologia e ambiente legal são considerados como mais importantes, na perspectiva dos empresários pesquisados, em suas decisões em distribuição física. Palavras-chave: Canais de Marketing; Estratégia; Posicionamento; Venda por atacado; Venda varejista

ABSTRACT The most important thing to the organizations which aim to act in a competitive way in their markets is to understand the marketing system as a joint of strategic actions that, in order to obtain satisfactory results, should define their attitude towards objectives based on the marketing mix evaluation. The companies can only define their marketing strategies after a single study of each element of the marketing mix. This thought becomes more clear when we examine a highly dynamic sector as the fashion one, in an industrial pole that searches its real focus and vocation. Baring these in mind and having the physical distribution as our study subject, an investigation was carried out with the businessmen of the Glória’s Industrial Pole, in Vila Velha city, to analyse the importance of the marketing variables in the decisions concerning physical distribution. As a result of the research, the environmental variables proved to be the most important. So, economy, competitivity, culture, technology and legal environment are considered as the most important, according to the researched businessmen’s vision, in their marketing channel decisions. Keywords: Marketing chanel; Positioning; Retailing; Strategy; Wholesale Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2,p. 51-63, jul/dez. 2002


54 1 INTRODUÇÃO O que se pretende com o presente estudo é focar um dos elementos do composto de marketing, a distribuição física, numa perspectiva de posicionamento estratégico em relação ao ambiente empresarial. Para o desenvolvimento, tomou-se o setor de confecções, de característica bastante heterogênea em seu modo de produção, empregando processos antigos de manufatura e baixa qualificação pessoal. Observa-se ainda que se trata de um setor de baixas barreiras a entradas, o que permite a abertura de novas organizações sem o devido conhecimento do setor, no caso, o de confecções. Situado no bairro da Glória, município de Vila Velha, Espírito Santo, o pólo de confecções faz parte de um setor que atende apenas ao pequeno mercado interno capixaba (apenas 1,7% do mercado nacional) e que precisa, portanto, se reestruturar para atender a novos mercados. E, quando se analisa expansão de mercado, é impossível deixar de lado o tema distribuição física. Assim, este estudo preocupou-se em indagar aos empresários, que compõem o pólo de confecções citado, como estão fazendo seus produtos chegarem até aos consumidores e que importância eles dão aos fatores que precisam ser analisados antes de se decidirem por uma estrutura de canal. Durante os últimos cinqüenta anos, período em que as organizações precisaram “acordar” para a prática do marketing integrado, a distribuição física sempre foi tratada pelo velho jargão do “produto certo, no lugar certo, na hora certa”. Esse período foi marcado por uma maior atenção da área de marketing aos demais elementos do mix, deixando para a distribuição física poucas atribuições consideradas estratégicas. Foi, no entanto, com o surgimento do comércio eletrônico, que a distribuição física marcou definitivamente seu papel altamente estratégico nas organizações. A mudança nas relações de compra e venda acabou trazendo grandes desafios e oportunidades. A velocidade com que as ofertas chegam até os consumidores e a rapidez com que os pedidos são processados se chocam com as dificuldades que as empresas encontram em atender às entregas nos quatro cantos do mundo. Conclui-se, então, que os grandes desafios estratégicos de marketing, nesse fim de século, convergem em grande parte para a distribuição física e para os serviços ao consumidor. Analisando-se sob a perspectiva empresarial, o que justifica o presente estudo é que o setor poderá dispor de uma análise do posicionamento estratégico dos empresários quanto aos fatores que levam em consideração, quando pensam em definir a maneira pela qual farão com que seus produtos cheguem até aos consumidores finais. Já sob a perspectiva acadêmica, a contriSci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2,p. 51-63, jul/dez. 2002


55 buição será nas áreas de Marketing, Administração e, principalmente, nas que desejam concentrar estudos em posicionamento mercadológico de micro e pequenas empresas. Tem-se, portanto, um cenário propício para uma investigação, cujo problema é descobrir como o sistema de marketing tem influenciado os empresários do pólo da Glória quanto às suas decisões em distribuição física. Parte-se então de algumas premissas quanto às mudanças ambientais, quanto às formas de distribuição e, principalmente quanto ao grau de importância dos fatores decisivos na escolha de um canal de distribuição.

2 REFERENCIAL TEÓRICO Para que se possa entender o marketing atuando em uma organização como um sistema estruturado, é preciso que antes se considere a própria empresa como um sistema que tem como principal objetivo gerar satisfação. Considerando-se apenas as organizações com fins lucrativos, todo um processo é desenvolvido buscando atender a mercados (tanto consumidores quanto organizacionais) em troca de valores que lhes propiciem lucros. Quanto aos elementos de um sistema de marketing é necessário considerar que funcionam de maneira integrada e interdependentes. Assim, o papel do fornecedor é garantir que os produtos sejam ofertados em variedades e quantidades suficientes para atender às demandas do cliente. O fabricante, por sua vez, é o responsável por todo um processo de atendimento ao mercado. Primeiro, coletando as informações disponíveis e traduzindo as carências dos potenciais compradores em projetos de novos produtos. Em seguida, transformando esses projetos em produtos acabados e cuidando para que possam ser adquiridos pelos consumidores. Há ainda os intermediários que, por meio de seus contatos, experiência, especialização e escala de operação, reduzem o esforço dos fabricantes na disponibilização de produtos e serviços aos mercados consumidores. Finalmente, surgem os consumidores, razão de ser de uma organização a partir do momento em que buscam constantemente entender as razões que os levam a consumir seus produtos e serviços. Quando se analisa o pólo da Glória, o elemento do composto de marketing que mais se destaca como ponto estratégico de diferenciação é a distribuição. Ao mesmo tempo em que se configura como um benefício aos consumidores finais encontrar um grande número de lojas nas quais a variedade e os preços constituem diferenciais, os empresários têm a opção de atuar também como atacadistas, devido ao desenvolvimento industrial da região. Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2,p. 51-63, jul/dez. 2002


56 Um outro fator relevante são as características dos intermediários, considerando-se o papel que eles devem cumprir. A estrutura da distribuição, uma variável incontrolável do marketing, difere bastante não só de região para região, como também do perfil dos empreendedores que estão à frente do negócio. De acordo com Kotler (1993, p. 599) “...geralmente, os intermediários diferem em suas atitudes para lidar com promoção, negociação, estocagem, contatos e crédito”. Quando uma empresa decide por um determinado canal de distribuição, uma das primeiras preocupações é saber que funções espera que ele desempenhe. É importante, por exemplo, saber se as características do produto exigem uma estrutura de armazenamento e transporte específicos ou, quem sabe, se há necessidade de uma equipe de vendas com amplos conhecimentos das características e dos benefícios do produto. Se o mercado, pelas suas peculiaridades, exige uma forma de financiamento das compras, então é importante a análise da capacidade financeira do intermediário para evitar surpresas. Contudo, a principal função de um canal é reduzir as discrepâncias que existem entre a produção e o consumo final de um determinado produto ou serviço. Portanto, com base nas funções exigidas, a empresa decide por um canal curto, pelo qual o fabricante vende e entrega diretamente aos consumidores, ou por um canal longo, pelo qual um maior número de agentes (atacadistas, intermediários e varejistas) respondem pela disponibilização de produtos e serviços aos consumidores. Além disso, é preciso definir em que nível ou níveis de canais a organização irá atuar. Conforme Kotler (1993), quando uma empresa fabricante vende seus produtos diretos ao consumidor final, trata-se de um canal nível zero; quando usa um varejista como intermediário, passa a ser um canal de um nível; já quando seus produtos passam por um atacadista que posteriormente os distribui a um varejista que, por último, faz chegar ao consumidor, trata-se de um canal de dois níveis; e há o canal de três níveis que insere um atacadista especializado ou mesmo um agente/corretor entre o fabricante e o atacadista que se encarrega de distribuir a um varejista que distribui ao consumidor final. Sabendo-se que é imperativo para as organizações escolherem a melhor forma de fazer com que seus produtos cheguem até aos consumidores finais, é preciso agora que elas entendam quais são os fatores que podem afetar tal escolha. De acordo com Rosenbloom (1999), os fatores que influenciam a escolha de um canal, estão inseridos em seis variáveis:

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2,p. 51-63, jul/dez. 2002


57 a) Variáveis relativas ao mercado: incluem a localização, o tamanho, a densidade e o comportamento de compra. b) Variáveis relativas ao produto: incluem o preço, o grau de padronização, o grau de tecnicidade, o grau de perecibilidade, o peso e o volume e o estágio do ciclo de vida. c) Variáveis relativas à empresa: incluem o tamanho, a capacidade financeira, a habilitação gerencial e os objetivos e estratégias. d) Variáveis relativas aos intermediários: incluem a disponibilidade, os custos envolvidos na escolha e a capacidade de prestar serviços. e) Variáveis relativas ao ambiente: incluem ambiente econômico, ambiente competitivo, ambiente sociocultural, ambiente tecnológico e ambiente legal. f) Variáveis relativas ao comportamento dos intermediários: incluem a disposição do intermediário em atuar de acordo com as metas e os objetivos da organização, a capacidade do intermediário em entender as bases para uma liderança de canal, assegurando a clareza dos diferentes papéis dos membros do canal e evitando conflito e a disposição em facilitar o fluxo de informações necessárias às ações estratégicas de marketing.

3 METODOLOGIA DA PESQUISA O tipo de pesquisa adotado para o presente estudo é a pesquisa exploratória. Segundo Mattar (1994, p. 84), “... a pesquisa exploratória visa prover o pesquisador de um maior conhecimento sobre o tema ou problema de pesquisa em perspectiva”. Portanto, quando o pesquisador ainda não dispõe de conhecimentos suficientes a respeito de um determinado fenômeno, a pesquisa exploratória é a mais apropriada. A unidade de análise são as indústrias que compõem o pólo de confecções da Glória, situado no bairro de mesmo nome, no município de Vila Velha, Espírito Santo. O pólo surgiu há 26 anos e desenvolveu-se muito mais pelo momento econômico expansionista industrial por que passava a nação do que pelo fruto de um planejamento específico. A partir de 1986, passou por fases de crescimentos rápidos e estabilizações. Hoje, 26 anos depois, muita coisa mudou no pólo da Glória. Encravado em um quadrilátero entre as avenidas Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2,p. 51-63, jul/dez. 2002


58 Jerônimo Monteiro e Carlos Lindemberg, bem próximo ao centro de Vila Velha, o pólo, atualmente, é formado por um total aproximado de 1.400 estabelecimentos, com cerca de 1.200 lojas do setor de confecções e o restante de apoio, como bares, lanchonetes e restaurantes, e de outros setores, como calçados, eletrodomésticos e móveis, gerando 15.000 empregos diretos. No que se refere às indústrias, totalizam em torno de 700 empresas, sendo 450 formais e 250 informais. É responsável por 35% do faturamento e 32% do total de empregos gerados no Estado pelo setor de confecções. Considerando-se o universo de 700 empresas, utilizou-se uma amostragem que, de acordo com Mattar (1994), nos permite, pela coleta de dados de alguns elementos de uma população, analisar relevantes informações de toda a população. Assim, convencionou-se tomar oitenta empresas em uma amostra não probabilística intencional. A escolha ocorreu a partir da análise de três relações complementares fornecidas por órgãos representativos da classe: o Sindicato das Indústrias de Confecções do Estado do Espírito Santo (SINCONFEC), a União dos Lojistas da Glória (UNIGLÓRIA) e a Cooperativa das Empresas do Pólo de Confecções da Glória (COOPGLÓRIA). Do total da lista, foram tomadas , por conveniência, 80 empresas, representando várias linhas de produto, que incluiu 41 empresas da linha feminina, 11 da linha masculina, 10 da linha jeans, 7 da linha surf wear, 7 da linha infantil e infantojuvenil e 4 de outras tais como moda íntima e linha branca. Para a coleta de dados, foi preparado um questionário semi-estruturado não disfarçado. Na primeira seção do questionário, foi feita uma breve apresentação dos objetivos da pesquisa, inclusive garantindo aos respondentes a preservação de suas individualidades na análise dos dados. Em seguida, foram apresentados seis itens de identificação da empresa. Na terceira parte, vieram as perguntas estruturadas centradas nas seguintes indagações: qual é o tipo de canal de distribuição adotado pelas indústrias do pólo? Foram apresentadas quatro opções (curto e direto, curto e indireto, longo e indireto e muito longo e indireto) com as respectivas explicações para cada um deles. A segunda pergunta focou o sistema de distribuição adotado pela empresa, com as alternativas “sistema convencional de marketing” (distribuição por meio de intermediários independentes) e “sistema vertical de marketing” (distribuição com vínculo contratual). A última pergunta focou a importância de algumas variáveis mercadológicas no processo de distribuição da empresa. Para ordenar as respostas, à frente de cada variável, foi apresentada uma escala de avaliação, denominada “escala Likert” (proposta por Rensis Likert em 1932) com seis opções, de um extremo “sem importânSci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2,p. 51-63, jul/dez. 2002


59 cia” (1) até o outro extremo “totalmente importante” (6). Segundo Malhotra (1996), a grande vantagem de se utilizar a escala Likert, é que, uma vez estruturado o questionário, fica fácil para o entrevistado ler e entender cada uma das opções, facilitando, assim, a coleta dos dados que pode ser feita via postal, via telefone ou pessoalmente. Nesse conjunto de opções, foram apresentadas 25 variáveis, divididas em seis blocos bem definidos de fatores influenciadores nas decisões de canal de distribuição. Para coletar os dados, foram utilizados quatro entrevistadores, alunos do Curso de Graduação em Marketing do Centro Superior de Vila Velha (UVV) devidamente treinados e que realizaram as entrevistas nas dependências das empresas.

4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS A análise dos dados foi feita com uso de estatística descritiva, pela média, desvio padrão e coeficiente de variação. A média, de acordo com Mattar (1994), é uma medida de tendência central e é aplicada exclusivamente a variáveis intervalares. Assim, tomou-se o resultado da média de cada uma das variáveis estudadas e aplicou-se o teste não-paramétrico de comparações de médias desenvolvido por Kruskal-Walis com o objetivo de comparar, a um determinado nível de confiabilidade, se existem diferenças significativas entre variáveis independentes. Isto porque, às vezes, uma média é representada por valores extremos e heterogêneos, não permitindo ao pesquisador uma conclusão apenas pela média e pelo desvio-padrão. Com procedimentos metodológicos como esse, proporciona-se maior rigor e sofisticação ao processo de pesquisa, e não simplesmente a análise tabular de variáveis diretamente coletadas dos entrevistados. Às vezes, uma média é representada por valores extremos e heterogêneos, não permitindo ao pesquisador uma conclusão apenas pela média e pelo desvio padrão. Como procedimento para o presente estudo, definiu-se como hipótese nula (Ho), não haver diferenças entre os escores das n variáveis relativas ao sistema de marketing e a sua influência nas decisões de canal. O teste foi aplicado nos níveis de 1 e de 5% de significância e optou-se pela utilização dessa metodologia de análise, uma vez que as variáveis foram mensuradas qualitativamente não sendo, portanto, normalmente distribuídas, o que impede a aplicação dos testes paramétricos. Após a aplicação do teste, constatou-se que a variável ambiente, quando comparada com as demais, foi a única que apresentou um escore superior à diferença mínima significativa (DMS), desSci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2,p. 51-63, jul/dez. 2002


60 tacando-se, assim, como a variável de maior importância, rejeitando a hipótese nula. Quanto ao perfil das empresas pesquisadas, em uma amostra por conveniência, foram entrevistados dirigentes de 80 empresas, sendo grande parte fabricantes de confecções da linha feminina (58%) e os demais distribuídos entre linha masculina, jeans, surf wear, infanto-juvenil e linha íntima e branca. Quanto aos tipos de canais adotados pelos empresários, a pesquisa demonstrou que o tipo longo e indireto, ou canal de três níveis (KOTLER; ARMSTRONG, 1999) é o predominante. Assim, fica claro que, quando os empresários desejam fazer seus produtos chegarem aos consumidores finais, optam por repassá-los a um atacadista que se encarrega de distribuí-los a um varejista, para, então, alcançar os consumidores. Em seguida, tem-se o canal de apenas um nível, no qual o fabricante opta por distribuir seus produtos diretamente aos consumidores finais, sem a participação de intermediários. No caso do pólo estudado, essa realidade prende-se ao fato de existir um grande número de lojas chamadas de pronta-entrega, onde os consumidores podem adquirir produtos a preços mais baixos, comprando-os na forma de atacado. Finalmente, poucos entrevistados utilizam-se dos canais de dois níveis (fabricante vendendo a verejistas que se encarregam de revender aos consumidores) e, numa proporção ainda menor, os canais de quatro níveis, que incluem a participação de agenciadores ou atravessadores entre o atacadista e o varejista. A terceira informação, quanto ao perfil dos empresários do pólo, no que se refere à utilização de canais de distribuição, é o sistema de canal por eles adotados. Constatou-se que os empresários utilizam-se, quase totalmente, do sistema de distribuição independente. Significa, portanto, que poucas são as indústrias que se utilizam de um sistema contratual (como as franquias) para expandir suas vendas a mercados fora do Estado.

5 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES Para a conclusão deste trabalho, optou-se por uma descrição em três etapas. Na primeira etapa, descreveu-se de maneira objetiva o ambiente empresarial do pólo de confecções da Glória, dando um panorama atual de seus principais desafios. Na etapa seguinte, fez-se uma descrição do sistema e dos tipos de canais adotados pelos empresários pesquisados. Por último, fez-se uma leitura da importância das variáveis do sistema de marketing, na visão de empresários e dirigentes das unidades que compõem o pólo, nas decisões de Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2,p. 51-63, jul/dez. 2002


61 canais. Assim, para a execução do presente estudo, foram estabelecidas três premissas, listadas a seguir, sendo apresentada para cada uma delas, o resultado da análise da pesquisa realizada. Premissa 1: Quais foram as mudanças ambientais significativas para o pólo da Glória? Pode-se resumir o atual ambiente vivido pelos empresários do pólo da Glória em uma palavra: desafio. E não são desafios em uma só frente de batalha. Conforme relatado na metodologia deste trabalho, o pólo, que nasceu há quase trinta anos, conseguiu escrever sua história na economia do Estado do Espírito Santo. Acontece que, para conseguir a sobrevivência em um setor tão dinâmico como é o setor de modas, é preciso saber conviver com o inesperado, com os riscos e, sobretudo, com as mudanças ambientais.Dessa forma, quando se analisa o ambiente externo, pode-se constatar que, se, por um lado, os fabricantes do pólo se orgulham de gerar 12.000 empregos diretos, entendem que não podem ficar restritos ao mercado capixaba que, em termos de mercado de moda, é onze vezes menor que o interior do Estado de São Paulo. Para enfrentar os desafios de uma competição em nível nacional, os empresários sabem que precisam de uma melhor estrutura organizacional em todos os sentidos. Quando se analisa o quadro sob a perspectiva de concorrência, conclui-se que os varejistas do pólo deverão enfrentar uma enxurrada de 1.000 novas lojas nos próximos 18 meses, com a expansão do setor de shopping na Grande Vitória. Tal análise leva à conclusão de que os consumidores estarão cada vez mais exigentes, principalmente no que se refere à atmosfera das lojas, mix de produtos e preços competitivos, já que a oferta será muito maior. Assim, vivendo em uma economia em crescimento, o setor de confecções não pode mais descuidar-se, uma vez que, com a chegada de novos investimentos de setores diversos no Estado, cresce a competição e os desafios de expansão para além do Espírito Santo. Premissa 2: De que forma os fabricantes do pólo da Glória estão fazendo seus produtos acabados chegarem até aos mercados consumidores? Numa segunda etapa, quando se analisam os sistemas e tipos de canais adotados pelos empresários do pólo, conclui-se que o retrato é de indefinição quanto aos objetivos do complexo empresarial estudado. Quase metade dos empresários pesquisados declara que opta por distribuir seus produtos por meio de um canal longo e indireto, usando atacadistas e varejistas, quando Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2,p. 51-63, jul/dez. 2002


62 atua fora da Grande Vitória. Por outro lado, a outra metade declara que vende diretamente aos consumidores finais, o que demonstra uma dificuldade em termos de posicionamento estratégico do setor. Ora se declara um pólo voltado a vendas varejistas e ora se opta por aumentar as vendas no atacado, buscando atrair sacoleiras e compradores lojistas. Quanto ao sistema de canal adotado, a conclusão é que os empresários possuem uma grande dificuldade em utilizar o sistema vertical de marketing num setor em que as ofertas de franquias caíram de 154 para 111, entre 1995 e 1999 (ABF/Simonsen Associados). Note-se que o setor de franquias, no geral, cresceu passando de 23.100, em 1995, para 46.500 em 1999, com um crescimento de mais de 100%. Um dado que chama a atenção é que a procura por franqueadores no setor de confecções tem aumentado desde 1998. As lojas franqueadas passaram de 2.300 unidades em 1998 para 2.700 em 1999, segundo dados da Associação Brasileira de Franchising (ABF). Então, temse, de um lado, a diminuição de ofertas por parte dos franqueadores e, de outro, o aumento da demanda com o aumento de lojas franqueadas. Premissa 3: Qual é o grau de importância dos fatores decisivos na escolha de um canal de distribuição? A terceira e última etapa da conclusão contempla o foco deste estudo e conclui com a rejeição de Ho que, das variáveis estudadas, existe uma que é mais importante na visão dos empresários do pólo, quando de suas decisões a respeito de canais de distribuição. Aplicado o teste, foi constatado que uma das variáveis, ambiente, destacou-se das demais ao nível de totalmente importante, com 99% de confiabilidade. Assim, como conclusão de uma das premissas, verifica-se um conjunto de empresários altamente preocupados com as mudanças ambientais que cercam o pólo de confecções da Glória, destacando-se o ambiente sociocultural e o ambiente legal. Sabe-se que, em se tratando de um setor altamente sensível às mudanças socioculturais, como é o setor de modas, é amplamente justificável que os empresários estejam dando alta importância a esse fator ambiental. Quanto às recomendações, o presente trabalho permitiu que se apresentassem as seguintes: a) Nota-se um setor sem posicionamento estratégico quanto ao mercadoalvo. A primeira recomendação do presente trabalho é que se faça valer a lei do foco. Quem não se posiciona quanto ao público-alvo a ser atendido

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2,p. 51-63, jul/dez. 2002


63 dificilmente poderá ser excelente naquilo a que se propõe ofertar. O pólo, portanto, precisa ter bem claro seu core business. b) A segunda recomendação decorre da primeira. Se o pólo deseja continuar sendo um centro que revenda tanto no atacado quanto no varejo, então precisa de uma estrutura que atenda ao mercado escolhido. No caso do varejo, por exemplo, é preciso que se melhore a infra-estrutura tanto das lojas quanto da urbanização, criando estacionamentos e banheiros públicos para melhor atender aos consumidores. c) A terceira recomendação é quanto ao tipo de canal adotado. Sabe-se que o pólo precisa expandir suas vendas a outros mercados fora do Espírito Santo. Então, a diversidade de tipos de canais a serem adotados é muito importante já que se trata de mercados para os quais um só tipo de canal dificultará a distribuição dos produtos. d) Uma outra recomendação é quanto à especialização da equipe. Mesmo sabendo que a maioria dos empresários diz que é importante possuir uma equipe bem treinada, quase sempre não se verifica tal atitude na prática. Os entrevistados mostram que dão importância a esse fator. Recomendase, portanto, que se planeje uma série de especializações voltadas ao setor.

6 REFERÊNCIAS KOTLER, P. Administração de marketing: análise, planejamento, mplementação e controle. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1993. KOTLER, P.; ARMSTRONG, G. Princípios de marketing. Rio de Janeiro: LTC, 1999. MALHOTRA, N. K. Marketing research: an applied orientation. 2nd ed. New Jersey: Prentice Hall, 1996. MATTAR, F. N. Pesquisa de marketing: metodologia, planejamento, execução e análise. São Paulo: Atlas, 1994. ROSENBLOOM, B. Marketing channels: a management view. 6th ed. Orlando: Dryden Press, 1999.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2,p. 51-63, jul/dez. 2002


64


O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL E OS DIREITOS HUMANOS

CÉSAR AUGUSTO S. DA SILVA* MAYARA SILVA RODOLFO** GERVÁSIO ANDREÃO JUNIOR**

* Mestre em Direito e Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina, professor e pesquisador do curso de Relações Internacionais da UVV ** Estudantes e bolsistas do curso de Relações Internacionais da UVV Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 65-92, jul/dez. 2002


66


67 RESUMO O Tribunal Penal Internacional de Haia, na Holanda, foi criado por meio do Estatuto de Roma em 1998, pela ONU, para processar e julgar indivíduos que cometerem os crimes mais graves contra os direitos humanos. Este trabalho busca analisar os processos internacionais que resultaram em sua criação bem como seu histórico e suas perspectivas para o futuro.

ABSTRACT The International Criminal Court, in Haia, was created by the Rome Statute in 1998 to punish the individuals who commited the worst crimes against human rights. This article tries to analyse international procedures that resulted in its origin as well as its history and its perspective to the future.

1 INTRODUÇÃO Estas reflexões visam estabelecer uma análise, ainda que breve, do recémcriado Tribunal Penal Internacional, estabelecido em Haia na Holanda, por meio do Estatuto de Roma de 1998, que entrou em vigor em 2002, após sessenta ratificações de Estados partes. Em busca do desenvolvimento de uma justiça penal internacional, ele foi criado tendo em vista objetivos de estabelecer um mecanismo internacional de modo a condenar indivíduos que violem gravemente os direitos humanos fundamentais, consagrados no próprio texto fundador do Tribunal bem como em pactos de direito internacional humanitário. Em um primeiro momento serão analisados os antecedentes históricos e políticos da Corte Internacional, bem como as experiências pioneiras que acabariam por servir de paradigma para a instauração desse inédito tribunal. O exemplo dos tribunais temporários de Nuremberg, em 1945, e Tóquio, em 1946, assim como dos tribunais especiais da Organização das Nações Unidas (ONU) para a ex-Iugoslávia e Ruanda, no início da década passada, são de fundamental importância para compreender as motivações e o contexto político da criação do Tribunal Penal Internacional permanente ligado a ONU, no avanço do direito internacional humanitário e dos direitos humanos. Em razão da maior importância e destaque que alcançaram as experiências do julgamento dos nazistas criminosos de guerra em Nuremberg, ao final da Segunda Guerra Mundial, assim como dos povos que compõem o Estado Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 65-92, jul/dez. 2002


68 iugoslavo, na crise da ex-Iugoslávia ao final do século passado, optou-se por perquirir mais detalhadamente somente estes casos para chegar-se aos fundamentos da gênese da Corte Internacional Penal de Haia. Após o estudo da questão balcânica e da conseqüente instalação do Tribunal da ONU para a Iugoslávia, num complexo conflito milenar envolvendo principalmente sérvios, croatas, kosovares e bósnios, em um verdadeiro mosaico de nações que compunham o Estado iugoslavo, finalmente será analisado o Tribunal Penal propriamente dito, em suas limitações e avanços, tentando-se enfocar os aspectos positivos do refinamento da lei internacional de uma Corte que será permanente, tendo jurisdição sobre indivíduos, que então poderão ser responsabilizados por atos de horror contra outros indivíduos de maneira universal, sem poder se esconder sob o manto da soberania absoluta dos Estados, um dos cânones do direito internacional, ou sob imunidades oficiais, diplomáticas, advindas de tratados internacionais. O que pode ser observado desde o início da instalação de uma Corte internacional destas proporções é que, de forma mais geral, o fundamento do Tribunal Penal Internacional situa o indivíduo como sujeito de direito e deveres no campo internacional, o que constitui idéia corrente desde os tempos imemoriais em que pensadores como Hugo Grotius (Jure Belli ac Pacis), Francisco de Vitória (1480-1546) ou Richard Zouche (1590-1660) lançaram as bases do moderno direito internacional.1

2 A POLÍTICA PRECURSORA DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL A questão dos direitos inerentes e pertencentes ao homem, ou seja, dos chamados direitos humanos, surge de forma gradativa, como conquista jurídica, mas com certo grau de presença considerável, já desde as grandes revoluções que transformaram a civilização ocidental, ligadas ao direito natural: a Revolução Gloriosa de 1688 que consolidou a Magna Carta inglesa de 1215; a Revolução Americana (1776) e a Francesa (1789), embora ainda não se pensasse na possibilidade de implementar mecanismos jurídicos universais ou instrumentos legais globais para a defesa e a proteção desses direitos, como ocorreria com a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948.2

1

2

Ver Swinarski, Christophe. Direito internacional humanitário. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1990, p. 20. Também Moreira, Adriano. Teoria das relações internacionais. 3. ed. Lisboa: Almedina, 1999, p. 88. Ver Cançado-Trindade, Antonio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos direitos humanos. Porto Alegre: S. Fabris, 1997. v. 1, p. 17-20.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 65-92 , jul/dez. 2002


69 Na América, a idéia do valor liberdade, que indubitavelmente provocou mudanças tanto no pensamento coletivo dos indivíduos, quanto no modo de condução das relações entre os Estados no sistema internacional, impulsionou a corrente universalista e a nova percepção de homem cujo caráter individual e presença constante na sociedade, ignorando-se fronteiras, culturas e etnias, marcou a intensa necessidade da defesa dos chamados direitos humanos3. Mais de um século depois, ao fim do século XIX, com as relações mundiais, notadamente as industriais e comerciais, tendo seu epicentro no continente europeu, é que a adesão ao tema dos direitos humanos no âmbito internacional adquire intensidade, uma vez que a noção de soberania absoluta é ainda algo inabalável e a insurgência dos Estados como únicos sujeitos do direito internacional começa a ser questionada e provocar mudanças na mentalidade dos indivíduos. O puro poder político, sem regras universais, que os Estados exercem sozinhos no cenário internacional passa a ser criticado e após a Primeira Guerra Mundial, com o surgimento da Liga das Nações, regulando as questões entre eles, consolidou-se a necessidade de limitar o poder do domínio estatal absoluto. Entretanto, a Liga das Nações não repercutiu de forma tão positiva quanto se esperava, acabando por ser confrontada pelo maior interesse da soberania nacional dos Estados, pelas falhas no que se refere à aplicação de suas proposições jurídicas, enquanto reflexo do conturbado período entre-guerras.4 A vontade de implementar um tribunal penal internacional, um organismo capaz de regular e punir os atos dos indivíduos que prejudicassem e ameaçassem a paz e a segurança internacional, independente de sua nacionalidade, surge, pela primeira vez, com esta mesma Sociedade das Nações, através da Convenção para a Criação de um Tribunal Penal Internacional, em 1937, cuja finalidade consistia em combater e reprimir atos terroristas que preocupavam a comunidade internacional à época. No entanto, esta convenção, juntamente com a Conferência Internacional para a Prevenção e Repressão ao Terrorismo, não obteve nenhum sucesso por falta de ratificação e adesão dos países que compunham a organização. A preocupação constante dos Estados-Nações era proteger suas clássicas soberanias, uma vez que um organismo que pudesse interferir, mesmo que indiretamente, em seus assuntos internos, acabaria por representar uma ameaça à consolidação do poderio nacional, bem como à preservação de sua territorialidade. 3

4

Para verificar as origens mais remotas dos direitos humanos e da idéia do valor liberdade ver GoyardFabre (1999). Assim como Mill, John Stuart. Sobre a liberdade. Petrópolis: Vozes, 1991. Cfe. Garcia, Eugênio Vargas. O Brasil e a Liga das Nações. Porto Alegre: UFRGS, 1999. p. 137. Também Carr, Edward. Vinte anos de crise 1919-1939. Brasília: UnB, 2002.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 65-92, jul/dez. 2002


70 Contudo, o fracasso da Liga das Nações não significou a desistência para com a implementação de um mecanismo jurídico internacional que atuasse em defesa dos direitos humanos universais. No contexto da criação de uma nova organização supranacional, a Organização das Nações Unidas, após o término da Segunda Guerra Mundial, as relações entre os Estados regulamentam-se, com cerca de 50 nações, através da Carta das Nações Unidas, chamada de Carta de São Francisco, e consolida-se em meio a proteção do indivíduo no Estatuto da Corte Internacional de Justiça, o principal órgão jurisdicional da ONU. Destarte, devido à barbárie produzida durante grande parte da guerra, a vontade da criação, de fato, de um organismo capaz de punir os principais responsáveis por tais atos, torna-se concreta, por meio da criação de dois tribunais militares internacionais temporários pelos vencedores da Segunda Guerra: os Tribunais de Nuremberg e de Tóquio. Ainda que recebida com diversas críticas, a iniciativa repercutiu de forma construtiva na comunidade jurídica internacional; afinal, proteger os direitos dos cidadãos é também dever do Estado, embora na maioria das vezes, pareça ser este o maior violador destes direitos. Portanto, um organismo jurídico capaz de defendê-los parece viável enquanto os crimes cometidos são atos de pessoas que dizem estar a serviço do Estado.

3 NUREMBERG O Tribunal de Nuremberg iniciou seus trabalhos por volta de novembro de 1945 e os finalizou em torno de outubro de 1946, quando tinha o propósito de julgar os chamados crimes de guerra, crimes contra a paz e crimes contra a humanidade; todos de acordo com os costumes internacionais e os tratados internacionais previstos nas Convenções de Genebra de 1864 e 1925 e também no Tratado de Briand-Kellog de 1928, embora em todos eles, a Alemanha não fizera parte ou ainda posteriormente denunciara tais tratados5. O estatuto do Tribunal possuía, ainda, uma base jurídica fortemente influenciada por princípios anglo-saxônicos, como por exemplo o chamado crime de “conspiração” (GONÇALVES, 2001, p.103); não previsto nas legislações nacionais dos países com seu direito de tradição romano-germânica, o que provocaria, algumas vezes, discordância entre os magistrados, de nacionalidades diferentes, escolhidos para o julgamento. 5

Verificar os aspectos controversos de Nuremberg em Gonçalves (2001, p. 147-190).

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 65-92 , jul/dez. 2002


71 Estes julgadores foram os representantes dos quatro principais Estados aliados na Segunda Guerra: os Estados Unidos, representados por Francis Biddle; o Reino Unido por sir Geoffrey Lawrence (o presidente da Corte); a França pelo professor da Universidade de Sorbonne, Henri Donnedieu de Vabres e a União Soviética pelo Major-General Iona Nikitchenko. O mesmo Donnedieu de Vabres, que, respondendo à crítica de historiadores e jornalistas de que Nuremberg era meramente uma vingança de vencedores contra vencidos, com o propósito de dar um “espetáculo” para a opinião pública mundial, escreveu que a Corte Militar Internacional era “une jurisdiction internationalle, expression de la conscience universelle, de toute l’humanité.”6 O Estatuto do Tribunal de Nuremberg, resultante dos Acordos de Londres de 1945, realizado entre as quatro grandes potências vencedoras estabeleceu tipos penais vagos e abertos, inexistentes na época da prática dos atos imputados aos réus, dentre os quais destacavam-se Herman Goering – marechal do III Reich - e Joachim Von Ribbentrop – ministro das relações exteriores do regime nazista, o que constituía um desrespeito frontal ao princípio geral de direito “nullum crimen, nulla poena sine praevia lege”. Além disso, em seu artigo vinte e sete deixava a espécie e a quantidade das penas ao inteiro alvedrio do Tribunal, permitindo inclusive a imposição da pena capital. O artigo vinte e oito estabelecia também que o tribunal poderia declarar o confisco dos bens roubados ou apropriados por qualquer dos acusados, aumentando ainda mais a sensação generalizada de mera vingança contra os réus, em um julgamento em que os juízes e o ministério público eram todos das potências vencedoras. No entanto, tanto Donnedieu de Vabres quanto Bradley Smith defenderam as teses do tribunal, dizendo dentre outras que “O Tribunal estabeleceu que, por causa da rendição incondicional dos nazistas, os aliados tinham adquirido poder legislativo soberano na Alemanha e podiam agir segundo bem entendessem” (SMITH, 1979, p. 173), reportando-se essencialmente ao direito consuetudinário, ao direito natural e à ética de convivência pacífica internacional. Os acusadores, o Ministério Público de Nuremberg, como já referido, também representavam as quatro maiores potências aliadas, destacando-se entre eles Robert Jackson (juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos e um dos idealizadores do próprio Tribunal) e Murray C. Bernays, igualmente dos EUA, que

6

Artigo publicado no Recueil des Cours da Académie de Droit International, Paris, v. 70, tomo 1, 1947.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 65-92, jul/dez. 2002


72 havia tido papel fundamental no convencimento dos demais países quanto à necessidade de um julgamento dos criminosos de guerra em vez da tese da execução sumária, que, a princípio, havia sido defendida por ingleses e soviéticos7. Apesar de não ter sido pioneira no cenário mundial, pois a idéia de julgar criminosos de guerra já aparece na Idade Média e no Renascimento, quando o poder da Igreja Católica era o instrumento controlador das relações entre os indivíduos e cujas sanções aplicadas eram de cunho estritamente moral e espiritual, a atividade repercutiu de maneira a inovar a consciência jurídica universal e a aprimorar Direito Internacional Penal, no que tange aos chamados “crimes contra a humanidade”. Ainda que se possa levantar numerosas críticas a este tribunal, e elas são inúmeras, que não cabe aqui detalhar, ele pode ser considerado um verdadeiro “divisor de águas” na evolução do ordenamento jurídico internacional, pois, a partir dele, passou-se a afirmar a responsabilidade penal internacional de indivíduos perpetradores de atos de genocídio, guerra ou de “lesa-humanidade”.8 Isto é, autoridades de Estado passaram a ser responsabilizadas por suas condutas que afrontassem o próprio gênero humano, colaborando para a edificação do sistema internacional dos direitos humanos e humanitário. Após Nuremberg, quando os estatutos e as sentenças deste tribunal foram acolhidos pela primeira Assembléia Geral da ONU, não foi mais possível para as potências vencedoras da guerra proceder a julgamentos conjuntos para os chamados criminosos de guerra. Contudo, os julgamentos prosseguiram em diversos países agredidos e invadidos pelas potências do Eixo durante o conflito, sendo que as potências aliadas decidiram, já sob a égide do sistema da Organização das Nações Unidas, que a responsabilidade pelos delitos praticados e julgados em Nuremberg não prescreveriam (GONÇALVES, 2001, p. 195). A Carta de Londres, combinada com a diretriz n.10 do Conselho de Controle da Alemanha ocupada, serviu de base jurídica para os julgamentos posteriores. Entre os acusados estavam médicos alemães, responsáveis por experiências genéticas e biológicas nos campos de concentração, magistrados e advogados 7

8

Para mais informações a respeito dos detalhes da formação do Tribunal Militar de Nuremberg verificar Gonçalves (2001, p. 59-98). Terminologia utilizada por Tarciso Dal Maso em seu texto “O Tribunal Penal Internacional e sua Importância para os Direitos Humanos”, disponível em www.dhnet.com.br, para referir-se aos crimes elencados no artigo 7o do Estatuto de Roma.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 65-92 , jul/dez. 2002


73 que colaboraram com as leis do regime nazista durante o III Reich, assim como altos oficiais militares, responsáveis por verdadeiras “barbáries” contra civis durante a guerra. Esses julgamentos, conforme Benjamin Ferencz9 contribuíram para o direito internacional, sendo que ficou evidente o fato de que crimes contra a humanidade poderiam ser punidos, ainda que cometidos em tempos de paz. A lei, que tutelasse os valores humanos desta forma, terminaria por dar mais um passo em direção à proteção da humanidade. Após o término da Segunda Guerra Mundial, milhares de prisioneiros alemães estavam detidos, não só nas quatro zonas de ocupação da Alemanha, como também em outros países que haviam sido libertados pelas potências aliadas. Praticamente todos eles haviam servido direta ou indiretamente a grupos ou organizações nazistas, e teriam que ser submetidos a julgamentos. Antes dos Acordos de Londres, as potências aliadas discutiam acerca do destino a ser dado aos prisioneiros de guerra, oscilando as opiniões entre o radical fuzilamento sumário de todos eles até um gigantesco julgamento de todos por uma única Corte ou por tribunais locais militares, tais quais “cortes marciais”. Superando as idéias mais radicais, inclusive porque os vitoriosos não podiam repetir os métodos selvagens e desumanos dos vencidos, passou-se a ponderar que a Corte de Nuremberg julgaria apenas os grandes criminosos líderes do regime nazista, enquanto os criminosos comuns seriam submetidos a julgamentos por tribunais militares de ocupação. No entanto, verificou-se que uma miríade de julgamentos de todos esses prisioneiros arrastar-se-ia indefinidamente se, em cada um deles, fosse necessário provar a prática de condutas criminosas individualizadas. Assim, evidenciou-se a necessidade de se estabelecer uma regra geral fixada primordialmente que levasse à condenação de todos esses réus pelo simples fato de pertencerem a organizações nazistas à época, destinadas à prática de crimes contra a paz, de crimes de guerra ou de crimes contra a humanidade. Esse foi o motivo pelo qual o Acordo de Londres inseriu no Estatuto de Nuremberg artigos que propunham uma decisão meramente declaratória da Corte, que tivesse autoridade de “coisa julgada” para os tribunais locais, facilitando enormemente os julgamentos dos criminosos de segundo e terceiro escalão. Não se tratava de responsabilização penal de pessoas jurídicas ou morais, mas tão somente da elaboração de uma declaração prévia que serviria como

9

FERENCZ, Benjamin B. From Nuremberg to Rome, Towards an International Criminal Court, Policy Paper 8, Development and Peace Foundation, p. 3.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 65-92, jul/dez. 2002


74 substrato para as acusações posteriores contra todos os membros dessas entidades que estavam em poder das forças aliadas10. Deve-se ressaltar ainda o verdadeiro clima de “caça às bruxas” que se seguiu ao longo das décadas seguintes, em perseguição aos incontáveis nazistas e colaboradores de todo o tipo que, escapando ao final da guerra, se espalharam por grande parte do mundo, escondidos sob outros nomes e identidades. Perseguições que culminariam na captura e julgamento por parte do Estado de Israel, de Adolf Eichmann, em 1960, pelos crimes contra o povo judeu durante a Segunda Guerra. Eichmann se escondera em um subúrbio de Buenos Aires, na Argentina (ARENDT, 1999, p. 32-47). Por outro lado, os líderes japoneses que contribuíram, direta ou indiretamente, com tantas mortes provocadas por seus militares foram julgados pelo Tribunal de Tóquio, implementado em janeiro de 1946 e encerrado por volta de 1948. Este tribunal não obteve tanto impacto quanto o de Nuremberg, pois não se tratava do primeiro a ser implantado em um período tão curto de tempo e seus princípios jurídicos eram basicamente muito semelhantes ao do tribunal militar na Alemanha. O Japão foi acusado de não cumprir para com suas obrigações diante dos tratados assinados e ratificados e, dessa forma, teve seus responsáveis pelo governo e forças armadas sentados no banco dos réus, acusados de cometerem crimes de guerra contra militares desprovidos de defesa bélica. Dessa forma, no mundo pós-guerra, pela experiências anteriores, uma tentativa de estabelecer um tribunal internacional parece realmente arriscada, sujeito à desconfianças e a enormes críticas. Foi o que de certa forma aconteceu nas duas experiências citadas, que representou uma espécie de vingança e domínio por parte das grandes potências vencedoras da guerra sobre os vencidos, com um tribunal que em muito pouco respeitou os limites mínimos de um Estado de Direito clássico, ainda que tenha contribuído para a evolução geral dos direitos humanos, ao estabelecer a categoria dos “crimes contra a humanidade”. Três anos depois da primeira tentativa de implementação de um órgão para tais fins, surge o maior documento de defesa dos direitos do homem, a Declaração Universal dos Direitos Humanos – 1948 – que inovou, em termos sóli-

10

Artigo publicado no Recueil des Cours da Académie de Droit International, Paris, v. 70, tomo 1, 1947. p. 545.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 65-92 , jul/dez. 2002


75 dos, as relações do direito internacional e do indivíduo, que possui então “direito à vida, liberdade e segurança pessoal e não deve ser submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante.”11 Este foi um passo relevante que estabelecem a necessidade e obrigação de proteção dos direitos humanos, tanto por parte dos Estados, quanto por parte de um organismo supranacional. E isto pode colocar em questão a própria soberania dos Estados, uma vez que esta constitui internacionalmente uma barreira para a consolidação deste tema, o que pode forçar um novo modelo de convivência internacional. Os direitos humanos deixam de ter forma somente teórica e intelectual e adquirem aspectos legais baseados em leis internacionais viabilizadas pela racionalidade de seus argumentos, à medida que os Estados vão aderindo aos sistemas global e regional de proteção dos direitos humanos. A partir de então, os princípios do direito internacional tornam-se alvo de questionamento por parte dos Estados, que se vêem ameaçados por um instrumento organizador de suas relações que pode perturbar ou balançar seu poder em frente ao sistema internacional, cujos principais atores, até então, eram eles. O fato é que o direito internacional não deve ultrapassar o direito interno de cada Estado, pelo contrário, os dois devem trabalhar juntos para a construção de um modelo de convivência internacional pacífica, mesmo que tenham que abdicar de sua soberania absoluta para dar lugar à soberania relativa. Esta atuará em casos em que todos os recursos jurídicos ou políticos do país tenham se esgotado ou este se vê incapaz de solucionar problemas graves como crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, degeneração sob dominação estrangeira ou a violação de acordos internacionais. As novas correntes de pensamento que vigoram no mundo deixam de analisar as guerras como meio de conquista de poder e são consideradas, em frente ao atual cenário internacional, sinônimo de crueldade e de barbárie, um espetáculo de irracionalidade. As guerras modernas não são mais um princípio organizador das relações internacionais, banidas como meio de solução de controvérsias no direito internacional. Foi através desta consciência que surgiu a necessidade de impor outro tribunal “ad hoc”, em 1993, para os crimes cometidos na ex-Iugoslávia, que consistiram em graves violações do direito internacional humanitário. Dentre essas violações estão crimes mais graves estabelecidos nas Convenções de Genebra de 1949, e no protocolo de 1977, o direito de genebra, como o genocídio,

11

Artigos III e V da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 65-92, jul/dez. 2002


76 denominado de “limpeza étnica” ou os crimes de guerra. Este caso específico será analisado mais à frente, pois é o único que ainda se encontra em andamento e contribuiu muito para a base jurídica do atual TPI. Em 1994, estabeleceu-se mais um tribunal de exceção, agora para julgar os crimes cometidos em Ruanda, que consistiu em graves violações do Direito Internacional, mas que não previa pena para os chamados crimes de guerra, pois tratava-se ali de conflitos internos em todo o país. Para se evitar que tais acontecimentos viessem a ser constantes no cenário internacional, foi sendo estudada a possibilidade de implantar um órgão permanente com mecanismos capazes de punir os atos e atores que pudessem ameaçar a paz internacional, e que fosse além das sanções morais aplicadas de Estado para Estado, um atributo exclusivo da Corte Internacional de Justiça. O sistema de segurança coletiva que entrou em vigor a partir de 1945 não mais satisfazia as exigências do mundo pós-Guerra Fria, dado o crescente número de conflitos regionais contra os direitos humanos, mesmo porque o sistema bipolar apenas colocou em segundo plano tais conflitos, pois nunca deixaram de existir (LINDGREN-ALVES, 2001). A limitação dos temas atuais ao enfoque reducionista do Conselho de Segurança das Nações Unidas começa a desagradar, assim como a seletividade das denúncias, o que faz aumentar as críticas aos tribunais “ad hoc”. Neste contexto é que surge o Tribunal Penal Internacional – TPI – que demorou meio século para se concretizar, através do Estatuto de Roma de 1998, com a esperança de ser um instrumento capaz de combater os crimes tidos como os mais graves contra a espécie humana. Sua licitação representa um ordenamento penal universalmente aceito que procurará intervir em conflitos domésticos ou regionais que representem desrespeito principalmente aos direitos humanos e direito humanitário. Este Tribunal vai além do simples julgamento de indivíduos, pois procurará observar também, de forma mais generalizada, as motivações políticas que os levaram a cometê-los, em favor de um grupo ou Estado. Porém, construir um consenso de modo que os Estados o aceitem pode colocar em questão sua própria legitimidade, uma vez que utilizam do conceito do princípio de complementaridade, em que todos os recursos internos de cada Estado-Nação têm que ser respeitados e, somente então, o indivíduo poderá ser levado ao Tribunal Penal Internacional. Outra preocupação está no fato de que este pode ser um alvo de politização de seus magistrados, uma vez que existe a Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 65-92 , jul/dez. 2002


77 possibilidade dos interesses políticos nacionais entrarem em conflito com o Direito Internacional. A competência do Tribunal está em julgar os quatro crimes tipificados no seu Estatuto, inspirado em Nuremberg, a saber: o crime de genocídio (art. 6o), crimes contra a humanidade (art.7o), crimes de guerra (art.8o) e ainda o crime de agressão. Este último é motivo de muita discussão e controvérsia, uma vez que acabou por não ser definido pelo Estatuto, sendo estabelecido enquanto solução de compromisso temporário, um adiamento por nova Conferência de Revisão, a partir de sete anos de sua entrada em vigor. No entanto, a Resolução 3.314 (XXIX), de 14 de dezembro de 1974 (apud MOREIRA, 1999, p. 513), adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, define a agressão como “... o emprego da força armada por um Estado contra a soberania, a integridade territorial ou a independência política de um outro Estado, ou de qualquer outra forma incompatível com a Carta das Nações Unidas...”, tal qual o envio de grupos armados ou de mercenários para atacar outro Estado ou o bloqueio naval. Ou seja, seria a busca pelas responsabilidades individuais dos atos enumerados nesta resolução. Frise-se ainda que o Conselho de Segurança pode qualificar outros atos como agressão. Neste caso, o Estatuto do Tribunal Penal oferece mecanismos jurídicos para aperfeiçoar o funcionamento do sistema de segurança coletivo, para que, conforme as decisões tomadas em Nuremberg, o mais grave crime que fira diretamente a paz internacional e que representa uma afronta de um Estado contra outro possa estar sob sua jurisdição, claro que referindo-se aos indivíduos, líderes políticos, que tomaram estas decisões. Vale dizer que o Tribunal não poderá interferir, de maneira alguma, em conflitos interestatais, competência restrita da Corte Internacional de Justiça, que é o órgão judicial da ONU de solução de litígios entre Estados, sendo o mais importante tribunal judiciário da sociedade internacional, já referido (MELLO, 2002, p, 656-666). Na realidade mundial atual, o indivíduo é o elemento central, essencial e modificador do sistema internacional e seus atos passam a ser estudados e regulados através da relação que ele possui com o Estado e que, com o aperfeiçoamento do Direito Internacional Penal, estabelece-se uma articulação entre a responsabilidade individual e os Estados.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 65-92, jul/dez. 2002


78 4 A QUESTÃO BALCÂNICA Ao final do século XX, com a morte do líder político Josip Broz Tito,12 marechal que havia conseguido unir os povos eslavos que formariam a Iugoslávia depois da Segunda Guerra Mundial, e estabeleceria um tipo diferente de socialismo, independente do praticado na União Soviética, após alguns anos de equilíbrio, o país mergulhou em uma sangrenta guerra civil de motivações étnicas e religiosas que apenas aguardavam um pretexto para explodir. Durante este conflito civil, atos de perseguição e assassinatos em massa foram praticados por bósnios muçulmanos, croatas e em maior proporção por sérvios. Estes últimos, liderados pelo nacionalista Slobodan Milosevic, assumiram o governo da Iugoslávia após quase meio século de liderança do Marechal Tito, que conseguiu estabelecer um Estado formado por nações culturalmente heterogêneas através de um socialismo que concedia uma determinada autonomia às províncias da federação iugoslava, bem como desafiava o modelo soviético ao ponto de colocá-lo na liderança dos “Países Não-Alinhados”13 durante a Guerra Fria. Dessa forma, Milosevic chega ao poder da Iugoslávia querendo manter essa união, mas ao seu modo, com a intenção de assumir o lugar de Tito, querendo uma maior centralização política, que mais tarde se transformaria no desejo de formar a “Grande Sérvia”, ou seja, acabar com o modelo federativo clássico e aumentar a concentração de poder em Belgrado, rompendo com o equilíbrio estabelecido pela Constituição iugoslava de 1974. Milosevic começa, então, a eliminar a autonomia das demais províncias e a exacerbar o sentimento nacionalista da Sérvia, que havia sido uma região independente antes da criação da Iugoslávia. Só que este processo de rompimento com a herança de Tito, servia também aos interesses da Eslovênia e da Croácia que trataram de acelerar seu processo de independência. Primeiro a Eslovênia, através de um plebiscito popular, e depois foi a Croácia que também buscou seus meios, com um certo apoio da Alemanha e, em seguida, a Bósnia Herzegovina. No caso específico da Croácia, vale ressaltar a tentativa de formar um Estado com a Sérvia, mas

12 13

Ver AUTY, Phyllis. Tito: líderes da Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Renes, 1975. n. 9. O movimento dos Países Não-Alinhados foi criado em 1961 e procurava tornar-se uma espécie de “Terceira Via” no contexto do conflito da Guerra Fria, sendo liderados por Tito, da Iugoslávia; Nasser, do Egito; e Nehru, da Índia (SOARES, 1999, p. 29-34).

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 65-92 , jul/dez. 2002


79 que não deu certo, bem como o interesse da Alemanha em possuir uma maior credibilidade dentro da Europa e no Cenário Internacional. Ainda nesta época, ocorreram outros conflitos, mas sem a formação de um novo Estado soberano. É o caso de Kosovo, uma região de maioria albanesa que pretendia deixar a condição de província autônoma para se tornar uma república. No entanto, a intenção de Milosevic era de exercer total controle sobre Kosovo, e a revolta popular contra este intento foi esmagada definitivamente por volta de fevereiro de 1989 e juntamente com a região de Vojvodina acabou por ser anexada ao planejamento inicial do líder sérvio (SOARES, 1999, p. 43). Todos esses conflitos foram marcados por sangrentas perseguições e comportamentos que perante o Tribunal Penal Internacional atual seriam qualificados como crimes de genocídio e contra a humanidade, de todos os lados, e é neste contexto que Slobodan Milosevic passa a ser o centro das atenções. Alguns países europeus como a Grécia, França e Inglaterra estavam, no início do conflito, a favor do líder sérvio na Iugoslávia, mas conforme nos relata Conversi (apud MESTROVIC; CUSHMAN, 1996, p. 245), o fato de as nações, principalmente a Inglaterra, não se mobilizarem para intervir na região devido aos massacres que ali aconteciam, foi devido a um certo sentimento de relativismo moral: The main characteristic of British official – and elite – discourse on Bosnia will be identified as moral relativism. Moral Relativism – can be best identified as an underlying current of public opinion that, even at the peak of Serbian atrocities and ethnic cleansing, was determined to view all parties in the conflict as warring factions engaged in a civil war.

Assim, todos eram culpados e não cabia a nenhuma nação julgar valores culturais de uma determinada população de outra nação: Moral relativism reflects a belief in the non-universality of human values, including human rights – Moral Relativism is the claim that there is no superior moral judgment and human beings should not adhere to the same values; cultural relativism is the claim there is no superior culture and all cultures should be treated equally (CONVERSI, apud MESTROVIC; CUSHMAN, 1996, p. 245-246).

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 65-92, jul/dez. 2002


80 Esse relativismo moral teve uma grande repercussão na imprensa britânica, devido a uma jornalista sérvia, que simpatizava com as acusações do surgimento de um novo “eixo Zagreb-Berlim” devido ao apoio da Alemanha à Croácia e à Eslovênia, onde poderia estar nascendo um neofascismo. Isso afetou até mesmo o Conselho de Segurança das Nações Unidas que, através da Resolução n. 713, de 25 de setembro de 1991, impôs o embargo de armas ao que ainda era a República Federal Socialista da Iugoslávia com o intuito de manter essa federação unida, tentando achar uma solução diplomática para a independência da Croácia e da Eslovênia. Era importante, também, manter essa unificação, pois, do contrário, poderia ser interpretada em Moscou como instigação ao esfacelamento da URSS, que, embora já em curso, só se consumaria em dezembro daquele ano. Assim, o contexto começa a mudar a partir da Resolução n.743, de 21 de fevereiro de 1992, que cria uma Força de Proteção das Nações Unidas – UNPROFOR – com um mandato originalmente de “peacekeeping”, ou seja, para manter a paz, mas que não fazia referência ao Capítulo VII da Carta das Nações Unidas e que tinha por objetivo desmilitarizar as quatro áreas de proteção na Croácia (enclaves onde havia maioria ou forte presença sérvia); e, da Resolução 757, de 30 de maio de 1992, que impôs sanções econômicas contra a recém-formada República Socialista Iugoslávia (Sérvia e Montenegro). A partir daí, a UNPROFOR, que fora criada sem uma prévia negociação entre as partes beligerantes, passou a ficar exposta aos ataques de grupos na Croácia e Bósnia Herzegovina, o que levou o Conselho de Segurança da ONU a induzir ingredientes coercitivos ao mandato de “peacekeeping” da força de paz. A parte sérvia na Bósnia passou a hostilizar abertamente a UNPROFOR por não consentir no desdobramento de forças de paz da ONU nas porções de território por ela ocupada. A partir daí, a oposição à República Federal da Iugoslávia (RFI) passa a se tornar mais evidente, a ponto de o Conselho de Segurança não reconhecer a reivindicação da RFI de suceder automaticamente a República Socialista da Iugoslávia e recomendar à Assembléia Geral das Nações Unidas que impedisse o novo governo em Belgrado de participar tanto dos trabalhos da Assembléia como do ECOSOC. Em contrapartida, as independências da Eslovênia, Croácia e Bósnia Herzegovina seriam aceitas por consenso em maio de 1992 e a da ex-República Iugoslava da Macedônia, em abril de 1993. Posteriormente, em 23 de setembro de 1994, foram impostas pela Resolução 942 sanções dirigidas exclusivamente à parte sérvia no interior da República da Bósnia-Herzegovina (com abstenção da China), que passaria a responsabilizar uma das partes pela persistência do conflito na Bósnia. Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 65-92 , jul/dez. 2002


81 A verdade é que a partir desses momentos, os sérvios passaram a ser reconhecidos como os agressores da guerra, o que para Patriota (1998, p. 84) tem outra razão: Acresce que tanto os sérvios da RFI, como os da Bósnia e da Croácia eram os maiores interessados em redesenhar as fronteiras das repúblicas iugoslavas, e criar uma grande Servia em desafio à Declaração de Helsinki sobre Segurança e Cooperação na Europa que proibia a alteração das fronteiras européias pela força – o que fazia com que aparecessem como a parte agressora.

Além disso, os relatórios do Relator Especial da Comissão de Direitos Humanos, Tadeusz Mazowiecki, colocavam como os principais responsáveis por violações na região as autoridades sérvias, o Comando do Exército Nacional Iugoslavo e a liderança política da Sérvia. Assim, devido às grandes perdas da UNPROFOR como, por exemplo, a tomada de reféns pelas forças sérvias na Bósnia em 1994 e 1995, em que até mesmo o ex-Representante Especial do Secretário Geral para a ex-Iugoslávia, Yasushi Akashi, a caracteriza como “a classic example of mission creep” (Patriota, 1998, p. 103); e, arranjos concluídos entre o Secretariado da ONU e da OTAN, esta última intervém na região em 26 maio de 1995, com ataques aéreos contra posições bósnio-sérvias, os quais caracterizaram a primeira intervenção militar da OTAN fora de sua área de atuação. Conseqüentemente, em novembro de 1995, os sérvios vêem-se forçados a assinar os Acordos de Dayton, liderados pelo EUA, o que permitiu a substituição da UNPROFOR pela IFOR (Forças de Implementação da OTAN), autorizando-os a usar a força para impor o cumprimento dos termos do plano de paz. É devido a este complexo contexto, dentre outros motivos, que é criado o Tribunal Internacional para a ex-Iugoslávia pela Resolução 827 do Conselho de Segurança da ONU, de 25 de maio de 1993, para julgar as violações de direito internacional humanitário. Como se pode perceber, o tribunal foi criado ainda durante a guerra, após o surgimento da República Federal da Iugoslávia, e serviu para acrescentar uma nova variedade de iniciativas sob o Capítulo VII às diversas que estavam sendo aplicadas.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 65-92, jul/dez. 2002


82 5 O TRIBUNAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA Assim, cabe agora analisar este tribunal quanto a sua legalidade, jurisprudência e polarização, pelo fato de ainda encontrar-se em pleno funcionamento e estar julgando o líder sérvio Slobodan Milosevic e, principalmente, por ser um dos paradigmas para o atual Tribunal Penal Internacional (TPI). Primeiramente, trata-se de mais um tribunal ad hoc, após os de Nuremberg e Tóquio, que, como todos os outros desta natureza, pode ser criticado por sua grande caracterização em torno de julgamento seletivo de “vencedores” de guerra sobre “vencidos”, o que, inclusive faz parte das alegações de defesa de Slobodan Milosevic. O tribunal é composto majoritariamente de magistrados da nacionalidade de países membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). A maneira como Milosevic foi entregue ao tribunal também mostra a influência que sobre este órgão possuem as grandes potências, principalmente os EUA. Os norte-americanos ofereceram publicamente 1,2 bilhões de dólares à oposição de Milosevic para que o entregasse ao tribunal. Apesar de este fato ser juridicamente proibido para o atual TPI, devido ao princípio de complementaridade deste tribunal é importante saber, para reflexões a respeito, por que não oferecer o mesmo valor para a entrega de militares de primeiro escalão croatas, bósnios e kosovares de etnia albanesa, que não foram julgados, embora também tenham cometido limpeza étnica. A resposta a esta indagação pode estar na afirmação do historiador Vizentini (2001): A pergunta que muitos se fazem é se personalidades direitistas como Pinochet e Suharto seriam igualmente punidas. — Se Milosevic tivesse aceitado a nova ordem global para os Bálcãs sem resistir, talvez estaria aposentado em condições privilegiadas, como ocorreu com outros.

E continua: “O que mais assusta são os bodes-expiatórios que encobrem culpas mais amplas e a complexidade das crises políticas contemporâneas”. Pode-se ainda acrescentar o que Steven Erlanger, do The New York Times, (apud VIZENTINI, 2001, p. 3) diz a respeito: “Nenhum comandante da OTAN foi indiciado pelo uso de bombas de fragmentação, com urânio empobrecido, e nenhum Kosovar de etnia albanesa foi acusado pela morte de sérvios no Kosovo.”

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 65-92 , jul/dez. 2002


83 Vale ressaltar que, coincidência ou não, após a criação da República Federal da Iugoslávia, em que os interesses da ONU de manter a união da ex-República Federal Socialista da Iugoslávia não se concretizaram, os sérvios passaram a ser claramente perseguidos através de embargos e, posteriormente, ataques aéreos. Porém, é importante esclarecer que nada disso justifica as atrocidades e violações efetuadas pelo regime nacionalista de Slobodan Milosevic e que ele deveria, sim, ser julgado. As ressalvas, contudo, é devido ao fato de somente líderes sérvios terem sido levados a julgamento - mesmo havendo uma enorme dificuldade de se juntar provas - ao contrário de bósnios muçulmanos, croatas e albaneses que tiveram apenas alguns membros de segundo escalão no banco dos réus. No concernente a sua defesa, Milosevic mostra-se bastante tranqüilo, a ponto de chegar a dispensar advogado. Segundo o ex-ditador, a promotoria utiliza meios de comunicação, em lugar do discreto comportamento que cabe a um jurista isento. Este é um ponto bastante questionado e em relação ao qual Serva (1999, p. 25), jornalista especialista sobre cobertura de imprensa para as guerras da Iugoslávia, emite opinião. Segundo ele, o sistema de informação não mostra a história no jornalismo, impedindo que o leitor possa questionar qual é a relação existente entre fatos tão semelhantes que ocorreram em uma mesma região, mas separados por um intervalo de meio século, que para a história é curto, porém, para o jornalismo é muito longo. Tal pensamento também está presente no “Historical Determinism” que Conversi (apud MESTROVIC; CUSHMAN, 1996, p. 248) explica: “Historical Determinists differ from cultural determinists in that they rely on historical memories rather than culture or religion as causal factors. Thus, people sharing the same religion and grand civilization may collide simply because they have already collied in the past.” No caso da Iugoslávia, tal afirmação deve ser considerada, pois foi uma região marcada por conflitos. Para Leão Serva, a batalha do Kosovo em 1389 suspendeu a expansão da população sérvia e tirou desse povo a liberdade, onde cada geração passou a se sacrificar para reverter a derrota, como se a guerra nunca tivesse terminado. Ainda na II Guerra Mundial, a invasão da Iugoslávia pela Alemanha, Itália, Hungria e Romênia, ocasionou na independência da Croácia, reconhecida por Alemanha, Itália e Hungria; curiosamente, os primeiros a reconhecer a independência do mesmo país 50 anos depois. Algo mais intrigante é que durante a maior parte do conflito a imprensa norteamericana e inglesa passaram a defender o ataque à Iugoslávia, ao contrário Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 65-92, jul/dez. 2002


84 da russa que mantinha acordo bilateral com a Iugoslávia e passaram a defender os sérvios ao final do conflito. Milosevic, também, não poderia deixar de questionar a validade de um tribunal ad hoc supranacional que solapa o direito interno de cada país. Idéia essa já descrita anteriormente, com que Fonseca Júnior e Belli (2002, p. 119) concordam. Segundo eles, a simples criação de um tribunal com jurisdição limitada a uma região especifica, como no caso da Iugoslávia, é um ato intrinsecamente seletivo. Isso pode ser claramente visto na região dos Bálcãs, onde até mesmo os defensores iniciais da criação do tribunal para esta região demoraram a transformar o discurso em ato. Houve dificuldades financeiras e uma demora de 14 meses entre a criação do tribunal e a designação do primeiro promotor, Richard Goldstone. Ainda em sua defesa, o ex-líder sérvio explora o fato de ele, tecnicamente, ter sido seqüestrado ilegalmente da Iugoslávia, o que infringiria o princípio de complementaridade do atual Tribunal Penal Internacional. Por último, o que ganhou maior força após o 11 de setembro de 2001, é o fato de ele ter enfrentado uma guerrilha islâmica e extremista. Função na qual se encontram atualmente os EUA na sua guerra global contra o terrorismo. É notório que todas as teses de defesa de Milosevic mostram, de certa forma, a ilegalidade de um tribunal de exceção e a difícil imparcialidade que um promotor deve ter. Assim, torna-se relevante a análise deste tribunal de modo que se veja a superação destes problemas na implementação do Estatuto de Roma que configura a Corte Criminal Internacional. Dessa forma, é importante ressaltar a influência que as grandes potências possuem em organismos internacionais. Na questão dos Bálcãs, por exemplo, é fácil essa percepção. A ONU e a OTAN passaram praticamente toda a década de 90, afirmando os direitos dos povos à autonomia, e a necessidade de preservação das fronteiras estabelecidas. Contudo, ao se imporem, através da força militar, como guardiões da segurança e da paz na ex-Iugoslávia, as duas organizações terminaram por sacramentar o redesenho das fronteiras tradicionais devido aos acordos de Dayton, liderados pelos EUA. É neste contexto que o TPI terá que demonstrar seu poder supranacional para evitar essa polarização, principalmente na ação do Conselho de Segurança. É então, que o TPI é criado, dentre outros motivos, para tentar garantir e proteger os direitos fundamentais do homem, já que a história é evocada a todo momento conforme o ponto de vista de cada um. E, justamente pelo motivo de Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 65-92 , jul/dez. 2002


85 um mesmo território poder ser reivindicado e justificado por três nacionalidades diferentes através de fatos distintos do passado, o TPI tem por obrigação minimizar e intimidar os conflitos que desta razão possam surgir, pois em uma chamada “Nova Ordem Mundial” não existem mais as grandes entidades imperiais que governavam miríades de povos distintos, bem como impunham regras ao seu relacionamento e que alguma estabilidade ainda existia. Assim, a preocupação que se deve ter em relação ao Tribunal Penal Internacional é evitar que se torne uma arma de manipulação das grandes potências. Destarte, é de extrema importância que o julgamento do primeiro réu deste tribunal seja de acordo com os bons costumes do Direito Internacional e juridicamente correto, não havendo juízos de valor parcial para com o acusado, para, desta forma, o tribunal construir jurisprudências claras e esclarecedoras. Nos conflitos atuais, o TPI tentará buscar a paz de maneira a construí-la, não de modo imperativo, mas através de soluções em longo prazo de problemas estruturais comuns. Cabe a este órgão punir o indivíduo não apenas por ter violado os princípios dos direitos humanos e direito humanitário de abrangência restrita, mas, sobretudo, por violar estes direitos no âmbito da comunidade internacional.

6 O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL Feitas estas observações fundamentais, podemos então dizer que o Tribunal Penal Internacional, surgido na “Conferência Diplomática de Plenipotenciários das Nações Unidas para o estabelecimento de uma Corte Criminal Internacional”, realizada na cidade de Roma, entre os dias 15 e 17 de julho de 1998, aprovado com cento e vinte Estados, votando a favor e com sete votos contrários (dentre os quais os Estados Unidos e Israel) deverá ser permanente, independente e vinculado ao sistema das Nações Unidas, exercendo sua competência sobre os crimes mais graves contra os direitos humanos, e acionado somente nos casos de manifesta incapacidade ou falta de disposição dos sistemas judiciários nacionais para exercer sua jurisdição própria, conforme o chamado princípio da complementaridade, através dos dispostos nos parágrafos 2o e 3o do art. 17 do Estatuto. Ali estão colocadas as diretrizes que o Tribunal deve levar em conta para determinar a falta de disposição ou incapacidade das justiças nacionais. Esses dois parágrafos refletem o esforço coletivo das delegações dos EstadosSci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 65-92, jul/dez. 2002


86 partes na composição do Estatuto em limitar as hipóteses de apreciação da Corte, assim como possíveis ingerências nos Estados. Claro que se deve ressaltar que, para além das questões meramente jurídicas, o chamado princípio da complementaridade traz em seu bojo discussões de caráter estritamente político, visto que os crimes tipificados no Estatuto de Roma guardam relação direta com questões vinculadas à dimensão política, pois os Estados podem alegar ingerência em seus assuntos domésticos em nome do clássico princípio da soberania nas relações internacionais. Mas, sob a visão do direito internacional, como afirma Perrone-Moisés (2000, p. 7), “o princípio da complementaridade coaduna-se com as mais modernas tendências nas diversas áreas correlatas: manutenção da paz e segurança internacional, direitos humanos e justiça internacional”, o que revela a realidade moderna da soberania, em torno de seu relativismo e sua dinamicidade. Ou seja, quando não houver condições materiais de um determinado país julgar seus criminosos que cometam crimes de caráter mais peculiar em seus aspectos de horror, crueldade e barbárie contra toda uma população; ou ainda existir uma total falta de vontade política ou mesmo ostensiva proteção do determinado nacional no julgamento doméstico, o fato de o Tribunal poder ser acionado, inspirado no princípio da complementaridade e da justiça universal contra crimes considerados mais graves pela comunidade internacional, vai ao encontro das atuais tendências do desenvolvimento do direito internacional. Estes crimes mais graves contra o gênero humano não prescrevem e estão reunidos no artigo quinto (art.5o) do Estatuto de Roma e, como já citados, são o genocídio , os crimes contra a humanidade, os crimes de guerra e os chamados crimes “de agressão” a serem definidos em conformidade com os artigos 121 e 123 do Estatuto e pela Conferência de Revisão dos Estados-partes. Na esteira da influência de Nuremberg e, sobretudo, pelos trabalhos do direito internacional humanitário que logrou grande desenvolvimento após a Segunda Guerra Mundial, com as Convenções de Genebra de 1949, o genocídio é tipificado como qualquer ato cometido com intenção de destruir sistematicamente, no todo ou em parte, uma nação, etnia, raça ou ainda grupo religioso. O Brasil, por sua vez, já incorporou o crime de genocídio ao seu ordenamento jurídico positivo desde a Lei 2.889 de 1956, que define e pune o crime citado nos moldes consagrados internacionalmente, além de já ter ratificado a existência da Corte. Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 65-92 , jul/dez. 2002


87 Por sua vez, os crimes “contra a humanidade”, encontrados pela primeira vez nos estatutos do já citado tribunal militar de exceção de Nuremberg, onde já existiram inúmeros problemas relativos à aceitação desta tese, está listada uma quantidade enorme, mas que serão considerados enquanto tal, desde que praticados como parte de um ataque generalizado ou sistemático contra populações civis. Este será um ponto extremamente controvertido a ser demonstrado, pois caberá ao Ministério Público a prova para a persecução penal, o que desde já se mostra extremamente complicado e de difícil comprovação. O Estatuto de Roma seguiu mais uma vez os documentos estatutários de Nuremberg e Tóquio, e das experiências “ad hoc” dos tribunais da ONU para a enumeração dos crimes contra a humanidade (homicídio, extermínio, escravidão, torturas e maus-tratos, dentre outros), acrescentando a deportação ou transferência forçada de pessoas, sendo a novidade o crime de “apartheid”, que recebeu grande nível de reconhecimento internacional enquanto tal, constituindo-se num verdadeiro refinamento da lei internacional (SUNGA, 2000, p. 209-210). Os crimes de guerra encontram-se abrangidos pelo artigo 8o e são uma profusão enorme de tipos, mas que, para serem considerados assim, devem também ter as características elencadas para os crimes contra a humanidade, ou seja: no sentido de serem sistemáticos, em larga escala e parte de uma estratégia ou política pré-determinada. Esta categoria de crimes inclui, dentre outros, violações sérias à lei de conflitos armados de caráter não apenas internacional, indo além do direito internacional humanitário, mas também em âmbito regional. Além disso, o Estatuto do TPI prevê um Ministério Público muito forte, que poderá agir com fundamento em informações de qualquer fonte confiável ao seu alvitre, ou seja, não apenas de um Estado membro.14 Os acusadores terão de submeter suas provas a exame pela chamada Câmara de Pré-Julgamento do Tribunal. Isto, em tese, deve proteger seu trabalho da possível politização dos casos por órgãos como o Conselho de Segurança da ONU e a Assembléia Geral dos Estados-partes. Não é por acaso que os Estados Unidos, não-ratificadores do Estatuto de Roma, buscam uma pressão sobre os demais Estados para que não reconheçam o Tribunal ou ainda assinem acordos bilaterais com a Casa Branca, de forma a conceder imunidade aos solda-

14

De acordo com o artigo 15 do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 65-92, jul/dez. 2002


88 dos norte-americanos, de acordo com o artigo 98 do Estatuto do TPI, para livrá-los de qualquer julgamento, pois o governo americano teme “os superpoderes” do promotor, bem como acusações políticas contra seus militares, espalhados ao redor do mundo15. No entanto, como o Tribunal exercerá sua jurisdição sobre qualquer dos crimes tipificados, por iniciativa, dentre outros, do Conselho de Segurança da ONU, ele poderá suspender uma investigação ou processo, por um período de doze meses, renovável por igual período, em consonância com o disposto no capítulo VII da Carta das Nações Unidas, ainda assim o elemento político da seletividade e dos jogos de “influência” das grandes potências mundiais deverá ser um dos grandes desafios a serem enfrentados pela Corte. Mas, é bom ressaltar que tal medida exigirá um decisão unânime dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, o que não deverá ser tão fácil, dada a complexidade dos crimes e dos interesses concretos das principais nações da ONU. De fato, os altruísticos objetivos do Estatuto de Roma, para terminar com as violações dos direitos da pessoa humana nos mais diversos cantos do planeta, proporcionando uma maior segurança e confiança às vítimas, às suas famílias e as próprias comunidades regionais, no sentido de que haverá investigação e posterior julgamento dos responsáveis pelos crimes internacionais mais graves, de sorte a combater a impunidade e a sanar possíveis falhas das justiças penais locais, principalmente quando os autores são autoridades militares ou governantes que praticam um verdadeiro “terrorismo de Estado” quando no poder, poderão ser desafiados e solapados pelas peculiaridades da política internacional. Isto ocorre, essencialmente, quando o Estatuto de Roma confere ao Conselho de Segurança da ONU a faculdade de solicitar ao Tribunal que não inicie ou que suspenda por um prazo determinado, frise-se que renovável por razões de conveniência, o inquérito ou processo que tiver sido iniciado. Em realidade, o Tribunal Penal Internacional pretende suprir as lacunas constatadas no Direito Internacional em torno de sua relativa “fraqueza” pela ausência de uma justiça internacional penal permanente capaz de punir indivíduos pela prática de delitos contra o direito internacional, elevando o indivíduo ao 15

Para verificar mais detalhes a respeito da visão norte-americana sobre a Corte Internacional, verificar jornal Folha de São Paulo, em 2 de julho de 2002, p. 12. Assim como Sewall, Sarah; Kayson, Carl. The United States and The International Criminal Court. New York: Paperback, 2002.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 65-92 , jul/dez. 2002


89 nível de sujeito de direito da ordem internacional e não apenas Estados-nações ou organizações internacionais. Se vai conseguir ou não, somente o desenrolar do tempo, ao longo da resolução de casos concretos, poderá dizer. Mas, o Estatuto de Roma fixou um regime de cooperação entre os Estados partes e o Tribunal Penal Internacional, fundamental para a viabilidade e o êxito da instituição. Os Estados-partes estão obrigados a cooperar plenamente com o Tribunal na investigação e no julgamento dos crimes previstos no Estatuto. Integra este dever de cooperação a obrigação de prender e entregar os acusados ao Tribunal. Para assegurar que o direito interno facilite a capacidade do Estado para atender às solicitações do Tribunal, o Estatuto requer que os Estados-partes garantam que no direito interno existam procedimentos aplicáveis a todas as formas de cooperação especificadas no Estatuto. Os Estados devem ser capazes de proporcionar ao Tribunal uma cooperação concisa, sujeita a menos formalidades do que usualmente se aplica à cooperação judiciária entre Estados nações, no que se refere à extradição. Importante salientar que a Corte Criminal Internacional não será uma jurisdição estrangeira, mas uma jurisdição internacional, de cuja construção, por exemplo, o Brasil participa, e terá, portanto, um vínculo muito mais estreito com a justiça nacional de cada país e, por isso, a defesa da necessidade da criação de uma legislação nacional específica que se coadune com o disposto no Estatuto de Roma. Os Estados-partes cumprirão, em tese, os pedidos de prisão e entrega, segundo os procedimentos do Estatuto e do direito nacional. Por conseqüência, os procedimentos nacionais para prisão de indivíduos continuarão sendo aplicados, porém eventuais regras e normas sobre privilégios referentes a cargos oficiais e de não-extradição de nacionais não serão motivos que impeçam a falta de cooperação dos Estados-membros. Por isso, o Estatuto de Roma distingue de forma clara e concisa entre “extradição” e “entrega de um indivíduo” para o Tribunal O elemento essencial de distinção consiste em ser a Corte Criminal uma instituição criada para processar e julgar os crimes mais graves contra a dignidade humana, de maneira independente e imparcial. Na condição de instituição internacional que busca o bemestar da sociedade mundial, porque reprime crimes contra o próprio direito internacional, a entrega ao Tribunal não pode ser vista como extradição, instituição típica do relacionamento jurídico de Estados com Estados.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 65-92, jul/dez. 2002


90 7 CONCLUSÃO Equilibrando os argumentos a favor e contra a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, da mesma forma que as restrições impostas aos seus trabalhos, sobretudo com a recusa de importantes Estados nações do sistema internacional tal qual os EUA, a Rússia, Israel ou China, em aceitar sua jurisdição; pode-se avançar no sentido de que, para o tribunal ser eficiente, necessita de qualquer modo, do maior número possível de Estados-partes ratificadores. Fora isso, a possível aceitação de sua jurisdição de forma “ad hoc”, para determinados casos concretos, pode tentar equilibrar e compensar os limites jurisdicionais. Concluindo, pode-se esperar também que na primeira Conferência de Revisão, a ser realizada sete anos depois do Estatuto de Roma ter entrado em vigor, possivelmente em 2009, os Estados-partes concordem em aumentar os poderes do tribunal. No geral, a avaliação do Secretário Geral da ONU, Koffi Annan, em discurso proferido na abertura da Assembléia-Geral, em 2002, após a entrada em vigor do tribunal, é das mais equilibradas e racionas: ... sem dúvida, muitos de nós teríamos gostado de um tribunal investido com os poderes até de mais longo alcance, mas não deviam nos levar a minimizar o alcançado. O estabelecimento do tribunal é um presente de esperança para as gerações futuras, e um avanço gigante na marcha dos direitos humanos universais e o império da lei.

Além disso, o valor supremo do processo legislativo do Estatuto de Roma não pode ser subestimado ou superestimado. No sentido do equilíbrio, é de significação histórica o contemplado na Resolução 18/98 do 6o Comitê da ONU e mais recentemente o que foi dito no tribunal para a ex-Iugoslávia e Ruanda, no julgamento de 10 de dezembro de 1998, Caso n.IT-95-17/1-T, Prosecutor v. Furundija, em torno do avanço ao combate aos crimes contra o gênero humano, de que todas as formas de barbárie relativa à ofensa aos direitos dos seres humanos deve ser combatida. O Estatuto de Roma pode ser tomado para refletir e redefinir regras habituais dos tempos de guerra e dos tempos da paz, considerando-se que em alguns campos ele cria nova lei ou modifica as já existentes. Em qualquer caso, o Estatuto de Roma em geral pode ser tomado como a constituição de uma expressão autorizada das visões legais mais abrangentes de um grande número de Estados da comunidade internacional. Enfim, o Tribunal Penal Internacional, pode ser considerado uma instituição extraordinariamente inovadora no sistema de relações internacionais, afinal, Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 65-92 , jul/dez. 2002


91 aprovado, com poucos votos negativos em 1998. De caráter permanente e abrangência genérica para os crimes estabelecidos em seu estatuto, em que pese suas inegáveis limitações, principalmente a resistência de grandes Estados membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, tem, contudo, atribuições fundamentais na área dos direitos humanos e do direito internacional humanitário, quando as violações se confundem com atos táticos de guerra genocida, tal qual a limpeza étnica, o desaparecimento e deslocamento forçado de pessoas, o ataque sistemático às populações civis em tempos de guerra ou de paz, perpetuando uma verdadeira barbárie humana, que o século XX foi pródigo em produzir.

REFERÊNCIAS

ARENDT, H. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. FONSECA JÚNIOR, G.; BELLI, B. Política e direito nas relações internacionais: a consolidação da justiça internacional. Política Externa, São Paulo, v.10, n. 4, mar./maio 2002. GONÇALVES, J. B. Tribunal de Nuremberg: 1945-1946. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. GOYARD-FABRE, S. Os princípios filosóficos do direito político moderno. São Paulo: M. Fontes, 1999. LINDGREN-ALVES, J. A. Relações Internacionais e temas sociais: a década das conferências. Brasília: IBRI, 2001. MELLO, C. de A. Curso de Direito Internacional Público. 14. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. v. 1. MESTROVIC, S. G.; CUSHMAN, T. This time we knew: western responses to genocide in Bosnia. New York: Universal Press,1996. MOREIRA, A. Teoria das relações internacionais. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999. PATRIOTA, A. de A. O Conselho de Segurança após a Guerra do Golfo. Brasília: FUNAG, 1998. Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 65-92, jul/dez. 2002


92 PERRONE-MOISÉS, C. O princípio da complementaridade no Estatuto do Tribunal Penal Internacional e a soberania contemporânea. Política externa, São Paulo, v. 8, n. 4, p. 7, mar./maio 2000. SERVA, L. Balcãs: onde as tragédias da história se repetem. Política Externa, São Paulo, v. 8, n. 1, jun./ago. 1999. SOARES, J. Iugoslávia: guerra civil e desintegração. Porto Alegre: Novo Século, 1999. SMITH, B. F. O Tribunal de Nuremberg. Rio de Janeiro: F. Alves, 1979. SUNGA, L. S. P. A competência rationae materiae da Corte Internacional Criminal: arts 5 a 10. In: CHOUKR, F. H.; AMBOS, K. (Org.). Tribunal Penal Internacional. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000. VIZENTINI, Paulo Fagundes. Tribunal de Haia: Milosevic e as grandes potências. Disponível em: <http://www.terra.com.br/vizentini/artigos/index.htm>. Acesso em: 5 ago. 2001.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 65-92 , jul/dez. 2002


RELATÓRIOS GERENCIAIS PARA DECISÃO DE PREÇOS DE VENDA NA MICRO E PEQUENA EMPRESA COMERCIAL VAREJISTA: UMA CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DO CONCEITO DE MARGEM DE CONTRIBUIÇÃO1

HUMBERTO ROSA OLIVEIRA *

1

Artigo apresentado no XVI Congresso Brasileiro de Contabilidade realizado em Goiânia no período de 15 a 20 de Outubro de 2000. * Coordenador e professor do Curso de Ciências Contábeis do Centro Universitário Vila Velha Contador e Mestre em Administração de Empresas pela UFMG. e-mail: hrosa@tropical.com.br Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 93-116 , jul/dez. 2002


94


95 RESUMO Um dos maiores problemas da precificação incorreta de itens de mercadoria no comércio varejista é a prática de alguns lojistas de diluir seus custos fixos sobre o total de vendas da loja (Aloe, 1995; Assef, 1997). No processo de compra e venda de mercadorias no varejo, vários fatores relativos a custos estão presentes e deverão ser levados em conta na hora da fixação do preço de venda. De acordo com Azevedo (1989), um número incontável de micro e pequenas empresas abrem suas portas para comercializar os mais diversos tipos de mercadorias. Qualquer que seja o porte da empresa, um dos maiores desafios para o comerciante é conhecer seus custos operacionais e mantê-lo sob controle. Esses procedimentos permitem a determinação adequada do preço de venda. Assim, é discutido o conceito de Margem de Contribuição e apresentado um modelo de relatório gerencial construído a partir da utilização do índice de marcação de preços, que, se adequadamente aplicado, poderá oferecer indicadores para a definição de políticas de compra e a decisão de preços de venda. Palavras-Chave: Custos, Preço, Markup ABSTRACT One of the biggest problems of incorrect pricing in retail trade is that some shopkeepers/shop owners dilute the costs over the store total sales (Aloe, 1995; Assef, 1997). During the buying and selling process of goods many inherent cost-related factors must be taken into account when settling sales prices. According to Azevedo (1989), a great number of small businesses start business to commercialize a variety of goods. However, no matter the enterprise size, one of its biggest challenges is to know the operational costing and to maintain it under control. These procedures allow the correct settlement of selling prices. In this context, it is discussed the concept of Contribution Margin, and it is presented a managerial report model built upon the utilization of the markup which, if well applied, gives indicators for contributing to define the purchase policies as well as the retail price decision. Keywords: Costs, Price, Markup

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 93-116 , jul/dez. 2002


96 1 INTRODUÇÃO O preço de venda de uma mercadoria é uma das variáveis estratégicas de extrema relevância. A sua determinação e gerenciamento exigem da administração a observação de um conjunto de variáveis. O administrador precisa conhecer a estrutura do mercado onde atua, identificar as fontes de valor percebidas pelo cliente, as formas de competição, sua posição relativa no mercado em frente à concorrência, suas metas de crescimento, bem como, por outro lado, entender suas operações internas, seus custos e os fatores operacionais e financeiros. A fixação de preços é uma decisão de suma importância para a administração, por ser o fator primordial de sobrevivência, lucratividade e posicionamento da empresa no mercado, já que a sua correta definição permitirá a manutenção e o crescimento auto-sustentado. Neste sentido, as decisões de preço e o seu gerenciamento adequado vêm se tornando fator preponderante de competição, em especial no comércio varejista. Observa Aloe (1995), que um dos maiores problemas da precificação incorreta de itens no comércio varejista é a prática de alguns lojistas de diluir seus custos fixos sobre o total de vendas da loja. Assim, calculam um percentual (custos fixos/valor total de vendas X 100) que imaginam “ter de aplicar” em cada item para, no mínimo, empatar suas receitas e despesas. Inserir no preço de venda de uma lata de tinta o valor do aluguel da loja, da conta de água, luz, telefone, ou até mesmo a retirada dos sócios é correto? Esse procedimento, muitas vezes, onera os custos reais de cada mercadoria, pois tenta praticar margens que o mercado consumidor não aceita e o mercado concorrencial não permite. Existe, porém, uma forma de se evitar esse tipo de problema na precificação da mercadoria a ser comercializada, o Método do Custeio Direto. O Método do Custeio Direto é uma técnica de apropriação de custos que considera simplesmente os custos diretamente ligados a mercadorias a serem comercializadas, como sendo custos e despesas variáveis. Desse modo pode-se encontrar a Margem de Contribuição, que mostra claramente qual a contribuição monetária de cada mercadoria ao conjunto da empresa comercial. Considerando que a literatura técnica da área de Contabilidade Gerencial está voltada principalmente para o aspecto industrial, havendo poucas obras Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 93-116, jul/dez. 2002


97 que tratem especificamente da formação de preço de venda em empresas comerciais, entendemos que, se adequadamente aplicado, o conceito de Margem de Contribuição pode constituir um poderoso instrumento de apoio decisorial aos administradores de micro e pequenas empresas varejistas. A proposta apresentada neste trabalho tem por objetivo discutir o conceito de margem de contribuição e apresentar um modelo de relatório gerencial construído a partir da utilização do índice de marcação de preços, que, se adequadamente aplicado, fornecerá indicadores que contribuirão para a definição das políticas de compra e a decisão de preços de venda.

2 CARACTERIZAÇÃO DO COMÉRCIO VAREJISTA Toda e qualquer atividade exercida que envolva a troca, permuta, intermediação entre o produtor e o consumidor, com o objetivo de lucro, é considerada comercial. As empresas comerciais exercem a atividade econômica e a intermediação entre o produtor e o consumidor final, fechando o ciclo econômico e atuando de duas formas distintas: comercializando no atacado ou no varejo. O comércio atacadista atua em função de maiores volumes comprados e vendidos ou grandes lotes, e tem como finalidade principal suprir o comércio varejista. Diferencia-se na intermediação e na cadeia de transações, pois encontra-se entre o produtor e o comércio varejista, com a finalidade de facilitar a distribuição do produto, atendendo, atingindo e suprindo o comércio varejista. Segundo Levy e Weitz (2000), varejo “é um conjunto de atividades e negócios que adiciona valor a produtos e serviços vendidos a consumidores para seu uso pessoal e familiar.” O comércio varejista, na concepção comercial, exercita a intermediação entre o produtor e o consumidor final com a finalidade de obter lucro. A figura 1 mostra a posição dos varejistas dentro do canal de distribuição. Os fabricantes fazem os produtos e os vendem para atacadistas e varejistas. Os atacadistas compram produtos dos fabricantes e revendem esses produtos aos varejistas, enquanto os varejistas revendem os produtos aos consumidores.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 93-116 , jul/dez. 2002


98 Atacadistas satisfazem as necessidades dos varejistas, enquanto os varejistas direcionam seus esforços para satisfazer as necessidades dos consumidores finais. Figura 1

ATACADISTA

VAREJISTA

CONSUMIDOR

VAREJISTA

CONSUMIDOR

FABRICANTES

2.1 A RELEVÂNCIA DO COMÉRCIO VAREJISTA NO BRASIL Segundo o relatório da Latin American Financial & Investment Services (1999) (LAFIS), o comércio varejista ocupa 11% da população economicamente ativa do país, representando cerca de 17% do PIB e 47% do volume total de vendas do comércio nacional. Dos cerca de 1.400.000 estabelecimentos varejistas existentes, apenas 2% podem ser classificados como empresas médias ou grandes e estas representam 28% do valor das vendas e 20% da mão-de-obra empregada pelo setor. O Estado de São Paulo representa 31% do faturamento do setor. Conclui-se que 98% das empresas brasileiras que atuam no setor varejista são microempresas e empresas de pequeno porte, o que corresponde a 1.372.000 empresas varejistas. Segundo a revista Exame Melhores e Maiores/junho 2000 (As 500..., 2000), em 1999, 92 empresas comerciais, entre as que atuam no varejo e em comércio exterior, fizeram parte das 500 maiores do país, o que representa 18,4%. Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 93-116, jul/dez. 2002


99 Das 54 empresas privadas com vendas acima de 1 bilhão de dólares em 1999 – o clube das bilionárias -, 13 operam no comércio, o que representa 24,10%. A maior em faturamento é o Carrefour, com 4,5 bilhões, também a segunda no ranking das 500 maiores empresas privadas por venda no país. Pode-se, assim, observar a relevância deste segmento para a economia brasileira.

3 CONCEITO DE MARGEM DE CONTRIBUIÇÃO Segundo Martins (1998), a “... margem de contribuição é conceituada como a diferença entre Receita e soma de Custos e Despesa Variáveis”. Para Bernardi (1998), margem de contribuição é “a diferença entre o valor das vendas, os custos variáveis e as despesas variáveis da venda”. Observada a concordância entre os dois autores, pode-se esquematicamente demonstrar: PV = Preço de Venda da Mercadoria DV = (-) Despesas Variáveis CV = (-) Custos Variáveis

Desta forma, a margem de contribuição unitária é dada pela fórmula: MC = PV – (CV + DV)

MC = (=) Margem de contribuição Para determinação do valor da margem de contribuição, dois elementos são fundamentais: as despesas variáveis e os custos variáveis. As despesas variáveis são aquelas que incidem diretamente sobre o preço de venda, portanto, só ocorrem quando a venda é realizada. Comissões devidas a vendedores com base no valor da venda e os impostos incidentes sobre o valor da venda são exemplos. O Custo Variável é o valor do preço de custo da mercadoria adquirida para revenda. No comércio, o custo variável refere-se somente ao custo da mercadoria que será vendida. Para um melhor esclarecimento, suponha-se uma mercadoria (X), cujo preço de venda unitário seja de $100,00 e cujo preço de custo seja $50,00. Além do custo variável, a empresa, por ocasião da venda, incorre no pagamento de impostos à base de 20% do preço de venda. Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 93-116 , jul/dez. 2002


100 Desta forma tem-se: Preço de venda Despesas Variáveis Custo Variável (Preço de Custo da Mercadoria)

= $100,00 = 20% de $100,00 = $20,00 = $50,00

Aplicando-se a fórmula, apura-se uma margem de contribuição no valor de $30,00, como se segue: MC MC MC MC

= = = =

PV – (CV + DV) $ 100,00 – ( $50,00 + $20,00) $ 100,00 – $70,00 $ 30,00

3.1 AS VANTAGENS DO CÁLCULO DA MARGEM DE CONTRIBUIÇÃO Segundo Assef (1997, p. 35), “a margem de contribuição indica de maneira imediata qual é a contribuição direta de cada mercadoria vendida aos resultados finais da empresa”. Permite a identificação das mercadorias mais ou menos lucrativas, sem a utilização de critérios de rateio totalmente discutíveis. Santos (2000, p. 47) descreve as vantagens de conhecer os índices e o valor da margem de contribuição, que ora transcrevemos adaptando ao comércio varejista. •

Os índices de margem de contribuição ajudam a administração a decidir quais mercadorias devem merecer maior esforço de venda ou ser colocadas em planos secundários, ou simplesmente serem toleradas, pelos benefícios de vendas que possam trazer a outras mercadorias;

As margens de contribuição são essenciais para auxiliar os administradores a decidirem se um segmento de comercialização deve ou não ser abandonado;

Podem ser usadas para avaliar alternativas que se criam com respeito a reduções de preços, descontos especiais, campanhas publicitárias espe-

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 93-116, jul/dez. 2002


101 ciais e uso de prêmios para aumentar o volume de vendas. As decisões desse tipo são realmente determinadas por uma comparação dos custos adicionais, visando ao aumento na receita de venda. Normalmente, quanto maior for o índice de margem de contribuição, melhor será a oportunidade de promover vendas; quanto mais baixo o índice, maior será o aumento do volume de vendas necessário para recuperar os compromissos de promover vendas adicionais; •

Quando se chega à conclusão quanto aos lucros desejados, pode-se avaliar prontamente o seu realismo pelo cálculo do número de unidades a vender para conseguir os lucros desejados. O cálculo é facilmente feito, dividindo-se os custos fixos mais o lucro desejado pela margem de contribuição unitária;

Muitas vezes é necessário decidir sobre como utilizar determinado grupo de recursos (exemplo: equipamentos ou insumos) de maneira mais lucrativa. A abordagem da margem de contribuição fornece dados necessários a uma decisão apropriada, porque essa decisão é determinada pelo produto que der a maior contribuição total aos lucros;

A margem de contribuição auxilia os gerentes a entenderem a relação entre custos, volume, preços e lucros, levando a decisões mais sábias sobre preços.

4 FORMAÇÃO DO PREÇO DE VENDA Segundo Assef (1997, p. 63), o cálculo do preço de venda com base no conceito de margem de contribuição pode ser realizado de duas formas: •

A partir da margem de contribuição objetivada (M.C.O);

Através do preço de venda fixado pelo mercado onde a empresa se insere.

A formação do preço de venda, com base na margem de contribuição objetivada, é realizada com base na fixação de um percentual preestabelecido pela administração sobre o preço das mercadorias objeto de comercialização. Traduzindo esse conceito em modelo matemático, chega-se a uma fórmula que pode ser denominada de Índice de Marcação de Preços (IMP), com que, aplicado sobre o preço de custo da mercadoria, se chega ao valor do preço de venda com a margem de contribuição desejada. Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 93-116 , jul/dez. 2002


102 Fórmula do IMP:

IMP = 100% (-) % DV (-) % MCO

Fórmula pela qual se chega ao valor do preço de venda:

PV = PC/IMP*100

Exemplo: Suponha-se uma mercadoria (X), cujo preço de custo seja $50,00. Por ocasião da venda incorre no pagamento de impostos à base de 20% e a administração objetiva uma margem de contribuição de 30% do valor do preço de venda. Fórmula do IMP: IMP = 100% (-) % DV (-) % MCO IMP = 100% (-) 20% (-) 30% IMP = 50% Fórmula pela qual se chega ao valor do preço de venda: PV = PC / IMP * 100 PV = $50,00 / 50% * 100 PV = $100,00 A formação do preço de venda, com base na margem de contribuição fixada pelo mercado onde a empresa se insere, é realizado a partir do preço praticado pelo mercado, deduzindo-se o preço de custo da mercadoria e as despesas variáveis devidas pela empresa revendedora. O valor encontrado, dividido pelo preço de venda praticado pelo mercado, é o percentual de margem de contribuição. Conhecido o percentual, os preços de venda são construídos, utilizando-se as fórmulas apresentadas anteriormente; vejamos: Suponha-se uma mercadoria (A) cujo preço de venda praticado no mercado seja de $200,00 e cujo preço de custo seja $50,00. Além do preço de custo, a empresa, por ocasião da venda, incorre no pagamento de impostos à base de 20% do preço de venda.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 93-116, jul/dez. 2002


103 Desta forma tem-se: Preço de Venda

= $ 200,00

Despesas Variáveis (20% de $200,00)

= $

40,00

Custo Variável (Preço de Custo da Mercadoria)

= $

50,00

Margem de Contribuição

= $ 110,00

% de Margem de Contribuição ($110,00/200,00 * 100) =

55%

Aplicando-se as fórmulas apresentadas: Fórmula do IMP: IMP = 100% (-) % DV (-) % MCO IMP = 100% (-) 20% (-) 55% IMP = 25% Fórmula pela qual se chega ao valor do preço de venda: PV = PC / IMP * 100 PV = $50,00 / 25% * 100 PV = $200,00 Podemos, assim, concluir que é o cálculo correto do preço de custo da mercadoria e o conhecimento aprofundado dos impostos incidentes sobre o preço de venda e demais despesas variáveis que permitem a elaboração de ensaios de formação de preços que fornecerão indicadores para a definição das políticas de compras e a definição de preços de venda a serem praticados.

5 A FUNÇÃO DA CONTABILIDADE NAS EMPRESAS COMERCIAIS As dificuldades que as empresas estão atravessando para se adaptarem ao novo perfil competitivo têm levado seus administradores a buscarem novas ferramentas gerenciais e, segundo Santos (2000), a contabilidade como linguagem de negócios tem sobressaído entre as ferramentas da administração, fornecendo subsídios poderosos por meio do gerenciamento das margens de contribuição das mercadorias vendidas.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 93-116 , jul/dez. 2002


104 Conforme IBRACON (1994, p. 21), “A contabilidade é, objetivamente, um sistema de informação e avaliação destinado a prover seus usuários com demonstrações e análises de natureza econômica, financeira, física e de produtividade, com relação a entidade objeto de contabilização”. É gerando relatórios para atender os usuários que a contabilidade cumpre a sua principal função: informar o usuário. Segundo Marion (1998), relatório contábil “é a exposição resumida e ordenada de dados colhidos pela contabilidade. Objetiva relatar às pessoas que se utilizam da contabilidade (usuários da contabilidade) os principais fatos registrados pela contabilidade em um determinado período”. Os relatórios contábeis, portanto, são elaborados para atender às necessidades dos usuários da contabilidade. Conceitua-se como usuário toda pessoa física ou jurídica que tenha interesse na avaliação da situação e do progresso de determinada entidade, seja tal entidade empresa, ente de finalidades não-lucrativas, ou mesmo patrimônio familiar. Os principais usuários das informações obtidas pela contabilidade podem ser classificados em externos e internos. O governo, os acionistas e o mercado de capitais, os sócios, os sindicatos, os bancos, os fornecedores são exemplos de usuários externos; e os responsáveis pelo processo decisório, os envolvidos no processo operacional, os responsáveis por acompanhar planejamento e outros executivos de diversos departamentos da empresa são os usuários internos. A preparação dos relatórios contábeis para atender os usuários, segundo Horngren (1985), resultou na divisão da contabilidade em Financeira e Gerencial. A Contabilidade Financeira produz relatórios para atender usuários externos. É realizada para que sejam cumpridas as obrigações legais e fiscais às quais estão sujeitas as pessoas jurídicas. Portanto, é na contabilidade financeira que se obtêm informações sobre os impostos que envolvem as operações de compra e venda de mercadorias na empresa comercial. A contabilidade gerencial, voltada para fins internos, procura suprir os gerentes de um elenco maior de informações, exclusivamente para a tomada de decisões. Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 93-116, jul/dez. 2002


105 Pode ser caracterizada superficialmente como um enfoque especial conferido às várias técnicas e procedimentos contábeis já conhecidos e tratados na contabilidade financeira, na contabilidade de custos, nas análises financeira e de balanço etc., colocados numa perspectiva diferente, num grau de detalhamento mais analítico ou numa forma de apresentação e classificação diferenciada, de maneira a auxiliar os gerentes das entidades em seu processo decisório. Para Padoveze (1997), “é no gerenciamento específico de mercadorias que a contabilidade gerencial trata do tema formação de preços de venda”. Observa Marion (1998) que, em virtude desse enfoque recente da informação contábil, surge um novo profissional da contabilidade, mais adaptado a essa realidade atual: o controller, também chamado de contador gerencial. Com base no que foi exposto anteriormente, pode-se concluir que os ensaios de preços de venda, com base no conceito de margem de contribuição, poderão ser produzidos pela contabilidade gerencial que, através de relatórios, fornecerá indicadores que poderão contribuir com os gestores na definição de suas políticas de compra e decisão de preços de venda.

6 CONSIDERAÇÕES TRIBUTÁRIAS Nossa estrutura tributária é bem complexa. Desta forma, é de suma importância o conhecimento de seu funcionamento, pois vários impostos estão correlacionados com o preço em nossa economia. É bastante comum a dúvida dos comerciantes sobre a incidência tributária nos preços praticados pelas empresas comerciais, pois muitas vezes são associados com encargos sociais. Os tributos incidem sobre a receita, faturamento e lucros, enquanto os encargos sociais incidem sobre a folha de pagamento de salários, comissões e remunerações. Desta forma, apenas os tributos e as comissões sobre vendas devem ser considerados como despesas variáveis. Segue-se um breve comentário sobre os tributos mais comuns incidentes sobre o preço de venda na empresa comercial, seus fatos geradores, suas bases de cálculo, alíquotas, finalidades e características.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 93-116 , jul/dez. 2002


106 6.1 SIMPLES – SISTEMA INTEGRADO DE PAGAMENTO DE IMPOSTOS E CONTRIBUIÇÕES DAS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE (FEDERAL) Com base na Lei 9.317/96 (recentemente alterada pela Medida Provisória n.° 1.729 de 02/08/98, art. 6°), o Governo federal criou o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte. Este tributo, para as empresas comerciais, unificou o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), Programa de Integração Social (PIS), Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL), Contribuição Para Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e Contribuições Previdenciárias do Empregador (INSS). Esse tributo incidirá sobre a receita bruta da empresa, exceto em descontos condicionais concedidos e vendas canceladas. O enquadramento para a alíquota de tributação corresponde ao nível de faturamento da empresa, conforme mostra a tabela abaixo: FAIXA DE RECEITA NA MODALIDADE ALÍQUOTA PROGRESSIVA DE TRIBUTAÇÃO SIMPLES MICROEMPRESA COFINS PIS IRPJ CSLL INSS SOMA Até R$ 60.000,00 1,8 0,0 0,0 0 1,2 3,0% De R$ 60.000,00 a R$ 90.000,00 2,0 0,0 0,0 0,4 1,6 4,0% De R$ 90.000,00 a R$ 120.000,00 2,0 0,0 0,0 1,0 2,0 5,0% EMPRESA DE PEQUENO PORTE COFINS PIS IRPJ CSLL INSS SOMA Até R$ 240.000,00 2,0 0,13 0,13 1,0 2,14 5,4% De R$ 240.000,00 a R$ 360.000,00 2,0 0,26 0,26 1,0 2,28 5,8% De R$ 360.000,00 a R$ 480.000,00 2,0 0,39 0,39 1,0 2,42 6,2% De R$ 480.000,00 a R$ 600.000,00 2,0 0,52 0,52 1,0 2,56 6,6% De R$ 600.000,00 a R$ 720.000,00 2,0 0,65 0,65 1,0 2,70 7,0% De R$ 720.000,01 a R$ 840.000,00 2,0 0,65 0,65 1,0 3,10 7,4% De R$ 840.000,01 a R$ 960.000,00 2,0 0,65 0,65 1,0 3,50 7,8% De R$ 960.000,01 a R$ 1.080.000,00 2,0 0,65 0,65 1,0 3,90 8,2% De R$ 1.080.000,01 a R$ 1.200.000,00 2,0 0,65 0,65 1,0 4,30 8,6% Tabela 2.

Demonstra a Faixa de Faturamento para Enquadramento em Microempresa e Empresa de Pequeno Porte no SIMPLES, (Lei nº 9.732/98) e o % incidente sobre o preço de venda.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 93-116, jul/dez. 2002


107 Em princípio, toda e qualquer empresa comercial que tenha o nível de faturamento exposto na tabela acima poderá se utilizar deste tratamento tributário diferenciado. 6.2 IRPJ – IMPOSTO DE RENDA DA PESSOA JURÍDICA (FEDERAL) De acordo com a Lei 9.249/95, o governo Federal instituiu as últimas alterações do IRPJ. Na regulamentação deste tributo estão previstos três tipos de apuração de lucros: real, presumido e arbitrado. Neste trabalho, vamos comentar apenas o lucro real e presumido, por serem os mais utilizados nas empresas comerciais.

6.2.1 Conceito de Lucro Real O enquadramento “por excelência” proposto pelo Regulamento do Imposto de Renda, Decreto n.º 3.000 de 26/03/1999 – DOU de 29/03/1999 (RIR/99) é a tributação com base no Lucro Real, a partir de onde decorre o enquadramento dos demais impostos e contribuições federais, inclusive a Contribuição Social Sobre o Lucro (CSSL). O lucro real é um conceito fiscal e não econômico. No conceito econômico, o lucro é o resultado positivo obtido pela diferença entre as receitas e despesas em um dado período. A legislação do imposto de renda denomina esse resultado contábil (econômico) de lucro líquido. A expressão Lucro Real significa o próprio lucro tributável, para fins da legislação do imposto de renda, distinto do lucro líquido apurado contabilmente. De acordo com o artigo 247 do RIR/99, lucro real “é o lucro líquido do períodobase ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas por este Regulamento”. A determinação do lucro real será precedida da apuração do lucro líquido de cada período-base, com observância das leis comerciais e fiscais, e demonstrado no Livro de Apuração do Lucro Real (LALUR). Verifica-se de imediato que, como o ponto de partida para determinação do lucro real, é o resultado líquido apurado na escrituração comercial; logo, o lucro real só pode ser determinado pela escrituração contábil. Podemos concluir que, em princípio, todas as empresas comerciais deverão ser tributadas com base na legislação do Lucro Real. Somente por opção própria, observados os dispositivos legais vigentes, poderá ser tributada pelo SIMPLES ou Lucro Presumido. Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 93-116 , jul/dez. 2002


108 6.2.2 Conceito de Lucro Presumido É uma modalidade optativa de apurar o lucro e, conseqüentemente, o Imposto de Renda e a Contribuição Social das Pessoas Jurídicas, observando-se determinados limites e condições. O fisco presume antecipadamente o lucro e o tributa com uma alíquota única de 15%. Nas empresas comerciais, o governo presume um lucro de 8% da receita bruta. Aplicando-se os 15% em 8% de lucro teremos 1,2%, sobre a receita bruta. Utilizando-se da mesma sistemática do IRPJ, a Contribuição Social (CS) é calculada com a aplicação de um percentual de 9% ( a partir de fevereiro de 2000) sobre um lucro também presumido de 12%, dando um resultado de 1,08% ( 9% de 12%). Conclui-se que o IRPJ e a Contribuição Social das empresas varejistas que optaram pelo Lucro Presumido é uma despesa variável, correspondendo a 1,2% e 1,08, respectivamente, do preço de venda. Essa sistemática não se aplica às empresas comerciais tributadas pelo Lucro Real, cujo IRPJ e a Contribuição Social só serão devidos, se a empresa apresentar lucro, devidamente apurado e demonstrado no Livro de Apuração do Lucro Real (LALUR). Quando não houver lucro, não há Imposto de Renda e Contribuição Social a pagar. Importante ressaltar que o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e a Contribuição Social, das empresas enquadradas no Lucro Real são apurados com base na escrituração comercial, não havendo nenhuma relação com o preço de venda, portanto não se constituem despesas variáveis. 6.3 PIS - PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL (FEDERAL) - FATURAMENTO O PIS - Faturamento é uma contribuição para o financiamento do Programa do Seguro-Desemprego e do abono anual de 1 salário-mínimo, assegurado pela Constituição Federal, aos empregados que percebam remuneração mensal de até dois salários-mínimos. As empresas comerciais estão sujeitas a esta contribuição sobre o faturamento (vendas) a uma alíquota de 0,65%.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 93-116, jul/dez. 2002


109 6.4 COFINS – CONTRIBUIÇÃO PARA O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL (FEDERAL) A COFINS - Contribuição para Financiamento da Seguridade Social foi instituída para custear, exclusivamente, as despesas com atividades-fim das áreas de saúde, previdência e assistência social, tendo como base de incidência o faturamento. As empresas comerciais estão sujeitas a esta contribuição sobre o faturamento (vendas) a uma alíquota de 3%. 6.5 ICMS – IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE INTERESTADUAL E INTERMUNICIPAL E DE COMUNICAÇÃO (ESTADUAL) As atividades comerciais têm como fato gerador do ICMS a venda de mercadorias e a entrada de bens do ativo imobilizado (máquinas/equipamentos) oriundas de outros estados e de Distrito Federal. Por ter incidência sobre o preço da mercadoria, calculado por dentro, o preço já embute a parcela do ICMS. A legislação é muito clara: o ICMS é um imposto que deverá estar incluído no preço da mercadoria. Na verdade, o ICMS é um tributo não-cumulativo que tem como base de cálculo o valor agregado das mercadorias. Isto significa que se pode utilizar o crédito gerado em cada etapa da comercialização. As alíquotas variam para cada estado e de acordo com a política tributária estadual. Em alguns estados brasileiros, encontram-se legislações de Microempresas, que dispõem de um tratamento específico quanto ao ICMS. Apesar de existirem particularidades e alíquotas diferenciadas a situações e a mercadorias específicas, aqui serão utilizadas as bases usuais do Estado do Espírito Santo, uma vez que cada Estado tem sua legislação própria, embora, na concepção deste tributo, não se devam encontrar muitas variações. Genericamente, a empresa comercial varejista utiliza a alíquota de 17% para vendas no Estado e 12% para vendas destinadas a contribuintes do ICMS situados em outros Estados. Se a venda é realizada para qualquer pessoa física ou pessoa jurídica não contribuinte do ICMS, situada em outro Estado, a alíquota é 17%. Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 93-116 , jul/dez. 2002


110 Com o objetivo de facilitar a interpretação dos relatórios propostos, elaboramos a tabela abaixo, considerando como despesa variável somente os impostos incidentes sobre o preço de venda, objeto de estudo neste trabalho com a alíquota de ICMS de 17%. ENQUADRAMENTO FISCAL IMPOSTOS SOBRE PREÇO DE VENDA LUCRO REAL LUCRO PRESUMIDO SIMPLES MICROEMPRESA Até R$ 60.000,00 De R$ 60.000,00 a R$ 90.000,00 De R$ 90.000,00 a R$ 120.000,00 EMPRESA DE PEQUENO PORTE Até R$ 240.000,00 De R$ 240.000,00 a R$ 360.000,00 De R$ 360.000,00 a R$ 480.000,00 De R$ 480.000,00 a R$ 600.000,00 De R$ 600.000,00 a R$ 720.000,00 De R$ 720.000,01 a R$ 840.000,00 De R$ 840.000,01 a R$ 960.000,00 De R$ 960.000,01 a R$ 1.080.000,00 De R$ 1.080.000,01 a R$ 1.200.000,00

ALÍQUOTA FIXA ICMS COFINS PIS IRPJ 17,0 3,0 0,65 17,0 3,0 0,65 1,2 ICMS COFINS PIS IRPJ

CSLL 1,08 CSLL

INSS SOMA 20,65 22,93 INSS SOMA

17 17 17

1,8 2,0 2,0

0,0 0,0 0,0

0,0 0,0 0,0

0 0,4 1,0

1,2 1,6 2,0

20,0 21,0 22,0

17 17 17 17 17 17 17 17 17

2,0 2,0 2,0 2,0 2,0 2,0 2,0 2,0 2,0

0,13 0,26 0,39 0,52 0,65 0,65 0,65 0,65 0,65

0,13 0,26 0,39 0,52 0,65 0,65 0,65 0,65 0,65

1,0 1,0 1,0 1,0 1,0 1,0 1,0 1,0 1,0

2,14 2,28 2,42 2,56 2,70 3,10 3,50 3,90 4,30

22,4 22,8 23.2 23,6 24,0 24,4 24,8 25,2 25,6

Tabela 3. Demostra os impostos incidentes sobre o preço de venda considerando-se a alíquota de 17%

7 O CUSTO DA MERCADORIA Nas empresas comerciais, o custo variável refere-se somente ao Preço de Custo da Mercadoria, que, dependendo do enfoque, é também denominado de Custo da Venda ou Custo da Mercadoria Vendida. Na empresa comercial, todos os gastos incorridos, desde a compra da mercadoria até o momento em que esteja à disposição da empresa, compõem o Custo da Mercadoria. O IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), frete, embalagem, juros, seguro etc., quando cobrados em separado do preço da Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 93-116, jul/dez. 2002


111 mercadoria, são exemplos. Entretanto, para determinação do preço de custo, precisamos considerar aspectos que são particulares à empresa comercial. Empresas comerciais são contribuintes do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) e não do IPI, portanto esse imposto deve ser tratado de forma diferenciada. Segundo Bernardi (1998), basicamente, o custo da mercadoria será composto pelos seguintes elementos: Valor da Nota Fiscal (com IPI se comprada da indústria) (-) ICMS incluído no preço2 (=) Valor da Mercadoria (+) Frete da Compra (-) ICMS incluído no frete (=) Custo da mercadoria O ICMS é excluído do custo, uma vez que gera crédito de imposto para compensação com o ICMS incidente sobre o preço das vendas. O mesmo tratamento é dado ao frete. Esse fato já não ocorre com o IPI, que é considerado agregado ao valor da mercadoria, não recuperável, portanto integra o valor da mercadoria para apuração do preço de custo. Uma vez definido o custo da mercadoria adquirida, há que se valorizar os estoques para futuro confronto dos custos com a receita. Os métodos de valorização contábil resumem-se basicamente a quatro, quais sejam: •

PEPS - O primeiro que entra é o primeiro que sai.

UEPS - O último que entra é o primeiro que sai.

MÉDIA PONDERADA: – MÓVEL - A cada entrada, novos custos médios são calculados, e as saídas, por estes custos. – FIXA - Todas as entradas do período são consideradas e um custo médio é apurado enquanto as saídas são consideradas no final por este custo médio.

2

Neste exemplo estamos considerando a apuração do ICMS normal. Alguns Estados oferecem tratamento diferenciado para o recolhimento do ICMS como às Microempresas, outros estabelecem o ICMS Fixo, há casos ainda do ICMS Estimativa. Para aplicação correta dos conceitos ora apresentados, é necessário um estudo específico da legislação do Estado para apuração correta do custo da mercadoria.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 93-116 , jul/dez. 2002


112 •

ESPECÍFICO - A mercadoria é comprada especificamente para determinada venda, e a saída é considerada pelo custo específico da mercadoria.

REPOSIÇÃO - A mercadoria é avaliada pelo preço que custaria a sua reposição ao estoque.

Além dos custos explícitos das mercadorias, existem custos implícitos relacionados ao ciclo do estoque, custo de oportunidade, não se constituindo objeto de estudo neste trabalho. Uma vez conhecido o custo da mercadoria e o enquadramento fiscal da empresa (Lucro Real, Lucro Presumido e SIMPLES), pode-se sugerir a elaboração de relatórios gerenciais a partir da utilização do índice de marcação de preços, como forma de contribuição à definição de preços de venda. 8 RELATÓRIO GERENCIAL PROPOSTO PARA UTILIZAÇÃO EM DECISÃO DE PREÇO DE VENDA Suponha-se uma empresa comercial tributada pelo Lucro Presumido adquirindo uma mercadoria (X) ao preço de custo $50,00 tendo o seu preço médio de mercado a $100,00. 8.1 RELATÓRIO PROPOSTO Empresa (A)

Data: __/__/__

• Mercadoria: (X)

Preço de Custo $ 50,00

Preço de Mercado $100,00

• Despesas Variáveis: ICMS 17,00% + COFINS 3,00% + PIS 0,65% + IRPF 1,20% + CS 1,08% = 22,93% • • • • • • • • • • 3

Preço sem Margem de Contribuição % de Margem de Contribuição Objetivada Preço com Margem de Contribuição Objetivada em 10% Preço Praticado pelo Mercado Valor da Margem de Contribuição Praticada pelo Mercado % de Margem de Contribuição Praticada pelo Mercado IMP com base na M.C. Praticada pelo Mercado Preço de Venda Decidido pela Administração3 Margem de Contribuição da Mercadoria % de Margem de Contribuição da Mercadoria

Preço decidido hipoteticamente para uma melhor interpretação do relatório.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 93-116, jul/dez. 2002

$ 64,87 10% $ 74,54 $100,00 $ 27,07 27% 50,07 $ 80,55 $ 12,08 15%


113 DEMONSTRATIVO DOS CÁLCULOS DOS VALORES CONSTANTES NO RELATÓRIO Cálculo do preço sem margem de contribuição: Fórmula do IMP IMP = 100% (-) % DV (-) % MCO IMP = 100% (-) 22,93% (-) % 0 IMP = 77,07%

Cálculo do preço PV = PC / IMP * 100 PV = $50,00 / 77,07% * 100 PV = $64,87 Demonstração da margem MC = PV – (CV + DV) MC = $64,87 – 50,00 + $14,874 MC = 0 Cálculo do preço de venda com margem de contribuição objetiva em 10%: Fórmula do IMP IMP = 100% (-) % DV (-) % MCO IMP = 100% (-) 22,93% (-) 10% IMP = 67,07%

Cálculo do preço PV = PC / IMP * 100 PV = $50,00 / 67,07% * 100 PV = $74,54 Demonstração da margem MC = PV – (CV + DV) MC = $74,54 – 50,00 + $17,095 MC = $7,45 ☛ 10%6

4

DV=22,93%*PV=$64,87=$14,87 DV=22,93%*PV=$74,54=$17,09 6 $7,45 / $74,54*100 = 10% 5

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 93-116 , jul/dez. 2002


114 Cálculo do % de margem de contribuição praticada pelo mercado: Preço Praticado pelo Mercado $ 100,00 Despesas Variáveis (22,93%) $ 22,93 Preço de Custo $ 50,00 Margem de Contribuição $ 27,07 % da Margem de Contribuição 27% IMP a ser utilizado na decisão de formação do preços com base na margem de contribuição praticada pelo mercado IMP = 100% (-) % DV (-) % MCM7 IMP = 100% (-) 22,93% (-) 27% IMP = 50,07% Cálculo do % de margem de contribuição da mercadoria do preço de venda decidido pela administração Preço da Mercadoria $ 80,55 Despesas Variáveis (22,93%) $ 18,47 Preço de Custo $ 50,00 Margem de Contribuição $ 12,08 % da Margem de Contribuição 15% IMP a ser utilizado pela administração com base na margem de contribuição praticada pelo mercado IMP = 100% (-) % DV (-) % MCM IMP = 100% (-) 22,93% (-)15% IMP = 62,07%

9 CONCLUSÃO O objetivo deste trabalho foi discutir e demonstrar que a utilização adequada do conceito de margem de contribuição pode contribuir para a decisão de preços de venda em empresas comerciais.

7

MCM= Margem de Contribuição do Mercado

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 93-116, jul/dez. 2002


115 A utilização do relatório proposto propicia informações que facilitam a tomada de decisões de fixação de preços de venda e compras de mercadorias, colaborando, assim, para o gerenciamento de empresas que atuam no comércio varejista. Para sua elaboração, é fundamental a identificação correta dos elementos que integram o conceito de Margem de Contribuição. O cálculo do preço de custo da mercadoria, os critérios de avaliação do estoque, o enquadramento fiscal, a legislação do ICMS do Estado onde a empresa esteja situada, a política de comissionamento sobre vendas, entre outras despesas incidentes sobre o valor da venda, são fundamentais para a construção do relatório proposto. No exemplo apresentado, o campo de estudo ficou delimitado ao enquadramento fiscal e à construção do índice de marcação de preços, entendendo que a delimitação é suficiente à construção lógica do relatório. Quanto à utilização do relatório no processo de tomada de decisão, entre outras, destacamos a informação do preço sem a margem de contribuição como fundamental para a definição da política de compras de mercadorias, principalmente quando se constata que o preço de mercado é inferior ao preço sem a margem. Essa mesma informação pode ser ainda utilizada em estratégias de venda como as do tipo every day low price8 e também em campanhas promocionais como as queimas de estoque e liquidações. Os gestores que trabalham decidindo preços com base na margem de contribuição objetivada, ao lerem o relatório, recebem um alerta quando uma mercadoria estiver com o preço majorado. A informação simultânea do preço sem margem, com o preço de mercado e o preço decidido pela administração, permite uma maior flexibilidade à política de desconto. Oferecer desconto a partir da redução do percentual da margem de contribuição permite maior liberdade aos vendedores na negociação de preços num “mix” de mercadorias. Esperamos que este ensaio dê início à discussão sobre a importância de elaboração de relatórios gerenciais para a decisão de preços de venda e que seja ainda uma contribuição aos contabilistas que atuam em escritórios de contabilidade e que desejam oferecer os serviços de contabilidade gerencial aos seus clientes. 8

Preço baixo todo dia (tradução livre do autor)

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 93-116 , jul/dez. 2002


116 10 REFERÊNCIAS ALOE, L. C. Administrando preços e lucros no comércio. São Paulo: Senac, 1995 AS 500 maiores empresas do Brasil. Exame, São Paulo, jun. 2000. ASSEF, R. Guia prático de formação de preços: aspectos mercadológicos, tributários, e financeiros para pequenas e médias empresas. Rio de Janeiro: Campus, 1997. AZEVEDO, J. H. de. Como controlar os custos no comércio. PEGN: pequenas empresas grandes negócios, São Paulo, n. 6, jul. 1989. BERNARDI, L. A. Política e formação de preços: uma abordagem competitiva sistêmica e integrada. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1998. HORNGREN, C. T. Introdução à contabilidade gerencial. 5. ed. São Paulo: Prentice-Hall do Brasil, 1985. IBRACON. Princípios contábeis. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. LATIN AMERICAN FINANCIAL & INVESTMENT SERVICES. Comércio varejista geral: seção - Brasil de 08 de Dezembro de 1999. [S.l., 1999?]. LEVY, M.; WEITZ, B. A. Administração de varejo. São Paulo: Atlas, 2000. MARION, J. C. Contabilidade empresarial: livro de exercícios. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1998. MARTINS, E. Contabilidade de custos. 6. ed. São Paulo: Atlas, 1998. PADOVEZE, C. L. Contabilidade gerencial: um enfoque em sistema de informação contábil. São Paulo: Atlas, 1997. SANTOS, J. J. Análise de custos: remodelado com ênfase para custo marginal, relatórios e estudos de casos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2000.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p. 93-116, jul/dez. 2002


ANÁLISE CRÍTICA DOS INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM DO CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA1

SANTOS, MARCELO R. D. *

* Médico Veterinário Especialista em Genética e Biologia Molecular Coordenador do Curso de Medicina Veterinária do Centro Universitário Vila Velha e-mail: mrenan@terra.com.br 1 Este trabalho foi apresentado como requisito para avaliação do Módulo de Avaliação e Recursos de Aprendizagem do Curso de Mestrado em Educação Médica da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade de Havana, Cuba no primeiro semestre de 2001. Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.117-138, jul/dez. 2002


118


119 RESUMO Neste trabalho é feita uma avaliação crítica dos instrumentos de avaliação da aprendizagem utilizados no curso de Medicina Veterinária do Centro Universitário Vila Velha (UVV), aplicados entre julho de 2000 e junho de 2001. A análise é feita sob o referencial teórico descrito e são feitas recomendações para a melhoria da qualidade dos instrumentos de avaliação utilizados e do processo avaliativo como um todo. Palavras-chave: Ensino Superior; Medicina Veterinária; Avaliação da Aprendizagem.

ABSTRACT A critical analysis of the assesment instruments used at the Veterinary Medicine Course of the Centro Universitário Vila Velha (UVV), Espírito Santo, Brazil, between July 2000 and May 2001 is done under the theorical reference described, and recomendations are made to improve the quality of the instruments utilized at the course, as well as the whole evaluation process. Keywords: Higher education, veterinary medicine, learning evaluation.

1 INTRODUÇÃO Este trabalho visa, baseado nos aspectos teóricos expostos a seguir, fazer uma análise crítica dos instrumentos de avaliação escrita da aprendizagem, utilizados no curso de medicina veterinária e propor recomendações para sua melhor aplicação e para o processo de avaliação como um todo. Não se trata efetivamente de um projeto de pesquisa, mas da exposição dos resultados obtidos através do trabalho sistemático da coordenação pedagógica do curso de Medicina Veterinária do Centro Universitário Vila Velha (UVV), na avaliação das provas aplicadas no curso. As provas escritas são o meio mais empregado para a avaliação da aprendizagem atualmente. Na UVV, todas as disciplinas do curso de Medicina Veterinária, exceto uma (Metodologia do Trabalho Científico, que utiliza apenas trabalhos na avaliação) as utilizam no processo de avaliação. É uma diretriz comum das instituições de ensino (inclusive na UVV) que, pelo menos 70% Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.117-138, jul/dez. 2002


120 da pontuação do alunos seja formalmente registrada individualmente (prova) e os outros 30% sejam divididos em tarefas em classe ou extraclasse como revisões bibliográficas, relatórios de atividades práticas, resumos, etc. É muito relevante que se avaliem as provas escritas, pois, sem dúvida, são determinantes da classificação dos alunos, e seus resultados são uma fonte de informação para as mudanças curriculares. Outra forma de avaliação muito empregada é a prova prática, utilizada em disciplinas como Anatomia, Histologia e Patologia geral, nas quais os alunos são solicitados a identificar estruturas ou alterações. Há, também, as provas de habilidades, como as provas práticas de Técnica Cirúrgica e Semiologia nas quais é avaliada a capacidade de organização e de aplicação das técnicas e protocolos utilizados. Nestas provas, geralmente são respeitadas as limitações físicas individuais e a falta de prática e pouco desenvolvimento de habilidades motoras que dependam da repetição como fator consolidador da habilidade. Assim, a habilidade manual e a coordenação motora têm um caráter secundário, sem, entretanto, deixar de fazer parte do processo. Em geral, a aplicação destas avaliações é feita com o uso de uma lista de verificação. Diversas formas e aplicações têm sido dadas às provas e em alguns casos, toda a avaliação da aprendizagem é feita com apenas um exame escrito ao final do semestre ou módulo. Esta situação é indesejável pois a avaliação perde o caráter de continuidade e processo, e fica somente somativa (segundo a terminologia de Scriven). Souza (1991), em uma revisão que reuniu a opinião de autores como Tyler, Taba, Ausubel, Pophn, Bloom e Ebel sobre a avaliação da aprendizagem, concluiu que eles concordam que a avaliação é um processo de julgamento do desempenho do aluno diante dos objetivos educacionais propostos. Assim, a simples soma dos pontos de uma avaliação pontual no final do bimestre não se caracteriza como um processo de avaliação. A avaliação da aprendizagem se caracteriza como processo na medida em que engloba várias etapas, desde a definição dos objetivos educacionais até a utilização dos resultados obtidos para a retroalimentação do processo de ensino-aprendizagem (DEPRESBITERIS, 1989). A avaliação da aprendizagem se desenvolve de forma contínua e ampla, utilizando diversos instrumentos, incluindo a auto-avaliação, a aplicação de provas e a observação. Cumpre a função de diagnosticar, retroinformar e favorecer o desenvolvimento individual do estudante, englobando todos os indivíduos participantes do processo ensino-aprendizagem (MARTINS, 1993).

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.117-138, jul/dez. 2002


121 A avaliação tem na análise do desempenho do aluno um de seus focos de julgamento do êxito ou fracasso do processo pedagógico. Como um processo de investigação, a preocupação se move dos procedimentos e instrumentos, para os princípios e fins (SOUZA, 1991). Compreendendo-a deste modo, a avaliação ganha importância tanto para o professor com para o aluno, como alavanca para o próprio desenvolvimento e como força motivadora da aprendizagem. Infelizmente encontramos situações em que a avaliação não compreendida corretamente tem um papel somente punitivo, fiscalizador ou de medida. Compreendemos que diferentes instrumentos de avaliação devam ser empregados no processo pedagógico em uma disciplina, permitindo a análise das muitas características e mudanças ocorridos no aluno ao alcançar os objetivos educacionais propostos no plano de curso. As provas escritas são importantes instrumentos dentro do processo avaliativo. De fato, como temos observado em muitos casos no curso de Medicina Veterinária, temos que avaliar estes exames pois encontramos erros e o mal uso destas provas. Como a maioria dos professores não têm uma preparação pedagógica efetiva, muitos repetem as formas e modelos que foram utilizados em seus cursos de graduação em outras instituições de diversos pontos do Brasil, sem levar em conta as particularidades da instituição local e a realidade dos alunos da rede privada de ensino superior.2 Os professores constroem os instrumentos de avaliação sem levar em conta os aspectos científicos da elaboração de exames como propósitos e objetivos, identificação de condutas e problemas, especificações de conteúdos ou o melhor método avaliativo a empregar. Os instrumentos de avaliação devem ser utilizados para conhecer a efetividade do ensino e os resultados da aprendizagem dos educandos. Todo instrumento de avaliação da aprendizagem deve reunir as seguintes características gerais (ANEIROS, 2001): a) Pertinência com os objetivos educacionais. Como avaliar se não se sabe o que se deseja formar? Sem objetivos educacionais bem definidos e escritos, não se tem como avaliar o aluno sem perder a objetividade. 2

É comum o comentário entre os coordenadores de curso de que os alunos da rede privada de ensino superior no Brasil, em geral, têm uma baixa preparação básica prévia e, por isso, têm dificuldade em acompanhar o ritmo da universidade. A necessidade do preenchimento de vagas para o custeio do curso força as instituições de ensino privadas a diminuírem o nível de dificuldade do processo seletivo para ingresso.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.117-138, jul/dez. 2002


122 b) Ser realista e prático, focalizando a aplicabilidade dos conhecimentos na vida profissional. c) Ter validez e confiabilidade; d) Ser objetivo e factível. Provas longas ou questões com enunciados muito textuais são cansativas. Em classes com um grande número de alunos podem não ser factíveis, ou despender um tempo excessivo para correção. e) Deve compreender os conteúdos mais importantes e úteis. Um indício contundente do desconhecimento de um tema é não conseguir extrair deste aquilo que realmente importa. f) Ser completo, porém o mais breve possível. O tipo de instrumento deve ser escolhido levando-se em conta também a quantidade de conteúdo a ser abordada na avaliação. g) Ser conciso, e claro em sua redação. Ainda, segundo Aneiros (2001), podemos classificar os métodos de avaliação como testes de atitude e testes de rendimento. Os primeiros medem a influência cumulativa de uma multiplicidade de experiências da vida ordinária, ou seja, medem os efeitos da aprendizagem sob condições não controladas e desconhecidas, tais como o arrazoamento verbal, a inteligência ou a criatividade (ANEIROS, 2001). Os testes de rendimento se limitam a medir os efeitos das atitudes obtidas em um contexto mais rígido e invariável, relativamente sem levar em conta a influência de aspectos inerentes ao contexto de vida do aluno. Como o conhecimento que os alunos adquirem é baseado na análise mental que leva em conta toda a vida pregressa, as experiências, sua forma de ver a vida e todas estas características peculiares de cada indivíduo, não há como separar os aspectos teóricos do conhecimento, dos aspectos práticos aplicáveis na vida dos estudantes, que, sem dúvida, são a base das atitudes profissionais. Ou seja, as atitudes profissionais, as habilidades e o comportamento a serem avaliados em um contexto mais amplo, serão construídos não somente de conhecimentos teóricos e práticos expostos pelo professor, mas, segundo a análise feita pelo aluno, segundo sua inteligência, criatividade e experiência. Assim, não se pode separar a avaliação do rendimento, da avaliação das atitudes, pois as duas se concentram no indivíduo que é indissociável. Com base no que se deseja obter como perfil profissional, pode-se confeccionar instrumentos que meçam até que ponto os estudantes alcançaram capacitação. O ser, o saber e o saber-fazer são três importantes condições que devem ser medidas quantitativa ou qualitativamente de acordo com as pecuSci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.117-138, jul/dez. 2002


123 liaridades de cada disciplina. Para isso utilizam-se testes variados que, simplificadamente, podemos classificar como objetivos e discursivos. Os testes objetivos são aqueles em que os alunos têm que optar por uma resposta. Por exemplo, os testes de múltipla escolha, verdadeiro ou falso e de associação. Nos testes discursivos, os alunos têm que criar suas próprias respostas, expressando-se com as próprias palavras. Existem ainda os testes que mesclam os dois tipos, utilizando perguntas de respostas curtas ou de completar, a que chamamos mistos. Na tabela 1 pode-se observar as diferenças e características de ambos e como se complementam. Como se observa, os diferentes tipos de exames escritos têm vantagens e desvantagens e devem ser utilizados em conjunto para se obter uma avaliação mais ampla e realista. Esta combinação também permite alcançar factibilidade de execução e reprodutibilidade em turmas de 40 a 50 alunos, como é freqüente. Tabela 1: Análise resumida dos diferentes tipos de instrumentos de avaliação escrita. Observe a relação de complementaridade entre os testes objetivos, mistos e discursivos

Fatores Capacidade de expressão Capacidade de organização do pensamento, criatividade e síntese Capacidade de resolução de novos problemas Capacidade de medição de objetivos comportamentais Conhecimento da profundidade e domínio do conteúdo Isolar a subjetividade do avaliador Padronização Possibilidade de acerto ao acaso Possui valor potencial para diagnosticar Amostra todos os objetivos de ensino Amostra todo o conteúdo Pontuação consistente de todos que corrigem Distingue com precisão níveis de competência de todos os examinados Correção eletrônica ou por outro profissional Correção rápida Requer pouco tempo para elaborar questões Fonte: Aneiros (2001, p. 67)

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.117-138, jul/dez. 2002

Discursivos ++

Mistos -

Objetivos -

++ ++ ++ ++ -

+ +++ + -

++ + + + ++ ++ + +

++

++

+ + + -


124 2 ANÁLISE DOS INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO 2.1 METODOLOGIA UTILIZADA A análise sistemática dos instrumentos de avaliação da aprendizagem é parte da rotina de trabalho da coordenação pedagógica do curso de Medicina Veterinária da UVV. Foram selecionadas aleatoriamente 138 provas escritas de diversas disciplinas, analisadas pela coordenação pedagógica do curso entre junho de 2000 e julho de 2001 (tabela 2). As provas foram classificadas quanto ao tipo podendo ser: objetiva, (com questões de múltipla escolha, V ou F e relacionar colunas, por exemplo) mista, com questões objetivas e discursivas (incluindo questões de preencher lacunas). E discursivas, quando o aluno escreve a resposta sem escolher opções, mesmo se a resposta for curta. A análise foi feita de acordo com os seguintes critérios: quanto à construção da prova (cabeçalho, formatação, tamanho), construção de questões, ortografia, pertinência do conteúdo e utilização adequada do tipo de prova. Como as provas abrangem conteúdos dos mais diversos, a pertinência do conteúdo não foi definitivamente julgada como pertinente ou não, mas apenas questionada para ensejar uma revisão pelo professor. Tabela 2: Disciplinas cujas provas foram analisadas no período de junho de 2000 a julho de 2003.

Disciplina

n

%

Introdução à Medicina Veterinária Zoonozes Deontologia e Legislação Veterinária Doenças Infectocontagiosas Sociologia Citologia, Histologia e Embriologia Veterinária Ecologia Doenças Parasitárias Fisiopatologia da Reprodução Animal Clínica de Animais de Pequeno Porte Bromatologia e Nutrição Animal Forragicultura Farmacologia e Terapêutica Imunologia Veterinária Processamento de Produtos de Origem Animal Higiene e Inspeção de Produtos de Origem Animal Parasitologia Veterinária

1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 2 2 2 2 2 2 2

0,7 0,7 0,7 0,7 0,7 0,7 0,7 0,7 0,7 0,7 1,4 1,4 1,4 1,4 1,4 1,4 1,4

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.117-138, jul/dez. 2002


125 Disciplina Química Geral e Orgânica Produção Animal I (Suinocultura e Avicultura) Bioclimatologia Técnica Cirúrgica e Anestesiologia Bioquímica e Biofísica Epidemiologia Veterinária Produção Animal II (Bovinocultura e Equideocultura) Bioestatística Zoologia Aplicada à Medicina Veterinária Microbiologia Veterinária Semiologia Veterinária Anatomia animal Genética Laboratório Clínico Veterinário Língua Portuguesa Melhoramento Genético Animal Patologia e Clínica Cirúrgica Clínica de Grandes Animais Patologia Geral Veterinária Fisiologia Veterinária Patologia Especial Veterinária Total

n

%

2 3 3 4 4 4 4 4 5 5 5 5 5 5 5 6 6 7 10 11 11 138

1,4 2,2 2,2 2,9 2,9 2,9 2,9 2,9 3,6 3,6 3,6 3,6 3,6 3,6 3,6 4,3 4,3 5,1 7,2 8,0 8,0 100,0

2.2 RESULTADOS OBTIDOS Das 138 provas analisadas, 6 (4,3%) eram objetivas, 62 (44,9%) eram discursivas e 70 (50,7) eram mistas (tabela 3). Tabela 3: Distribuição absoluta e percentual dos tipos de provas aplicadas entre junho de 2000 e julho de 2001.

Tipo de Prova Objetiva Discursiva Mista

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.117-138, jul/dez. 2002

n

%

6 62 70

4,3 44,9 50,7


126 Tabela 4: Distribuição percentual dos problemas encontrados nas provas aplicadas entre junho de 2000 e Julho de 2001.

Problema Tipo de prova inapropriado Falta de pertinência nos temas abordados Prova muito longa Formatação Erros no cabeçalho Erros ortográficos Prova muito curta Construção de questões

n

%

2 4 5 9 11 14 17 19

1,4 2,9 3,6 6,5 8,0 10,1 12,3 13,8

Os problemas mais encontrados foram relacionados a construção de questões (13,8%), seguido de provas muito curtas que não abrangiam conteúdo suficiente para avaliação (12,3%) e erros ortográficos (10,1%). Neste texto, apenas a título de ilustração, transcrevemos 11 questões que contêm erros ou observações interessantes e que exemplificam os tipos mais comuns de problemas encontrados. A exposição destas onze questões foi feita designando sempre a disciplina, o número de questões, o tipo de prova e as observações referentes a cada uma. As provas foram analisadas quanto à construção, ortografia, pertinência do conteúdo e à utilização adequada do tipo de prova.

1o Exemplo Disciplina: Bromatologia, Alimentos e Alimentação Animal Número de questões: 7 Tipo: Misto 1. Coloque Falso (F) ou Verdadeiro (V): ( ) Grande parte dos custos de produção nas criações animais são referentes a gastos com alimentação. Análise: Questionamos ao professor: que dúvida há nisto? A afirmativa não é óbvia demais? Deve-se abordar o tema de uma maneira mais reflexiva, que exija mais do aluno. Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.117-138, jul/dez. 2002


127 ( ) No século XVIII houve uma grande impulso nos estudos da digestão. Análise: É uma parte importante do conteúdo? Datas, valores, nomes na maioria das vezes somente levam à memorização e não a um raciocínio importante. 2. Numere a segunda coluna de acordo com a primeira: 1. Estômago

(

) HCL e pepsinogênio

2. Tripsina

(

) Engloba digestão, absorção, transporte dos nutrientes...

3. Lavoisier

(

) Lei da conservação das massas

4. Nutricão

(

) N x 6,25...

Análise: Apenas uma questão abrangendo muitos assuntos diferentes e sem correlação direta, torna as opções ou por demais óbvias ou sem nenhum sentido. O uso de fórmulas é mais bem avaliado se o aluno as aplica e não se as memoriza.

2o Exemplo Disciplina: Técnica Cirúrgica e Anestesiologia Veterinária No de questões: 8 Tipo: Discursiva 1. Liste quais são os objetivos que se pretende alcançar com o estudo dos procedimentos manuais e instrumentais pelos quais os tecidos são incisados e reconstruídos sob um plano determinado. Análise: Apesar de solicitar algo objetivo (“liste”),a pergunta é muito genérica e a resposta muito ampla, levando a possibilidades muito diferentes de entendimento. 2. Você vai realizar um procedimento cirúrgico e necessita determinar qual é a forma de esterilização e/ou desinfecção dos itens abaixo: a) instrumental cirúrgico b) mãos do cirurgião c) mesa cirúrgica... Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.117-138, jul/dez. 2002


128 Análise: A situação está proposta, mas o enunciado não é claro em especificar que o aluno tem que dizer qual é o melhor método de desinfecção dos itens. O enunciado poderia ser: Você vai realizar um procedimento cirúrgico. Determine qual é a melhor forma de esterilização e/ou desinfecção dos itens abaixo:

3o Exemplo Disciplina: Equideocultura Número de questões: 5 Tipo: Misto 1. Ponha (F ) se falso e (V) se verdadeiro. ( ) A Fazenda Mangalarga ficava no sul de Minas Gerais, origem da raça Mangalarga Marchador. 2. A raça campolina apresenta: A cabeça de perfil é no estado de

, o andamento do tipo e seu fundador foi .

Análise: Há relevância no fundador e no local da fundação de uma raça? A propósito, uma raça é fundada ou criada? Na prova como um todo não se abordaram temas técnicos relevantes. Seria preciso verificar o conteúdo da disciplina?

4o Exemplo Disciplina: Suinocultura Número de questões: 6 Tipo: Misto 1. A atividade suinícola pode ser implementada no Brasil, pois é: a) socialmente desejável; b) Tecnicamente possível; c) economicamente interessante; Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.117-138, jul/dez. 2002


129 d) ecologicamente sustentável; Justifique: Análise: A construção do enunciado não é clara, pois não explicita o objetivo da questão. É para selecionar uma opção ou justificar todas?

5o Exemplo Disciplina: Forragicultura Número de questões: 7 Tipo: Misto 1. Tratando-se das pastagens é correto afirmar que o desempenho animal está em função: –

da ingestão de matéria seca pelo animal

do valor nutritivo

do potencial genético do animal

Análise: O enunciado não é claro, pois não explicita o objetivo da questão. É para marcar uma opção ou justificar as respostas?

6o Exemplo Disciplina: Microbiologia Número de questões: 15 Tipo: Objetivo Verdadeiro ou Falso: 1. Biogênese e abiogênese são: •

teorias que explicavam...

abiogênese indica ...

determinou o surgimento da pasteurização...

Análise: As frases do enunciado não se completam com as opções, deixando de fazer sentido. As opções não estão numeradas nem tem letras para identificação. Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.117-138, jul/dez. 2002


130 2. O átomo é, •

é constituído da soma...

possuem um peso atômico...

possuem um peso...

podem ser...

Análise: Erro de concordância gramatical entre o enunciado e as opções. Creio que a pergunta se aplique mais a uma prova de química geral. A impressão que dá é que o professor quer revisar conteúdos prévios na prova. As opções não estão numeradas nem tem letras para identificação. Marque a alternativa correta: Quanto aos métodos de contagem microbiana a) o melhor método é microscópico b) o método da espectrofotometria permite... c) a excreção metabólica... d) as unidades formadoras de placa... e) o consumo de glicose pede ser ...

a) uma correta b) duas corretas c) três corretas d) quatro corretas e) todas corretas f) nenhuma correta Análise: A questão está mal construída, pois não é clara quanto a quais opções marcar: as 5 primeiras ou as 5 últimas. A questão está muito desordenada. As questões de complemento agrupado podem ser substituídas por verdadeiro ou falso, uma vez que esta última permite a análise individual de cada opção. Neste caso há um agravante, o aluno não tem necessariamente que saber qual opção é a correta, mas quantas estão, podendo, portanto, acertar a questão errando a opção.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.117-138, jul/dez. 2002


131 7o Exemplo Disciplina: Patologia geral Número de questões: 7 Tipo: Objetiva 1. Relacione as colunas ( ) pigmento marrom... ( ) formado devido a .... ( ) sua deposição ... ( 1 ) carvão, (2) ácido úrico, ( 3) lipofucsina, ( 6) oxalato... Análise: A construção não está em colunas, mas em linhas. Assim, o enunciado deveria ser “Numere as frases com os números abaixo. Para uma prova objetiva, 7 questões é muito pouco, estando subutilizadas em sua capacidade de alcançar um maior conteúdo.

8o Exemplo Disciplina: Fisiologia Número de questões: 9 Tipo: Discursiva O achado de triglicerídeos e amido nas fezes de um cão magro com ingestão normal dos alimentos, sugere: a) má absorção b) má digestão Análise: A pergunta tem 50% de chances de acerto ao acaso, pois só tem duas opções. Poderia pedir que explicasse a opção marcada.

9o Exemplo Disciplina: Zoologia Número de questões: 4 Tipo: Objetivo Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.117-138, jul/dez. 2002


132 1a questão: Numere a segunda coluna de acordo com a primeira, caracterizando as diversas classes de vertebrados: 1. mamífero ( ) Jacaré do papo amarelo 2. ave ( ) Glândula uropigeana 3. anfíbio ( ) placenta 4. ... ( ) ... Análise: Na primeira coluna há 6 opções com as classes de vertebrados e na segunda 42 itens para relacionar. Em uma prova objetiva com 4 perguntas, a primeira questão poderia ser fragmentada em pelo menos 10 outras. As outras 4 perguntas são de múltipla escolha simples. Numa prova que vale toda a pontuação do bimestre, é muito pouco provável que o sistema de avaliação funcione.

10o Exemplo Disciplina: Zoologia Número de questões: 6 Tipo: Objetiva Correlacione a 2a coluna de acordo com a 1a: 1. arborícola 2. aquático 3. semi-aquático 4. terrestre 5. semi-fosorial ( ) ... membros em forma de nadadeiras... baixas temperaturas na água são limitantes para a sobrevivência dos filhotes. ( ) ... especializações anatômicas para escavar túnel como refúgio... ( ) Boa capacidade de utilizar árvores ... ( ) Espécies pequenas ... com garras para escavações de esconderijos... Análise: As opções utilizam palavras que indicam muito diretamente qual á a resposta como exemplo: arborícola – utilizar árvores; aquático – membros em forma de nadadeiras; terrestre – escavação de túnel, tornando as respostas óbvias demais. Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.117-138, jul/dez. 2002


133 11o Exemplo Disciplina: Anatomia Animal Número de perguntas: 7 Tipo: Misto Complete os espaços em branco: é encontrado no suíno e , já o rim no , , e que possui una projeção conhecida como

a) O rim

, .

Análise: A questão de completar é muito vaga e permite mais de uma interpretação quanto ao que se pode usar para preencher os espaços. Os três tipos de questões (objetivas, discursivas e mistas) têm sido utilizadas nas avaliações do curso, mas, sem dúvida, não se vê racionalidade em seu uso, senão em função da rapidez de construção de provas discursivas e ou pela rapidez de correção das provas objetivas. Não se busca uma definição de uso dos diferentes instrumentos, senão com base em sua comodidade de aplicação. Muitas provas são mistas (50%) e abordam os três tipos de questões. Sob um ponto de vista realista, cremos que este seja o instrumento que melhor atenda às nossas necessidades, uma vez que é preciso avaliar os aspectos de rendimento e atitude em poucas ocasiões, principalmente nas disciplinas com baixa carga horária e grande conteúdo, por exemplo, ecologia, tecnologia de alimentos, produção animal, homeopatia veterinária e toxicologia. Nas disciplinas profissionalizantes, o que predomina são as provas mistas ou discursivas, pois em geral também se realizam provas práticas. As provas objetivas poderiam ser mais bem utilizadas nestes casos, uma vez que há várias oportunidades para avaliação objetiva dos aspectos individuais dos alunos. Encontramos freqüentemente (37% das provas) erros ortográficos e de concordância gramatical, erros de construção das questões e o mal uso dos diferentes tipos de provas nas diversas situações das disciplinas. Por exemplo, provas objetivas muito curtas ou questões objetivas que englobam temas diversos em uma só questão. Provas discursivas com duas ou três perguntas Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.117-138, jul/dez. 2002


134 que não englobam partes importantes do conteúdo ou que exigem respostas amplas demais, perdendo a objetividade. 2.3 CARACTERÍSTICAS DA AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM NO CURSO Em todas as disciplinas do curso, mas principalmente nas disciplinas básicas, as provas escritas são sempre ferramentas úteis para avaliação. Em geral são utilizadas para avaliações teóricas somente, e os aspectos práticos são avaliados em exames práticos em laboratório, onde são avaliadas as habilidades manuais, de identificação de estruturas (visuais) e o comportamento, desenvolvidos pelos alunos em aulas práticas (identificação de condutas). Todas as salas têm no máximo 50 alunos, e nas aulas práticas as turmas são divididas em duas. Em geral os professores têm ao redor de 4 turmas na mesma disciplina, somando-se um total de 20 a 24 horas de aula semanais, além de outras atividades gerenciais ou em outras instituições. Há algumas exceções nas quais o professor dá mais de 30 horas de aula, porém a tendência é se reduzir o número de aulas para no máximo 20 horas semanais. Assim podemos trabalhar com um grupo mais homogêneo de professores em termos de carga de trabalho. Quanto ao corpo discente, na rede privada de ensino superior, de maneira geral, tem uma baixa preparação prévia de ensino médio e necessita de um trabalho mais próximo de acompanhamento do aluno quase individual. As disciplinas iniciais são as que mais sofrem com este fato, pois são elas que recebem o impacto das maiores discrepâncias entre os alunos ingressantes. Neste caso, cremos ser possível se estabelecerem diretrizes para a confecção e execução de exames, que podem ser seguidas por todos os professores para minimizar as diferenças entre o tipo de avaliação realizada sem perder de vista as características peculiares de cada disciplina.

3 RECOMENDAÇÕES GERAIS Em função do que temos descrito propomos: •

que sejam realizadas oficinas pedagógicas em que os professores serão capacitados, não somente em avaliação da aprendizagem, mas também em outras áreas da pedagogia. Isto pode ser a semente de um curso de pós-graduação “lato sensu” a ser oferecido aos professores da Instituição. A preparação adequada dos professores é o caminho para um processo ensino-aprendizagem eficaz;

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.117-138, jul/dez. 2002


135 •

que, para minimizar os erros encontrados nas provas e homogeneizar o pensamento dos professores quanto aos métodos avaliativos, seja criada uma comissão de avaliação da aprendizagem, composta por professores de cada área do curso, que discutirão o tema com o objetivo de continuar a detectar as necessidades e deficiências de cada disciplina e propor soluções;

que se elabore um guia de confecção de exames, que possa servir como fonte de consulta para os professores. Neste guia o professor encontrará as diretrizes para a avaliação de cada tipo de disciplina (básica, de formação geral e profissionalizante);

que os professores tenham tempo para organizar o processo avaliativo de suas disciplinas. A instituição deve prover tempo para os professores desenvolverem esta tarefa.

3.1 RECOMENDAÇÕES PARA CONFECÇÃO DE EXAMES ESCRITOS Como diretrizes a serem seguidas pelo corpo docente para a confecção de exames escritos sugerimos: •

Que os critérios de avaliação sejam de pronto conhecidos pelos alunos.

Que os exames de final de ano, decisivos para alcançar a progressão do aluno, sejam objetivos, sem margem para subjetividade, englobando os temas importantes do conteúdo e tendo resultados reprodutíveis. Para isso sugerimos que sejam exames objetivos com questões de múltipla escolha, complemento simples ou agrupado, análise progressiva, verdadeiro ou falso ou de associação de colunas.

Que em todos os casos o professor conheça os exames que os estudantes farão depois da graduação, como o Exame Nacional de Cursos (Provão) e o Exame de Qualificação Profissional do Conselho Federal de Medicina Veterinária, para que utilizem questões no mesmo molde destes exames, para que os alunos se adaptem a estas situações e não se deparem com algo inédito no futuro.

Nas disciplinas teóricas como Língua Portuguesa, Filosofia, Sociologia, Administração, Ecologia, e Introdução à Medicina Veterinária, e Metodologia do Trabalho Científico é essencial que se utilizem mais provas discursivas ou mistas do que objetivas. Se possível, variar a avaliação com tarefas de investigação extraclasse, que venham a compor a pontoação

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.117-138, jul/dez. 2002


136 final, reduzindo a importância dos exames em classe e criando oportunidades para o aluno desenvolver suas habilidades de expressão oral, o pensamento epistemológico, a pesquisa e a revisão de literatura. •

No início de período letivo, nas disciplinas da área de morfologia como anatomia, citologia, histologia e embriologia é importante que os exames sejam discursivos e, a medida que o curso progrida, se utilizem provas mistas ou objetivas, principalmente nas provas de final de semestre ou ano, quando o tempo para correção é restrito.

Nas disciplinas profissionalizantes, que se utilizem provas escritas e práticas para avaliação das habilidades desenvolvidas, de acordo com o perfil profissional do egresso. Nestes casos, exames objetivos ou mistos podem atender às necessidades. Nas avaliações práticas pode-se, por exemplo, utilizar listas de verificação para avaliação de procedimentos e condutas, como uma maneira de diminuir a subjetividade da avaliação prática.

Que os enunciados sejam explícitos, claros e objetivos, indicando os aspectos a serem explorados na resposta e o comportamento que o aluno deve demonstrar.

Que os exames iniciais de qualquer disciplina sejam mistos, com questões discursivas e objetivas, para que o professor possa avaliar os aspectos inerentes à capacidade de expressão, organização, criatividade e outros aspectos subjetivos do aluno, além de verificar a pertinência do uso do tipo de prova com os novos alunos.

Que todos os professores estejam atentos para os erros ortográficos dos alunos e que os corrijam.

3.2 RECOMENDAÇÕES PARA CONFECÇÃO DE PROVAS DISCURSIVAS •

Explicitar no enunciado o que se deseja obter como resposta ou abordagem pelo aluno, de maneira que ele não perca tempo com assuntos fora do contexto esperado, que mesmo que sejam corretos, não foram solicitados. Isto também permite uma uniformização das respostas, facilitando a comparação na hora da correção.

Provocar o raciocínio do educando com enunciados que o envolvam em situações reais ou fictícias, mas que expressem a realidade, que o levem a operacionalizar o raciocínio (questões operatórias). Utilizar em sala de

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.117-138, jul/dez. 2002


137 aula a didática operatória para que os alunos sejam acostumados a pensar, racionalizar, criticar, comparar e não somente memorizar o conteúdo. •

Utilizar verbos claros como enumerar, organizar, selecionar, descrever, discutir, definir, exemplificar, explicar, comparar, sintetizar, interpretar, criticar no enunciado, para que o objetivo da pergunta seja claro e o aprofundamento da resposta também.

Não fazer provas discursivas muito curtas, que restrinjam muito a amostra de conteúdo a avaliar. Para isso, utilizar exames com perguntas discursivas e de resposta curta ou de completar, permitindo abordar um maior conteúdo, sem limitações de tempo para a correção das provas, para que se obtenha uma avaliação mais ampla em conteúdo, mais reprodutível e menos subjetiva.

3.3 RECOMENDAÇÕES PARA A CONFECÇÃO DE PROVAS OBJETIVAS •

Variar o tipo de pergunta para que a prova não seja monótona ou induza a erros de falta de atenção.

Que as provas objetivas não sejam longas e cansativas, respeitando-se o tempo de prova e os limites de velocidade de raciocínio dos alunos.

Que as provas de múltipla escolha tenham 5 opções (a, b, c, d, e), dispostas de maneira crescente ou alfabética, de tamanho semelhante e igualmente inteligentes e atraentes.

Que os enunciados sejam claros e objetivos, e que a dificuldade da questão seja do conteúdo e não da forma da pergunta.

Evitar aspectos por demasiado de memorização como datas, doses, prazos, fórmulas, etc.

Não utilizar opções como “todas estão corretas” ou “nenhuma das anteriores”.

Não utilizar duas ou mais opções corretas ou parcialmente corretas.

Cuidar que não haja indícios gramaticais que induzam à resposta.

Evitar a repetição de palavras que tenham sido utilizadas no enunciado.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.117-138, jul/dez. 2002


138 4 CONCLUSÃO A avaliação é balizadora das ações e mudanças do processo ensino-aprendizagem, e sua aplicação deve perseguir a eficiência para que se consiga, cada vez mais, um ensino de Medicina Veterinária de qualidade superior. A capacitação pedagógica dos professores é necessária para que se alcance este objetivo.

5 REFERÊNCIAS ANEIROS, R. Literatura basica, modulo evaluación y recursos del aprendizaje. La Havana: CENAPEN, 2001. DEPRESBITERIS, L. O desafio da avaliação da aprendizagem: dos fundamentos a uma proposta inovadora. São Paulo: EPU, 1989. MARTINS, P. L. O. Didática teórica/didática prática: para além do confronto. São Paulo: Loyola, 1993. SOUZA, C. P. de. Avaliação do rendimento escolar. Campinas: Papirus, 1991.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.117-138, jul/dez. 2002


ESTRATÉGIAS INOVADORAS EM ESTRUTURAS CONSERVADORAS: A GESTÃO DAS IMPOSSIBILIDADES

DENISE LIMA RABELO * MÁRCIA VALÉRIA FERREIRA DE CARVALHO **

* Especialista Professora de Marketing e Organização e Métodos Centro Universitário Vila Velha – UVV e-mail: denise@uvv.br ** Mestre Professora de Administração de Recursos Humanos Centro Universitário Vila Velha – UVV e-mail: mvaleria@uvv.br Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.139-152 , jul/dez. 2002


140


141 “A história da organização do trabalho”, como a da vida social, é, em essência, a história da mudança.” Paulo Roberto Motta

RESUMO Ainda que estejamos conscientes da necessidade de modelos de gestão inovadores, as mudanças neste sentido ainda não ocorreram, na prática, na maioria das organizações. As estruturas organizacionais podem ser modificadas com o propósito de se facilitar a integração, aproveitar as potencialidades do capital intelectual e criar melhores oportunidades de aprendizagem, mas a burocracia e seu conseqüente apego ao controle, ainda se constituem num obstáculo a vencer, para que estratégias inovadoras possam ser, de fato, uma realidade. Palavras-Chave: Modelos de gestão; Estruturas; Integração; Capital intelectual; Aprendizagem; Burocracia; Controle.

ABSTRACT The organizational world needs new management’s models, but changes in this subject seem too slow. The structure of the firms can be changed to facilitate the leadership and the integration between workers, to make a better use of the human intelligence and to create good chances to learn. However, the bureaucracy and the great control system in the firms are some of the biggest problems to be solved, so that the new management’s models can be really applied. Keywords: Management’s model; Structures; Integration; Intellectual capita; Learning; Bureaucracy; Control.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.139-152 , jul/dez. 2002


142 1 INTRODUÇÃO A capa do livro “A Era do Paradoxo: dando um sentido para o futuro”, de Handy (1995), apresenta uma interessante ilustração: uma capa de chuva vazia. E o autor, ao lado da ilustração, afirma: A capa de chuva vazia é, para mim, o símbolo do nosso paradoxo mais premente. Se o progresso econômico significa que nos tornamos meras engrenagens de uma grande máquina, então o progresso é uma falsa promessa. O desafio deve ser mostrar como o paradoxo pode ser controlado.

O paradoxo levantado por Handy (1995) é o de que “é preciso haver mais vida do que ser apenas engrenagem na máquina de alguém”. Suas dúvidas nos fazem refletir sobre o discurso da atualidade: na sociedade pós-capitalista retratada por Peter Drucker, o recurso econômico básico é o conhecimento. De acordo com Martin (1996), O conhecimento torna-se valioso quando aplicado ao trabalho. Uma grande empresa precisa de uma infra-estrutura para maximizar o uso do conhecimento. As empresas bem sucedidas são as que aprendem de todas as formas possíveis e utilizam, ao máximo, esse aprendizado. O conhecimento, constantemente renovado e aprimorado, é a principal fonte de vantagem competitiva.

As grandes e constantes transformações do mundo organizacional têm exigido das organizações uma postura mais ágil e competitiva, em frente a uma concorrência globalizada e movida por novas tecnologias. Na tentativa de responder rapidamente às necessidades do mercado, as empresas vêm investindo em aspectos capazes de renovar os processos organizacionais como flexibilidade, inovação, gestão mais eficaz e estratégias competitivas. Há consenso entre Pontes (1998), Wood Júnior e Picarelli Filho (1999) e Xavier et al. (1999) de que, no centro desse processo figura o bom desempenho das pessoas como fator imprescindível para o crescimento das organizações. Nesse contexto, o capital intelectual – soma do conhecimento de todos que participam da organização, assume o papel de real vantagem competitiva, capaz de agregar valor pela criatividade e inovação (STEWART, 1998). Afirma o autor que as diferentes formas de melhorar a eficácia da empresa, a cooperação, o aprendizado compartilhado, o conhecimento e a experiência Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.139-152 , jul/dez. 2002


143 de cada um são fatores capazes de gerar riqueza e difíceis de serem copiados pela concorrência. Para Wood Júnior e Picarelli Filho (1999, p. 175), “… capital intelectual é todo conhecimento, informação, experiência, talento e criatividade orientados estrategicamente para o atendimento dos objetivos da empresa”. Segundo os modelos propostos nessa nova situação, o trabalhador deve ser qualificado, polivalente, saber interferir no processo produtivo e, portanto, ser menos supervisionado. O novo perfil do empregado espelha um profissional comprometido, bem remunerado, ciente de suas atribuições, conhecedor do negócio da organização, participativo e com autonomia para tomar decisões. Assim, o sucesso de uma empresa baseada no conhecimento passa a depender das novas habilidades das pessoas que nela trabalham e das novas formas de gestão dessas pessoas (PONTES, 1998; STEWART, 1998; e WOOD JÚNIOR; PICARELLI FILHO, 1999). Tessari (1991) afirma que as transformações acabam por alterar o comportamento das pessoas que, conscientes de seus direitos e de seus valores, desejam contribuir, inovar e criar, na busca da auto-realização não só dentro, mas também fora das organizações. Para tanto, alerta a autora, as empresas deveriam modificar sua forma de gerenciar pessoas através de mecanismos que contribuíssem para a sua ambientação e compensação, visando à obtenção de um grau maior de colaboração para com a atuação global da organização.

2 GERENCIANDO AS TRANSFORMAÇÕES Micklethwait e Wooldridge (1998, p. 84), afirmam que as organizações estão utilizando vários mecanismos para atingir seus objetivos de competitividade e resultados rápidos. Segundo os autores, Hoje, algumas grandes empresas estão tentando decompor-se em milhares de pequenas empresas – esperando com isso investir de empowerment os trabalhadores da linha de frente. A teoria é que no frenético mundo de negócios de hoje muitas vezes é melhor tomar a decisão errada com rapidez do que a decisão certa lentamente.

Em um contexto caracterizado por complexidades e turbulências, vem aumentando a competitividade entre as organizações que, para se adaptarem Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.139-152 , jul/dez. 2002


144 às transformações rápidas, estão adotando novas tecnologias com a finalidade de sobrevivência, de obtenção de lucros e redução de custos e riscos (BRESCIANI, 1997; CHESNAIS, 1996; GORZ, 1995 e IANNI, 1994). Pretende-se, então, segundo o novo modelo proposto, dar ao trabalhador mais poder e autonomia para tomar decisões, tornando o processo mais ágil e de menor custo. Entretanto, o modelo de controle imposto pelo paradigma taylorista-fordista não deixou de existir, ao contrário, tem se tornado cada vez mais preciso e sofisticado. O acelerado desenvolvimento tecnológico tem exigido novas formas de organização do trabalho, maior investimento na formação dos trabalhadores e novos dispositivos de controle. Tais fatores vêm incitando as empresas a criarem novos métodos de gestão, em nome do aumento da produtividade, que é o grande desafio ao qual as organizações devem responder (LIMA, 1995).

Pagés et al. (1993, p. 28) afirmam que “... o desenvolvimento das forças produtivas (...) exige um reforço de controles, a criação de novos meios de controle e sua extensão às novas situações”. Existem, segundo esses autores, processos de mediação trabalhando para que os indivíduos aceitem as coerções/restrições da empresa em nome dos benefícios que a organização lhes oferece. Essa mediação se dá no aspecto econômico (relativo a salário), político (participação na empresa), ideológico1 (a empresa como a grande família) e psicológico (ligação afetiva com a empresa). As práticas e políticas organizacionais fazem com que o indivíduo internalize esse processo, escondendo os efeitos negativos e transferindo o conflito com a organização para um conflito consigo mesmo. Assim, a organização é vista de forma positiva e ele, indivíduo, passa a ser responsável pelos efeitos negativos, devendo, portanto, assumi-los.

1

Sobre ideologia, ver Demo (1988, p. 14) que enfatiza que a “Ideologia é a vestimenta que o poder coloca para sair a público, pois não se pode dizer abertamente que aprecia comandar. Esta ganância precisa ser camuflada com arte. Boa ideologia é aquela que monta com engenhosidade esta farsa, apelando, quando necessário, também para a mentira. A mentira não somente deturpa e torce a realidade, instiga tendenciosidade, encobre, mas também inventa, abandona fatos por versões e faz destas os fatos.”

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.139-152 , jul/dez. 2002


145 Enriquez (2000, p. 17) define o estrategista empresarial supostamente moderno como um tecnocrata, que discursa sua modernidade através da ênfase na estrutura estratégica: É necessário deixar claro que o tecnocrata não tem, em inúmeros casos, uma personalidade perversa. Porém, a necessidade de aplicar a racionalidade instrumental para o sucesso da sua ação, a obrigação de fazer calar suas emoções e de fazer com que os outros sirvam aos seus próprios planos, que estão em conformidade com os da organização, colocam-no, queira ele ou não, seja ele consciente ou não, numa posição perversa. Dito de outra forma, a estrutura perversa cria seres de acordo com o modelo que impõe.

Moscovici (1995, p. 2) também afirma: O modelo burocrático, em maior ou menor extensão, ainda vigora na maioria das organizações sociais. A tônica central da filosofia administrativa burocrática é no controle sobre as pessoas. A orientação burocrática caracteriza-se por uma visão mecânica, em que as pessoas são simples partes trocáveis para funcionamento contínuo e eficiente da máquina. A estrutura ou desenho organizacional desse modelo adota uma forma rígida, com cargos fixos, preestabelecidos. Os sistemas técnicos são desenhados por especialistas; a tecnologia determina a organização das tarefas e o fluxo de trabalho. Os sistemas de informação e decisão servem mais para atender a necessidades gerenciais do que para apoiar o trabalho principal de todos.

No entender de Hammer (1997), nossas organizações estiveram durante os últimos 200 anos voltadas para a realização de tarefas e não para a identificação e administração de processos. De acordo com a proposta da Reengenharia, a fim de obter melhores indicadores de desempenho em custos, velocidade, qualidade e atendimento, seria necessário destruir os “alicerces da organização tradicional”, adotando-se modelos mais sinérgicos em relação ao ambiente externo, o que provocaria continuadamente a revisão dos procedimentos internos. Desta forma, supõe-se que a organização em permanente processo de acompanhamento das demandas do ambiente externo e consciente da necessidade de migrar de uma visão limitada de gestão para modelos mais ágeis, Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.139-152 , jul/dez. 2002


146 dinâmicos, criativos e eficazes, seria em tese perfeitamente capaz de lidar com esse processo de amadurecimento, proporcionando as condições para que seus processos fossem revistos continuadamente. Essa é, sem dúvida uma premissa falsa, pois há um fator ignorado: organizações conscientes da necessidade de mudar têm ainda estruturas voltadas para equalizar o poder constituído, encontrando alternativas que possam melhorar resultados sem necessariamente alterar sua estrutura de controle. O conhecimento, enfim, ainda permanece supostamente no nível mais elevado da hierarquia, tal qual receitava Taylor. Na realidade, as práticas organizacionais modernas apontam para o fato de que as condições dadas pelas organizações para que as pessoas de fato assumam o perfil inovador e competitivo desejado pelo mercado são insuficientes. Muitas vezes, a estrutura formal e burocratizada impede os funcionários ou gerentes de decidirem ou levarem adiante projetos ousados e criativos. Segundo Boog (2001, p. 5), Programas de treinamento, capacitação, ou quaisquer outros que se proponham a resolver problemas estruturais ou conjunturais da empresa, de nada valerão enquanto não houver uma orientação no sentido de encaminhar as ações para um contexto pleno e permanente de desenvolvimento.

3 ESTRUTURAS MODERNAS, PODER TRADICIONAL São várias as considerações a serem feitas por ocasião da definição da estrutura de uma organização, levando-se em conta a perspectiva da contingência. Em maior ou menor grau, a incerteza está presente em todos as organizações, mas impactam-nas de formas variadas em momentos diferentes de sua história. As forças competitivas consideradas por Porter2 são um exemplo de que organizações em ramos de atuação diversos, de diferentes portes e em momentos particulares, poderão estar sofrendo uma potência coletiva dessas forças que varia de forma mais moderada até a mais intensa. Em cada uma

2

Ameaça de novos entrantes, ameaça de produtos substitutos, pressões dos clientes, pressões dos fornecedores e manobras por posicionamento dos concorrentes.

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.139-152 , jul/dez. 2002


147 dessas situações, inclusive em seus estágios intermediários, haverá uma estratégia mais adequada e, conseqüentemente, uma estrutura para dar suporte a essa estratégia. A incerteza ambiental afeta, pois, de maneira diferente, organizações distintas, e essas mesmas organizações podem ser afetadas de forma diferente em períodos particulares. O tamanho de uma organização é uma variável que irá interferir em seu modelo de estrutura. Por questões econômicas, de espaço e de proximidade das pessoas, uma estrutura funcional (figura 1), em que a organização define suas unidades considerando suas funções (Recursos Humanos, Marketing, Vendas, etc.) pode ser adequada à uma organização de pequeno porte, que tenha uma relativa estabilidade no que diz respeito aos impactos provocados pelo avanço tecnológico.

Figura 1

Neste caso, o número reduzido de pessoas e as facilidades daí decorrentes para o processo de comunicação, permitem que a organização promova sua adaptação ao ambiente, de forma gradual, assimilando os impactos ambientais, também de forma natural. Admitindo-se a hipótese de crescimento, uma das primeiras alternativas poderia estar ligada à passagem gradativa de uma estrutura funcional para uma estrutura em busca de novas oportunidades, como no exemplo a seguir:

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.139-152 , jul/dez. 2002


148

Figura 2

O mesmo não se pode afirmar com relação a uma organização de médio ou grande porte, que esteja num ramo em que os impactos ambientais sejam freqüentes e superponham-se com rapidez, diminuindo consideravelmente o tempo que os participantes da organização dispõem para assimilá-los. Provavelmente uma estrutura voltada para as unidades de negócios existentes e para a busca de novas oportunidades seja o mais adequado, uma vez que cada uma dessas unidades de negócios (UEN´s) dispõe da autonomia necessária para conduzir seus projetos (figura 3).

Figura 3

Além de outras estruturas, como a geográfica, de fácil compreensão pela própria terminologia, há que se considerar a estrutura matricial como uma oportunidade para médias empresas de garantir a comunicação entre os responsáveis pelos diversos projetos e as áreas funcionais da organização. Sua principal característica é a de subordinar as equipes, simultaneamente, aos gerentes de projetos e aos gerentes funcionais - trata-se, portanto, de uma Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.139-152 , jul/dez. 2002


149 fusão entre as estruturas divisional e funcional vistas anteriormente. Em virtude da subordinação múltipla, é realmente a capacidade de comunicação que fará com que a organização consiga atingir os objetivos pretendidos, quais sejam: manter a eficácia em ambientes de alta incerteza, tecnologia nãorotineira e elevado nível de exigência de interdependência. Mais modernamente, novas propostas em estruturas têm surgido, dentre elas as que sugerem um desenho circular. Do centro de uma estrutura tipo “pizza” partiriam as diretrizes comuns e, abrindo-se mão da hierarquia típica e tradicional, as equipes satélites em torno desse centro teriam assegurada sua autonomia de criação, promovendo-se a constante integração para obter-se um resultado comum.

4 CONCLUSÕES Nenhuma estrutura, por si só, pode garantir a participação. Participação se faz mediante vontade política. Nenhuma estrutura assegura um ambiente mais ou menos autônomo, aberto e participativo. Acreditar que a estrutura tipo “pizza”, por sua configuração circular, vai conduzir à integração e autonomia dos participantes da organização, é uma ingenuidade. Se o centro da estrutura entende diretrizes como regulamentos, a estrutura pouco importa. Importa é que estamos falando de centralização, burocracia e, conseqüente, apatia e alienação do trabalhador. De acordo com Chanlat (1995, p. 120), num modelo de gestão de natureza tecnoburocrática, ... o ser humano está, antes de tudo, submetido ao império da norma e aos limites que a mesma fixa para as suas atividades. Esse respeito à regra é uma das características da personalidade de uma organização burocrática. Colocado de antemão para controlar a incerteza e reduzir o arbitrário [...] o modo de gestão tecnoburocrático fundamenta-se na noção de um Homo Rationalis destituído de paixão. Tal como o modo tayloriano, ele encara a empresa como uma máquina, todavia racional e não unicamente mecânica...

No entender de Bock, Furtado e Teixeira (1993, p. 206), nos grupos sociais privados de expressão,

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.139-152 , jul/dez. 2002


150 Este não-dito, algo que o grupo deseja, mas não tem forma de expressar, acaba produzindo formas de conformismo (aqueles que acham que a organização sempre está certa em procurar controlar os grupos), ou formas de boicote que questionam a organização, mas ninguém sabe exatamente por quê (não se compreende o seu significado). Isso emperra o funcionamento da organização, numa espécie de vingança dos grupos pelo prazer que lhes é roubado ( a ausência de controle). Evidentemente, a melhor situação é aquela em que os grupos desvelam o não-dito e negociam de forma organizada o limite do desejo do grupo e o limite do controle da organização, produzindo um salutar processo de autogestão.

A própria gestão participativa, aclamada por permitir uma maior integração do trabalhador com a empresa, cria seu controle camuflado, alienante e não menos “escravizador” do que o taylorista. Adde (1986, apud CATTANI, 1997, p. 24): Essas diferentes posições revelam o caráter paradoxal da GP [gestão participativa]. Ao possibilitar a participação criativa dos assalariados, ela corresponde a um modelo de gestão menos hierarquizado, menos desumano [...] Por outro lado, o sucesso da GP traz a possibilidade da intensificação do trabalho e da assimilação, em termos individuais, de normas e disciplinas que redefinem e reforçam a hegemonia do capital.

Concluímos que os programas de capacitação ou treinamento, armas para o desenvolvimento das pessoas na busca de competitividade, tornam-se impotentes em frente a uma estrutura organizacional que não permite a utilização dos conhecimentos apreendidos. É perda de tempo e de dinheiro. Grande desafio tem sido para os gerentes modernos trabalhar na gestão do conhecimento. Melo (1996) afirma que a função gerencial tem sido muito pressionada com as novas exigências organizacionais. Gerenciar novos processos e habilidades em um capitalismo em construção tem sido uma experiência dolorosa e difícil. Para adaptar-se aos novos tempos, os gerentes têm necessidade de compartilhar sua função com subordinados, pares e pessoas de suporte, na tentativa de encontrar soluções para os novos problemas gerenciais advindos das novas formas e processos de trabalho. O grande paradoxo é que, ao mesmo tempo em que a empresa exige um profissional arrojado, conhecedor do seu negócio, competitivo e criativo, ela impede, muitas vezes, sua atuação através da estrutura formal, rígida, hierarSci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.139-152 , jul/dez. 2002


151 quizada e burocrática que adota. O fato é que o modelo de gestão, a condução dos processos e a estrutura da empresa precisam acompanhar o perfil do trabalhador moderno. As novas habilidades de competitividade, flexibilidade, inovação e criatividade necessitam encontrar espaço para serem utilizadas. Caso contrário, teremos apenas discurso e nada de prática. Daremos lugar a palavras vazias, incapazes de se transformar em ação. Em última instância, além de perda de tempo e dinheiro, teremos aumento de desinteresse, estresse e acomodação por parte dos trabalhadores, cansados de tentar, em vão, assumir seu novo papel e esbarrar nos antigos paradigmas burocráticos e hierarquizados dos quais as organizações vêm tentando, em nome da flexibilidade, escapar.

5 REFERÊNCIAS BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. de L. T. Psicologias. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1993. BOOG, G. Manual de treinamento e desenvolvimento: um guia de operações. São Paulo: Makron Books, 2001. BRESCIANI, L. P. Flexibilidade e reestruturação: o trabalho na encruzilhada. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 11, n. 1, p. 88-97, jan./mar. 1997. CATTANI, A. D. Gestão participativa. In: TRABALHO e tecnologia. [S.l.]: Dicionário Crítico, 1997. CHANLAT, J.-F. Modos de gestão, saúde e segurança no trabalho. In: DAVEL, E.; VASCONCELOS, J. (Org.). “Recursos” humanos e subjetividade. Petrópolis: Vozes, 1995. CHESNAIS, F. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996. DEMO, P. Ciência, ideologia e poder: uma sátira às ciências sociais. São Paulo: Atlas, 1988. ENRIQUEZ, E. Vida psíquica e organização. In: MOTTA, F. C. P.; FREITAS, M. É. de (Org.). Vida psíquica e organização. Rio de Janeiro: FGV, 2000. GORZ, A. Saindo da sociedade do trabalho assalariado. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 9, n. 3, p. 135-144, jul./set. 1995. Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.139-152 , jul/dez. 2002


152 HAMMER, M. Além da reengenharia: como organizações orientadas para processos estão mudando nosso trabalho e nossas vidas. Rio de Janeiro: Campus, 1997. HANDY, C. A era do paradoxo: dando um sentido para o futuro. São Paulo: Makron Books, 1995. IANNI, O. O mundo do trabalho. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 2-12, jan./mar. 1994. LIMA, M. E. A. Os equívocos da excelência: as novas formas de sedução das empresas. Petrópolis: Vozes, 1995. MARTIN, J. A grande transição. São Paulo: Futura, 1996. MELO, M. C. O. L. O exercício da função gerencial em tempos de novas tecnologias organizacionais: da gestão profissional à função compartilhada. In: ENANPAD, 20., 1996, Angra dos Reis. [Anais...]. [S.l.]: ANPAD, [1996?]. MICKLETHWAIT, J.; WOOLDRIDGE, A. Os bruxos da administração: como entender a babel dos gurus empresariais. Rio de Janeiro: Campus, 1998. MOSCOVICI, F. Renascença organizacional. 5. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1995. PAGÉS, M. et al. O poder das organizações. São Paulo: Atlas, 1993. PONTES, B. R. Administração de cargos e salários. São Paulo: LTR, 1998. STEWART, T. A. Capital intelectual: a nova vantagem competitiva das empresas. Rio de Janeiro: Campus, 1998. TESSARI, R. A remuneração como fator contributivo para atingir maior nível de competitividade nas empresas no mercado. São Paulo: USP, FEA, 1991. WOOD JÚNIOR, T.; PICARELLI FILHO, V. Remuneração por habilidades e por competências: preparando a organização para a era das empresas de conhecimento intensivo. São Paulo: Atlas, 1999. XAVIER, P. R. et al. Remuneração variável: quando os resultados falam mais alto. São Paulo: Makron Books, 1999. Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2, p.139-152 , jul/dez. 2002


NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS

Sci. Vila Velha (ES), v. 3, n. 2,

, jul/dez. 2002


154


155 REVISTA SCIENTIA

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO DAS FINALIDADES A Revista Scientia é uma publicação da Diretoria de Pós-Graduação do Centro Universitário Vila Velha com vistas à divulgação semestral de produções científicas e acadêmicas nos formatos: editorial, artigo de pesquisa, artigo de revisão, relato de experiência, resenha e resumos de tese, dissertação e monografia de pós-graduação, cujo conteúdo é o que se segue: •

Editorial: comentário crítico e aprofundado dos editores.

Artigos de pesquisa: relatos de pesquisas com introdução, metodologia, resultados e discussão, considerações finais e referências.

Artigos de revisão: comentários analíticos e reflexivos sobre temas, a partir do levantamento de bibliografia disponível.

Relatos de experiência: descrições criteriosas de práticas de intervenções e vivências acadêmicas que possam interessar para a atuação de outros profissionais.

Resenhas: revisões críticas de livros, artigos, teses e dissertações.

Resumos: descrições sucintas do conteúdo de tese, dissertação ou monografia de pós-graduação, de caráter informativo, não deve ultrapassar o limite de 500 palavras.

DAS ORIENTAÇÕES GERAIS Dois terços da revista estão destinados à publicação de artigos de pesquisa. No caso do relato de experiência, será publicado apenas um por revista. A critério do Conselho Editorial, poderão ser publicados fascículos ou números especiais, que atendam à demanda das linhas de pesquisa da Pós-graduação.


156 Cada número da revista buscará enfocar uma área de conhecimento, definida pelo Conselho Editorial, em consonância com as políticas de pesquisa e pós-graduação adotadas pela UVV.

DO CONSELHO EDITORIAL O Conselho Editorial da revista é constituído pelos seguintes membros: •

Diretor de Pós-graduação, membro nato e seu presidente;

Coordenador de Pós-graduação Lato Sensu, membro nato;

Coordenador de Pesquisa, membro nato;

Coordenador Executivo da Revista, membro nato; e

Cinco membros da Comunidade Acadêmica, representantes de diferentes áreas do saber com, no mínimo, o título de mestre. Tais representantes, com mandato de dois anos devem ser indicados pelo Diretor de Pós-Graduação.

O Conselho observará: •

A adequação do manuscrito ao escopo da revista;

A temática proposta para cada volume;

A qualidade científica, que além de ser atestada por esse mesmo Conselho, deve ser comprovada por um processo anônimo de avaliação realizado por pareceristas ad hoc, indicados para esse fim;

O cumprimento das presentes normas para publicação.

DA ACEITAÇÃO E PUBLICAÇÃO DOS TRABALHOS A publicação do trabalho estará condicionada ao parecer favorável do Conselho Editorial. Do resultado da avaliação descrita no item anterior podem derivar três situações, a saber:


157 •

manuscrito aceito, sem restrições;

manuscrito aceito, com restrições passíveis de revisão;

manuscrito recusado;

Uma vez aprovado e aceito o manuscrito, cabe à revista a exclusividade de sua publicação. Uma vez recusado o manuscrito, este poderá ser novamente apresentado à revista. No caso do manuscrito ser recusado duas vezes, a revista não aceitará reapresentação. O(s) autor(es) de cada manuscrito recebe(m) gratuitamente dois exemplares da revista.

DO ENCAMINHAMENTO Os manuscritos devem ser encaminhados à Coordenação Executiva da revista, acompanhados de ofício, em que constem: •

Concessão dos direitos autorais para publicação na revista;

Concordância com as presentes normatizações;

Procedência do artigo com entidade financiadora;

Dados sobre o autor: titulação acadêmica, vínculo institucional, endereço para correspondência, telefone e e-mail.

DA APRESENTAÇÃO E ESTRUTURA DOS TRABALHOS O manuscrito deve ser redigido em português, entregue em duas vias, digitadas em software compatível com o ambiente Windows (Word) e acompanhadas de um disquete (3 ½ HD) ou CD-ROM contendo o trabalho completo. Na etiqueta do disquete (ou CD-ROM) deverá constar: o título do manuscrito, a autoria e a versão do software. O manuscrito deve ser organizado da seguinte forma:


158 •

Página de rosto: Título (em português e inglês, conciso); Autor(es) (Vínculo Instituicional, titulação, área acadêmica que atua e e-mail), financiamento e endereço para contato.

Página de resumo: título e resumo, em português e inglês, ambos com o máximo de 100 palavras cada, e palavras-chave. Não incluir o nome dos autores.

Manuscrito: Título, Introdução, Desenvolvimento do texto (número de seções, figuras, tabelas e similares, se for o caso); Considerações Finais e Referências. Não incluir nome dos autores.

O texto deve ter no máximo 30 páginas para artigos de pesquisa e artigos de revisão; 10 páginas para relatos de experiência; quatro para resenhas e uma para resumo. Todas obedecendo ao seguinte formato: •

Fonte: Arial 12 no corpo do trabalho para o texto; 12 para tabelas, quadros e similares, e 10 para notas de rodapé;

Espaçamento: 1,5 entre linhas de cada parágrafo; e duplo, para figuras e/ ou fórmulas;

Alinhamento: justificado, para parágrafos comuns, e adentrado (12 toques a partir da margem esquerda, em bloco e em espaço simples), para citações literais com mais de três linhas;

Paginação: canto superior direito;

Configuração: 3 cm, nas margens superior, inferior e esquerda; e 2 cm na margem direita; 1,25 cm para cabeçalho e o rodapé;

Tamanho do papel: A4;

Título: centralizado, em negrito, e maiúsculas.

Nome do(s) autor(es): dois espaços abaixo do título, em maiúsculas/minúsculas, alinhado à direita, com indicação da titulação e do(s) vínculo(s) institucional(is).

As citações no interior do texto devem ser digitadas em itálico e separadas por aspas. No final da citação deve aparecer entre parênteses o sobrenome do autor, ano e página da publicação. Exemplo: (Lakatos, 1995, p.18).


159 •

Citações mais longas do que três linhas devem ser destacadas do parágrafo (iniciando a doze toques a partir da margem esquerda) e digitadas em espaço simples, sem aspas. Todas as citações no corpo do texto devem ser listadas na seção de Referências no final do texto. As indicações bibliográficas completas não devem ser citadas no corpo do texto. Entre parênteses devem ser indicados apenas o sobrenome do autor, data e páginas. Ex. (Severino, 2000, p.23).

As notas de rodapé no final da página deverão se restringir a comentários estritamente necessários ao desenvolvimento da exposição e não para citações bibliográficas.

As resenhas (de livros, teses, CD sonoro, CD-ROM, produtos de hipermídia etc) devem ter um título próprio que seja diferente do título do trabalho resenhado. O título deve ser seguido das referências completas do trabalho que está sendo resenhado.

As referências bibliográficas devem ser colocadas em seguida ao artigo, de acordo com o padrão científico da NBR 6023 (ABNT).

a) Livros: sobrenome do autor em maiúsculas, nome em minúsculas, seguido de ponto final, título em negrito seguido por ponto final, cidade seguida por dois pontos, editora e ano de publicação. Exemplo: b) QUINET, Antonio. Um olhar a mais, ver e ser visto na psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. c) Capítulos de livro ou artigos de coletânea: WEFFORT, Francisco. Nordestinos em São Paulo: notas para um estudo sobre cultura nacional e classes populares. In: VALLE, Edênio; QUEIROZ, José J. (Orgs.). A cultura do povo. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1984. p. 1223. (institutos de estudos especiais). d) Artigos em periódicos: CHAUÍ, Marilena. Ética e universidade. Universidade e Sociedade, São Paulo, ano v. n.8, p.82-87, fev. 1995. e) Textos da Internet: CHANDLER, Daniel. An introduction to genre theory. Disponível em: http://www.aber.ac.uk/~dgc/intgenre.html. Acesso em: 23 ago. 2000.


160 Os trabalhos destinados à apreciação do Conselho Editorial da Revista SCIENTIA devem estar rigorosamente de acordo com as normas da ABNT e ser encaminhados (até o dia 15 de maio para as publicações de julho a dezembro, e 15 de outubro para as publicações de janeiro a junho) à: Coordenação Executiva da Revista SCIENTIA, Centro Universitário Vila Velha – SEDES/ UVV - ES, Campus Boa Vista, Rua Comissário José Dantas de Melo, 21, Vila Velha, ES, Brasil, Cep 29.102.770. Telefone: (27) 3314 2525. E-mail: scientia@uvv.br


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.